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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
KÁTIA CRISTINA MENDES DE FRANÇA
MENTES ASSASSINAS E AS MEDIDAS DE SEGURANÇA
JOÃO PESSOA
2013
KÁTIA CRISTINA MENDES DE FRANÇA
MENTES ASSASSINAS E AS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Trabalho de Conclusão de Curso -TCC- apresentado à Fesp Faculdades de Ensino Superior da Paraíba – Curso de Graduação em Direito para atender exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em direito. Área de Concentração: Direito Penal Orientadora: Profª. Gabriela Henriques da Nóbrega
João Pessoa
2013
F814m França, Kátia Cristina Mendes de
Mentes assassinas e as medidas de segurança. / Kátia Cristina Mendes de França. – João Pessoa, 2013.
20f. Orientadora: Profª. Gabriela Henriques da Nóbrega Artigo (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino Superior da
Paraíba – FESP.
1. Psicopatia 2. Inimputabilidade 3. Medida de Segurança I. Título.
BC/FESP CDU: 343(043)
KÁTIA CRISTINA MENDES DE FRANÇA
MENTES ASSASSINAS E AS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Trabalho de Conclusão de Curso -TCC- apresentado à Fesp Faculdades de Ensino Superior da Paraíba – Curso de Graduação em Direito para atender exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em direito.
Aprovado em ____/____/_____.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ Profª. Gabriela Henriques da Nóbrega
Orientadora Fesp Faculdades
________________________________________________ Professor Examinador
Fesp Faculdades
_________________________________________________ Professor Examinador
Fesp Faculdades
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MENTES ASSASSINAS E A MEDIDA DE SEGURANÇA
KÁTIA CRISTINA MENDES DE FRANÇA *
RESUMO
O presente trabalho busca compreender a aplicação das medidas de segurança em face dos portadores de psicopatia. Nesse sentido, investiga de que maneira aquelas medidas encontram previsão no ordenamento jurídico brasileiro, quais os critérios utilizados pelo juiz para sua decretação e se são instrumentos eficientes para o tratamento dos psicopatas. Para tanto, compreende, incialmente, o psicopata como pessoa humana digna. Em seguida, busca analisar a questão da culpabilidade de seu comportamento. Por fim, aponta a instituição das medidas de segurança pelo regime penal vigente. Para composição deste estudo, realiza-se uma pesquisa descritiva, hipotético-dedutiva e de observação indireta. Palavras-chave: Psicopatia. Inimputabilidade. Medida de Segurança.
1 INTRODUÇÃO
A psociopatia, também denominada sociopatia, é um transtorno de personalidade que
atinge 4% do total da população mundial. Seus portadores são indivíduos frios e calculistas,
que têm total incapacidade de sentir amor, pena ou compaixão pelo outro. Caracterizam-se,
usualmente, pelo raciocínio frio e desumano, desprovido de qualquer sentimento de culpa ou
arrependimento.
A psicopatia existe em diferentes intensidades. Os de grau leve possuem inteligência
elevada e conseguem interagir com as pessoas, mas costumam ser mentirosos, dissimulados e
podem ter ataques repentinos. Os de grau médio ou elevado são antissociais, impulsivos,
meticulosos, rancorosos, não se interessam pela moralidade e pela legalidade e criam suas
próprias regras.
Sendo assim, devido à apatia que lhes caracteriza, os sociopatas têm propensão a
cometer uma larga escala de crimes: estelionato, fraude, vadiagem, posse de entorpecente,
sequestro, estupro etc. A questão se torna mais intrigante quando se percebe que muitos serial
killers (assassinos em série) foram diagnosticados com o quadro de sociopatia, a exemplo do
americano Teddy Bundy, que abusou e estuprou 30 mulheres, da americana Sante Kimmes,
que matava banqueiros para tirar proveito financeiro, e do brasileiro João Acácio Pereira da
* Concluinte do Curso de Direito da Faculdade de Ensino Superior da. E-mail: [email protected]
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Costa (o “Bandido da Luz Vermelha”), que foi acusado de cometer oficialmente 88 delitos,
sendo 77 assaltos, 2 homicídios, 2 latrocínios e 7 tentativas de morte.
Nesse cenário, é de grande importância discutir qual deve ser a posição do psicopata
em face da legislação penal. Afinal, ademais de serem infratores costumazes, eles não
aprendem com os castigos e as punições, continuando a se comportar de maneira contrária aos
ditames sociais.
Em outros países, são adotadas medidas extremas quando há o cometimento de crime
grave por psicopata. Citem-se a castração, a pena de morte, a prisão perpétua e o isolamento
em cela individual. No Brasil, contudo, a Constituição Federal, pautada pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, inviabiliza a aplicação dessas medidas, pois proíbe o tratamento
cruel, desumano, e a tortura.
Diante do que foi exposto, o presente trabalho busca compreender a aplicação no
Brasil das medidas de segurança em face dos portadores de psicopatia. Nesse sentido,
investiga de que maneira aquelas medidas encontram previsão no ordenamento jurídico
brasileiro, quais os critérios utilizados pelo juiz para sua decretação e se são instrumentos
eficientes para o tratamento dos psicopatas.
Para tanto, busca compreender, incialmente, o psicopata como pessoa humana digna.
Em seguida, analisa a questão da excludente de culpabilidade em relação ao seu
comportamento. Por fim, demonstra como o regime penal pátrio tem tratado o tema da
psicopatia, destacando a questão da aplicação das medidas de segurança no caso concreto.
Para composição deste estudo, realiza-se uma pesquisa descritiva, hipotético-dedutiva
e de observação indireta. Além disso, lança mão da interdisciplinaridade, buscando
fundamentação teórica no Direito, na Psiquiatria e na Psicologia.
2 O SOCIOPATA COMO PESSOA HUMANA DIGNA
2.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana é, atualmente, um princípio largamente recepcionado
pelo direito internacional e pelos ordenamentos internos. Contudo, este é um termo plurívoco,
cujo significado apresenta variação em conformidade com o contexto em que se insere.
Na Grécia Antiga, a dignidade da pessoa humana relacionava-se com a posição que o
indivíduo ocupava na sociedade. Conforme explica Rabenhorst (2001), seriam dignas as
pessoas que podiam, por meio do uso da razão, compreender o mundo e elaborar um
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pensamento lógico, o que, em face da configuração política da democracia aristocrática,
correspondia aos atenienses do sexo masculino em gozo de suas liberdades. Excluíam-se,
assim, as mulheres, os escravos e os estrangeiros, compreendidos como seres inferiores
devido à sua própria natureza.
Nesse período, ressalta-se, o estoicismo trouxe uma visão diferenciada acerca da
dignidade. Diferentemente de Sócrates, Platão, Aristóteles, os estoicos perceberam-na como
uma qualidade essencial do homem, que o diferenciava dos demais animais, reconhecendo-a a
partir de um sentido moral e sociopolítico.
Assim, de acordo com o pensamento estoico, havia uma unicidade do gênero humano,
na medida em que os indivíduos manifestavam uma “idêntica capacidade de pensar”. Os
homens deviam ser vistos como livres e iguais, só podendo ser distinguidos pela natureza
moral: alguns são sábios, outros insensatos (emotivos) (RABENHORST, 2001, p. 23).
Em face do império romano, o conceito de dignidade humana, assim como na filosofia
grega majoritária, apresentou um caráter discriminatório. Nessa época, alguns indivíduos não
eram vistos como pessoas, possuindo o mesmo status que uma coisa. Os escravos eram
considerados bens materiais, parte da propriedade, razão pela qual podiam ser castigados,
vendidos e mortos (IGLESIAS, 2012).
Com a desintegração do Império Romano do Ocidente, iniciou-se a Idade Média.
Umas de suas estruturas básicas era a Igreja Católica, o que propiciou o amparo da dignidade
à universalidade das pessoas. Isso porque, pelo cristianismo, todo homem foi criado à imagem
e à semelhança de Deus, o que implicaria na igualdade entre todos os seres humanos.
Deste modo, o universalismo cristão, abalizado na fraternidade entre os homens, erigiu
a teoria do direito natural, pela qual reconhecia a lei divina como um mandamus anterior e
superior à legislação das organizações humanas, dispondo os seres humanos no centro de uma
ordem sócio-jurídica justa, caracterizada pela igualdade e liberdade (SARLET, 2002).
Na Idade Moderna, os auspícios do Iluminismo trouxeram uma visão antropocêntrica
do mundo, em que o homem configurava como o único ser dotado de razão, capaz de obter o
que deseja e quer. Nesse escopo, o direito natural sofreu algumas modificações, passando a
expressar que os seres humanos são livres por natureza e que têm direitos inatos que não
podem ser privados. Com isso, o elemento essencial da dignidade humana tinha por base a
própria natureza racional do homem, desvencilhando-se da perspectiva do criador.
O principal filósofo da época a discorrer sobre a dignidade da pessoa humana foi
Immanuel Kant. Para ele, a dignidade era uma qualidade insubstituível dos seres humanos,
decorrente de sua autonomia racional, pois é ela que faz o homem um fim em si mesmo.
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Nessa ótica, haveria violação à dignidade toda vez que este fosse reduzido a objeto ou a coisa,
pois: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem
preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de
todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”
(KANT, 2002, p. 82).
A Declaração de Direitos da Virgínia (1776), a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão (1789) e o Bill of Rights americano (1791) absolveram essa nova visão acerca da
dignidade da pessoa humana, reconhecendo-a como um direito inerente a todo o ser humano.
Nesse sentido, asseguraram-se os direitos individuais e, timidamente, os direitos coletivos
como universais, válidos e exigíveis a qualquer tempo e lugar, sendo eles inalienáveis,
irredutíveis e, por conseguinte, não suscetíveis de supressão por ordem legislativa.
Esse posicionamento foi reforçado após a criação da Organização das Nações Unidas
(ONU), em 1945. Surgida em resposta às crueldades que marcaram o regime nazifascista e às
mortes de civis da Segunda Guerra Mundial, ela buscou reorientar as políticas internacionais e
o direito interno dos países em direção à proteção da dignidade da pessoa humana. Dessa
forma, sua carta constitutiva prevê a união dos membros da organização com o fim de
“reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano”
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945).
A partir de então, as inúmeras declarações e convenções internacionais, emitidas no
escopo das mais distintas organizações de âmbito internacional, governamental e não
governamental, perfilham a dignidade da pessoa humana como fundamento dos Direitos
Humanos. Dessa forma, atualmente, é conceituada como:
[a] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2002, p. 67)
Nesse delineamento, percebe Rocha (2001) um movimento em direção à
constitucionalização da dignidade da pessoa humana, pelo qual esta é inserida nas Cartas
Políticas dos distintos Estados como o princípio matriz do ordenamento jurídico interno,
possuindo caráter vinculativo em relação ao Estado e à comunidade. Representa o valor
supremo do sistema, sem o qual não é possível concretizar direitos e deveres.
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No Brasil, a Constituição Federal vigente, que data de 1988, erigiu a dignidade da
pessoa humana como fundamento do nosso Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso
III). Isso significa que é ela um comando jurídico dotado de superioridade hierárquica no
sistema legal pátrio, pelo qual o aparato estatal se obriga a assegurar as condições políticas,
sociais, econômicas, culturais e jurídicas necessárias para que todas as pessoas presentes em
seu território, independentemente de sua nacionalidade, tenham plena fruição dos direitos
fundamentais, individuais e coletivos.
Nesse sentido, no campo penal, o Estado, ao aplicar o jus puniendi, não pode se
olvidar de garantir tratamento digno ao acusado de cometer crime ou ao preso.
Independentemente do ilícito, é necessário assegurar os direitos e as garantias previstas na Lei
Fundamental, reconhecendo aquele como pessoa humana.
É diante dessa perspectiva que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 traz uma
série de incisos que garantem a dignidade do acusado/apenado, promovendo a humanização
do rigor penal. Por um lado, proíbe-se a tortura, o tratamento degradante ou desumano (inciso
III), o uso de provas obtidas por meio ilícito (inciso LVI), a criação de juízos ou tribunais de
exceção (inciso XXXVII), a culpabilidade antes do trânsito em julgado de sentença
condenatória (inciso LVII), a prisão arbitrária (inciso LXI, LXV e LXVI) e a aplicação de
penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. Por outro,
assegura-se o respeito à integridade física e moral (inciso XLIX), a observância do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa (inciso LV), o julgamento por juiz
competente (LII), a individualização da pena – salvo nos casos previstos em lei (incisos XLV
e XLVI), o manuseio de habeas corpus (inciso LXVIII), o direito à amamentação do filho
(inciso L), a assistência da família e do advogado (incisos LXII e LXIII), a ciência de seus
direitos no ato da prisão (incisos LXIII) e a identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo
interrogatório policial (inciso LXIV).
Portanto, no mundo contemporâneo, a dignidade é conhecida como uma caraterística
inerente a qualquer pessoa humana, independentemente de sua nacionalidade ou qualquer
característica física, social, política ou cultural. É por esse pensamento que se guia o
ordenamento jurídico nacional, que busca, através da Constituição Federal e das demais
normas internas, garantir às pessoas inseridas em seu território, indiscriminadamente, a tutela
dos direitos fundamentais.
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2.2 ENTENDENDO A PSICOPATIA
Ordinariamente, o termo “psicopata” é utilizado para definir as pessoas que não se
adequam à realidade social e às suas normas de conduta. Nesse sentido, muitas vezes é
confundido com as terminologias “doente mental” e “louco”. No entanto, atualmente, a
psicopatia, também denominada sociopatia, é vista como um transtorno de personalidade.
Conforme explica Silva (2008), pela etimologia da palavra, a psicopatia seria uma
doença mental, já que “psico” quer dizer mente e “pathos” , doença, porém os estudiosos do
ramo já superaram esse significado. Diferentemente do doente mental, o psicopata não sofre
com delírios e alucinações. Ao contrário, ele tem ciência do que faz, com quem e por quê,
sendo que é um ser apático, movido pelo excesso de razão e pela ausência de emoção.
A seu turno, o autor Sgarioni (2009) destaca que os psicopatas não podem ser
considerados loucos. Isso porque são pessoas incrivelmente inteligentes, com ampla destreza
no raciocínio lógico, que sabem distinguir entre o certo e o errado. Assevera que sua
deficiência está localizada no campo afetivo.
No mesmo sentido, explica Jorge Trindade (2012) que a psicopatia refere-se a uma
individual característica de modelos de pensamento, sentimento e comportamento, sendo uma
característica interna da pessoa, mas que se manifesta globalmente, em todas as facetas do
indivíduo. Constitui-se, dessa forma, em um modelo particular de personalidade.
A Organização Mundial da Saúde, em acordo com a opinião majoritária, considera a
psicopatia como um transtorno de personalidade. Assim, segundo a Classificação
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), seus portadores se
caracterizam por um desprezo das obrigações sociais e pela falta de empatia para com os
outros, havendo um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais
estabelecidas. Desse modo, têm condutas dificilmente modificadas pelas experiências
adversas, inclusive pelas punições.
A doutrina de França (2011) se propõe a identificar os seguintes tipos de psicopatas:
os de personalidade fanática ou passional, os quais possuem tensão afetiva, sequência de
decepções e querem ter as suas ideias como única verdade prevalecente; aqueles com
personalidade depressiva, caracterizados pela falta de alegria, pela melancolia habitual, pelo
pessimismo e pelo descontentamento; os hipertímicos, que apresentam bom humor e
conseguem viver amigavelmente com as pessoas, mas que podem apresentar uma explosão
súbita de fúria; e os de personalidade narcisista e dependente, os quais possuem traços de
imoralidade e não se interessam por sentimentos alheios.
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Existem ainda os psicopatas com personalidade explosiva ou epileptoide, que têm
bruscos ataques de cólera, manifestados verbal ou fisicamente; os de personalidade cicloide,
os quais alternam exaltação e depressão, alegria e tristeza, sendo impulsivos e irritados com
facilidade; aqueles com personalidade borderline, caracterizados pela sanidade e pela
presença da manipulação e rejeição sentimental; os obsessivos-compulsivos, que têm um
comportamento perfeccionista e inflexível; os histéricos, os quais sentem a necessidade de
atrair a atenção; aqueles com personalidade amoral: isento de compaixão ou culpa, não
compreendem as normas éticas da sociedade; e, por fim, os ostentativos, relacionados aos
mentirosos, aos defraudadores, que procuram aparentar mais do que aquilo que na realidade
são (FRANÇA, 2011).
O psicólogo Genovês (apud GOMES; MOLINA, 2008), simplificando a
supramencionada classificação, constatou que a psicopatia é composta por duas dimensões. A
primeira refere-se à área emocional: o psicopata não possui a capacidade de se relacionar
emocionalmente com seus semelhantes nem apresenta respostas psicofisiológicas
concernentes ao medo e à ansiedade, sendo egocêntrico (narcisismo e elevada autoestima),
manipulador (loquacidade), mentiroso e cruel (ausência de remorso e culpa, falta de empatia e
déficit afetivo).
A dimensão relativa ao estilo de vida antissocial, a seu turno, caracteriza o psicopata
como agressivo (necessidade de sentir tensão constantemente), impulsivo (agir ditado pelo
capricho e pelo desejo permanente de alcançar a satisfação imediata), irresponsável (inexiste
preocupação com a repercussão negativa de seu comportamento para as pessoas em seu
entorno) e insensível (falta de percepção das atitudes cruéis cometidas contra as pessoas e os
animais).
Essas características, segundo demonstram os estudos científicos, advêm da própria
estrutura peculiar do cérebro dos psicopatas. Seu sistema límbico, parte cerebral responsável
pelas emoções, não funciona, razão pela qual reagem de forma indiferente em face de
imagens chocantes, como o maltrato de crianças e a morte (SILVA, 2008).
Apresentam um baixo funcionamento da região córtex pré-frontal, parte responsável
por diversos comportamentos associados às relações, como autocontrole, julgamento,
planejamento, equilíbrio, necessidades pessoais e sociais. Por conseguinte, podem apresentar
uma conduta impulsiva e imatura, o que facilita atos agressivos (DEUS, 2009).
Apesar dessa configuração diferenciada do cérebro, registre-se que não há
comprovação de que a psicopatia seja um transtorno genético. Segundo Trindade (2012), esta
seria denominada psicopatia primária, decorrente de déficits constitucionais, presente na
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estrutura biopsíquica desde a gestação. Identifica também, contudo, a psicopatia secundária, a
qual é produto das experiências negativas do indivíduo e do ambiente em que se encontra
inserido, desenvolvendo-se ao longo da vida, especialmente durante a infância.
Portanto, diante da indiferença que o baliza, o psicopata se torna um “indivíduo
especialmente preparado para patrocinar as empreitadas criminais mais absurdas e para
executar delitos com uma violência desproporcional e gratuita” (GOMES; MOLINA, 2008, p.
274). Conforme explica Cabral (2010), ele não se rege pelos regramentos normativos
previstos no sistema legal, criando suas próprias leis e, dessa forma, não se inibindo no
momento de cometer algum tipo penal.
Sobre o tema, Szklarz (2009) explica o comportamento do psicopata nas diversas
etapas que ronda o crime. Na preparação, ele prepara minunciosamente a ação e só comete
quando e onde julgar ideal. Apesar de impulsivo, não é passional, razão pela qual consegue
administrar a tensão e o estresse. No momento do delito, procura humilhar, subjugar e causar
dor. O tipo de crime depende do grau de psicopatia: enquanto alguns cometem fraudes e
estelionatos, outros optam pela violência - homicídios, estupros, sequestros e torturas.
O autor destaca, ainda, que o psicopata, após cometer o crime, tenta eliminar as provas
que levem à sua autoria. Em alguns casos, esquarteja as vítimas para dar sumiço no corpo; em
outros, deixa pistas no local ou envia-as à policia, em uma demonstração de desprezo pela
autoridade. Entretanto, se é pego, nega categoricamente o crime, simula múltiplas
personalidades, tenta manipular a todos e convencer o promotor, o juiz e a família das vítimas
de sua inocência ou insanidade.
O psicopata “não tem capacidade para ver-se a si mesmo como os outros o veem, para
conhecer como sentem os demais quando o veem, para apreciar os afetos e valores que suscite
nos outros a sua existência” (GOMES; MOLINA, 2008, p. 275-276), porém isso não retira
seu caráter humano. Ele deve ser reconhecido pela sociedade e pelas instituições públicas
como sujeito de direitos e, como tal, merece tratamento diferenciado tendo em vista suas
características peculiares, o qual, contudo, deve se apoiar no alcance de uma vida digna.
3 A QUESTÃO DA INIMPUTABILIDADE DO SOCIOPATA
A sociopatia traz elementos interessantes para discussões no mundo jurídico. Tendo
em vista ser um criminoso rotineiro, remanesce a questão sobre a culpabilidade do psicopata
por seus atos delitivos.
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A responsabilidade penal diz respeito ao dever jurídico de responder por uma
transgressão penal, seja um crime, seja uma contravenção. Ela recai sobre um agente
imputável, o qual cumpirá uma pena, de caráter pessoal e intransferivel, visando à reparação
da ordem social e à sua punição.
Nesse escopo, explica Jesus (2010) que a imputabilidade penal é o conjunto de
condições pessoais que aufere ao agente capacidade para lhe ser juridicamente atribuída a
prática de um fato punível. Ou seja, é imputável o sujeito mentalmente são e desenvolvido, o
qual possui capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica.
Com a mesma interpretação, Capez (2011) indica que imputabilidade refere-se à
atribuição de fato punível à agente com capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento. O imputável, assim, tem o comando da
própria vontade, tendo condições psicológicas, morais e físicas de saber que está realizando
um ilícito penal.
Por conseguinte, a inimputabilidade ocorre quando o agente, no momento da ação, for
totalmente incapaz de entender e/ou determinar-se de acordo com o entendimento do caráter
delituoso de sua ação. A semi-imputabilidade, por sua vez, relaciona-se ao agente que, no
momento da ação, for parcialmente incapaz de entender e/ou determinar-se de acordo com o
entendimento do caráter delituoso de sua ação. Neste sentido, prevê o artigo 26, do Código
Penal brasileiro:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 2012b, p. 481).
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Deste modo, cabe ao juiz, no caso concreto, avaliar a personalidade do acusado e
determinar a pena cabível. Nesse diapasão, preceitua o artigo 59 que aquele deve analisar a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as
circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima,
estabelecendo, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
as penas aplicáveis dentre as cominadas; a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites
previstos; e o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (BRASIL,
2012b).
No sistema penal brasileiro, os agentes imputáveis são submetidos às seguintes
penalidades previstas em lei: penas privativas de liberdade, cumpridas em regime aberto,
semiaberto ou fechado, a depender da condenação; as restritivas de direitos; e a multa, que
pode ser independente ou cumulada com as outras espécies. Aos semi-imputáveis são
aplicadas essas penalidades, mas com o benefício da redução de pena, ou podem ser
internados em hospitais psiquiátricos, de acordo com o entendimento do juiz diante do caso.
Aos inimputáveis, a seu turno, cabe tão somente as medidas de segurança.
No caso do artigo 26, referente à inimputabilidade e semi-imputabilidade dos agentes
portadores doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, o juiz ordena de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente,
irmão ou cônjuge do acusado, que o acusado seja submetido a exame médico-legal. Nesse
caso, nomear-se-á curador, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo
quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.
Na maioria dos casos, o psicopata é enquadrado como agente inimputável. Isso
porque, apesar de ter plena ciência da ilicitude de seu ato, ele não costuma aprender com seus
erros e com punições, de forma que, quando solto, volta a cometer crimes. Ademais, por saber
que a pena pode ser reduzida por bom comportamento, coloca-se como um preso exemplar,
mas, por outro lado, buscando prejudicar a reabilitação dos demais presos (SZKLARZ, 2009).
Segundo a jurisprudência vigente:
CRIMINAL - HC - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - LEGITIMIDADE DO JULGADOR SINGULAR - INIMPUTABILIDADE ATESTADA POR PERÍCIA MÉDICA - ORDEM DENEGADA. I. É legítima a absolvição sumária com aplicação de medida de segurança, pelo Juiz Singular, se existe perícia médica concluindo pela inimputabilidade do paciente. II. Ordem denegada. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus 11331/SP. Quinta Turma, rel. Min. Gilson Dipp. Julg.: 06/06/2000).
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Portanto, na prática penal vigente, quando há suspeita de transtorno de personalidade
do agente que cometeu o ilícito, deve-se solicitar avaliação médica. O perito, através de
laudos que averiguam a periculosidade, a atenção, a consciência, a memória e a alteração no
humor e no comportamento, determina se há algum transtorno. Caso positivo, o juiz declarará
a inimputabilidade do acusado, absolvendo-o sumariamente e aplicando alguma medida de
segurança prevista no artigo 96, do Código Penal.
3 A MEDIDA DE SEGURANÇA EM FACE DA CRIMINALIDADE DO SOCIOPATA
3.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA INSTITUIÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO
SISTEMA LEGAL BRASILEIRO
A posição dos portadores de doença ou transtorno mentais sempre ganhou atenção no
escopo das codificações penais pátrias. Ao longo dos anos, recebeu tratamentos diferenciados,
refletindo o contexto sócio-jurídico no qual se inseria.
O Código Criminal do Brasil Império, datado de 1830, tinha previsões tímidas acerca
do tema. Seus artigos 12 e 13 estabeleciam que os “loucos” deveriam ser recolhidos em locais
específicos ou, como costumava ocorrer, ser entregues às famílias, para que deles cuidassem.
Na codificação penal ulterior, o Código da República de 1890, o tratamento
dispensado foi similar. Prescrevia que os dotados de afecção mental seriam entregues à
família ou internados em hospitais de alienados. Assim, novamente, não havia o objetivo de
julgar e culpar os “loucos”, não correspondendo as duas opções à uma medida sancionatória.
Conforme percebe Fragoso (1995), esta posição tomada pelo constituinte republicano
se mostrou precipitada e errônea. A lei penal foi elaborada às pressas, sem considerar o
avanço propiciado pela Escola positivista acerca da criminalidade de indivíduos portadores de
doenças psicopatológicas.
Naquela época, o positivismo percebeu um novo elemento relacionado ao crime,
denominado imputabilidade. Nesse viés, o portador de transtorno mental não podia ser
responsabilizado pelo ato penal cometido, já que não tinha consciência do ilícito, devendo ser
tratado pela medicina.
Sob esses auspícios, o projeto de Código Penal desenvolvido por Virgílio de Sá
Pereira, em 1927, incluiu as medidas de defesa social, reconhecendo a responsabilidade
atenuada dos agentes com transtornos mentais. Erigia-se, então, o sistema duplo binário, que
previa a aplicação conjunta da pena e das mencionadas medidas (GONÇALVES, 2004).
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Após inúmeras discussões no âmbito legislativo, foi aprovado o Código Penal de
1940, pelo Decreto Lei nº 2.848. Nele, corrobora-se o sistema duplo binário em face da
psicopatologia, em que, simultaneamente, aplica-se a pena, em consonância com o grau de
culpabilidade e a gravidade do ato, e a medida de segurança, avaliada segundo o grau de
periculosidade do indivíduo.
Sobre as medidas de segurança, estabelecia o artigo 88 da codificação supracitada:
Art. 88. As medidas de segurança dividem-se em patrimoniais e pessoais. A interdição de estabelecimento ou de sede de sociedade ou associação e o confisco são as medidas da primeira espécie; as da segunda espécie subdividem-se em detentivas ou não detentivas. § 1º São medidas detentivas: I - internação em manicômio judiciário; II - internação em casa de custódia e tratamento; III - a internação em colônia agricola ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional. § 2º São medidas não detentivas: I - a liberdade vigiada; II - a proibição de frequentar determinados lugares; III - o exílio local (BRASIL, 1940).
Portanto, pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional, o legislador tratou da
ilicitude de portador de transtorno mental como área de fundamental relevância ao jus
puniendi do Estado. Como verifica Ferrari (2001), tratava-se de uma resposta penal justificada
pela periculosidade social.
A Lei 7.209, promulgada em 1984, trouxe algumas alterações ao Código Penal
vigente. Dentre elas, encontra-se a substituição do sistema duplo binário para o unitário, pelo
qual, diferentemente do anterior, só é permitido aplicar penas ao imputável e medidas de
segurança ao inimputável, restando ao magistrado a escolha de uma dessas opções para o
semi-imputável (GONÇALVES, 2004).
No regime penal vigente, destarte, as pessoas que apresentem psicopatologias são
prestigiadas pela excludente de culpabilidade, devendo, ao invés de ser punidas, ser tratadas.
O fundamento da medida de segurança encontra respaldo na periculosidade do agente e em
sua incapacidade penal.
3.2 A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA EM FACE DA PSICOPATIA
O Brasil é um país que adota o princípio da dignidade da pessoa humana como valor
supremo da ordem jurídica. Em razão disso, proíbe a prisão perpétua e a pena de morte como
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medidas para a punibilidade do psicopata, como ocorre em outros países. Em consonância
com isso, aplica-se a medida de segurança, de caráter preventivo e assistencial.
A medida de segurança é uma sanção imposta pelo Estado, de caráter preventivo, a
qual visa tratar o semi-imputável e o inimputável que demonstram, pela prática delitiva,
potencialidade para supostas e novas ações danosas. (CAPEZ, 2011). Ela foi concebida como
um instrumento de defesa social, que, igualmente, almeja recuperar socialmente o portador de
transtorno mental.
Assim, tem como pressupostos, a prática de fato descrito em lei, a comprovação da
periculosidade do agente e a ausência de imputabilidade plena (ANDRADE, 2004). Ou seja, é
preciso o cometimento de ato ilícito por portador de transtorno mental que ofereça
periculosidade, a qual é definida pelo juízo de probabilidade que aquele voltará a delinquir
devido à sua conduta antissocial e à anomalia psíquica.
Nesse sentido, explica Jesus (2010, p.66):
Enquanto a pena é retributiva-preventiva, tendendo atualmente a readaptar socialmente o delinquente, a Medida de Segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais.
Para Ferrarri (2001), em função de seu caráter preventivo, a medida de segurança tem
como característica precípua evitar que o inimputável ou o semi-imputável retornem a
delinquir, possuindo, por outro lado, finalidade terapêutica-ressocializante. Dessa forma,
apenas em casos excepcionais, se possibilitaria a segregação, por motivo de tutela social, nos
casos ditos incorrigíveis, já que é um instrumento com propósito socializador.
O artigo 96, do Código Penal brasileiro, prevê duas espécies de medida de segurança:
a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro
estabelecimento adequado; e a sujeição a tratamento ambulatorial (BRASIL, 2012b).
Conforme explica Capez (2011), a internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico é uma espécie de medida detentiva e obrigatória para os inimputáveis quando a
pena imposta for de reclusão e facultativa quando a pena cominada for de reclusão. Em
consonância com o que preconiza o artigo 100, da Lei de Execução Penal, em ambos os casos,
o agente deverá se submeter a exames psiquiátricos, criminológicos e de personalidade.
A seu turno, o tratamento ambulatorial é uma medida restritiva que impõe ao acusado
a aplicação de cuidados médicos para fins curativos. Ela é decretada quando o inimputável ou
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o semi-imputável praticam crime com pena de detenção, sendo necessário, ainda, que as
condições pessoais do indivíduo se coadunem com essa medida.
Nessa interpretação, encontra-se o artigo 97, do Código Penal, pelo qual o legislador
assevera que o juiz deverá determinar a internação do inimputável, salvo quando o fato for
punível como detenção, ocasião em que poderá submetê-lo a tratamento ambulatorial. O §4º,
do mesmo dispositivo, indica que em qualquer fase deste tratamento, poderá o magistrado
determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.
A jurisprudência pátria tem exposto esse posicionamento nos julgados. O Supremo
Tribunal Federal, por exemplo, já proferiu o seguinte entendimento:
Tanto a Internação em Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico como o acompanhamento médico-ambulatorial pressupõe, ao lado do fato típico, a periculosidade, ou seja, que o agente possa vir a praticar outro crime. Tratando-se de inimputável, a definição da medida cabível ocorre, em primeiro plano, considerado o aspecto objetivo - a natureza da pena privativa de liberdade prevista para o tipo penal. Se for de reclusão, impõem-se as internações. Somente na hipótese de detenção é que fica a critério do juiz a estipulação, ou não, da medida menos gravosa - de tratamento ambulatorial. A razão de ser da distinção está na gravidade da figura penal na qual o inimputável esteve envolvido, a nortear o grau de periculosidade - artigos 26, 96 e 97 do Código Penal. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 69.375-0. 2º Turma, rel. Min. Março Aurélio. Julg.: 25/08/92. RT 693/427).
Ao julgar o recurso crime ex-officio nº 327.675-7, o Tribunal de Justiça do Paraná
igualmente reconheceu a periculosidade e a natureza da pena privativa de liberdade como
elementos fulcrais para a determinação da medida de segurança. Segundo o Desembargador
Oto Luiz Spanholz, constatado, por exame especializado, que o acusado era, ao tempo da
ação, incapaz de entender seu caráter ilícito e de determinar-se de acordo com esse
entendimento, correta é a decisão do juiz em reconhecer a condição de inimputabilidade do
réu e absolvê-lo, com a aplicação de medida de segurança consistente em internação em
Hospital de Custódia para tratamento quando ao crime cometido corresponder à reclusão.
Quanto à durabilidade do exercício da medida de segurança, o Código Penal prevê que
a internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto
não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. Estipula, no
entanto, o prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos (BRASIL, 2012b).
Como se percebe, a instituição da medida de segurança tem como escopo tratar a
periculosidade do indivíduo através de uma equipe multidisciplinar especializada –
psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, educadores. Nesse sentido, propõe-se, conforme
determina a Lei de Execução Penal, a proporcionar condições para a harmônica integração
social do internado.
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Sob esses auspícios, a Lei 10.216, promulgada em 2001, buscou reformar e regular o
sistema psiquiátrico do país, acabando com o modelo asilar dos manicômios, que, por muitas
vezes, violavam a dignidade dos portadores de transtorno mental, ao passo em que não
ofereciam tratamento eficiente a eles. Dessa forma, elencou uma série de direitos inerentes a
estas pessoas, que devem ser concretizados através da política estatal, dentre os quais ser
tratado com humanidade e com o objetivo de sua reinserção social, receber o melhor
tratamento de saúde consentâneo a suas necessidades e ter direito à assistência médica.
Nesse cenário, preconiza que o tratamento em regime de internação deve ser
estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais,
incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais e de lazer.
Quando determinado por juiz competente, deve levar em conta as condições de segurança do
estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.
O ordenamento jurídico vigente não tem dispositivo específico para a figura dos
psicopatas. Assim, apesar da psicopatia se configurar como um transtorno de personalidade,
aqueles são posicionados como portadores de transtorno mental. Sendo assim, quando a
perícia médica realizada no agente do crime detecta que é ele portador de sociopatia, o juiz
aplica uma medida de segurança.
De acordo com o grau de periculosidade detectado, são classificados como
inimputáveis ou semi-inimputáveis. No primeiro caso, são aqueles que cometem crimes de
maior gravidade, como estupro, tortura e assassinatos em série. No segundo, relacionam-se a
atos ilícitos como estelionato e fraude.
Reconhecendo-se, assim, em ambos os casos, uma conduta racional e meticulosa,
determinada pela apatia característica desse transtorno de personalidade, o legislador pátrio
busca garantir a dignidade da pessoa do psicopata, seja por intermédio da redução da pena a
ser cumprida em presídios comuns (semi-imputável), seja com tratamento médico nos
hospitais de custódia ou nos ambulatórios (imputável e, facultativamente, semi-imptável).
No entanto, conforme percebe Silva (2008), os estudos acerca da psicopatia não vêm
apresentando evidências que os tratamentos aplicados a psicopatas tenham mostrado melhoras
na redução da violência e da criminalidade, mostrando-se ineficaz qualquer tipo de tentativa
de cura. Por outro lado, medidas punitivas, como a privação de liberdade pela reclusão ou
detenção, têm mostrado pouco efeito sobre a reincidência, mostrando resultados negativos.
(SZKLARZ, 2009).
Em meio a este impasse, a prática jurídica tem preferido aplicar as medidas de
segurança em face dos psicopatas. Na maioria dos casos, são considerados inimputáveis,
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razão pela qual são transferidos para hospitais de custódia. Essa é a maneira que o sistema
legal, construído sob o âmago da dignidade da pessoa humana, tem encontrado para respaldá-
los, buscando, através de tratamento psiquiátrico, reinseri-los ou, ao menos, adequá-los, ao
meio social.
Como mencionado, o Código Penal brasileiro não prevê o limite de tempo para a
internação, ou mesmo para o tratamento ambulatorial. Isso porque os métodos implementados
em face dos inimputáveis ou semi-inimputáveis, incluso os psicopatas, visam excluir a
periculosidade deles, o que só poderá ser avaliado em conformidade com cada caso concreto e
a reação frente aos procedimentos terapêuticos.
Execução penal. Medida de segurança. Internação em hospital de custódia. Laudo atestando a não cessação da periculosidade do agravante. Pedido de realização de nova perícia a fim de que seja verificada a necessidade de manutenção da segregação. Aplicação do disposto na Lei n"10.216/01. Inadmissibilidade. Periculosidade não cessada. Laudo pericial dando conta apenas do controle da periculosidade durante o tratamento psiquiátrico. Fato comum em psicopatas. Atestado distúrbio de personalidade gravíssimo. Ausência de condições externas e familiares para a continuidade do tratamento. Desinternação não recomendada. Risco social presente. Prorrogação da medida de segurança bem determinada. Agravo não provido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. 16ª Câmara de Direito Criminal. EP 990091775916 SP. Rel. Min. Almeida Toledo. Julg.: 01/12/2009. Grifo nosso)
Portanto, o regime penal brasileiro trata os psicopatas na mesma categoria dos
portadores de transtorno mental, aplicando-lhes medidas de segurança que têm como
pressuposto a cura do comportamento antissocial. São reconhecidamente ineficazes e, em
muitos casos, levam à permanência prolongada nos hospitais, porém é uma maneira de se
prevenir que novos crimes sejam arquitetados e realizados por essas mentes, marcadamente
assassinas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou analisar a situação do sociopata no plano jurídico,
buscando compreender a aplicação das denominadas medidas de segurança diante do
cometimento de um ilícito penal. Nesse sentido, buscou esclarecer as características da
psicopatia, os requisitos para a exclusão da culpabilidade e a finalidade das medidas de
segurança.
Para tanto, adotou uma pesquisa descritiva e de observação indireta, analisando a
doutrina e a legislação disponíveis acerca do tema. Percebeu, com isso, que o estudo acerca da
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aplicação das medidas de segurança em face dos psicopatas suscita um grande debate
interdisciplinar no meio acadêmico, sendo extenso o referencial bibliográfico disponibilizado
com argumentos contra e a favor.
Neste escopo, a pesquisa verificou, inicialmente, que a psicopatia, diferentemente do
que muitos pensam, não se trata de uma doença mental, mas de um transtorno de
personalidade. Este se relaciona com um comportamento antissocial averiguado em seus
portadores, que pode ser externado de distintas formas: impulsividade, agressividade,
indiferença, melancolia, lascividade, falsidade etc.
Essas características, contudo, não retira dos psicopatas a qualidade de seres humanos,
razão pela qual devem ser tratadas como pessoas dignas. São sujeitos de direito e, com tal,
devem ter assegurados tratamentos adequados em face de seu comportamento diferenciado.
Assim, verificou a pesquisa que uma questão jurídica importante que se coloca em
relação ao tema refere-se à culpabilidade dos psicopatas perante o cometimento de fatos
puníveis. Em conformidade com a codificação penal pátria, são eles classificados como semi-
imputáveis ou inimputáveis, a depender da natureza do crime cometido, bem como do nível
de periculosidade.
As medidas de segurança, então, surgem no seio do ordenamento jurídico como
instrumentos aplicáveis nos casos de constatação da psicopatia. Têm como finalidade a
reinserção social e a curabilidade do agente, através de um procedimento terapêutico
interdisciplinar, seja em hospitais de custódia, seja por tratamento ambulatorial.
Como visto, esse posicionamento recebe críticas. Em parte porque não foi descoberto
nenhum tratamento que consiga curar a psicopatia. Por outro lado, devido à perpetuação da
internação, já que não se pode eliminar o risco social apresentado pelos psicopatas.
Diante do que foi exposto, o presente estudo concluiu que, apesar de ter ciência de
seus atos, considerar os psicopatas inimputáveis e aplicá-los medidas de segurança é a melhor
alternativa vis-à-vis os direitos fundamentais previstos em nossa Lei Fundamental. Isso
porque, apesar da falta de expectativa de cura, os tratamentos terapêuticos buscam, com base
em estudos científicos, apresentá-los uma nova forma de interagir com o mundo social,
almejando, ao menos, reduzir a agressividade e indiferença que os caracteriza.
Ademais, as medidas de segurança possibilitam tirar do convívio das ruas pessoas que
têm propensão a cometer reiterados crimes. De fato, para tanto, restringe-se o direito
individual da liberdade, porém isso ocorre em favor da proteção dos direitos personalíssimos
dos demais, que se veem assegurados contra os ataques psicóticos daqueles, que, em muitos
casos, mostram-se como verdadeiras mentes assassinas.
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HOMICIDAL MINDS AND THE SECURITY MEASURE
ABSTRACT
This paper aims to understand the application of security measures in face of the psychopaths. Therefore, it investigates in which way those measures are predicted in the Brazilian legal system, what are the criteria used by the judge in order to apply them and if they are efficient instruments to treat the psychopaths. For this matter, it understands, initially, the psychopath as a human person who has dignity. Then, it goals to analyze the issue about the culpability of your behavior. At last, it points out the institution of the security measures in the contemporary criminal legal system. In order to undertake the study, it makes use of a descriptive, hypothetic-deductive and indirect observation research.
Key words: Psychopathy. Exempt of criminal responsibility. Security measures.
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