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  • 8/9/2019 felipe-liana

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    IMPRENSA EM QUESTO

    CASO FELIPE E LIANA

    E se fossem Maria e Joo?

    Tlio Lima Vianna (*)

    O homicdio dos adolescentes Liana e Felipe, to alardeadopela mdia na ltima semana, no passaria de uma tragdiaparticular como tantas outras registradas cotidianamente emnossas delegacias de polcia no fossem as circunstncias nasquais ocorreu. No me refiro ao grau de crueldade naexecuo do crime, pois dezenas de Marias e Joes so mortos

    todo dia em situaes to ou mais brbaras, e no so objetosequer de uma nota nos jornais de primeiro escalo. O quedifere este homicdio daqueles que j no vendem mais jornais a posio ocupada pelas vtimas na sociedade. Na balanada mdia e de seus consumidores de tragdias pessoais, a vidade um adolescente de classe mdia vale muito mais do que ade Joo e Maria...

    O que choca nas mortes de Liana e Felipe no so ascircunstncias da execuo, mas a transferncia que oleitor-telespectador-consumidor faz, colocando seus prprios

    filhos na situao das vtimas de fato. As mortes das Marias edos Joes no chocam, pois se do nas favelas, na periferia,em suma, em lugares demasiadamente distantes e "perigosos" as aspas aqui so imprescindveis para a maioria dos filhosda classe mdia.

    Estudo e assistncia

    Liana e Felipe, em sua sede de aventura, foram vtimas dadesigualdade brutal que tanto os distanciavam de Champinha,seu suposto algoz e atual personificao do demnio, segundoa mdia-urubu que a cada dia mais infesta nossos noticirios.

    Liana e Felipe criam que sua passagem por aquelas terras sedaria de forma quase imperceptvel tal como ocorreria numshopping , esquecendo-se de que a desigualdade social demasiadamente visvel e cruel queles que olham de baixo.

    O trgico fim da histria todos conhecem, tal como foi contadopela mdia em verso para adolescentes da velha fbula deJoo e Maria, aprisionados pela perversa bruxa da floresta.

    E como em todo velho conto de fadas a mdia no podia deixarde buscar uma moral na histria: os adolescentes rebeldes declasse mdia devem doravante obedecer a seus pais, e os

    garotos pobres devero ser encarcerados a partir dos 16 anos,para a proteo dos primeiros.

    Se o garoto Champinha tivesse estudado nos mesmos colgiosde Liana e Felipe teria se tornado to "violento"? Se o Estadotivesse proporcionado a Champinha um tratamento adequado

  • 8/9/2019 felipe-liana

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    s convulses que passou a ter a partir dos 14 anos, teria eletamanho desprezo pela vida humana?

    Consumidores de carnia

    Violento Champinha, e no o Estado, que lhe negou umainfncia minimamente digna, e a mdia, que s enxergacrianas e adolescentes miserveis para mostrar a seusconsumidores o quanto eles so "perigosos" e com que frieza

    eliminam uma vida.

    Quanto vale uma vida humana? As de Liana e Felipe,certamente valiam muito, no s pelo amor de suas famlias,mas tambm de um ponto de vista exclusivamente econmico,pelos investimentos que foram feitos em alimentao,educao, sade e tantos outros. Valem tanto que vendemjornais e do audincia.

    A de Champinha no vale nada. Pouco ou quase nada foiinvestido nele: alimentao, educao, sade e lazer, para ele,no so mais do que palavras impressas em nossa

    Constituio Federal, que ele dificilmente consegue ler.

    Como ento exigir de Champinha que respeitasse a vida deLiana e Felipe, se o Estado e a sociedade nunca respeitaram asua?

    A mdia-urubu e seus consumidores de carnia impressa egravada clamam por justia, em nome de Liana e Felipe, quetiveram a infeliz idia de acampar no lugar errado, num mistode desafio e coragem.

    Mais excluso

    Reduzir a menoridade penal a forma mais simples eirracional de se resolver um problema complexo: lugar decriana e de adolescente na escola, e no trabalhando comotantos de nossos jovens, que perdem suas infncias eadolescncias para ajudar no sustento de seus lares.

    Antes de cogitarmos em reduzir a menoridade penal temos aobrigao constitucionalmente consagrada de colocar todas asnossas crianas na escola e principalmente garantir-lhesque possam permanecer estudando, dando s suas famlias omnimo de condies de subsistncia. Assim fazendocertamente estaremos evitando tragdias como esta.

    Do contrrio, a reduo da menoridade penal ser mais umanova lei que marginalizar ainda mais os filhos da misria como fim nico de amenizar os nimos dosleitores-telespectadores indignados com a violncia e calar ochoro da mdia carpideira.

    (*) Professor de Direito Penal da PUC-Minas