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Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG) Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Coordenação GeralLudmila Mendonça Lopes Ribeiro

PesquisadorasFlora Moara LimaYolanda Campos Maia

EstagiáriosDébora RodriguesNathalia Silva Mourão Renata Mauro Cardoso Sara Carla Faria PradoTássio AlmeidaTiago de Jesus Brito

Supervisão técnica e revisãoRenata Nagamine

SecretáriaDaniele Viana

FinanciamentoFAPEMIG - edital universal - processo APQ-00744-14

Ficha Técnica

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Este relatório é o produto principal da pesquisa Mensurando o tempo do processo de homicídio doloso em Belo Horizonte: O que mudou em uma década, realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP/UFMG), a partir do financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) por meio do APQ-00744-14.

O objetivo da pesquisa foi reconstituir o fluxo e mensurar o tempo de processamento dos homicídios dolosos cujos processos foram baixados nos anos de 2003 a 2013, a fim de identificar quais são os empecilhos mais comuns nas fases de investigação, instrução e julgamento. Em seguida, a pesquisa buscou coletar dados presentes nos Inquéritos Policiais que não redundaram em Processos Penais e foram arquivados entre 2003 e 2013, com intuito de problematizar semelhanças e diferenças entre os casos encerrados como Inquéritos Policiais e como Processos Penais.

Neste trabalho, apresentamos as estimativas do tempo de processamento bem como os padrões de decisão do Sistema de Justiça Criminal, a partir da reconstituição do caminho percorrido pelos documentos, desde o início de sua produção pela Polícia Militar até o seu arquivamento pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Com isso, busca-se entender o que mudou em termos do padrão de processamento na última década, problematizando os entraves, especialmente do ponto de vista da temporalidade dos casos.

Apresentação

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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Apresentação...............................................................................................................

1. Introdução............................................................................................................

2. O funcionamento do Sistema de Justiça Criminal para os homicídios dolosos (tentados e consumados)......................................................................................

3. Apesquisadefluxodeprocessamento...............................................................

3.1-Técnicasparamapeamentodofluxodeprocessamento..........................

3.2 - Notas metodológicas sobre o desenho de pesquisa...................................

3.3 - Algumas observações sobre a amostra e a coleta de dados.....................

4. Quem são os envolvidos (autores e vítimas) nos registros de homicídio doloso?...............................................................................................................................

4.1 - Vítimas.......................................................................................................

4.2 - Suspeitos/Réus............................................................................................

4.3-Algumasconsideraçõessobreoperfildosenvolvidos..............................

5. Quais são as diferenças, na fase policial, entre os Inquéritos Policiais e os Processos Penais arquivados?.......................................................................................... 5.1 - Dinâmicas criminais distintas, resultados policiais diferenciados..........

5.2-Algumasconsideraçõesfinais.....................................................................

6. ComoafaseJudicialéorganizadaemtermosdetempoefluxodeprocedimentos?..................................................................................................................

6.1 - A fase de instrução e julgamento: analisando a intencionalidade do delito...................................................................................................................................

6.2 - A fase do júri: controlando o poder de matar...........................................

6.3-Algumasconsideraçõesfinais.....................................................................

7. QualéofluxodeprocessamentodoSistemadeJustiçaCriminalparaoshomicídios dolosos (tentados e consumados), em Belo Horizonte, entre 2003 e 2013?...................................................................................................................................

8. Algumas observações a guisa de conclusão.......................................................

9. Referências...........................................................................................................

Sumário

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

030540919222534

3383946555566170571f727984

909497

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Atualmente, o Brasil enfrenta inúmeros desafios na área de segurança pública e justiça criminal. O país é conhecido por ter uma das taxas de homicídio mais elevadas de todo o planeta, sendo essas taxas persistentes ao longo do tempo (Weiss et al., 2016). Para sabermos se uma área concentra ou não homicídios, realiza-se o cálculo do número de mortes intencionais violentas para cada 100.000 habitantes. Para os fenômenos que resultam em morte, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que há uma epidemia quando os registros atingem taxas maiores do que 10 mortes por 100.000 habitantes (Minayo e Souza, 1993). O Brasil registrou, em 2014, uma taxa de 29 homicídios para cada grupo de 100.000 habitantes,1 uma taxa 2,9 vezes maior do que aquela que a OMS considera como aceitável, sendo responsável por 10% dos homicídios registrados no mundo.

Em 2014, Belo Horizonte tinha uma média muito próxima à nacional: 26 homicídios dolosos por 100.000 habitantes (Gráfico 1). No entanto, a cidade vem apresentando um movimento de queda das taxas nos últimos anos, embora em uma espécie de movimento pendular: em 2004, a cidade alcançou o ápice de 47 homicídios dolosos por 100.000 habitantes, mas atualmente tem taxas semelhantes àquelas do início dos anos 2000. Entre 2000 e 2014, foram registrados, aproximadamente, 948 homicídios dolosos (consumados, isto é, excluindo-se os tentados) por ano, o que significa dizer que, diariamente, quase três pessoas foram intencionalmente mortas de forma violenta na capital mineira.

Gráfico1-Taxadeocorrênciasdehomicídiosdolosospor100.000habitantes-Belo Horizonte (2000 a 2014)

Fonte: CINDS/SEDS e IMRS/ Fundação João Pinheiro

1. Introdução

1Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=27412, último acesso de 01 de junho de 2017.

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Essa taxa varia em função das áreas de Belo Horizonte, já que algumas regiões concentram maior quantidade de mortes intencionais violentas, indicando que o risco de assassinato é desigualmente distribuído no território da cidade. De acordo com o Mapa 1, que apresenta a distribuição das taxas de homicídio doloso em Belo Horizonte entre os anos de 2012 e 2014, algumas regiões da cidade (marcadas em vermelho e amarelo) concentram uma quantidade elevada de mortes intencionais violentas, demonstrando que o risco de óbito por homicídio doloso nessas áreas é maior do que em outras.

Mapa 1 - Concentração Espacial de Homicídios Dolosos - Belo Horizonte (2012 a 2014)

Fonte: CINDS/SEDS, 2016.

Considerando que a ocorrência de homicídios dolosos não é distribuída pela cidade de maneira homogênea, existe uma concentração geográfica deste crime, portanto, sua vitimização e autoria também não estão distribuídas uniformemente no espaço. Uma das possíveis explicações para as elevadas taxas de homicídio doloso em Belo Horizonte é a incapacidade das instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal de executar suas atividades de controle social (Coelho, 1986), o que significa prevenir o uso do homicídio como mecanismo de solução de conflitos e também reprimir prontamente a ocorrência deste delito (Helder e Fontoura, 2008). Nesse cenário, as discussões em torno da incapacidade do Estado de processar os delitos em um tempo razoável ganham destaque, já que os atrasos da justiça acarretam uma sensação de impunidade por parte da população (Gomes, 2016).

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Nenhum país do mundo tem taxas de 100% de esclarecimento e sentenciamento. De acordo com Vergara (2015, p. 6), enquanto na Ásia e na Europa entre 80% e 85% dos homicídios intencionais registrados são esclarecidos pela polícia, nos Estados Unidos da América essa proporção é de 50%. Assim, se na Ásia e Europa a taxa de condenação por esse crime é de 48 e 81 por 100 vítimas, respectivamente, nos Estados Unidos essa taxa é de 24 condenações para cada 100 vítimas. Na América Latina, a situação é muito pior. Na Venezuela, no período de 2007 a 2008, para cada 100 mortes, nove prisões foram registradas, ou seja, ficaram sem punição nove de cada dez homicídios (Ibidem). Na Colômbia, o nível de impunidade para assassinatos cometidos entre 2005 e 2010 foi estimado em 96%.

No Brasil, a situação é bastante semelhante à Venezuela e Colômbia, já que são muitos os casos registrados pela polícia e poucos os sentenciados pelo Judiciário (Vargas, 2014). Para se ter uma ideia do cenário de fracasso, em comparação com outros contextos nacionais, “calcula-se que menos de 10% dos autores de homicídios intencionais e menos de 5% dos autores de roubos e assaltos à mão armada são levados a julgamento” (Misse, 2014, p. 209).

Em contrapartida, é difícil responsabilizar as instituições do Sistema de Justiça Criminal pelas perdas de casos, dada a ausência de dados integrados. É praticamente impossível saber quais são os desdobramentos deste delito após o registro do crime pela Polícia Militar, o que dificulta a reconstituição do seu processamento, restando como única opção o acompanhamento das ocorrências desde o seu registro inicial até a sentença final. O presente relatório procura entender como ocorre a administração da justiça para o delito de homicídio doloso, em Belo Horizonte, a partir da análise de casos encerrados em distintas fases do fluxo de processamento entre os anos de 2003 e 2013. A partir do escrutínio dos documentos policiais e judiciais será possível entender: (i) Quem são os envolvidos (autores e vítimas), tanto nos casos que redundaram em processo quanto naqueles encerrados como Inquérito Policial; (ii) Quais são as semelhanças e diferenças, na fase policial, entre os casos arquivados como Inquéritos Policiais e os Processos Penais;

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(iii) Qual é tempo o de duração dos Processos Penais e (iv) Qual é o fluxo de processamento do Sistema de Justiça Criminal para os homicídios dolosos (tentados e consumados).

Este relatório propõe apresentar o cálculo do tempo e da quantidade de casos perdidos em cada fase de processamento a fim de subsidiar políticas públicas que possam modificar as estatísticas atuais no que se refere à morosidade do Sistema de Justiça Criminal, posto que um dos maiores problemas do fluxo de homicídio doloso é a prescrição.

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O ponto de partida deste relatório é o homicídio doloso tentado e consumado, aquele crime em que o agente desejou a morte da vítima, tendo o resultado sido ou não obtido. Este delito foi escolhido para escrutínio por três motivos. O primeiro é que o homicídio doloso é o crime considerado mais grave em nossa sociedade, por nele se retirar a vida de outro ser humano, suscitando um maior juízo de reprovação. Afinal, todas as teorias existentes sobre o fundamento do Estado Nação estão relacionadas à necessidade de proteção da vida como base da sociabilidade moderna (Foucault, 2001). Dessa forma, a ocorrência de um homicídio doloso é algo a ser prontamente rechaçado, dada a possibilidade de esse evento inviabilizar a própria vida em sociedade.

O segundo motivo para a análise do homicídio doloso é a materialidade do crime e a irrenunciabilidade da ação penal, que retira a decisão do cidadão de comunicar ou não o delito à polícia, devido a presença de um cadáver ou de um indivíduo afetado. Essa primeira decisão tende a responder pela perda mais significativa no fluxo de processamento, quando não se trata crimes dolosos contra a vida. Como indica a compilação de Barclay e Tavares (1999), na Inglaterra, em 1997, metade dos crimes praticados foram comunicados a uma autoridade policial. No Brasil, segundo as estimativas da última pesquisa de vitimização nacional (Crisp, 2012), o percentual de delitos registrados pela polícia não chega a 30% do total de crimes ocorridos.

O terceiro diz respeito ao fato de o homicídio doloso, tentado ou consumado, ter o rito de processamento mais complexo dentro do Sistema de Justiça Criminal brasileiro, por ser um crime de competência do júri. O Código de Processo Penal (CPP) estabelece atos diferenciados - para a Polícia Civil, o Ministério Público e o Judiciário - dependendo da gravidade do delito, o que é mensurado a partir do tempo de pena privativa de liberdade prevista para cada qual. Como o homicídio possui o maior tempo de pena dentre todos os crimes previstos no Código Penal - de 6 a 20 anos para o homicídio simples e de 12 a 30 anos no caso de homicídio qualificado -, ele também possui uma forma sui generis de ser processado e julgado, que envolve duas fases: uma primeira na qual o juiz irá decidir se houve ou não a intenção de matar outra pessoa e uma segunda na qual o Tribunal do Júri, composto por pessoas do povo, decidirá o destino do acusado.

2. O funcionamento do Sistema de Justiça Criminal para os homicídios dolosos (tentados e consumados)2

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Em regra, a primeira organização a tomar conhecimento de um delito é a Polícia Militar, que tem por função desempenhar o policiamento ostensivo e preventivo, o que significa realizar, o trabalho de patrulhamento e a resposta às queixas, intervindo de forma rápida na repressão de crimes (Vargas, 2014). Essa fase policial se caracteriza pela constatação de um fato criminal, sendo que a primeira medida a ser tomada é a elaboração de um Boletim de Ocorrência (B.O.). Este documento é produzido em forma de um formulário padronizado, utilizado por um policial para reunir as informações levantadas sobre os envolvidos, locais e hora dos fatos, tipo de crime e o histórico da ocorrência. Em seguida, a Polícia Militar deve comunicar o ocorrido à Polícia Civil para outras providências.

A Polícia Civil desempenha a função de polícia judiciária, atuando em investigações a fim de apurar possíveis responsáveis por crimes, com o intuito de construir um conteúdo probatório na forma de um Inquérito Policial. O I.P. é um documento que reúne todas as atividades realizadas no processo investigativo, a ele é incorporado o Boletim de Ocorrência. O Inquérito pode ser instaurado por Portaria ou por Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD). Seu início por meio de Portaria acontece quando não se sabe quem praticou o delito, sendo assim uma forma de abrir as investigações para apontamento de um suspeito. Essa modalidade difere da abertura por meio da Prisão em Flagrante, quando o acusado é preso no momento do crime ou em até 72 horas após o cometimento. O início da investigação representa o momento de ingresso do crime na esfera policial,2 e se dá a partir da solicitação pelo delegado de diligências como a oitiva de testemunhas, exames de corpo de delito (nos casos de homicídios tentados e lesões corporais), laudo de necropsia nos casos de homicídios consumados, exames de armas apreendidas e levantamentos do local3.

O Código de Processo Penal estabelece o prazo de 10 dias para a realização da investigação quando o indivíduo está preso e 30 dias quando em liberdade.4 Porém, existe a possibilidade de solicitação de novos prazos para o cumprimento das diligências durante a investigação, o que se denomina de dilação de prazo.

2 CPP, Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. 3 CPP, Art. 9º. Todas as peças do Inquérito Policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.4 CPP, Art. 10 º. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

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O delegado deve solicitá-la ao promotor, que encaminhará o pedido ao juiz e este concederá novo prazo para encerramento da investigação. O prazo pode ser prorrogado sucessivamente, desde que seja autorizado5.

Na investigação policial serão ouvidas não apenas as testemunhas do fato, como também as testemunhas de caráter: aquelas que têm algo a dizer sobre a vida pregressa do autor e da vítima, como forma de reconstituir a sua trajetória social e/ou criminal.6 Por isso, durante a fase policial, podemos observar que o crime já está sendo julgado tendo como referência os perfis psicológicos e sociais dos acusados construídos a partir das oitivas das testemunhas de caráter. É nesse momento que o suspeito tem a sua vida pessoal levantada pelos policiais a partir de registros, devendo informar sobre sua situação familiar, se tem ou não dependentes financeiros, sobre sua situação econômica, se está desempregado ou não, se tem casa própria, se usa algum tipo de droga lícita ou ilícita, se possui religião, se cometeu o crime sob emoção, se assume a autoria e se está arrependido por ter cometido o crime (Silva, 2013).

Com o fim da oitiva das testemunhas, de vítimas (se elas estiverem vivas), de indiciados e de todas as diligências solicitadas ao longo da fase inquisitorial, o I.P. é concluído pelo delegado a partir da elaboração de um Relatório Final,7 que descreve, de forma sucinta, todos os procedimentos realizados durante o inquérito, apresenta a primeira versão do crime e, caso um suspeito tenha sido localizado, indicia alguém pela prática do delito. A conclusão deste relatório ocorre com seu envio ao Tribunal de Justiça e, posteriormente, ao Ministério Público, para que o promotor possa analisá-la. A partir do escrutínio desses documentos, o promotor pode considerar que não existem provas suficientes de que o delito ocorreu tal como narrado ou de que o indiciado estava mesmo envolvido na prática do delito. Nesse caso, como não existem elementos para se elaborar a denúncia, o promotor pode solicitar que o I.P. seja devolvido à delegacia responsável para realização de novas diligências.

5 CPP, Art. 16 º. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.6 CPP, Art 6 º. IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.7 CPP, Art. 12. O Inquérito Policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.

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Ele também pode considerar que o fato criminoso não ocorreu ou que os elementos constantes no Inquérito Policial não comprovam a ocorrência do fato (materialidade) ou sua autoria, situação em que solicita ao juiz o arquivamento da investigação.8 Somente o juiz pode autorizar o arquivamento, não cabendo nem ao promotor, nem ao delegado a decisão final desta fase.9 Por fim, o promotor pode encaminhar o procedimento policial ao juiz, a partir da elaboração da denúncia, por considerar que as provas presentes no I.P. evidenciam participação do acusado na consumação do crime.

É a partir da denúncia que o promotor analisa o conteúdo probatório reunido na fase inquisitorial e o habilita (ou não) como indispensável para o encaminhamento do caso ao Judiciário. O promotor tem cinco dias para oferecer a denúncia, se o réu estiver preso, e 15 dias se estiver em liberdade.10 Além de extrair as principais informações do I.P.,11 a denúncia possui a função de apontar o crime no qual os atos do acusado serão enquadrados e a apresentação das testemunhas de acusação que irão depor. Com a denúncia, o acusado se transforma em réu, situação que aponta para a construção de um novo sujeito do direito, ao passar da fase inquisitorial para a fase acusatorial, marcada pelo contraditório, ocasião em que a acusação, por parte da promotoria, corresponde ao ato de defesa do réu, por defensores públicos ou advogados privados.

A denúncia é encaminhada, juntamente com o Inquérito Policial, aos juízes de direito, que, em primeira instância, respondem pelos Tribunais do Júri, devendo acompanhar todo o processo e atuando, principalmente, nas fases de instrução e julgamento. Após o recebimento da denúncia, abre-se um prazo de 10 dias para que o réu apresente a sua defesa prévia,12 mediante advogado ou Defensoria Pública.13 É somente após a apresentação da defesa prévia que o juiz pode dar andamento à ação penal, dado que, nesta fase, vigora o procedimento do contraditório.

8 CPP, Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.9 CPP, Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.10 CPP, Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do Inquérito Policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.11 CPP, Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.12 CPP, Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.13 CPP, Art. 408. Não apresentada a resposta no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em até 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos.

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Apresentada a defesa, o primeiro ato do juiz é abrir o prazo de cinco dias para que o promotor possa examinar os pedidos de prova do defensor14

e, em seguida, marcar o início da Audiência de Instrução e Julgamento – AIJ, em até 60 dias.15 Até a reforma processual penal de 2008 não existia uma única audiência para a reprodução de provas, sendo que essas atividades eram dispersas no tempo. Assim, para facilitar a compreensão dos dados analisados neste relatório, que dizem respeito a dois momentos distintos - antes e depois da prática das Audiências de Instrução e Julgamento -, vamos analisar esses momentos como um único ato processual, que visa a reprodução dos indícios coletados ao longo do Inquérito Policial diante do juiz, do promotor e do defensor do acusado, para que possam se transformar em provas, posto que submetidos à lógica do contraditório. Afinal, o nome desta fase é Audiência porque a ideia é que todas as provas sejam produzidas em um só dia, mas pode acontecer de esse momento ser fracionado em diversos dias, dada a dificuldade de reunião de todas as testemunhas, por exemplo.

No momento da AIJ, tanto a defesa quanto a acusação podem produzir novas provas, contra ou a favor do réu, que serão juntadas no processo caso se mostrem relevantes para o desfecho final. Depois da produção de provas, a acusação e a defesa elaboram suas alegações finais, que possuem como contraponto as versões produzidas pelas testemunhas – de fato e de caráter – que depuseram em juízo. Pode acontecer de, na sustentação oral, os aplicadores do direito se remeterem a indícios colhidos no Inquérito Policial e não transformados em prova para sustentarem a sua argumentação, que ocorre porque o juiz pode utilizar tudo o que foi produzido pelo Inquérito Policial, para embasar a decisão desta primeira fase.16 Essa decisão pode ser proferida na própria AIJ ou comunicada ao promotor e ao defensor em até 10 dias17.

É a partir dos atos de Instrução e Julgamento que se produz a verdade judicial, tal como argumentado por Kant de Lima (2004), posto que todos os indícios e provas são apresentados na presença do juiz, defensor e promotor.18

14 CPP, Art. 409. Apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias. 15 CPP, Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.16 CPP, Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.17 CPP, Art. 411 § 9o Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.18 CPP, Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.

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Na prática, para a formação da decisão do magistrado há utilização dos indícios coletados no Inquérito Policial não reproduzidos na Instrução Judicial, dada a dificuldade de coleta dessas informações dentro do princípio do contraditório (Vargas e Rodrigues, 2011), uma vez que algumas testemunhas mudaram, outras faleceram, o que torna impossível a reprodução prevista na lei. Esta etapa pode durar até 90 dias,19 apesar de a revisão realizada por Ribeiro e Silva (2010) indicar que, no caso dos homicídios intencionais, são raras as situações em que há respeito a esse prazo, o que coloca a questão de qual seria o prazo razoável para a duração da instrução e julgamento. As decisões possíveis nesta etapa são:20

a) Absolvição:21 ocorre quando a autoria e a materialidade do crime não são comprovadas;

b) Desclassificação:22 mesmo que a autoria e a materialidade estejam comprovadas, os meios e as motivações fazem com que o crime não seja de responsabilidade do Tribunal do Júri. Por exemplo, um crime de homicídio tentado pode ser desclassificado para o crime de lesões corporais. Isso ocorre porque o Tribunal do Júri só pode julgar as mortes violentas em que houve a intenção de matar e, por isso, aquelas que foram acidentais devem ser julgadas pelo juiz togado. A partir desta desclassificação, o crime recebe um novo enquadramento e é enviado para ser julgado em uma Vara Criminal;

c) Impronúncia:23 quando não existem no processo indícios suficientes para a comprovação do crime. Assim, o caso poderá ser arquivado e posteriormente reaberto até o limite do prazo prescricional, se surgirem novas provas de materialidade e autoria do crime;

d) Pronúncia:24 decisão em que é reconhecida a existência de materialidade e autoria. Trata-se do momento em que o réu é visto como possível autor do crime e deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri.

19 CPP, Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias.20 Apesar da consciência de que o termo técnico é decisão judicial, utilizaremos também a palavra sentença, posto que em várias situações a decisão do juiz nesta etapa é terminativa do processo, por levar à absolvição, desclassificação seguida da aplicação de pena e, por fim, ao arquivamento do caso sem uma sentença de mérito.21 CPP, Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I - provada a inexistência do fato; II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III - o fato não constituir infração penal; IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. 22 CPP, Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.23 CPP, Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.24 CPP, Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

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Nesta etapa ainda é possível que o juiz decrete a extinção da punibilidade,25 que significa a ausência de pena a cumprir por parte do condenado, porque o Estado perdeu o direito de punir alguém sendo que, nos casos de homicídio doloso, ela se dá, geralmente, pela morte do réu ou pela prescrição.

O Código Penal passou por uma mudança neste dispositivo com a Lei 12.234/2010. Até o ano de 2010 era possível que o tempo de prescrição retroagisse incluindo o tempo do Inquérito Policial. Entretanto, o atual §1º do artigo 110 do Código diz expressamente que não é possível, em nenhuma hipótese, ter a prescrição por termo inicial data anterior à da denúncia nos casos em que a sentença transitou em julgado (não pode mais ser objeto de recurso) para a acusação. Vale lembrar que apesar de a prescrição iniciar a sua contagem desde a data do fato,26 seu prazo pode ser interrompido por determinados atos processuais, dentre eles o recebimento da denúncia,27 fazendo com que, na prática, evite-se a prescrição pela demora na investigação policial. Além disso, quando o condenado é reincidente, a demora passa a ser contabilizada de uma forma diferente, sendo que o Poder Público passa a ter 1/3 a mais de tempo.

O tempo de prescrição antes do trânsito em julgado era dado pela data do crime e regulado tão somente pelo tempo de pena.28 Depois de 2010, a prescrição após o trânsito em julgado passa a ser regulada pela data da denúncia e o seu prazo foi aumentado um terço se o condenado é reincidente.29 Em termos de fluxo de processamento, são remetidos ao julgamento pelo Tribunal do Júri apenas os réus que foram pronunciados. Assim, a decisão de pronúncia marca o fim da primeira fase judicial e, após seu trânsito em julgado, inicia-se a segunda etapa do processamento, com o encaminhamento ao juiz responsável pelo júri.30

25 Código Penal (CP), Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.26 CP, Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I - do dia em que o crime se consumou.27 CP, Art. 110 § 1o A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.28 CP, Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime.29 CP, Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.30 CPP, Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência.

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Poucos são os crimes julgados pelo Tribunal do Júri: homicídios dolosos, infanticídio, aborto e instigação ao suicídio, em suas formas consumadas ou tentadas. A justificativa para essa distinção é a de que qualquer indivíduo pode matar outrem em um momento de violenta emoção e, por isso, esses sujeitos devem contar com um julgamento final realizado por pessoas do povo. Em todas as pesquisas já realizadas sobre o fluxo de processamento dos crimes do júri, apenas o homicídio doloso (tentado e consumado) é um delito apreciado por essa instância de julgamento (Ribeiro e Silva, 2010).

Ao receber o processo da primeira fase, o juiz deve abrir prazo de cinco dias para que acusação e defesa apresentem as testemunhas que irão depor em plenário.31 Ambos podem requerer a produção de outras provas em plenário, cabendo ao juiz conceder ou rechaçar o pedido, além de preparar um relatório sucinto sobre o processo que será distribuído aos jurados. Encerradas essas atividades, o magistrado pode marcar a audiência do júri, que deverá ocorrer, preferencialmente, em até 180 dias, já que o desrespeito a este prazo pode ensejar o desaforamento por excesso de trabalho32.

A sessão do júri segue um ritual em que são ouvidos o réu, as testemunhas (quando não são dispensadas pela defesa e acusação) e a vítima (nos casos de homicídios tentados). Todos são interrogados pelo juiz, defensor, promotor e até pelos jurados, quando esses possuem alguma dúvida com relação ao que foi exposto durante os interrogatórios. Após ouvir todos esses agentes, inicia-se o debate entre defesa e acusação. É um grande teatro que representa o drama real de dois sujeitos - réu e vítima - com o objetivo de convencer a plateia (jurados) sobre o que foi que ocorreu (Schritzmeyer, 2001). Assim, ainda que as narrativas contadas não sejam muito ancoradas nas provas, se ninguém notar ou se manifestar contra essa dissociação, os jurados irão decidir exclusivamente de acordo com as suas emoções. Por isso, Schritzmeyer (2001) aborda o júri como um jogo, em que o juiz tem a função de regular o tempo, fazer perguntas sobre os argumentos apresentados em plenário e, por fim, aplicar a pena a partir da decisão dos jurados.

31 CPP, Art. 423. Deliberando sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no plenário do júri, e adotadas as providências devidas, o juiz presidente: I - ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa; II - fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri.32 CPP, Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

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Depois do debate teatralizado entre acusação e defesa, o juiz apresenta em plenário perguntas, denominadas na linguagem jurídica de quesitos, que abordam a autoria do crime, sua motivação, materialidade, suas circunstâncias qualificadoras, atenuantes e agravantes. Em seguida, os jurados são encaminhados a uma sala secreta, onde votam nos quesitos com cartões de “sim” ou “não”, que são depositados em uma urna, para que, depois, o juiz possa fazer a contagem dos votos. Durante todo este procedimento, os jurados não podem conversar entre si, sob pena de o julgamento ser considerado nulo. Ao terminar a votação, o juiz redige a sentença aplicando a pena. Por fim, tanto os jurados quanto o juiz voltam para o plenário, no qual o juiz comunicará o veredito da votação determinando a sentença final e a pena correspondente. Como na fase de instrução, a fase do júri possui a sentença de desclassificação, além da absolvição e condenação do réu, depois da qual ele é direcionado para um dos estabelecimentos penitenciários administrados na localidade em que reside, para cumprimento da punição imposta pelo júri.

Para uma melhor compreensão deste trajeto, tem-se a Figura 1, que representa as instituições responsáveis pelo processamento do delito e os documentos produzidos para condenar ou absolver o indivíduo pela prática de um delito.

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Figura1-Fluxogramadofuncionamentodo Sistema de Justiça Criminal nos casos de homicídios dolosos

Fonte: Adaptado do Código de Processo Penal

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Em todos os casos julgados pelo Tribunal do Júri, tanto na fase de pronúncia quanto no julgamento, as sentenças são passíveis de recursos. Nesses casos, são elaboradas Apelações, que são encaminhadas à segunda instância e analisadas pelos procuradores, representando o Ministério Público, e, posteriormente, pelos desembargadores, que dão provimento ou não ao recurso em sua sentença na forma de um Acórdão, sendo possível a anulação do júri ou o agendamento de uma nova sessão.

A única forma de reconstituir este processamento do homicídio doloso é a partir da consulta aos autos, já que, como destacado na introdução, o Brasil não possui um sistema integrado de informações criminais. Em nossa tradição cartorial, os processos são constituídos por inúmeros documentos, exames e depoimentos destinados a construir uma verdade sobre o crime e o criminoso. Se a preocupação com a documentação resulta do brocado romano “quod non est in actis non est in mundo”, ou seja, “o que não está nos autos não está no mundo” (Tavares Júnior, 2011), para fins de pesquisa sociológica, essa preocupação se transforma em uma riquíssima fonte de informação sobre vítimas, réus, promotores, defensores, juízes e, especialmente, sobre a construção social do crime (Silva, 2013).

Além da leitura dos processos para a compreensão do enquadramento do crime e de suas circunstâncias do ponto de vista legal, tem-se uma leitura sociológica voltada para as normas sociais, tendo por objetivo analisar como são construídas as identidades dos envolvidos de acordo com os papéis sociais que eles desempenhavam. Uma leitura não existe sem a outra: ambas são complementares e compõem o estudo da produção de verdades no sistema de justiça. É a partir delas que se torna possível compreender como são estabelecidos os papéis de cada instituição e suas influências do ponto de vista do processamento.

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A pesquisa de fluxo de processamento tem como objetivo reconstituir - quantitativa e qualitativamente - a forma como um crime registrado pela polícia é processado pelas demais agências, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Judiciário e o Sistema Penitenciário.

Em termos quantitativos, o estudo de fluxo de processamento visa à mensuração da taxa de atrito, que é a proporção de delitos registrados na polícia que são trazidos ao Sistema de Justiça Criminal e responsabilizados com uma sentença (Newburn, 2017), bem como o tempo despendido em cada uma das fases de processamento, o que pode acarretar a prescrição e, por conseguinte, a ausência de responsabilização penal. Em termos qualitativos, a pesquisa procura desvelar quem são os autores e as vítimas de determinados delitos, quais são as distintas “verdades” construídas pelos aplicadores do direito em cada fase de processamento e em que medida a sentença final representa uma construção social acerca de dado delito (Silva, 2013).

Em todo o mundo, entre todos os delitos registrados pela polícia, uma proporção muito pequena termina com uma condenação em um pequeno espaço de tempo (Sung, 2006). Para entender esse processamento, a melhor opção é a organização de uma base de dados com informações longitudinais que tenha como ponto de partida as pesquisas de vitimização (que mensuram a quantidade de crimes ocorridos que não foram reportados à polícia), seguindo os Registros de Ocorrência, Processos Penais e chegando aos Prontuários do sistema prisional (Bergman, 2006, p. 226). No entanto, o tipo de metodologia empregado para a realização desse tipo de estudo está relacionado à disponibilidade da informação em cada país, já que alguns contam com sistemas razoavelmente interligados, enquanto, em outros, é preciso consultar os documentos para a organização dos dados necessários (Restrepo, 2001).

Em locais em que o sistema de registro policial é integrado com os sistemas de informação das demais instituições é possível reconstituir de forma quase imediata o fluxo de processamento. Na Inglaterra, o National Crime Recording Standard (NCRS) mapeia o processamento dos delitos registrados pela polícia e publica relatórios regulares sobre este fenômeno (Garside, 2004).

3.Apesquisadefluxodeprocessamento3

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Em 1997, esse relatório foi complementado com uma pesquisa de vitimização, o que permitiu conhecer o padrão de afunilamento, considerando o não registro do caso à polícia. Os números coletados mostraram que, para os crimes contra a pessoa e a propriedade sem uso de violência, “3 em 100 ofensas cometidas em 1997 resultaram em condenação criminal ou cautela policial; 1 em 300 resultou em uma pena privativa de liberdade” (Barclay e Tavares, 1999, p. 29).

Figura 2 - Atrito no Sistema de Justiça Criminal da Inglaterra e do País de Gales (1997)

Fonte: Barclay e Tavares (1999, p. 29).

O estudo de Barclay e Tavares (1999) é considerado uma pedra angular nas análises de fluxo de processamento por incluir a quantidade de casos que não é registrada à polícia, ou seja, a cifra oculta da criminalidade. Afinal de contas, muitos crimes são cometidos sem que a polícia jamais seja notificada. Na Inglaterra e no País de Gales, nos anos de 1999-2000, quando o cálculo teve como base a quantidade de crimes contra a pessoa e o patrimônio, cometidos sem violência e registrados à polícia, “a taxa de atrito ficou em torno de 14%, quando considerada a sentença; e 9% para os casos de condenação” (Garside, 2004, p. 19). A diferença é de três vezes dependendo do ponto de partida: se as pesquisas de vitimização (Barclay e Tavares, 1999) ou se a quantidade de crimes registrados pela polícia (Garside, 2004).

Uma forma de evitar a diferença decorrente da cifra oculta da criminalidade é calculando a taxa de atrito a partir do homicídio consumado, delito em que a decisão de comunicar o evento à polícia é substituída pela presença do cadáver.

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Esse é o delito preferencial de várias pesquisas realizadas sobre o tema, como é o caso de Restrepo (2001) e Lecuona (2004), que estimam que menos de 6% dos homicídios registrados na década de 1990, na Colômbia e no México (respectivamente), foram encerrados com uma condenação no Poder Judiciário. No entanto, como adverte Bergman (2006, p. 220), na América Latina, o número de homicídios dolosos computado pelas organizações policiais não representa, necessariamente, todos os corpos com suspeita de assassinato intencional, sendo clássico o caso do encontro de cadáver que segue sem qualquer tipo de investigação e, por conseguinte, responsabilização pelo Sistema de Justiça Criminal (Misse, 2014).

Nelken (2009, p. 302) argumenta que todos os sistemas de justiça penal “são, em certa medida, seletivos (como se vê na famosa distinção na literatura anglo-americana entre as exigências do “devido processo” e os objetivos do “controle do crime”)”. No entanto, os sistemas diferem entre si (e ao longo do tempo) na maneira como constroem e operam tal seletividade. Tanto a taxa de atrito como o tempo de processamento são produtos dos procedimentos burocráticos empregados para o apontamento do suspeito e, depois, para a apuração de sua responsabilidade, o que, segundo o autor, seria a explicação para a baixa quantidade de casos criminais que são encerrados com uma sentença condenatória e elevada quantidade de casos prescritos, em localidades que ainda contam com um Processo Penal inquisitorial.

Considerando a bibliografia internacional, quatro são as lições aprendidas. Os estudos quantitativos de fluxo de processamento dizem respeito ao percentual de crimes que, registrados na polícia, alcançam uma sentença no Judiciário. A análise de fluxo deve ser realizada a partir do escrutínio de um crime com baixa subnotificação ou com a complementação de pesquisas de vitimização para a estimativa da cifra oculta naquela modalidade delituosa. Os bancos de dados construídos para o estudo do fluxo de processamento devem ser longitudinais, já que o Sistema de Justiça Criminal demora certo tempo para processar completamente um crime comunicado à polícia e, muitas vezes, o decurso do tempo impedirá que a punição seja efetivada, no sentido de que, apesar de aplicada, ela não será executada pela perda do direito de punir por parte do Estado. As tradições jurídicas, informadas pela combinação entre procedimentos policiais inquisitoriais e procedimentos judiciais acusatoriais, são variáveis relevantes para o entendimento dos padrões de seleção e a temporalidade do fluxo do Sistema de Justiça Criminal.

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O Brasil carece de um sistema integrado de dados de segurança pública e justiça criminal que permita entender os padrões de seleção e filtragem que têm lugar no processamento de um delito. Como cada instituição conta com um sistema de registro de seus documentos (Quadro 1), é impossível a reconstituição imediata do tempo e do padrão de filtragem que orienta o fluxo de processamento, cabendo ao pesquisador acompanhar a produção dos documentos ou tentar reconstituí-la a partir da consulta aos autos processuais.

Quadro 1 - Documentos produzidos pelas instituições do Sistema de Justiça Criminal

Fonte: Adaptado de Vargas (2004)

Em regra, o estudo do Sistema de Justiça Criminal no Brasil é visto como a reconstituição do fluxo de documentos e indivíduos desde a polícia até o sistema prisional (Coelho, 1988), sendo que o nome do suspeito é a única informação que conecta todos os documentos enumerados no Quadro 1. Como homônimos são muito comuns na sociedade brasileira, é difícil reconstituir o fluxo de procedimentos utilizando tão somente essa variável. Neste cenário, o cálculo da taxa de atrito ocorre a partir de três metodologias diversas, cada qual com ganhos e perdas (Misse e Vargas, 2007).

O desenho mais recomendável é o longitudinal ortodoxo. Para realizá-lo é preciso patrulhar a cidade com a Polícia Militar ou sentar em uma delegacia de Polícia Civil e esperar que os crimes sejam registrados para, posteriormente, seguir o processamento dos documentos nas demais instituições, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Judiciário e o Sistema Penitenciário, calculando o tempo despendido entre cada um dos atos processuais.

3.1 Técnicas para mapeamento do fluxodeprocessamento3

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Instituição Documentos que produz O que permite calcular

Polícia Militar Boletim de Ocorrência Quantidade de crimes registrados

Polícia Civil Inquérito Policial Quantidade de crimes esclarecidos

Ministério Público Denúncia Quantidade de crimes processados

Judiciário Sentença Quantidade de crimes responsabilizados

Sistema Penitenciário Prontuário Quantidade de indivíduos que, condenados, cumprem pena

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Trata-se de um modelo de pesquisa caro, pois não se sabe ao certo quanto tempo a infração registrada como crime pelas polícias demandará para ser processada definitivamente pelo Judiciário.

Tem a vantagem de permitir o cálculo mais preciso da taxa de atrito e, ainda, uma estimativa bastante acurada do tempo de processamento. Porém, em uma realidade de recursos escassos, a tendência é a utilização de outras metodologias, mais baratas. Uma delas é o desenho transversal, que contabiliza a quantidade de crimes registrada por cada uma das agências que opera no fluxo de processamento em um determinado período (Cano e Duarte, 2010).

O desenho transversal é o recorte utilizado para quem calcula as taxas de atrito a partir das bases de dados do United Nations Survey of Crime Trends33. Anualmente, o UNODC coleta, em alguns países, informações sobre a quantidade de delitos registrados na polícia, a quantidade de processos iniciados, a quantidade de sentenças proferidas e a quantidade de condenações encaminhadas ao sistema prisional. De acordo com Shaw et al. (2003, p. 52), “tais indicadores podem fornecer apenas uma medida aproximada de taxa de atrito, uma vez que geralmente não medem a mesma série de casos reais. Isso ocorre porque os sistemas judiciais geralmente levam muito tempo para processar os casos”. Logo, o número de registros policiais em um ano, assim como o número de processos em andamento ou condenações publicadas nesse ano, não é referente aos mesmos casos de origem.

O desenho transversal é, sem dúvida, o mais barato e fácil de ser realizado, posto que depende apenas dos números totais obtidos a partir da contabilidade de registros existentes em cada uma das instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal. Porém, ele apresenta a grande desvantagem de não permitir o cálculo do tempo de processamento, já que os casos processados em um ano dizem respeito a crimes ocorridos em outros períodos.

O terceiro desenho possível para o estudo do fluxo do Sistema de Justiça Criminal é o longitudinal retrospectivo. Neste caso, o ponto de partida é o arquivo do Tribunal de Justiça, que possui os Inquéritos Policiais que não se transformaram em ações penais, as denúncias rejeitadas pelo juiz, e as ações penais encerradas com ou sem sentença final. A partir de todo esse material, o fluxo de processamento é reconstituído indicando o que foi encerrado em cada uma de suas etapas e, ainda, o tempo de processamento.

33 Bases disponíveis em: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/United-Nations-Surveys-on-Crime-Trends-and-the-Operations-of-Criminal-Justice-Systems.html, acesso em 05 de março de 2017.

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Este desenho tem a desvantagem de impedir a reconstituição completa do fluxo de processamento desde o registro inicial do crime, já que os I.P.s, denúncias e processos arquivados em um determinado ano são referentes a crimes ocorridos em diferentes momentos do tempo. Porém, tem a vantagem de permitir estimativas bastante acuradas sobre o tempo de processamento, já que trabalha com os casos que foram encerrados em definitivo, sem qualquer tipo de perda da informação.

Neste estudo, cujos dados ora se apresentam, adotamos a metodologia transversal, para reconstituir parte do fluxo de processamento (mais precisamente a taxa de atrito), e a metodologia longitudinal retrospectiva para reconstituição das taxas de sentenciamento e punição, além do tempo de processamento. Na próxima seção, descrevemos em detalhe como esse desenho de pesquisa foi progressivamente construído.

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O primeiro passo realizado no âmbito da pesquisa Mensurando o tempo do processo de homicídio doloso em Belo Horizonte: O que mudou em uma década foi a escolha de um delito, já que os ritos processuais são distintos, de acordo com o crime em questão. A opção pelo homicídio doloso é por ser este o crime que causa maior comoção social e o que é mais difícil de ser perdido nos registros policiais, em razão da presença do cadáver. Em seguida, foi estabelecido o universo temporal da pesquisa, qual seja, a década compreendida entre os anos de 2003 e 2013, considerando que foi durante esses anos que Belo Horizonte experimentou a queda, ascensão e nova queda das taxas de homicídio doloso (como apresentado no Gráfico 1, Introdução).

O terceiro passo foi a escolha do desenho de pesquisa. Nesse caso, optamos pelo recorte longitudinal retrospectivo, computando informações sobre todos os Processos Penais e Inquéritos Policiais encerrados entre os anos de 2003 e 20013. Essa medida tornou o trabalho de coleta de informações mais descomplicado: a consulta aos documentos arquivados é sempre menos problemática, posto que todos os dados de interesse estão reunidos em um único arquivo. Para a definição do número de casos a ser consultado, foram observados os dois recortes propostos pela pesquisa: referente aos Processos Penais e aos Inquéritos Policiais que não se transformaram em ações penais.

A opção por trabalhar com esses dois recortes remete à implantação da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP), que, de certa maneira, propõe a articulação entre o Ministério Público e a Polícia Civil e entre o Ministério Público e o Judiciário para processamento dos casos de homicídio doloso (tentados e consumados), já que este é o delito que causa maior comoção na sociedade brasileira e, muitas vezes, a sua ocorrência está associada à ineficiência do Sistema de Justiça Criminal em seu processamento e punição. Assim, a ENASP é descrita como um arranjo que

(...) tem o objetivo de promover a articulação dos órgãos responsáveis pela segurança pública, reunir e coordenar as ações de combate à violência e traçar políticas nacionais na área. Lançada em fevereiro de 2010, a iniciativa é resultado de parceria entre os Conselhos Nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça (MJ). (Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/metas-enasp, acesso em 17 de maio de 2016).

3.2 Notas metodológicas sobre o desenho de pesquisa3

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A ENASP é específica para os casos de homicídio doloso, tentados e consumados, e, a cada ano, estabelece que casos ocorridos até uma determinada época devem ser denunciados, processados e arquivados. Como forma de agilizar e dar maior efetividade à investigação e ao julgamento de crimes de homicídio doloso, a ENASP estabelece periodicamente determinadas metas. Em 2010, a primeira meta da ENASP determinava a conclusão de todos os inquéritos e procedimentos que investigavam os homicídios dolosos instaurados até o ano de 2007; a segunda determinava a realização das audiências de instrução e julgamento em ações penais por homicídios dolosos ajuizadas até 2008; a terceira determinava a realização de júri para julgamento das ações penais por homicídios dolosos pronunciados até o ano de 2007. Visto que todas as metas tinham por prazo original a sua realização até o ano de 2011, o recorte estabelecido pela pesquisa (2003-2013) permitiria a análise do padrão do fluxo de processamento antes e depois do estabelecimento das metas da ENASP.

Uma vez definido o delito e o recorte temporal, o passo seguinte foi determinar o tamanho da amostra, ou seja, a quantidade de casos a ser pesquisada. Para a realização de tal empreendimento, a estratégia adotada foi solicitar à corregedoria do Fórum Central um espelho do Sistema de Consulta de Informações Processuais (SISCOM) referente a todos os casos de homicídio doloso baixados entre 01/01/2003 e 31/12/2013, no que diz respeito às seguintes informações: data de distribuição; data da denúncia; data da (última) pronúncia; data do (último) julgamento; data da baixa.

A resposta à solicitação tardou um mês, quando foram encaminhadas informações referentes a 9.333 casos, sendo que todos possuíam, pelo menos, a data da distribuição e a data de baixa. Como o tempo necessário para o processamento completo do homicídio doloso pode ser de décadas, a base de dados enviada reunia desde casos iniciados na década de 1960 até processos distribuídos no ano de 2012, mas cuja finalização ocorreu entre 2003 e 2013, como se pode vislumbrar no Gráfico 2, que relaciona o ano da distribuição com o ano de baixa dos autos processuais. Esses dados informam uma característica central do processamento dos homicídios dolosos: a morosidade.

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Gráfico2 – Anodedistribuição ebaixados processosdehomicídiodoloso–BeloHorizonte–processosdehomicídiodoloso,baixadosentre2003 e 2013.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)

Neste contexto, duas foram as primeiras indagações suscitadas pelos dados do SISCOM: seria o ano de 2013 uma exceção, em termos de tempo de processamento, já que os casos encerrados neste período têm duração menor do que os encerrados em outros anos? Em que medida a morosidade é menos acentuada em 2013 em decorrência da ENASP, que empurra casos novos para julgamento e arquivamento?

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Além das datas de distribuição e baixa, o banco de dados remetido pelo TJMG apresentava uma variável denominada “tipo” que estava organizada de forma dicotômica entre as categorias “processo” e “inquérito”. De acordo com as funcionárias dos dois cartórios do Tribunal do Júri de Belo Horizonte, os casos indexados como “processo” são aqueles que contam com, pelo menos, a denúncia do promotor de justiça devidamente aceita pelo juiz, momento a partir do qual se instaura o Processo Penal. Já os casos classificados como “inquéritos” são aqueles que foram arquivados como Inquéritos Policiais a pedido do promotor de justiça com autorização do juiz, devido à ausência de elementos que permitissem a identificação da autoria e materialidade do delito e, por conseguinte, o oferecimento de denúncia.

A construção de uma tabela contrastando a variável “tipo” com o ano de baixa do procedimento apresenta uma informação interessante: a quantidade de Inquéritos Policiais baixados a cada ano é substantivamente superior à de Processos Penais a partir do ano de 2008 (pouco antes do estabelecimento das metas ENASP), alcançando o seu ápice em 2012 (dois anos após o início da ENASP), quando o número de I.P.s baixados é quase três vezes a quantidade de processos (Tabela 1).

Tabela 1 – Quantidade de procedimentos baixados, por ano e tipo -Processos Penais e Inquéritos Policiais de homicídio doloso, arquivados em Belo Horizonte entre 2003 e 2013.

TipoInquérito Processo Total

Anodabaixa 2003 124 276 4002004 160 263 4232005 103 339 4422006 155 242 3972007 379 300 6792008 545 238 7832009 636 503 11392010 710 459 11692011 699 648 13472012 613 393 10062013 988 560 1548

Total 5112 4221 9333Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)

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A dinâmica da Tabela 1 foi detalhada pelas funcionárias das Secretarias do I e II Tribunal do Júri de Belo Horizonte, entrevistadas para que pudéssemos entender a natureza dos dados oficiais. Segundo elas, até outubro de 2014, todos os Inquéritos Policiais não concluídos em 30 dias (para réu solto) ou em 10 dias (para réu preso) precisavam ser submetidos, primeiro, à apreciação do promotor de justiça, para que ele opinasse sobre a continuidade da investigação e, depois, ao juiz, para concessão da dilação de prazo. Para que o juiz pudesse apreciar o caso, o Inquérito Policial, um procedimento administrativo, precisava ser transformado em procedimento judicial, o que implicava a distribuição do caso no Tribunal.

O pedido de dilação, muitas vezes, significa a própria “morte” da ação penal, pois indica que o delegado não encontrou o responsável pelo homicídio no período estipulado pelo CPP e, por isso, precisa de mais prazo. Exatamente por essa razão, Misse (2011) identifica como um dos primeiros gargalos do fluxo de processamento o “eterno pingue-pongue” de procedimentos entre a Polícia Civil, o Ministério Público e o Judiciário. Entre eles, é ilustrativa a fala de uma das secretárias do Tribunal do Júri, que afirmou o seguinte: “nós temos muita dilação de prazo, porque o delegado não consegue concluir um inquérito em dez dias, muito menos com trinta” (entrevistada A).

Porém, em razão das metas ENASP, o que parecia eterno agora tem um fim: o pedido de arquivamento do Inquérito Policial pelo Ministério Público34 ao juiz, em razão da incapacidade da Polícia Civil de apontar um responsável pela prática do delito. Isso porque, na Meta 2, lançada em 2010, ficou estabelecido que caberia aos promotores de justiça pressionar os delegados de polícia para:

Meta 2 (CNMP): Concluir os Inquéritos Policiais (I.P.s) de crimes de homicídios instaurados até o dia 31 de dezembro de 2007. Durante os esforços para o cumprimento da Meta 2 em sua concepção original, houve o acréscimo de duas outras fases, referentes aos anos de 2008 e 2009, que irão permanecer sem alteração até outubro de 2014, quando haverá a unificação das fases e a instauração da Meta Homicídio, que será a seguir explicitada.35

34 CPP, Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do Inquérito Policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.35 Retirada de http://www.cnmp.mp.br/portal/component/content/article/101-institucional/enasp/212-enasp1, acesso em 13 de novembro de 2014.

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Ao estabelecer o encerramento de investigações que se mostravam infrutíferas, o que a Meta 2 da ENASP fez foi, aparentemente, contribuir para que os procedimentos que estavam no “eterno pingue-pongue” entre PC-MP-Judiciário (Vargas e Rodrigues, 2011) fossem encerrados, aumentando substantivamente a quantidade de Inquéritos Policiais baixados a cada ano. Em outras palavras, com a edição das metas ENASP, o Ministério Público e a Polícia Civil passaram a ser cobrados quanto aos referidos procedimentos, o que fez com que, a partir daquele período, fossem concentrados esforços para o arquivamento de casos que não tinham qualquer chance de serem transformados em processos.

Esse expediente de idas e vindas para pedido de dilação de prazo implicava distribuição e baixa de procedimentos administrativos que, por natureza, não são judiciais e, para corrigir suas possíveis distorções, entrou em vigor, em 2014, uma portaria que estabelecia a tramitação direta dos I.P.s, o que viabilizaria que eles tramitassem somente entre a Polícia Civil e o Ministério Público, vindo à distribuição pelo Judiciário com o ajuizamento das denúncias. Nas palavras de uma entrevistada, essa resolução estabelece que:

Se for para pedir dilação de prazo saiu uma determinação do CNJ que só o Ministério Público que vai decidir isso. Não precisa ir no juiz. A partir do dia 26 de outubro de 2014. Só vem no juiz quando for distribuir a primeira distribuição, aí vai registrar um número.(Entrevistada B)

Os dados apresentados na Tabela 1 e as falas das duas entrevistadas em Belo Horizonte indicam que as metas estabelecidas pela ENASP resultaram no arquivamento de Inquéritos Policiais que não originaram ações penais em percentuais bastante elevados (Gráfico 3), tendência que se inicia dois anos antes da constituição da própria ENASP e permanece até o último ano da série estudada.

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Gráfico 3 - Participação percentual de Processos Penais e InquéritosPoliciais de homicídio doloso, no total de casos arquivados em Belo Horizonte entre 2003 e 2013.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)

Considerando o período estudado, que cobre uma década, contamos com mais casos arquivados como Inquéritos Policiais do que como Processos Penais (Tabela 2). Além disso, computando os tempos de forma diferenciada, de acordo com a natureza do procedimento, constata-se que os casos encerrados como processos são muito mais lentos do que os encerrados como I.P.s, com uma média de 13,2 anos contra 4,9 anos, respectivamente.

Tabela 2 – Quantidade de procedimentos baixados, por ano e tipo -Processos Penais e Inquéritos Policiais de homicídio doloso, arquivados em Belo Horizonte entre 2003 e 2013.

Tipo de documento N. casos

Valor mínimo

Valor máximo Mediana Média Desvio

Inquérito 5.112 0,0 28,0 5,0 4,9 3,78Processo 4.221 0,0 47,0 11,0 13,2 9,6Total 9.333 0,0 47,0 6,0 8,6 8,1

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)

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31 3823

3956

7056 61 52 61 64

69 6277

6144

3044 39 48 39 36

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013Inquérito Policial Processo Penal

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Isso ocorre porque, por maiores que sejam as dificuldades de esclarecimento de um caso, o procedimento bifásico apresentado na seção anterior é, por si só, bastante lento. Se a polícia demora na realização do Inquérito Policial, o Judiciário demora na instrução e julgamento e, especialmente, na realização do júri. Além disso, o tempo entre a data da distribuição e a data da baixa para os processos penais é bastante distinto em termos de amplitude de acordo com o ano de encerramento do procedimento, como indica o boxplot, “uma representação gráfica da distribuição dos dados que se utiliza do esquema dos cinco números” (Machado et al., 2016, p. 153). O boxplot costuma ser o modelo de figura utilizado para a apresentação do tempo, por dar “uma ideia da posição, dispersão, assimetria, caudas e dados discrepantes” (Ibidem).

A linha mais baixa é o valor mínimo, que, nesse caso, é a menor quantidade de anos despendidos entre a data da distribuição e a data da baixa. Em todos os anos, há marcas no valor zero, o que significa que alguns processos são encerrados no mesmo ano em que chegaram ao Judiciário (já que a data da distribuição, muitas vezes, desconsidera o tempo do Inquérito Policial). A linha mais elevada no gráfico é o valor máximo, que, no caso, pode chegar a 47 anos entre a data da distribuição e a data da baixa. “As observações que estiverem acima do limite superior ou abaixo do limite inferior são chamadas de pontos exteriores. Essas são observações destoantes das demais e podem ou não ser chamados de outliers ou valores atípicos” (Machado et al., 2016, p. 154).

O quadrado, por sua vez, significa os casos que estão entre o 2º quartil e o 3º quartil, enquanto a linha sublinhada na metade do quadrado é a mediana, o valor de tempo que divide a série de dados em dois conjuntos, com mesma quantidade de casos, quando os casos estão organizados por ordem crescente de tempo, isto é, desde 0 anos até 47 anos. Como o risco da mediana é diverso dependendo do ano de encerramento do processo, é possível afirmar que o momento em que o caso foi apreciado e encerrado interfere no tempo de processamento, variando entre 6 anos (em 2003) e 17 anos (em 2007).

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Boxplot 1 – Quantidade de procedimentos baixados, por ano e tipo -Processos Penais e Inquéritos Policiais de homicídio doloso, arquivados em Belo Horizonte entre 2003 e 2013.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)

Então, uma amostra minimamente adequada seria aquela que considerasse tanto casos encerrados como I.P.s quanto casos encerrados como Processos, de acordo com o ano em que esse procedimento foi encerrado.

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A amostra da pesquisa foi estabelecida considerando a quantidade de I.P.s e Processos arquivados anualmente (Tabela 1), com o objetivo de entender os padrões de seleção e filtragem de casos encerrados como I.P.s e Processos, além de identificar os determinantes do tempo de processamento. Como o padrão de arquivamento é diferente em cada ano (Gráfico 2), a amostra foi estratificada de acordo com o peso do tipo de documento (Processo ou I.P.) no total de casos arquivados naquele ano.

Na primeira fase da pesquisa, realizada entre os meses de janeiro e dezembro de 2015, foram analisados 392 processos judiciais, o que significa uma margem de erro de 4,7 pontos percentuais, para um nível de confiança de 95%, dentro deste estrato. Na segunda fase da pesquisa, realizada entre janeiro e dezembro de 2016, foram analisados 431 Inquéritos Policiais, o que significa uma margem de erro de 4,5 pontos percentuais para um nível de confiança de 95%, dentro deste estrato. Ao final foi gerada uma base de dados com 823 casos, que possui uma margem de erro total de 3,3 pontos percentuais, para um nível de confiança de 95%.

Tabela 3 – Quantidade de procedimentos baixados, por ano e tipo -Processos Penais e Inquéritos Policiais de homicídio doloso, arquivados em Belo Horizonte entre 2003 e 2013.

Inquéritos Policiais Processos Penais TotalUniverso 5112 4221 9333

55% 45% 100%Amostra 431 392 823

52% 48% 100%

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) Amostra: Mensurando o tempo do processo de homicídio em

Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Após a definição da quantidade de casos, foi criada uma variável de número aleatório na planilha enviada pelo SICOM, momento em que os processos e inquéritos foram sorteados para pesquisa, considerando o ano de encerramento. Em seguida, essa listagem foi entregue ao setor responsável pela guarda de documentos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para identificação dos casos que seriam analisados pela equipe.

3.3 Algumas observações sobre a amostra e a coleta de dados3

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Em princípio, todo Processo Penal é público e qualquer pessoa pode ter acesso a ele, mas, na prática, a situação é diferente, dada a necessidade de se balizar a publicidade e privacidade, que também precisar se equacionada em uma democracia constitucional. Por isso, o acesso aos autos só é facultado com a autorização do juiz corregedor do fórum e, posteriormente, do responsável pelo local de arquivamento deste material. O trâmite para a autorização demorou alguns meses e, neste ínterim, foram construídos os formulários de consulta à documentação, que levaram em consideração as pesquisas de Ribeiro et al. (2014) e Batitucci et al. (2006), estudos esses que tiveram a cidade de Belo Horizonte como foco de análise.

Um homicídio doloso pode ter diversas unidades de análise. A primeira delas é os autos do Processo Penal, uma espécie de pasta que reúne documentos produzidos pelas Polícias Militar e Civil, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública (ou advogados particulares em raras situações) e pelo Judiciário. É o que denominamos de caso ao longo da pesquisa, sendo essa a informação que norteou o cálculo das amostras efetivamente pesquisadas. Contudo, possuímos duas outras unidades de análise: as vítimas, que podem ser várias (como ocorre nas chacinas ou execuções planejadas), e os autores, que também podem ser múltiplos (como ocorre nos conflitos entre gangues). Portanto, um mesmo caso pode ter diversas vítimas e autores. Para não perdermos qualquer tipo de informação, foram construídos três formulários de consulta: um para os processos, outro para as vítimas e outro para os autores.

Após a disponibilização dos documentos, os pesquisadores cuidaram da consulta ao material no Arquivo Geral do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, localizado na região periférica de Belo Horizonte. A sala alocada aos pesquisadores do Centro de Estudo de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG) para a leitura dos autos era confortável e silenciosa. O estudo dos processos demandava em torno de duas horas, e, no caso dos inquéritos, por ser um documento menor, o trabalho ocorria de forma mais rápida, cerca de 30 minutos. Em ambas as fases, foi realizada a leitura dos processos e inquéritos a partir dos formulários, a fim de padronizar a informação coletada.

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Muitas vezes a leitura para preenchimento dos formulários foi difícil, dado que a equipe de pesquisa era composta por cientistas sociais sem formação jurídica. Por não possuírem maior entendimento de termos próprios da linguagem dos magistrados, alguns campos do formulário deixaram de ser preenchidos. Além disso, a tentativa de encontrar as informações desejadas demandou interpretar o que era encontrado nos documentos, como no caso das questões relacionadas ao tipo de perícia, presença de testemunhas (de fato ou de caráter) e motivos para o delito apontados nos Registros de Ocorrências. Por fim, uma dificuldade encontrada em muitos processos e inquéritos foi a carência de datas nos documentos oficiais, o que implica complicações para o principal objeto da pesquisa: o tempo de processamento.

À medida que os formulários em papel eram preenchidos, os dados eram transportados para um formulário online do Google Docs e, por fim, alocados em um software de análise estatística, o SPSS Statistics Base, tornando possível a construção de tabelas e, por conseguinte, a interpretação dos dados. Portanto, os dados sumarizados neste documento são resultado desta análise final da base de dados.

Em razão das três unidades de análise - processos/inquéritos, autores e réus -, as bases de dados geradas não possuem a mesma quantidade de casos (Tabela 4). A base resultante da primeira etapa da pesquisa conta com informações referentes a 392 processos, mas possui 428 réus e 432 vítimas, visto que, em muitos casos, há mais de uma vítima e um autor em um único processo. A base resultante da segunda fase da pesquisa conta com informações detalhadas sobre 431 Inquéritos Policiais que não redundaram em Processos Penais, o que significa 164 suspeitos e 458 vítimas. O número de suspeitos é muito menor do que o total de Inquéritos Policiais analisados, porque vários deles foram arquivados em razão da incapacidade da Polícia Civil de imputar a alguém a responsabilidade pela prática do delito.

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Tabela 4 - Quantidade de casos principais, vítimas e autores computados em cada uma das três bases de dados. Processos Penais e Inquéritos Policiais de homicídio doloso, arquivados em Belo Horizonte (2003 a 2013).

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

As informações recolhidas permitem observar o perfil das pessoas que protagonizam as ocorrências de homicídio doloso esclarecidas ou não pela Polícia Civil, bem como as principais características do contexto das ocorrências, tais como o local do crime, a relação entre vítimas e autores, a arma utilizada, se houve prisão em flagrante, se houve testemunhas do fato, motivação do crime e suas sentenças. Além disso, a construção de uma base de dados com informações sobre casos arquivados como Processos Penais e Inquéritos Policiais admite contrastar aqueles que passaram por uma apreciação judicial com os que se encerraram na primeira fase do fluxo do Sistema de Justiça Criminal, o que possibilita compreender, por exemplo, os fatores que contribuem para o encerramento sem que qualquer pessoa seja apontada como responsável pela morte.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Quantidade de casos

Quantidade de autores

Quantidade de vítimas

1a. Fase da pesquisa (jan/dez de 2015)

392 processos 428 432

2a. Fase da pesquisa (jan/dez de 2016)

431 inquéritos 164 458

Total 823 documentos 592 890

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Nesta seção, serão analisados os dados produzidos ao longo das duas fases da pesquisa Mesurando o tempo do processo homicídio doloso em Belo Horizonte: o que mudou em uma década, com o objetivo de descrever as principais características dos envolvidos nos homicídios dolosos (tentados e consumados) que ocasionaram Processos Penais e Inquéritos Policiais arquivados entre os anos de 2003 e 2013. Os dados serão, sempre que possível, comparados entre Processos Penais e Inquéritos Policiais, com o propósito de salientar que as diferenças existentes entre os sujeitos registrados nesses documentos têm implicações diversas do ponto de vista da responsabilização de alguém pela prática de um delito.

Em todas as tabelas e gráficos desta seção será apresentado o teste do qui-quadrado, que mensura a associação existente entre as duas variáveis. Essa estatística tem o objetivo de indicar se existem diferenças entre os Processos Penais e os Inquéritos Policiais em termos de dimensões relacionadas ao perfil das vítimas, autores e dinâmicas das mortes. O teste é significativo sempre que o valor de p, reportado entre parênteses, for igual ou menor que 0,050, o que significa dizer que, nessas situações, a variável em questão é importante para entender as diferenças entre processos e inquéritos, mas não se pode afirmar que ela é a causa da diferença, já que o teste do qui-quadrado não é uma forma de mensurar a existência de causalidade entre as variáveis, limitando-se à associação.

O trabalho de identificação das vítimas e autores se dá na fase policial. Por isso, o I.P. reúne documentos que informam o sexo, idade, profissão, estado civil, raça/cor e escolaridade dos envolvidos, sendo que algumas dessas informações se tornam peças fundamentais para o processo de incriminação do sujeito (Misse, 2014), ou seja, para a transformação do suspeito em indiciado e melhor conhecimento sobre quem era a vítima, aquele sujeito cuja vida foi perdida ou colocada em risco por um ato de violência.

4. Quem são os envolvidos (autores e vítimas) nos registros de homicídio doloso? 4

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A primeira informação analisada nesta seção é a quantidade de vítimas, que pode variar de acordo com a ocorrência. Pode-se observar, a partir do Gráfico 4, que a maioria dos crimes foi cometida contra um único indivíduo, nos casos dos Processos Penais (82,2%). Já os casos encerrados como Inquéritos Policiais, apesar de contarem, em sua maioria, com apenas uma vítima (80,8%), possuem mais casos com mais de uma vítima, sendo essa diferença estatisticamente significativa. De certa forma, parece ser mais fácil esclarecer homicídios dolosos em que apenas uma pessoa foi morta do que casos como os de uma chacina ou um massacre, em que a ação significou a perda da vida de diversos indivíduos.

Gráfico4-Distribuiçãopercentualdonúmerodevítimasporprocesso–Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 13,906 (0,008)

Durante as duas fases da pesquisa, os homens protagonizam os casos como vítimas. Dentre os Processos Penais, eles correspondem a 84,7% das ocorrências e, nos Inquéritos Policiais, a 89,5%, sendo essa diferença estatisticamente significativa. Em contrapartida, há uma baixa quantidade de mulheres vitimadas: apenas 10,5% dos Inquéritos Policiais e 15,3% dos Processos Penais (Gráfico 5). Aparentemente, casos envolvendo mulheres são mais fáceis de serem esclarecidos do que casos envolvendo homens.

4.1 Vítimas4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

80,8

14,2

2,2 1,7 1,1

82,2

11,35,6

0,90

102030405060708090

1 2 3 4 5

Inquérito Policial Processo Penal

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40

De acordo com Vasconcellos (2014), essa diferença ocorre porque a mulher tem papéis sociais diferentes do homem e, por isso, sua vitimização tende a ter lugar no âmbito privado, contando com o testemunho de parentes e amigos. Já nos casos envolvendo homens, a morte ocorre na rua, o que torna mais rara a presença de testemunhas do fato e, por conseguinte, o esclarecimento da causa do delito e o apontamento de um responsável por esse crime.

Gráfico 5 - Distribuição percentual de vítimas por sexo – Processos eInquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:4,5 (0,021)

Outra informação de destaque é a idade das vítimas, já que a maioria dos levantamentos existentes sobre o tema indica que os jovens são os mais vitimados pela violência letal e intencional (Waiselfisz, 2013). Em alguns Processos Penais, não foi encontrado ou preenchido ao longo da pesquisa a data de nascimento das vítimas, fazendo com que 22% delas não possuam essa informação. Entre os inquéritos não convertidos em processos, o percentual de casos sem informação é menor: apenas 5,5%.

O perfil das vítimas nos processos é composto, principalmente, por jovens, na faixa etária entre 19 e 29 anos, que representam 37,7% dos casos e, posteriormente, indivíduos com idade entre 30 e 39 anos (17,1%). No caso dos I.P.s, o perfil é um pouco distinto, com mais casos de vítimas jovens, especialmente, as situadas na faixa etária entre 19 e 29 anos (45%).

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

10,5 15,3

89,5 84,7

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Masculino

Feminino

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41

Gráfico6-Distribuiçãopercentualdevítimasporfaixaetária–Processose Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:216,700 (0,000)

No quesito raça/cor da pele, dentre as 432 vítimas dos processos, 46,8% são pardas, seguidas de 21,1% brancas e 19,7% pretas. Dentre as 458 vítimas que não tiveram suas mortes esclarecidas, as estatísticas são similares: 47,2% são pardas, seguidas de 23,1% brancas e 19% pretas. Nesse caso, o teste do qui-quadrado não foi estatisticamente significativo, indicando que as vítimas de processos e I.P.s (não convertidos em processos) são muito semelhantes no quesito cor da pele, dado que elas são, em sua maioria, pretas e pardas. Ou seja, se existem diferenças no trabalho policial, que resulta em Processos e Arquivamento, em termos de quantidade de vítimas, sexo e idade, não existem diferenças em termos de raça, porque as vítimas são homogeneamente pretas e pardas, indicando, de maneira inequívoca, a cor da morte em nosso país (Soares e Borges, 2004).

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

12,9 10,6

45,037,7

17,1

20,1

16,8

12,5

5,522,0

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação40 anos e maisEntre 30 e 39 anosEntre 29 e 39 anosEntre 19 e 29 anosAté 18 anos

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A variável cor/raça possui certo percentual de casos sem informação - 10,7% dos Inquéritos Policiais e 12,5% dos Processos judiciais (Gráfico 7) - e a informação existente foi extraída, principalmente, do Laudo de Necropsia. A ausência da cor pode demonstrar que alguns processos ou inquéritos não contavam com os laudos periciais e não continham informações completas sobre as vítimas no Boletim de Ocorrência.

Gráfico7-Distribuiçãopercentualdevítimasporraça/cor–ProcessoseInquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:1,18 (0,777)

Durante a pesquisa, constatou-se que diversos casos não contavam com o estado civil das vítimas. Nos casos que continham essa informação, os dados foram extraídos da leitura das oitivas de testemunhas, que durante o seu depoimento traçavam o perfil da vítima. Dos indivíduos vitimados nos processos de homicídios dolosos, 54,9% eram solteiros e 32,9% eram casados ou moravam com outro indivíduo.

Nos Inquéritos Policiais, o percentual de vítimas solteiras é um pouco maior (64%), sendo menor o percentual de vítimas que possuem algum tipo de relacionamento (23,8%).

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

23,1 21,1

47,2 46,8

19,0 19,7

10,7 12,5

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informaçãoPretaPardaBranca

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A diferença no estado civil de vítimas de Processos e I.P.s é estatisticamente significativa, indicando que a vítima ser solteira ou casada está relacionado à natureza do documento pesquisado (Gráfico 8). Provavelmente, isso ocorre porque os casos envolvendo pessoas casadas têm no cônjuge uma testemunha de grande valor sobre as possíveis razões da morte, sendo mais fácil esclarecê-los do que os casos em que o indivíduo não tinha um relacionamento amoroso mais íntimo. Com isso, explicar-se-ia por que os Processos Penais têm mais vítimas com algum companheiro do que os Inquéritos Policiais (32,9% versus 23,8%).

Gráfico8-Distribuiçãopercentualdevítimasporestadocivil–Processose Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:9,960 (0,019)

Além de traçar o perfil da vítima quanto ao sexo, idade, raça/cor da pele e estado civil, outra dimensão de destaque foi a ocupação do sujeito que morreu (Gráfico 9).

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

23,832,9

2,63,2

64,054,9

9,6 9,0

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Solteiro

Separado/Divorciado/Viúvo

Casado/Morando junto

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Essa era, contudo, uma informação ausente de boa parte dos Inquéritos (19% de casos sem informação) e dos Processos (12% de casos sem informação). Em algumas situações, era apontado que a vítima possuía um trabalho fixo, mas não constava qual a sua real ocupação (3,7% dos I.P.s e 1,6% dos Processos).

Gráfico9-Distribuiçãopercentualdevítimasporocupação–ProcessoseInquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:101,224 (0,000)

Nos casos em que foi possível definir o ofício da vítima durante as investigações, nota-se que as pessoas vitimadas possuem algum tipo de ocupação, representando 76,9% dos casos nos Processos e 66,4% dos casos nos Inquéritos, sendo essa diferença estatisticamente significativa. Alguns indivíduos se declararam aposentados (2,2% dos I.P.s e 1,9% dos processos), indicando certa presença da violência contra idosos na sociedade belo-horizontina.

A escolaridade das vítimas é uma informação que não aparece nos documentos policiais. Nos processos criminais, essa informação está ausente em 75% dos casos, enquanto, nos Inquéritos Policiais, o percentual de ausência é de 61,3%. A escolaridade aparece apenas quando apontada no depoimento de alguma testemunha, sendo bastante questionável a veracidade desse dado e, por isso, os percentuais não foram analisados neste relatório.

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

3,7 1,6

66,4 76,9

6,84,92,02,82,212,019,01,9

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Aposentado

Desocupado

Estudante

Ocupado

Sem profissão definida

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45

Em resumo, os dados apresentados nesta seção indicam que as vítimas dos homicídios dolosos, ocorridos em Belo Horizonte e encerrados como Processos Penais ou Inquéritos Policiais, entre os anos de 2003 e 2013, são, em sua maioria, homens, jovens (com idade entre 19 e 29 anos), de raça/cor da pele preta ou parda, solteiros e com algum tipo de ocupação. Esse é o perfil das mortes violentas em geral no Brasil, como indicam os dados publicados anualmente por Julio Jacobo Waiselfisz no mapa da violência. Os dados do relatório de 2013 apontam que os centros urbanos concentram a mortalidade por homicídio, que são a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos, especialmente negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos (Sinhoretto, 2014).

Para as variáveis analisadas (sexo, idade, raça/cor, estado civil e ocupação), o banco de dados de Inquéritos Policiais (aqueles que não se transformaram em ações penais) contava, nas dimensões de idade, raça e grau de escolaridade, com uma quantidade menor de casos sem informação do que o banco de dados de Processos Penais (Tabela 5).

Tabela 5 – Percentual de casos sem informação para cada uma dasdimensõesdeperfildavítima-ProcessoseInquéritosdehomicídiodolosoarquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Percentual de casos sem informaçãoI.P. Processo

Sexo 0 0Idade 5,5 22Raça/Cor da pele 10,7 12,5Estado Civil 9,6 9Ocupação 19 12Escolaridade 61,3 75

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Provavelmente, entender de maneira mais detalhada quem é a vítima, em algumas dimensões específicas, é a única saída para o início da investigação sobre a causa de sua morte, o que explicaria por que esses sujeitos são conhecidos com uma riqueza maior de detalhes do que aqueles que compõem as páginas de uma Ação Penal.

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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46

Nesta seção, são apresentados os indivíduos que figuraram como réus

nos Processos Penais e suspeitos nos Inquéritos Policiais. Essa análise de

perfil é importante porque diversos trabalhos na área da sociologia buscam

um melhor entendimento de como determinadas características dos indivíduos

considerados responsáveis pela prática de um delito influenciam as decisões

dos aplicadores do Sistema de Justiça Criminal (Vargas, 2014).

Os envolvidos estudados ao longo da pesquisa se caracterizam como

suspeitos e réus. Os suspeitos são aqueles que, de acordo com a Polícia Civil,

poderiam ser autores dos homicídios dolosos. Porém, eles não se transformaram

em réus, porque os I.P.s foram encerrados por falta de provas. No caso dos

Processos Penais, todos os autores de crimes se tornaram réus, já que foram

denunciados pelo Ministério Público.

Os Inquéritos Policiais que não se transformaram em Processos Penais

possuem 164 suspeitos para 458 vítimas, indicando que poucos foram os casos

em que a Polícia Civil conseguiu apontar a autoria do delito. No caso dos

Processos Penais, a contabilidade dos envolvidos é de 428 autores para 432

vítimas.

Na análise dos réus, os crimes cometidos por apenas um indivíduo

representam mais da metade da amostra estudada (57%), seguido dos crimes

cometidos por dois indivíduos (22,9%), sendo que 20,1% dos crimes contam

com três ou mais autores. Entre os casos em que alguém foi nomeado como

suspeito, 45,7% dos crimes foram cometidos por uma pessoa e 36,6% contavam

com a participação de dois indivíduos, sendo estatisticamente significativa a

diferença entre os dois grupos pesquisados (Gráfico 10).

4.2 Suspeitos/Réus4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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47

Gráfico 10-Distribuição percentual do número de réus por processo –Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:21,189 (0,001)

Os indivíduos suspeitos da prática do homicídio doloso são homens. Em apenas 1,8% dos Inquéritos Policiais que não seriam convertidos em Processos Penais havia a participação de mulheres no cometimento do crime, em comparação com 98,2% de homens. Essa característica também está presente na análise dos Processos Penais, que possuem, em sua maioria, homens como autores (94,5%), tendo apenas 5,5% dos casos com a participação das mulheres. A diferença entre o sexo dos réus nos processos e dos suspeitos nos I.P. é estatisticamente significativa (Gráfico 11).

Há uma forte tendência a participação de homens nos crimes de homicídio doloso, segundo Alba Zaluar (1985), em razão da necessidade de tais sujeitos se encaixarem em um “ethos da masculinidade”, que seria a existência de uma cultura na qual o homem impõe suas vontades, utilizando-se sempre do uso da força. Para a autora, se, por ser morador de uma área periférica, o homem é rotulado como “humilhado e ofendido”, dentro dela, ele tem a chance de resgatar a sua “dignidade masculina”, o que significa ter moral, ser respeitado, sem se valer do golpe ou de humilhações. Tal respeito seria conseguido pela arma de fogo, que forjaria um tipo de sociabilidade diferenciada, fazendo com que a concepção de masculinidade esteja intimamente vinculada à exibição de força e a posse de armas de fogo (Zaluar, 1985, p. 32).

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

45,7

36,6

9,14,9

0,03,7

57,0

22,9

9,3 7,62,1 1,1

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

1 2 3 4 5 6

Inquérito Policial Processo Penal

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Gráfico 11 - Distribuição percentual do número de réus por sexo –Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 3,807 (0,033)

Quanto mais esse ethos da masculinidade se alastra entre determinados grupos, especialmente os pobres situados na margem do Estado, mais homens são apresentados como autores de atos de violência pelo Sistema de Justiça Criminal. Afinal, nesses contextos, em que o homem precisa da arma de fogo para impor a sua masculinidade, matar e morrer passaram a significar “o envolvimento num círculo de dívidas de sangue, criando vingadores entre os parentes da vítima” (Zaluar, 1985, p. 143). O problema é que não se trata de qualquer homem, mas de jovens, que ainda precisam afirmar a sua masculinidade por meio da lógica do matar e morrer.

Por isso, tanto nos inquéritos (51,2%) quanto nos processos (54,7%), a maioria dos indivíduos é jovem, com faixa etária de 19 a 29 anos. Depois aparecem os autores com idade entre 30 e 39 anos, que representam 16,5% dos Inquéritos e 19,3% dos Processos. Em algumas situações, como nos crimes cometidos por mais de um indivíduo, podem existir casos que envolveram autores ou suspeitos com idade inferior a 18 anos (14,0% nos I.P.s e 6,6% nos processos). Entretanto, esta pesquisa não analisou os processos ou inquéritos em que estes autores/suspeitos eram os envolvidos principais.

Existe uma diferença estatisticamente significativa entre idade e ser suspeito no I.P. ou réu no processo, posto que, entre os réus, há uma concentração mais pronunciada nas faixas etárias entre 19 e 29 anos e entre 30 e 39 anos em comparação aos suspeitos (Gráfico 12).

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

1,8 5,5

98,2 94,5

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Masculino

Feminino

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49

Gráfico12-Distribuiçãopercentualdonúmeroderéusporfaixaetária–Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 10,013 (0,040)

O levantamento de dados sobre a cor dos suspeitos nos I.P.s se dava pelo Boletim de Ocorrência elaborado pela Polícia Militar, no momento da ocorrência, ou por algum documento confeccionado pela Polícia Civil, especialmente o depoimento do próprio suspeito na investigação, momento em que ele informa seus dados socioeconômicos. Assim, o elevado número de casos sem informação (32,3%) se dá pela ausência da informação ao longo do Inquérito Policial. A inexistência deste dado nos documentos oficiais da Polícia Civil também esteve presente no levantamento de informações dos Processos Penais: do total de casos estudados, em 23,3% não havia essa informação ou qualquer declaração sobre a raça do acusado. Dos casos em que foi possível extrair esses dados, 42,4% dos indivíduos se declararam pardos e 19,1% brancos. Neste quesito, o teste estatístico não demonstrou significância estatística em relação à cor da pele dos autores e suspeitos do homicídio doloso, confirmando, mais uma vez, a homogeneidade da cor da pele na matéria-prima com a qual o Sistema de Justiça Criminal trabalha (Sinhoretto, 2014).

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

14,0 6,6

51,254,7

16,5 19,3

8,5 11,09,8 8,3

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

40 anos e mais

Entre 30 e 39 anos

Entre 19 e 29 anos

Até 18 anos

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50

Gráfico13 -Distribuiçãopercentualdonúmerode réuspor raça/cor–Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 10,013 (0,040)

No que se refere ao estado civil (Gráfico 14), a grande maioria é solteira: 70,1% dos I.P.s e 59,8% dos Processos Penais, sendo essa diferença estatisticamente significativa, dada a prevalência de indivíduos sem qualquer vínculo conjugal como suspeitos dos Inquéritos Policiais, o que pode estar apontando para um tipo específico de investigado pela autoria dos homicídios dolosos, aquele que não possui família constituída e, por isso, mata para impor o seu poder ou para vingar outras mortes, dentro da lógica do ethos da masculinidade de Zaluar (1985).

Gráfico14-Distribuiçãopercentualdonúmeroderéusporestadocivil–Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 9,540 (0,023)

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

19,5 19,1

35,4 42,4

12,815,2

32,323,3

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Preta

Parda

Branca

22,032,0

1,8

4,2

70,159,8

6,1 4,0

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Solteiro

Separado/Divorciado/Viúvo

Casado/Morando junto

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51

A maioria dos autores possuía alguma ocupação no momento do delito, sendo que essa informação pode se tornar de grande importância, principalmente para o trabalho da defesa de solicitar a liberdade provisória ou a substituição da prisão por uma medida cautelar com base no fato de o autor possuir trabalho fixo (Farias, 2011). Cabe sublinhar que esta variável foi organizada a partir do levantamento de todas as profissões apontadas nos documentos policiais e, a partir disso, foram selecionados os casos em que o autor possuía uma ocupação. Ao final, 56,1% dos suspeitos nos I.P.s e 83% dos réus nos processos declararam que possuíam um emprego fixo. Nos I.P.s, 2,4% dos suspeitos estavam desempregados no momento do crime e 4,9% se declaravam estudantes. Nos Processos Penais, 4% estavam desempregados e 1,1% eram estudantes. A diferença da ocupação entre suspeitos e réus é estatisticamente significativa, dada a prevalência de indivíduos ocupados nos Processos Penais e o elevado percentual de casos sem informação nos I.P.s que não redundaram em ações penais.

Gráfico15-Distribuiçãopercentualdonúmeroderéusporocupação–Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 78,011 (0,000)

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

1,8 2,3

56,1

83,0

4,9

1,1

2,4

4,034,1

8,5

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Aposentado

Desocupado

Estudante

Ocupado

Sem profissãodefinida

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No quesito escolaridade, novamente, a maioria dos I.P.s não contava com essa informação (57,3% dos casos), enquanto, entre os réus, esse percentual era substantivamente menor, correspondendo a 20,8% (Gráfico 16). Aparentemente, o grau de escolaridade é uma informação de destaque para o processo de incriminação do réu, sendo que 25,8% sabem ler e escrever, 13,3% tinham entre 1ª e 4ª série, 18% possuíam entre 5ª e 8ª série e, em poucos casos, os autores haviam concluído o ensino médio (9,5%) ou o ensino superior (2,3%). Nos I.P.s que não foram convertidos em ações penais, 26,8% declararam que sabiam ler e escrever, 7,3% possuíam de 5ª a 8ª série e apenas 1,8% dos acusados possuíam o ensino médio ou superior.

Gráfico16-Distribuiçãopercentualdonúmeroderéusporescolaridade–Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 100,136 (0,000)

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

1,8 2,33,0

9,57,3

18,0

1,2

13,3

28,0

27,5

0,6

5,13,6

57,3

20,8

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Sem instrução

Assina o nome

Alfabetizado ou Sabe ler eescrever

De 1a. até a 4a. série

De 5a. até a 8a. série

Ensino Médio (segundograu) Completo ouIncompletoEnsino Superior Completoou Incompleto

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Até o momento, os dados analisados indicam que autores e vítimas de homicídio possuem um perfil muito semelhante: homens, jovens, de cor da pele preta ou parda, com baixa escolaridade e solteiros. Porém, ao contrário do verificado entre as vítimas, no caso dos suspeitos e réus, a quantidade de casos sem informação nas variáveis que compõem o perfil sociobiográfico é elevada, especialmente quando o documento em questão é o Inquérito Policial que não se transformou em Processo Penal (Tabela 6). De certa maneira, a dificuldade de esclarecer o caso ainda passa pela precária coleta de informações sobre o principal suspeito.

Tabela 6 – Percentual de casos sem informação para cada uma dasdimensões de perfil do suspeito - Processos e Inquéritos de homicídiodoloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Percentual de casos sem informaçãoI.P. Processo

Sexo 0 0Idade 9,8 8,3Raça/Cor da pele 32,2 23,3Estado Civil 6,1 4Ocupação 34,1 8,5Escolaridade 57,3 20,8

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Uma questão relacionada aos homicídios dolosos que acontecem em Belo Horizonte é a morte retaliatória. Muitos homens jovens, na tentativa de se firmarem em determinadas áreas como líderes de um dado grupo, terminam matando seus oponentes ou vingando a morte daqueles que foram assassinados em outros contextos (Beato e Zilli, 2012). Essa informação aparece nos documentos pesquisados, já que, em mais da metade dos casos, dos Inquéritos Policiais com um suspeito, não se transformaram em Processos Penais em razão da morte deste provável autor do crime. Se não há alguém a ser acusado, não faz sentido que o caso siga adiante.

Se 58,5% dos suspeitos faleceram no curso do Inquérito Policial, em 87,5% dessas situações o óbito ocorreu em razão de outro homicídio, denominado de retaliatório. Ou seja, somente em 12,5% dos casos em que o suspeito morreu, a sua vida não foi tirada em associação a outro crime.

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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Nos Processos Penais, 9,7% dos réus faleceram, sendo que, em 6,1% das situações foi em decorrência de um assassinato. A diferença nos registros de óbito entre os Processos e os I.P.s se mostrou estatisticamente significativa (Gráfico 17), indicando que os casos que a Polícia Civil tem dificuldade de esclarecer terminam “solucionados” pela morte do suspeito em algum outro caso de homicídio doloso.

Gráfico 17 - Óbito do suspeito/réu durante a investigação/processo –Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 178,685 (0,000)

Portanto, a conclusão mais reveladora desta seção é que, em algumas situações, o Inquérito Policial não se transforma em ação penal porque o principal suspeito falece no curso das investigações, indicando a prevalência dos homicídios retaliatórios em Belo Horizonte, sem que a polícia seja capaz de alterar essa dinâmica.

4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

41,5

90,3

58,5

9,7

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

SimNão

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A novidade desta seção foi apontar para as diferenças de perfil existentes entre os Processos Penais propriamente ditos e Inquéritos Policiais que não redundaram em Processo. Neste ponto, a única informação que não se mostrou estatisticamente significativa, em termos de diferença entre Processos e I.P.s, bem como entre autores e vítimas, foi a cor da pele, posto que, nesse quesito, os envolvidos são muito homogêneos, reforçando a ideia de que a raça é um dos preditores mais importantes da morte violenta intencional no Brasil (Waiselfisz, 2013).

Outra informação de destaque é o fato de que, em 27% das situações (115 casos de 431 I.P.s pesquisados), o I.P. que não se converteu em ação penal contava com um suspeito. Aproximadamente 1/4 das investigações infrutíferas do ponto de vista da responsabilização penal começaram bem, sendo que, deste total (164 suspeitos), em 58,5% dos casos não houve conversão em processo em razão da morte do suspeito (96 suspeitos morreram, sendo 84 por homicídios retaliatórios), muitas vezes justificados pelo tirocínio policial (Mingardi, 1992) como envolvimento desses indivíduos no tráfico de drogas, o que aponta para duas questões do ponto de vista da gestão de políticas públicas.

A primeira diz respeito a como uma investigação policial bem sucedida, no que se refere à identificação do responsável pela morte e de sua pronta responsabilização, pode prevenir homicídios. Em que pesem as condições muitas vezes precárias do nosso sistema prisional, talvez, uma política mais direcionada ao encarceramento de homicidas possa contribuir para a sobrevivência de jovens negros, que terminam por ser vítima de dinâmicas retaliatórias.

A segunda diz respeito ao fato de que as dinâmicas de sociabilidade violenta que terminam em homicídios dolosos - tentados ou consumados - abrangem uma população muito específica (Machado da Silva, 1999) e, nesse contexto, é preciso pensar em estratégias que realcem a importância do “não matarás” (Soares, 2008), já que o Sistema de Justiça Criminal falha na proteção à vida desses sujeitos, como demonstra o elevado percentual de inquéritos que não redundaram em processo em razão da morte do suspeito.

4.3Algumasconsideraçõessobreoperfildosenvolvidos4

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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Conforme destacado anteriormente, o registro do crime de homicídio doloso, bem como a sua apuração do ponto de vista de motivações e envolvidos, são atividades realizadas pela Polícia Civil. É a partir do uso de uma série de procedimentos inquisitoriais que se estabelece o responsável pela prática de um delito (Kant de Lima, 2004).

Em regra, a Polícia Civil é acionada para o trabalho no caso a partir de um Registro de Ocorrência encaminhado pela Polícia Militar, que, geralmente, é a primeira a entrar em contato com o autor e a vítima em razão de seu acionamento por populares a partir de uma chamada ao 190. De acordo com o Gráfico 18, o crime de homicídio consumado está presente na maioria das ocorrências iniciais da Polícia Militar, tanto entre os Processos Penais (46,2%) como entre os Inquéritos Policiais (53,1%). Posteriormente, os crimes de homicídio tentado são os indicadores de 22,3% dos Inquéritos e 37,5% dos Processos. Logo em seguida, duas categorias aparecem tão somente nos I.P.s que não redundaram em processo, quais sejam, o encontro de cadáver (4,6%) e o autoextermínio, categoria que indicaria o suicídio (6,7%).

Existem diferenças estatisticamente significativas em termos do crime registrado no Boletim de Ocorrência da Polícia Militar, já que, quando o caso é um Processo Penal há uma maior preponderância de situações em que a vítima ainda se encontra com vida, o que seria representado pelo homicídio inicialmente tentado. Já nos casos de Inquéritos Policiais que não redundaram em Processo, a grande maioria é de sujeitos sem vida, sendo que, em algumas situações, a Polícia Militar se limita a dizer que foi um encontro de cadáver, sem qualquer direcionamento quanto à intencionalidade do caso.

Por fim, cumpre destacar que 10% dos I.P.s e 13,5% dos Processos não contavam com o documento da Polícia Militar, indicando que o caso foi comunicado diretamente à Polícia Civil por outros meios, como a presença de algum familiar da vítima diretamente na delegacia para comunicar o encontro do corpo sem vida em dado local.

5. Quais são as diferenças, na fase policial, entre os Inquéritos Policiais e os Processos Penais arquivados?5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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Gráfico18-DistribuiçãopercentualdotipodecrimesegundooREDS/PMMG–ProcessoseInquéritosdehomicídiodolosoarquivadosemBeloHorizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 67,069 (0,000)

Após o registro do evento, a Polícia Militar deve encaminhar toda a documentação e, se for possível, as testemunhas e o suposto autor do fato para a delegacia de Polícia Civil, para a abertura do Inquérito Policial. Neste momento, o policial civil irá transcrever as informações relatadas pela Polícia Militar e, ainda, iniciar a investigação para o esclarecimento da autoria do delito. O próprio Código de Processo Penal estabelece uma série de dez etapas que o trabalho policial deve percorrer com vistas a esclarecer o delito.36

O tempo despendido nesta comunicação pode ser grande ou pequeno, dependendo da quantidade de trabalho e do grau de cooperação existente entre as duas instituições policiais. Como demonstra a Tabela 7, esse tempo pode variar entre nenhum dia (quando a comunicação é instantânea) e 1.433 dias, o que significa que o registro na Polícia Civil ocorre quase quatro anos após a ocorrência do delito segundo a Polícia Militar.

36 CPP, Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observân-cia, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apre-ciação do seu temperamento e caráter, X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

22,3

37,5

53,1

46,2

4,61,9 1,36,7 0,3

10,0 13,5

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Não consta boletim deocorrência da PMMG

Auto-Extermínio

Outros

Lesão Corporal

Encontro de cadáver

Homicídio

Tentativa de Homicídio

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Para a compreensão do tempo, usamos a média, que é uma medida bastante distorcida por valores elevados, como é o caso do tempo máximo verificado entre a data do Boletim de Ocorrências da PM e da abertura do Inquérito Policial pela PC. A mediana se apresenta como um valor menos distorcido, por dividir a distribuição (ou todos os tempos mensurados naquela fase) ao meio, com número igual de casos com valor acima e abaixo dele. Essa medida foi de sete dias para I.P.s que não se converteram em ações penais e de um dia para os Processos Penais propriamente ditos. A julgar por essa informação, o tempo que a Polícia Civil demora em abrir um I.P. para investigar o delito comunicado pela PM pode ser um impeditivo do esclarecimento, já que impossibilita o deslocamento da equipe para o lugar do fato, o que deveria ser a primeira atividade de investigação policial.

Tabela 7 – Estatísticas descritivas do tempo (em dias) entre a data doBoletim de Ocorrências da PM e a data da abertura do Inquérito Policial pela PC - Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)ANOVA: F=4,65 (0,031)

O tempo entre a ocorrência do delito e a comunicação à Polícia Civil implica modalidades distintas de abertura do Inquérito Policial. A portaria é o documento que informa como a Polícia Civil foi avisada pela Polícia Militar nos crimes letais ocorridos há vários dias, quando o corpo foi encontrado sem sinais de vida e ninguém foi encontrado para testemunhar sobre o que ocorreu. Já o flagrante, como o próprio nome diz, acontece quando a Polícia Militar comunica o delito imediatamente à Polícia Civil. É expediente importante porque, geralmente, os autores são mantidos na prisão desde esse momento até o encerramento do processo.

Entre os I.P.s que não foram convertidos em ações penais, 97,7% foram registrados como portaria e 2,3% foram ocorrências resultantes de flagrante. Entre os Processos Penais, 72,7% foram abertos por portaria e 27,3% por flagrante (Gráfico 19).

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Encerrado como Inquérito Policial 389 0,0 28,0 5,0 4,9 3,78Encerrado como Processo Penal 343 0,0 47,0 11,0 13,2 9,6Total 732 0,0 47,0 6,0 8,6 8,1

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A diferença entre o tipo de abertura do Inquérito Policial nos casos encerrados como I.P.s e nos Processos é estatisticamente significativa, já que o flagrante é muito mais presente nos casos que foram convertidos em ações penais, indicando que esse expediente interfere diretamente na forma de encerramento do Inquérito Policial. Isso ocorre, como argumentam Ribeiro e Duarte (2009), porque, no flagrante, a dificuldade da investigação deixa de existir, já que os elementos tradicionalmente utilizados para a constatação da autoria e materialidade do fato são encaminhados à Polícia Civil pela Polícia Militar. Nesse sentido, chama a atenção o fato de que 2,3% de casos de flagrante não tenham se convertido em Processo Penal, sendo encerrados ainda como Inquéritos Policiais. Esses são casos que, posteriormente, foram arquivados pela morte do suspeito em um homicídio retaliatório.

Gráfico19 -Distribuiçãopercentualda aberturado InquéritoPolicial/PCMG–ProcessoseInquéritosdehomicídiodolosoarquivadosemBeloHorizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 107,864 (0,000)

Para entender as distintas interpretações do delito na fase policial, levantamos o tipo de crime tanto na elaboração do Boletim de Ocorrência quanto na abertura do Inquérito Policial, pois podem ocorrer mudanças nas tipificações, como no caso de um homicídio tentado que até a abertura do Inquérito se transforma em homicídio consumado, com a morte da vítima dias após o fato em decorrência da tentativa.

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

2,3

27,3

97,7

72,7

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

PortariaFlagrante

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60

No Gráfico 20 a maioria dos registros (64,5% dos casos encerrados como I.P.s e 59,9% dos casos encerrados como processos) diz respeito aos homicídios consumados. Em seguida, o crime com maior participação percentual é o homicídio tentado (20,9% dos I.P.s e 37% dos processos). É bom lembrar que o Tribunal do Júri tem competência para julgar apenas esses dois delitos e, por isso, os demais casos, apesar de constantes como crimes que levaram à abertura do I.P.s, foram transformados em homicídios tentados ou consumados quando do encerramento da investigação policial, pois, de outra forma, não poderiam ser encaminhados para o Tribunal do Júri.

Gráfico20-DistribuiçãopercentualdotipodecrimesegundooInquéritoPolicial/PCMG–ProcessoseInquéritosdehomicídiodolosoarquivadosem Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 63,008 (0,000)

Os delitos apresentados neste gráfico são aqueles que levaram à abertura do procedimento, o que explica a presença da lesão corporal, que não é de competência do Tribunal do Júri, entre eles. Este delito foi classificado como tal no início do procedimento policial, mas ao final, em razão da morte do indivíduo, foi novamente classificado como morte intencional, o que levou ao seu enquadramento como um crime de competência do júri.

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

20,9

37,0

64,5

59,9

6,7

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Auto-Extermínio

Outros

Lesão Corporal

Encontro de cadáver

Homicídio

Tentativa de Homicídio

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Além das informações apontadas anteriormente, o local da ocorrência permite uma melhor compreensão das circunstâncias em que o crime aconteceu, o que será, possivelmente, um indicador do homicídio doloso como um delito de proximidade (Vasconcellos, 2014). O local da ocorrência apresentou uma diferença estatisticamente significativa para os dois tipos de documentos analisados, o que pode indicar certa dificuldade da polícia em investigar crimes que ocorreram em via pública (Gráfico 21).

Gráfico21-Distribuiçãopercentualdolocaldaocorrência–ProcessoseInquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 265,386 (0,000)

Os crimes que ocorreram nas vias públicas responderam pela maioria dos homicídios, totalizando 65% dos I.P.s que não foram convertidos em ação penal e 40,6% dos Processos Penais. Entre os crimes que se transformaram em Processos Penais ainda há uma prevalência dos bares (17,1%) e da residência da vítima ou do acusado (30,4%), informações que denotam a conexão da morte com dinâmicas de proximidade, o que faz com que o caso tenha maiores chances de redundar em uma ação penal por uma série de fatores, dentre eles, a maior facilidade de se encontrar o suspeito.

5.1 Dinâmicas criminais distintas, resultados policiais diferenciados5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

6,717,13,9

65,040,6

16,9

30,4

3,64,2 2,8

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Outros

Local de trabalho da vítimaou indiciado

Instituição Pública

Residência da vítima ou doindiciado

Via pública

Estabelecimento comercial

Celas do sistema prisional oudelegacias

Bar ou imediações do bar

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62

Entre os Inquéritos Policiais que não foram convertidos em processos, somente 16,9% foram cometidos na residência dos envolvidos e 6,7% ocorreram em bares.

Dentre as informações presentes na abertura do Inquérito Policial, o tipo de arma utilizada fornece indícios de autoria do crime a partir de perícias, bem como a forma de falecimento da vítima, comprovando a materialidade dos fatos. Os homicídios registrados em Belo Horizonte são decorrentes do uso da arma de fogo, sendo que este instrumento está presente em 75,9% dos Inquéritos Policiais que não se converteram em processos e 56,6% dos Processos Penais propriamente ditos. Esta diferença é estatisticamente significativa (Gráfico 22), já que existe prevalência de instrumentos perfuro cortantes entre os casos que foram encaminhados para apreciação Judicial.

Gráfico 22 - Distribuição percentual do tipo de arma – Processos eInquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado: 110,945 (0,000)

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

75,9

56,6

9,0

31,4

4,32,6

3,74,22,8

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Sem informação

Outros

Estrangulamento

Não possui arma naocorrênciaEnvenenamento

Mãos do indiciado(a) ouseu corpoPedaços de Pau, porretesou equivalenteInstrumentos cortantese/ou perfurantesArma de Fogo dequalquer espécie

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63

A partir dos dois gráficos anteriores, é possível constatar a existência de dois padrões de casos. O primeiro é composto por mortes violentas que denominamos impessoais, posto que ocorrem nas vias públicas, com o uso da arma de fogo, dificultando a identificação de alguma testemunha que ajude no esclarecimento do caso e, por conseguinte, na responsabilização do autor do crime. O segundo é composto por mortes violentas que denominamos de pessoais, posto que ocorrem nas residências dos envolvidos e nos bares, localidades em que uma discussão mais acalorada pode ter um desfecho trágico em razão da elevada disponibilidade de facas, conhecidas, na linguagem jurídica, como instrumentos perfuro cortantes. Se, no primeiro grupo de ocorrências, a impessoalidade aumenta as chances de quem cometeu o delito escapar sem ser notado, no segundo, os gritos da vítima diante de seu algoz podem despertar a atenção dos vizinhos, que irão chamar a Polícia Militar, aumentando, desta maneira, as chances de que a ocorrência possa ser finalizada como tentativa de homicídio e, ainda, que o autor do fato seja preso em flagrante.

Até o momento, o primeiro grupo de situação está nos casos que foram encerrados como Inquéritos Policiais, enquanto o segundo grupo caracteriza os Processos Penais. Como forma de testar a hipótese da pessoalidade, foi explorada a relação entre os envolvidos no momento da abertura do Inquérito Policial, sendo que os casos em que não se sabia sobre a relação entre autor e vítima foram classificados como sujeitos “desconhecidos”.

Gráfico 23 - Distribuição percentual do relacionamento entre vítima eautor–ProcessoseInquéritosdehomicídiodolosoarquivadosemBeloHorizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:332,448 (0,000)

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

20,0

82,0

78,0

10,0

2,0 8,0

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

Tráfico deDrogas

Desconhecidos

Conhecidos

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Nos Inquéritos que não redundaram em processos não foi identificada a relação entre os envolvidos dos crimes (78%). Em 20% dos casos, as pessoas se conheciam, e muitas vezes o I.P. não foi convertido em processo porque o suspeito faleceu antes de a documentação policial ser enviada à Justiça. Em 2% dos casos houve a classificação inicial como o tráfico de drogas, o que significa que essas pessoas podiam ser tanto conhecidas quanto desconhecidas entre si.

Entre os Processos Penais propriamente ditos, a maioria envolve pessoas que se conheciam (82%), como parentes, vizinhos, amigos, além de um percentual significativo de parceiros amorosos. Em 10% dos casos, os envolvidos eram desconhecidos, sendo esses os crimes que ocorreram em vias públicas, nos quais uma discussão acarretou a morte de alguém, dada a disponibilidade de arma de fogo. Por fim, 8% dos processos eram referentes ao tráfico de drogas, o que dificulta a afirmação de que autores e vítimas eram efetivamente conhecidos entre si.

Neste quesito, a diferença entre os documentos pesquisados se mostrou estatisticamente significativa, apontando para o fato de que os delitos que a Polícia Civil consegue esclarecer e, por isso, enviar ao Judiciário para alguma responsabilização são, majoritariamente, aqueles em que os envolvidos estavam enredados em algum tipo de conflito com um ente próximo ou, pelo menos, um conhecido.

Após a abertura do Inquérito Policial, tem início a coleta das informações. mais imediatas sobre o delito, autores e vítimas, para que a polícia possa se organizar em termos de quais provas podem ou devem ser coletadas. Neste caso, o próprio Código de Processo Penal destaca que a vida pregressa do sujeito deve ser examinada em detalhes, o que desloca o olhar dos policiais do crime para o criminoso (Paixão, 1982). Esta seria uma amostra de como funciona a incriminação no Brasil, sempre muito centrada no “quem” em detrimento do “o que” (Misse, 2014). Trata-se, assim, de desvelar a periculosidade do sujeito, o que “significa que o indivíduo deve ser considerado pela sociedade ao nível de suas virtudes e não ao nível de seus atos; não ao nível das infrações cometidas, mas das virtudes de comportamento que elas correspondem” (Foucault, 2001, p. 85).

Além disso, como a versão original do CPP foi publicada em 03 de outubro de 1941, existe certa tendência a destacar como o crime pode ser esclarecido a partir de depoimentos, sendo que as perícias aparecem, inclusive, depois dos depoimentos na ordem das providências policiais.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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Na tradição inquisitorial, o saber policial é direcionado para a extração da confissão do suspeito como forma de se resolver o caso rapidamente (Mingardi, 1992), além do uso extensivo de testemunhas de caráter, que irão dizer da personalidade do suspeito, adequando a sua imagem ao perfil da sujeição criminal (Misse, 2014), o que também aceleraria o encerramento do Inquérito Policial. Mais raras são as testemunhas do fato, que, em razão do elevado grau de desconfiança das atividades da Polícia Civil, dificilmente comparecem para dizer o que presenciaram (Ribeiro, 2013). Apenas no caso de esses expedientes não funcionarem é que a Polícia Civil termina por lançar mão de provas mais técnicas, como é o caso das perícias que buscam digitais, DNA e outros vestígios, o que não deveria ser o caso, dado que as perícias são o procedimento que permite a criminação, ou seja, o enquadramento da conduta como homicídio doloso (Silva, 2013).

A comparação entre a dinâmica dos I.P.s que não foram convertidos em ações penais e os processos propriamente ditos é reveladora dos métodos empregados pela Polícia Civil para esclarecimento de um delito. Entre aqueles que foram encaminhados para a Justiça com sucesso, existe uma prevalência das testemunhas do fato (87%), em que pese o vasto uso de testemunhos de caráter, que nada têm a dizer sobre o crime, apenas confirmando ou rechaçando a carreira criminal do réu principal do caso. Entre os casos que se encerraram como Inquérito Policial, há uma pequena prevalência, em relação aos inquéritos que se transformaram em Processos, do uso das testemunhas de caráter (78% nos I.P.s encerrados sem solução e 71% nos I.P.s que se transformam em Processos) e da perícia (92% nos I.P.s encerrados sem solução e 87% nos I.P.s que se transformam em Processos), especialmente, as relacionadas ao corpo de delito ou exame de necropsia, desconsiderando DNA, balística e datiloscopia. Em resumo, as perícias se destinam a entender a causa da morte em detrimento de quem matou.

Tabela8–ProcedimentosempregadosnoInquéritoPolicialcomoformade esclarecimento do delito - Processos e Inquéritos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Testemunhasdo fato

Testemunhas de caráter Perícia

Sim Não Sim Não Sim NãoEncerrado como Inquérito Policial 51% 49% 78% 22% 92% 8%Encerrado como Processo Penal 87% 13% 71% 29% 87% 13%Qui-quadrado 126,246(0,000) 5,36(0,013) 6,42(0,08)

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Apesar de todos os cruzamentos dispostos na Tabela 8 serem estatisticamente significativos, a análise substantiva evidencia que o elemento que mais contribui para o sucesso da investigação policial ainda é a testemunha do fato e, por isso, as relações de desconfiança entre a sociedade e a polícia dificultam o sucesso do Inquérito Policial. Outra dinâmica que contribui para esse insucesso é a pessoalidade ou impessoalidade do delito: a Polícia Civil ainda se utiliza dos mesmos mecanismos de esclarecimento de vários séculos atrás, quando eram poucos os homicídios dolosos que ocorriam em nosso país. Atualmente, de cada dez homicídios ocorridos no mundo, um é brasileiro,37 o que pressiona para a necessidade de a Polícia Civil se utilizar de mecanismos outros para além da testemunha do fato, presente, majoritariamente, nos delitos de proximidade e ausente em contendas impessoais que resultaram na morte de alguém.

Os entraves existentes ao longo do trabalho da Polícia Civil podem ser refletidos nas dilações de prazo solicitadas ao Ministério Público no decorrer do Inquérito Policial. De acordo com o CPP, o Inquérito Policial deve ser encerrado em 10 dias, se o suspeito estiver preso, e em 30 dias, se o suspeito estiver solto. No entanto, em diversas situações, a Polícia Civil não consegue realizar os procedimentos investigativos enumerados na Tabela anterior no lapso temporal previsto pela legislação. É nessa situação que ocorre a dilação de prazo, sendo que este pedido é realizado quando existem dificuldades na investigação do crime.

Assim, o delegado, visando novas apurações, solicita ao MP para que este solicite ao juiz um maior período para cumprimento de novas diligências, como oitiva de testemunhas, perícias, dentre outros elementos. Em ambos os casos estudados, as investigações policiais possuíam este tipo de solicitação, muitas vezes por não ter sucesso na inquirição de testemunhas ou pela falta de tempo para a devolução de perícias já realizadas.

De acordo com o Gráfico 24, os I.P.s que não se converteram em processo respondem pela grande maioria das solicitações de dilação de prazo (94,7%), justamente por não conseguirem coletar provas sobre o fato.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

37 Nesse sentido, ver: https://igarape.org.br/tag/instinto-de-vida/, último acesso em 20 de junho de 2017.

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Gráfico24-Distribuiçãopercentualdaexistênciadepedidosdedilaçõesde prazo pela PCMG – Processos e Inquéritos de homicídio dolosoarquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG) Qui-quadrado:216,888 (0,000)

Em contrapartida, são pouquíssimos os casos que não foram transformados em ações penais e não possuem qualquer tipo de dilação (5,3%). Estes casos se referem a situações relacionadas aos casos de encontro de cadáver, em que, com o trabalho técnico de perícia, foi possível concluir a materialidade do crime sem qualquer apontamento de autoria, dada a impossibilidade de se atribuir a autoria dessa morte a alguém. Já entre os processos propriamente ditos, a presença da dilação de prazo é mais equilibrada, sendo que 49% dos casos possuíam algum pedido desta natureza. Essa dinâmica influencia o prazo do inquérito, visto que, quanto menor a quantidade de dilações de prazo, mais rápido o inquérito seguirá para a esfera judicial.

Uma vez concluída a investigação policial com o relatório do delegado, que irá informar a história38 por detrás do delito e de seu suspeito, o Inquérito Policial está pronto para ser encaminhado à Justiça, para que o promotor possa decidir entre denunciar o caso, solicitar o seu arquivamento ou solicitar novas diligências. Algo determinante, nesta decisão, é a informação sobre a motivação do delito, geralmente apresentada no Relatório Final do Inquérito Policial. Nesse levantamento final sobre possíveis causas do delito, os desentendimentos entre conhecidos, parentes, vizinhos, cônjuges e outras pessoas próximas às vítimas (que somam 56%) aparecem como o principal motivo para os I.P.s que foram convertidos em processo.

38 Afinal, trata-se de uma história construída por uma série de versões sobre o suspeito e o crime cometido na tentativa de se conformar uma espécie de flagrante delito. Nas palavras de Foucault (2001, p. 72), a ficção da verdade é que “ter-se-á indiretamente, através do inquérito, por intermédio das pessoas que sabem, o equivalente do flagrante delito”.

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

5,3

51,0

94,7

49,0

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Inquérito Policial Processo Penal

SimNão

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Aqueles que foram arquivados sem denúncia têm, em sua maioria, a informação “indeterminada”, (57%) contrapondo a explicação padrão da polícia de que os casos não transformados em ações penais são os relacionados ao tráfico de drogas (Tabela 9). Inclusive, mesmo entre os casos levados ao Judiciário, este delito não é o principal, tendo uma participação de 20%.

Outras questões destacadas por esse relatório final do delegado relacionam-se ao tipo de motivação, que parece ser de fácil esclarecimento, como é o caso da vingança, cobrança de dívida e disparo acidental, categorias que estavam presentes nos I.P.s que compunham os processos propriamente ditos. Por outro lado, em 7% dos casos, o I.P. foi encerrado sem a conversão em processo, por se tratar de um suicídio, situação que não é passível de exame pela Justiça, posto que o crime apreciado pelo júri é a instigação ao suicídio. Mesmo nesses casos, podemos questionar a veracidade da explicação, já que as mulheres eram as vítimas, o que poderia indicar um feminicídio que acabou não sendo investigado, sob a justificativa de se tratar de um autoextermínio.

Tabela 9 –Motivo apontado ao final do relatório do delegado para apráticadocrime–ProcessoseInquéritosdehomicídiodolosoarquivadosem Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Encerrado como Inquérito Policial

Encerrado como Processo

de HomicídioN % N %

Tráfico de drogas 47 11% 77 20%Desentendimento entre conhecidos 10 2% 108 28%Disputas relacionadas a casos amorosos 10 2% 58 15%Desentendimento entre desconhecidos 19 4% 50 13%Indeterminada (o delegado não conseguiu precisar a causa) 246 57% 0 0%

Desentendimento entre parentes 5 1% 32 8%Desentendimento entre vizinhos 6 1% 20 5%Execução Planejada 16 4% 12 3%Ação policial 9 2% 11 3%Cobrança de dívida 0 0% 11 3%Vingança 0 0% 9 2%Disparo acidental 0 0% 4 1%Roubo (Latrocínio) 1 0% 0 0%Autoextermínio 32 7% 0 0%Outros 30 7% 0 0%Total 431 100% 392 100%

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Como a investigação policial no Brasil ainda é excessivamente inquisitorial (Kant de Lima, 2004) e, por isso, centrada em testemunhos, é de se esperar que ela apresente elevada morosidade, dado que as pessoas que presenciaram o fato temem a interação com a polícia (Mingardi, 1992). O tempo é revelador da dificuldade e, por conseguinte, da impossibilidade de a Polícia Civil esclarecer um dado crime (Tabela 10).

Tabela 10 - Estatísticas descritivas do tempo de tramitação (em dias) dos Inquéritos Policiais – Processos e Inquéritos de homicídio dolosoarquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Os dados da Tabela 10 permitem afirmar, inclusive, que quanto maior o tempo de tramitação das investigações policiais, menor a possibilidade de que esses se transformem em processos penais, já que, em média, para conclusão dos I.P.s que foram convertidos em processos são necessários 482 dias, enquanto os I.P.s que foram arquivados tramitam em um distrito policial, em média, 2.066 dias, um pouco mais do que 5 anos. Já a mediana de tempo foi de 161 dias para Processos e 1.940 dias para I.P.s arquivados, denotando que os atrasos da fase policial são um indicativo do possível bloqueio da fase Judicial.

Se a testemunha do fato é determinante para que o Inquérito Policial tenha sucesso, sendo encerrado com o indiciamento de alguém como responsável pelo homicídio doloso, essa deve ser encontrada dias após o crime. Caso contrário, o I.P. se transforma em um eterno “pingue-pongue” entre Polícia, MP e judiciário, até que o promotor de justiça decida solicitar ao juiz o arquivamento desta investigação fracassada.

Como destacado no capítulo anterior, dos 431 casos de I.P.s que não se converteram em ação penal tão somente 115 tiveram um suspeito apontado. Contudo, 51,2% desses sujeitos, possíveis responsáveis por homicídios dolosos, foram assassinados e outros 7,3% faleceram por motivos naturais, totalizando 58,5% de casos de óbito antes do encerramento da investigação policial. Nas situações em que o suspeito faleceu, o I.P. demorou em média cinco anos - mesmo tempo apontado na Tabela anterior, sem qualquer diferença -, indicando que, em cinco anos, a polícia não conseguiu prender qualquer indivíduo pela morte e, com isso, o suposto responsável pelo delito termina sendo vítima de acertos de contas, novamente em um espaço impessoal, o que dificultará sobremaneira o esclarecimento do caso. Logo, a lentidão da investigação pode significar o óbito do indivíduo responsável por um crime grave, como é o homicídio.

5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Encerrado como Inquérito Policial 420 0 7.050 1.940 2.066 1.347Encerrado como Processo Penal 367 0 5.559 161 482 798Total 787 0 7.050 827 1.327 1.375

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Os elementos examinados nesta seção fornecem dados preocupantes em relação à investigação policial em nosso país. Primeiro, em algumas situações, o crime registrado pela Polícia Militar demora a ser investigado pela Polícia Civil, o que contribui para a destruição de algumas provas, além da impossibilidade de se realizar a perícia do local do delito. Essa disjunção entre as organizações policiais também foi observada por Vargas e Rodrigues (2011, p. 86), que relataram como “os peritos, por exemplo, alegam que policiais militares definem como e quando acionarão os policiais civis, não isolam corretamente o local, descaracterizando-o e invalidando a coleta de vestígios, além de “negociarem” o registro do delito”, o que contribui para a dificuldade de esclarecimento do homicídio.

Segundo, as ocorrências que têm na via pública o seu espaço de consumação, aliadas ao uso de arma de fogo (que dificilmente são rastreadas ou periciadas) e ainda carecem de qualquer testemunha do fato, fazem com que a investigação policial se oriente pela necessidade de compreender melhor quem era a vítima e, assim, seja possível construir uma história factível sobre por que o delito ocorreu.

Terceiro, se o homicídio doloso não for esclarecido no primeiro ano de investigação policial, ele dificilmente será elucidado nos anos seguintes, já que a polícia utiliza métodos de investigação que datam da publicação do Código de Processo Penal e, por isso, não é capaz de trabalhar de maneira eficiente em delitos impessoais, sendo mais bem sucedida na elucidação daqueles que ocorrem em contextos de proximidade entre suspeito e vítima.

Por fim, é bom destacar que, nesta fase, não foi avaliada a estrutura da delegacia e, muito menos, a capacidade de sua equipe de se desdobrar entre os diversos homicídios e tentativas que ocorrem diariamente em Belo Horizonte. As análises de Vargas e Nascimento (2010) apontam para uma elevada precariedade, que impede a realização de investigações mais minuciosas. Essa precariedade explicaria o elevado número de feitos arquivados como Inquéritos Policiais no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais entre os anos de 2003 e 2013.

5.2Algumasconsideraçõesfinais5

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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No momento em que o delegado encerra o Inquérito Policial, todos os documentos produzidos pela investigação policial são encaminhados para o Judiciário e, depois, remetidos ao promotor de justiça, para que ele possa examiná-los e, desta maneira, oferecer a denúncia, documento que marca o início da fase acusatorial. A principal característica da fase inquisitorial é que, nela, o procedimento é sigiloso e, por isso, o suspeito não tem direito à ampla defesa, ou seja, não pode questionar as provas que estão sendo produzidas contra a sua pessoa (Kant de Lima, 2004). Com a denúncia, começa a valer outro princípio de produção da verdade, que se orienta pela igualdade entre acusação e defesa.

Em Belo Horizonte existem apenas dois Tribunais do Júri, que funcionam com dois juízes e dois promotores para a análise da primeira fase do procedimento (que se encerra com a pronúncia ou não do acusado) e outros dois juízes e dois promotores que cuidam exclusivamente das audiências de júri, já que essas duram, pelo menos, um dia útil. Essa estrutura se mostrou insuficiente, dado que, no período analisado (2003-2013), a capital mineira registrou, em média, 2.153 homicídios por ano, contando-se neste número as mortes culposas e as dolosas (IMRS, 2016). Ainda que, como visto na seção anterior, a Polícia Civil tenha baixa capacidade de elucidação das mortes violentas, cabe aos promotores dizer se o trabalho feito pelos policiais é suficiente e, desta forma, solicitar o arquivamento ou proferir a denúncia, ou ainda, dizer que o trabalho de investigação é deficitário e, por isso, precisa ser complementado por outras diligências. Da mesma maneira, cabe ao juiz aceitar ou não os pedidos de arquivamento e as denúncias, já que a última palavra sobre o destino do I.P. é do magistrado.

Isso significa dizer que, em média, 2.153 casos de homicídios dolosos e culposos estão tramitando sob a responsabilidade de apenas dois juízes e dois promotores anualmente, o que tem implicações óbvias do ponto de vista da demora no andamento do processo penal. Assim, as informações apresentadas nesta seção não devem ser lidas somente sob o prisma da morosidade, mas do entendimento de como uma estrutura precária, aliada a padrões de funcionamento arcaicos, contribuem para a lentidão da administração da justiça uma vez encerrada a fase policial.

6. Como a fase Judicial é organizada em termos de tempoefluxodeprocedimentos?6

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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A fase judicial se inicia com a denúncia apresentada pelo promotor de justiça. Trata-se de documento que seleciona, do relatório final do delegado, alguns fatos e versões mais marcantes para a acusação de alguém pela prática do delito, além de analisar o material probatório para um melhor enquadramento do crime nos dispositivos existentes no Código Penal Brasileiro (Vargas e Rodrigues, 2011). Nos casos pesquisados, a maioria das denúncias foi por homicídio doloso, sendo que 1/3 dos processos dizem respeito a homicídios tentados, enquanto 2/3 se referem aos consumados.

No que diz respeito ao tempo para a realização desta atividade, chama a atenção a quantidade de dias: em média, quase três meses após o encerramento do Inquérito Policial, sendo que, neste período, nenhuma nova prova foi produzida ou requisitada. São, em média, 86 dias de espera, geralmente, na mesa do promotor, que, muitas vezes atolado com outros processos, não consegue dar atenção ao caso que lhe foi encaminhado pela delegacia.

Após o oferecimento da denúncia, segue-se o seu aceite, posto que o juiz pode entender que o conjunto probatório não é suficiente para dar prosseguimento à ação penal. Em somente um dos casos analisados o juiz rejeitou a denúncia e, por isso, deduz-se que o tempo entre esses dois atos processuais tende a ser meramente cartorial. Em média, são necessários 19 dias para que o juiz analise a denúncia e a aceite, quando finalmente será instaurada a ação penal. Nesse momento, abre-se a possibilidade de o acusado constituir uma defesa e, dessa maneira, rebater as provas produzidas contra ele durante a investigação policial.

Para que o réu saiba da existência de um processo contra ele, o juiz deve mandar citá-lo, de preferência, pessoalmente, o que ocorreu em 65,1% dos casos. As demais formas de comunicação do réu – por carta ou por edital – ocorreram quando este se encontrava em lugar incerto ou não sabido (26,8%) e, em sete situações, não foi possível comunicá-lo deste fato, porque ele já tinha falecido, sendo o processo encerrado neste mesmo momento. Em razão desses obstáculos, a média de tempo para a citação do réu, momento a partir do qual ele deve constituir um advogado, é de 188 dias, pouco mais de seis meses. Inclusive, cabe salientar que, em 19% dos casos, a dificuldade de encontrar o réu para comunicá-lo da existência do processo foi motivo para a solicitação da prisão preventiva, dado que essa localização inexata do acusado dificultava a instrução criminal.

6.1 - A fase de instrução e julgamento: analisando a intencionalidade do delito6

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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Com a citação do réu, é possível a constituição de um defensor particular (30%) ou de um defensor público (58%). Em 12% dos casos não foi possível saber se a defesa era pública ou privada, dada a inexistência de carimbos ou outras insígnias que fornecessem essa informação nos procedimentos analisados. Após a constituição da defesa, inicia-se a atividade de transformação dos indícios coletados na fase policial em provas propriamente ditas. Para tanto, é preciso ouvir novamente todas as testemunhas de fato e de caráter e, se for o caso, novas testemunhas incluídas pela defesa ou acusação, o que aconteceu em somente 5% dos casos analisados. Em diversos processos penais, essa fase – denominada de instrução e julgamento – foi atrasada em muitos dias em razão da dificuldade de se localizar as testemunhas ouvidas na fase policial para que elas fossem novamente ouvidas na fase judicial.

Os processos pesquisados indicam que a oitiva de testemunhas, tanto de caráter (71%), quanto de fato (71%), são procedimentos muito utilizados na instrução judicial. Por outro lado, poucos foram os processos que contaram com a solicitação de perícias (12%), sendo que as referências a qualquer prova técnica eram muitas vezes feitas a partir do Inquérito Policial, que também pode ser considerado pelo juiz para a formação de seu “livre convencimento”, em que pese a existência de elevada suspeição sobre a forma como esse material foi produzido (Kant de Lima, 2004). Por fim, ainda se destaca o uso de cartas precatórias em 22% dos processos analisados, que dizem respeito à oitiva de testemunhas em outras comarcas que não a de Belo Horizonte.

Tabela 11 - Distribuição percentual dos procedimentos de produção de prova repetidos em juízo - Processos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

6

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Sim Não TotalN % N % N %

Houve a solicitação de testemunhas em outra cidade (carta precatória)?

80 22% 285 78% 365 100%

Houve oitiva de testemunha de fato nessa fase?

278 71% 114 29% 392 100%

Houve oitiva de testemunha de caráter nessa fase?

279 71% 113 29% 392 100%

Houve realização de perícia nessa fase? 39 12% 300 89% 339 100%

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Antes da Lei 11.719/2008, as audiências para oitiva de testemunhas de acusação, defesa e depoimento do acusado eram separadas, o que também contribuía para a excessiva duração desta fase. Depois da reforma, passou a vigorar a Audiência de Instrução e Julgamento, ocasião em que todas as provas seriam apresentadas ao promotor, defensor e juiz, na presença do próprio acusado, sendo que este seria ouvido ao final da sessão, com o objetivo de contrastar as provas apresentadas contra a sua pessoa. Esse é um motivo pelo qual a Reforma Processual de 2008 é considerada uma mudança que visa ao aumento das garantias processuais do acusado, além da diminuição do tempo, já que todas as provas seriam produzidas a um só tempo e na presença do acusado (Ribeiro e Machado, 2012).

Na tentativa de entender como os tempos são fracionados ao longo da instrução e julgamento, foram mensuradas sete fases de procedimentos entre o encerramento do Inquérito Policial e a sentença que encerra essa fase (Tabela 12). Essa primeira fase processual, que é marcada pela repetição de vários procedimentos que já foram realizados na fase policial, encerra casos que se prolongaram entre 58 dias (valor mínimo) e 7.041 dias (valor máximo), com o valor médio de 856 dias. Há certa distorção na média pela existência de casos extremos, como o representado pelo valor máximo, sendo mais indicado considerar o valor da mediana de tempo, valor que divide a série de casos pela metade quando ordenados de forma crescente em termos de dias. Usando essa medida, constatamos que em metade dos casos submetidos ao exame dos dois tribunais do júri da cidade de Belo Horizonte a fase de instrução e julgamento foi encerrada em 585 dias, aproximadamente 1,6 anos.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

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Tabela 12 - Distribuição percentual dos procedimentos de produção de prova repetidos em juízo- Processos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

A última linha da tabela anterior indica que entre a data do fato e a data da decisão de primeira fase transcorreram-se, em média, 1.411 dias (3,87 anos) sendo a mediana de 1.018 dias (2,96 anos). Pode-se afirmar que após quase quatro anos do registro de um homicídio doloso, tudo o que o Sistema de Justiça Criminal consegue dizer é se o caso pode (ou não) ser examinado pelo júri. Para efeito de comparação, nos casos de tráfico de drogas, registrados em flagrante na cidade de São Paulo, em sua maioria sem uso de arma de fogo e com pequenas quantidades de drogas, o tempo médio de processamento é de seis meses (Jesus et al., 2011). Ou seja, o Estado processa de maneira muito rápida os crimes que não foram praticados com o uso de violência e é excessivamente moroso no processamento de crimes de homicídio doloso, reforçando a ideia de que “o sistema de Justiça Criminal é duro com os sujeitos frágeis e fraco com os sujeitos fortes” (Vergara, 2016, p. 5).

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N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Tempo entre o encerramento do I.P. e a denúncia do Ministério Público 366 0 2980 23 86 234

Tempo entre a denúncia e o seu recebimento 375 0 452 7 20 45

Tempo entre o recebimento da denúncia e a citação do réu 327 0 6457 36 188 640

Tempo entre a primeira e a última oitiva das testemunhas de acusação 337 0 2644 0 61 199

Tempo entre a primeira e a última oitiva das testemunhas de defesa 279 0 1334 0 46 142

Tempo entre o interrogatório do réu e a decisão da AIJ 292 0 4630 347 442 471

Tempo entre a denúncia e a decisão da AIJ 362 58 7041 585 856 962

Tempo entre a data do fato e a data da decisão da AIJ 365 84 8025 1018 1411 1212

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Para além do tempo da Instrução e Julgamento, interessa saber quais foram os desfechos observados nesta fase, já que somente os casos de pronúncia serão encaminhados para apreciação do júri. Cabe salientar que 18 casos foram encerrados antes da decisão da AIJ por extinção da punibilidade, o que significa 4,6% do total de processos analisados. Entre os outros 374 casos (Gráfico 25), a grande maioria (81%) foi pronunciada: após dois anos de tramitação na Justiça, o caso recebeu o aval para julgamento pelo Tribunal do Júri. Em 10% dos casos, houve a desclassificação do delito de doloso para culposo e em 6% houve impronúncia, o que demonstra uma divergência no entendimento do juiz em relação ao que foi indicado pelo delegado e retificado pelo promotor, posto que o juiz entende que não existem provas suficientes de autoria e materialidade do delito. Por fim, 3% foram absolvidos nesta etapa.

Gráfico 25 - Distribuição percentual da sentença da 1ª. fase do júri -Processos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Na decisão que encerra a fase de instrução, 58% dos juízes citaram o Inquérito Policial, fazendo menção a testemunhas ouvidas nesta fase e não (re)ouvidas na Justiça, além da indicação de provas periciais que contribuíram para a decisão. Em 61% dos casos pronunciados, a justificativa para tanto era o Inquérito Policial, enquanto, entre os casos não pronunciados, o uso do I.P. justificou 45% das situações.

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Absolvição3% Desclassificação

10%

Impronúncia6%

Pronúncia81%

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Aparentemente, quando o juiz está convencido de que o I.P. representa um bom conjunto probatório, ele o utiliza para viabilizar tanto a pronúncia como a impronúncia do acusado (Gráfico 26), sendo, assim, um documento de articulação das instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal (Vargas e Rodrigues, 2011). Como o I.P. é uma peça que visa a incriminação de alguém (Misse, 2014), este tende a ser mais utilizado para a justificativa da prática do delito pelo suspeito do que o contrário, o que explica a existência de uma diferença estatisticamente significativa entre o uso do I.P. e o padrão de decisão desta fase.

Gráfico 26 - Distribuição percentual da menção ao Inquérito Policialna sentençaAudiênciade Instrução e Julgamento (AIJ) –Processosdehomicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)Qui-quadrado: 5,06 (0,018)

Em 22,8% dos processos (87 casos), houve recurso da decisão do juiz. Todas as decisões (absolvição, desclassificação, impronúncia e pronúncia) foram questionadas, em alguma medida, na segunda instância, apesar de a maioria dos recursos ser contra o encaminhamento do caso para o júri, mesmo porque, em 82% dos casos, a inconformidade era da defesa, que questionava a inocência do seu cliente. O tempo de tramitação do recurso na instância superior variou entre 22 e 1.091 dias, o que significou uma média de tempo de 253 dias.

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45,061,0

55,039,0

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Não Sim

Houve pronúncia?

Não houve uso do IP parajustificar a decisãoHouve uso do IP parajustificar a decisão

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Na maioria das situações, a segunda instância confirmou a decisão do juiz do Tribunal do Júri de Belo Horizonte e, com isso, a quantidade final de pronúncias, ou seja, de casos remetidos ao julgamento pelo júri foi de 292 processos (74,7% do total). Após a contabilidade da quantidade final de pronúncias, percebe-se uma propensão, nesta etapa, de remeter o caso ao júri, padrão que observa uma tendência de flutuação ao longo da série histórica em questão, como pode ser observado no Gráfico 27. De acordo com o teste do qui-quadrado, não existem diferenças estatisticamente significativas entre quantidade de pronúncias e ano de arquivamento do processo, provavelmente porque a maioria dos processos encontra, no encaminhamento para o júri, o seu desfecho nesta etapa.

Gráfico27-Distribuiçãopercentualdepronúnciasporanodebaixadoprocesso–ProcessosdehomicídiodolosoarquivadosemBeloHorizonte(2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)Qui-quadrado:14,22 (0,163)

Considerando apenas os casos que foram pronunciados, inicia-se a análise dos atos processuais realizados para o julgamento do caso pelo júri. O réu pode aguardar o julgamento em liberdade ou preso, se por ventura o juiz houver decretado prisão em sua sentença, o que aconteceu em 30% dos processos encaminhados para julgamento pelo júri. A tendência ao encarceramento do acusado é justificada, nessa fase, pela possível mudança de endereço, que implica a impossibilidade de localização do acusado para seu julgamento, terminando por afetar tanto o tempo como o desfecho do processo penal. Desde 2008 não existe mais a prisão por pronúncia como uma espécie de prisão preventiva, cabendo ao juiz justificar a necessidade da privação da liberdade do acusado (Ribeiro e Machado, 2012).

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

66,7 68,2 67,7 61,9

87,571,0 67,4

81,1 85,0 83,769,6

R² = 0,2488

,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

100,0

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

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Uma vez recebido o processo da segunda instância, ele deve ser inserido na pauta de julgamentos do júri. A preparação para o júri deveria ser relativamente rápida, pois, de acordo com a sistemática de produção da verdade vigente nesta fase (Kant de Lima, 2004), as provas serão apresentadas novamente apenas na audiência final. Então, defesa e acusação devem se limitar a dizer quais pessoas serão ouvidas em plenário, cabendo ao juiz preparar um resumo do processo para distribuí-lo aos jurados sorteados no dia da audiência. No entanto, o maior gargalo parece ser a pauta de julgamento do júri.

Em média, o nosso ano possui 250 dias úteis (365 dias descontados os finais de semana e os feriados). Se todos os dias úteis tiverem sessões do júri, considerando dois tribunais em Belo Horizonte, serão, no máximo, 500 audiências do júri por ano. O problema é que, como destacado na introdução, na capital mineira, entre 2003 e 2013, foram registrados, em média, 2153 homicídios, dolosos e culposos, por ano. Se tudo funcionar muito bem, em um ano, os dois Tribunais do Júri da cidade não conseguem julgar a quantidade média anual de homicídios da cidade, o que, por si só, diz sobre a incapacidade dessa instância de dar vazão a todos os processos que lhe são encaminhados.

Além disso, algumas audiências podem não ocorrer como esperado. Pode acontecer, por exemplo, de o promotor de justiça, por algum motivo, não comparecer à audiência.39 O mesmo pode acontecer com o defensor público (ou privado) e o juiz presidente. Pode acontecer, ainda, de o acusado preso não ser transportado para o Tribunal, porque, naquele dia, o sistema prisional não tinha escolta para fazê-lo.40 Por fim, pode acontecer de, entre os 25 jurados sorteados para servir no conselho de sentença daquele mês, somente 10 estarem presentes,41 o que inviabilizaria o sorteio de quem participaria do julgamento. Em razão de todas essas intempéries, que fazem parte da rotina de um tribunal qualquer que seja ele, dificilmente são realizados os 500 julgamentos previstos para um ano, o que aumenta o tempo de duração dessa fase processual.

6.2 A fase do júri: “controlando o poder de matar”

39 CPP, Art. 455. Se o Ministério Público não comparecer, o juiz presidente adiará o julgamento para o primeiro dia desim-pedido da mesma reunião, cientificadas as partes e as testemunhas.40 CPP, Art. 457. § 2o Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor.41 CPP, Art. 463. Comparecendo, pelo menos, 15 (quinze) jurados, o juiz presidente declarará instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento.

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Dos 292 processos encaminhados para o júri, essa audiência ocorreu em 202 casos. Nos outros 90 casos, o julgamento pelo júri sequer chegou a ocorrer, porque o réu tinha falecido (17 casos), encontrava-se em local incerto ou não sabido, e a audiência de júri estava marcada para antes da vigência da Lei 11.689/2008, legislação essa que permite o julgamento mesmo com o acusado ausente (3 casos).42 Nos outros casos, o julgamento não ocorreu porque o processo já estava prescrito mesmo quando a pena máxima era considerada (70 casos). Em dois casos, estabeleceu-se a prescrição antes do julgamento porque o acusado já teria ultrapassado os 70 anos de idade no dia da audiência, o que reduzia o prazo prescricional.43

Para os casos que foram a júri (202 processos), foi mensurado o tempo entre a data da pronúncia, calculada a partir da data da sentença da AIJ (para casos sem recursos) ou da data da última decisão em segunda instância (para casos com recursos) e a data da audiência do júri. Réus presos têm preferência neste julgamento e, por isso, é esperado que tanto os indivíduos presos na fase policial cuja prisão não foi revogada ao longo do processo (27,6%) quanto aqueles que contaram com a decretação da prisão em algum momento da fase judicial (19,5%) sejam processados mais rapidamente do que os demais. Por isso, o cálculo do tempo de espera pelo julgamento do Júri foi feito separando o réu preso do réu solto (Tabela 13), de forma a evidenciar que os réus presos (47,1% dos casos pesquisados) têm a duração desta fase reduzida à metade, já que a sua média de tempo é de 924 dias, enquanto a média de tempo dos réus soltos é de 1.437 dias. As medianas de tempo são 574 dias (1,57 anos) e 917 dias (2,51 anos) respectivamente.

42 CPP, Art. 457. O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advoga-do do querelante, que tiver sido regularmente intimado. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)43 CP, Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

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Tabela13-Estatísticasdescritivasdotempo(emdias)entreadatafinalda pronúncia e a data da audiência do júri, de acordo com a situação do acusado(sepresoousolto)–ProcessosdehomicídiodolosoarquivadosemBelo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)Anova: 6,096 (0,009)

Um processo pronto para julgamento pelo júri, em que o réu não foi preso durante o processo, espera algo entre 92 e 9.427 dias para encontrar o seu desfecho final depois de pronunciado. São, em média, 1.202 dias (3,29 anos) para que a pronúncia encontre o júri. Neste espaço de tempo, nenhuma nova prova é juntada ao processo, nenhuma testemunha é ouvida. O processo descansa em paz em uma das prateleiras da secretaria do Tribunal do Júri. Essa talvez seja a melhor demonstração do quão anacrônico é o nosso Código de Processo Penal, que, sob a justificativa de que os homicídios dolosos precisam ser julgados pelos pares, impõe ao acusado a espera, muitas vezes na prisão, por uma vaga na agenda de um tribunal que está atolado com casos semelhantes. Se o juiz singular pudesse julgar diretamente esses casos, com toda certeza, essa demora não ocorreria, pois o caso teria sido encerrado na primeira fase: em vez de pronunciar, o juiz já aplicaria a pena.

Nos processos efetivamente julgados pelo júri, em 36,6% (74 casos) houve a oitiva de testemunhas em plenário. Nos demais, acusação e defesa dispensaram a oitiva delas e procuraram convencer os jurados da inocência ou culpabilidade do réu a partir de suas próprias palavras, dentro da lógica do teatro a que Schritzmeyer (2001) se refere. Em quase todas as situações, as testemunhas ouvidas em plenário eram novamente as “entrevistadas” durante o Inquérito Policial, muitas vezes apresentando a sua versão pela terceira vez. O tempo de duração dessa audiência foi de um dia em 95,5% das situações analisadas. Em apenas um caso o promotor de justiça atuou em defesa da sociedade pedindo a absolvição do acusado.

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Prisão N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio O réu não foi preso durante o processo 106 92 9427 917 1437 1590O réu foi preso durante o processo 90 99 7101 574 924 1010Total 196 92 9427 779 1202 1376

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Quanto ao desfecho final da audiência de júri, em 48% dos casos houve a condenação efetiva do acusado e em 22% o réu foi absolvido. Em 4% dos casos, o júri entendeu que o homicídio não era doloso, mas culposo, e o crime foi desclassificado. Em outros 1%, a desclassificação suscitou a suspensão condicional do processo.44 Nos outros 25% dos processos analisados, apesar de o réu ter sido condenado, ele não precisou cumprir qualquer tipo de pena em razão da extinção da punibilidade, dada pela prescrição da pena: o seu processo demorou tanto que, quando a sentença finalmente foi proferida pelo júri, ela já não fazia qualquer sentido do ponto de vista pedagógico, razão pela qual o Estado foi destituído do seu poder de punir o responsável pelo homicídio doloso, já que “o direito não socorre aos que dormem” (brocardo jurídico).

Gráfico28-Distribuiçãopercentualdasentençade júri–Processosdehomicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Outras informações importantes sobre esse desfecho final dizem respeito aos elementos que influenciam a decisão do júri. Entre as absolvições (44 casos), mais da metade (25 casos) contaram com a negativa de autoria por parte do acusado, sendo que a outra justificativa mais mobilizada foi a legítima defesa (15 casos). Já entre os casos que receberam uma condenação (96 casos), a maioria (92 casos) foi sentenciada a uma pena privativa de liberdade, a ser cumprida entre um e 30 anos, cabendo notar que, em 19 casos, a pena foi justificada pelo juiz a partir de elementos presentes do Inquérito Policial.

44 Para informações detalhadas sobres esse instituto, ver: https://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=3de-1f99c-79fb-4cab-8629-cbdb26937040&groupId=10136, acesso em 22 de junho de 2017.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Condenação48%

Absolvição22%

Desclassificação4%

Extinção da punibilidade

25%

Suspensão do processo

1%

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Para os 202 casos que foram julgados pelo júri - ou seja, excluindo os casos encerrados na primeira fase e os que estavam prescritos antes mesmo da audiência - foram necessários, em média, 2.278 dias (6,24 anos) para que o acusado chegasse a uma primeira decisão final. A mediana de tempo foi de 1.896 dias (5,19 anos). Esse prazo variou entre 68 dias (caso mais rápido) e 13.519 dias (37 anos), indicando que a elasticidade de tempo para processamento e julgamento de um homicídio doloso é gigantesca na cidade de Belo Horizonte. O tempo entre a data do delito e a data da sentença do júri é substancialmente diferente dependendo da forma de início do Inquérito Policial, já que os casos iniciados por flagrante demoram, em média, 738 dias a menos do que os casos iniciados por portaria (Tabela 14).

Tabela 14 - Estatísticas descritivas do tempo (em dias) entre a data do crimeeadatadasentençadaprimeiraaudiênciadojúri–Processosdehomicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)Anova: 7,032 (0,006)

Ao contrário da decisão de primeira fase, em que pouco mais de 1/5 dos processos foram levados à segunda instância, a decisão do júri foi contestada em metade das situações. No entanto, a taxa de reforma das decisões de primeira instância foi baixa, já que apenas uma condenação foi revertida para absolvição, sendo que, nos demais casos, houve redução de pena ou confirmação da primeira decisão do júri. Para o processamento dos recursos foram necessários em média 636 dias (1,7 anos), um tempo menor do que a espera entre a pronúncia e o júri.

A situação mais devastadora do ponto de vista dos direitos e garantias do acusado foi a verificada em 19 casos, em que o réu estava preso aguardando o julgamento pelo júri e que foram encerrados a partir de uma condenação cujos efeitos foram extintos em razão da prescrição. Nessas situações, talvez, a pedagogia do júri atue em sentido contrário, pois, dadas as péssimas condições do nosso sistema penitenciário, é difícil imaginar que esse sujeito possa ter se beneficiado do tempo em que passou privado de sua liberdade sem que, ao final, isso fosse justo do ponto de vista das leis vigentes em nosso país.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

IP Iniciado por N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Portaria 143 338 13519 1923 2494 1866Flagrante 59 162 8131 1395 1756 1326Total 202 162 13.519 1896 2278 1756

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Neste capítulo, apreciamos a fase judicial dos processos analisados, em que duas formas de construção da verdade são empregadas: a relativa à instrução, que se encerra com a decisão, na maioria dos casos, de pronúncia, e a relativa ao júri, que se encerra com uma condenação que pode não produzir os efeitos esperados em razão da prescrição. O principal contraponto empírico desta discussão é o tempo que transcorre entre a data do delito e a data da baixa, quando o processo é finalmente encerrado.

De acordo com os dados apresentados na Tabela 15, em média, são necessários 15 anos para se decidir definitivamente o destino de alguém acusado da prática do homicídio doloso, sem que essa decisão possa ser questionada na justiça. O tempo entre a data do delito e o encerramento do processo pode variar entre menos de um ano e 47 anos, quase duas vezes o prazo prescricional máximo estabelecido pelo Código Penal. A mediana de tempo é de 12 anos, sendo que esse tempo é substantivamente maior do que o da tabela anterior posto que inclui o tempo de recurso da sentença do júri, além dos casos prescritos que não foram levados a júri e, ainda, aqueles em que a extinção da punibilidade se operou antes mesmo da pronúncia.

Tabela 15 - Estatísticas descritivas do tempo (em anos) entre a data do crimeeadatadabaixa–ProcessosdehomicídiodolosoarquivadosemBelo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Duas são as formas de se verificar se esse tempo é longo ou curto. A primeira delas é comparando-o com o previsto no Código de Processo Penal, que é de 315 dias para o réu preso e de 345 dias para o réu solto. Como demonstra a Tabela 16, mesmo com a prioridade que o réu preso tem para julgamento, o tempo para a decisão do seu destino é muito superior ao estabelecido em lei (mediana de 10 anos, quando deveria ser de um ano), contrariando, inclusive, o dispositivo da Constituição Federal segundo o qual todos os indivíduos têm direito a um processo com razoável duração.45 Se os prazos do CPP são solenemente ignorados, resta entender o que seria este excesso de prazo.

6.3Algumasconsideraçõesfinais6

FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Tempo entre a data do fato e data de baixa (em anos)

392 0,0 47 12 15 10

45 CR/1988, Art. 5o. LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do pro-cesso e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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Tabela 16 - Estatísticas descritivas do tempo (em anos) entre a data do crimeeadatadabaixadoprocesso,deacordocomasituaçãodoacusado(sepresoousolto)–ProcessosdehomicídiodolosoarquivadosemBeloHorizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)Anova: F= 4,86 (0,028)

Uma das formas de verificar o excesso de prazo seria a operação da prescrição, que transformaria todas as condenações de processos essencialmente morosos em algo sem valor, do ponto de vista jurídico e, por conseguinte, social. Nesse contexto, a principal informação de destaque desta seção é o elevado percentual de casos que, apesar de contarem com um acusado vivo, experimentaram a extinção da punibilidade em razão da prescrição, o que alcança 35,2% do total de processos analisados (tanto os que foram julgados pelo júri como os que não foram).

A Reforma de 2010 mudou o ponto de início da contagem do prazo prescricional, que deixou de ser a data do crime, para se tornar a data da denúncia, além de aumentar em 1/3 o prazo prescricional do réu reincidente. Com isso, as demoras da fase policial passaram a não ser computadas neste instituto que regula o direito de punir do Estado pela passagem do tempo. É de se esperar, assim, que após 2010 se tenha um menor número de casos com extinção da punibilidade em razão da prescrição, dada a redução do tempo a ser considerado neste cômputo.

Quando o percentual de prescrições é desagregado por ano de encerramento do processo, verifica-se certa flutuação ao longo de toda a série histórica, mas com uma tendência de decréscimo da quantidade de processos que se tornam inúteis em razão deste expediente, algo visível na linha de tendência inserida no Gráfico 29 e no fato de que, pelo teste do qui-quadrado, existem diferenças estatisticamente significativas entre o ano em que o procedimento se encerrou e a quantidade de casos prescritos.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Prisão N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio O réu não foi preso durante o processo 212 1 47 14 16 10O réu foi preso durante o processo 180 0 42 10 13 10Total 392 0 47 12 15 10

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Nesse contexto, aparentemente, a mudança da lei em 2010 contribui para a redução da prescrição, já que 2012 e 2013 foram anos com baixíssimo percentual de prescrições, ao contrário, por exemplo, de 2007, em que 67% dos casos analisados não produziram efeitos em razão da prescrição.

Gráfico29-Distribuiçãopercentualdecasosquetiveramapunibilidadeextintaemrazãodaprescrição–Processosdehomicídiodolosoarquivadosem Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)Qui-quadrado: 23,74 (0,008)

Se a proposta de reforma de 2008 era reduzir o tempo de processamento, outra informação de destaque é o tempo de processamento global de acordo com o ano de encerramento do processo. Na realidade, os dados apresentados na Tabela 17 apontam no sentido contrário, já que a duração máxima dos processos é substantivamente maior a partir deste marco, alcançando mais de 40 anos a partir de 2009. Uma possível explicação para essa situação é a adoção da ENASP, que obriga a apreciação e julgamento de casos antigos. Assim, processos que estavam esquecidos nas prateleiras dos Tribunais do Júri encontraram, finalmente, um destino: o arquivo do Fórum, em razão da prescrição que extingue a punibilidade.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

29,245,5 51,6

23,8

66,7

25,834,9 35,1 40,0

25,6 23,2

R² = 0,1147

,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

100,0

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

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Tabela 17 - Estatísticas descritivas do tempo (em anos) entre a data do crimeeadatadabaixadoprocesso,deacordocomoanodeencerramentodoprocesso–ProcessosdehomicídiodolosoarquivadosemBeloHorizonte(2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)Anova: F= 4,42 (0,000)

Da mesma forma, como indica o Bloxplot 2, com exceção dos anos de 2012 e 2013, os tempos medianos são maiores após a reforma do que antes dela, o que pode ser resultado da sobrecarga no sistema judicial, que passa a ter mais processos para analisar, em razão da explosão de casos de homicídios dolosos na cidade sem que sua capacidade de operação seja aumentada, além da pressão das metas ENASP para exame de casos antigos.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Ano de encerramento do processo N Mínimo Máximo Mediana Média Desvio

2003 24 2 27 6 9 72004 22 2 25 7 10 62005 31 1 46 14 17 122006 21 4 38 11 15 112007 24 3 35 25 22 92008 31 1 38 11 13 92009 43 2 44 15 16 102010 37 1 42 14 16 112011 60 2 47 16 17 92012 43 2 41 11 13 102013 56 2 40 9 11 8Total 392 1 47 12 15 10

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Boxplot 2-Tempo(emanos)entreadatadodelitoeadatadabaixadoprocesso,deacordocomoanodeencerramentodoprocesso–Processosde homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Outra informação de destaque é a quantidade de casos que terminam sem qualquer tipo de punição em razão da morte do suspeito (Tabela 18). Em 10% dos processos analisados, a responsabilidade do acusado não pôde ser questionada porque ele faleceu, muitas vezes, vítima de outro homicídio, mostrando que a justiça que infelizmente tem se aplicado entre os homens, jovens, negros e pobres é a morte retaliatória, o que, segundo Misse (2010), seria um indicativo de como aquele sujeito que foi rotulado de “bandido” também se torna um sujeito matável.

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Tabela 18 - Quantidade de processos cuja punibilidade foi extinta emrazãodamortedoacusado,porfaseprocessual–Processosdehomicídiodoloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Em resumo, as conclusões apresentadas neste capítulo mostram um Sistema de Justiça Criminal que é incapaz de transformar a ideia de justiça em uma prática cotidiana. Como suas decisões vêm a público décadas depois de o homicídio doloso (tentado ou consumado) ter ocorrido, elas não têm qualquer valor real, mesmo porque uma boa parcela dessas sentenças condenatórias é alcançada pela extinção da punibilidade, que se aplica, inclusive, a réus presos. Esses deveriam ter prioridade em seus julgamentos para que os efeitos nocivos da prisão provisória não fossem produzidos. No entanto, o que vemos é que a liberdade se alcança com a morosidade da justiça, o que só faz aumentar o sentimento de impunidade.

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FLUXO E TEMPO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE HOMICÍDIOS DOLOSOS ARQUIVADOS EM BELO HORIZONTE (2003-2013)

Momento em que se constata a morte Quantidade de mortesCitação para conhecimento da acusação 7Sentença da AIJ 10Recurso da sentença da AIJ 2Preparação do júri 17Recurso do júri 3Total 39

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O último resultado desta pesquisa é a reconstituição do fluxo de processamento dos homicídios dolosos (tentados e consumados) que tiveram lugar em Belo Horizonte entre os anos de 2003 e 2013 a partir do uso da metodologia transversal, que contrasta a quantidade de casos produzidos por cada uma das agências que compõe o Sistema de Justiça Criminal.

Comparando a quantidade de homicídios dolosos (tentados e consumados) registrados pela Polícia Militar e pela Pol. Civil com a quantidade de processos encerrados a cada ano no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, estima-se que, do total de homicídios dolosos ocorridos entre os anos de 2003 e 2013, 20% foram transformados em Processos Penais, taxa superior aos 14% encontrados por Misse e Vargas (2007) para os homicídios dolosos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro entre 2000 e 2004 e também maior do que os 15% encontrados por Sapori (2007) para a capital mineira entre 2000 e 2005.

Figura 3 - Reconstituição do fluxo de processamento dos homicídiosdolosos (tentados e consumados) - Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Ocorrências - CINDS (SEDS) e Índice Mineiro de Responsabilidade Social

Processos - Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) Sentenças - Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Costa (2015) destaca como a fase policial é, em última instância, a mais difícil de ser superada em termos de possível responsabilização de alguém que cometeu um delito, posto que somente uma quantidade muito pequena de casos consegue sobreviver a essa fase e, portanto, alcançar a instância judicial, na qual a responsabilização do suspeito efetivamente pode ocorrer.

7.QualéofluxodeprocessamentodoSistemadeJustiça Criminal para os homicídios dolosos (tentados e consumados), em Belo Horizonte, entre 2003 e 2013?7

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Superar o gargalo da fase policial não é sinônimo de sucesso na fase judicial, já que a sobrevivência de uma etapa a outra implica a perda, em média, de 1/3 do total de casos. Utilizando a metodologia longitudinal retrospectiva foi possível estimar a quantidade de casos pronunciados, sentenciados e resultantes em condenação no período estudado. Constatamos, assim, que, do total de casos ocorridos na cidade, 14% alcançaram a fase de pronúncia, mas apenas 8% chegaram a uma sentença do júri, sendo que tão somente 6% foram encerrados com uma sentença de condenação.

Resultados semelhantes foram encontrados por Arthur Costa (2015), que acompanhou os 556 homicídios registrados no Distrito Federal em 2004. Desse total, 69% foram esclarecidos, uma taxa mais elevada que a verificada em Belo Horizonte entre 2003 e 2013. No entanto, dos casos do DF que passaram à fase judicial somente 9% alcançaram uma sentença e 4% resultaram em uma condenação. Essa análise é importante por demonstrar que, mesmo quando a filtragem que ocorre na fase policial não é tão elevada, poucos são os casos que se encerram no Judiciário uma década após o registro policial.

Portanto, se, do ponto de vista da filtragem, o maior gargalo está na polícia, para os casos que deram origem a processo, a maior morosidade está nas fases judiciais, especialmente, em razão da necessidade de se reproduzir os indícios coletados na fase policial para que eles sejam validados como prova do processo penal. O mais impressionante é que, se considerarmos o tempo despendido em cada fase, verificamos que, dos quase quinze anos que um processo demora até ser encerrado, em média, 41% foi esperando que a audiência do júri fosse realizada (Gráfico 30).

Os recursos às decisões, tradicionalmente apontados como fonte da morosidade dos processos penais em nossa tradição jurídica, são responsáveis por 7% e 11% do tempo, o que somaria 18% do total do tempo de processamento destinado ao recurso protelatório, já que a tendência das cortes superiores é manter o pronunciamento do juiz ou do júri em primeira instância.

Este percentual de tempo é inferior ao da fase de Instrução e Julgamento, que consome 31% do total de dias de um processo penal e se destina a transformar os indícios inquisitoriais em provas produzidas de acordo com a lógica acusatorial.

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Gráfico30-Distribuiçãopercentualdotempodecadafasedoprocesso–Processos de homicídio doloso arquivados em Belo Horizonte (2003-2013)

Fonte: Mensurando o tempo do processo de homicídio em Belo Horizonte (CRISP – UFMG)

Uma reforma que pretenda reduzir a morosidade deve se pautar não pela redução dos recursos que, como vimos, não consomem a maioria do tempo médio de um processo de homicídio doloso, mas pela transformação da fase do Inquérito Policial em uma fase judicial sob a coordenação do juiz de garantias, como propõe a medida 6 do IBCCRIM como forma de reduzir o encarceramento em massa no Brasil.46 Com o juiz de garantias, a coleta de provas já se daria dentro de um modelo eminentemente acusatorial, dispensando a reprodução de tudo o que foi coletado pela polícia na Justiça, como forma de ceifar a suspeição que paira sobre as atividades policiais. Com isso, superar-se-ia a dualidade apontada por Paixão (1995, p. 11), dado que “o trabalho policial é “sujo”, no sentido de que o policial está na periferia moral da sociedade”, enquanto “o judiciário reivindica a “pureza” do trabalho de aplicação imparcial e desinteressada da lei através do ritual do procedimento”.

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46 Proposta 6: Criação do/a juiz/a de garantias: Que seja estabelecida no sistema penal brasileiro a função de “juiz/a de garantias”, para atuar na fase da investigação, de forma separada do/a juiz/a que atua no processo. Desse modo, no processo criminal, a decisão tomada recairá sobre o mérito do caso e poderá haver uma análise verdadeiramente imparcial sobre a legalidade dos atos praticados na fase de investigação. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/docs/2017/16MEDI-DAS_sumario.pdf

0% 0%

9% 1%

31%

11%

41%

7%

Tempo entre a data do fato e o Boletim de Ocorrência PMMG (em dias)Tempo entre o boletim da PMMG e a a abertura do IP (em dias)Tempo entre a abertura e encerramento do IP (em dias)Tempo entre o encerramento do IP e denúncia do Ministério Público (em dias)Tempo entre a denúncia e a sentença da AIJ (em dias)Tempo entre a data do recurso contra a pronúncia e sua decisão (em dias)Tempo entre a data da pronúncia e data da audiência de Júri (em dias)Tempo entre a data do recurso contra o júri e sua decisão (em dias)

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Com um juiz das garantias, polícia, promotor, defensor, e juiz estariam reunidos em um mesmo espaço, de modo que haveria o controle dos possíveis desvios que levam à suspeição dos testemunhos coletados durante o I.P.

É triste constatar, contudo, que essa ideia encontra enorme rechaço entre os aplicadores do direito no Brasil, que estão mais preocupados com a garantia de suas funções, especialmente a de delegado policial.47

Além dessa mudança, é preciso que o Código de Processo Penal estabeleça prazos mais realistas do ponto de vista da dificuldade de se coletar indícios para a acusação de alguém como responsável pela prática do delito (fase policial). Novamente, as propostas para a redução do encarceramento em massa lançadas pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no ano de 201748 se apresentam como um alento, já que “a sugestão é de estabelecer um prazo máximo de 720 dias para duração de inquérito e prever o limite de apenas uma prorrogação nesse prazo, evitando a abertura de espaços para arbitrariedades e abusos, com investigações sem prazo algum de conclusão” (p. 26). Após esse prazo, de dois anos, se ninguém foi indiciado, o Inquérito Policial será arquivado pelo juiz, afinal, como observado nessa pesquisa, as investigações policiais que se transformam em ações penais são as encerradas em menos de um ano. Depois disso, são apenas idas e vindas, entre promotores e policiais, ocupando um tempo que poderia ser destinado ao andamento de ações penais que terminam prescrevendo.

Por fim, é imprescindível repensar a própria estrutura do júri, pois, em lugar da justiça garantida pelo julgamento pelos pares, o que se garante é a ausência de qualquer validade da condenação pela ocorrência da prescrição. Se o juiz singular pudesse, em vez de pronunciar, condenar ou absolver o acusado pela prática do homicídio tentado ou consumado a morosidade do processo penal seria reduzida quase pela metade. Com isso, em lugar de quase 15 anos para encerramento do processo, teríamos 8,5 anos, o que contribuiria sensivelmente para a redução da quantidade de casos encerrados sob a insígnia da extinção da punibilidade pela prescrição penal. Em outras palavras, precisamos repensar a função do júri em uma cidade que registra por ano, em média, 2.153 homicídios, dolosos e culposos (como indica a contabilidade da Figura 3).

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47 Nesse sentido, ver: Cortizo Sobrinho (2015).48 Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/docs/2017/16MEDIDAS_Caderno.pdf, último acesso em 11 de junho de 2017.

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No momento em que encerrávamos este relatório, o Brasil se via diante de uma nova crise política, em que o Supremo Tribunal Federal poderia ser chamado a se posicionar sobre um possível impeachment do presidente Michel Temer.49 Naquele momento, a questão suscitada por alguns acadêmicos era a de que envolver o Judiciário nesta contenta, provavelmente, significaria deixar tudo como estava, dado o tempo excessivamente longo de que esse poder necessita para tomar uma decisão: em média, 330 dias (Falcão et al., 2014, p. 16). Considerando que o mandato do presidente Temer se encerraria em, aproximadamente, dezoito meses, o que esses autores sustentavam, ancorados nas análises do Supremo em Números da Fundação Getulio Vargas, é que a Justiça brasileira, em razão de sua lentidão, tarda e, por isso, termina por falhar.

“A morosidade é problema crônico do Judiciário brasileiro, tendo já sido objeto de incontáveis estudos. Igualmente numerosas são as medidas adotadas para atacar o problema, incluindo o reconhecimento do direito fundamental à razoável duração do processo e metas de diversos órgãos judiciais” (Falcão et al., 2014, p. 12). Inclusive, desde 2004, após a Emenda Constitucional 45, temos um dispositivo em nossa Constituição Republicana garantindo a “razoável duração do processo”.50 Porém, diante dos resultados apresentados neste relatório, em que constatamos que pouco mais de 1/3 dos homicídios tentados e consumados apreciados pelo Tribunal do Júri de Belo Horizonte não são responsabilizados em razão da prescrição, perguntamo-nos qual a efetividade desta mudança constitucional.

O tempo médio do processo de homicídio doloso, para os casos arquivados na capital mineira, entre os anos de 2003 e 2013, é de 15 anos, sendo que, durante quase toda a série histórica analisada, foi vigente o dispositivo constitucional da “duração razoável do processo”. Na seara criminal, até o ano de 2010, a “duração razoável do processo” ainda incluía a lentidão (ou não) dos procedimentos policiais. Neste ponto, uma informação nova trazida pela pesquisa é o tempo dos Inquéritos Policiais que não se convertem em processos penais porque (i) a polícia não conseguiu apontar um suspeito, (ii) o suspeito apontado morreu por outro homicídio, ou, (iii) após as investigações constatou-se que o delito não era homicídio, mas suicídio.

8. Algumas observações a guisa de conclusão

49 Nesse sentido, ver: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/05/18/Por-que-Temer-jogou-a-disputa-pelo-manda-to-na-arena-do-Supremo?utm_campaign=selecao_da_semana_-_20052017&utm_medium=email&utm_source=RD+Sta-tion, acesso em 20 de maio de 2017.50 Por força de jurisprudência da Corte Interamericana, seguindo a de outras cortes internacionais, a extensão do proces-so por tempo indeterminado ou indefinido configura negação de acesso a justiça e esgotamento dos recursos disponíveis no ordenamento interno, que é uma condição para que a jurisdição dela possa ser exercida.

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Se, nos casos convertidos em processo, a investigação policial se encerra em até um ano (em média), naqueles que são encerrados ainda nesta fase, com o arquivamento do Inquérito Policial, a investigação dura, em média, cinco anos. Como indicam os trabalhos sobre o tema, quanto maior o tempo necessário para a consecução do Inquérito Policial, menor a chance de este ser encerrado com o apontamento de um suspeito (Vargas e Nascimento, 2010), confirmando como a morosidade obsta a realização da justiça.

Em termos de procedimentos da investigação policial bem sucedida (aquela que é convertida em uma denúncia) em comparação com a malsucedida (aquela que se encerra com o arquivamento do I.P.), destacam-se o uso mais pronunciado de testemunhas de caráter, em detrimento de testemunhas do delito e perícias, que, longe de apontar quem matou a vítima, dizem apenas como ela morreu. Além disso, casos que se converteram em processo contam com poucos pedidos de dilação de prazo, indicando que a simples solicitação deste recurso ao promotor de justiça sinaliza que a polícia provavelmente não será capaz de indiciar alguém pela prática de um crime. Talvez, se, em vez de testemunhas de caráter, esses casos contassem com testemunhas do fato ou provas mais técnicas, como perícias sobre DNA, tais mortes pudessem ter sido responsabilizadas de alguma forma na instância judicial.

Por fim, uma última informação de destaque é a enorme homogeneidade, em termos de perfil sociobiográfico, de autores e vítimas, especialmente no que se refere ao sexo, idade e cor da pele. Os homens jovens, pretos e pardos protagonizam essa sociabilidade violenta, que termina em infindáveis corpos com marcas de óbitos violentos. Do ponto de vista da qualidade da informação, chama a atenção o fato de as vítimas dos Inquéritos Policiais que não se transformaram em ações penais serem mais conhecidas que as dos Processos Penais, dada a maior necessidade de se saber quem morreu como tentativa de se chegar a quem ocasionou a morte.

No quesito tempo as informações reunidas neste relatório indicam que, se a proposta da ENASP era reduzir a morosidade e a impunidade, ela não parece ter criado resultados positivos.

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Neste mesmo sentido está a reforma de 2008, que, ao permitir que o acusado seja processado quando não está presente na audiência (in absentia), desloca o problema da punição para a polícia, que deve se encarregar de localizar o sujeito condenado para que ele possa cumprir a pena. Por fim, a reforma da Justiça de 2004, com a inserção da “razoável duração do processo” entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro, também não encontra ressonância nas práticas dos aplicadores do direito que cuidam dos homicídios dolosos - tentados e consumados - em Belo Horizonte, dado que, durante todo o período analisado, a média de duração dos processos penais foi 15 vezes maior do que a estabelecida no Código de Processo Penal.

Esse cenário indica, portanto, a total ausência de respeito aos direitos e garantias dos acusados, apontando para a necessidade de uma reforma processual que vá além da mudança legal, no sentido de amortecer a seletividade na justiça, como também reduzir a morosidade desnecessária, a partir de um maior avivamento das políticas de articulação do sistema de segurança pública e justiça. As medidas do IBCCRIM para a redução do encarceramento são também ações muito factíveis para a redução dos atrasos da justiça identificados neste relatório, razão pela qual nós subscrevemos essa proposta inteiramente.

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