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FILOZOFICKÁ FAKULTA UNIVERZITY PALACKÉHO V OLOMOUCI Katedra romanistiky Bracara Augusta, Época Romana na Cidade de Braga Bracara Augusta, římská éra v Braze Bracara Augusta, Roman Era in the City of Braga Bakalářská diplomová práce Veronika Baudyšová Studentka 3. ročníku Angl. fil. – Port. fil. Studijní rok 2007/2008 Vedoucí práce: Mgr. Petra Svobodová Olomouc 2008

FILOZOFICKÁ FAKULTA UNIVERZITY PALACKÉHO V OLOMOUCI ... · Castro Máximo que podia estar na origem da fundação de Bracara Augusta, a cidade romana que leva o nome do povo indígena

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FILOZOFICKÁ FAKULTA UNIVERZITY PALACKÉHO V OLOMOUCI

Katedra romanistiky

Bracara Augusta, Época Romana na Cidade de Braga Bracara Augusta, římská éra v Braze

Bracara Augusta, Roman Era in the City of Braga

Bakalářská diplomová práce

Veronika Baudyšová

Studentka 3. ročníku Angl. fil. – Port. fil.

Studijní rok 2007/2008

Vedoucí práce: Mgr. Petra Svobodová Olomouc 2008

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Prohlašuji, že jsem tuto bakalářskou diplomovou práci vypracovala samostatně a uvedla v ní veškerou literaturu a ostatní informační zdroje, které jsem použila. V Olomouci, 30.4.2008

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Moje poděkování patří Mgr. Petře Svobodové za odborné vedení mé bakalářské diplomové práce.

Agradecimento ao Exmo. Dr. Henrique Barreto Nunes pela sua ajuda na criação

deste trabalho.

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Conteúdos

Conteúdos ........................................................................................................... 4 Introdução ........................................................................................................... 5 1. Breve história de Bracara Augusta ..................................................................... 7 1.1 Povoação da Península Ibérica ..................................................................... 7 1.2 Estabelecimento de Bracara Augusta ............................................................ 9 1.3 Declínio da cidade romana ......................................................................... 12

2. Vida quotidiana .............................................................................................. 14 2.1 Sociedade ................................................................................................. 14 2.2 Religião .................................................................................................... 14 2.3 Actividade artesanal .................................................................................. 16

3. Vestígios romanos .......................................................................................... 19 3.1 Urbanismo ................................................................................................ 19 3.2 Arquitectura .............................................................................................. 20 3.3 Muralha .................................................................................................... 21 3.4 Vias .......................................................................................................... 22 3.5 Necrópoles................................................................................................ 22

4. Monumentos principais de Bracara Augusta...................................................... 24 4.1 Termas Públicas do Alto da Cividade........................................................... 24 4.2 Zona arqueológica das Carvalheiras............................................................ 27 4.3 Fonte do Ídolo .......................................................................................... 28 4.4 Cloaca Romana e Pórtico ........................................................................... 30 4.5 Domus de Santiago ................................................................................... 30 4.6 Ruínas das Frigideiras do Cantinho ............................................................. 31 4.7 Edifício romano da Rua da Nossa Senhora de Leite...................................... 31 4.8 Casa do Poço ............................................................................................ 31

5. As escavações ................................................................................................ 32 Conclusão .......................................................................................................... 37 RESUMÉ............................................................................................................. 38 Bibliografia......................................................................................................... 39 Glossário básico ................................................................................................. 41 Anexos .............................................................................................................. 42

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Introdução

Hoje em dia, Braga é a terceira maior cidade de Portugal. 1 A região é

tradicionalmente agrícola, cultiva-se sobretudo milho, vinho e frutas. O concelho é

o centro industrial onde se produz chocolate, calçado, fogo-de-artifício, papel,

refrigerantes e sabão e que mantém o comércio activo com os seus vizinhos,

sobretudo com o Porto. Além disso é a capital da região do Minho e o centro

religioso de todo o país. Mas quanto à importância da cidade na península, é

quase imperceptível, ultrapassada pelas grandes e ricas cidades espanholas e a

capital portuguesa.

No entanto, cerca de dois mil anos atrás Bracara Augusta era a capital da

província romana da Galécia. Era sede tanto comercial, jurídica e política como

cultural e científica da região. Segundo um cronista árabe, «Braga foi residência

real dos Romanos semelhante a Mérida 2 pela solidez dos seus edifícios e

ordenação das suas muralhas.»3 Por ser um cruzamento de vias romanas mais

importantes o lucro e o desenvolvimento rápido da cidade era garantido. Na altura

da sua maior prosperidade nos séculos II e III era a cidade mais importante de

toda a Península Ibérica.

Bracara Augusta tinha um valor único que em umas áreas podemos

encontrar até hoje em dia, como, por exemplo, a diferenciação étnica e cultural

entre o norte e o sul de Portugal manifestada por José Saraiva: «No convento

bracarense havia, diz também Plínio, vinte e quatro cividades, habitadas por

duzentos e oitenta e cinco mil tribunários. (...) O facto de o distrito bracarense

não se incluir na província da Lusitânia traduzia provavelmente a diferenciação

étnica dos povos. Ambos estes factores – diferenciação étnica e diferente grau da

acção romana – têm sido argumentados para justificar as diferenças culturais que

1 População total é 170 000 habitantes. O concelho tem 172 km² e 62 freguesias. <http://en.wikipedia.org/wiki/Braga> 25.4.08 2 Actual Mérida, fundada como Emerita Augusta em 25 a.C., é a capital da Extremadura, Espanha. 3 Talvez a referência mais antiga sobre Braga. Cronista árabe do século XI. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 147.

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ainda hoje, sob muito aspectos, se observam entre as populações do Norte e do

Sul de Portugal.»4

Por causa de a falta das fontes históricas, supõe-se que a grande parte das

riquezas da cidade ainda espera por ser escavada. Um bom conjunto de edifícios

romanos foi explorado nos anos 70 do século XX, altura em que a cidade de Braga

sofreu um grande desenvolvimento urbano. Como disse o Dr. Henrique Barreto

Nunes «cada rua que se abria, cada alicerce que se escavava revelava a existência

de restos e estruturas da cidade romana.»5 Com cada nova construção surge um

novo vestígio da fama e do esplendor que antigamente a cidade possuía.

Tradicionalmente, Conímbriga, Lisboa e Évora são consideradas as maiores

cidades romanas em Portugal. Todavia, é, principalmente, porque essas três

ficaram bem conservadas, escavadas e são conhecidas pelo público. O propósito

deste trabalho é mostrar e certificar o grande prestígio de Bracara Augusta, que

fica, injustamente, atrás. Apresentarei a breve história da cidade, desde a chegada

dos primeiros povos a essa zona até à rebelião do D. Afonso Henriques. Tomarei

em conta as várias remodelações e mudanças essenciais da realidade romana.

O trabalho depois falará sobre a sociedade romana, constituição da

população, sua vida quotidiana e cultos religiosos. Não me esquecerei de observar

as actividades comerciais e artesanais dos cidadãos.

Para podermos imaginar a face de Bracara Augusta, escolherei os

monumentos mais significativos dessa época, promoverei a sua descrição histórica

e arquitectónica e apontarei as suas posições no mapa da actual cidade minhota

para a melhor orientação do leitor tanto na cidade romana como na moderna.

Além disso, comunicarei o processo das escavações arqueológicas, a

problemática das destruições criminosas dos vestígios romanos e a criação de

organizações ligadas ao salvamento de Bracara Augusta e a atitude da Câmara

Municipal de Braga responsável pela negligência e destruição de grande parte da

antiga cidade latina.

4 SARAIVA, J. H. – História Concisa de Portugal, Publicações Europa-América, 1993, p. 27. 5 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 3.

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1. Breve história de Bracara Augusta

Neste capítulo vou brevemente apresentar os povos que residiram na

Península Ibérica e a chegada dos Romanos. O estabelecimento e

desenvolvimento de Bracara Augusta vai ser descrito em detalhes, prosseguido

pelo declínio da influência romana, época sueva e árabe e pelas datas básicas da

história bracarense.

1.1 Povoação da Península Ibérica

Os habitantes nativos da Península Ibérica são Iberos que vieram

provavelmente da Ásia ou África. A sua civilização desenvolveu um rico comércio

de ouro e prata que posteriormente chamou a atenção dos Fenícios que invadiram

a península no século XII a.C. e estabeleceram a sua residência em Gades6 e em

Zambujeira. Eram espalhados em todo Portugal, de Algarve até ao noroeste.

Fundaram cidades como, por exemplo Portimão, Alcácer do Sal e Alis Ubo (Lisboa)

e ensinaram aos Iberos como extrair e derreter metais.

No século VI vieram os Celtas e instalaram-se na zona do Tejo. Trouxeram

a elaboração de ferro que ajudou a produção de armas e de utensílios agrícolas e,

consequentemente, o desenvolvimento rápido de agricultura. Com o crescimento

da população, as diferenças entre os Iberos e Celtas desapareceram e os dois

povos integraram-se em único povo de Celtiberos conhecido por suas fortificações

oppida e castros e pelas suas cidades chamadas citânias, cujos restos podemos

encontrar no norte do país.7

Os Gregos conseguiram ocupar só poucas partes da península, sobretudo

as antigas cidades fenícias, e deixaram a lenda de Lisboa ser fundada por Ulysses.

Os Cartaginenses influenciaram principalmente o sul de Portugal e estabeleceram

a cidade de Lagos. Todavia a sua presença não durou mais que trinta anos no

6 Actual cidade espanhola de Cádiz. 7 É, por exemplo, Citânia de Briteiros perto de Braga, Santa Luzia perto de Viana do Castelo ou Franquiera perto de Barcelos.

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século III a.C. por ter perdido a Segunda Guerra Púnica8 a favor de os Romanos,

que imediatamente iniciaram a sua invasão à península. O progresso até ao oeste

demorou mais que um século e meio. A única zona da península que conseguiu

manter a sua independência foi a Cantábria. Por ser uma região montanhosa no

norte da Espanha, ficou fora do quadro romano e, por isso, até hoje ali sobreviveu

uma das raras línguas pré-romanas na Europa, o basco.

Na altura da ocupação sistemática romana, os Celtiberos eram

diferenciados em dois povos principais: os Calaicos (em actual Galiza) e os

Lusitanos (entre Douro e Tejo). A romanização da península foi um processo

pacífico. Os povos perceberam as vantagens que lhes podia trazer o alto nível dos

romanos. Todavia nem todos gostaram da ideia. Quando os Romanos chegaram à

zona do Tejo, o chefe militar lusitano chamado Viriato9 conseguiu parar a invasão

latina. Mas a paz não durou muito, os ocupantes sucederam o procedimento até à

costa atlântica e a romanização da península começou. Os Lusitanos eram

recrutados às milícias romanas, foram construídas as primeiras vias e foram

estabelecidas as primeiras povoações romanas que serviam como colónias para os

veteranos militares. Essas povoações ganharam logo o direito latino mas a

cidadania romana pertencia só aos administradores que vieram da Itália.10 Outras

cidades, principalmente aquelas que não capitularam imediatamente, não

possuíram direitos nenhuns e eram obrigados a pagar altos impostos.

Apesar das constantes rebeliões lusitanas, hábitos, leis e palavras romanas

entravam na vida quotidiana dos povos bastante facilmente. O território

peninsular foi administrado em duas províncias: Hispânia Ulterior, onde ficava a

Lusitânia, e Hispânia Citerior Taraconensis, cuja parte fazia a zona entre Douro e

Minho. Por cima, graças ao povo romano, ocorreu uma grande revolução agrícola.

As plantas não eram produzidas só para a alimentação básica mas, principalmente,

8 Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.) foi provocada pelos Cartaginenses que ultrapassaram o rio Ebro e atacaram as cidades Romanas. Os romanos ganharam a guerra, destruíram a cidade de Cartago e tornaram-se os maiores ocupantes da Península Ibérica. 9 Viriato foi um dos chefes dos Lusitanos que lutava contra a invasão romana entre 147/6 e 139 a.C. Foi assassinado por três traidores comprados pelos Romanos. 10 A cidadania romana foi um estatuto com grande prestígio dado a indivíduos especiais de acordo com os seus poderes políticos e riquezas. Os povos de zonas ocupadas receberam o direito latino, que era um estatuto intermédio entre a verdadeira cidadania romana e o estatuto de não-cidadão. Na era do Vespasianus (69 – 79 d.C. a cidadania foi divulgada a maior parte da população, mas, somente, em 212 d.C. todos os habitantes do império foram promovidos à cidadãos romanos.

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para a exportação. Os habitantes saíram dos castros fortificados e estabeleceram-

se em povoações romanas, o que abriu espaço para um grande crescimento

urbano.

1.2 Estabelecimento de Bracara Augusta

À zona da actual Braga vieram primeiros romanos entre 138 e 136 a.C. em

uma expedição militar ao nordeste da Península Ibérica comandada pelo cônsul

Décimo Junio Bruto que primeiro ultrapassou o rio Lima e o Minho e ao descer ao

sul, envolveu-se em uma batalha contra um dos povos mais importantes que

habituavam essa zona, os Bracari (Brácaros). Este povo era de origem Celta e era

conhecido por ser uma tribo de guerreiros. O povo habitava em povoados

fortificados e possuía um extenso território que estendia, talvez, entre Douro e

Cávado, e cuja capital era a Citânia de Briteiros. Uma das suas fortalezas era o

Castro Máximo que podia estar na origem da fundação de Bracara Augusta, a

cidade romana que leva o nome do povo indígena.

Nos últimos duzentos anos antes do Cristo, a tribo sofreu um grande

desenvolvimento agrícola, artesanal e comercial e por isso era de grande interesse

aos governadores romanos. Ao imperador Augusto (31 a.C. – 14) impôs-se a

reorganização administrativa do noroeste peninsular e a integração das suas

populações no mundo romano. O imperador mandou fundar cidades11 e construir

grandes vias, que consolidaram o poder de Roma e aproximaram as populações

da região dos restantes habitantes do Império. A criação de Bracara Augusta era

um dos objectivos do imperador. A cidade foi provavelmente construída no ano de

16 a.C. por cima do Castro já mencionado e de um acampamento romano

estabelecido em 27 a.C.12

Como era um cruzamento de vias principais na península, a cidade

imediatamente começou a crescer. Apesar disso, o estado da cidade e dos

habitantes permanece discutível. Tradicionalmente, considera-se que Bracara

11 Além de Bracara Augusta, construiu Lucus Augusta (actual Lugo) e Astúrica Augusta (Astorga). 12 Segundo o Dr. Nunes a origem da cidade está no Castro Máximo, todavia a M. Martins diz que é pouco provável que a cidade se tenha sucedido a um castro proto-histórico, pois o local não possuiu as condições topográficas adequadas para a fixação desse tipo de povoados. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000.

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Augusta teria sido promovida a município no último quartel do século I, quando os

habitantes ganharam o direito latino, que lhes, posteriormente, promovia a

cidadania romana. No entanto, é possível que Bracara Augusta tenha sido criada

já com o direito latino, como era típico para as outras povoações criadas pelos

romanos. De qualquer forma, a cidade tinha possuído estruturas de governo

autónomas, com senado e magistrados, que mostra o seu alto nível e prestígio.

Um século depois da sua criação, Plínio inscreveu a cidade na lista dos

oppida peregrinos que mais uma vez prova o grande prestígio para a cidade.13

Vespasiano (69-79) fez Bracara Augusta a sede de convento jurídico, pois tinha o

carácter religioso e económico.

Da época do Augusto (27 a.C. – 14 d.C.) e do período júlio/cláudio

sabemos pouco. A dinastia júlio-claudiana (14-68) continuou com o povoamento e

desenvolvimento da cidade, prosseguiu a rede viária e criou a organização do

culto imperial. Além disso mandou construir primeiros edifícios públicos, por

exemplo, na zona do Alto da Cividade14, e a rede de saneamento. Na sua época

prosperavam, também, as actividades económicas, sobretudo metalurgia, olaria e

comércio.

No contrário, são abundantes os vestígios de construções da época

flávia/antonina. Nessa era (69-96) houve um grande crescimento urbanístico de

Bracara Augusta. Foram construídos novos edifícios públicos, como a casa das

Carvalheiras ou o Domus de Santiago, e os quarteirões eram sistematicamente

ocupados. As vias antigas eram reparadas e a Via Nova (XVIII do Itinerário de

Antonino 15 ) foi criada. Houve um notável desenvolvimento das actividades

13 Plínio, o Velho (23-79) foi um naturalista romano que escreveu Naturalis Historia, livro de 37 volumes que descreve a natureza e geografia do mundo romano. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Naturalis_Historia> 10.4.08 14 Alto da Cividade ou Cividade é uma freguesia no concelho de Braga. É conhecida, principalmente, pelas termas romanas. Ao lado dela fica outra freguesia, Maximinos, onde, também, foram encontrados vestígios romanos. Mapa de freguesias bracarenses está nas páginas web da Câmara Municipal de Braga <http://www.cm-braga.pt/wps/portal/publico/kcxml/04_Sj9SPykssy0xPLMnMz0vM0Y_QjzKLt4z3NQfJgFiewfqRaCJBcBFfj_zcVP0gfW_9AP2C3NCIckdHRQCzyUF5/delta/base64xml/L3dJdyEvd0ZNQUFzQUMvNElVRS82XzlfTUE!> 25.4.08 15 Itinerário Antonino (Antonini Itinerarium) é um registo de vias e estações do Império Romano. Em vez de nomes, as ruas receberam números. O seu autor é desconhecido mas supõe-se que foi Antonino Augusto. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Itinerarium_Antonini> 25.4.08

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artesanais. Peregrinos, únicos habitantes que ainda dispunham só do direito latino,

eram promovidos à cidadania romana.16

A dinastia Antonina (96-192) mandou remodelar os edifícios e construir

novas edificações. A mais importante delas foram as Termas do Alto da Cividade.

Com o desenvolvimento da cidade, floresceram as actividades económicas e o

poder de compra. Os produtos importados eram sobretudo cerâmicas, vidros e

objectos de adorno. Todavia, pouco se sabia das exportações, provavelmente

eram representadas por cerâmicas, vidro e metais.

No século II e nos meados do III a cidade afastou-se das perturbações que

afectaram a Hispânia. Isso garantiu-lhe a sobrevivência e permitiu uma vida

regular aos habitantes. Nessa época Bracara começou a ganhar o maior prestígio

de toda a sua história e continuou a enriquecer.

Uma vasta renovação urbana foi registada nos finais do século III e inícios

do IV. Edifícios públicos e privados foram remodelados e uma muralha com

torreões foi construída. A cidade foi promovida a capital da Galécia17 e por isso as

elites mantiveram a sua residência aí. Melhoraram as suas habitações, construindo

banhos privados, pavimentos com mosaicos etc. Da cidade saíam cinco vias por

quais entravam os imperadores que naquela altura visitavam a cidade. Foi

sobretudo o Galieno (253-268) e Cláudio (268-270).

Todo o século IV Bracara Augusta manteve o seu nível económico e político.

Quanto à sua importância religiosa, a primeira diocese em Portugal foi criada em

Braga já em 216 mas o seu primeiro bispo conhecido foi Paterno, mencionado no

Concílio I de Toledo, do ano 400. A diocese tinha um vastíssimo território – de

Pontevedra ao Douro e do Atlântico ao rio Esla,18 e era muito bem organizada. As

responsabilidades da diocese e da cidade ainda cresceram quando se tornou a

sede de bispado, no fim de século IV, o que garantiu à cidade a administração de

um importante território. Assim Braga tornou-se um dos centros iniciais da

cristianização sistemática da Hispânia.

16 Antes, tinham a cidadania romana só os administradores e os habitantes que vieram da Península Apenina. 17 Manuela Martins diz que Diocleciano promoveu a cidade a capital da Galécia. O Dr. Nunes proclama a promoção da cidade ao Caracala, em 216. 18 Rio Esla fica no noroeste da Espanha.

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1.3 Declínio da cidade romana

Há poucas fontes históricas que falam da época entre os séculos V e IX em

que se organizou a cidade medieval em torno da Sé. Não se sabe muito sobre a

ocupação suevo-visigótica nem das invasões muçulmanas.

A partir de 411 os Suevos instalavam-se na região de Braga. Uns quarenta

anos mais tarde criaram o primeiro estado bárbaro cristão na Europa. O Convento

Jurídico era o núcleo principal do reino deles. Segundo os dados arqueológicos,

durante a ocupação sueva a cidade romana não sofria o imediato declínio. Quando

algumas construções foram abandonadas, por exemplo as Termas Públicas do Alto

da Cividade, outras foram erguidas, como a zona da actual Sé. Todavia o estado

não durou muito tempo. Já em 456 o rei visigodo Teodorico invadiu Braga. A

cidade ficou por cem anos sob influência visigoda e sob a religião ariana.19 Havia

frequentas destruições e violências. Nos meados do séc. VI, com a volta dos

Suevos e o seu rei Teodomiro, o povo reconverteu-se à religião romana, o

cristianismo. Assim, S. Martinho de Braga torna-se o novo apóstolo dos Suevos.20

Com a nova formação do Reino Suevo, a província eclesiástica bracarense

ultrapassou o Douro e anexou as dioceses de Coimbra, Lamego, Viseu e Idanha.

Por ser tão enorme, era dividida em duas circunscrições administrativas, uma com

sede em Braga e a outra em Lugo. O Reino Suevo acabou em 585 mas a

influência de Braga no sul do Douro continuou até depois de 650.

Ainda menos se sabe da cidade durante o século VII. Na igreja de S.

Vicente foi encontrada uma inscrição funerária datada de 618. Segundo essa,

parece que a estrutura da cidade foi bastante alterada. Algumas áreas da cidade

foram abandonadas para surgirem novos núcleos em locais de culto cristão, as

necrópoles como S. Vicente, S. Vítor e S. Pedro de Maximinos. É admissível que

alguns sectores da cidade romana tenham sido sacrificados.

A invasão árabe da Península chegou até ao norte de Portugal. Os

muçulmanos invadiram a zona da Galécia no ano de 715 mas as circunstâncias

são bastante mal conhecidas. As incursões árabes podiam ter destruído se não a

totalidade, pelo menos vastos sectores da cidade. Essa destruição poderia dever-

19 Ver o capítulo de religião. 20 S. Martinho de Braga ou Martinho de Dume foi um bispo responsável pela conversão dos Suevos ao catolicismo.

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se também à reacção cristã contra o domínio árabe, iniciada com Afonso I das

Astúrias, nos anos de 753 e 754. Nessa altura os bispos fugiram a Lugo e

começaram a crer que todos os direitos de Braga foram transferidos àquela

diocese. Apesar de várias tentativas, por exemplo a do D. Pedro, bispo de Braga,

a metrópole bracarense só foi definitivamente restaurada pela bula do Pascoal II

Experientiam vestram a 28.5.1100.

Uma das primeiras reconquistas da cidade deve-se ao seu bispo Odoário

antes de 761. Todavia novas invasões de Árabes arrasaram, por mais de uma vez,

a cidade. Não se pode provar se Braga foi completamente despovoada ou se, pelo

contrário, todas essas invasões permitiram sempre um núcleo de população

residente que teria reconstruído a cidade nos séculos IX e X. O Conde Vimara

Peres reabilitou a cidade em 870. Promoveu a realização de uma assembleia de

bispos e nobres, que pressupõe que a cidade estava povoada e, pelo menos,

parcialmente reconstruída. No séc. XI Braga entra na posse constante dos cristãos.

Foi restaurada pelo primeiro bispo restituído a Braga, D. Pedro (1070-1091) a

quem se deve a primeira escola-catedral do país.

Nessa época a maior parte da cidade romana já jazia em ruínas sendo

sacrificada à construção de muitos novos edifícios e habitações medievais, que

definiram a cidade bem mais pequena que a anterior, centrada em torno da Sé,

sagrada em 1089. A partir deste momento houve uma profunda reconstrução da

cidade. Novo centro estabeleceu-se por volta da Sé, isto é no noroeste do antigo

centro romano. Foram construídas novas muralhas para o centro medieval ser

protegido, deixando as muralhas romanas fora da cidade na terra da cultivação.

O lucro começou a voltar a Braga. Todavia a cidade medieval nunca mais

atingiu tal riqueza e fama como tinha na era dos romanos. O conde D. Henrique

de Borgonha e a infanta D. Teresa tinham os seus paços aqui. Foram senhores da

cidade entre 1096 e 1110 quando doaram-na aos arcebispos, instituindo um feudo

eclesiástico que durou até o séc. XVIII. Nessa altura a catedral marca o centro do

núcleo urbano que se tornou testemunha da rebelião contra D. Teresa preparada

pelo arcebispo D. Paio Mendes e D. Afonso Henriques em 1120.

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2. Vida quotidiana

Nesse momento vamos voltar a Bracara Augusta e a vida dos seus

habitantes na era dos Romanos. A sociedade era bastante diversificada. Os

residentes tinham a sua origem em todo o império. Os hábitos, cultos ou sistema

comercial ou artesanal tinha o seu carácter único em toda a região. Para

podermos imaginar a face de Bracara Augusta, vou exibir os básicos costumes e

traços romanos no norte de Portugal.

2.1 Sociedade Inscrição funerária21

Como Bracara Augusta era uma cidade com importância

económica, administrativa, religiosa e viária, atraía uma população

diversificada, composta por indígenas, imigrantes e militares. Uma

fonte histórica muito útil são as inscrições funerárias, ou seja

epigrafias, que nos dão conta de notáveis indígenas e castros

regionais. A epigrafia permite identificar, além dos nomes, o estado

social e, às vezes, as profissões das pessoas enterradas. Desta

maneira conhecemos a constituição da população no período alto-

imperial: 53% eram peregrinos, 23% cidadãos com o direito

romano, 19% libertinos e 7% escravos. O alto número dos

libertinos não é estranho porque a cidade era de importância

comercial.

2.2 Religião

Os cultos indígenas eram bastante diversificados. A adoração dos deuses

permaneceu e foi misturada com a religião romana que acreditava-se em vários

deuses animistas e em umas entidades abstractas como na Fortuna, na Vitória ou

21 Inscrição funerária encontrada no século XVIII, procedente da necrópole da via XVII. Data-se entre os séculos I e III e está dedicada a Agathopous, escravo de Tito Satrio, por Zethu, seu companheiro de escravidão. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.34.

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na Paz. 22 Havia sacrifícios, procissões e festivais em nomes dos deuses. As

inscrições encontradas em Braga testemunham esta riqueza religiosa, mas

também a tolerância religiosa desse povo.

Como as outras cidades da Hispânia, Bracara Augusta conheceu o Culto

Imperial. Através deste culto, que se iniciou com Augusto, rendia-se homenagem

às qualidades e virtudes dos imperadores, que foram tratados como os próprios

deuses. O povo levantava estátuas e fazia sacrifícios em nome do imperador, que

desta forma ganhava prestígio e poder. Em Semelhe, nos arredores de Braga, foi

encontrado um monumento dedicado a Augusto, que prova a importância deste

culto em Bracara Augusta. Há também inscrições dedicadas ao Génio de Augusto,

a Caius ou Lucius Caesar, que mostram a imposição do poder de Roma na região.

A partir de Tibério existiam templos e colégios sacerdotais 23 do Culto

Imperial. Em Braga a existência dos templos não foi verificada, todavia, havia dois

monumentos epigráficos que testemunham Deusa Minerva24

um culto já estruturado em colégios, um dedicado

à deusa Isis25, outro a Augusto.

Em Bracara Augusta estavam bem representados os

deuses clássicos do panteão. O deus mais importante era

Júpiter. Principalmente os soldados romanos nas suas estadias

em Braga dedicaram-lhe vários monumentos, como um altar

feito por Gaio Júlio Saturnino, ou uma lápide conservada na

parede do Hospital de São Marcos por Aemilius Crescens.

Marte, o deus agrícola, protector dos guerreiros, foi

adoptado como patrono de uma pequena comunidade de

pisoeiros residente nos subúrbios de Braga. Os deuses de saúde,

Hígia e Esculápio, o deus Evento e Mercúrio26 foram igualmente

honrados na cidade, mas há só poucas dedicatórias e os seus

22 A religião romana vem dos deuses Gregos e foi transformada em cirunstâncias romanas. Com a extensão do território do império a religião absorveu muitas outras formas da fé dos povos submetidos e tornou-se uma mitologia rica. 23 Ver glossário. 24 Estatueta de bronze. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.39. 25 Deusa da Mitologia Egípcia que foi, entre outras, integrada na mitologia romana. 26 Deus romano que levava mensagens ao seu pai, Jupiter.

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autores são desconhecidos. Julga-se que o culto do Mercúrio era principalmente

doméstico, representado pelas pequenas estatuetas da divindade. A deusa

Minerva, protectora das artes, dos ofícios, da guerra e da política, era

representada por várias estatuetas de bronze em vários locais da cidade.

Entre todos os cultos romanos sobreviveram os cultos indígenas,

representados principalmente por Nabia, uma divindade feminina das águas,

montanhas e florestas, que era uma das mais honradas pelos Bracari. Único altar

conhecido dedicado a ela foi encontrado na zona da Fonte do Ídolo. Nesta fonte é,

também, representada outra divindade indígena, Tongoenabiago. 27 Perto do

actual Museu D. Diogo de Sousa foram encontradas dois altares dedicados a

outros deuses indígenas, Senaico e Ambiorebi.

Dos cultos orientais que se imponham no Império, na zona de Braga era

mais conhecida a deusa Isis, honrada no século II.

Cristianismo foi conhecido no império graças a S. Pedro e S. Paulo que

começaram a divulgá-lo logo depois da morte do Jesus. Vários missionários

vinham a Península Ibérica e ensinavam os princípios dessa religião. Todavia,

Cristianismo foi visto como deslealdade ao imperador e foi perseguido,

principalmente por Nero. Uma das formas da região cristã era arianismo. Era

divulgado por um teólogo católico chamado Arius e é complicado definir porque

bastante controversial e não deixou nenhumas fontes escritas.28 Todas as formas

cristãs foram reunidas em 380 e o Cristianismo tornou-se a religião oficial do

império.

2.3 Actividade artesanal

Grande cidade como Bracara Augusta tinha uma actividade artesanal

intensa e bastante diversificada. As ruas animavam desde as primeiras horas da

manhã.

27 Divindade indígena ligada à águas. 28 A maior diferença entre o arianismo e cristianismo é que os cristãos acreditavam que o Jesus não foi concebido. Os arianos dizem que foi concebido e, por isso, tem o seu início. Mas o Deus é infinito e não tem nem fim nem início.

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Infelizmente, não há muitas referências sobre a organização dessas

actividades. Bem descrita encontra-se a actividade da olaria que tinha um

importante papel na vida económica da cidade e que floresceu devido à existência

de barreiros de boa argila nas proximidades de Braga. Entre os produtos

característicos da olaria romana conta-se a cerâmica doméstica produzida na zona

do Prado (cerca de Exemplo de cerâmica de Braga29

6km a noroeste de

Braga). A «cerâmica

bracarense» era

produto da melhor

qualidade. Tinha

formas delicadas da

pasta clara. No

entanto, ainda há

especulações sobre a origem desta cerâmica, que poderia ter sido tal de Bracara

Augusta, tal da zona da Via Nova, que se situa na actual Galiza.30

Foram encontradas umas pequenas lucernas assinadas pelo Lucretius. Esse

pode ter sido um oleiro com oficina em Bracara Augusta no fim do século I, tal

como L. Munatius Treptus, que era um oleiro do norte da África e que

provavelmente tinha aberto uma olaria na cidade.

Na encosta sudoeste da Colina do Alto da Cividade 31 havia um bairro

artesanal, cujas ruínas foram parcialmente escavadas. Outro equipamento de

utilidade indeterminada foi encontrado também na área dos Granjinhos (actual

Rua dos Granjinhos perto da Avenida da Liberdade).

Além da cerâmica havia também metalurgia o que foi provado com a

descoberta de moldes de sítulas com decoração geométrica.

Segundo as inscrições romanas, Bracara Augusta era um importante centro

do comércio na Península. Importavam-se sobretudo produtos alimentares, como

29 Cerâmica baixo-medieval de Braga encontrada nas escavações da R. da Nossa Senhora do Leite. MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.9. 30 Segundo uma outra fonte (História de Portugal, Volume I, p. 267) a cerâmica bracarense «produziu-se em Bracara Augusta entre a segunda metade do século I e os princípios do seguinte. Alcançou uma razoável difusão em todo o noroeste e chegou até à Cidade de Conímbriga.» 31 Nr. 5 no mapa do roteiro romano entre os anexos.

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ânforas. Especialmente a presença de ânforas vinárias béticas de proveniência

itálica, de origem gálica e oriental, mostram que o comércio do vinho tinha uma

grande importância, desde a época de Augusto até o fim do Alto Império.

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3. Vestígios romanos

A face de Bracara Augusta era semelhante a outras cidades romanas da

península. Havia um forum, 32 termas, casas nobres, templos, teatro, bairros

residenciais e mercados. Os monumentos mais notáveis serão descritos no

capítulo 4. Aqui vou mostrar uns vestígios romanos encontrados em Braga que

nos trazem umas únicas informações sobre a arquitectura e o plano da cidade.

3.1 Urbanismo

Apesar de ter hoje só poucos sinais, Bracara Augusta era rica e

monumental. Atingiu a sua máxima extensão nos séculos II e III.

Quase todas as ruínas conhecidas foram construídas na época flávia e

antonina. Não há dados relativos ao programa de obras augústeo, mas supõe-se

que nesta época apareceu o plano ortogonal com a orientação noroeste/sudeste,

quando antes tinha um plano irregular. Na zona das Carvalheiras33 e do Alto da

Cividade identificaram-se umas modulações quadradas com 150 pés de lado

(cerca de 44,33m). As ruas tinham uma dimensão média de 3m, excepto aquela

que dava acesso ao forum e que tinha 7,5m de largura. Uma das provas do

urbanismo romano é a rede do saneamento da cidade. Revelaram-se cloacas bem

conservadas. Outra prova são os numerosos pórticos.

Os dados sugerem que o traçado ortogonal manteve-se até à Alta Idade

Média, pois as remodelações realizadas entre finais do século III e inícios do IV

respeitaram a orientação geral das construções anteriores.

Os limites da cidade variaram bastante. Na era do Augusto, Bracara

Augusta ainda não tinha limites definidos. Tudo mudou com a construção de uma

poderosa muralha nos finais do século III. Alguns bairros artesanais desenvolvidos

na periferia do núcleo urbano foram incorporados na área intramuros pela

construção da muralha tardia, sendo outros sacrificados e desmontados para

obtenção de material de construção.

32 Forum era o grande espaço aberto que marcava o centro das cidades romanas. 33 Nr. 14 no mapa do roteiro romano entre os anexos.

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3.2 Arquitectura

Os conhecimentos disponíveis sobre a arquitectura romana em Bracara

Augusta são bastante reduzidos. Ou por causa de grande número de intervenções,

ou porque as estruturas encontram-se saqueadas até à rocha, faltam evidências

fundamentais para definir a arquitectura dos edifícios. Conhecem-se só dois

edifícios públicos: um são as termas do Alto da Cividade, do outro, identificado

sob a Sé, ficaram só os limites. Quanto às construções privadas, conhece-se só

uma planta completa de uma casa, nas Carvalheiras.

Os inúmeros vestígios doutras construções mostram, que no primeiro

momento construtivo (entre a segunda metade do século I e meados do II)

usavam-se colunas e blocos. O aparelho utilizado nos edifícios era de excelente

qualidade. As construções implantavam-se solidamente na rocha, possuindo, por

vezes, imponentes valas de fundação. Às vezes era necessário nivelar a rocha

para a preparação dos pavimentos, que resultou na destruição de eventuais

estruturas da Idade de Ferro.

A partir de finais do século II a qualidade da construção diminuiu bastante.

Em vez de blocos bem quadrados que se juntavam facilmente e que tinham uma

grande estabilidade, começaram-se usar os blocos irregulares e tijoleiras, que

colmatavam os interstícios. Os muros não eram estáveis e a estática das

construções ficou fraca. Nos séculos IV e V, a situação ainda piorou. Os novos

edifícios eram débeis por causa da falta de alicerces e da má qualidade da

maçonaria.

Todos os edifícios conhecidos em Bracara Augusta utilizaram o granito. A

utilização de mármores e dos mosaicos está documentada mas mal conservada

devido à elevada acidez do solo.

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3.3 Muralha

Desde o século XII atesta-se que Bracara Augusta tinha uma muralha. Uma

das descrições mais importantes, feita por Jerónimo Contador de Argote34, vem de

1721. Outra foi feita por José Teixeira35 em 1910. Várias escavações realizadas

desde 1976 testemunham a existência desta muralha. As intervenções na zona do

Fujacal (Rua do Fujacal perto da Avenida da Liberdade) descobriram um pano de

uma fortificação, cuja fundação data de finais do século III e inícios do IV. A

fortificação era definida por dois muros opostos de 4,20m de altura.

A estrutura era bastante larga e irregular por causa das reparações,

algumas das quais já feitas na época medieval, que prova que a muralha ainda

existia na Idade Média. O próprio circuito da muralha era usado como caminho,

até épocas recentes.

A muralha era parecida às suas Restituição 3D de um troço da muralha36

congéneres de Lugo e Astorga. Revelaram se

traços de dois torreões semi-circulares integrados

na estrutura da muralha. Numa intervenção no

cruzamento da R. dos Bombeiros Voluntários com

a Rodovia (Avenida da Imaculada Conceição,

Avenida João XXI, Avenida João Paulo II) em 1997

foi descoberto o alicerce de um possível torreão circular. Supõe-se, então, que

existiam mais alguns torreões em vários locais da

cidade.

O traçado norte é mais difícil identificar. Segundo a investigação do José

Teixeira a fortificação corria sob o edifício da Sé, mas as escavações de 1984 na R.

de Nossa Senhora de Leite37 não provaram esta afirmação.38 Só as escavações

feitas na Sé em 1997 identificaram uns vestígios de uma estrutura poderosa.

34 D. Jerónimo Contador de Argote (1676-1749) foi um escritor português. As obras dele falam de escolástica, filosofia mas, também, da cidade de Braga em Memórias Históricas do Arcebispado de Braga. <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/argote.htm> 25.4.08 35 José Teixeira (1859-1928) foi um investigador bracarense, autor de Os apontamentos arqueológicos de Braga. 36 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.43. 37 Nr. 20 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 38 Apesar de não revelar os traços da muralha, esta escavação teve bastante sucesso. Pois foram descobertos vestígios de um edifício do século I. Ver a página 31.

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3.4 Vias Vias que uniam Bracara Augusta ao exterior39

Pelo menos seis grandes

vias confluíam Bracara Augusta.

Cinco delas são citadas e

numeradas no Itinerário de

Antonino.

A via XVI ia de Olisipo

(Lisboa) e passava por zona de

actual Santarém, Tomar,

Conímbriga, Coimbra e Porto,

para terminar a sul de Braga. A

XIX vinha de Lugo até Lima e Tui.

A Via Nova (ou XVIII) saía de

Braga na zona da actual R. dos

Chãos fazia a ligação mais direita

com Asturica Augusta. Passava por território montanhoso e pouco povoado,

atravessava os rios Cávado e Homem. O seu traçado está identificado por várias

dezenas de miliários. Muitos ainda situam-se no seu local origem, como ruínas de

três pontes situadas no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

A única via que não está no Itinerário ligava Bracara Augusta com Emérita.

3.5 Necrópoles

Segundo as regras romanas, os cemitérios situavam-se sempre fora da

cidade, normalmente junto ou ao longo das vias que saíam dela. As necrópoles

ajudam assim definir os limites da cidade e os enterramentos bem conservados

facilitam a sua datação. As lápides funerárias dão preciosas indicações sobre a

condição social e origem dos mortos.

Até hoje detectaram-se seis necrópoles em Braga associadas às vias:

39 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.53.

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A de Maximinos, datada dos séculos I, II e III, foi melhor estudada.

Situava-se a sudoeste da cidade romana. As investigações revelaram umas

sepulturas de incineração em cova, com o espólio relativamente pobre, constituído

por cerâmica local.

Necrópole da via XVII situada na actual Avenida da Liberdade foi

confirmada pela descoberta de dois túmulos, no Largo Carlos Amarante. Uma,

intacta, foi escavada e removida. Era coberta por três pequenas lajes graníticas e

formada por uma caixa rectangular de tijolos. Dentro foi encontrada uma herança

valiosa: um anel, uma aro, um brinco, duas contas de colar, todos em ouro,

quatro alfinetes de cabelo de Sepultura medieval encontrada na Sé40

osso revestidos a folha de ouro, oito vasos de

cerâmica local, quatro unguentários, uma taça de vidro e

uma moeda. Isso pode afirmar que nesta sepultura foi

incinerada uma ilustre dama bracarense do século II, e que

esta necrópole era destinada aos cidadãos ricos.

Vários túmulos em forma de caixas, revestidos de

tijolos e tégulas encontraram-se na chamada Rodovia.

Enquanto a necrópole do Campo da Vinha (Praça

Conde de Agrolongo) corresponde à saída por Ponte de Lima,

a da Via Nova (Avenida António Macedo) assinala a via XVIII

do Itinerário Antonino.

A necrópole de S. Lázaro na zona da Rua da

Misericórdia não se enquadra em qualquer das necrópoles

conhecidas. As sepulturas são da primeira metade do século I. Assim, é provável,

que esta necrópole foi associada a uma via que ligava Bracara Augusta a Emerita

e não pertencia ao Itinerário Antonino.

Na necrópole da Rua do Caires foram encontrados enterramentos em forma

de covas, muitas vezes sem qualquer cobertura, que indica que era uma

necrópole dos pobres.

40 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.11.

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4. Monumentos principais de Bracara Augusta

Durante várias obras urbanas no século XX foram descobertos vestígios de

alguns edifícios romanos. Uns ficaram bem conservados, outros, menos, mas

todos nos trazem um rico testemunho do funcionamento e do quotidiano da

cidade romana. Já sabemos que Bracara Augusta tinha um alto poder e prestígio

no mundo romano, agora vamos ver a cidade com os seus monumentos principais

que conseguiram sobreviver dois milénios, considerando o ponto de vista histórico

e arquitectónico.

4.1 Termas Públicas do Alto da Cividade

O único vasto edifício público romano conhecido em Braga situa-se no

ponto mais alto da cidade, na área protegida da Colina do Alto da Cividade.41

Encontra-se a sudoeste da cidade romana. O edifício foi construído nos inícios do

século II e funcionava como balneário até aos inícios do século V,42 quando foi,

muito possivelmente, convertido em uma área habitacional. É um interessante

exemplo de funcionamento desses edifícios que pautavam o quotidiano dos

romanos.

A prática diária de banhos foi herdada dos Gregos e vulgarizada no século I.

No império inteiro havia edifícios especializados nessa função, chamados termas.

Estas eram ou privadas, integradas às habitações, ou públicas, como neste caso,

construídas a expensas municipais. As termas tinham várias utilizações. Além do

cuidado do corpo, eram usadas como o espaço social, cultural e do pequeno

comércio.

As termas funcionavam à tarde, abrindo ao meio-dia e fechando ao

anoitecer. Os espaços fechados eram utilizados para banhos, tal frios como

41 A Colina do Alto da Cividade é, também, erradamente chamada a Colina de Maximinos. A confusão surge da proximidade das duas freguesias. 42 Segundo a outra fonte (DELGADO, M., MARTINS, M., LEMOS, F. S. – Dossier - Salvamento de Bracara Augusta, FORUM, 6, Braga, 1989, p.26) as termas foram construídas na segunda metade do século I e utilizadas até finais do século III.

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quentes, e para massagens. Nos abertos, chamados palestras, praticavam-se

exercícios físicos.

Não há duas termas iguais no mundo romano, todavia, existe um esquema

básico da sua organização. A tecnologia de aquecimento, usando o sistema de

hipocausto,43 desenvolveu-se no século I a.C. O ar quente era produzido em uma

fornalha, situada em áreas de serviço fora do edifício, e circulava pelas câmaras

subterrâneas. Os hipocaustos eram construídos por colunas de tijolos, colocados a

intervalos regulares, ou por arcos, sustentando o chão dos compartimentos. O ar

quente circulava entre as colunas ou entrava nas paredes por tijolos ocos. A água

para as piscinas aquecia-se em caldeiras, colocadas sobre as fornalhas, e circulava

em canos de chumbo.44

As escavações das Termas Restituição 3D da fase I das termas45

da Cividade começaram em 1977 e

demoraram, com uns intervalos, até

1999. Uma rápida compreensão do

espaço tornou-se difícil. O calor e as

águas quentes, que circulavam pelo

edifício, causaram uma vasta

degradação da construção, que tinha

sido frequentemente reparada e

alterada. Umas destas remodelações

foram realizadas ao nível do subsolo e é então problemático datá-las. Os

sucessivos saques de pedra eliminaram importantes testemunhos da construção.

Por cima, as intervenções nos anos 70, principalmente a abertura de valas para

implantação do saneamento, fizeram a leitura do edifício ainda mais complicada.

No entanto, os hipocaustos das salas quentes, os frigidários46 e as fornalhas, onde

os escravos queimavam a lenha, para aquecer as salas, são facilmente

reconhecíveis, tal como as condutas que recolhiam a água das piscinas. 43 Os hipocaustos eram câmaras ocas, sob os pavimentos das salas, por onde circulava o ar quente produzido em fornalhas. 44 A planta e o funcionamento das termas está descrito em detalhes entre os anexos deste trabalho. 45 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.18. 46 Os frigidários eram as salas de termas onde se tomavam banhos frios.

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Desde o início das escavações eram encontrados vários hipocaustos de

épocas diferentes, todavia, só em 1980 surgiu a possibilidade das termas terem

sido construídas sobre um edifício anterior, que foi confirmado nos anos 90.

Descobriu-se que as termas encontravam-se no sítio de uma insula, que ocupava

a área no século I, e cujo funcionamento é difícil de definir. Desta construção

conservou-se um conjunto de pilares, usados, mais tarde, como contrafortes dos

compartimentos das termas.

O edifício era rectangular, com 150 pés (43,5m) de comprimento e 40 pés

de largura (cerca 12m). Das ruas limítrofes só se conservou aquela que ladeava o

edifício ao sul. A relação entre as termas e o centro da cidade fica desconhecida,

pois os vestígios foram perdidos, por causa das construções modernas. Como área

a norte e sul do edifício ainda não foi escavada, sabe-se muito pouco dela.

Do século II datam-se, também, os alicerces de um edifício semi-circular,

situados nos limites da insula. Segundo as suas características e dimensões,

poderiam corresponder a um teatro. É indiscutível que era um edifício público,

cuja implantação foi pensada em articulação com as termas.

Julga-se que na cidade existiam mais algumas termas com as mesmas

funções. Os banhos eram uma prática fundamental na vida quotidiana dos

romanos, por razões tanto higiénicas quanto sociais, pois funcionavam como

ponto de encontro das elites urbanas. O edifício das termas estava situado no

ponto mais alto da cidade, por isso a palestra permitia uma vista magnífica

durante os exercícios físicos.

Apesar de todo o calor, circulação de água e a utilização intensa, as termas

eram quase sempre mantidas graças ao cuidado do município e às frequentes

remodelações. Uma delas, nos finais do século III e inícios do IV, alterou

profundamente a organização dos seus espaços. A área das termas foi bastante

reduzida. Umas salas quentes foram transformadas em frias, como acontecia em

outros edifícios termais da mesma época.

Quando os Suevos instalaram-se em Braga, no século V, as termas

deixaram de ser utilizadas, pois este povo, com os hábitos cristãos, não era muito

favorável à prática dos banhos públicos.

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4.2 Zona arqueológica das Carvalheiras

Um bairro residencial romano foi descoberto em 1983 a oeste do Campo

das Carvalheiras 47 , onde se previa construir uma escola e infra-estruturas

desportivas. Escavou-se uma insula inteira limitada por quatro ruas e traços de

mais duas insulas menores. Os limites, muros, desta zona foram

bastante destruídos. A oeste Casa das Carvalheiras, modelo 3D48

conservou-se apenas um traço

de um pórtico.

Mas a conservação deste

quarteirão intacto permitiu a

compreensão da malha urbana de

Bracara Augusta. Primeiro, definiu

um módulo de construção e,

segundo, possibilitou a

recuperação completa da planta de uma casa. Foi possível esclarecer várias fazes

de construção, recolher elementos da arquitectura e fornecer uma sequência

de materiais para os quatro séculos da sua ocupação.

O problema com o terreno foi resolvido, de um modo inteligente, pois a

casa romana das Carvalheiras tinha duas plataformas. Foi construída na época

flávia, posteriormente ao ano 70 do século I e era um modelo clássico de casa de

átrio e peristilo. Os pórticos que rodeavam a casa davam acesso a lojas. A casa

era usada até aos finais do século IV e inícios do V. Os terrenos não foram

posteriormente construídos, pois a área ficou fora da cidade medieval, que

favoreceu a boa conservação. Todavia, tal como aconteceu nas outras estruturas

romanas, alguns muros foram saqueados ate à rocha. Os muros tardios, do Baixo

Império, são melhor conservados e mostram os elementos arquitectónicos das

entradas dos compartimentos, principalmente as soleiras e ombreiras. Foram

encontrados materiais da primeira metade do século I, que surge a teoria que a

casa foi construída sobre algumas construções mais antigas.

47 A zona das Carvalheiras situa-se no noroeste da Bracara Augusta, perto do antigo centro romano, o forum. 48 MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000, p.19.

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Apesar da casa, foi também descoberto um cruzamento de duas ruas

lajeadas. Uma delas era ladeada por muros, correspondendo a fachadas de

edifícios por quais era ladeada. Posteriormente, os edifícios foram remodelados e

foram postas novas fachadas, conservando o mesmo alinhamento da rua.49

Em 1995 foi descoberta a inteira habitação. Até ao momento foi única casa

romana completamente escavada. É então um interessante exemplo da

arquitectura privada. Como as outras casas descobertas em Braga, esta casa era

ladeada por pórticos e tinha muitas lojas ao longo das fachadas no piso térreo da

casa.

Após o seu abandono como zona residencial da cidade romana, passou a

ser usada como espaço agrícola, o que justifica a boa conservação das ruínas.

4.3 Fonte do Ídolo

Fora a muralha romana há Fonte do Ídolo segundo Rebelo Barbosa50

um monumento que sobreviveu

perfeitamente intacto até a nossa

era, a Fonte do Ídolo. 51 É um

santuário rupestre, dedicado a

Tongoenabiago, 52 uma divindade

fluvial indígena.

A fonte era talhada em um

afloramento rochoso, especialmente cortado para o efeito. Era formada de uma

superfície vertical com cerca de três metros de largura. A estátua tem cerca de

1.10m, encontra-se em um grande estado de degradação então é impossível dizer

se é feminina ou masculina. Consegue-se dizer que é vestida em uma toga e na

mão segura algum objecto, provavelmente uma cornucópia. 53 À esquerda da

cabeça é visível uma inscrição: [CEL]ICVS FRONTO ARCOBRIGENSIS

49 As plantas e o funcionamento da casa está descrito em detalhes entre os anexos deste trabalho. 50 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.70. 51 Nr. 26 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 52 Segundo outra fonte, a divindade chama-se Tongoenabiegoi. (LEMOS, F. L. – Fonte do Ídolo: História e contexto arqueológico do monumento, ASPA 2002, p. 12). 53 Ver glossário.

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AMBIMOGIDVS FECIT = Celico Fronto, de Arcóbriga, Ambimógido fez (este

monumento). À direita há um busto. Do lado de esquerda do busto está escrito o

nome do Celico Fronto. À esquerda, já fora da pequena edícula54, pode-se ler o

nome da divindade Tongoenabiago. Segundo uma teoria, a estátua é a deusa

Nabia adorada pelos Bracari e a figurinha na edícula é Tongoenabiago.

Os vestígios de colunas, tégulas, ímbrices55 e aras epigrafadas, descobertos

nas investigações nos anos 50, levam à hipótese que havia ali um templo, ou

outra construção associada ao santuário.

A Fonte foi, provavelmente, descoberta entre a segunda metade do século

XVII e os inícios do XVIII, durante o desenvolvimento da nova cidade barroca.

Nesta época foi construído o Palácio do Raio, que se encontra cerca de 50 metros

da Fonte. Mesmo assim, a Fonte ficou escondida em um quintal em uma das

casas da rua do Raio, só citada pelos estudiosos de epigrafia à partir de 1732.

Em 1910 a Fonte foi classificada como Monumento Nacional. Só em 1936 a

Câmara Municipal decidiu adquirir o quintal, e no ano seguinte começou com as

investigações da área. Foi encontrada muita tégula e tijolo. Em 1995 uma equipa

de geólogos publicou um relatório sobre o estado da conservação da Fonte,

recomendando umas obras de conservação que nunca foram realizadas. Em 2002

a arquitecta Paula Silva da Universidade do Minho preparou um projecto da

musealização. O objectivo dela foi cobrir a Fonte e protegê-la contra as

intempéries e desenvolvimento urbano e oferecer condições de visita.

Hoje em dia a Fonte secou. Provavelmente devido à construção de uma

grande cisterna subterrânea durante as obras de restauro do Teatro Circo na

Avenida da Liberdade em 2002. Durante a construção da Torre dos Granjinhos, de

um centro comercial e de um parque de estacionamento situados atrás da Fonte,

foram encontrados tanques romanos, alimentados pelo manancial da Fonte.

54 Ver glossário. 55 Ver glossário.

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4.4 Cloaca Romana e Pórtico

Na zona da actual Biblioteca Pública 56 encontrou-se um troço bem

conservado de uma grande cloaca. Era ligada com uma rua de 7,5m de largura,

que estava ladeada por pórticos. Estas ruínas interessantes foram bem

conservadas, que nos ajuda a compreender o urbanismo de Bracara Augusta.

A cloaca está definida por dois muros de granito e coberta por grandes

lajes, por cima dos quais corria uma rua, usada ainda na Idade Média. Em alguns

locais as a estrutura atinge a altura de 1,60m. A intervalos regulares são visíveis

as bocas de outros esgotos que nela vinham desembocar.

4.5 Domus de Santiago

As investigações realizadas durante de Planta de estruturas do Domus57

obras de restauro no Inverno de 1966, no claustro

do Seminário de Santiago (Largo de S. Paulo),

revelaram um peristilo de um domus do século I,

rodeado de um pórtico. Graças ao Reitor do

Seminário, o Cónego Luciano

dos Santos, as ruínas foram poupadas e escavadas,

por uma equipa do Museu Monográfico de

Conímbriga.

No centro da área porticada foi descoberto

um tanque revestido de mosaico, com decorações de

golfinhos, construído durante as remodelações entre finais do século III e inícios

do IV.

O domus foi bastante mal conservado. No claustro podem-se ver pedaços

do mosaico, as restantes partes da casa, inclusivamente um hipocausto de uma

área privada de banhos, situa-se sob o actual edifício do Seminário.

56 Nr. 19 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 57 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.68.

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4.6 Ruínas das Frigideiras do Cantinho

Em 1996 foi descoberta uma casa romana datada do Baixo Império no

subsolo do Café Frigideiras do Cantinho, no Largo S. João do Souto.58 Esta casa

tinha um corredor de circulação, que se abria a ocidente através de uma porta, a

um largo compartimento. Outro quarto

era aquecido por sistema de hipocausto Perspectiva das ruínas59

com colunelos, que prova que a casa

tinha banhos privados, como muitas

outras em Bracara Augusta. Os muros

foram bem conservados, que levou à

sua musealização.60

4.7 Edifício romano da Rua da Nossa Senhora de Leite61

Durante as escavações na Sé em 1984 foi descoberto um edifício romano

datado do século I. Revelou-se um muro romano de 13m, que suportava uma

coluna. A função da casa ainda não está definida, todavia supõe-se que era ou

templo ou mercado.

Além dos traços romanos, foram escavadas estruturas medievais, como uns

restos de uma necrópole e cerâmica.

4.8 Casa do Poço

Durante umas obras na freguesia de Maximinos em 1969, foi descoberta

uma casa romana, do século I, constituída por um poço de 9,70m de

profundidade. Esse ocupava o centro de um átrio com compartimentos adjacentes

que ficaram para definir.

O conjunto, depois de ser posto à vista, foi criminosamente arrasado por

causa da construção urbana em Braga. 58 Nr. 22 no mapa do roteiro romano entre os anexos. 59 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.69. 60 Em colaboração com o Museu D. Diogo de Sousa, as ruínas foram tratadas e iluminadas. Hoje em dia é possível a sua visualização por cima, através um vidro. 61 Rua Nossa Senhora de Leite fica atrás da Sé.

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5. As escavações

Bracara Augusta desapareceu durante os séculos. Ficaram apenas umas

raras descrições em vários textos históricos e geográficos. O nosso conhecimento

da cidade vem das longas e complicadas escavações. A problemática dos estudos

da cidade romana desde o seu início até aos nossos dias será representada neste

momento.

Primeiras referências escritas sobre as investigações da cidade romana

conhecem-se desde Renascimento. O Arcebispo de D. Diogo de Sousa abriu novos

horizontes no desenvolvimento urbano de Braga e reuniu no Campo de Santa

Ana62 uma colecção de marcos miliários romanos.

Outras referências vêm do século XVII, quando D. Rodrigo da Cunha falou

sobre a fundação romana, as ruínas de edifícios da época e a fama da cidade de

Braga na «História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga»: «Sua primeira fundação

e assento não foi no lugar onde hoje se vê. Teve seu princípio junto à Igreja de

São Pedro de Maximinos onde se mostram hoje ruínas de grandes edifícios, que

dão testemunho da sua antiga majestade, e ainda aparece um como meio círculo,

lugar onde estava o anfiteatro em que os Bracarenses, ao modo romano,

celebravam suas festas. E correndo de S. Pedro até o hospital de São Marcos se

vêm ruínas que mostram que até ali se estendia a cidade antiga. Também há

rastos de haver aquedutos...» 63 e «As memórias antiguas, que ha em Braga

mostrão que foi sempre cidade grandiosa.»64

No século seguinte, D. Jerónimo Contador de Argote nas «Memórias de

Arcebispado de Braga» lamentou a negligência dos seus contemporâneos que

abandonavam os vestígios e os monumentos da antiga cidade romana e decidiu

começar a descrever as ruínas. Tentou interpretar as inscrições, traçar os limites

da antiga muralha e dedicou-se principalmente à investigação da Fonte do Ídolo.

62 A Capela de Santa Ana ficava na zona da actual Avenida Central. 63 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 2. 64 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 24.

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Primeiro interesse aprofundado pela história da cidade houve só no século

XIX. Três intelectuais: José Teixeira, Pereria Caldas e Albano Belino,

coleccionavam materiais, recolhiam informações e assim criavam documentos que

hoje em dia servem como fontes preciosas a quem quiser estudar a história da

cidade romana.

No século XX, Braga começou a crescer rapidamente. As construções

urbanas concentraram-se, principalmente, na zona do Alto da Cividade e da Colina

de Maximinos, destruindo preciosos monumentos romanos, como a Casa do Poço,

residência com mosaicos e panos de muros. Se a construção tivesse continuado,

as Termas do Alto da Cividade teriam sido completamente destruídas. Apesar do

aparecimento de muitos vestígios romanos durante as construções novas,

ninguém pensou em investigar o subsolo bracarense nem de criar um museu do

passado romano.

«A arqueologia fazia-se em Braga correndo atrás dos bulldozers.»65 Não

existia nenhum sistema de regras da protecção arqueológica. As companhias

seguiam a demanda da construção e do dinheiro e iam contra todos os protestos

culturais e históricos. Não havia nenhuma força governamental que se preocupava

com essa problemática nem que os ia parar. Mesmo assim os poucos alarmados

conseguiram escavar três necrópoles e algumas construções na zona de

Maximinos.

Depois de uns anos de protestos contra toda essa destruição, só em 1974

foi criada a zona histórico-arqueológica da protecção ao património cultural de

Braga, bem definida66 e comunicada à Câmara Municipal. A criação deve-se à

Junta Nacional de Educação e ao seu delegado José João Rigaud de Sousa. Todas

as obras nessa zona começaram a ser acompanhadas para evitar a destruição de

vestígios «pois que não será de esperar que os empreiteiros tomem a iniciativa de

denunciar, conforme a legislação, tudo aquilo que possa surgir nas obras.» 67

65 Dr. Nunes. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 3. 66 Limites da zona arqueológica: Campo da Vinha, Rodovia, Avenida da Liberdade, Rotunda de Maximinos e Rua da Cruz de Pedra. 67 José Rigaud de Sousa. NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 32.

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Todavia, a Comissão Administrativa, que na altura tratava daquela autarquia,

ignorou a protecção e continuou as obras.

As maiores iniciativas concentraram-se na Universidade do Minho por volta

do arquitecto Álvaro Cameira. Assim, em 1976, foi elaborado o relatório sobre a

«Situação da Arqueologia Bracarense» acompanhado por plantas e fotografias.

Simultaneamente aos passos académicos, os cidadãos, que ficaram cada

vez mais alarmados com as destruições sucessivas, constituíram, em Fevereiro de

1976, uma Comissão, a C.O.D.E.P,68 que era o embrião da futura A.S.P.A.69 Estes,

sobretudos funcionários da Universidade do Minho, pretendiam «chamar a si a

tarefa de Braga» e começaram então a pressionar o Governo e as instituições

locais para que se inicie o Salvamento de Bracara Augusta. O grupo inicia

imediatamente «uma violenta campanha de denúncia e de sensibilização sobre a

importância dos vestígios arqueológicos da Colina de Maximinos e alertando

quanto ao perigo da sua eminente destruição.» 70 A C.O.D.E.P. orientada pelo

Jorge de Alarcão promove reuniões públicas e junto com o Campo Arqueológico

criado pela Universidade do Minho contrata o arqueólogo Francisco J. S. Alves

para dirigir as escavações.71

Em Maio desse ano, começaram os trabalhos arqueológicos72 na Colina de

Maximinos, com a colaboração de cinco estudantes do Serviço Cívico. Em Outubro

foram descobertas estruturas romanas cinco metros abaixo da Rua de S.

Sebastião. Uma taça de vidro quase intacta foi revelada na Rua dos Bombeiros

Voluntários. Nesta zona revelaram-se várias habitações e lajeadas.

A 19 de Novembro 1976, o Ministro de Administração Interna, Coronel

Costa Brás, afirmou: «Os valores arqueológicos serão defendidos e preservados.

Se for preciso recorrer a demolições, haverá demolições; se for necessário

expropriar, haverá expropriações.»73 Esta exclamação foi prosseguida por a do

68 C.O.D.E.P. = Comissão de Defesa e Estudo do Património. 69 ASPA = Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural. 70 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 3. 71 Henrique M. Barreto Nunes, director da Biblioteca Pública de Braga, entre outros, passou a fazer parte do Campo Arqueológico só em 1977, apesar de a sua contratação ter sido proposta desde o início do seu funcionamento. 72 A sede dos trabalhos arqueológicos era o Palácio dos Biscaínhos. 73 DELGADO, M., MARTINS, M., LEMOS, F. S. – Dossier - Salvamento de Bracara Augusta, FORUM, 6, Braga, 1989, p. 7.

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Primeiro Ministro Dr. Mário Soares de 20 de Novembro: «Não se construirá mais

em Braga sobre ruínas romanas.»74

A C.O.D.E.P. termina a 30 de Janeiro de 1977 dando origem a Associação

para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural (ASPA).

A partir do fim dos anos 70, efectuam-se salvamentos de emergência,

motivados por questões pontuais, como abertura de valas para saneamento,

cabos telefónicos ou electricidade.

Na primeira metade dos anos 80, as escavações continuaram. As ruínas das

Termas foram abertas ao público, principalmente aos alunos das escolas da cidade

e da região. Foram feitos os planeamentos para a construção do Museu D. Diogo

de Sousa, na Rua dos Bombeiros Voluntários.75

Em 1987, o município, sem prévio aviso, começou a construção de um

parque subterrâneo de estacionamento, na Cangosta da Palha (perto da Avenida

Central). Assim destruiu dezenas sepulturas romanas. O salvamento imediato

conseguiu ainda escavar oitenta túmulos.

O processo de Salvamento de Bracara Augusta permitiu a criação de uma

Escola de Arqueologia, que hoje investiga a pré-história e a proto-história da

região do Minho.

Todos os materiais recolhidos foram registados, acondicionados e

restaurados, pelo Laboratório de Tratamento e Restauro de Cerâmica, que

compete ao actual Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa.

A conservação dos traços romanos tem uma grande dificuldade: o clima

húmido do noroeste de Portugal. A matéria elementar para as construções

romanas era granito, qual, quando descoberto à pluviosidade, é rapidamente

destruído. Isto implica a política cuidadosa de escavações. É absolutamente

necessária a cobertura de muros antigos antes da sua revelação. Assim foi

construída uma cobertura metálica sobre as Termas do Alto da Cividade, que

permite a observação das ruínas tal como o prosseguimento dos trabalhos, e o

edifício sobre a Fonte do Ídolo.

74 DELGADO, M., MARTINS, M., LEMOS, F. S. – Dossier - Salvamento de Bracara Augusta, FORUM, 6, Braga, 1989, p. 8. 75 Nr. 7 no mapa do roteiro romano entre os anexos.

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Ideias de coleccionar as peças arqueológicas surgiram já no século XIX.

Todavia, limitaram-se só às colecções de miliários. As peças reunidas pelo Albano

Bellino76, após a sua morte, foram para Guimarães e Lisboa. Só em 1918 a cidade,

finalmente, conseguiu fundar um Museu, onde se iam juntar as peças

arqueológicas encontradas na cidade.

Com a criação do Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa, em

198077, resolveu-se o problema aonde pôr as dezenas de fragmentos de cerâmica

e de outros objectos, recolhidos diariamente nas escavações. A Câmara Municipal

foi obrigada a tratar da herança histórica e, por isso, implementou normas de

construção: «Tendo em vista a salvaguarda e revitalização do grande conjunto

urbano que constitui o Centro Histórico da cidade de Braga são definidos

objectivos gerais a atingir para garantir a conservação e preservação da imagem

do Centro Histórico. Todas as obras de restauro, remodelação, construção,

ampliação, e construção de raiz, a levar a efeito no Centro Histórico carecem de

licenciamento municipal e têm de obedecer às normas e princípios estabelecidos

em regulamento.»78

76 Albano Bellino (1863-1906) foi um investigador e arqueólogo bracarense que defendeu o património hitórico de Bracara Augusta e coleccionou os vestígios romanos. <http://www.csarmento.uminho.pt/ftp/docs/CatalogoBelinoWeb.pdf> 25.4.08 77 O Museu foi criado em 1980 em condições limitadas sem dar acesso ao público. Só em 2007 foi aberto o edifício na Rua dos Bombeiros Voluntários que promove os serviços de museu moderno. 78 <http://www.cm-braga.pt/wps/portal/publico/kcxml/04_Sj9SPykssy0xPLMnMz0vM0Y_QjzKLt4w3tDAHSYGYnsH6kehCQRhCxt7uEDFjbx-4WIgrVMzFFSZmaGGM0OvrkZ-bqh-k760foF-QGwoEEeWOjoqKAMB9sww!/delta/base64xml/L3dJdyEvd0ZNQUFzQUMvNElVRS82XzlfMTg1> 10.4.08

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Conclusão

Bracara Augusta nos séculos II e III era uma das cidades mais

desenvolvidas no Império Romano. Tinha tanta influência na Península Ibérica que

até se podia comparar a Roma na Península Apenina. O cruzamento das vias

garantia o constante movimento das pessoas e produtos e das fontes culturais

romanas que se rapidamente integravam no quotidiano dos habitantes da cidade.

Por meio das fontes usadas, esse trabalho expôs a origem e a fundação de

Bracara Augusta, as remodelações que a cidade sofreu e a sua transformação na

cidade medieval. Deu conta da vida quotidiana dos cidadãos, da sua religião e dos

costumes quanto ao enterramento. Descreveu o sistema das vias que passavam

pela cidade e as necrópoles que lhes acompanhavam. Pôs uma ênfase

considerável nos vestígios romanos encontrados em Braga tal do ponto de vista

histórico, como do arquitectónico.

Última secção do trabalho falou da problemática das escavações e dos seus

maiores obstáculos: grande pluviosidade na zona do norte de Portugal, que causa

uma rápida destruição dos traços romanos, e a indiferença dos construtores e das

instituições responsáveis pelo património histórico do país. Além disso, supõe-se

que vários vestígios romanos ainda esperam por serem escavados.

Todos os factores mencionados causaram que o esplendor de Bracara

Augusta desapareceu mais depressa do que o de outras cidades e que, por isso, a

cidade ficou injustamente esquecida. Se a cidade tivesse melhor condições do

tratamento dos vestígios, podia mostrar que, pelo menos, equivalia a, se não

ultrapassava, todas as cidades romanas em Portugal.

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RESUMÉ

Tématem této práce je římské město Bracara Augusta, které sehrálo

důležitou roli v dobách římské přítomnosti na Pyrenejském poloostrově. Stručně

popisuji původní kmeny na poloostrově a příchod, rozkvět a konec římského

působení ve městě.

Dále se věnuji vykreslení života a každodennosti obyvatelstva a skutečnému

obrazu městského panoramatu. Nejznámějším pozůstatkům je věnována zvláštní

pozornost a jejich fungování je detailně popsáno.

V závěrečné části práce osvětluji problematiku vykopávek od jejích počátků

až do dnešní doby. Zmiňuji organizace zabývající se ochranou a správou

vykopávek a rozšiřováním povědomí o tomto římském městě mezi veřejností.

The topic of this thesis is the Roman city of Bracara Augusta that played an

important role in the era of Roman presence on the Iberian Peninsula. I describe

briefly the native tribes of the peninsula, the prosperity and the declination of the

Roman influence in the city.

I also concentrate on the everyday life of its inhabitants and the real

panorama of the city. The most known monuments are given a special attention

and their function is covered in detail.

In the last part of the thesis I explain the problems of excavations since

their beginning until the present moment. I mention the organizations that take

care of the protection and treatment of the excavations and divulgation of the

notion about the Roman city among public.

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Bibliografia

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Lisboa/São Paulo, 1998

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LEMOS, F. L. – Fonte do Ídolo: História e contexto arqueológico do monumento,

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HOUAISS, António et kol., Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro, Editora Objectiva, 2004

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KLÍMA, J. – Dějiny Portugalska, Lidové noviny, Praha, 2007

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MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000

MARTINS, M. – Termas Romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho,

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NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos

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SARAIVA, J. H. – História Concisa de Portugal, Publicações Europa-América, 1993

TAVARES, M. – Portugal Romano, Caderno de Apoio, Universidade Aberta, Lisboa

1992

Všeobecná encyklopedie ve čtyřech svazcích, Nakladatelský dům OP Diderot,

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<www.wikipedia.org>

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Glossário básico

Apoditério – sala de termas onde se despiam os visitantes

Caldário – sala das termas dos banhos quentes

Cloaca – colector de esgoto, canal destinado a receber dejecções

Colégio Sacerdotal – escola romana que criava padres/ministros do Culto Imperial

Cornucópia – vaso com frutas e flores, símbolo de fertilidade

Domus – casa nobre de rica família romana

Edícula – casa pequena, nicho para colocar a imagem de santo

Frigidário – sala de termas dos banhos frios

Hipocausto – sistema de aquecimento das salas levantando o pavimento por meio

de pilares ou arcos de tijolos, sub o qual era criada uma caixa de ar por onde

circulava o ar quente

Ímbrice – tipo de telha

Insula – quarteirão; prédio de rendimento dividido em apartamentos

Ortogonal – que forma um ângulo de 90 graus

Palestra – área descoberta das termas, destinada à prática de exercícios físicos

Pé – medida romana equivalente a cerca de 29cm

Sacerdotal – quem ministra os sacramentos da igreja, padre

Tepidário – sala tépida das termas

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Anexos

Mapa dos vestígios romanos em Braga

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Planta da muralha romana e medieval79

79 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 235

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Mapa da actual cidade de Braga (parte esquerda)

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Mapa da actual cidade de Braga (parte direita)

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Mapa da actual cidade de Braga (legenda)

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A Constituição da CODEP e os seus comunicados escolhidos80

80 NUNES, H. B. – O Salvamento de Bracara Augusta, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1978, p. 6, 14, 15, 16, 19, 25

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RESPOSTA À CODEP

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As plantas das Termas Públicas do Alto da Cividade e o seu

funcionamento

FASE I:

Planta do edifício das termas do Alto da Cividade na fase I (início do século II)81

A entrada às termas fazia-se a sul, por pequeno pórtico colunado (1), com acesso a um

átrio (2). À esquerda ia-se para um pequeno compartimento (3) que dava acesso às latrinas (5). À

direita era um pequeno cubículo (4) que permitia entrar na área dos serviços (18), com uma

fornalha (Pr1). Esta zona foi bastante destruída. Podemos observar só as marcas dos pilares do

pórtico.

Do átrio entrava-se em uma sala enorme, o apoditério (6), cerca de 40m², onde os

banhistas se despiam. No Inverno era aquecido por um hipocausto. Esta sala possuía uma piscina

de água fria (7) de 24m². Era o compartimento maior das termas e ficou relativamente bem

conservada. Daí, saía-se para um corredor (8) que permitia aceder à palestra (24), ou, por uma

passagem, com um vão de 1,6m de largura, ao frigidário (9), uma sala de banhos frios, onde se

iniciava o circuito de banhos. Era um compartimento rectangular, cerca de 35m² de área, que dava

81 MARTINS, M. - Bracara Augusta, Cidade Romana – Universidade do Minho, 2000, p.58.

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acesso a um outro (10), onde se aplicavam ou retiravam os óleos. Seguia um compartimento de

transição entre os banhos frios e quentes, chamado tepidário (11), aquecido por uma fornalha

(Pr2), localizada na área de serviços ao este (17). Do tepidário acedia-se a outra sala quente (12),

aquecida indirectamente pela fornalha norte (Pr3), que possuía uma pequena piscina e que dava

acesso, finalmente, a uma sala de banhos quentes, o caldário (13). Aqui situava-se uma piscina

semi-circular. A sala era muito quente, pois era aquecida directamente pela fornalha norte (Pr3),

situada na área de serviços (14), e pelo ar, que circulava pelas paredes através de tubos. Na área

norte (19) havia uma cisterna de forma circular (16), onde se deixava a água necessária às

caldeiras.

A zona de serviços situada a norte (14) era a maior das termas. Aí armazenava-se a lenha

que era necessária para o aquecimento das salas e das piscinas (14). Os compartimentos em

anexo (20 e 21) funcionavam como um espaço de arrumo. Tinham um piso superior com lojas

viradas para a rua norte.

A água era aquecida em caldeiras colocadas sobre as fornalhas e depois circulava pelas

paredes, através de tubos.

As salas aquecidas eram cobertas por abóbadas, construídas com tijoleiras dispostas em

arco. Estas abóbadas eram revestidas internamente por uma argamassa de estuque e

externamente por uma hidrófuga (protecção contra humidade) de revestimento.

A descoberta de dois núcleos independentes das salas aquecidas e as dimensões do

edifício, sugerem, que as termas eram provavelmente duplas, com uma parte masculina e a outra

feminina.

O circuito de utilização das termas encerrava-se, normalmente, nas piscinas frias onde se

fechavam os poros. Depois dava-se uma passagem na palestra, ou uma última massagem com

óleos e perfumes, encerravam.

A palestra (24) era acessível por várias portas na fachada oeste. Era um espaço amplo

aberto, com uma escadaria na parte ocidental. O muro alto, que limitava a área por oeste, tinha

um vão de colunas, que permitia uma bela vista sobre os horizontes.

FASE II:

No século II as termas foram profundamente remodeladas. As paredes, todas de granito,

eram solidamente implantadas na rocha. O que se conhece melhor são os espaços aquecidos,

definidos pelos hipocaustos. Esses tinham uma base onde se implantavam, regularmente,

espaçados de 45/50cm, as colunas de tijoleiras de 60cm de altura. Foram encontradas três

fornalhas, que se justificam pelo clima frio da região. A do norte (Pr3) era de canal exterior. (Pr1)

aquecia o apoditério, mas nada se conservou dele. Foi só possível reconhecê-lo por restos da terra

argilosa queimada. A fornalha que aquecia o tepidário (Pr2) era quadrangular e tinha o pavimento

de granito.

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Como a água chegava ao edifício é desconhecido. Supõe-se que era através de um

aqueduto com origem nos montes a nordeste de Braga. A estrutura semi-circular (16) na área de

serviços era um reservatório que abastecia a caldeira. À piscina do apoditério a água chegava,

provavelmente, através um reservatório situado no sul das termas, que ainda não foi detectado. A

água suja saía por três grandes eixos. Um corria do lado exterior e recebia as águas das salas

quentes situadas a norte (12 e 13). Outro corria sob os hipocaustos do tepidário e apoditério. O

terceiro recolhia a água da piscina do apoditério e passava sob o pavimento de latrinas (5). Os três

desembocavam em um canal de drenagem, que era implantado na rocha formando uma caixa com

paredes de pedra e coberta de material laterício.

As termas do Alto da Cividade eram típicas para a parte norte-ocidental do Império. Os

balneários desta região careciam uma piscina grande e descoberta. Por outro lado, tinha muitos

hipocaustos que era bastante excepcional. Por cima há, também, claras analogias com os

exemplares mediterrâneos, possuindo uma palestra.

Planta do edifício das termas do Alto da Cividade no século III 82

Todos os séculos trouxeram umas novas remodelações. Nos finais do século III e inícios do

IV, alteraram tal a morfologia, tal a circulação das termas. Todos os novos muros são irregulares,

incorporando tijoleiras. O caldário foi transformado em zona de serviços com um novo hipocausto

82 MARTINS, M. – Termas Romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho, 2000, p.34.

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(Pr4). As áreas no sul juntaram-se em um espaço frio, com o funcionamento do apoditério. As

salas quentes (4, 5 e 6) situavam-se na parte oeste em um bloco compacto, que facilitava a

conservação do calor.

Da entrada (1), que ficou igual, continuava-se a um grande apoditério (2), que podia ser

utilizado para os exercícios físicos durante o Inverno. Daí entrava-se em um amplo frigidário (3).

Com as suas dimensões de 12mx7,4m, era utilizado para massagens. Das salas 4 e 5, que tinham

o ambiente tépido, prosseguia-se ao caldário (6) com uma pequena piscina a oeste. Do caldário,

os utentes voltavam ao tepidário para entrar na palestra (11) ou dirigir-se novamente ao frigidário.

FASE III:

Planta do edifício das termas do Alto da Cividade no século IV83

A remodelação do em meados do século IV,

transformou, principalmente, a salas quentes. A zona

de serviços na parte norte do edifício foi

completamente abandonada e a fornalha (Pr4)

deixou de ser utilizada, sendo aberta uma nova na

fachada oeste (Pr5). Por isso, a organização das

salas tinha de ser mudada. O antigo caldário (6) foi

transformado em sala fria. O novo hipocausto era

construído por colunas, desta vez não feitas de

tijoleiras.

A entrada (1), o apoditério (2) e o frigidário

(3) ficaram iguais. Do frigidário continuava-se a um

tepidário (4), que possuía uma pequena piscina. Do

segundo tepidário (5), entrava-se em caldário (6). As

termas tinham mais uma sala fria (7) com uma

pequena banheira. Como a sala 5 dava acesso a uma

sala quente, uma fria e um tepidário no mesmo momento, os banhistas tinham várias

possibilidades de circulação.

Sobre a área da antiga palestra (8), a fonte84 não fala.

83 MARTINS, M. – Termas Romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho, 2000, p.38. 84 MARTINS, M. – Termas romanas do Alto da Cividade, Universidade do Minho, 2000.

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As plantas da Casa das Carvalheiras e o seu

funcionamento

Planta da casa das Carvalheiras no século I85

No século I era uma grande

habitação ocupando a área de

1156m². A casa tinha duas

plataformas com a diferença cerda

de 3m. Era construída de granito e

de madeira, que se usava para

travamentos e telheiros, todavia não

se conservou nenhum vestígio da

madeira. A casa era quadrada, com

uma métrica rigorosa. Dos

pavimentos não se conservou nada,

mas, seguramente, tinham mosaicos,

como outras casas romanas.

Na casa havia duas entradas.

Uma a sul, que dava acesso ao átrio,

e uma a norte ao peristilo. A sul entrava se em um corredor (A1), que á esquerda entrava

em uma loja (A6). Como a loja tem acesso à casa, julga-se que pertencia ao proprietário

da casa. O corredor prossegue a um átrio aberto (A), rodeado por vários compartimentos

usados para o negócio do proprietário (A4 a A5). No centro do átrio era um balneário, que

recolhia água das chuvas, através de uma abertura no telhado, que, também, dava luz à

casa. O compartimento (A2), à direita do corredor, funcionava como sala de estar.

Do quarto (A8) descia-se pelas escadas, à plataforma do norte, onde se

encontravam os quartos mais nobres e onde se praticavam as actividades domésticas e a

vida privada dos residentes. Os compartimentos foram construídos por volta do peristilo (B),

um amplo espaço aberto, ajardinado. No meio do peristilo houve um tanque rodeado por

um pórtico. A entrada norte dava acesso a esta plataforma da casa. Esta parte era mais

iluminada e arejada. A sala maior (B1) era uma ampla sala de jantar. Aí eram colocados os

canapés por volta de uma mesa, onde a família comia. A cozinha era situada no

compartimento (B10), ao lado de uma pequena latrina (B11). As salas (B4) e (B5) eram

usadas para recepções. Os quartos (B6), (B7), (B8) e (B9) são relativamente pequenos,

julga-se, então, que estes serviam como as salas de dormir.

85 MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000, p.10.

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Ao lado do peristilo, na parte norte, houve um poço de cuidada alvenaria, que leva

características típicas da época flávia. Por baixo do pórtico na rua oeste há um conjunto

dos compartimentos (C3, C4 e C5) com função comercial. Dois deles tem antecâmaras,

todavia, a sua funcionalidade específica fica desconhecida. Na parte sul havia lojas (A6) e

(A7). Pouco se sabe sobre o conjunto de compartimentos (D1), (D2) e (D3). O D1 não

tinha porta, então era totalmente aberto. No (D3) conservaram-se vestígios de uma

canalização. Supõe-se então que era um espaço de venda de comida.

O lado norte não tinha lojas. A fachada era recuada, no meio tinha um pórtico, que

dava acesso directo ao peristilo.

Na primeira metade do século II foi profundamente remodelada a parte noroeste

da casa. Foi construído um balneário com duas pequenas piscinas, do qual conservaram-se

as partes aquecidas. Para isto, foi remodelada a inteira plataforma mais baixa. O pórtico e

as lojas (C3, C4 e C5) desapareceram, tal como os compartimentos de dormir (B6, B7, B8 e

B9). Toda a fachada oeste foi remodelada, o seu pórtico foi incluído na construção,

formando três novos compartimentos (E8, E9 e E10), utilizados pelos residentes em um

piso superior, acessível pelas escadas da sala (E8). Por baixo destes havia lojas viradas

para a rua. Apesar da remodelação, foram respeitadas as métricas e estruturas antigas,

que permitia manter a estrutura das coberturas.

O balneário dispunha Planta da casa das Carvalheiras na Fase II86

quatro salas, umas delas frias,

outras aquecidas, todavia, nem as

partes aquecidas, nem um

hipocausto se conservaram.

Escavaram-se apenas uns restos

das tijoleiras de um hipocausto. As

salas eram aquecidas por tubos

por onde corria o ar quente. Sabe-

se que a construção do balneário

era igual a todas as construções

das termas romanas e que

oferecia o circuito de banhos

recomendado. O balneário era

servido por duas pequenas áreas

de serviço, uma dos quais tinha

uma fornalha. A água recolhia-se

no poço, já presente na casa antiga.

O compartimento (E1) era

86 MARTINS, M. – A Casa Romana das Carvalheiras, Universidade do Minho, 2000, p.24.

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um apoditério onde se despiam pessoas estranhas à residência. Era acessível tal do

peristilo, tal pela entrada da rua, com um pequeno pórtico. O frigidário (E2) tinha no sul

um pequeno compartimento (E7), que servia como o vestiário e como a entrada privada

para os residentes da casa. A utilização do balneário tal pelos residentes da casa, tal pelo

público, é uma grande originalidade da casa das Carvalheiras.

Bem conservados são os pavimentos do frigidário, que possuía duas piscinas. Uma

delas tinha 10m² e 1m de profundidade. O tepidário corresponde à sala (E3). O caldário

(E4) tinha uma piscina de água quente 80cm profunda. A água aquecia-se na fornalha

situada na sala de

serviço (E5), alimentada por lenha arrumada em outra sala de serviço (E6).

Como os quartos de dormir foram sacrificados para a construção do balneário, supõe-se

que as funções deles foram deslocadas aos compartimentos (B4) e (B5) ou às novas salas

no oeste (E8, E9 e E10).

As características da casa mantiveram-se até aos finais do século III e inícios do IV,

quando a casa sofreu umas novas remodelações. São bem notáveis os muros, que revelam

um aparelho irregular e pouco cuidado. A fachada oeste foi remodelada e a rua ao lado

tornou-se mais estreita. Os pórticos foram limitados por muretes e as ruas foram

encurtadas. Como foram descobertas portadas pesadas que fechavam os compartimentos

antigamente abertos, parece que a área em torno do peristilo foi convertida em lojas.

Supõe-se então, que o balneário tornou-se público. A parte sul da casa continuou a ser

utilizada como a residência.

A casa sofreu outras remodelações durante o século IV. No compartimento (B5) foram

encontrados vestígios de duas colunas e cerca 45000 moedas de bronze, aí enterradas em

meados século IV. A maioria destas moedas data-se à época do imperador Constantino.

A casa foi definitivamente abandonada entre finais do século IV e inícios do V.