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Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 1-89 2010
C A D E R N O S D I S C E N T E S C O P P E A D
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
EDITORIAL
Entendendo o paradigma eclético de Dunning
Fernanda Borelli
As dificuldades do processo de internacionalização
de pequenas e médias empresas
Luciana Velloso de Souza Araujo
Internacionalização do artesanato brasileiro.
Estudo de caso do Ateliê Oficina de Agosto
Raquel Silveira Scrivano
Estudo do processo de internacionalização e o impacto de
políticas públicas sobre duas empresas privatizadas brasileiras
Ricardo Costa Vieira da Silva
O fenômeno das Born Globals
Marcio Stern da Fonseca
Seria a Aracruz Celulose uma Born Global?
Caio Bianco Peres
N° 33 2010
7
19
31
45
61
71
Cadernos discentes COPPEAD/UFRJ/ Instituto COPPEAD de
Administração.
– n. 1, (2000) -- Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000 -
Irregular
ISSN 1983-3377
1. Administração – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio
de
Janeiro.
Instituto COPPEAD de Administração.
SUMÁRIO
Editor
Mauricio Mittelman
Assistente do Editor
Lucilia Silva
Projeto Gráfico e Capa
Raquele Mendes Coelho
Revisão de português
Argemiro Figueiredo
Correspondências devem ser enviadas para:
COPPEAD/UFRJ
Cadernos Discentes COPPEAD
Caixa Postal 68514
21941-972 – Rio de Janeiro – RJ
Telefone: (21) 2598-9841
Fax: (21) 2598-9817
E-mail: [email protected]
Direitos e Permissão de Utilização
As matérias assinadas são de total e exclusiva responsabilidade dos autores.
Todos os direitos reservados ao COPPEAD/UFRJ. É permitida a publicação de
trechos e de artigos, com autorização prévia e identificação.
APRESENTAÇÃO
Os CADERNOS DISCENTES COPPEAD têm por objetivo divulgar a produção de
alunos e ex-alunos latu sensu, de Mestrado e de Doutorado. Dentro de uma
filosofia de integrar teoria e prática, é comum que os alunos sejam solicitados
a realizar pesquisa e a escrever casos relativos aos conteúdos abordados nas
diversas disciplinas. Produzem, assim, um material que, apesar de ter por
objetivo primário a avaliação de desempenho, constitui, também, um esforço
de investigação de alta qualidade.
No entanto, nem todos os trabalhos e pesquisas apresentados nas disciplinas
estão de acordo com as regras básicas e usuais de publicação de trabalho
científico. A preocupação com essa questão fez com que o processo de
seleção dos mesmos seguisse uma rígida metodologia.
Em primeiro lugar, o professor de cada disciplina seleciona e indica aqueles
trabalhos que considera terem sido os melhores da turma. O editor, por sua
vez, analisa a adequação da inclusão em determinado volume.
Embora não seja esse o objetivo principal dos Cadernos, alguns aprendizados
adicionais estão presentes no processo. Primeiro, a compreensão, por parte
dos alunos, de que a qualidade do trabalho por eles desenvolvido pode
render frutos não pensados inicialmente. Segundo, o entendimento de que o
mérito de ter o artigo publicado não se faz sem ônus, uma vez que podem ser
necessárias algumas modificações, ou seja, faz parte do processo de
aprendizado do aluno não apenas a geração de um trabalho de pesquisa em
si mesmo, mas também a compreensão de que o reconhecimento decorre de
um comprometimento com a excelência, necessariamente presente em todos
os passos do caminho.
Por fim, mas não com menor ênfase, entendemos que os artigos aqui
publicados são de utilidade para as comunidades acadêmica e empresarial
brasileiras. A maior parte dos trabalhos publicados diz respeito a situações de
negócios relevantes para quem discute ou para quem aplica os conceitos de
Administração.
O Editor
EDITORIAL
Nesta edição dos Cadernos Discentes COPPEAD foram reunidos seis trabalhos
que gravitam em torno de um único tema: o fenômeno da
internacionalização das empresas.
Três desses trabalhos fazem uma extensa revisão de literatura sobre aspectos
bastante importantes e que têm recebido atenção expressiva de
pesquisadores no mundo inteiro. Um deles, “Entendendo o Paradigma Eclético
de Dunning”, examina os fundamentos do modelo e analisa o seu poder
explanatório no momento atual da economia mundial, dado que o mesmo
tem suas origens na década de 1950. O outro trabalho, “As Dificuldades do
Processo de Internacionalização de Pequenas e Médias Empresas”, examina o
estado da arte da literatura que trata, especificamente, da relação entre o
porte das firmas e as particularidades de seus processos de
internacionalização, apontando lacunas de conhecimento que podem ser
exploradas pelos estudiosos em pesquisas futuras. Já o terceiro trabalho, “O
Fenômeno das Born Globals”, constata que, por ser esse um tema
relativamente novo, ainda não encontra um arcabouço teórico definitivo que
suporte o comportamento das empresas que apresentam um processo de
internacionalização acelerado.
Os demais três trabalhos são estudos de casos de internacionalização de
empresas brasileiras, que são examinados à luz de diferentes correntes
teóricas, tanto comportamentais quanto econômicas: “Internacionalização do
Artesanato Brasileiro: Estudo de Caso do Ateliê Oficina de Agosto”, “Estudo do
Processo de Internacionalização e o Impacto de Políticas Públicas Sobre Duas
Empresas Privatizadas Brasileiras” e “Seria a Aracruz Celulose uma Born
Global?”. Tais estudos permitem ao leitor melhor compor o cenário brasileiro
das empresas brasileiras internacionalizadas e as particularidades que essas
agregam aos modelos explanatórios propostos por teóricos que examinam o
fenômeno da internacionalização de empresas no contexto de outras
realidades econômicas e sociais.
Renato Cotta de Mello
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 7
ENTENDENDO O PARADIGMA ECLÉTICO DE DUNNING
Fernanda Borelli
RESUMO
Apesar de apresentado integralmente
apenas em 1976, o paradigma eclético
de Dunning tem sua origem em um
estudo do autor sobre o investimento
direto norte-americano na indústria
manufatureira britânica, feito na década
de 1950. Desenvolvido a partir de dois
princípios de análise econômica – a
teoria neoclássica de dotação de
recursos e a teoria de imperfeições de
mercado – o paradigma eclético é
proposto como um framework para
explicar a extensão e os padrões de
produção internacional de empresas
multinacionais (MNEs), os quais seriam
determinados pela configuração de três
grupos de vantagens: as vantagens de
propriedade (ownership), de interna-
lização e de localização. O presente
artigo é proposto como um primeiro
contato com o paradigma eclético de
Dunning, discutindo suas origens,
proposições, críticas e desenvolvimentos
posteriores, mas sem a pretensão de ser
exaustivo.
Palavras-chave: paradigma eclético,
investimento direto no exterior, empresas
multinacionais, produção internacional
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 8
Meu primeiro contato com o paradigma eclético foi através de Ietto-
Gillies (2005). Grande parte de seu capítulo sobre o assunto é dedicada a
críticas ao framework proposto por Dunning. Tais críticas suscitaram uma
necessidade pessoal de buscar o trabalho do próprio Dunning para entender
melhor o assunto. Assim, o objetivo deste artigo é oferecer um contato inicial
com o paradigma eclético, passando por suas origens, proposições, críticas e
extensões, mas sem a pretensão de ser exaustivo.
1. ORIGENS
O paradigma eclético foi apresentado inicialmente por Dunning em
19761. Porém, sua origem remonta a meados de 1950, no trabalho seminal em
que o autor investigou o investimento direto norte-americano na indústria
manufatureira britânica.
Estudos anteriores indicavam que a produtividade do trabalho na
indústria manufatureira americana era substancialmente maior que na
indústria manufatureira britânica. Com base nisso, Dunning investigou se a
melhor performance da indústria americana devia-se a uma superioridade
gerencial. Assim, pesquisou subsidiárias americanas no Reino Unido,
comparando suas performances com a de suas matrizes nos Estados Unidos e
de seus competidores domésticos. Sua hipótese era de que, se a performance
das subsidiárias fosse semelhante à de suas matrizes e superior a de
competidores locais, isto seria identificado como um efeito específico de
propriedade, pois as diferenças de produtividade estariam fundamentadas
em ativos intangíveis espacialmente transferíveis da empresa matriz. Caso
contrário, isto seria ocasionado por características não transferíveis da
economia americana – o que ele chamou de componente específico de
localização.
O resultado deste trabalho identificou que as subsidiárias americanas
não eram tão produtivas quanto as suas matrizes, mas apresentavam
produtividade mais elevada que os competidores domésticos, sugerindo que
as diferenças de produtividade eram explicadas parte por características
específicas de localização (L), parte por características de propriedade (O).
Surgiam, então, as vantagens de localização e de propriedade.
1 Artigo apresentado no Simpósio Nobel sobre Localização Internacional da Atividade
Econômica (International Location of Economic Activity).
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 9
Em seu artigo de 1976, que buscava explicar a extensão e o padrão das
atividades das firmas no exterior, Dunning incluiu um terceiro grupo de forças
àquelas já identificadas. Influenciado pelos trabalhos de McManus, Buckley e
Casson e Lundgren, o autor atentou para o fato de que, para explicar a
atividade das firmas fora de suas fronteiras nacionais, era importante entender
por que estas optam por criar ou explorar suas vantagens específicas de
propriedade internamente, ao invés de adquiri-las ou vendê-las através do
mercado aberto. Em outras palavras, investigar porque a firma escolhe o uso
da própria hierarquia ao invés do mercado. O autor chamou isto de
vantagens de internalização (I), que junto às vantagens de propriedade (O) e
localização (L) constituíram a base do paradigma eclético (Dunning, 2001).
Dessa forma, o paradigma eclético faz uso de dois princípios de análise
econômica. O primeiro, caracterizado em seu trabalho seminal, é a teoria
neoclássica de dotação de recursos, expandida para englobar produtos
intermediários (como trabalho, tecnologia, capacidade gerencial) e
reconhecer a mobilidade de algumas dotações entre fronteiras nacionais. O
segundo princípio é a teoria de imperfeições do mercado, que ajuda a
explicar, além da localização de certas formas de atividade econômica
através de fronteiras nacionais, a divisão desta atividade entre firmas
multinacionais e uninacionais, pois maiores custos de transação na captação
de recursos no mercado e maior eficiência da multinacional na coordenação
de atividades geograficamente dispersas tendem a favorecer a produção
internacional (Dunning, 1988).
2. O QUE É O PARADIGMA ECLÉTICO E A QUE SE PROPÕE
A proposta do paradigma eclético é oferecer um framework para
explicar a extensão e os padrões de produção internacional de empresas
multinacionais (MNEs) (Dunning, 2001). O paradigma foi denominado
“eclético” pelo autor por conta de sua crença de que uma explicação
completa das atividades transnacionais das empresas deve estar suportada
por diversos princípios da teoria econômica, conforme vimos acima, e de que
o investimento direto no exterior (FDI) é somente um dos canais de
envolvimento econômico internacional possível (Dunning, 1988).
O paradigma afirma que, em qualquer dado momento do tempo, a
configuração de três grupos de vantagens irá determinar a extensão e o
padrão da produção internacional:
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 10
(1) Vantagens de propriedade são aquelas que firmas de uma
nacionalidade possuem sobre as de outra nacionalidade no suprimento de um
mercado específico. Estas vantagens podem resultar da propriedade tanto de
acesso privilegiados a certo grupo de ativos que não estejam disponíveis para
concorrentes locais, quanto de habilidade de coordenar tais ativos com outros
ativos através de fronteiras nacionais, beneficiando-se em relação a seus
competidores. Além disso, podem originar-se tanto do desenvolvimento
interno quanto da aquisição de outras firmas.
(2) Vantagens de internalização são aquelas pelas quais as firmas
percebem ser mais conveniente internalizar os mercados para a geração ou
uso dos ativos, ao invés de contratar agentes econômicos em mercados
externos. Estas vantagens são resultado principalmente de imperfeições de
mercado.
(3) As vantagens de localização estão relacionadas com a escolha
das firmas em localizar atividades criadoras de valor em determinado
mercado.
A importância de cada uma destas vantagens e a configuração delas
podem e devem variar entre indústrias (ou tipos de atividades), regiões e
países e entre firmas. Como exemplifica bem Dunning (2001), é provável que
existam diferenças específicas de país nas vantagens de propriedade de
firmas coreanas comparadas a firmas canadenses; assim como a extensão
com que as imperfeições de mercado influenciam a internalização do
mercado de tecnologia é provavelmente diferente na indústria de madeira e
celulose e na indústria de semicondutores; enquanto, ainda, as vantagens de
localização comparativas entre Tailândia e Taiwan como uma base para a
manufatura de veículos podem ser vistas de formas diferentes pela Toyota e
pela Honda.
3. CRÍTICAS EM DEBATE
Nesta sessão são apresentadas as principais críticas ao paradigma
eclético, bem como as respostas aos críticos.
3.1 A quantidade de variáveis explicativas é tão grande que faz com que o
valor preditivo do paradigma seja quase zero.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 11
Por ter caráter genérico, o próprio autor assume o limitado poder do
paradigma eclético em explicar ou prever tipos particulares de produção
internacional ou o comportamento de empresas específicas (Dunning, 1988),
parecendo, assim, ser mais adequado para analisar os determinantes da
produção internacional do que para ser utilizado como uma teoria preditiva
da atuação de multinacionais (Dunning, 2001). Segundo o autor, a dificuldade
em englobar satisfatoriamente todos os tipos de atividades e modos de
atuação no exterior está no fato de motivações e expectativas relacionadas a
esta atuação poderem variar muito.
Em sua defesa, trazemos duas principais linhas seguidas pelo autor.
Primeiramente, este levanta a questão de que cada uma das variáveis OLI
identificadas pelo paradigma fundamenta-se em teoria econômica ou
organizacional. Um exemplo está nas variáveis relacionadas à vantagem de
internalização, baseadas em teorias da firma (e do crescimento da firma) de
Coase, Williamson e Penrose. Tal como estas teorias, o paradigma eclético
também argumenta que quanto maior os custos de inovação, produção e
transação na utilização de mercados externos, maior serão os incentivos para
as firmas envolverem-se em investimento direto no exterior.
A segunda linha relaciona-se ao propósito em si do paradigma.
Segundo o autor, não é o objetivo final oferecer uma explicação completa
para todos os tipos de produção internacional, mas apontar uma metodologia
de análise e um grupo genérico de variáveis que contenham os componentes
necessários para uma explicação satisfatória de tipos particulares de atividade
de valor adicionado no exterior.
Adicionalmente, Brouthers, Brouthers e Werner (1999) trazem outras
perspectivas para esta discussão. Em uma pesquisa com empresas alemãs e
holandesas que mantinham investimentos diretos em países da Europa Central
e Oriental, os autores mostram evidências que suportam a utilização do
paradigma eclético tanto como ferramenta preditiva da escolha de forma de
padrão (modo) de entrada da firma em determinado país, quanto como
framework normativo.
3.2 É enganoso sugerir que os três grupos de variáveis que formam o
paradigma eclético são independentes uns dos outros.
Segundo Dunning, também há algum sentido nesta argumentação,
mas há uma razão para separar os motivos para a atividade multinacional
atribuídos a recursos e capacidades possuídos ou acessados por
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 12
determinadas firmas (e que formam suas vantagens de propriedade) daqueles
motivos associados a recursos e mercados relacionados à localização dos
países nos quais operam. O autor exemplifica: as implicações de um declínio
no FDI resultante de uma redução na atratividade das políticas de
determinado país (variável de localização) são bem diferentes daquelas que
refletem o fortalecimento da posição competitiva de firmas nacionais em
detrimento de firmas estrangeiras (variável de propriedade).
Um ponto importante é que Dunning ressalta compreender que as
variáveis OLI determinando a produção internacional das firmas e países estão
interligadas umas às outras – afetam-se mutuamente ao longo do tempo, o
que não quer dizer que não devam ser examinadas separadamente.
3.3 O paradigma não permite diferenças suficientes na reação estratégica das
firmas a uma determinada configuração de variáveis OLI. O paradigma
repousa em termos estáticos e oferece pouca direção para a dinâmica do
processo de internacionalização das firmas (ou de países).
O argumento de Dunning é de que a trajetória da multinacional em
direção à internacionalização é formada por diferentes pontos que
representam a extensão e a forma de atividade multinacional em
determinado momento. Esta trajetória é construída, em momentos
subsequentes, através de uma interação contínua entre a configuração OLI e
a estratégia da firma em resposta a esta configuração. A estratégia da firma,
por sua vez, irá influenciar a configuração OLI no momento subsequente.
O autor considera que esta interação e influência mútua também
ocorrem com outras variáveis endógenas à firma (como inovação
tecnológica ou organizacional, mudança no corpo de gerentes seniores,
incrementos da produtividade do trabalho, fusões e aquisições etc.) e
variáveis exógenas (como mudanças no preço de matéria-prima, nas taxas de
câmbio, políticas governamentais etc.).
Além disso, assume que a forma como a interação entre estas variáveis
afetará a produção internacional e a estratégia da firma é bastante difícil de
prever. Porém, argumenta que a estratégia seguida pela firma em resposta a
uma dada configuração OLI no tempo t0 é determinada pelo seu desejo de
proteger ou influenciar a configuração OLI em t1.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 13
3.4 Crítica de Kojima2 ao Paradigma Eclético (1988): uso muito limitado para a
formulação de políticas por países
Dunning (1988) rebate esta crítica redirecionando-a para a própria
teoria de FDI de Kojima, que se deriva da teoria de comércio neoclássica,
porém, englobando transações de produtos intermediários (tecnologia,
capacidades gerenciais etc.) entre fronteiras. Por esta herança neoclássica,
Kojima está preso ao paradigma neoclássico da concorrência perfeita, o que
nega a possibilidade de imperfeição de mercado. Assim, de acordo com sua
teoria, a empresa multinacional (MNE) nunca será o agente mais eficiente
para transferir recursos através de fronteiras nacionais. O mercado sempre será
mais eficiente. Por não levar em conta a principal característica da MNE – a
internalização de mercados de produtos intermediários –, sua teoria não
parece de grande valor para governos na formulação de políticas relativas a
atuação de MNEs.
4. EXTENSÕES DO PARADIGMA ECLÉTICO
Ao longo dos anos, Dunning apresentou diversas possibilidades de
extensão para o paradigma eclético. Estas possibilidades passaram pela
dinamização do framework através da inclusão de variáveis endógenas e
exógenas citadas na terceira sessão de críticas; pela sua utilização na análise
de desinvestimento ou tomada de decisão pela MNE (Dunning, 1988), na
explicação padrões de comércio3, no entendimento dos determinantes do
portfolio de investimento no exterior4; pela sua aplicação para entender a
trajetória de desenvolvimento do país; pela inclusão de fusões, aquisições e
alianças cooperativas, e-commerce e ativos relacionais5.
Porém, aqui, iremos nos ater apenas às extensões relativas à trajetória
de desenvolvimento e às estratégias de acesso a ativos não existentes (fusões,
aquisições e alianças cooperativas).
2 Em Direct foreing investment (Londres, 1978) e Macroeconomic versus international business
approach to foreign direct investment (Hitosubashi Journal of Economics, 1982). 3 What‟s wrong and right with trade theory (Dunning, 1995). 4 Towards a General Paradigm of Foreign Direct and Foreign Portfolio Investment (Dunning e
ilyard,1999). 5 Conforme colocado por Dunning (2001), tais ativos relacionam-se à disposição e à
capacidade da firma para conduzir relações benéficas, tanto para outras pessoas dentro da
firma quanto entre estas e pessoas em outras instituições.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 14
4.1 A trajetória de desenvolvimento do investimento (IDP – Investment
development path)
Dunning utiliza o paradigma eclético para explicar as alterações da
posição competitiva internacional de países conforme estes atravessavam
diferentes estágios de desenvolvimento. Um exemplo disso está presente no
estudo de caso de Dunning, Kim e Lin (2001) sobre Coreia e Taiwan.
O IDP sugere que, conforme um país se desenvolve, tanto a
configuração das vantagens OLI que afeta as firmas estrangeiras que
investiriam naquele país quanto a que afeta as firmas nacionais que investiriam
no exterior sofrem mudanças. Através do paradigma eclético, seria possível
identificar as condições para esta mudança e seus efeitos na trajetória de
desenvolvimento do país.
O autor identifica, assim, os estágios de desenvolvimento que um país
pode atravessar. No estágio I, de pré-industrialização, os países engajam-se
basicamente em importações e exportações em setores de baixa e média
intensidade de ativos. Não há entrada ou saída de investimento direto devido
à insuficiente atratividade de localização e à pouca ou nenhuma vantagem
de propriedade das firmas nacionais. Conforme o país começa a se
industrializar, a qualidade de seus recursos e capacidades intransferíveis –
incluindo suas capacidades institucionais e infraestrutura social – aumenta,
assim como o poder de compra doméstico.
No estágio II, através de políticas governamentais e/ou da organização
da atividade e da estratégia das firmas, a configuração OLI pode se alterar e,
assim, os países começam a atrair entradas de investimento direto,
principalmente em setores baseados em recursos, setores tradicionais e
intensivos em trabalho, e de infraestrutura. Porém, as saídas ainda são mínimas.
Estes investimentos, somados a uma política favorável à entrada de
investimentos, irão fomentar sua atratividade de localização, aumentando o
FDI, alterando oferta e demanda de bens.
No estágio III, a configuração OLI continua a se alterar e as firmas
domésticas começam a criar suas próprias vantagens de propriedade,
explorando-as inicialmente através de exportações. Então, conforme o
mercado externo se expande e/ou o custo da produção doméstica aumenta,
elas partem para o investimento direto no exterior. Neste estágio, para
tornarem-se global players, as firmas de países industrializados começam a
buscar tecnologia, habilidades gerenciais e expertise organizacional no
exterior através de fusões e aquisições ou alianças estratégicas.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 15
O último estágio ocorre quando há um balanço flutuante entre
entradas e saídas de investimento direto. Isto surge quando há um certo grau
de convergência entre o nível de desenvolvimento e a estrutura econômica
dos países, e também quando firmas engajam-se em FDI não apenas para
explorar suas vantagens de propriedade em localidades estrangeiras como
também para aumentar estas vantagens através da aquisição de ativos
complementares ou novos mercados.
4.2 Busca de vantagem competitiva através de fusões e aquisições e alianças
estratégicas
Desde meados da década de 1980 até recente trabalho em 2001,
Dunning (1988, 1995, 2001) busca incorporar os fenômenos de fusões,
aquisições e alianças estratégicas no paradigma eclético.
O autor nota que, nas últimas décadas, tanto o investimento direto no
exterior quanto o crescimento das alianças estratégicas interfirmas com o
objetivo de aumentar as vantagens de propriedade existentes têm se tornado
uma forma cada vez mais importante de atividade econômica. Isto reflete a
percepção por parte das firmas da necessidade de capturar as sinergias
tecnológicas e de marketing oferecidas por firmas de outros países e obter
acesso aos ativos criados por elas.
Aqui, Dunning parece readequar seu framework às mudanças ocorridas
num ambiente onde avanços tecnológicos, intensificação da competição
entre firmas, abertura de novos mercados e crescimento da mobilidade de
certos ativos específicos de firmas trazem novos motivos para produção no
exterior. Não apenas como forma de explorar as vantagens de propriedade
existentes nas firmas objeto do investimento, mas também como uma forma
de aumentar tais vantagens.
Isso quer dizer que as vantagens de propriedade das MNEs passam a
depender não apenas daquelas geradas internamente, mas também de sua
competência para buscar, controlar e influenciar a inovação, preço e
qualidade dos ativos de outras instituições com as quais elas tenham um
relacionamento cooperativo contínuo.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 16
5. CONCLUSÕES
Este artigo buscou trazer uma visão geral do paradigma eclético,
demonstrando, através de suas extensões, uma flexibilidade para adequar-se
a mudanças no ambiente. Apesar de suas origens remontarem a mais de meio
século, ele ainda parece um framework importante e atual de análise dos
padrões e trajetórias de produção internacional.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROUTHERS, L. E.; BROUTHERS, K. D.; WERNER, S. Is Dunning‟s eclectic framework
descriptive or normative? Journal of International Business Studies, v. 30, n. 4, p.
831-844, 1999.
DUNNING, J. H. The eclectic paradigm of internacional production: a
restatement and some possible extensions. Journal of International Business
Studies, v. 19, n. 1, p. 1-31, Spring 1988.
________. Reappraising the eclectic paradigm in an age of alliance capitalism.
Journal of International Business Studies, v. 26, n. 3, p. 461-493, 1995.
________. The eclectic (OLI) paradigm of internacional production: past, present
and future. International Journal of the Economics of Business, v. 8, n. 2, p. 173-
190, 2001.
________; Kim, C.; Lin, J. Incorporating trade into the investment development
path: a case study of Korea and Taiwan. Oxford Development Studies, v. 29, n.
2, p. 145-154, 2001.
IETTO-GILLIES, G. Transnational corporations and international production.
Cheltenham, Edward Elgar, 2005. chapter 9 – Internalization and the
transnational corporation.
ROCHA, A.; ALMEIDA, V. Estratégias de entrada e de operação em mercados
internacionais. In: Tanure, B.; Duarte, R. G. (org) Gestão internacional. Rio de
Janeiro: Saraiva, 2006, p. 7-37.
ABSTRACT
Although only fully presented in 1976, the
eclectic paradigm of Dunning has its
origin in a study by the author on US direct
investment in British manufacturing
industry, made in the 1950s. Developed
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 7-17 2010 17
from two principles of economic analysis -
the neoclassical theory of resource
allocation and the theory of market
imperfections - the eclectic paradigm is
proposed as a framework for analyzing
the extent and patterns of international
production of multinational enterprises
(MNEs), which are determined by three
groups of advantages: the ownership, the
internalization and the locational
advantages. This article is proposed as a
first glance at Dunning‟s eclectic
paradigm, discussing its origins,
propositions, reviews and subsequent
developments, although without the
pretension of being exhaustive.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 19-29 2010 19
91
�
AS DIFICULDADES DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO
DE PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS
Luciana Velloso
RESUMO
Este trabalho busca realizar uma breve
revisão de literatura acerca das
particularidades do processo de
internacionalização de pequenas e
médias empresas. Em especial, são
discutidas as possíveis implicações do
tamanho da firma sobre o
comportamento desta em mercados
externos. Embora comumente sejam
apontadas dificuldades advindas do
tamanho da empresa, diversos estudiosos
chegaram a constatações contrárias,
evidenciando a falta de consenso sobre
o assunto.
Palavras-chave: internacionalização,
pequenas e médias empresas
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 19-29 2010 20
91
�
O presente trabalho propõe-se a realizar uma breve revisão da literatura
acerca da internacionalização de pequenas e médias empresas (PMEs),
discutindo as principais dificuldades envolvidas nesse processo apontadas
pelos autores consultados.
As PMEs cada vez mais participam ativamente do mercado
internacional de bens e serviços (COVIELLO; MCAULEY, 1999; MANOLOVA et
al., 2002; GEMSER; BRAND; SORGE, 2004; LI; LI; DALGIC, 2004). Como explicam
Etemad e Wright (1999), Gemser, Brand e Sorge (2004) e Kalantaridis (2004), o
fenômeno da globalização, configurado pela queda de proteções
governamentais e pelos avanços tecnológicos em áreas como transportes,
telecomunicações e processos produtivos, pressiona as PMEs a tornarem-se
internacionalmente competitivas para sobreviver no longo prazo. Afinal,
mesmo se voltadas à atuação local, estão sujeitas à competição estrangeira.
Por outro lado, o mercado externo também se tornou mais acessível,
permitindo que as PMEs explorem mais facilmente oportunidades além das
fronteiras nacionais. Por conseguinte, Bonaccorsi (1992), Fillis (2001) e Manolova
et al. (2002) ressaltam que não se pode mais tomar as PMEs como meras
participantes marginais do comércio internacional.
Por isso, do ponto de vista de alguns pesquisadores, como Coviello e
McAuley (1999), Fillis (2001), Manolova et al. (2002) e Kalantaridis (2004), o
movimento de internacionalização de PMEs, embora consistentemente seja
mais recente do que o de grandes empresas, não é menos relevante. Pelo
contrário, as peculiaridades de seu comportamento, muitas vezes distinto dos
padrões das grandes empresas, têm atraído crescente interesse de estudiosos
das mais diversas áreas, tais como Negócios Internacionais,
Empreendedorismo, Economia e Marketing, que antes voltavam sua atenção
primordialmente para as grandes empresas. Coviello e McAuley (1999) ainda
destacam que, desde o início da década de 1990, as pesquisas têm deixado
de abordar somente o comportamento exportador das PMEs para incluírem
atuações de maior envolvimento com o mercado externo. Todavia, revisando
a literatura acerca do processo de internacionalização de PMEs, os autores
concluem que ainda inexiste consolidação sobre o assunto, havendo opiniões
bastante divergentes, sobretudo, em relação aos efeitos do tamanho das
firmas sobre seu comportamento e performance.
Coviello e McAuley (1999), Etemad e Wright (1999) e Fillis (2001)
assinalam que uma linha teórica defende que um menor tamanho, apesar de
não necessariamente impedir a atuação internacional, pode impingir às PMEs
sérias dificuldades que as grandes empresas não enfrentam ou enfrentam em
menor proporção. O argumento subjacente a essa lógica é que as PMEs se
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diferenciam das grandes empresas em termos de estilo, estrutura, processos e
recursos gerenciais, independência, propriedade, escala das operações,
capital, experiência em operações internacionais, fontes de informação,
capital humano, entre outros, o que acarreta diferentes processos de
internacionalização. Como bem expressam Shuman e Seeger (1986, p. 8 apud
COVIELLO; MCAULEY, 1999, p. 228, tradução nossa), “negócios menores não
são versões menores dos grandes negócios”. Consequentemente, as PMEs
apresentam desvantagens na competitividade e continuidade das suas
atividades internacionais inerentes ao seu tamanho (BONACCORSI, 1992).
Entretanto, outra corrente questiona o pressuposto de que o tamanho da firma
influencia seu processo de internacionalização, defendendo que as
dificuldades apontadas como advindas do tamanho das PMEs inexistem ou
podem ser superadas (BONACCORSI, 1992; COVIELLO; MCAULEY, 1999). Por
isso, a seguir são discutidos alguns dos principais pontos de discordância
encontrados na literatura.
Tamanho e início das exportações
Bonaccorsi (1992) afirma que há um certo consenso na literatura acerca
de a propensão a iniciar atividades de exportação estar diretamente
relacionada ao tamanho da firma. Seu estudo sobre o comportamento
internacional de firmas italianas também corrobora essa proposição, ao
averiguar que existe uma maior proporção de exportadores entre as médias e
grandes empresas do que entre as pequenas. O argumento subjacente a essa
visão é que atender o mercado doméstico é suficiente para as PMEs, que só se
lançam às exportações se o mercado local se retrai, mas as grandes empresas
precisam exportar, se quiserem continuar crescendo.
Contudo, o próprio Bonaccorsi (1992) comenta que nem sempre essa
suposição é válida, uma vez que o mercado local pode não oferecer
oportunidades de crescimento satisfatórias para as PMEs. Segundo o autor, é
este o caso de algumas firmas de alta-tecnologia e de empresas que atuam
em nichos restritos em cada mercado nacional, mas com ampla demanda
global, para as quais a exportação se torna condição necessária para
continuar crescendo. Por conseguinte, nesses segmentos a proporção de
exportadores pode ser consideravelmente alta mesmo entre as menores
empresas.
Vale ainda mencionar que, de acordo com Ellis e Pecotich (2001),
muitas vezes a literatura aponta o início das exportações das PMEs como
pouco lógico, comparativamente aos movimentos mais ordenados e racionais
de empresas maiores. Porém, os autores chegam à conclusão, pela análise de
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múltiplos casos, de que a aparente irracionalidade, na verdade, decorre de as
exportações das PMEs serem tipicamente iniciadas por causa de
relacionamentos pessoais ou profissionais anteriores, que acabam colocando
exportador e importador em contato. Tais relacionamentos podem ser
acionados pelo exportador, pelo importador, por um terceiro que age como
intermediador - tais como agências governamentais - ou como resultado de
uma feira de negócios. Todavia, segundo as análises de Ellis e Pecotich (2001),
os pedidos não solicitados de clientes são a forma predominante de início das
exportações. A maior parte das conexões é possibilitada pelas redes de
relacionamento (networks) de clientes ou de fornecedores já existentes. Os
autores ainda supõem que as PMEs tendem a explorar mais contatos sociais
do que as grandes empresas, que focam nos laços de negócios. Os autores
também perceberam que é comum as PMEs identificarem oportunidades de
negócios através de afiliações profissionais e de contatos de empregos
anteriores ou a partir da internacionalização de um cliente do mercado
doméstico. Na maioria dos casos investigados, a descoberta de uma
oportunidade através dos relacionamentos foi o deflagrador das exportações,
estimulando o surgimento de um motivo para exportar e o desenvolvimento
das capacidades para explorar a oportunidade.
Tamanho e intensidade das exportações
Bonaccorsi (1992) ainda discute que grande parte da literatura defende
a existência de uma influência do tamanho da firma sobre a intensidade de
suas exportações. Ou seja, as grandes empresas tenderiam a apresentar maior
facilidade em aumentar o volume de seus negócios internacionais, enquanto
as empresas menores enfrentariam sérias desvantagens nos mercados
externos. A ideia subjacente a essa proposição é que as grandes empresas,
por seu tamanho, desfrutam de vantagens para engajarem-se nas
exportações em termos de recursos, escala e atitude frente ao risco. Esses três
argumentos são apresentados em maior detalhe mais adiante, assim como
seus respectivos contra-argumentos.
Em contraste, Bonaccorsi (1992) também revela que certos resultados
empíricos colocam a relação entre tamanho da firma e intensidade das
exportações em dúvida. As próprias análises do autor sobre o comportamento
internacional de empresas italianas expõem que não há evidências
conclusivas de uma relação positiva entre as duas variáveis. Pelo contrário, na
indústria manufatureira italiana como um todo, empresas muito pequenas
apresentam uma intensidade de exportações acima da média. Por isso, o
autor supõe que apenas em alguns setores a intensidade das exportações
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deve ser afetada pelo tamanho da empresa. Dentre as explicações para esse
efeito mediador do setor, podem ser citados: a restrita demanda doméstica
em alguns setores gerar a necessidade de exportar, conforme anteriormente
discutido; a escala mínima necessária para operar variar de um setor para
outro, podendo em alguns casos superar a capacidade de absorção do
mercado doméstico; e fatores ambientais, como custos de transporte, políticas
governamentais e barreiras comerciais, inibirem as exportações em um setor,
mas não em outro.
Além disso, Bonaccorsi (1992) ainda levanta a questão de que, na
verdade, a relação de causalidade entre essas duas características pode ser
inversa. Ao invés de o tamanho da firma determinar a intensidade de
exportações possível, a intensidade de exportações praticada pode oferecer
oportunidades ao crescimento das empresas.
Tamanho e recursos disponíveis
De acordo com Bonaccorsi (1992) e Coviello e McAuley (1999), é
comum na literatura de internacionalização de PMEs considerar-se que o
tamanho da firma reflete os recursos – financeiros, gerenciais, de tempo, de
fontes de informação e de experiência – de que ela dispõe. O raciocínio é
que, dado o seu menor tamanho, as PMEs têm seu crescimento no mercado
externo dificultado pela sua restrita disponibilidade de recursos, o que é menos
provável de acontecer com as grandes empresas. As consequências dessa
escassez de recursos são assinaladas por diversos pesquisadores. Por exemplo,
Li, Li e Dalgic (2004) e Kalantaridis (2004) comentam que a restrição de
recursos, sobretudo, em termos de capital, de tempo e de qualificação
gerencial, pode comprometer a aquisição de dados sobre os mercados
estrangeiros e a elaboração de um planejamento sistemático para a atuação
internacional, como fazem as grandes empresas. Kalantaridis (2004) ainda
ressalta que a quantidade de recursos disponíveis pode atrapalhar tanto a
exploração de oportunidades no exterior quanto à própria capacidade de
identificar oportunidades. Gemser, Brand e Sorge (2004), por sua vez, chegam
à conclusão de que a disponibilidade de recursos afeta o modo de entrada
escolhido pelas pequenas empresas, assim como o número de países em que
estas conseguem atuar simultaneamente. Como adverte Manolova et al.
(2002), as escolhas de investimentos em países estrangeiros devem ser
cuidadosas para não dispersar demais os recursos da firma.
Todavia, Bonaccorsi (1992) defende que não existe uma relação direta
entre disponibilidade de recursos e comportamento internacional das PMEs.
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Para o autor, essa relação é mediada pela estratégia que a firma traça, uma
vez que desta dependem a quantidade e a qualidade de recursos
necessários para competir no mercado externo. Dessa forma, não
necessariamente os processos de internacionalização das PMEs são
comprometidos pela escassez de recursos.
Bonaccorsi (1992) ainda aponta que uma possível forma de contornar a
falta de recursos é terceirizar, pelo menos, algumas das atividades
internacionais da empresa. É claro que tal decisão de delegar, em vez de
verticalizar todas as operações, traz implicações de controle que devem ser
levadas em consideração. Porém, sempre há a possibilidade de não
internalizar todas as tarefas necessárias à atuação no exterior.
Adicionalmente, Bonaccorsi (1992) e Coviello e McAuley (1999) expõem
que os defensores de que a limitação de recursos das PMEs restringe sua
atuação internacional só levam em consideração os recursos internos à firma.
No entanto, os autores argumentam que também devem ser considerados os
recursos externos a ela passíveis de serem acessados. Por exemplo,
relacionamentos estabelecidos com outras empresas ou instituições podem
ampliar significativamente a quantidade e/ou a qualidade dos recursos de
que as PMEs podem fazer uso, moderando a necessidade de recursos internos.
Inclusive Gemser, Brand e Sorge (2004) perceberam que a maior parte das
PMEs holandesas que pesquisaram, independentemente da indústria em que
se inserem, prefere internacionalizar-se por meio de uma estratégia de
cooperação com outras empresas, estejam estas acima, abaixo ou no mesmo
nível da cadeia de valor, em vez de optar por uma estratégia autônoma. Isso
porque a cooperação lhes permite explorar forças complementares de atores
externos para superar suas limitações de recursos internos. Assim, para dar
conta de todos os recursos disponíveis a uma firma é preciso considerar toda a
network em que ela se insere.
Tamanho e economias de escala possíveis
Bonaccorsi (1992) e Coviello e McAuley (1999) observam que uma
corrente de autores afirma que as PMEs enfrentam a desvantagem, inerente
ao seu tamanho, de terem dificuldades em explorar economias de escala,
tanto na produção quanto na gerência das operações internacionais de
marketing e de vendas. As grandes empresas, por sua vez, têm suas atividades
internacionais facilitadas por não precisarem lidar com tamanhas barreiras a
economias de escala. Por exemplo, alcançam uma produção suficiente para
atender o mercado doméstico e exportar. Na verdade, conforme já discutido,
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elas precisam exportar para continuar crescendo. Já as PMEs só teriam
condições de exportar menores volumes. No caso da gerência das operações
de marketing e de vendas no exterior, supõe-se que as grandes empresas
conseguem impacto suficiente nessas atividades, enquanto as PMEs não
dispõem de escala para atingir a visibilidade necessária.
No entanto, Bonaccorsi (1992) critica essa linha de argumentação por
duas razões. Em primeiro lugar, o autor defende que o tamanho só impinge
barreiras a economias de escala na produção em certas conjunturas setoriais
e de demanda doméstica. Dentro de uma indústria, as PMEs só ficam em
desvantagem em relação às grandes empresas se o mercado doméstico for
pequeno, mas, se ele for grande, mesmo as maiores empresas podem ter
dificuldade em obter economias de escala. Já comparando os setores, deve-
se levar em consideração as diferenças em potencial de exportação.
Segundo o estudo do autor acerca do comportamento das PMEs italianas, nas
indústrias com maior potencial de exportação o efeito de economias de
escala na produção foi tido como insignificante. Em segundo lugar, Bonaccorsi
(1992) defende que a falta de escala suficiente em termos de marketing e
vendas não constitui uma barreira de entrada importante em mercados
estrangeiros. Isso porque sua análise do caso italiano demonstrou que as PMEs
facilmente se engajam em atividades de exportação, se desejarem. Na
verdade, o autor ressalta que outros pesquisadores identificaram que a maior
motivação para empresas não exportadoras permanecerem não
exportadoras é o fato de o mercado doméstico absorver toda a sua
produção. Por outro lado, outras empresas, como as de alta tecnologia e as
que atuam em nichos, como anteriormente discutido, podem acabar
privilegiando mercados estrangeiros ao nacional por ser uma forma mais viável
e fácil de crescimento. Podem ainda acabar movimentando um volume de
exportações maior do que empresas que atuam em mais regiões do mercado
doméstico.
Tamanho e risco
A percepção de risco pelo tomador de decisão e sua atitude frente ao
risco identificado comumente aparecem na literatura como possíveis
explicações para o comportamento internacional das empresas. De acordo
com Bonaccorsi (1992) e Manolova et al. (2002), muitas pesquisas chegaram à
conclusão de que empresas exportadoras percebem menos risco nas
exportações e são mais propensas a assumir riscos. Nessa perspectiva, a
pesquisa realizada por Manolova et al. (2002) encontrou uma relação positiva
e significante entre a percepção de risco do tomador de decisão e o processo
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de internacionalização de pequenas empresas. Ou seja, gestores com
percepções mais positivas do risco ambiental têm maior probabilidade de
internacionalizar seus negócios. Porém, Bonaccorsi (1992) coloca que uma
série de estudos supõe que, comparativamente às grandes empresas, os
tomadores de decisão das PMEs percebem mais risco nas atividades
internacionais. Isso porque as PMEs dispõem de menos informações de
mercado em decorrência do seu menor tamanho. Segundo Kalantaridis
(2004), a falta de poder de barganha junto a clientes e órgãos reguladores dos
países estrangeiros também aumenta a percepção de risco, principalmente se
comparada com a percepção ambiental das multinacionais. Bonaccorsi
(1992) ainda acrescenta que alguns pesquisadores defendem que os
tomadores de decisão das PMEs são mais avessos ao risco, uma vez que os
investimentos realizados por PMEs no exterior tendem a comprometer uma
maior proporção do seu patrimônio total e uma vez que as PMEs, em geral,
não dispõem de um portfólio diversificado de negócios. Por todas essas razões,
é razoável imaginar que os gestores das PMEs ficam mais receosos em investir
em mercados externos do que os das grandes empresas, dificultando o
processo de internacionalização das PMEs.
Contudo, uma diferente corrente da literatura argumenta que outros
fatores podem reduzir o risco percebido nas atividades internacionais e
minimizar a aversão ao risco dos tomadores de decisão das PMEs. Por
exemplo, Bonaccorsi (1992), Etemad e Wright (1999), Ellis e Pecotich (2001) e
Gemser, Brand e Sorge (2004) apontam que o pertencimento a uma network é
um desses fatores. Afinal, conforme explicam Bonaccorsi (1992) e Gemser,
Brand e Sorge (2004), os relacionamentos de uma firma a permitem aprender
com as experiências internacionais de outras empresas. Tal aprendizado pode
se dar de duas formas distintas. A primeira consiste na troca interpessoal direta
de informações sobre oportunidades em mercados estrangeiros, tendências
de consumo, barreiras à exportação etc. com outras empresas competidoras,
compradoras ou fornecedoras ou até mesmo com instituições, tais como
universidades. A segunda forma de aprendizado possível, observada por
Bonaccorsi (1992) em seus estudos sobre os distritos industriais italianos, consiste
em imitar o comportamento internacional bem-sucedido de competidores
similares. Desses dois modos, as PMEs conseguem superar o risco dos
investimentos no exterior e moldam suas expectativas e aspirações acerca das
atividades internacionais (BONACCORSI, 1992).
Adicionalmente, Bonaccorsi (1992) notou que as PMEs frequentemente
conseguem mitigar sua percepção de risco e sua aversão a ele por meio de
mecanismos que lhes assegurem abandonar a incursão internacional com
menores prejuízos caso esta não saia conforme o esperado. Por exemplo, essa
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flexibilidade pode ser obtida por meio de modos de entrada com custos fixos
mínimos ou com a não implementação de políticas de marca. Por
conseguinte, o autor constatou que é comum as PMEs apresentarem dois tipos
de comportamento várias vezes durante sua vida: começar e parar de
exportar; e deixar de exportar para um país e passar a exportar para outro. Na
visão do autor, essa pouca estabilidade das exportações e essa alta
mobilidade dos países de destino dos produtos, em vez de anomalias, são
formas encontradas pelas PMEs para, ao mesmo tempo, explorar rapidamente
oportunidades de negócios e garantir sua saída relativamente fácil de cada
mercado internacional, assim superando o risco envolvido no processo de
internacionalização. Todavia, o autor adverte que há quem condene essa alta
dependência do ambiente externo por ser muito arriscada no longo prazo,
defendendo que a mais eficiente política de promoção à internacionalização
seria estimular a regularidade das exportações.
Tamanho e orientação para as exportações
De acordo com Bonaccorsi (1992), alguns pesquisadores indicam que
existe uma relação entre o tamanho da firma e a sua orientação para as
exportações. Em outras palavras, grandes empresas tenderiam a apresentar
uma percepção ou expectativa dos efeitos da exportação sobre o negócio
mais positiva do que as PMEs, impulsionando seu processo de
internacionalização. Entretanto, o autor afirma que outros resultados empíricos
revelam que tal argumento não é válido.
Tamanho e estratégia internacional
Li, Li e Dalgic (2004) e Kalantaridis (2004) comentam que diversos
estudos afirmam que as pequenas empresas tendem a não desenvolver uma
estratégia para suas operações internacionais, enquanto as grandes empresas
elaboram um planejamento estratégico formal. Haveria, então, uma relação
positiva entre tamanho da firma e o uso de estratégia. Contudo, os resultados
empíricos de Kalantaridis (2004) demonstraram apenas uma fraca relação
entre essas duas varáveis, verificando que muitas pequenas empresas adotam
uma abordagem estratégica. O autor também constatou que existe apenas
uma pequena diferença na quantidade de ações colocadas em prática para
implementar a estratégia entre empresas de diferentes tamanhos. Assim, a
pesquisa de Kalantaridis (2004) concluiu que as pequenas empresas não só
fazem uso de estratégia, como também são apenas marginalmente menos
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ativas em sua execução do que as grandes empresas. Todavia, a pesquisa
identificou uma relação entre tamanho da firma e uso de estratégia quando
varia a complexidade das atividades internacionais. Isso porque as médias e
grandes empresas aumentaram o uso de estratégia quando a complexidade
de suas operações no exterior aumentou, mas não houve diferenças
significativas na incidência do comportamento estratégico entre as pequenas
empresas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se vê, a literatura acerca do processo de internacionalização de
pequenas e médias empresas ainda não está consolidada. Uma série de
questões relativas aos efeitos do tamanho da firma sobre o comportamento
desta em mercados externos permanece não resolvida. Portanto, existem
diversas lacunas de conhecimento que podem ser exploradas por estudos
futuros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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revisited. International Small Business Journal, Londres, v. 20, n. 1, p. 9-31, feb.
2002.
ABSTRACT
The present study aims to briefly review
the literature on the particularities of the
internationalization process of small and
medium enterprises. Specifically, it
discusses the possible implications of
size on the behavior of firms in foreign
markets. Though difficulties impinged by
the size of the company are commonly
held, several researchers have come to
opposite evidence, demonstrating the
lack of consensus on the topic.
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INTERNACIONALIZAÇÃO DO ARTESANATO BRASILEIRO.
ESTUDO DE CASO DO ATELIÊ OFICINA DE AGOSTO
Raquel Silveira Scrivano
RESUMO
Ao longo do curso de Teoria da
Internacionalização, discutimos casos de
empresas, brasileiras ou não, que se
internacionalizaram de diversas maneiras
possíveis, de forma que diferentes teorias
foram aplicadas para explicar cada caso. Um
aspecto que sobressaiu nas discussões foi a
ausência de um made in Brazil, uma marca
do país de origem que diferenciasse variados
produtos de empresas brasileiras dos produtos
concorrentes dos demais países. A partir
desta observação, procurou-se neste
trabalho pensar na internacionalização de
um produto que efetivamente carrega em si
uma brasilidade genuína, o artesanato.
Estudou-se a internacionalização da empresa
Oficina de Agosto, ateliê e loja de
artesanato, através da revisão de dois
estudos de caso sobre internacionalização,
da moda praia brasileira (Rubim, 2004) e dos
cachimbos artesanais La Nuvole (Cocciola et
al., 2007). Ambos foram escolhidos por
tratarem, em algum aspecto, de questões
subjacentes à internacionalização da Oficina
de Agosto. O primeiro (estudo sobre moda
praia) ao levantar o efeito da imagem do
país na percepção dos consumidores, e o
segundo por examinar a internacionalização
de uma pequena empresa italiana de
produção artesanal e o impacto que a
internet teve neste sentido. As teorias
comportamentais de internacionalização
foram examinadas para estudar o caso da
Oficina de Agosto, pois são os modelos mais
adequados aos fatos levantados.
Palavras-chave: internacionalização, artesa-
nato, marca Brasil
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1. ANTECEDENTES
Em 1989, o artista plástico Antônio Carlos Bech, mais conhecido como
Toti, abriu com sua irmã, Sônia Bech, a Oficina de Agosto, em Embu (SP),
produzindo e comercializando peças de artesanato criadas por ele. Em 1991,
Toti mudou-se para um vilarejo no interior de Minas Gerais, popularmente
conhecido como Bichinho, onde começou a produzir objetos de decoração
em larga escala, com a ajuda de uma equipe formada por artesãos locais.
Fora os 45 artesãos empregados diretamente, a oficina conta com o trabalho
de mais 50 pessoas, que produzem em suas casas.
A principal matéria-prima das peças produzidas pela Oficina são
materiais recicláveis, como madeira de demolição, retalhos, latas de
conserva, garrafas PET, palha etc. O aspecto fundamental do artesanato
produzido pela Oficina de Agosto são os símbolos brasileiros (frutas, bichos,
galinha d‟angola) e imagens religiosas. O artista Toti considera que seu
trabalho mostra a exuberância tropical. Algumas peças são consideradas for
export, como por exemplo, o “Divino”, e algumas têm um teor “erótico-
nacional-ingênuo”, segundo o próprio artista. Nota-se que o volume de
exportação cresce a cada dia.
O negócio cresceu principalmente com a popularização do artesanato
brasileiro como objeto de decoração dos lares de famílias de classe A. Em
2004 e 2005, a Oficina de Agosto teve um crescimento anual de 20%. Porém,
em 2006 as vendas no mercado doméstico frearam, segundo os donos, devido
ao fato da renda da classe média alta ter caído.
Atualmente o ateliê emprega 50 pessoas e dá trabalho para cerca de
outras cem, exporta para 13 países e tem lojas em Bichinho e São Paulo (2).
Atende também revendedores no Rio de Janeiro, Bahia e estados no sul do
Brasil. A Oficina faz hoje um trabalho direto para hotéis e Resorts,
desenvolvendo produtos de decoração personalizados.
A originalidade do artesanato da Oficina de Agosto, apesar da grande
produção, é dada pelo regime de diversificação dos trabalhos. Para terminar
um único painel vazado de frutas, até 15 artesãos diferentes metem as mãos.
“Por isso as peças são únicas, irreplicáveis”, explica Denis.
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2. SETOR BRASILEIRO DE ARTESANATO
No Brasil existem aproximadamente 8,5 milhões de artesãos (segundo
dados do IBGE em 1998). Em Minas gerais, estima-se que existam, pelo menos,
500 mil pessoas trabalhando neste segmento. Na zona rural a renda do artesão
pode chegar a dois salários mínimos por mês, enquanto que, nos grandes
centros, esse rendimento ultrapassa três salários.
O setor brasileiro de artesanato vem se profissionalizando cada vez mais,
desde meados dos anos 1990. Órgãos do governo contribuem para esta
profissionalização, com ações específicas como o Programa Sebrae de
Artesanato e o prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato, criado com o objetivo
de estimular as unidades produtivas a desenvolverem processos de trabalho
com foco no mercado, adequando produtos aos públicos-alvo e contribuindo
para maiores esforços em prol da qualidade. Já a Agência de Promoção de
Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) possui um programa especial de
incentivo à exportação de artesanato.
O volume de exportações cresce a cada ano. Em 2002, o montante de
exportações ficou em US$ 10 mil. Em 2003, alcançou a cifra de US$ 203 mil
dólares. Em 2004, contabilizou aumento novamente gerando US$ 400.000,00.
Em 2005, o montante de exportações alcançou a cifra de US$ 2.121.063,00,
sendo US$ 621.063,00 de produções de Minas Gerais e US$ 1,5 milhão do resto
do Brasil (Fonte: site da APEX Brasil).
3. REVISÃO DE LITERATURA
Tradicionalmente, pequenas empresas restringiam suas atividades à
região onde se localizavam, mantendo-se dentro das fronteiras nacionais de
seu país de origem. Hoje em dia, contudo, muitas pequenas empresas são
players internacionais, internacionalizando suas operações, influenciadas pela
globalização que provê a conectividade de pessoas e mercados e a
interdependência de economias nacionais (Antoncic, et al., 2006).
A literatura sobre o tema privilegia as teorias comportamentais de
internacionalização quando se trata de analisar os movimentos de pequenas
e médias empresas em direção aos mercados internacionais, uma vez que é
observada uma tendência entre as pequenas empresas pesquisadas de se
comprometerem gradualmente com atividades internacionais, em um
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processo sequencial, conforme proposto pela escola de Uppsala (Antoncic et
al., 2006).
Procurou-se apontar na revisão de literatura que se segue os principais
aspectos das teorias comportamentais, conceitos de marca e estudos de caso
que possam ajudar a explicar a trajetória da Oficina de Agosto em direção
aos mercados internacionais.
3.1 Modelo de Internacionalização de Uppsala
A Escola de Uppsala é a denominação dada a um conjunto de teóricos
e pesquisadores que estudaram a internacionalização das empresas,
influenciados pela teoria de comportamento da empresa e pela teoria de
Penrose sobre conhecimento e crescimento das organizações, e propuseram
modelos que explicam o comportamento dessas empresas no tocante à
internacionalização. A teoria de Uppsala aplica-se melhor a pequenas e
médias empresas, explicando um típico comportamento inicial, dos primeiros
passos em direção aos mercados internacionais.
De acordo com pesquisadores como Johanson e Valhne (1977), a falta
de conhecimento sobre mercados estrangeiros atua como obstáculo para a
internacionalização das empresas e este tipo de conhecimento é experiencial,
isto é, aprendido pela experiência, adquirido principalmente por meio de
operações internacionais. A partir deste ponto, os autores desenvolvem a
teoria de que a internacionalização da empresa é um processo incremental
em termos de comprometimento de recursos com o mercado internacional
em que se está entrando e em conformidade com o aprendizado adquirido
em cada etapa do processo. Desta forma, as decisões de começar a exportar
para um determinado país, de estabelecer canais de exportação, de
começar a vender por intermédio de uma subsidiária, e assim por diante, são
sequenciais e diretamente associadas ao conhecimento adquirido em cada
etapa. Contudo, nota-se que, após um processo de internacionalização
sequencial em determinado mercado internacional, o aprendizado adquirido
pode ser suficiente para a empresa partir para o investimento direto, pulando
etapas do processo, em mercados semelhantes àqueles em que já entrou e,
portanto, conhece.
Um dos pressupostos desta teoria é a distância psíquica, um conceito
subjetivo definido como a soma de fatores como as diferenças de linguagem,
educação, práticas comerciais, cultura e desenvolvimento industrial entre o
país de origem e o mercado internacional. Segundo a teoria de Uppsala, a
seleção de mercados internacionais onde atuar seria feita pela empresa
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começando por países com menor distância psíquica, indo gradualmente até
países psiquicamente mais distantes.
Importante notar que o processo descrito acima, de aprendizado e
comprometimento de recursos incremental, diminui a incerteza, mas não o
risco. Desta forma, o processo só se desenrola caso o risco real do mercado
internacional seja menor que o risco máximo tolerado pela empresa, ou seja,
depende de quanto risco a empresa está disposta a enfrentar. Destaca-se
ainda a questão da imitação levantada por Forsgren (2001), que defende
que, imitando empresas de seu setor em seus movimentos de
internacionalização, a empresa pode diminuir seus riscos sem passar pelo
processo de aprendizado.
O modelo de Uppsala não explora as relações entre firmas e o impacto
disso na internacionalização. Considerando algumas características do caso
Oficina de Agosto, faz-se necessário a revisão da teoria de Networks, que trata
exatamente deste aspecto.
3.2 Modelo de Internacionalização de Networks
Teoria segundo a qual a internacionalização das empresas é um
processo dependente da construção gradual de uma rede de
relacionamento, que favorece a obtenção de informações e recursos
financeiros necessários para exploração de mercados internacionais (Chetty e
Holm, 2000). Segundo Johanson e Mattson (1993), o processo de
internacionalização das empresas passa por uma adaptação de suas
operações (estratégia, estrutura, recursos etc.) para atendimento do ambiente
internacional. Outra visão desta teoria, que se aplica às pequenas empresas, é
dada por Johanson e Vahlne (1990), para quem a internacionalização é o
processo de desenvolver redes de relacionamento de negócios em outros
países através de extensão, penetração e integração. Tais relacionamentos
são continuamente estabelecidos, desenvolvidos e dissolvidos em prol dos
objetivos da empresa (Johanson e Vahlne, 1990), sendo mantidos por agentes
atuantes no mercado, como fornecedores, distribuidores, concorrentes,
clientes industriais etc., o que se traduz em uma relação de interdependência
entre as empresas que atuam dentro do mesmo setor. A participação da
empresa em uma rede de relacionamentos faculta-lhe acesso a recursos que
pertencem a outros agentes do mercado, o que só é possível quando a
empresa e o agente têm um vínculo de longo prazo. Desta forma, a posição
da empresa na rede determina o acesso aos recursos existentes nessa rede
(Rocha, Almeida, 2006).
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Segundo a teoria de Networks, este processo de internacionalização
por intermédio de redes de relacionamento é cumulativo, uma vez que as
relações entre as empresas podem cada vez mais gerar oportunidades
futuras.
A teoria aborda ainda a análise do grau de internacionalização da
empresa, comparado ao grau de internacionalização do mercado,
construindo uma matriz, matriz de Johanson, para explicar as características
de quatro possibilidades de grau de internacionalização: Early Starter, Lonely
International, Late Starter e International Among Others.
Diversos aspectos levantados pela teoria de Networks são relevantes
para o estudo do presente caso, como, por exemplo, as redes de
relacionamento atuando como facilitadoras de entrada em mercado de
maior distância psíquica, permitindo o alcance de clientes potenciais, antes
inacessíveis (Rocha e Almeida, 2006).
3.3 Internacionalização da Moda Praia Brasileira
A internacionalização das empresas de moda praia brasileira seguiu, de
maneira geral, o processo sugerido pelas teorias comportamentais da escola
de Uppsala (Rubim, 2004), começando por pedidos inesperados provenientes
do exterior, passando pelas etapas de esforços deliberados de exportação,
até a abertura de lojas e escritório comercial em mercados internacionais. O
estudo de casos consultado (Rubim, 2004) identifica relação entre tais
experiências e o maior comprometimento com os mercados estrangeiros em
cada etapa, gradualmente. Entretanto, a seleção de mercados não seguiu o
previsto pela teoria de entradas iniciais em mercados com menor distância
psíquica ao do país de origem. Segundo o estudo, algumas escolhas poderiam
ser descritas como oportunistas, no sentido em que foram oportunidades que
se apresentaram para cada empresa.
Foi identificada também a aplicação das teorias de Networks à
internacionalização das empresas brasileiras de moda praia, principalmente o
papel dos contatos pessoais dos dirigentes na fase inicial de exportações.
Outro aspecto importante foi a necessidade de adaptação do produto
ao gosto dos consumidores estrangeiros e o impacto do Made in Brazil no
consumo especificamente de biquínis, com consumidoras estrangeiras
preferindo a modelagem original, conforme os hábitos de consumo das
brasileiras. Quando se trata de biquínis, a imagem de produto brasileiro
influencia uma percepção favorável do consumidor, devido à identidade que
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o Brasil assume no exterior, como a tropicalidade do país e a sensualidade da
mulher brasileira (Rubim, 2004). Desta forma, diferentemente de outros
produtos de empresas brasileiras que tentam sem sucesso competir por baixo
custo no exterior, os biquínis adotam um posicionamento de diferenciação,
com a vantagem de se encaixarem em um segmento em que o Made in Brazil
faz diferença positiva.
3.4 Marca-país
Segundo Liu e Johnson (2005), em citação em artigo da Revista
Eletrônica de Negócios Internacionais da ESPM (2007), os estereótipos
específicos de cada país são ativados involuntariamente pelo consumidor na
simples presença de pistas sobre o país de origem do produto, influenciando
seu julgamento ainda que racionalmente não fosse esta a intenção (de
considerar o país de origem na avaliação do produto). Além de estereótipos
culturais, os efeitos do país de origem estão relacionados ainda com as
crenças pessoais do consumidor.
Outra questão relevante apresentada no artigo é a defesa da
construção de uma imagem positiva do país a partir de seus atributos reais,
importante não só para atração de investimentos, como também para
exportação de seus produtos. Esta imagem deve refletir os valores nacionais e
ser alinhada com a identidade cultural do país, caso contrário toda a
comunicação soa falsa (Hall, 2004, citado por Khauaja e Hemzo em 2007).
3.5 Tribos, Internet e Internacionalização – O caso La Nuvolle
O livro Consumer Tribes, organizado por Bernard Cova, Robert Kozinets e
Avi Shankar, é uma coletânea de artigos sobre tribos de consumo. Entre eles,
há um estudo de caso sobre a internacionalização de uma empresa italiana
produtora de cachimbos artesanais, a La Nuvole, via internet, mais
precisamente por uma tribo virtual. A argumentação dos autores é focada em
mostrar como o marketing de tribos pode ser um novo meio de
internacionalização para empresas de artesanato e pequenas empresas em
geral, provendo-as de vantagem competitiva sobre grandes empresas, no
momento em que permite que a rede de membros da comunidade atue em
prol desta internacionalização.
Cocciola, Fratocchi e Pace, autores do estudo, inicialmente revisam o
conceito de tribo e de marketing tribal para comprovar que a comunidade
virtual de fumantes de cachimbo a ser estudada é uma verdadeira tribo. Em
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seguida, apontam os fatores que facilitam a internacionalização de pequenas
empresas via internet, como, por exemplo, o papel da interatividade na
comunicação e no processo de distribuição, a diminuição da importância dos
intermediários na estratégia de internacionalização (desintermediação) e o
enfraquecimento do papel da economia de escala. Em resumo, segundo o
estudo, a internet permite que as pequenas empresas expandam seus nichos
de mercado, aumentando sua massa crítica de potenciais compradores a um
nível internacional, mas isso só é possível quando a internet é usada como
meio de agregar indivíduos dispersos geograficamente, mas reunidos no
espaço virtual em torno de um interesse comum.
Nesse contexto, comunidades virtuais podem multiplicar os efeitos das
networks na internacionalização de empresas de artesanato, enquanto que
características típicas de comunidades, como senso de reciprocidade,
solidariedade e conexão emocional entre os membros, acabam por
direcionar este processo de internacionalização.
No caso da empresa La Nuvole, o artesão dos cachimbos e proprietário
da empresa, Mauricio Tombari, é membro de uma comunidade de fumantes
de cachimbo, tendo desta forma um papel primordial no processo de
internacionalização estimulado pela comunidade. O respeito conquistado
pelo artesão dentro da comunidade deu legitimidade à empresa, de maneira
que os membros da comunidade, que são das mais variadas partes do
mundo, não percebem qualquer publicidade da La Nuvole como intrusiva e
até atuam em benefício de seus negócios. Segundo os autores, a teoria
Networks explica a internacionalização da La Nuvole, mas destacam que no
caso de empresas de artesanato, redes de relacionamento pessoais se
confundem com relacionamentos profissionais.
4. INTERNACIONALIZAÇÃO DA OFICINA DE AGOSTO
A Oficina de Agosto iniciou suas exportações em 1998. As peças de
artesanato da Oficina de Agosto chegam aos mercados internacionais de
duas formas: por exportação indireta, pelo distribuidor Pirangua, localizado na
Bélgica, e por exportação direta para lojas revendedoras. O distribuidor atua
distribuindo os produtos da Oficina na Holanda, Bélgica, Luxemburgo,
Alemanha, França, Espanha, Itália, Inglaterra e Líbano. Já as lojas
revendedoras localizam-se na Suécia (Terra Brasilis), Miami (Project Earth
Design), Nova York (Ipê Brasil) e Virginia (Jacarandá Furniture) nos EUA e ainda
Colômbia (Savile Arte Para Usar) e Panamá (Rodmen Suplllies). Devido às
características do processo de criação e produção das peças de artesanato
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e objetos de decoração da Oficina de Agosto, como, por exemplo, as
matérias-primas utilizadas e a mão de obra especializada da comunidade
onde está localizada (equipes de artesãos), a instalação de unidades
produtivas no exterior não faz sentido para a empresa.
Philippe Descamps, sócio da empresa de distribuição Pirangua, morou
por 10 anos no Brasil, tempo em que descobriu os objetos de decoração
produzidos pela Oficina de Agosto. Desta mesma forma, Christer Söderberg,
proprietário da Terra Brasilis, morou no Brasil trabalhando em uma empresa
multinacional e, ao voltar para Suécia, sua terra natal, abriu a loja
revendedora de artesanato e mobiliário brasileiro. Os proprietários da Project
Earth, Fernando Dias, e da Ipê Brasil, Karina Ruiz, são brasileiros residentes no
exterior.
Outro aspecto digno de nota é o fato de que tanto o distribuidor
quanto a maioria das lojas revendedoras são associados claramente à cultura
brasileira, posicionando suas marcas como decoração “étnica-chique”.
A percepção dos estrangeiros em relação à cultura brasileira e a
escolha do artesanato da Oficina de Agosto para distribuição na Europa são
questões retratadas por Philippe Descamps:
... eu comecei a buscar objetos no Brasil que pudessem ser
comercializados na Europa. Achei coisas muito boas e coisas
muito ruins em comparação com os nossos critérios em matéria
de decoração. Em compensação, se você se dá ao trabalho de
procurar, você encontra coisas de primeira classe da cultura
brasileira. Não tínhamos a vontade de retornar com peças
baratas, não tínhamos a vontade de explorar a miséria humana.
Nós vimos essa Oficina de Agosto e ficamos seduzidos, porque era
realmente diferente... se ignora que o senso estético brasileiro
pode ser vendido no nosso país de origem e se pensa que a arte
brasileira é necessariamente barata, enquanto o Brasil é regido
pelas mesmas leis econômicas que o nosso país de origem.
Atualmente, cerca de 20% do faturamento vem da exportação. A
aceitação pelos compradores estrangeiros é positiva, o que pode estar
relacionado com a preocupação da empresa em mostrar um produto
diferenciado, com uma qualidade que siga os parâmetros de posicionamento
no mercado nacional e internacional. A aceitação também pode estar
associada à consciência ecológica em voga na atualidade, uma vez que as
peças criadas pela Oficina de Agosto só usam materiais reciclados. Muitas das
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reportagens em imprensa estrangeira que citam a Oficina de Agosto
destacam este fato, apontando uma valorização de produtos que respeitam
o meio ambiente nos mercados internacionais.
A seleção de mercados internacionais, em que está presente, foi
aparentemente feita de maneira oportunista (Bradley, 2005), a partir de
contatos e pedidos não programados e participação em feiras de
decoração, como a Salon Maison & Objets à Paris.
5. CONCLUSÃO
Empresas de artesanato tipicamente têm um comportamento peculiar
no que se refere à internacionalização. Expandem-se para mercados
internacionais, desenvolvendo e explorando redes de relacionamento, e,
muitas vezes, sem ligação com um planejamento estratégico formal, mas sim
estimuladas pela própria rede (Cocciola et al. 2007). A Oficina de Agosto não
foge à regra, com uma rede formada basicamente de contatos pessoais e
relacionamentos dos proprietários.
Conforme preconizado pela teoria de Networks, a rede de
relacionamento da qual a Oficina faz parte, permitiu sua entrada em países
de grande distância psíquica, como Bélgica e Suécia, tornando acessíveis
clientes antes distantes de seu universo, como por exemplo, consumidores de
classe A europeus, frequentadores de feiras de decoração (da qual participou
por intermédio de seu distribuidor).
Aplicando a matriz apresentada pela teoria de Networks, é provável
que a Oficina de Agosto seja uma Lonely International, dadas as seguintes
características de seu processo de internacionalização:
Já adquiriu considerável experiência, exportando desde 1998
Os contatos pessoais e a rede de relacionamento dos proprietários
têm grande importância, permitindo uma combinação de recursos
como a qualidade e criatividade das peças que produz e os
contatos fornecidos por seus revendedores e, principalmente, por
seu distribuidor
Customiza produtos como por, exemplo, as peças consideradas for
export pelo próprio artista
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Alcançou um estágio no processo de expansão menos dependente
da similaridade dos mercados, tendo em vista a exportação para
países de maior distância psíquica, como a Suécia.
Assim como o caso da moda praia brasileira, a internacionalização da
Oficina de Agosto foi despertada pelos eventuais pedidos do exterior, além
das crescentes vendas para estrangeiros no Brasil. Entretanto, diferente dos
casos de moda praia, no caso da Oficina de Agosto o modelo de Uppsala
não se aplica para explicar seu processo de internacionalização.
A chamada pelo proprietário “irreplicabilidade” das peças e o processo
inovador de criação desenvolvido com materiais recicláveis, atuam como
vantagens competitivas, fortalecidos pelo fato de que, assim como na moda
praia, o Brasil tem um impacto positivo no que se refere à decoração “étnica-
chique”. A identidade cultural brasileira e os estereótipos do país criam uma
percepção nos consumidores estrangeiros em concordância com alguns
atributos do artesanato produzido.
A escolha de revendedores brasileiros ou com grande envolvimento
com o Brasil expõe certas barreiras psicológicas, possivelmente um
etnocentrismo dos dirigentes da Oficina de Agosto. A seleção de mercados
atendidos por revendedores concentrada nas Américas, com a escolha de
modo de entrada por distribuidor na Europa, revela-se regiocêntrica (Rocha et
al. 2007), embora a confiança depositada no distribuidor europeu não seja
típica de países com cultura relacional como o Brasil, onde não se aprecia
dividir poder e controle com estranhos.
Os motivos que levaram a Oficina de Agosto a se internacionalizar
basearam-se nas oportunidades que se apresentaram, mais do que na simples
vontade dos dirigentes.
Brasileiros e “simpatizantes” do Brasil residentes no exterior formam uma
comunidade com conexão emocional, em torno da saudade do país e
consumidora de produtos que cultivam uma identidade cultural brasileira
como, por exemplo, o artesanato, estimulando a internacionalização da
empresa como forma de ter o “Brasil mais perto” dos residentes no exterior (ver
trecho de reportagem de jornal de comunidade brasileira nos EUA abaixo).
Karina Ruiz, proprietária da galeria, paulistana e advogada de
formação, reside nos EUA há quatro anos. Apaixonada pela arte
folclórica brasileira, Karina queria “trazer o Brasil para mais perto”,
quando então, nos fins de 2005, iniciou a importação das peças
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que deram origem à Ipê Brasil (revendedora da Oficina de
Agosto).
(Fonte: site do Jornal da Colônia Brasileira nos EUA –
http://www.brazilianvoice.com/mostranews.php?id=2014#)
Embora o site da Oficina de Agosto trabalhe com e-mail marketing e a
maioria dos revendedores e o distribuidor tenham sites ativos com meios de
contato, não foram encontradas pistas sobre como a internet influenciou o
processo de internacionalização da Oficina de Agosto.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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n.4, p.476-497, 2006.
ABSTRACT
The case studies of several companies –
some of them Brazilian - that were
internationalized using a variety of systems
were discussed throughout the course
Theory of Internationalization, using
different approaches to explain each
case. One of the aspects highlighted
during the discussions was the absence of
the „made in Brazil‟ logo, that should have
identified Brazil as the country of origin,
where products were manufactured by
companies to compete with others on the
global market. On the basis of this finding,
the study tried to outline the
internationalization of a product that
would genuinely represent Brazil: local
artcraft. We examined the
internationalization of Oficina de Agosto,
an atelier and artcraft store, reviewing
two other articles: Brazilian beach wear
(Rubim, 2004), as well as La Nuvola hand-
made tobacco pipes (Cocciola et al.,
2007). Both case studies were chosen to
pinpoint underlying internationalization
issues related to the Oficina de Agosto
company. The first one (the study on
beach wear), because it attempted to
enhance Brazil‟s image in the mind of
consumers, and the second, because it
examined the internationalization of a
small Italian handcraft production
company and how it was impacted by
the Internet. Furthermore, the in-depth
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analysis of the Oficina de Agosto case led
us to examine the internationalization
behavioral theories, as these are the best
models to draw up a pattern for this type
of case study.
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ESTUDO DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO E O IMPACTO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DUAS EMPRESAS PRIVATIZADAS BRASILEIRAS
Ricardo Costa Vieira da Silva
RESUMO
Este artigo buscou investigar o
processo de internacionalização de
duas empresas públicas brasileiras
privatizadas no Programa Nacional de
Desestatização (PND, tendo como
base o referencial teórico: das teorias
da escola comportamental da
Universidade de Uppsala, das teorias
econômicas na linha do Paradigma
Eclético de Dunning e do diamante da
vantagem nacional de Porter. Avaliou-
se ainda as principais políticas públicas
disponíveis para impulsionar este
processo no país.
A investigação foi feita a partir dos
históricos das empresas Embraer e Vale
do Rio Doce obtidos em artigos em
jornais e nos sítios das referidas
organizações e procedeu-se sua
análise a luz do referencial proposto.
Ao avaliar o processo de
internacionalização das empresas face
as teorias propostas foi possível
identificar características idiossin-
cráticas neste processo para as antigas
empresas estatais.
Palavras-chave: negócios internacio-
nais, modelo comportamental de
Uppsala, paradigma eclético de
Dunning, diamante da vantagem
competitiva, políticas públicas,
estratégias de internacionalização,
empresas privatizadas
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1. INTRODUÇÃO
Até o início do século XX, o Brasil era um país basicamente agrário.
Anteriormente ao governo de Getúlio Vargas, existiram algumas iniciativas de
industrialização do país, mas de forma desordenada e incipiente. Talvez Irineu
Evangelista de Souza, mais conhecido como Barão de Mauá, tenha sido o
grande expoente desse movimento e também os imigrantes italianos que
chegaram ao Brasil em um momento posterior.
Após a década de 1930, o Brasil viveu um acentuado processo de
desenvolvimento econômico, com a criação de indústrias nos mais variados
segmentos. Foram três os períodos de maior pico: o primeiro governo de
Getúlio Vargas (de 1930 a 1945), os anos JK (de 1956 a 1960) e os anos da
ditadura militar (de 1964 a 1985). Durante esses momentos de auge da
indústria nacional, o Estado Brasileiro atuou de forma intensa planejando a
economia, criando empresas estatais em setores inexistentes ou incipientes.
Os primeiros movimentos relevantes de internacionalização de
empresas brasileiras, para os quais existem registros, foram feitos pela Petrobras
a partir da década de 1970, na busca de novas fontes de prospecção de
petróleo ao redor do mundo para suprir as necessidades brasileiras da
ocasião. Naquele momento produzia-se menos de 10% da quantidade
requerida pelo mercado interno.
Criou-se, em todo esse processo de industrialização e
internacionalização tardia das empresas nacionais, a Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD) em 1962 e posteriormente a Empresa Brasileira de Aeronáutica
(Embraer) em 1969. Desde seus primórdios, essas empresas tiveram uma forte
orientação para o mercado exterior, sendo esse caráter acentuado após as
reformas liberais implementadas no Brasil a partir da década de 1990.
2. OBJETIVO DO TRABALHO
Sopram os ventos da liberalização econômica de Margareth Thatcher
na Inglaterra, ocorrem a retomada do crescimento econômico norte-
americano sob um prisma liberal implementado por Ronald Reagan, a
Perestroika de Mikhail Gorbachev, a queda do Muro de Berlim, a reunificação
das Alemanhas, a derrocada quase completa dos regimes comunistas no
mundo, o massacre da Praça da Paz Celestial na China, e o fim da história é
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anunciado por Francis Fukuyama com o triunfo das democracias liberais no
mundo.
Ao final de 1989, o país elege Fernando Collor de Melo. Segundo
Guedes (2006), até o início de 1990, o Brasil era um dos países com menor grau
de abertura dentre seus congêneres ocidentais. Muitas empresas brasileiras e
estrangeiras beneficiaram-se de medidas protecionistas, até à implantação
das políticas de liberalização comercial adotadas pelo novo presidente. No
bojo dessas políticas é implementada uma abertura gradual para a
concorrência com produtos estrangeiros e inicia-se um grande processo de
privatização das empresas estatais. Fernando Henrique Cardoso dá
continuidade a esse processo e privatiza a Embraer e a Vale do Rio Doce.
Com toda a mudança cultural e liberal que foi introduzida na
mentalidade coletiva a partir da década de 1990, o Estado passa a ser visto
como um elemento que somente atua de forma perniciosa na economia.
Tendo em conta esse viés cognitivo nacional, este trabalho busca verificar os
aspectos de internacionalização de duas empresas que surgiram e cresceram
como estatais e se tornaram fortes após suas respectivas privatizações, e
identificar de que forma as políticas públicas do governo brasileiro podem ter
influenciado ou não esse processo.
3. REVISÃO DE LITERATURA
Para a composição desse trabalho serão utilizados alguns dos conceitos
de internacionalização de empresas, a teoria de vantagens competitivas da
nação de Porter e também serão avaliados alguns aspectos de políticas
públicas para internacionalização de empresas. Na seção seguinte serão
analisados os históricos de ambas as empresas à luz dessas teorias. Por fim, será
feita uma conclusão acerca de todo esse processo vivenciado por tais
organizações.
3.1 Teorias de Internacionalização de Empresas
O processo de internacionalização das empresas envolve duas
instâncias principais:
1. Atendimento de mercados externos via exportações
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2. Investimento direto no exterior, seja para a instalação de
representações comerciais, seja para a implantação de unidades
produtivas.
Segundo a abordagem eclética de Dunning (1988), para se
internacionalizar as empresas devem possuir certos tipos de vantagens sobre
os seus competidores que justifiquem o investimento direto no exterior. Uma
empresa pode contar com três tipos de vantagens diferenciais: as de
localização, que são as oferecidas por um determinado país ou região; as de
propriedade ou de capacidades próprias desenvolvidas pela organização,
que são as que lhe permitem se posicionar relativamente melhor no mercado
estrangeiro quando comparada com os produtos locais ou outros produtores
estrangeiros; e as de internalização, que indicam que, se os custos de
incorporação e organização produtiva são menores que os custos de
transação associados à transferência dessas capacidades a um produtor
local, a firma investirá na produção nesse mercado.
Dunning (1988) classifica o investimento estrangeiro em quatro grandes
tipos, de acordo com o seu objetivo principal: baseado em recursos, baseado
em mercados, especialização racionalizada, trocas e distribuição.
O que diferencia as empresas multinacionais de países desenvolvidos
daquelas de países em desenvolvimento, é justamente a composição das
vantagens de propriedade, que envolvem, em grande parte, diferentes tipos
de recursos naturais e qualificação de sua mão de obra, diferentes níveis de
capacitação tecnológica e políticas de governo.
Há outra corrente que procura explicar os movimentos de
internacionalização por meio de uma abordagem comportamentalista. Uma
hipótese-chave desses modelos é que a internacionalização da firma é um
processo gradual, que implica um envolvimento crescente da firma com os
mercados externos e que pode tomar, primeiro, a forma de exportação via
agentes, depois passar à exportação via subsidiárias e, por fim, chegar à
fabricação local no mercado externo. As distintas fases, pelas quais passa o
relacionamento com o mercado externo, indicam um crescente
comprometimento de recursos da firma com aquele mercado.
Uma das principais linhas dentre os modelos comportamentalistas é a
escola de Uppsala, representada principalmente por Johanson e Vahlne
(1977). Para essa escola, o processo de internacionalização tem duas
características básicas: conhecimento do mercado e comprometimento de
recursos. Para avançar nesse processo, a firma deve envolver-se em atividades
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comerciais (que lhe permitem conhecer) e tomar decisões de
comprometimento de recursos. Os escritórios comerciais, as subsidiárias
comerciais e fabris indicam uma sequência de maior comprometimento de
recursos, como resultado do maior conhecimento.
AGUIAR M., BHATTACHARYA A., BRADTKE T., COTTE P., DERTNIG S., MEYER
M, MICHAEL D. C., SIRKIN H. L. (2006) definem os seus seis modelos estratégicos
para globalização:
1. Transformação das marcas das economias de rápido
desenvolvimento (RDE em inglês) em globais
2. Conversão da engenharia dessas economias em inovações globais
3. Assunção da liderança da categoria globalmente
4. Monetização dos recursos naturais nessas economias
5. Lançamento de novos modelos de negócios para múltiplos
mercados, e
6. Aquisição de recursos naturais.
Segundo esse estudo do relatório BCG, dentre as 100 maiores empresas
das economias de rápido desenvolvimento, o Brasil possui 12 representantes,
dentre eles a Embraer e a CVRD.
Porter (1993), em seu estudo sobre a vantagem competitiva das
nações, cria a figura do diamante da vantagem nacional, composto por
quatro vértices que modelam o ambiente no qual as empresas competem e
que promovem (ou impedem) a criação da vantagem competitiva.
Os vértices do diamante são representados por:
1. Condições dos fatores. A posição do país nos fatores de produção,
como trabalho especializado ou infraestrutura, necessários à
competição em determinada indústria.
2. Condições de demanda. A natureza da demanda interna para os
produtos ou serviços da indústria.
3. Indústrias correlatas e de apoio. A presença ou ausência, no país, de
indústrias abastecedoras e indústrias correlatas que sejam
internacionalmente competitivas.
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4. Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. As condições que, no
país, governam a maneira pela qual as empresas são criadas,
organizadas e dirigidas, mais a natureza da rivalidade interna.
3.2 Políticas Públicas para Internacionalização de Empresas
Segundo Alem e Cavalcanti (2005), há três aspectos que definem as
principais motivações para a criação de empresas multinacionais brasileiras:
1. No início dos anos 1990, somente as 420 principais empresas
multinacionais foram responsáveis por mais da metade da produção
mundial.
2. O grande crescimento da participação das exportações das
empresas transnacionais no total exportado no mundo (no início dos
anos 1990, as multinacionais eram responsáveis por volta de 75% do
comércio mundial).
3. As firmas multinacionais têm sido a principal fonte não
governamental de financiamento à pesquisa e desenvolvimento,
dominando suas transações com tecnologia.
Esses autores acreditam que a internacionalização deve ser vista como
um meio essencial para o aumento da competitividade internacional das
empresas, promovendo o desenvolvimento dos países, facilitando:
o acesso a recursos e a mercados
a reestruturação econômica.
Em resumo, a internacionalização das empresas seria importante para
assegurar e expandir mercados para os seus bens e serviços. O acesso a
mercados maiores fortaleceria a competitividade das empresas multinacionais
pelas economias de escala, efeitos de especialização e de aprendizado e
pelo fornecimento de uma maior base financeira para reinvestimentos e
desenvolvimento tecnológico.
Iglesias e Veiga (2006) indicam que as dificuldades relacionadas com a
obtenção de informação são mais generalizadas e representativas dos
problemas enfrentados pelas firmas investidoras. As dificuldades relacionadas
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 51
com o financiamento também são representativas para outro conjunto de
empresas.
Segundo esses autores, financiamento e seguro contra riscos do
investimento podem ser políticas necessárias para a internacionalização
produtiva das firmas. Para essa atividade é necessário contar com:
o desenvolvimento de ativos específicos ou proprietários, o que
implica um grau importante de desenvolvimento tecnológico
a construção de capacidades para diferenciar em termos de
produtos e serviços associados ao fornecimento desses produtos; e
um forte contexto competitivo no mercado doméstico, que obrigue
as corporações nacionais a aumentar sua eficiência e a buscar
novos mercados.
Portanto, políticas horizontais de desenvolvimento tecnológico, que
propiciem a melhor adaptação de tecnologias existentes e permitam a
criação de novos produtos e processos, com políticas regulatórias que
aumentem o grau de concorrência nos mercados domésticos, parecem ser
mais adequadas para facilitar a internacionalização das empresas de um país.
Iglesias e Veiga (2006) mencionam que há vários exemplos
internacionais de governos que apoiaram, e ainda apóiam, a expansão
internacional de suas empresas. No caso norte-americano, seu governo criou
uma agência denominada Overseas Private Investiment Corporation (OPIC),
que financia operações de investimento no exterior e oferece também
garantias e seguro contra risco político, fornecendo adicionalmente um
conjunto de serviços de apoio ao investidor americano no exterior.
Os requerimentos que deve cumprir uma operação financiada pela
OPIC são:
Rentabilidade econômica e financeira
Impactos neutros ou positivos no emprego nos Estados Unidos
Impactos neutros ou positivos no desenvolvimento americano e do
país receptor; e
Respeito ao meio ambiente e às normas trabalhistas.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 52
Os investimentos financiados pela OPIC em um determinado país não
devem substituir exportações americanas em terceiros mercados nem podem
aceitar incentivos do país receptor relacionados com o comércio que
poderiam danificar o comércio exterior americano.
4. BREVE HISTÓRICO DE INTERNACIONALIZAÇÃO E ANÁLISE
Nesta seção será apresentado um breve histórico dos momentos mais
relevantes no processo de internacionalização das empresas Embraer e
Companhia Vale do Rio Doce e mais adiante será feita uma análise desse
processo à luz das teorias de internacionalização e da influência das políticas
públicas do governo brasileiro nesse histórico.
4.1 Histórico de Internacionalização – Embraer
Em 20 de janeiro de 1941, o Governo Federal decide criar o Ministério da
Aeronáutica. O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) é criado em 16 de
janeiro de 1950 oferecendo o curso de engenharia aeronáutica,
anteriormente oferecido na Escola Técnica do Exército. Tais iniciativas visam à
criação de uma indústria aeronáutica no Brasil.
Nasce a Embraer em 19 de agosto de 1969.
A Embraer exporta os primeiros “EMB 110 Bandeirante” para a Força
Aérea Uruguaia em 7 de agosto de 1975. Ainda em 1975, a Embraer exporta o
primeiro EMB 200 Ipanema para o Ministério da Agricultura do Uruguai. A partir
de 1977, a Embraer inicia a exportação do Bandeirante para a Air Littoral na
França.
A Força Aérea Brasileira (FAB), em 1978, especifica e contrata a Embraer
para desenvolver uma aeronave de treinamento avançado.
Em 7 de outubro de 1979, é estabelecida a subsidiária Embraer Aircraft
Company (EAC), em Fort Lauderdale, Flórida, EUA, com o objetivo de
concentrar atividades de vendas na América do Norte e prover adequado
apoio técnico aos novos clientes.
Em 1981, a Embraer estabelece acordo com as empresas italianas
Aeritalia (hoje Alenia) e Aermacchi para o desenvolvimento e fabricação do
AMX.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 53
Em 1 de fevereiro de 1983, a Embraer estabelece a Embraer Aviation
International (EAI), sediada em Paris, França, com o objetivo de concentrar
atividades de vendas em território europeu, e prover adequado apoio técnico
aos novos clientes da Embraer na Europa, Oriente Médio e África.
Em 21 de fevereiro de 1984, é criada a Embraer Divisão de
Equipamentos dentro do programa de industrialização complementar
associado ao desenvolvimento do AMX visando à capacitação da indústria
nacional e fabricação de componentes aeronáuticos.
Em 7 de dezembro de 1994, a Embraer é privatizada e as instituições
financeiras Cia Bozano Simonsen, Wasserstein e Perella adquirem a
participação majoritária.
Em 1997, a FAB contrata a Embraer para o desenvolvimento das
aeronaves de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento para o Programa de
Vigilância da Amazônia (SIVAM) do governo brasileiro.
Em 1998, o governo da Grécia encomenda quatro EMB-145 AEW&C
para operação dentro dos padrões da OTAN.
Em 30 de maio de 2000, a Embraer inaugura um escritório comercial e
depósito de peças localizados em Beijing, na China, além de comercializar e
prover suporte pós-venda para aeronaves. Em dezembro de 2000, a Embraer
inaugura seu escritório comercial em Cingapura. Em 3 de março de 2002,
ocorre a inauguração da unidade de manutenção em Nashville, Tennessee,
nos Estados Unidos, Embraer Aircraft Maintenance Services – EAMS. Em 16 de
dezembro de 2003, a Embraer apresenta o primeiro ERJ 145 produzido pela
Harbin Embraer Aircraft Industry (HEAI), na China.
Em 23 de dezembro de 2004, a Embraer e a European Aeronautic
Defense and Space Company (EADS) ganham consórcio para a compra da
OGMA – Indústria de Aeronáutica de Portugal S.A. (OGMA). Através desta
compra, a Embraer expande a sua presença na Europa por meio de uma
marca reconhecida como líder mundial em uma variedade de operações
aeroespaciais, inclusive manutenção e produção.
4.2 Análise do processo de Internacionalização – Embraer
Do ponto de vista da taxonomia utilizada por AGUIAR M.,
BHATTACHARYA A., BRADTKE T., COTTE P., DERTNIG S., MEYER M, MICHAEL D. C.,
SIRKIN H. L. (2006), em seu relatório, a Embraer teria adotado uma estratégia
de conversão de sua engenharia em inovações globais. Desde o primeiro
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 54
protótipo lançado de seu modelo Bandeirante, a empresa teve a
preocupação de criar aeronaves que pudessem atender as necessidades do
mercado privado e que também pudessem ser exportadas.
O processo de internacionalização da Embraer atende a lógica da
escola de Uppsala, pois foi marcado por iniciar suas exportações para
mercados cuja distância psíquica era menor no início. Isso ocorreu com o
atendimento das encomendas da Força Aérea Uruguaia e o Ministério da
Agricultura deste mesmo país. As exportações seguintes foram para a empresa
francesa Air Littoral. Como passo seguinte do comprometimento com o
mercado exterior, a Embraer estabelece subsidiárias em Paris, França e Fort
Lauderdale, EUA. Nesse mesmo período, é estabelecida uma parceira de
licenciamento e produção conjunta de tecnologia com a empresa italiana
Aeritalia (hoje Alenia) e Aermacchi.
Em 1998, a Embraer já faz exportações para um país cuja distância
psíquica era bem maior: a Grécia. Nesse processo, a Embraer desenvolve
capacitação para adaptar seus aviões aos padrões da OTAN. Em 2000, ela dá
seu passo mais longo do ponto de vista de distância psíquica, inaugurando um
escritório comercial e um depósito de peças localizados em Pequim, na China,
e um escritório comercial em Cingapura. Em 2003, apresenta o primeiro avião
produzido pela Harbin Embraer Aircraft Industry na China.
Se analisarmos a Embraer do ponto de vista da abordagem eclética de
Dunning (1998), verifica-se que essa empresa possui principalmente vantagens
de propriedade. Desde seu início, a Embraer, na figura de Ozires Silva,
procurou desenvolver uma aeronave para um mercado não atendido, o
mercado de voos mais curtos, regionais, ligando pequenas e médias cidades.
É possível dizer ainda que a empresa obteve alguma vantagem de
internalização, uma vez que seus maiores concorrentes estão todos localizados
em países de Primeiro Mundo, onde os custos de mão de obra qualificada são
mais elevados.
Para os investimentos feitos pela Embraer ao redor do mundo, segundo
a classificação de Dunning (1998), é possível afirmar que eles atendem a mais
de um tipo nessa taxonomia. No caso das subsidiárias norte-americana e
francesa e do escritório comercial de Cingurapura, a classificação seria do
tipo trade and distribution, pois foram montados com o propósito de apoiar e
aumentar as vendas nos mercados dessas regiões. Já no caso da fábrica da
China, em Harbin, a classificação mais adequada seria market based, pois o
objetivo dessa fábrica é o de explorar o mercado chinês de aviação regional.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 55
Desde a década de 1950, quando o governo brasileiro decide criar:
CTA, ITA e IPD, ele tem como objetivo claro formar massa crítica de mão de
obra qualificada para desenvolver a indústria aeronáutica brasileira como
parte de uma política pública. É possível dizer que as aquisições feitas pela FAB
tanto em 1978 quanto em 1997 para o projeto SIVAM buscavam desenvolver a
empresa e fortalecer esse setor industrial. A privatização realizada em 1994 foi
também uma forma identificada pelo Governo Federal para aumentar a
competitividade da empresa, permitindo-lhe concorrer em pé de igualdade
com suas congêneres do Primeiro Mundo.
Porter (1993) indica que dentre as políticas governamentais disponíveis
para o incremento da vantagem competitiva nacional está o estímulo à
internacionalização das empresas, pois a globalização da estratégia da
empresa e a venda de componentes menos sofisticados permitem um grande
desenvolvimento interno das vantagens competitivas das organizações
partícipes desse processo. Desse ponto de vista, a internacionalização da
Embraer, por meio de exportações e investimento direto, permitiu o
desenvolvimento das condições dos fatores na indústria aeronáutica, buscou
a demanda por seus produtos em todo o mundo, possibilitou a constituição de
indústria correlata nacional de apoio e fez com que logo a Embraer passasse
a concorrer com suas competidoras mundiais.
4.3 Histórico de Internacionalização – Vale do Rio Doce (CVRD)
A Companhia Vale do Rio Doce foi criada pelo Governo Federal em 1º
de junho de 1942 e privatizada em 7 de maio de 1997, quando o Consórcio
Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), venceu o leilão
realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Atualmente a Vale está
presente em 13 estados brasileiros e em cinco continentes: Américas, Europa,
África, Ásia e Oceania.
Em 1949, a Vale já era responsável por cerca de 80% das exportações
brasileiras de minério de ferro. Em 1954, a empresa revê suas práticas
comerciais no exterior e passa a fazer contatos diretos com as siderúrgicas,
sem a intermediação dos traders. Em 1953, ela faz o primeiro embarque de
minério de ferro para o Japão.
Em 1961, o novo presidente, Eliezer Batista, percebendo a necessidade
dos japoneses de expandirem seu parque siderúrgico, cria o conceito de
distância econômica, que permitiu ao Brasil entregar minério de ferro ao
Japão, a preços que competiam com aqueles das minas da Austrália, pelo
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 56
Porto de Tubarão. O conceito de distância econômica transformava a
distância física da rota Brasil-Japão-Brasil em uma distância na qual o valor
para se colocar o minério nas usinas japonesas era competitivo.
Em 1972, a Vale firma convênio com a Alcan Aluminium Ltd., do
Canadá, para um projeto de exploração de bauxita na região do rio
Trombetas. Em 1974, a Vale torna-se a maior exportadora de minério de ferro
do mundo, detentora de 16% do mercado transoceânico do minério. Em 1989,
a empresa elabora um Plano Estratégico 1989-2000, com foco em sua
internacionalização.
Em março de 1994, a Vale lança seu programa de American Depositary
Receipts (ADR), negociáveis no mercado de balcão dos Estados Unidos. Em
1998, é lançado o programa “De Volta para o Futuro”, de apoio à educação
formal, para propiciar o primeiro grau completo a todos os empregados da
Vale.
Quando foi privatizada, em 1997, a Vale produzia 114 milhões de
toneladas/ano. Houve um grande acréscimo nesse valor a partir de 2000,
quando a Vale adquiriu as empresas Samitri, Socoimex e participação na
GICC. Desde que foi privatizada, a CVRD adquiriu 19 concorrentes, um
investimento de quase 50 bilhões de reais, em valores atualizados.
Em 31 de março de 2003, a Vale compra 50% das ações da Caemi
Mineração e Metalurgia S/A. Nesse mesmo ano, a empresa consolida sua
posição internacional e contabiliza um total aproximado de US$ 4 bilhões em
vendas externas. A receita acumulada nos noves primeiros meses de 2004 é
igual a US$ 6,051 bilhões, 57% superior à obtida no mesmo período de 2003.
Nesse mesmo período, a Vale embarcou para a China 28,4 milhões de
toneladas contra 19,3 milhões de 2003 e movimentou 21,8 bilhões de tkus ante
19,9 bilhões do ano anterior.
Em 11 de agosto de 2006, a CVRD anuncia a oferta de compra da
INCO. Em 24 de outubro do mesmo ano, a Vale anuncia a compra da
mineradora INCO, uma das principais produtoras de níquel do mundo. Essa foi
a maior aquisição já realizada por uma empresa brasileira. Em fevereiro de
2007, a Vale comprou a mineradora de carvão australiana AMCI Holdings, por
835 milhões de dólares australianos (1,38 bilhão de reais).
Segundo matéria da revista Exame, com essas últimas aquisições o
faturamento da empresa passou de R$ 18 bilhões em 1/9/2006 para 35 bilhões
em 1/9/2007 e se tornou a 16ª maior do mundo em valor de mercado, à frente
de Apple e Coca-Cola. Os valores foram de R$ 140 bilhões em 24/10/2006
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 57
para R$ 320 bilhões em 29/10/2007. A empresa saltou da quarta para a
segunda posição entre as maiores mineradoras do mundo, atrás da
australiana BHP Billiton.
4.4 Análise do processo de Internacionalização – CVRD
Do ponto de vista da taxonomia utilizada por AGUIAR M.,
BHATTACHARYA A., BRADTKE T., COTTE P., DERTNIG S., MEYER M, MICHAEL D. C.,
SIRKIN H. L. (2006), em seu relatório, a CVRD teria adotado uma estratégia de
monetização dos recursos naturais. Desde seus primórdios até a sua mais
recente aquisição, a Vale tem se concentrado em explorar recursos naturais e
exportá-los para outros países do mundo.
O processo de internacionalização da CVRD, ao contrário daquele
descrito para a Embraer, não atende exatamente ao conceito da distância
psíquica. Seus primeiros passos internacionais estiveram relacionados com o
conceito de distância econômica, criado para atender as necessidades
japonesas de minério de ferro. Analisando o processo como um todo, a
expansão para a Austrália e a aquisição mais recente da Inco, levam à
conclusão de que os modelos comportamentais não são os melhores para
descrever o processo de internacionalização da CVRD.
Contudo, é possível analisar a empresa sob a ótica da abordagem
eclética de Dunning (1988). A principal vantagem observada no caso da
CVRD seria aquela de localização. O Brasil é um país rico em reservas de
minério de ferro, fator esse que constituiu uma grande vantagem para a
empresa. Para os investimentos feitos pela empresa ao redor do mundo,
segundo a classificação de Dunning, é possível afirmar que eles atendem o
tipo baseado em recursos, ainda que se leve em conta as aquisições mais
recentes de empresas australianas e canadenses.
Mesmo quando a Vale do Rio Doce ainda estava sob controle do
Governo Federal, ela possuía altos índices de rentabilidade e eficiência. Dessa
forma, considerando que a empresa vende um produto que está ligado à
pauta de exportação mais tradicional brasileira, as commodities, os esforços
de políticas públicas em seu caso foram menores do que aqueles necessários
para o sucesso da Embraer. Talvez ao longo de sua história, a principal medida
de política pública adotada tenha sido sua privatização, que lhe permitiu
competir em pé de igualdade com seus maiores competidores mundiais.
Analisando a trajetória da CVRD, sob o prisma do diamante das
vantagens competitivas nacionais de Porter (1993), identifica-se que o país
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 58
logrou sucesso em desenvolver as competências de sua empresa no sentido
de prospectar uma riqueza natural abundante no país; sendo o minério de
ferro insumo essencial para a produção do aço, a empresa esteve, desde o
início, integrada na cadeia produtiva das grandes empresas estatais
produtoras de aço no Brasil, tais como CSN, Companhia Siderúrgica Tubarão,
entre outras; como o minério de ferro está posicionado no início da cadeia
produtiva, o desenvolvimento de indústrias correlatas e de apoio foi mais
facilitado dado o seu baixo grau de complexidade e necessidade de
tecnologias; por fim, apesar de estar operando num país, que na maior parte
do tempo da história da empresa possuía uma economia fechada para o
mundo, o caráter internacional da empresa fez com que ela estivesse
submetida à competição dos grandes players mundiais.
5. CONCLUSÕES
Ao longo desse trabalho, procurou-se investigar a história recente de
duas das mais importantes empresas do capitalismo brasileiro atual. A Embraer
e a CVRD têm representado algumas das principais fontes geradoras de caixa
em moeda forte para o governo brasileiro e, com vertentes tecnológicas
distintas, a capacidade empresarial brasileira pelo mundo.
Com a mudança do papel do Estado na economia brasileira, após o
fim dos regimes comunistas no mundo, o fim do planejamento central
proposto e conduzido pelo Estado e o término da utilização das políticas
keynesianas de desenvolvimento, o governo brasileiro perdeu seu importante
papel de indução do progresso nacional.
Esse trabalho teve por objetivo estudar algumas das teorias de
internacionalização que pareciam mais adequadas para explicar o processo
de expansão mundial dessas empresas, investigar algumas políticas públicas
utilizadas com tal propósito e verificar se, de alguma forma, o governo central
atuou como indutor no desenvolvimento e internacionalização da Embraer e
da CVRD.
Ao analisar a trajetória da Embraer foi possível constatar que o Estado
teve um papel relevante na criação da indústria aeronáutica no Brasil, na
internacionalização dessa empresa e no aumento de suas condições de
competitividade com sua recente privatização. Esse processo atendeu em
linhas gerais aos modelos comportamentais da escola de Uppsala e também
ao paradigma eclético de Dunning.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 59
Por outro lado, ao se investigar a história pregressa da CVRD, constatou-
se que, uma vez que essa empresa sempre esteve ligada à comercialização
de uma commodity no mercado internacional, a necessidade de indução do
Governo Federal, no sentido de desenvolver e internacionalizar essa
organização, foi menor. As principais ações do governo central nesse sentido
foram a constituição da empresa e a realização de sua privatização num
passado recente. O processo de internacionalização da CVRD não parece
atender aos preceitos descritos pela escola de Uppsala, mas encontra-se
bastante aderente ao modelo do paradigma eclético proposto por Dunning.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEM A. C.; CAVALCANTI C. E. O BNDES e o apoio à internacionalização das
empresas brasileiras: algumas reflexões. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 12,
n. 24, p. 43-76, dezembro de 2005.
AGUIAR M. et al. The new global challengers: how 100 top companies from
rapidly developing economies are changing the world. BCG Report, May 2006.
IGLESIAS R. M.; VEIGA P. M. Promoção de exportações via internacionalização
das firmas de capital brasileiro. BNDES, Rio de Janeiro. Disponível em:
<www.bndes.gov.br>
DUNNING, J. H. Toward an eclectic theory of international production: some
empirical tests. Journal of International Marketing Business Studies, v. 11, n. 1, p.
9-31, 1980.
DUNNING, J. H. The ecletic paradigm of international production: a
reestatement and some possible extensions. Journal of International Marketing
Business Studies, v. 19, n. 1, p. 1-31, Spring, 1988.
Revista Exame a entrada correta é: (deletar este recado)
EXAME. São Paulo: Abril, Edição 905, n.21, Nov. 2007.
GUEDES, A. L. Internacionalização de empresas como política de
desenvolvimento: uma abordagem de diplomacia triangular. Revista de
Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, p. 335-56, Maio/Junho, 2006.
JOHANSON, J.; VAHLNE, J. E. The internationalization process of the firm : a
model of knowledge development and increasing foreign market
commitments. Journal of International Business Studies, v. 8, n. 1, p. 23-32, 1977.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 45-60 2010 60
PORTER, Michael E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro:
Campus, 1993.
SILVA, Ozires. A decolagem de um sonho: a história da criação da Embraer. 5.
ed, Lemos, 2005.
www.embraer.com.br, 01/11/2007
www.cvrd.com.br, 01/11/2007
ABSTRACT
The article aims at researching the
internationalization process of two former
state-owned Brazilian companies privatized in
the National Program for Privatization (PND in
Portuguese), using as theoretical reference:
Uppsala University behavioral theories,
Dunning‟s eclectic paradigm representing
economical theories used and Porter‟s
diamond of national advantage. The article
analyzes the major public policies used to
leverage internationalization process
nationally as well.
The research used the history from Embraer
and Vale do Rio Doce obtained from
newspaper articles and company websites.
With such information, the article analyzes this
internationalization process using the
theoretical reference.
By analyzing the internationalization process
for those companies the article identifies
idiosyncratic features in this process for those former stated-owned companies.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 61-70 2010 61
O FENÔMENO DAS BORN GLOBALS
Marcio Stern da Fonseca
RESUMO
As Born Globals são aquelas empresas
que já nascem voltadas para as
operações internacionais. Normalmente,
são firmas que vendem produtos e
serviços diferentes dos já existentes,
referentes a setores intensivos em
conhecimento. A rede por meio da qual
este tipo de empresa se conecta com o
mercado é de fundamental importância,
assim como o tipo de conexão que
estabelece com outras firmas. As Born
Globals estão intimamente relacionadas
com empreendedorismo e requerem
líderes ágeis, atentos, astutos e
ambiciosos. O estoque de conhecimento
contido nas Born Globals influencia sua
escolha sobre quais mercados
internacionais entrar e de que modo fazê-
lo. Trata-se de um tema relativamente
novo e com amplo campo de pesquisas
passível de exploração.
Palavras-chave: Born Globals; internacio-
nalização; empreendedorismo; mercados
internacionais; conexões mercadológicas
1. INTRODUÇÃO
As Born Globals parecem desafiar a reconhecida lógica de
internacionalização das empresas, as quais, quando partem em busca de
mercados internacionais, usualmente o fazem segundo uma progressão de
atividades, acumulando conhecimentos em mercados e instituições
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 61-70 2010 62
estrangeiras. Um número cada vez maior de firmas – Born Globals – está se
voltando para operações internacionais desde o primeiro dia de fundação
(Sharma e Blomstermo, 2003).
É importante traçar um limitador que defina o que são as Born Globals,
ou melhor, quais seriam as características de uma empresa que a fariam
figurar nesta classificação. São consideradas Born Globals empresas que
possuem no mínimo 25% do seu faturamento provenientes de vendas fora de
seu país-sede dentro de três anos depois da sua criação, e que possuem
vantagem competitiva no uso de recursos e vendas de produtos em vários
países (Andersson e Wictor, 2001).
As Born Globals são firmas intensivas em conhecimento, que empregam
indivíduos com alto nível de conhecimento científico. Elas vendem produtos e
serviços que ou são “totalmente novos” ou “radicalmente” diferentes dos
produtos existentes (Sharma e Blomstermo, 2003). Entretanto, este padrão de
internacionalização pode não ser exclusivo de setores intensivos em
conhecimento. Enquanto o interesse nas Born Globals é muito recente, pode
ser que o fenômeno em si não seja tão novo assim (Knight, Bell e McNaughton,
2001).
Ultrapassada, ainda que de forma breve, a questão da definição do
tipo de empresa aqui analisada, passamos às próximas etapas. Este trabalho
percorrerá primeiramente o tipo de ligação existente entre as Born Globals e
outras empresas que atuam no mercado e tangenciará a questão do
empreendedorismo, apresentando a importância do papel do líder. Depois,
passará pela forma de entrada das Born Globals nos mercados internacionais,
abordará a temática da estratégia utilizada por essas empresas visando
alcançar seus objetivos, ponto em que é trazido um modelo teórico
desenvolvido por três autores. Finalmente, o último ponto deste trabalho
apresenta seu desfecho e conclusão.
2. AS CONEXÕES DAS BORN GLOBALS
Uma característica constatada por Sharma e Blomstermo que parece
ser de fundamental importância é a forma como as Born Globals se envolvem
com outras empresas do mercado. Um tipo de conexão comumente
observado no mercado é aquele que se dá sob a forma de rede. As conexões
em uma rede proporcionam canais para troca de conhecimento e servem
como motivação. As firmas localizadas no centro das redes recebem mais e
melhores informações e obtêm conhecimento antes de seus concorrentes. Isso
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 61-70 2010 63
pode influenciar os seus respectivos processos de internacionalização (Sharma
e Blomstermo, 2003).
As conexões ou ligações existentes entre duas ou mais empresas nas
redes podem ser fortes ou fracas. Encontram-se em melhor situação aquelas
empresas que mantêm várias conexões fracas, pois elas são menos custosas
que as fortes e possibilitam maior aprendizado, mais autonomia e maior
capacidade de adaptação. Quando há ligações muito fortes, as empresas
acabam tornando-se similares (Sharma e Blomstermo, 2003).
As Born Globals usualmente têm conexões mercadológicas fracas. Esse
tipo de conexão faz com que essas empresas obtenham um conhecimento
heterogêneo e as permite ter um processo de avaliação baseado na
improvisação. São adaptáveis por não estarem fortemente ligadas a
conhecimentos específicos e experiências passadas bem-sucedidas (Sharma e
Blomstermo, 2003).
Justamente pela falta de um passado de sucesso, as Born Globals são
criativas, inovam e avaliam continuamente novas oportunidades de negócios,
combinando os seus recursos com aqueles de parceiros (Sharma e
Blomstermo, 2003). Os contatos efetivados com membros de outras
organizações a elas conectados são importantes para as Born Globals, pois
por essa rede de conhecimento circula grande volume de informações.
À medida que se colocam em diferentes mercados, as Born Globals vão
se tornando mais conhecidas. Como essas empresas vendem normalmente
produtos e serviços baseados em princípios científicos, a proliferação de seus
produtos no mercado as legitimam, tornando-as confiáveis (Sharma e
Blomstermo, 2003).
Portanto, as empresas do tipo aqui estudado geralmente possuem
várias conexões fracas, que são mais dinâmicas e mais baratas de serem
mantidas. Por meio delas, as Born Globals desenvolvem conhecimento
internacional e capacidade de absorção, construindo espécies de tentáculos
nos mercados externos (Sharma e Blomstermo, 2003).
3. BORN GLOBALS E EMPREENDEDORISMO
As Born Globals estão intimamente relacionadas com
empreendedorismo. A literatura apresenta quatro principais atributos presentes
nos empreendedores. São eles: capacidade de inovar, que diz respeito à
criatividade e atuação em todos os setores; capacidade de controlar, o que
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requer autoconfiança; propensão a assumir riscos e nível de energia
(Gabrielsson e Kirpalani, 2004).
Quase todos os empreendedores podem ser enquadrados no espectro
Schumpeteriano. Além disso, todos os empreendedores possuem capacidade
de inovação. Os líderes das Born Globals se enquadram nesse conjunto de
características (Gabrielsson e Kirpalani, 2004).
É importante notar que há diferentes perfis de líderes e/ou gerentes,
com variados níveis de interação com o ambiente organizacional. Após
entrevistas e questionários, Pitcher (1997) identificou três arquétipos distintos, os
quais definem o caráter fundamental da pessoa: artistas, artesãos e
tecnocratas.
O artista é um líder visionário. Em termos de comportamento, pode-se
dizer que age de forma empreendedora e destemida. Seu carisma é excitante
e usualmente envolve as pessoas ao seu redor. É também imprevisível e isto
reflete bastante sua forma de pensar, pois é sempre aberto a novas ideias e
possibilidades. É imaginativo, sonhador e intuitivo. O artista possui um alto grau
de criatividade. Ele precisa quebrar com os padrões convencionais de
sabedoria. Além disso, ele tem perspectiva de longo-prazo, uma visão que
muitas vezes é indefinida e só se torna clara após a ação (Pitcher, 1997).
Quanto ao artesão, para ele existe uma maneira de lidar com cada
tipo de problema, de acordo com cada pessoa. Deve-se avaliar o tipo de
problema e selecionar a melhor maneira de agir. Caso algo dê errado, a falha
está no julgamento errado do problema. Não existe uma única ferramenta
universal para todos os tipos de pessoas e problemas (Pitcher, 1997).
Sem que entremos no arquétipo que Pitcher definiu como tecnocrata, é
possível inferir que os líderes de Born Globals, pelas características peculiares
inerentes a esse tipo de empresa, tendem a apresentar traços que mesclam
parte do perfil artista e parte do artesão. É de se imaginar que a balança se
incline mais para o lado do arquétipo de artista.
As Born Globals, por não terem uma estrutura formada, uma retaguarda
administrativa consistente, conforme grande parte das empresas que se
internacionalizam de forma progressiva e gradual, requerem líderes ágeis,
atentos, astutos, ambiciosos, apenas para listar algumas das virtudes deles
demandadas. Lançar-se no mercado global, empreender, sem que isso se dê
de forma paulatina, é algo que requer múltiplas habilidades.
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4. FORMA DE ENTRADA NOS MERCADOS INTERNACIONAIS
Considerando que as Born Globals normalmente possuem poucos
recursos para investir, é interessante fazer uma análise a respeito de como
essas empresas conseguem atingir, com seus produtos e serviços, mercados de
diferentes países em curto espaço de tempo. Vale salientar que comumente
as Born Globals não fazem pesquisas de mercado formais, pois não têm rotinas
de análise dessas informações (Sharma e Blomstermo, 2003).
Os gestores das Born Globals, ao selecionar mercados potenciais para a
entrada e atuação de suas empresas, bem como a forma que se dará essa
entrada, o fazem com base em conhecimentos adquiridos e acumulados,
quer internamente na própria empresa, quer por consequência de know-how
de seus parceiros. O estoque de conhecimento contido nas Born Globals
influencia sua escolha sobre quais mercados internacionais entrar e de que
modo fazê-lo (Sharma e Blomstermo, 2003).
Neste ponto é importante retomar a questão das conexões existentes
entre as Born Globals e seus parceiros, pois este parece ser realmente um fator
decisivo para o bom andamento desse tipo de empresa: suas parcerias,
quantidade e qualidade. É por meio de suas conexões que as Born Globals
obtêm informações a respeito dos clientes e ficam sabendo se qualidade,
confiança ou outros são os atributos mais importantes, caso a caso (Sharma e
Blomstermo, 2003).
Portanto, as Born Globals parecem não ter rotinas fixas a respeito de
como selecionar e entrar em mercados internacionais. Ao se depararem com
as oportunidades que surgem, elas avaliam caso a caso e procuram firmar
alianças.
Esta forma de atuação e expansão das Born Globals é possível devido
às mudanças verificadas no mundo dos anos 1970 até os dias de hoje. A
liberalização de mercados, a verdadeira revolução dos meios de
comunicação, fazendo com que as distâncias mundiais se encurtassem
sobremaneira, são aspectos que, de certa forma, podem até ter conduzido
empresas que nem visavam se enquadrar neste modelo de
internacionalização, a tornarem-se Born Globals. Não se pode ignorar o
contexto em que as Born Globals surgiram (Andersson e Wictor, 2001).
Em primeiro lugar, deve-se atentar para a liberalização das regulações
no mundo dos negócios, para os investimentos internacionais e para as
movimentações de capitais ocorridas nos últimos 15 anos, o que reduziu os
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obstáculos para que as empresas se lançassem internacionalmente. Em
segundo, houve avanços significativos em tecnologias de informação e
comunicação. A redução dos custos de comunicação, a maior facilidade de
transmitir dados e acessar informação globalmente “encolheram” o mundo e
“aceleraram” o tempo. Um terceiro aspecto vem do papel crucial exercido
pela inovação tecnológica e fusões de tecnologias. Finalmente, há maior
facilidade de as companhias acessarem informações sobre mercados
externos. Nos dias de hoje, a internet e agências governamentais
disponibilizam as informações básicas de que as empresas necessitam para
conseguir os seus primeiros contatos no exterior. Além disso, há um grande
número de pessoas com qualificações internacionais, o que ajuda na
aquisição de conhecimento internacional, suplementando a fraqueza quanto
ao conhecimento advindo da experiência (Simões e Dominguinhos, 2001).
É interessante apresentar, ainda, algumas características que Sharma e
Blomstermo apontam, no que diz respeito à forma de internacionalização das
Born Globals. Segundo os autores:
Elas não têm como hábito iniciar seu movimento internacional rumo a
mercados líderes;
Improvisam, adaptam-se, demonstram grande disposição para
aprender a respeito das necessidades dos clientes, consumidores e dos
canais de distribuição locais; e
Não há uma maneira estabelecida segundo a qual as Born Globals
selecionam clientes estrangeiros; trata-se de um processo de
improvisação, de tentativa e erro.
5. ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELAS BORN GLOBALS
Merece ser destacada no estudo das Born Globals a questão da
estratégia adotada por essas empresas, cuja principal característica é
crescimento internacional rápido, verificado logo no início de suas vidas.
Nas pesquisas de diferentes publicações acerca das Born Globals,
alguns autores colocam-se no sentido de que essas empresas não seguem
nenhuma forma preestabelecida de operação, havendo grande variação nas
atuações de diferentes Born Globals, e afirmam que elas não se enquadram
nos modelos já existentes de internacionalização.
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Entretanto, Autio, Arenius e Lummaa (2002), os dois primeiros da
Universidade de Helsinque, na Finlândia, e o último, da McKinsey & Company,
desenvolveram um modelo teórico que foca nas empresas que se
internacionalizam cedo em sua existência, e de forma acelerada. O modelo
por eles desenvolvido distingue entre profundidade, distância e diversidade
das atividades internacionais dessas firmas, além da velocidade com que seus
processos de internacionalização ocorrem em relação a essas três dimensões.
De forma sucinta, a profundidade diz respeito ao número de funções de
canais de valor estabelecidos pela companhia que está se
internacionalizando em cada um dos seus mercados-alvo. A dimensão
distância refere-se à distância psicológica ou geográfica em relação aos
mercados que a firma que se internacionaliza consegue alcançar. E a
diversidade trata do número de modos de entrada empregados pela firma
que está se internacionalizando de forma rápida.
O esqueleto do modelo teórico desenvolvido pelos autores contempla
uma combinação entre as dimensões profundidade, distância e diversidade,
conforme esquema a seguir:
Embora tenham elaborado o modelo teórico acima apresentado,
Autio, Arenius e Lummaa reconhecem a dificuldade de generalizar suas
conclusões. Eles comentam a existência de diferentes tipos de Born Globals,
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afirmando haver empresas com processos de internacionalização bastante
rápidos, mas com diferentes objetivos e dimensões. Porém, não resta dúvida
de que é bastante positiva a contribuição de seu trabalho, ao explicar que
ponderando os recursos das empresas pelas diferentes dimensões propostas
formam-se as mais variadas estratégias de atuação.
Uma outra abordagem quanto à estratégia utilizada pelas Born Globals
para atingirem seus objetivos diz respeito aos canais por meio dos quais elas
atingirão seus mercados-alvo. Gabrielsson e Kirpalani (2004) sugerem que as
empresas multinacionais, ou transnacionais, podem atuar tanto como
integradoras, quanto como distribuidoras dos produtos e serviços fornecidos
pelas Born Globals. Evidentemente essas relações entre as multinacionais e as
Born Globals teriam que atender aos interesses de ambas e serem
consideradas estratégicas por ambas, cada uma por seus motivos.
Além disso, outros canais vistos como necessários para que as Born
Globals cresçam e adquiram espaço no mercado são os proveniente das
redes de parceiros e a internet (Gabrielsson e Kirpalani, 2004). Os autores
afirmam que diferentes estratégias podem ser construídas por meio da
combinação de dois ou mais desses canais pelas Born Globals.
6. CONCLUSÃO
As empresas que já nascem voltadas para mercados internacionais,
independentemente de distâncias geográficas ou psicológicas, e apresentam
rápido crescimento no que diz respeito à internacionalização, são um rico foco
de estudos. Ao não se enquadrarem nos modelos de internacionalização
reconhecidos, essas empresas despertam curiosidade e percebe-se um
movimento no sentido de tentar compreender o que as torna tão singulares.
Dos estudos já existentes, pode-se concluir que as Born Globals
normalmente apresentam processos de internacionalização baseados no
conhecimento e no aprendizado por meio de redes, onde se ligam a outras
empresas por meio de conexões fracas (não rígidas), e conseguem adaptar
suas estratégias de internacionalização às necessidades do mercado. Para
elas é importante que os relacionamentos com firmas internacionais, no
mercado doméstico ou fora, se iniciem o quanto antes.
Por fim, sem dúvida trata-se de um tema bastante interessante,
relativamente novo, para o qual não se encontra um arcabouço teórico
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definitivo e consolidado que explique as generalidades desse tipo de
empresa. É um tema merecedor de aprofundamentos e maior exploração.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSSON, Svante; WICTOR, Ingemar. Innovative international strategies in
new firms born globals. Nordic Workshop in International Business, Idoborg,
Suécia, 2001.
AUTIO, Erkko; LUMMAA, Heikki; ARENIUS Pia. Emergent "born globals": crafting
early and rapid internationalization strategies in technology-based new firms. In:
Annual International Conference of the Strategic Management Society, 22.,
França, 2002.
GABRIELSSON, Mika; KIRPALANI, V.H. Manek. Born globals: how to reach new
business space rapidly. International Business Review, v. 13, n. 5, p. 555-571,
2004.
KNIGHT, John; BELL, Jim; McNAUGHTON, Rod. “Born globals”: old wine in new
bottles? Australian and New Zealand Marketing Academy Conference,
Auckland, New Zealand, 2001.
PITCHER, Patricia. Artists, craftsmen and technocrats: the dreams, realities and
illusions of leadership. 2nd ed. Toronto: Stoddart, 1997.
SIMÕES, Vítor Corado; DOMINGUINHOS, Pedro Miguel. Portuguese born globals:
an exploratory study. In: EIBA Conference at ESCP-EAP, 27., Paris: EIBA, 2001.
SHARMA, D. Deo; BLOMSTERMO, Anders. The internationalization process of
born globals: a network view. International Business Review, v. 12, n. 6, p. 739-
753, 2003.
ABSTRACT
The Born Globals are those companies
that are born focused on international
operations. Are usually firms that sell
products and services other than those
already existing, related to knowledge-
intensive sectors. The network through
which this type of business connects with
the market is of fundamental importance,
as well as the type of connection it
establishes with other firms. The Born
Globals are closely related to
entrepreneurship and they require agile,
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alert, astute and ambitious leaders. The
stock of knowledge contained in the Born
Globals influence their choice about
which markets to enter and how to do it.
This is a relatively new and wide field of
research.
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SERIA A ARACRUZ CELULOSE UMA BORN GLOBAL?
Caio Bianco Peres
RESUMO
O fenômeno da internacionalização
precoce das empresas (International New
Ventures ou Born Globals) parece ser o
resultado de um conjunto de mudanças
recentes no contexto global. Entretanto,
antes mesmo deste ciclo recente de
empresas que se internacionalizam
rapidamente, outras empresas também o
fizeram com sucesso, como é o caso da
Aracruz Celulose. Neste trabalho buscou-
se identificar na literatura as
características e fatores relacionados à
internacionalização precoce das
empresas e avaliar se os mesmos
explicariam o processo de interna-
cionalização da Aracruz Celulose.
Palavras-chave: Aracruz Celulose,
processo de internacionalização, Born
Globals
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno da internacionalização precoce das empresas
(International New Ventures ou Born Globals) parece ser o resultado de um
conjunto de mudanças recentes no contexto global. Entretanto, antes
mesmo deste ciclo recente de empresas que se internacionalizam
rapidamente, já existiram empresas que também o fizeram com sucesso,
como é o caso da Aracruz Celulose.
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Este trabalho tem como objetivo identificar na literatura os fatores
relacionados à internacionalização precoce das empresas e avaliar se
explicariam o processo de internacionalização da Aracruz Celulose.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Uppsala, International New Ventures e Empreendedorismo
Considerada uma das principais correntes teóricas da pesquisa em
internacionalização de empresas, o modelo de internacionalização de
Uppsala (JOHANSON e VAHLNE, 1977) busca explicar o processo pelo qual as
empresas partem para o mercado internacional. Tal modelo assume, como
premissa básica, que o principal obstáculo para a internacionalização é a
falta de conhecimento, sendo que este é adquirido sobretudo por meio da
experiência das operações no exterior. Além disso, considera que a firma
busca primeiramente adquirir uma posição doméstica estável antes de iniciar
suas atividades internacionais.
A falta de conhecimento inicial e a busca por minimizar os riscos
levariam as empresas a apresentar um processo de internacionalização que se
desenvolve em estágios graduais e sequenciais, seguindo uma série de
decisões de comprometimento incremental, ou seja, a experiência
internacional leva a um aumento gradual na escala das operações e na
integração com o ambiente de mercado. Os seguintes estágios graduais de
comprometimento internacional são esperados (JOHANSON e VAHLNE, 1977):
1. Nenhuma atividade exportadora regular;
2. Exportação via representantes independentes;
3. Estabelecimento de subsidiária de vendas;
4. Estabelecimento de subsidiária de produção.
Segundo este modelo, uma firma realizaria comprometimentos
adicionais feitos em concordância com estes estágios incrementais propostos,
a menos que tenha uma grande quantidade de recursos e/ou as condições
de mercado sejam estáveis e homogêneas, ou a firma tenha muita
experiência de outros mercados com condições similares (JOHANSON e
VAHLNE, 1977).
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 73
Em contraposição à teoria de internacionalização de Uppsala, de
acordo com Oviatt e McDougall (1994) ao final dos anos 1980 começou a ser
notado um novo e crescente fenômeno: o estabelecimento de novos
empreendimentos desde o princípio focados no mercado internacional. Tais
autores chamam estes empreendimentos de International New Ventures,
definindo-os como empresas que buscam desde o começo derivar suas
vantagens competitivas da utilização de recursos de diversos países e da
venda de produtos para diversos países. Adicionalmente, consideram que
estas firmas se iniciam com uma estratégia internacional proativa, em
contraste com a teoria de processo de internacionalização de Uppsala
(JOHANSON e VAHLNE, 1977, 1990), que considera que as firmas se
internacionalizam somente após um período de maturação doméstica, num
processo incremental e avesso ao risco de ajustes a mudanças na firma e no
ambiente.
O surgimento destas empresas focadas, desde o princípio, no mercado
internacional, parece ter sua origem em mudanças ambientais ocorridas nas
últimas duas décadas. Embora o tamanho continue a ser uma importante
fonte de vantagem competitiva para muitas empresas multinacionais,
recentes alterações econômicas (aumento no fluxo de capitais financeiros),
tecnológicas (aumento da qualidade, velocidade e eficiência da
comunicação e transporte entre países) e nas condições sociais (crescente
número de executivos internacionais e maior mobilidade de capital humano),
tornaram possível o estabelecimento de novas fontes de vantagens
competitivas (OVIATT e MCDOUGALL, 1994). Segundo estes mesmos autores,
tais mudanças permitiriam que mesmo firmas novas e com recursos escassos,
mas possuidoras de recursos singulares e valiosos, focassem desde o início no
mercado internacional.
Segundo Oviatt e McDougall (1994), o modelo de internacionalização
de Uppsala (JOHANSON e VAHLNE, 1977, 1990) não conseguiria explicar a
internacionalização não incremental das International New Ventures porque
estas firmas, em primeiro lugar, possuiriam poucos recursos. Em segundo lugar,
seus mercados estariam entre os mais voláteis. Finalmente, novos
empreendimentos têm, por definição, pouca ou nenhuma experiência no
mercado. Dessa forma, estas firmas não se encaixariam nas exceções
estabelecidas pelo modelo de Uppsala, o qual requereria, assim, mais do que
apenas pequenos ajustes para conseguir explicar o processo de
internacionalização das International New Ventures.
Tal visão não é compartilhada por Autio (2005), que considera que o
trabalho de Oviatt e McDougall (1994; 1995) não é contraditório ao modelo de
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 74
Uppsala (JOHANSON e VAHLNE, 1977, 1990), correspondendo, de fato, a um
importante complemento a este modelo. Segundo ele, o modelo de Uppsala
focaria no próprio processo de internacionalização depois de começado, não
elaborando como seria o início deste processo, enquanto que o modelo das
International New Ventures buscaria explicar como o processo precoce de
internacionalização destas firmas seria possível, ou seja, o que possibilitaria o
início da internacionalização das mesmas. Assim, apesar de questionar
diversas das premissas originais do modelo de Uppsala, principalmente a
postura de aversão ao risco, Autio (2005) argumenta que ambos os modelos
poderiam ser combinados para criar um modelo de internacionalização mais
completo, sendo que o modelo das International New Ventures estaria
principalmente focado no início do processo de internacionalização.
De fato, Oviatt e McDougall (2005) consideram que o modelo de
Uppsala é focado num comportamento entre-fronteiras tradicional, não num
comportamento empreendedor, o qual tem se mostrado cada vez mais
comum nos últimos anos, principalmente com o advento de avanços
tecnológicos nos transportes, comunicação e informática e de mudanças
econômicas relacionadas com a globalização dos mercados, as quais agem
como redutores da aversão ao risco, na medida em que reduzem as
especificidades dos mercados, possibilitando a formação de novos
empreendimentos que se internacionalizam rapidamente.
Madsen (1997) identifica que uma precondição para o surgimento das
International New Ventures (ou Born Globals, em sua terminologia) é a
crescente capacidade dos recursos humanos em explorar as mudanças nos
mercados internacionais devido ao dramático aumento da experiência
internacional das pessoas, principalmente dos empreendedores. Segundo ele,
para entender o fenômeno das International New Ventures é fundamental
entender o histórico dos empreendedores, pois as experiências passadas dos
tomadores de decisões (empreendedores) possuem uma grande influência no
caminho de internacionalização seguido pelas empresas. Fatores como
educação, experiência vivida no exterior e experiência em outros empregos
voltados ao exterior, moldam a mentalidade do empreendedor e reduzem as
distâncias psíquicas. Isto implica que possivelmente o empreendedor não veja
as fronteiras nacionais como obstáculos e que considere os mercados
internacionais cheios de oportunidades a serem exploradas.
Com base neste novo cenário ambiental, Madsen (1997) argumenta
que o trade-off existente no modelo de Uppsala entre crescimento e lucro no
longo prazo, e a busca por manter um baixo nível de risco continua válido,
entretanto, para uma International New Venture, tanto a percepção de risco
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 75
como o grau de especificidade de conhecimento do mercado internacional
são provavelmente menores. Adicionando a isso uma possível experiência
internacional prévia do empreendedor, tem-se que a decisão de novos
comprometimentos internacionais não necessariamente tem que ser lenta e
incremental.
Fundamentado num estudo de caso de três empresas suecas,
Andersson (2000) verificou que a diferença de comportamento entre duas das
empresas somente podia ser explicada através da incorporação dos
empreendedores e da teoria de empreendedorismo na análise.
Adicionalmente, verificou que o papel dos empreendedores, frequentemente
associado a empresas pequenas, também parece ter grande importância
para empresas maiores.
Finalmente, Luostarinen e Gabrielsson (2002) realizaram um estudo em
20 empresas, cujo resultado claramente indicou que as conversas a respeito
da morte da abordagem tradicional de estágios de internacionalização
(JOHANSON e VAHLNE, 1977, 1990) na pesquisa, ensino e prática são
altamente exageradas. Muitas das International New Ventures acabam sendo
forçadas a seguir alguns (ou muitos) destes estágios, porque muitos dos riscos e
incertezas ainda existem. Em adição à falta de conhecimento, a falta de
recursos aparenta ser uma realidade nos negócios, pelo menos durante as
recessões, as quais continuarão a existir para contrabalancear o poder dos
momentos de boom.
De fato, algumas das International New Ventures mais maduras
realmente procederam de forma acelerada, saltando estágios ou até mesmo
progredindo de forma reversa à das empresas tradicionais, mas em
compensação muitas outras seguiram alguns dos estágios tradicionais de
internacionalização. Assim, é importante reconhecer que o modelo de
Uppsala ainda possui um grande poder explanatório (LUOSTARINEN e
GABRIELSSON, 2002).
2.2 Fatores Associados à Internacionalização Precoce
Com base em estudos empíricos, Madsen (1997) estabelece uma série
de proposições associadas ao fenômeno das Born Globals (International New
Ventures) e que ele considera que deveriam ser examinadas em estudos
futuros, para melhor compreender os fatores originadores e as características
deste fenômeno:
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 76
1. O antecedente de uma Born Global está em um ou mais
empreendedores com forte experiência internacional, e talvez
também num forte produto.
2. A extensão do fenômeno das Born Globals está positivamente
associada com o grau de internacionalização do mercado.
3. Em comparação com outras firmas exportadoras, as Born Globals
são mais especializadas e orientadas a nicho, com produtos que são
ou mais personalizáveis ou mais padronizáveis.
4. As localizações geográficas das atividades de uma Born Global são
determinadas pela experiência passada dos fundadores e parceiros,
bem como por fatores econômicos ou relacionados aos clientes.
5. Em comparação com outras firmas exportadoras, as Born Globals se
utilizam mais frequentemente de competências complementares
buscadas em outras firmas; com relação a seus canais de
distribuição, elas mais frequentemente se utilizam de estruturas
híbridas (relacionamentos próximos, rede de parceiros, joint ventures
etc.)
6. O crescimento de uma Born Global está positivamente associado a
fortes habilidades de inovação, incluindo a habilidade de obter P&D
efetivo, bem como acesso a canais de distribuição, frequentemente
em parcerias com colaboração em relações internacionais que
envolvem esforços reiterados, intensos e integrados em nações.
7. Firmas em nações com mercados domésticos pequenos têm maior
propensão a se tornar Born Globals do que firmas de nações com
mercados dométicos grandes. Assim, Born Globals de nações
pequenas podem depender de muitos diferentes produtos,
enquanto Born Globals de grandes nações podem estar limitadas a
indústrias de alta tecnologia. Além disso, nações com alto número
de imigrantes podem ter uma proporção mais alta de Born Globals.
Oviatt e McDougall (1995) identificam um conjunto de seis perguntas
que empreendedores, investidores e executivos explorando oportunidades
deveriam fazer para determinar se o negócio sendo considerado deveria ser
um empreendimento global ou doméstico:
1. Os melhores recursos humanos estão dispersos entre diversos países?
2. Financiamento estrangeiro seria mais fácil ou mais indicado?
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3. Os clientes-alvo requerem que o empreendimento seja
internacional?
4. A rápida comunicação global leverá a uma rápida resposta dos
competidores?
5. Vendas globais são necessárias para comportar o
empreendimento?
6. A inércia doméstica será danosa se a internacionalização for
postergada?
Por sua vez, Rialp et al. (2005) identificam na literatura um conjunto de
10 fatores internos ou externos à firma que parecem criar ou facilitar o
fenômeno de internacionalização precoce:
1. Visão gerencial global desde a concepção.
2. Alto grau de experiência internacional prévia dos administradores.
3. Comprometimento da administração com a internacionalização.
4. Forte uso de redes pessoais e de negócio (networking).
5. Conhecimento do mercado e compromisso com o mercado.
6. Ativos intangíveis únicos baseados no gerenciamento do
conhecimento.
7. Forte criação de valor através da diferenciação do produto,
tecnologia de ponta, inovação tecnológica (usualmente associado
com um maior uso de TI) e liderança em qualidade.
8. Foco em nicho, estratégia internacional proativa em mercados
geograficamente espalhados no mundo desde o início.
9. Forte orientação ao cliente e relacionamento próximos com um
grupo de clientes estreitamente definido.
10. Flexibilidade para adaptar-se a mudanças rápidas nas condições e
circunstâncias externas.
Finalmente, Zucchella et al. (2007) determinaram, através de uma
pesquisa de campo com uma amostra de 144 empresas, que a
internacionalização precoce é resultado de um complexo mix de fatores:
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1. Visão dos fundadores, a qual depende da educação e experiência
prévia.
2. Comprometimento, o qual depende dos recursos humanos e
financeiros alocados ao processo de internacionalização desde a
concepção da firma.
3. Capacidade, a qual depende da qualidade das experiências
prévias dos fundadores. Acesso a competências externas (gerentes,
consultores, associações, conhecimento coletivo do cluster local)
podem ser necessários.
4. Relacionamentos, os quais dependem principalmente do sistema de
vínculos desenvolvidos pelos fundadores e equipe gerencial, sendo
significativamente relacionado ao item anterior (capacidade).
2.3 Perfil de uma International New Venture
O perfil de empresa Born Global ou International New Venture tem sido
frequentemente associado a empresas pequenas e de alta tecnologia. De
acordo com Rasmussen and Madsen (2002), as Born Globals tipicamente são
firmas que produzem produtos de nicho de alta tecnologia, os quais as levam
a se internacionalizar para obter o benefício da vantagem de ser first-mover.
Já Luostarinen e Gabrielsson (2002) identificam cinco tipos de negócio
que estariam mais frequentemente associados às International New Ventures:
1. Negócios de alta tecnologia.
2. Negócios de design avançado.
3. Negócios de serviço de alta qualidade.
4. Negócios de know-how único.
5. Negócios de sistemas altamente sofisticados.
Entretanto, Rialp et al. (2005) verificaram na literatura que, apesar de a
internacionalização precoce estar fortemente relacionada com a emergência
de novas tecnologias, cada vez mais este comportamento parece estar
acontecendo num número de setores industriais e de serviço, mesmo naqueles
não considerados altamente tecnológicos.
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3. HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA ARACRUZ CELULOSE
3.1 Da Guerra aos Negócios: A história do Fundador
Erling Lorentzen, nascido na Noruega em 1923, é o sexto filho de uma
família extensa, que ele mesmo classifica como uma família normal que
procurou levar uma vida como tal. Com o início da Segunda Guerra Mundial,
Erling alista-se como voluntário, mas devido à pouca idade (17 anos) vai atuar
em uma força militar clandestina de combate aos nazistas. Depois de fugir dos
alemães, Erling é treinado na Inglaterra e retorna para a Noruega para liderar
uma comunidade isolada no interior do país como exército clandestino. Com
o fim da ocupação, o jovem líder foi considerado herói nacional por ter
comandado a legião de 800 combatentes e desativado uma instalação
nazista sob suspeita de desenvolver uma bomba nuclear.
Após a Guerra, Lorentzen, com 22 anos, sente vontade de buscar mais
conhecimento e, em função das suas realizações durante a guerra, é aceito
no MBA de Harvard, mesmo sem ter cursado uma faculdade. Após os estudos,
Erling Lorentzen retorna ao seu país para trabalhar na empresa de navegação
de sua família e, devido à rede de relacionamentos, acaba por adquirir a
operação de distribuição de gás de cozinha da Esso no Brasil. Com o novo
empreedimento, Erling Lorenzen e a princesa da Noruega, com quem
acabara de se casar, mudam-se para o Brasil em 1954.
Lorentzen afirma que teve de aprender a fazer negócios no Brasil. Para
isso, destaca a necessidade de ser muito observador, de entender o que
realmente está por trás das mudanças políticas e econômicas e de nunca
aderir às ondas de otimismo ou pessimismo dos brasileiros. O sucesso nos
negócios abriu portas para novos empreendimentos. Numa dessas
oportunidades, dois amigos que exportavam minério de ferro para o Japão
ofereceram a Lorentzen a oportunidade de combinar o frete com alguma
carga mais leve, no caso, madeira para as fábricas de celulose japonesas.
Logo quando começou a estudar a indústria de celulose, Lorentzen
descobriu que a madeira, em contato com a poeira de ferro, não servia para
a produção da fibra. Mas o conhecimento adquirido sobre o processo
produtivo o convenceu de que a produção no Brasil, a partir do eucalipto,
teria grande vantagem sobre os demais concorrentes mundiais. Lorentzen
constatou também que para ter viabilidade econômica uma fábrica
necessitava de altíssima escala. Então, com um projeto de uma planta para
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 80
400 mil toneladas por ano (a maior do mundo à época), saiu em busca de
parceiros.
3.2 Formação e Fase Inicial de Crescimento (1967–1985)
Para construir a Aracruz Celulose eram necessários US$ 650 milhões.
Com um grupo de empresários brasileiros Erling Lorentzen conseguiu capitalizar
a formação das primeiras reservas florestais e em 1967 fundou a Aracruz
Florestal. A futura fábrica ainda precisava de mais capital e Lorentzen obteve
incentivos fiscais para o empreendimento, bem como outra contribuição do
governo veio por meio do BNDES. Apesar do apoio governamental, o
empresário preferia trabalhar com capitais privados e saiu pelo mundo a fim
de angariar investidores. Finalmente, encontrou algum apoio financeiro na
American Tobacco, que no Brasil atuava sob a bandeira da Souza Cruz.
Com o sucesso nos primeiros cortes de eucalipto, em 1972, é fundada a
Aracruz Celulose com o capital formado por 40% do BNDES, 25% da Souza Cruz
e o restante de outros investidores nacionais comandados por Lorentzen. A
empresa começa a formar a plantação de eucalipto para abastecer a futura
planta e já em 1973 a empresa inicia um programa de pesquisa para
desenvolver variedades de eucalipto melhor adaptadas às condições
brasileiras. A Aracruz não só desenvolveu um eucalipto mais resistente a
pragas e que crescia mais rapidamente, como também inovou em técnicas
de cultivo que aumentavam significativamente a produtividade de suas
florestas.
Em setembro de 1978, é inaugurada a fábrica de celulose em Barra do
Riacho e em 1979, a produção é de 73% da capacidade nominal. O
investimento em tecnologia de produção de eucalipto continua sendo
prioridade na Aracruz. A empresa seleciona engenheiros e patrocina o
doutorado nos Estados Unidos para, em seu retorno, desenvolverem pesquisas
em suas florestas. Com isso, as sementes produzidas pela Aracruz começam a
ser procuradas por outras empresas.
Não completamente satisfeita com o sucesso de suas sementes, a
Aracruz passa a investir na tecnologia de clonagem de mudas. Nos primeiros
anos da década de 1980, a empresa segue ampliando a ocupação da
capacidade instalada e, a despeito do controle de preços para o mercado
interno exercido pelo governo, as exportações passam a ser a base das
vendas da empresa. A Aracruz desde o início preocupou-se com a base de
sustentação de seu crescimento. A localização da fábrica, ao lado da floresta
e a 1,5 km do porto, a abertura da Aracruz Trading, no Panamá, e da Santa
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 81
Cruz Urbanizadora, para a construção de uma cidade para alojar seus
empregados, permitem um rápido crescimento que culmina, em 1984, com o
início de um projeto de expansão da capacidade.
O crescimento da estrutura, apesar de rápido, não foi realizado de
forma desordenada. A Aracruz também se preocupava com a preparação
de seu quadro gerencial, investindo em processos de recrutamento,
treinamento e retenção. A empresa, por exemplo, aproveitava-se de
programas de estágios para a identificação e retenção de potenciais talentos,
fatos que são relatados em relatórios anuais da década de 1980.
A Aracruz crescia e também apresentava lucros, o lucro líquido sobre
vendas médio entre 1981 e 1985 foi de 26%. A empresa passou por duas
ampliações de capacidade nos anos de 1984 e 1985, chegando a 470 mil
toneladas de celulose produzidas. Nesses anos uma nova estrutura de gestão
é formalizada. A criação de um fundo de previdência para todos os
funcionários do grupo e de novos cargos e estrutura gerencial, utilizando-se
também de serviços de consultores externos, ajudou a preparação para a
expansão das vendas. Estas vendas eram fortemente baseadas em
exportações (74% da produção), usando incentivos do governo na forma de
benefícios fiscais e financiamentos à exportação. Além disso, a Aracruz criou
em 1985 a Portocel, em parceria com a concorrente Cenibra (nipo-brasileira),
adquirindo a concessão de uso privativo do porto especializado em celulose,
anteriormente operado pela Codesa. À época, desde 1979, havia dois
principais contratos de longo prazo de venda de celulose, modalidade de
venda preferida pela empresa, com a Procter and Gamble (Estados Unidos),
com a Wiggins Teape (Europa) e com a Pirahy (Brasil), pois este formato
garantia estabilidade de preços e de fluxos de entrega, escapando do
mercado spot.
4. ANÁLISE DO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA ARACRUZ
Apesar de a Aracruz Celulose não ser uma empresa de um setor
tipicamente associado ao fenômeno das International New Ventures
(Rasmussen e Madsen, 2002; Luostarinen e Gabrielsson, 2002), é possível
verificar em sua trajetória elementos fortemente relacionados com este
fenômeno corroborando o ponto de vista de Rialp et al. (2005), que
verificaram a existência de International New Ventures em setores econômicos
menos associados com a alta tecnologia.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 82
Analisando pelo ponto de vista dos fatores determinantes da
internacionalização precoce que Zucchella et al. (2007) encontraram em sua
pesquisa, é possível verificar que a Aracruz Celulose apresenta todos estes
fatores:
1. Visão dos fundadores: é fortemente presente na história da Aracruz o
papel de seu fundador, Erling Lorentzen, o qual possuía uma baixa
aversão ao risco e uma visão voltada ao mercado exterior dada a
sua origem norueguesa, sua experiência com transporte marítimo e
à educação na Harvard Business School.
2. Comprometimento: desde a sua fundação a Aracruz se planejou e
se comprometeu a ser uma empresa exportadora, alocando a
maior parte de seus recursos humanos e financeiros neste sentido.
3. Capacidade: a experiência prévia do fundador da Aracruz (guerra,
transporte marítimo internacional, MBA em Harvard e imigração para
o Brasil) mostrou-se de extrema importância para o estabelecimento
da empresa. Além disso, a Aracruz frequentemente ao longo de sua
história buscou o acesso a competências externas pela contratação
de gerentes com experiência internacional e utilização de
consultores.
4. Relacionamentos: os vínculos formados pelo fundador da Aracruz,
ao longo de sua história, mostraram-se de extrema valia para a
fundação da Aracruz através da busca de financiamento no Brasil e
no exterior. Além disso, foram os seus contatos no Japão e na Europa
que possibilitaram grande parte do sucesso exportador inicial da
empresa.
Também é verificável na história da Aracruz a existência de muitos
dos fatores identificados na literatura por Rialp et al. (2005):
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 83
Fatores Presente na Aracruz
1. Visão gerencial global desde a
concepção. Sim
2. Alto grau de experiência internacional
prévia dos administradores. Sim
3. Comprometimento da administração com
a internacionalização. Sim
4. Forte uso de redes pessoais e de negócio
(networking). Sim
5. Conhecimento do mercado e
compromisso com o mercado. Sim
6. Ativos intangíveis únicos baseados no
gerenciamento do conhecimento.
Em parte, já que grande parte
da vantagem competitiva da
Aracruz advém de fortes estudos
no desenvolvimento de
tecnologia florestal.
7. Forte criação de valor através da
diferenciação do produto, tecnologia de
ponta, inovação tecnológica (usualmente
associado com um maior uso de TI) e
liderança em qualidade.
Em parte, já que grande parte
da vantagem competitiva da
Aracruz advém de fortes estudos
no desenvolvimento de
tecnologia florestal.
8. Foco em nicho, estratégia internacional
proativa em mercados geograficamente
espalhados no mundo desde o início.
Sim
9. Forte orientação ao cliente e
relacionamento próximos com um grupo
de clientes estreitamente definido.
Sim
10. Flexibilidade para adaptar-se a mudanças
rápidas nas condições e circunstâncias
externas.
Sim
5. CONCLUSÃO
Embora a Aracruz não seja uma empresa com o perfil de tamanho e
setor típicos de uma Born Global, e por ter se internacionalizado ainda na
década de 1970, portanto alguns anos antes de o fenômeno das Born Globals
começar a ser mais notado, a análise realizada por este trabalho parece
indicar que diversas das características e fatores que explicam a existência
das Born Globals, também parecem explicar o processo de interna-
cionalização de empresas mais antigas e de diferentes setores.
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 71-85 2010 84
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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internationalization of the firm. Journal of World Business, v. 42, n. 3, p. 268–280,
2007.
ABSTRACT
The phenomenon of early
internationalizing firms (International New
Ventures or Born Globals) seems to be the
result of a number of recent changes in
the global context. However, even before
this recent cycle of firms that rapidly
internationalize, other companies have
also internationalized with success, as is
the case of Aracruz Celulose. In this study,
the literature has been reviewed to
identify the characteristics and factors
related to the early internationalization of
firms and evaluate if they can explain the
internationalization process of Aracruz
Celulose.
AUTORES
Fernanda Chagas Borelli
Doutoranda em Administração de Empresas, COPPEAD/UFRJ - Turma 2009
Mestre em Administração de Empresas, COPPEAD/UFRJ – Turma 2007
Graduação: Economia (UFRJ)
E-mail: [email protected]
Luciana Velloso de Souza Araujo
Mestre em Administração de Empresas, COPPEAD/UFRJ – Turma 2007
Graduação: Comunicação Social - Publicidade e Propaganda (ECO/UFRJ)
E-mail: [email protected], [email protected]
Raquel Scrivano
Mestre em Administração de Empresas, COPPEAD / UFRJ - Turma 2007
Graduação: Comunicação Social (Publicidade e Propaganda)
E-mail: [email protected]
Ricardo Costa Vieira da Silva
Certificado em Gerenciamento de Projetos (PMP), PMI – 2009
Mestre em Administração de Empresas, COPPEAD/UFRJ - Turma 2007, com
extensão na UCLA, EUA – 2008
Especialista em Administração de Empresas (FGVSP/EAESP) – 2006
Graduação: Engenharia de Computação (UNICAMP)
E-mail: [email protected]
Marcio Stern da Fonseca
Mestre em Administração de Empresas, COPPEAD/UFRJ – Turma 2007
Graduação: Engenharia Metalúrgica (UFRJ e Administração (UERJ)
E-mail: [email protected]
Caio Bianco Peres
Ex-aluno do Mestrado em Administração de Empresas, COPPEAD/UFRJ – Turma
2007
Graduação: Engenharia de Computação (UNICAMP)
E-mail: [email protected]
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NORMAS PARA SUBMISSÃO DE TRABALHOS
1. OBJETIVO
Estimular e divulgar a produção acadêmica do corpo discente do COPPEAD,
constituída pelos alunos dos cursos latu sensu, mestrado e doutorado.
2. CARACTERÍSTICAS DOS TRABALHOS
Os trabalhos publicados nos Cadernos Discentes COPPEAD deverão ser
sempre inéditos, subdividindo-se em duas classes: original, quando apresenta
temas ou abordagens próprias e de revisão, quando resume, analisa e discute
informações já publicadas. Cada Caderno terá, em média, quatro artigos e
será publicado assim que quatro artigos sejam aprovados (não existirá
periodicidade).
Os trabalhos deverão cobrir os tópicos e práticas de Administração,
relacionados com os seguintes grandes temas:
a) Economia e Finanças;
b) Empreendedorismo;
c) Estratégia, Sistemas de Informação e Organizações;
d) Marketing;
e) Negócios Internacionais;
f) Operações, Logística e Tecnologia;
g) Planejamento e Controle.
3. SUGESTÕES DE TRABALHOS
a) Trabalhos de final de curso que tiveram, de preferência, conceito A ou
equivalente;
b) Revisões de literatura;
c) Teses e dissertações que não viraram artigo ou livro.
3.1 Exclusões
Não serão aceitos os trabalhos que forem análise de um caso didático.
4. NORMAS EDITORIAIS
O conteúdo deve ser semelhante, em forma, ao de um artigo a ser submetido
a qualquer revista ou congresso, não se exigindo, no entanto, a mesma
profundidade teórica ou empírica.
a) Os trabalhos deverão ser submetidos no formato pré-estabelecido no
parágrafo 4.1;
b) Os trabalhos poderão ser submetidos por um professor ou pelo próprio
aluno;
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 1-89 2010 88
c) Trabalhos submetidos pelo professor já deverão vir acompanhados do
formulário de avaliação proposto;
d) Trabalhos submetidos diretamente pelo aluno, serão posteriormente
avaliados pelo professor responsável pela disciplina ou então por um
professor indicado pelo Editor;
e) O Editor poderá solicitar a avaliação de um segundo docente (do Instituto
ou externo);
f) O Editor será escolhido pela Diretoria do Instituto, dentre os membros do
seu corpo docente;
g) Toda vez que o trabalho citar nomes de empresas os seguintes
procedimentos serão adotados:
• O Aluno deve indicar se a coleta de dados foi feita na empresa e, nesse
caso, solicitar a autorização da empresa para a publicação;
• O Professor que avalia o trabalho deve verificar se alguma empresa foi
citada ou se sua identificação é óbvia (nas duas situações, somente para
casos com dados primários);
• O Editor é responsável por verificar se a autorização foi dada (nos casos em
que o professor avaliador verificar que alguma empresa foi citada a partir
de dados primários);
• O Editor é responsável, com o auxílio do professor, de resolver os casos em
que o nome da empresa não tenha sido citado, mas a identificação seja
óbvia.
4.1 Estrutura dos trabalhos
Sugere-se que a estrutura do trabalho siga as seguintes recomendações:
a) Os trabalhos deverão ter a extensão máxima de 20 páginas incluindo notas
e referências bibliográficas;
b) Deverão estar em formato Microsoft Word for Windows;
c) O texto deverá ser apresentado em papel A4, margens a 3,0 cm, utilizando
caracteres em Futura LT BT, corpo 11, com, espaçamento múltiplo de 1,2
cm;
d) Apresentar em página separada: título do trabalho, nome completo do(s)
autor(es) acompanhado de breve curriculum mencionando profissão,
titulação acadêmica, vinculação institucional com endereço completo,
telefone, fax e e-mail;
e) Título: deverá ser breve e descritivo contendo palavras que representem o
conteúdo do texto;
f) Deverão conter um resumo em português, de aproximadamente 100
palavras, acompanhado da versão em inglês (abstract), ressaltando
objetivo, método, resultados e conclusões do trabalho;
g) Palavras-chave: três a cinco termos que expressem o conteúdo do texto,
com a devida versão em inglês;
h) Texto: deverá apresentar introdução expondo objetivos e metodologia,
desenvolvimento tratando da matéria de forma clara e objetiva e
conclusões, destacando os resultados obtidos. As seções e sub-seções
Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n° 33, p. 1-89 2010 89
deverão ser numeradas com títulos próprios evitando-se símbolos e demais
caracteres que não denotam estrutura hierárquica do texto;
i) Deverão conter referências bibliográficas relacionadas com o assunto,
seguindo as regras da ABNT;
j) As citações ao longo do texto deverão conter a fonte e serem
apresentadas seguindo o padrão sobrenome do autor, ano de publicação
e página. Exemplo: (BETHLEM, 1999, p. 3);
k) Apêndice: texto autônomo que complementa a argumentação principal;
l) Anexo: texto que serve de fundamentação, comprovação ou ilustração;
m) Notas deverão ser apresentadas em ordem progressiva ao longo do texto
com sua respectiva lista ao final do texto, localizadas depois das
referências bibliográficas.
Rua Pascoal Lemme, 355 - Ilha do Fundão CEP: 21941-918 - Rio de Janeiro - RJ Caixa Postal 68514
21941-972 Fax: (21) 2598-9848 E-mail: [email protected] site: www.coppead.ufrj.br