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FOLIA DA ROÇA E IDENTIDADE TERRITORIAL CAMPONESA NO
MUNICÍPIO DE FORMOSA/GO.
Maxlanio Dias Sousa
Mestrando em Geografia - IESA/UFG
Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça
IESA/UFG – [email protected]
A Folia da Roça em Formosa/GO é uma festa religiosa e popular considerada
uma herança cultural e que acontece junto à Festa do Divino Espírito Santo,
anualmente, nas vésperas de Pentecostes da Igreja Católica, sendo regionalmente
conhecida por seu grande número de foliões e pelo público que visita e aprecia as
manifestações do modo de vida e tradição dos camponeses do município.
Entendidos como sujeitos da terra que reafirmam sua identidade territorial em
seus territórios, também, a partir das festas religiosas, os camponeses dedicam-se na
Folia da Roça ao que pronunciam – com notável orgulho – de “trabalhar para o Divino”,
significando isto um sentimento de gratidão e respeito por trabalhar na festa em
atividades análogas ao trabalho cotidiano no campo, desde cuidar do preparo de fartas
refeições à participação nos ritos sagrados. É importante ressaltar que entre estes que
trabalham para o Divino também há pessoas que moram na cidade, deixando-a durante a
festa para dedicarem-se integralmente à novena1 no campo.
Ao afirmarem que estão trabalhando para o Divino, os foliões estão se referindo
ao Divino Espírito Santo do movimento católico, principal representação do sagrado na
Folia, ao qual são direcionados todos os ritos religiosos e dedicado o labor da
organização. O Divino é, para os fiéis católicos, a terceira pessoa da “Santíssima
Trindade” – Pai, Filho e Espírito Santo – reverenciado por seus devotos como uma
divindade que traz fartura às colheitas, realiza sonhos, traz cura, proteção e felicidade ao
povo do campo.
1 Novena refere-se a um período de nove dias antecedentes ao Dia de Pentecostes e são marcados por
rezas e missas dos fiéis vinculados ao catolicismo.
Os foliões fazem promessas ao Divino de trabalharem na festa e acompanhar a
novena, por meio do que denominam de giro da folia, de pouso em pouso2, como forma
de agradecimento por alguma prece atendida pelo sagrado. Na pesquisa foram
realizadas 40 entrevistas estruturadas e semiestruturadas em pousos de Folia da Roça
com foliões, visitantes e outros sujeitos da festa. Constatou-se com tal metodologia que
estas preces, de acordo com os entrevistados, são feitas pedindo curas e bênçãos
diversas e, muitos entrevistados, participavam agradecendo pelos milagres que
receberam. A maioria dos relatos referiam-se às atividades e ao trabalho realizados no
campo, às colheitas e a posse da própria terra para o trabalho camponês.
A concepção de camponês adotada nesta pesquisa está em acordo com a definida
por Fernandes (2016, p.3) que “[...] é compreendido por sua base familiar. Pelo trabalho
da família na sua própria terra ou na terra alheia, por meio do trabalho associativo, na
organização cooperativa, no mutirão, no trabalho coletivo, comunitário ou individual”.
Neste estudo adota-se o entendimento da ITC – Identidade Territorial
Camponesa como vínculo imaterial que o camponês estabelece com seu território, o
campo, configurando-se um sentimento de pertença mediado por sua identidade3. Tal
discussão tem se firmado como importante no debate sobre as relações do camponês, do
processo de luta pela terra, do campesinato e da questão agrária. De acordo com Pereira
(2004, p.219) “[...] vários estudos etnográficos e sociológicos mostram que a terra tem
significado cultural de suma importância para os camponeses”.
Parte-se da compreensão da ITC por meio da cultura, do modo de vida próprios
dos camponeses e das relações construídas no cotidiano e como expressam sua fé com
seus costumes religiosos, reconhecendo seu território; ainda pela conquista e
permanência na terra, constituindo territorialidades em territórios hegemonizados pelo
agronegócio. Assim concorda-se que “[...] na identidade territorial camponesa, o
território não é valorizado apenas pela dimensão econômica, pela capacidade de gerar
2 Girar uma folia significa, para os sujeitos, participar de todos os dias da novena, o giro acontece no
campo, onde se inicia em uma propriedade rural mais distante, passando por outras até que a festa termina
na Catedral da Igreja Católica, no centro da cidade. Cada propriedade rural em que a procissão passa
recebe o nome de pouso, que é a recepção dos foliões e da bandeira do Divino, uma forma de
hospitalidade para com o sagrado e os foliões. 3 As concepções da pesquisa sobre identidade têm aporte referencial em Hall (2011), Saquet (2007),
Souza (2012).
capital, mas, acima de tudo, por ser espaço de vida marcado por hábitos, costumes e
valores” (SOUZA, 2012, p.31).
Ao reconhecer-se em conjunto a Folia da Roça, o camponês e a ITC
compreende-se que se constituem, cada um em seus devidos aspectos no que se
denomina de elementos da (Re)Existência, conceito que é analisado por Mendonça; Pelá
(2011, p.5) significando “[...] um processo de permanência, modificada por uma ação
política que se firma nos elementos socioculturais. Significa re-enraizar para continuar
enraizado [...] formatando espacialidades como condição para continuar
(Re)Existindo”.
A pesquisa bibliográfica foi essencial para as reflexões aqui apresentadas. Para
atingir os demais objetivos, esta pesquisa serviu-se metodologicamente da entrevista e
da observação direta e indireta em campo na Folia da Roça de Formosa/GO.
A estrutura da pesquisa consta da referência inicial de alguns conceitos já
apresentados, perpassa as características do campesinato no município de Formosa,
propõe compreender os aspectos socioeconômicos e os elementos da Folia da Roça no
processo de (Re)Existência do campesinato.
As análises subsequentes estão inseridas com o objetivo de explicar algumas
características do campesinato em Formosa/GO em seus aspectos socioculturais e
políticos.
CAMPONESES NO MUNICÍPIO DE FORMOSA/ GO.
Com a intensão de compreender a ITC em Formosa/GO a partir de seus aspectos
socioeconômicos e territoriais utiliza-se neste estudo alguns dados que permitem
visualizar a desigual distribuição de terras no município, com base no critério do
módulo fiscal do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
A verificação das formas de obtenção das terras por produtor e proprietário de
Formosa/GO, segundo IMB – Instituto Mauro Borges, permitiu constatar que há um
contingente de 1.057 estabelecimentos rurais adquiridos como ‘compra por particular’ e
888 adquiridos por reforma agrária, ou por políticas e programas de assentamento4 ou
aguardando titulação definitiva.
O campesinato segundo Paulino (2006, p.34) pode ser entendido como “[...] a
única classe que pode sobreviver por sí, porque dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de
produção e da força de trabalho”. É caracterizado em Formosa por uma perceptível
expressão do acesso a terra via reforma agrária e por políticas de aquisição de terras
como crédito fundiário, estes que, por sua vez, não são reconhecidos como reforma
agrária por submeterem o acesso dos camponeses à terra por meio da compra de tais
propriedades, configurando o que se denomina por Reforma Agrária de Mercado5.
No Quadro 01 pode-se encontrar a definição por parte no INCRA do que
denomina de Pequena, Média e Grande Propriedade para o município, com base na
unidade do módulo fiscal.
Quadro 01 - Imóveis rurais cadastrados no INCRA, segundo os municípios.
Outubro / 2003.
Qtde Área (ha)
Pequena propriedade de 0 a 160 1089 47.511,50
Média propriedade mais de 160 a 600 308 102.074,90
Grande propriedade mais 600 186 284.726,80
Formosa: Módulo
Fiscal = 40 (ha) Área (ha)
Imóveis
Fonte: SEPLAN-GO / SEPIN / Gerência de Estatística Socioeconômica – 2005.
A análise do Quadro 01 demonstra que 11,75% das propriedades (186)
concentram 65,56% da terra, enquanto a pequena propriedade (1.089) é representativa
em frequência relativa (68,79%), mas ocupa apenas 10,94% do território, caracterizando
uma histórica lógica latifundiária, em que muitas terras são apropriadas por poucos
proprietários, enquanto muitos camponeses não têm ao menos uma terra para cultivar,
desterritorializados.
No que concerne aos aspectos produtivos, no Quadro 02 pode-se verificar que os
números relativos à lavoura da soja apresentaram crescimento no triênio 2012 a 2014. É
válido ressaltar que esse modelo de agricultura (monoculturas para a produção e
commodities) é considerado o grande propulsor de efeitos e conflitos socioambientais
4 Banco da Terra e Cédula da Terra. 5 Ver Carvalho (2010) sobre tipos de políticas agrárias no Brasil se seus contextos recentes.
no Cerrado, sendo seu cultivo tipicamente atribuído aos grandes produtores capitalistas
para a comercialização de commodities com bases na dinâmica de mercado do
agrohidronegócio, conceito definido por Mendonça (2015) e que refere-se à apropriação
capitalista da terra, da agricultura e dos recursos hídricos para atender as necessidades
do capital, assim, “[...] terra e água passam a ser, de forma conjunta, apropriadas para se
transformarem em mercadorias, ao invés de serem consideradas bens públicos,
conforme as necessidades humanas” (p.5, 2015).
2012 2013 2014
Quantidade produzida 25.200 31.680 33.925 toneladas
Área colhida 9.000 11.000 11.500 hectares
Rendimento médio 2.800 2.880 2.950 kg. por ha.
Aspecto
AnoUnidade
Quadro 02 - Lavoura Temporária - Soja em Formosa/GO
Fonte: http:///www.cidades.ibge.gov.br/
Bernstein (2011, p. 66) ao referir-se à questão do regime alimentar no mundo
cita a soja, afirmando que ela é “[...] um exemplo do crescimento acelerado do poder, da
influência e do controle global sobre o fornecimento, processamento e vendas de
alimentos por parte do agronegócio transnacional”.
Tal análise permite vincular com a argumentação de Graziano Neto (1982) de
que no Brasil o pequeno agricultor (camponês) é que ficou responsável pela produção
dos alimentos básicos e que foi chamado tradicional, e o grande produtor que atende o
mercado internacional ficou denominado de moderno o autor afirma que “[...] importa
apenas perceber que, regra geral, a produção de alimentos sempre foi ‘coisa de pobre’
na agricultura brasileira” (p. 59, grifos do autor).
Se há diferenciações em aspectos produtivos e técnicos entre os produtores
capitalistas e os camponeses a partir da adjetivação ideológica do moderno6 e do
tradicional para estes diferentes sujeitos, respectivamente, deve-se também refletir que
as festas populares e religiosas no campo, são tradicionalmente realizadas em grande
parte pelos camponeses. Observações em campo permitiram tecer essa relação, visto
6 Conceitos como modernidade, modernização e modernizações podem ser melhor compreendidos em
Castilho (2014). Sobre a modernização do território e da agricultura no Cerrado ver Mendonça (2004).
que os pousos e o giro da Folia da Roça visitados, entre os anos de 2011 a 2013, foram
todos tipicamente em propriedades de camponeses.
Na seção seguinte relata-se sobre a concepção de festa popular e festa religiosa
para a pesquisa, inserindo a Folia da Roça no contexto de ambas e, seguidamente,
elencando os elementos que esta festa apresenta para a reafirmação da ITC.
FOLIA DA ROÇA: PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS QUE (RE)EXISTEM E
ASSEGURAM A EXISTÊNCIA DO CAMPESINATO.
Nesta pesquisa apreende-se que a Folia da Roça de Formosa contribui para a
valorização e fortalecimento da ITC a partir de suas atividades, rituais, símbolos e
costumes que a valorizam. Em razão disso, há muitas conexões entre as atividades
desenvolvidas na Folia da Roça com o cotidiano camponês e outros aspectos que
permitem tecer tais afirmações.
Compreende-se aqui a Folia da Roça de Formosa como uma festa popular7 e
como festa religiosa reforçando que ambas as festas fazem parte da tradição camponesa.
A caracterização de popular e religiosa não delimita uma denotação, uma adjetivação
fixa da Folia da Roça, pelo contrário, parte-se da compreensão vivenciada na pesquisa
de campo de que a festa contém elementos de ambas as denominações. Neste sentido, a
Folia da Roça é uma festa religiosa por ter em sua centralidade e motivação um santo
católico, o Divino Espírito Santo, uma representação do sagrado.
Muitas festas populares ou religiosas brasileiras, territorializadas no rural e
também no urbano, são referências às tradições e costumes do campesinato. A fim de
esclarecer, demonstra-se a diferenciação de tradição e costume conforme Hobsbawn;
Ranger (1997) no sentido de que as tradições tendem a ser invariáveis nas ditas
sociedades tradicionais:
A ‘tradição’ [...] deve ser nitidamente diferenciada do ‘costume’ vigente nas
sociedades ditas ‘tradicionais’. O objetivo e a característica das ‘tradições’,
inclusive das inventadas, é a invariabilidade. O ‘costume’ [...] não impede as
inovações e pode mudar até certo ponto, embora evidentemente seja tolhido
7 Sobre a dificuldade de definição do conceito de Festa Popular ver Caponero; Leite (2010, p.102). Para
Brandão (2007, p. 44) “[...] as nossas festas populares do campo e da cidade são imagens do que mulheres
e homens fazem juntos quando se reúnem, numa quebra do cotidiano”.
pela exigência de que deve parecer compatível ou idêntico ao precedente
(p.10).
Assim, enquanto preserva as tradições e os costumes dos camponeses,
valorizando sua identidade territorial, a Folia da Roça é entendida, além de festa
religiosa, como festa popular onde a ITC, religiosidade e tradição, imbricadas,
constroem a riqueza (i)material e multidimensional da folia.
Por sequência, no próximo item apresenta-se alguns elementos da Folia da Roça
de Formosa/GO que atuam na valorização do campesinato a partir de suas
(Re)Existências.
OS ELEMENTOS DA (RE)EXISTÊNCIA NA FOLIA DA ROÇA
A realização da festa acontece com uma divisão das atividades entre os foliões,
que são designadas pelo Imperador8 escolhido por sorteio na Folia do ano anterior,
sendo este sujeito o principal organizador da Folia da Roça.
Estas divisões das atividades são denominadas como Divisas sendo algumas, por
exemplo: Tropeiro (responsável por cuidar dos cavalos utilizados na romaria); Guia de
Folia (responsável pela musicalidade e pelos ritos religiosos); Pouseiros (que oferecem
o pouso para a festa); Mussungueiros(ras) (cuidam da mussunga que é uma instalação
onde são servidos o café ou chá para os foliões e visitantes); Alferes (condutor e guarda
da bandeira do Divino); Caixeiro (toca a caixa, uma espécie de tambor, simboliza então
o convite ao sagrado e aos participantes para os ritos); Guardiãs de Nossa Senhora (são
um grupo de mulheres que cantam as ladainhas nos ritos religiosos, as ladainhas são
feitas em latim popular adaptado pelo catolicismo rural.
Para Sersocima (1995, p.49) “[...] apesar de a religiosidade ser uma
característica marcante da população rural, a Igreja não tinha uma ação incisiva junto a
ela.”, isso fez com que o povo do campo adaptasse suas crenças como pôde,
caracterizando o catolicismo popular e seus ritos próprios.
8 “Ser imperador não é atingir o plano do sagrado Divino, mas o de um poder que é próprio da
compreensão: o escolhido, honrado por Deus. O imperador é apenas um representante da realeza do
Espírito de Deus”. (VEIGA, 2013, s-p).
Dentre tais ritos, na Folia da Roça, são aqui destacados: A Alvorada da Bandeira
(acontece de madrugada na cidade, no primeiro dia de giro e no fim da tarde, no
primeiro pouso, significando o início do giro); A Saudação ao Altar (rito em que o guia
da folia, com uso da viola e da musicalidade saúda o altar do Divino, os presentes, as
divisas e o pouseiro, o rito associa-se à ITC, também, pela característica de cordialidade
do camponês); O Bendito de Mesa (rito que acontece em volta da mesa onde foram
servidas as fartas refeições da Folia, com a finalidade de agradecê-las ao sagrado e aos
foliões).
Ainda, dentre muitos elementos que contribuem para a (Re)Existência do
campesinato a partir da Folia da Roça, pode-se destacar: a Partilha, a Parceria, o
Mutirão e a Traição.
A Partilha significa a colaboração dos foliões, pouseiros e outras pessoas que
fazem doações para a Folia e que se ajudam mutuamente para oferecer o pouso e para
que tudo na Folia possa acontecer com organização e fraternidade entre todos; outrora,
um fato interessante sobre a Partilha é que os camponeses demonstram que gostam de
ter fartura em seu cotidiano e em suas festas populares e religiosas.
Sersocima (1995) relaciona a realização do Mutirão como característica peculiar,
mas não exclusiva das Comunidades Camponesas, uma vez que, dentre os camponeses
é comum pedir ajuda aos vizinhos ou se organizarem solidariamente para os trabalhos
da lavoura e similares, relacionando a característica do Mutirão às atividades e culturas
sazonais do campo.
Por sua vez, a Traição é uma variação do mutirão sendo que “[...] a diferença é
que o camponês que está necessitando de ajuda é surpreendido pelos companheiros, que
executam, em mutirão, o trabalho que está atrasado” (DUARTE, 2001, p. 130).
As festas populares e religiosas, conforme as proposições de escala de Marques;
Brandão (2015) resistem à modernidade ou podem ter nela mesma sua origem. No
entanto, dialogando com as contribuições destes autores com as de Hobsbawn; Ranger
(1997) e Hall (2011) é preciso compreender que em tais festas o tradicional e o moderno
ora se complementam ora se confrontam. Resta atentar-se sobre os limites e influências
que estes processos provocam nas relações dos sujeitos com a festa, o território e o
espaço de seus integrantes e participantes.
Conforme descrito por Duarte (2001) percebe-se que a Folia da Roça de
Formosa é uma notável expressão sociocultural do campesinato configurando-se como
um encontro de costumes e tradições e, neste artigo, compreendida como elemento
sociocultural para fortalecer os processos de (Re)Existência dos camponeses na luta
pela permanência na terra.
CONSIDERAÇÕES
A Folia da Roça em Formosa é uma festa popular e religiosa que vem resistindo
na relação tempo e espaço por intermédio da tradição e está enraizada na essência da
identidade territorial dos camponeses no município.
Nas oportunidades de observações diretas em campo foi possível perceber que
os camponeses gostam de se sentir valorizados, de saber que há estudiosos interessados
em investigar e compreender suas referências, seus modos de vida e contextos
socioculturais como relevantes na compreensão do espaço, dos territórios e da vida.
É preciso dialogar sobre a influência certamente negativa de alguns “velhos
paradigmas” que infelizmente ainda vigoram na atualidade sobre o campesinato. Dentre
tais, tem destaque a dicotomia entre o tradicional e o moderno, em que a tradição têm
sido tratada, negativamente, como uma referência exclusiva ao atraso e não à resistência
espaço-temporal e sociocultural que ela contêm. Com cantorias, danças, rezas, partilhas
e parcerias é que a Folia da Roça de Formosa traz à modernidade a luta contra o
preconceito ideologizado de que o camponês é um sujeito social atrasado, quando na
verdade como em outros modos de vida, esses trabalhadores da terra têm cultura e
tradição próprias que contribuem para a (Re)Existência em seus territórios.
A Folia da Roça, por ter presente os elementos acima tratados, por caracterizar-
se como festa popular e como festa religiosa permite aos camponeses e aos demais
sujeitos participantes a vivência de tradições e modos de vida no campo e do
campesinato que ainda persistem no moderno, resistindo e (Re)Existindo. A organização
da Folia da Roça de Formosa/GO é baseada nas relações sociais dos camponeses,
trabalhando e vivenciando a festa tanto no que tange às divisas, ao trabalhar para o
Divino, ao catolicismo rural, à musicalidade e outros elementos.
Para o Divino Espírito Santo na Folia da Roça e no exercício da fé, é que os
camponeses dedicam-se a reafirmar sua identidade territorial frente à ideologia do
moderno e em confronto às desigualdades que sempre lhes foram impostas histórica e
geograficamente.
Impõe-se como desafio aos estudos da questão agrária a construção e o diálogo
de percepções de que o aspecto tradicional e o sociocultural do camponês refletem-se
como (Re)existências frente aos conflitos socioambientais impostos pelo
agrohidronegócio, na ideologia do capitalismo agrário, que expande suas fronteiras
Cerrado goiano às custas da expropriação dos territórios camponeses e da apropriação e
exploração do trabalho e da natureza.
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