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FRAGILIZAÇÃO POR HIDROGÊNIO DE JUNTAS DISSIMILARES EM FORJADOS SUBMARINOS Daniel C. F. Ferreira 1 1 PETROBRAS - Petróleo Brasileiro S/A, Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello - CENPES, Rio de Janeiro, Brazil Trabalho a ser apresentado durante a Rio Welding 2014 As informações e opiniões contidas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor. 1 INTRODUÇÃO É comum, na indústria de Óleo e Gás, o emprego de componentes forjados de alta espessura, em aços de alta resistência, para fabricação de equipamentos submarinos, como árvores de natal, manifolds e jumpers, especialmente em campos de Alta Pressão e Alta Temperatura (Figura 1a). Ainda, quando exigido pelas condições de corrosão, corrosão-sob-tensão e corrosão-erosão estes componentes são geralmente revestidos internamente por soldagem com a liga de níquel 625. É necessário o tratamento térmico pós-soldagem do forjado baixa-liga, de forma a atender aos critérios de dureza da norma NACE MR 0175/ISO 15156. Entretanto, nestes componentes deve ser evitado o tratamento térmico pós-soldagem (TTPS) para a solda de fechamento entre o forjado e a tubulação adjacente, geralmente de aço microligado (X65 ou X70), devido ao layout complexo de tubulações e possibilidade de distorções. São utilizados, portanto, procedimentos especiais de soldagem para esta solda de fechamento. É realizado previamente o amanteigamento dos forjados e tratamento térmico pós-soldagem em fábrica. Como o amanteigamento acomoda a Zona Termicamente Afetada (ZTA) da solda de fechamento, é possível atender aos critérios de dureza estabelecidos. Tradicionalmente, este amanteigamento e a solda de fechamento eram realizados com liga de níquel 625, para garantir compatibilidade com o clad interno (Figura 1b). Apesar de vários anos de uso bem sucedido, ocorreram falhas em algumas destas juntas dissimilares em manifolds, exigindo a substituição destes. Um dos casos mais divulgados de falhas em juntas dissimilares AISI 8630/IN625 em manifolds foi o da plataforma Thunder Horse operada pela BP no Golfo do México em 2006 [1]. Durante o pré-comissionamento foram detectados vazamentos em diversas juntas dissimilares, com o trincamento passante confirmado por ROV (Figura 2). Após investigações, atribuiu-se a falha à fragilização da microestrutura na interface dissimilar pelo hidrogênio oriundo da proteção catódica [1,2]. O grande desafio à época das falhas, e que permanece até hoje, é identificar as condições únicas que levaram às falhas de apenas um pequeno número de componentes em campo, embora com grandes consequências. A falta de

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FRAGILIZAÇÃO POR HIDROGÊNIO DE JUNTAS DISSIMILARES EM

FORJADOS SUBMARINOS

Daniel C. F. Ferreira1

1PETROBRAS - Petróleo Brasileiro S/A, Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de

Mello - CENPES, Rio de Janeiro, Brazil

Trabalho a ser apresentado durante a Rio Welding 2014

As informações e opiniões contidas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do

autor.

1 INTRODUÇÃO

É comum, na indústria de Óleo e Gás, o emprego de componentes forjados de alta espessura,

em aços de alta resistência, para fabricação de equipamentos submarinos, como árvores de

natal, manifolds e jumpers, especialmente em campos de Alta Pressão e Alta Temperatura

(Figura 1a). Ainda, quando exigido pelas condições de corrosão, corrosão-sob-tensão e

corrosão-erosão estes componentes são geralmente revestidos internamente por soldagem com

a liga de níquel 625. É necessário o tratamento térmico pós-soldagem do forjado baixa-liga,

de forma a atender aos critérios de dureza da norma NACE MR 0175/ISO 15156. Entretanto,

nestes componentes deve ser evitado o tratamento térmico pós-soldagem (TTPS) para a solda

de fechamento entre o forjado e a tubulação adjacente, geralmente de aço microligado (X65

ou X70), devido ao layout complexo de tubulações e possibilidade de distorções. São

utilizados, portanto, procedimentos especiais de soldagem para esta solda de fechamento. É

realizado previamente o amanteigamento dos forjados e tratamento térmico pós-soldagem em

fábrica. Como o amanteigamento acomoda a Zona Termicamente Afetada (ZTA) da solda de

fechamento, é possível atender aos critérios de dureza estabelecidos. Tradicionalmente, este

amanteigamento e a solda de fechamento eram realizados com liga de níquel 625, para

garantir compatibilidade com o clad interno (Figura 1b). Apesar de vários anos de uso bem

sucedido, ocorreram falhas em algumas destas juntas dissimilares em manifolds, exigindo a

substituição destes. Um dos casos mais divulgados de falhas em juntas dissimilares AISI

8630/IN625 em manifolds foi o da plataforma Thunder Horse operada pela BP no Golfo do

México em 2006 [1]. Durante o pré-comissionamento foram detectados vazamentos em

diversas juntas dissimilares, com o trincamento passante confirmado por ROV (Figura 2).

Após investigações, atribuiu-se a falha à fragilização da microestrutura na interface dissimilar

pelo hidrogênio oriundo da proteção catódica [1,2]. O grande desafio à época das falhas, e que

permanece até hoje, é identificar as condições únicas que levaram às falhas de apenas um

pequeno número de componentes em campo, embora com grandes consequências. A falta de

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um critério claro gera grande incerteza sobre a integridade de estruturas submarinas, com

expressivos impactos financeiros.

A proposta deste trabalho é discutir o estado-da-arte neste tópico através da literatura

disponível e das boas práticas atualmente empregadas na indústria. Para tanto foi feito um

breve histórico das falhas de maior expressividade e uma revisão do entendimento atual dos

mecanismos envolvidos, assim como das soluções propostas. Ao final, são discutidos diversos

resultados, ressaltando as melhores práticas experimentais e de projeto. Este artigo apresenta

de forma resumida as informações disponíveis em maior detalhe em relatório técnico interno

[4].

Figura 1 – (a) Equipamentos submarinos no projeto de Thunder Horse – árvores de natal,

jumpers, manifolds, PLETS e flowlines [1] (b) Macro de uma junta dissimilar 8630/625 [3]

Figura 2 – Representação de uma solda dissimilar 8630/625 nos manifolds de Thunder Horse

e o local da falha [3]

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2 ENTENDENDO AS FALHAS

A fragilização por hidrogênio é uma forma de fratura assistida pelo meio, sendo necessária a

interação entre Meio, Tensão e Material (microestrutura). Como meio, temos água do mar e

geração de hidrogênio devido à proteção catódica por anodos de alumínio. As tensões a serem

consideradas são aquelas devido à pressão interna, carregamento primário e as tensões

residuais de soldagem. Estas condições são, a princípio, similares nos diversos projetos de

equipamentos submarinos. As microestruturas têm, portanto, um papel determinante na

suscetibilidade da junta à fragilização por hidrogênio. Juntas soldadas dissimilares produzem

além das zonas termicamente afetadas, uma zona conhecida como Zona Parcialmente

Misturada (ZPM) junto à linha de fusão com grande variação de composição química e

microestruturas. A ZPM está diretamente ligada à formação de microestruturas frágeis

suscetíveis à fragilização por hidrogênio. Uma discussão detalhada da sua formação e

características foge do escopo deste artigo, mas podem ser obtidas em outras referências [4-6].

Basicamente a ZPM é formada pela existência de uma camada de metal base líquido em fluxo

laminar ou estagnada junto à linha de fusão durante a soldagem. Após o resfriamento da poça

existem gradientes de composição e grande variação de microestruturas formadas em uma

distância de aproximadamente 20 µm. A Figura 3 apresenta medições de composição química

através de uma interface dissimilar 8630/IN625 [7]. Beaugrand et al. [6] sugeriram a

nomenclatura descrita abaixo para as microestruturas encontradas na ZPM, mostrada de forma

esquemática na Figura 4.

Metal de base aço de baixa liga (8630, 4130 ou F22). Microestrutura ferrítica típica

Zona Δ: Zona descarbonetada na região de grãos grosseiros da ZTA do metal de base,

com ‘dedos’ de metal de solda penetrando nos contornos de grão da austenita prévia.

Zona Μ: Zona martensítica, rica em ferro, não é contínua ao longo da interface e é

mais comum na região entre passes. Estrutura tetragonal de corpo centrado BCT.

Zona Φ: Zona de solidificação planar - é encontrada ao longo de toda a interface.

Estrutura CFC, austenítica, com grande quantidade de carbono em solução sólida.

Apesar de ser chamada também de “featureless zone”, por geralmente não apresentar

precipitados ou contornos em micrografias, análises em microscopia eletrônica de

transmissão (MET) revelaram grandes quantidades de carbetos. [8,9]

Zona π: Região parcialmente misturada, de matriz austenítica com grande quantidade

de precipitados interdendríticos de alto número atômico (ricos em Mo e Nb)

Metal de solda com composição correspondente à diluição global da solda.

A Figura 5 apresenta a interface dissimilar entre o 8630 e IN625 observada em microscopia

ótica. Pode se observar as regiões de martensita (Zona M), a ZTA-GG, a zona de solidificação

planar (Zona Φ), Zona Δ, Zona π e valores de dureza típicos. A Zona M, como indicado na

Figura 4, não é contínua ao longo de toda a interface, ao contrário da Zona de Solidificação

planar. Além dos diferentes teores de níquel, cromo e ferro ao longo da ZPM (Figura 3),

durante a soldagem e o TTPS ocorre a difusão do carbono do metal base para o Inconel 625.

No aço carbono baixa-liga o carbono possui menor solubilidade e maior difusividade,

enquanto na matriz austenítica de níquel encontra maior solubilidade e menor difusividade.

Ocorre, portanto, um acúmulo de carbono na interface, conforme demonstrado por

Alexandrov et al. [10], através de medições em micro-sonda (EPMA) e simulação através do

software Dictra®. O maior teor de carbono do AISI 8630 favorece a migração e a

precipitação de carbonetos na Zona Φ. A presença de carbonetos na zona de solidificação

planar para o aço 8630 foi confirmada também por imagens de transmissão e por

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espectroscopia de massa de íons secundários (SIMS) [8-12]. Os precipitados foram

identificados como M7C3 e sua direção preferencial de formação como <100> [8,9].

Alexandrov et al. [10] realizaram medições de microdureza com carga de 100g nesta região e

identificaram picos de dureza acima de 800 HV0,1 na Zona ΦErro! Fonte de referência não

encontrada.. Em contrapartida, os menores valores de dureza foram encontrados na ZTA

descarbonetada, chegando a valores de 120 HV0,1. A ZTA-GG sofre intensa descarbonetação

mesmo na condição como-soldado, sendo ainda mais grave após o TTPS. A ausência de

carbonetos favorece o crescimento de grão e reduz a resistência mecânica consideravelmente.

A Zona Φ, com elevados níveis de dureza, é suscetível à fragilização por hidrogênio. Como

meios de minimizar a saturação da Zona Φ com carbono, podemos empregar aços de menor

teor de carbono (e.g. F22 no lugar de 8630 ou 4130) e alterar os procedimentos de tratamento

térmico pós-soldagem.

Figura 3 – Perfil de composição química típico ao longo de uma Zona Parcialmente Misturada

no aço AISI 8630 amanteigado com Inconel 625 (Adaptada de [7])

Figura 4 – Nomenclatura das microestruturas encontradas na Zona Parcialmente Misturada [6]

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Figura 5 – Micrografia da ZPM de um aço 8630 amanteigado e tratado termicamente,

mostrando a Zona M com dureza superior à Zona Φ e à ZTA-GG (Adaptada de [7])

Os aços forjados empregados apresentam martensita de elevada dureza na ZTA-GG como-

soldada. Para reduzir estes níveis de dureza e enquadrá-los na norma ISO 15156 é necessário

o tratamento térmico pós-soldagem. A zona M, encontrada de forma descontínua ao longo da

interface dissimilar, apresenta composição química enriquecida em Ni, Cr e outros elementos

de liga do metal de adição. Além de favorecer a temperabilidade desta região, os maiores

teores de elementos de liga, especialmente níquel, afetam também as temperaturas de

transformação (Ac1, Ac3, Ms). A temperatura Ac1 pode diminuir até valores abaixo das

temperaturas usadas em TTPS, o que sugere a possibilidade de formação de austenita durante

o TTPS, com consequente formação de martensita virgem (não revenida) durante o

resfriamento. É crítico frisar que as zonas M são formadas pelo enriquecimento da faixa

estagnada de metal de base líquido com elementos de liga, sendo altamente temperáveis e,

portanto, pouco afetadas por taxas de resfriamento (i.e. alto aporte térmico e temperatura de

interpasse elevada). Além disto, o tratamento térmico pós-soldagem e os ciclos térmicos de

passes subsequentes, que poderiam revenir a martensita, também podem reaustenitizá-la

devido à redução da temperatura Ac1, levando à formação de martensita virgem de alta

dureza - enriquecida pelo carbono que difunde durante o tratamento térmico. Esta

microestrutura é inerente à formação de ZPMs entre aços baixa liga e ligas de níquel, e

depende dos mecanismos de mistura na poça de fusão, sendo mais comum encontrar Zonas M

nas regiões entre passes. A alteração do forjado não elimina estas regiões, e o uso de eletrodos

de aço carbono para o amanteigamento no lugar do IN625 apenas as transfere para a interface

da solda de fechamento, que é realizada com IN625. Uma das técnicas para minimizar sua

suscetibilidade à fragilização é o duplo revenimento, com uma temperatura mais baixa no

segundo tratamento.

A Figura 6 apresenta a propagação da trinca em um corpo de prova, onde se observa o caráter

‘plano’ da fratura, alternando entre mais próxima e mais afastada do aço, mas permanecendo

na ZPM. A Figura 7 apresenta os principais micromecanismos encontrados nas superfícies de

fratura, definidos como fratura “tipo clivagem” e fratura “plana”. As regiões de fratura ‘plana’

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foram analisadas em detalhe por MET e EDS e sua região de ocorrência foi identificada como

a Zona M, nas interfaces entre a Zona M e o metal de base, apresentando estrutura semelhante

a ripas de martensita [8-12]. Esta morfologia foi observada inclusive em amostras testadas ao

ar, sem a presença de hidrogênio [3,8,12]. Já as regiões de fratura “tipo clivagem”, pelas

mesmas técnicas, foram encontradas na região austenítica da Zona Parcialmente Misturada,

mais especificamente na Zona Φ, o que levanta grandes questionamentos, já que uma

microestrutura austenítica não apresenta planos de clivagem. Fenske [12], através de análises

detalhadas em MET destas regiões, sugeriu que na realidade, a falha não ocorre por clivagem,

mas sim por decoesão ao longo das interfaces entre carbetos M7C3 e a matriz austenítica,

causada pela presença de hidrogênio. Como os carbetos estão dispostos preferencialmente ao

longo dos planos {100}, o aspecto final da fratura é similar à clivagem através de planos

específicos. Este modo de falha foi observado somente em amostras hidrogenadas [3,8-12]. A

partir da constatação de que a região de fratura ‘plana’ (Zona M) foi detectada mesmo para

ensaios ao ar, Fenske [12] sugeriu que as trincas surgem inicialmente nestas regiões. Pelo fato

das Zonas M serem descontínuas, a interligação das trincas se dá através da Zona Φ,

fragilizada com a precipitação massiva de carbonetos no caso do AISI 8630. Como para o

F22, nos tempos de tratamento usuais não há grande quantidade de carbetos precipitados, ou

seja, não existe um caminho de baixa tenacidade para interligação entre as zonas M, a

combinação F22/IN625 apresenta maior resistência à propagação da trinca de hidrogênio.

Figura 6 – Micrografias em MEV de seções transversais de corpos de prova de fratura após

ensaios hidrogenados. A trinca se propaga através da interface dissimilar 8630/IN625

alternando entre os lados rico em Fe e rico em Ni (Adaptada de [9])

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Figura 7 – Imagem de elétrons secundários em uma região de transição entre fratura “tipo

clivagem” e fratura “plana” (Adaptada de [8])

3 DISCUSSÃO

No caso real de um componente submarino temos um carregamento de carga

aproximadamente constante e encharque por hidrogênio de longo prazo, ao longo de toda a

vida do equipamento (20 anos ou mais). Não é possível simular exatamente as condições reais

e realizar os ensaios em tempo razoável. São normalmente adotados, portanto, dois tipos de

ensaios de carga crescente: ‘step loading’ ou contínuo. São utilizados corpos de prova SENB

12 x 12 mm, em flexão 3 pontos [3,6,8,9]. Devido às dimensões reduzidas da ZPM, não é

possível utilizar corpos de prova com pré-trinca de fadiga pela dificuldade em garantir que a

trinca amostre a ZPM e não a Zona Fundida ou a ZTA ao lado. Para contornar esta limitação

foi utilizado o corpo de prova simplesmente com o entalhe por eletro-erosão a fio. Na maioria

dos trabalhos analisados, os corpos de prova foram pré-encharcados com hidrogênio em uma

solução de 3,5% NaCl e submetidos à proteção catódica de -1100mV por 48hrs. Os ensaios

foram realizados em solução com o encharque mantido para garantir o fornecimento e evitar a

saída de hidrogênio durante a execução. A fragilização por hidrogênio é diretamente

dependente do tempo - a trinca se propaga de forma subcrítica, sendo necessário o acúmulo de

hidrogênio nas regiões tensionadas à frente dela. Por esta razão a taxa de carregamento para

um ensaio hidrogenado é de aproximadamente 3000 vezes inferior à de um ensaio típico ao

ar, para permitir o tempo necessário à difusão do hidrogênio. Geralmente, por questões

práticas, nos trabalhos avaliados foi empregada a taxa de 0,018 mm/h (5 x 10-6

mm/s), o que

já resulta em durações de ensaio acima de 3 semanas. Entretanto, com taxas ainda menores foi

observada maior fragilização (menor inclinação da curva J-R) [13].

Os resultados de KIH (iniciação) obtidos para as diferentes combinações de materiais,

parâmetros de soldagem e tratamentos térmicos, infelizmente apresentaram grande dispersão,

não permitindo, portanto, estabelecer um ranking [6,13]. Como as microestruturas formadas

na ZPM variam ao longo da interface e são dependentes de efeitos de mistura locais, é

possível que mesmo utilizando-se o entalhe, a variabilidade de microestruturas amostradas

não é representativa de cada junta soldada, gerando grande dispersão de resultados de

iniciação. Outra abordagem empregada para obter um ranking das juntas testadas foi o de

ensaios J, com carga crescente contínua, obtendo curvas J-R por múltiplos corpos de prova.

Desta forma foi possível classificar as diferentes combinações de materiais e tratamentos

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térmicos em três grupos em função das suas curvas J-R (Figura 8). Juntas com curvas J-R

mais planas, representam maior susceptibilidade à fragilização por hidrogênio (Grupo C),

enquanto curvas J-R de maior inclinação (com maior resistência a propagação de trinca), uma

menor susceptibilidade (Grupo A).

Figura 8 – Curvas J-R obtidas em ensaios hidrogenados. Classificação em 3 grupos de acordo

com a suscetibilidade à fragilização [13]

Dodge et al. [9] investigaram o efeito de diferentes tempos de tratamento térmico nas curvas

J-R de juntas F22/IN625 (a 650°C) e 8630/IN625 (a 675°C) sob proteção catódica. As curvas

J-R foram obtidas utilizando um único corpo de prova e medindo a propagação da trinca por

compliance. Existe uma clara influência do teor de carbono, com o desempenho do AISI 8630

(0,33%C) sendo extremamente inferior ao F22 (0,15%C). A condição como soldado é

altamente suscetível à fragilização para as duas juntas, como esperado pela presença da ZTA-

GG e de Zonas M com martensita não revenida. Para a junta 8630/IN625 a melhor condição

(ainda altamente suscetível à fragilização) foi encontrada utilizando um tratamento de 1 hora

apenas, abaixo do recomendado em norma para este material. Este tratamento promove algum

revenimento da ZTA-GG e minimiza a difusão de carbono para a Zona Φ, que leva aos níveis

de fragilização encontrados nos tratamentos de 10 e 100 horas, próximos àqueles da condição

como soldado. Para a junta F22/IN625 a melhor condição encontrada foi de 10 horas, com

razoável resistência à fragilização. Neste tempo de tratamento não são observados ainda

carbonetos M7C3 na Zona Φ do F22. Já para a condição de 100 horas, ocorre a difusão do

carbono e precipitação de carbonetos, voltando a níveis de fragilização próximos da condição

como soldada.

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Na busca por condições especiais que tenham favorecido a falha de apenas algumas juntas

8630/IN625, foi proposto que tensões elevadas devem estar presentes na interface dissimilar

para que ocorra o trincamento. Sotoudeh et al. [14] realizaram medições de tensões residuais

em juntas F22/IN625 e 8630/IN625 por difração de nêutrons. As tensões observadas próximas

do diâmetro interno foram compressivas, já as tensões residuais no diâmetro externo foram

trativas. Um ponto crítico é que a região da interface dissimilar entre o forjado e o

amanteigamento, que recebe o TTPS antes da solda de fechamento, apresenta tensões

residuais axiais de aproximadamente 550 MPa (90% LE), enquanto a interface entre a solda

de fechamento e o amanteigamento apresenta tensões residuais circunferenciais de 550 MPa e

axiais de 400 MPa. Certamente, as tensões residuais trativas, da ordem de 90% do LE, no

diâmetro externo da junta soldada (sujeito à geração de hidrogênio pela proteção catódica)

contribuem para a iniciação e propagação de trincas subcríticas na interface dissimilar.

As combinações de alto risco de fragilização, devido ao elevado teor de carbono, como AISI

8630 ou AISI 4130 amanteigados com Inconel 625 devem ser evitadas. Tratamentos térmicos

não reduzem a suscetibilidade de forma satisfatória. Como soluções alternativas, temos a

adoção de forjados de menor teor de carbono, como o ASTM A182 F22, amanteigado com

Inconel 625, ou o amanteigamento com eletrodos de aço baixa liga (ABL - e.g. AK10 ou

ER80S-D2). Neste último caso, podem ser utilizados forjados de alto teor de carbono como

AISI 8630 ou 4130, já que a interface dissimilar será transferida para a interface entre o

amanteigamento (0,12%C máx) e a solda de fechamento em Inconel 625. A Figura 9 ilustra

de forma esquemática as diferentes opções para estas juntas dissimilares. A solução de F22

amanteigado com eletrodos de aço baixa liga (ABL) foi adotada após as falhas mencionadas

anteriormente [1,2].

Todas as soluções atuais empregam o amanteigamento em chanfro de aproximadamente 30°,

no lugar do amanteigamento de topo realizado anteriormente. Com esta configuração a

interface dissimilar, seja ela a de amanteigamento (e.g. F22/IN625) ou a de fechamento (e.g.

ABL/IN625), está inclinada em relação às tensões principais, reduzindo as tensões atuantes

em Modo I. Não obstante, a influência de carregamentos biaxiais e de diferentes modos de

carregamento ainda não está bem estabelecida para propagação de trincas subcríticas por

hidrogênio [15]. A Figura 10 representa de forma esquemática, em curvas J-R, a

suscetibilidade relativa das diversas soluções à fragilização por hidrogênio. A interface

forjado baixa-liga/eletrodo de ABL é uma interface similar, martensítica/martensítica, como

mostrado na Figura 11a. Já a interface dissimilar ABL/IN625 da solda de fechamento

apresenta zonas M, como esperado (Figura 11b). Inclusive, devido à posição de soldagem, é

possível que se formem mais zonas M nesta interface do que durante o amanteigamento com

IN625. O desempenho da interface ABL/IN625 carece de testes. Baseando-se pelo teor de

carbono e pela similaridade de composição química, pode se presumir, em um primeiro

momento, que o comportamento seja similar ao do forjado F22. Utilizando os dados para

diferentes tratamentos térmicos [9], a interface ABL/IN625 da solda de fechamento se

assemelharia ao caso do F22/IN625 sem tratamento térmico, ou seja, com um comportamento

frágil e próximo daquele de uma interface AISI 8630/IN625. Obviamente, existem diversos

outros fatores envolvidos, como a posição de soldagem, sequência de deposição, parâmetros

de soldagem, etc. Existe, portanto, uma incerteza do desempenho da interface ABL/IN625 em

relação a uma interface F22/IN625 submetida a um tratamento térmico adequado, colocando

em questão qual seria o amanteigamento mais adequado para um forjado ASTM A182 F22

(Figura 12). A opção de amanteigamento com IN625 exige um tratamento térmico de 10

horas a 650°C para atingir o melhor resultado [9]. Entretanto, tempos muito longos de

tratamento térmico podem levar à deterioração da resistência mecânica do metal base F22,

dependendo da quantidade de reparos que precisam ser qualificados.

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Figura 9 – Representação esquemática da junta dissimilar

Figura 10 – Curvas J-R esquemáticas de ensaios hidrogenados, representando a

suscetibilidade relativa à fragilização por hidrogênio para diferentes combinações de juntas

soldadas (Adaptada de [12])

Figura 11 – (a) Interface martensítica/martensítica entre F22 e ER80S-D2 [12] (b) Zona M na

interface dissimilar entre o amanteigamento com ER80S-D2 e o enchimento com IN625 [7]

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Figura 12 – Soluções para o amanteigamento do aço baixa-liga ASTM A182 F22. (a)

Eletrodo de aço baixa liga (b) Inconel 625. A interface dissimilar - crítica para a fragilização

por hidrogênio – está destacada em cada caso.

Ensaios de mecânica de fratura para avaliar fenômenos de fratura assistida pelo meio

continuam sendo desenvolvidos e discutidos amplamente nos meios acadêmico e industrial.

Este caso específico de fragilização por hidrogênio de juntas dissimilares abrange ainda a

área, também em desenvolvimento, de ensaios de mecânica da fratura em interfaces com

resistências dissimilares [16,17]. Os ensaios de step-loading forneceram valores de iniciação

(KIH) com grande dispersão e não permitiram sequer estabelecer um ranking entre as

diferentes combinações de juntas dissimilares. A classificação das juntas em 3 grupos foi

realizada através de curvas J-R hidrogenadas. Ambos os ensaios hidrogenados não estão

normatizados e para facilitar sua realização foram utilizados entalhes de eletro-erosão a fio,

no lugar das pré-trincas exigidas em normas de CTOD e J. Não existem, portanto, dados de

mecânica da fratura validados para utilização em procedimentos de adequação ao uso, ou

mesmo durante a etapa de projeto.

4 CONCLUSÕES

O estado-da-arte na área de fragilização por hidrogênio em juntas dissimilares de forjados

submarinos foi discutido a partir de um breve histórico das falhas de maior expressividade,

uma revisão do entendimento atual dos mecanismos envolvidos e uma discussão crítica das

soluções propostas. Informações mais detalhadas podem ser obtidas no relatório técnico

interno [4]. Seguem as principais observações realizadas durante o trabalho:

A fragilização por hidrogênio de juntas dissimilares AISI 8630/IN625 em operação

resultou em falhas de grande impacto;

Entretanto, as razões pelas quais apenas algumas das juntas dissimilares falharam não

foram completamente determinadas;

A fragilização por hidrogênio (oriundo da proteção catódica) está diretamente ligada

ao surgimento de microestruturas frágeis na Zona Parcialmente Misturada (ZPM) da

junta soldada;

Embora algumas destas microestruturas sejam inerentes à formação de ZPMs,

constitui boa prática utilizar forjados com menor teor de carbono (e.g. F22 com máx.

0,15%C) ou substituir o amanteigamento de IN625 por eletrodos de aço baixa liga

(também de menor teor de carbono);

Entretanto, o desempenho da interface dissimilar da solda de fechamento entre o

amanteigamento com aço baixa liga e o Inconel 625 carece de resultados, podendo ser

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inferior, similar ou superior ao desempenho da interface dissimilar F22/IN625

submetida a um tratamento térmico adequado;

Como a área de mecânica da fratura em meio e interfaces dissimilares são áreas ainda

em desenvolvimento, diversos questionamentos metodológicos permanecem e as

soluções atuais de ensaios não são plenamente satisfatórias.

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