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Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni - BH
Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais (DCJPG)
Frederico Guimarães Chaves
A política externa do governo Lula da Silva: Uma retomada das
diretrizes do pragmatismo responsável?
Belo Horizonte
2010
Frederico Guimarães Chaves
A política externa do governo Lula da Silva: Uma retomada das
diretrizes do pragmatismo responsável?
Artigo apresentado ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Túlio Ferreira
Belo Horizonte
2010
Agradeço ao Professor Túlio Ferreira e ao
Prof. Danny Zahreddine (que me orientou
no primeiro semestre), pelo apoio e
inspiração no desenvolvimento das
minhas idéias e opiniões que me levaram a
execução e conclusão deste artigo.
Resumo
O presente artigo analisa a política externa dos governos Ernesto Geisel (1974-1979) e
Lula da Silva (2003-2006) visando defender a hipótese de que houve uma retomada de
algumas diretrizes do pragmatismo responsável presente no governo Ernesto Geisel (1974-
1979), onde este buscou articular e alcançar objetivos políticos de forma independente.
Ambos os governos buscaram ampliar os intercâmbios comerciais, tecnológicos e militares,
principalmente com países do cone sul visando um melhor equilíbrio nas relações Norte-Sul,
além de adotar um posicionamento mais demandante diante das nações desenvolvidas. Tendo
em vista esses aspectos, a hipótese sustentada então é de que o governo Lula da Silva buscou
no pragmatismo responsável uma estratégia de inserção internacional soberana com
autonomia do país frente às demais potências. Sendo assim, tanto o governo Lula da Silva
(2003-2006) quanto o governo Geisel (1974-1979), guardam similaridades, que apesar de
serem divergentes quanto ao regime político interno, guardam continuidades no que se
referem às estratégias de ação externa.
Palavras Chaves
Política Externa Brasileira, Autonomia, Pragmatismo Responsável, Lula da Silva, Ernesto
Geisel
ABSTRACT
This article analyzes the foreign policy of governments Ernesto Geisel (1974-1979) and Lula
da Silva (2003-2006) aiming to defend the hypothesis that there was a return of some
guidelines in this pragmatism responsible government of Ernesto Geisel (1974-1979) , where
it sought to articulate and achieve policy goals independently. Both governments sought to
expand commercial exchanges, technological and military, mainly in Southern Cone countries
seeking a better balance in North-South relations, and adopt a more demanding position on
the developed nations. Considering these aspects, the hypothesis is sustained so that the Lula
da Silva sought to pragmatism in a responsible strategy for international insertion with
sovereign independence of the country against other powers. Thus, both Lula da Silva (2003-
2006) as the Geisel government (1974-1979), guard similarities, and that although they differ
as to the internal political arrangements, keep continuity in the strategies which relate to
external action.
Keywords
Brazilian Foreign Policy, Autonomy, Responsible Pragmatism, Lula da Silva, Ernesto Geisel
1
Introdução
Questões relativas aos níveis de autonomia1 política desde a Independência e durante a
República tornaram-se um eixo protagonista sobre a política externa do Brasil. As relações
"especiais" com os Estados Unidos e a estratégia de "autonomia pela participação" são marcas
referentes às escolas diplomáticas de Rio Branco (1902-1912) e de Aranha (1938-1943)
(BUENO, 2003; VIGEVANI, 1989; VIGEVANI; OLIVEIRA, 2004, apud VIGEVANI,
CEPALUNI, 2007, p.4). Contrapondo a essa lógica, a ideia de que se deve defender a
soberania e os "interesses nacionais", mesmo que isso se reflita em situações conflitivas com
os Estados Unidos, é clara na tradição da "política externa independente2", renovada por
Azeredo da Silveira (1974-1979) (CERVO; BUENO, 2002; VIGEVANI, 1974, apud
VIGEVANI, CEPALUNI, 2007, p.4).
O governo Ernesto Geisel (1974-1979), constituiu o primeiro e mais decisivo passo da
política externa do país, redefinindo as relações Brasil-EUA. Essa transformação pode ser
expressa não somente no esforço do Brasil em estabelecer relações bilaterais em bases mais
igualitárias com a potência hegemônica do hemisfério, mas principalmente na determinação
de prosseguir na defesa intransigente do que seriam os interesses do país no mundo em rápido
crescimento, ainda que estivessem em constante choque com os interesses norte-americanos.
As necessidades de mudanças no campo econômico, principalmente devido à crise do
petróleo3, criaram as bases materiais para as principais redefinições da política exterior do
período, centrando-se nas expressões "diversificação" e "redefinição".
O governo Lula da Silva (2003-2006), por sua vez, demonstrou várias iniciativas
situadas na vertente das negociações comerciais internacionais e na busca de coordenação
política com países em desenvolvimento e emergentes, com destaque para a Índia, África do
1 Uma condição do Estado-nação que lhe possibilita articular e alcançar objetivos políticos de forma
independente (PINHEIRO, 2000).
2 A política externa independente assentava-se numa visão das relações internacionais baseada na crença de que,
muito embora os Estados agissem tendo como referência o princípio da auto-ajuda, não buscavam apenas ganhos relativos, mas também absolutos, permitindo assim que outros Estados se beneficiassem (PINHEIRO, 2000).
3 A crise do petróleo de 1973 teve início em 17 de outubro, 1973, quando os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo Árabe anunciaram, como resultado da contínua guerra de Yom Kippur, que deixariam de exportar petróleo às nações que haviam apoiado Israel em seu conflito com a Síria e Egito (os Estados Unidos, seus aliados na Europa Ocidental e Japão) (WIKILINGUE, 2007).
2
Sul, China e Rússia, além de dar particular atenção nas relações com a América do Sul.
Também, formalizou uma relação estratégica e de cooperação ao criar o IBAS4 ou o G-3, com
a Índia e a África do Sul. No caso da Rússia e da China, o Brasil buscou ampliar os
intercâmbios comerciais, tecnológicos e militares. A institucionalização dessas parcerias teve
como objetivo primordial alterar a geografia do poder mundial, buscando um melhor
equilíbrio nas relações Norte-Sul, além de adotar um posicionamento mais demandante diante
das nações desenvolvidas.
O presente artigo tem por objetivo responder à seguinte questão: O processo de
autonomia no governo Lula da Silva envolve uma retomada das diretrizes do pragmatismo
responsável? Para responder a seguinte questão, serão empregados os seguintes conceitos:
"autonomia pela distância" (MOURA, 1980); "autonomia pela participação" e "autonomia
pela diversificação" (FONSECA, 1998:359-367). No intuito de verificar tal hipótese, será
analisada a política externa do governo Ernesto Geisel e em seguida do governo Lula da
Silva. O objetivo é analisar as similaridades entre esses momentos que, apesar de serem
divergentes quanto ao regime político interno, guardam continuidades no que se referem às
estratégias de ação externa.
1. A libertação ideológica: uma análise das relações Brasil- EUA
A orientação da política externa brasileira, a partir de 1974, sofreu redefinições
consideráveis, principalmente no que diz respeito às relações Brasil-EUA, constituindo,
assim, o primeiro e mais decisivo passo para a política externa brasileira, iniciada com o
governo Geisel (LESSA, 1998a). No entanto, a orientação externa do Governo Ernesto Geisel
(1974-1979) caracterizou-se pela intensidade em buscar abertura de novos espaços políticos e
econômicos para a atuação internacional do Brasil, reafirmando externamente alguns dos
4 Fórum de Diálogo entre Índia, Brasil e África do Sul, no qual visa desenvolver e intercambiar cooperação
técnica nas áreas de transporte, energia, infra-estrutura, defesa e missões de paz, comércio e investimento, pequenas empresas e criação de emprego, ciência e tecnologia de informação, educação, saúde (direitos de propriedade intelectual, medicina tradicional, pesquisas epidemiológicas, vacinas, desenvolvimento de produtos), bem como a criação de um fundo para alívio da pobreza e da fome (Fernandes, 2005).
3
aspectos do projeto de "potência emergente" que internamente consolidava-se no II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND) 5.
Essa transformação reforça o desejo brasileiro de não somente estabelecer relações
bilaterais em bases mais igualitárias com a potência hegemônica, os Estados Unidos, mas
buscar principalmente a determinação de prosseguir na defesa intransigente dos interesses do
país no mundo, em rápido crescimento econômico, mesmo indo contra os interesses
estadunidenses. Outro aspecto dessa redefinição das relações Brasil-EUA está vinculado a um
novo modelo de dependência externa do país sendo presumidamente uma propensão ao
declínio da participação dos Estados Unidos da América (EUA) nas atividades econômicas
globais do Brasil (LESSA, 1998, p. 1).
A partir da ascensão de Geisel à Presidência da República, houve uma crescente
diferenciação de interesses e percepções entre Brasil e EUA a respeito de suas perspectivas
posições no sistema internacional, produzindo políticas divergentes e frenquentemente
conflitivas no plano das relações bilaterais (LESSA, 1998a). O que está instituído é um
padrão de transição do poder, marcado pela idéia da necessidade de manutenção do projeto
político militar, com vista a assegurar o projeto de desenvolvimento nacional incrustada nos
moldes de uma potência emergente.
O modelo de inserção internacional presente no governo Médici, configurado pelo paradigma de potência emergente, elaborado em condições internacionais favoráveis, e sua retomada por Geisel em uma conjuntura externa negativa, atribuiu às variáveis econômicas um caráter prioritário. A partir de 1974, o foco da política externa brasileira era buscar respostas ao encarecimento repentino do petróleo e à crise financeira dos países industrializados, procurando alternativas ao abastecimento energético e de mercados para os produtos brasileiros (LESSA, 1998a, p.70).
Com o fim do milagre econômico, surgia a possibilidade de uma notável baixa na
média anual de crescimento. Para agravar a situação, a primeira crise do petróleo resultante da
decisão dos países da Organização dos países exportadores de petróleo (Opep) de
quadruplicar o preço do barril de óleo de US$3 para cerca de US$12, atingia
consideravelmente a economia nacional, que era dependente de cerca de 80% de petróleo
5 Sua proposta central era a de imprimir novo rumo ao desenvolvimento brasileiro, ao priorizar o aumento da
capacidade energética e da produção de insumos básicos e de bens de capital, representando uma guinada de vulto no modelo anterior, vigente no período anterior do “milagre” de 1969-1973, cuja prioridade residia nos bens de consumo duráveis (Cezar; Marley, 2007).
4
importado (PINHEIRO, 2004, p. 44). Além disso, o sistema financeiro de Bretton Woods6
entrara em colapso em 1971, colocando assim a paridade do dólar com o ouro induzindo a
desvalorizações sucessivas do dólar. As necessidades de mudanças no campo econômico
produziram os fundamentos basilares para as redefinições da política exterior no contexto em
que vivia o Brasil, focando na diversificação, tanto no que designa os fluxos comerciais,
quanto das origens dos investimentos estrangeiros e da captação de recursos financeiros no
exterior, e redefinição, principalmente das relações com os EUA e das relações com os países
do Terceiro Mundo.
O "esfriamento" das relações Brasil-EUA fundamentalmente não se estabeleceu no
governo Geisel, mas assumiu seu apogeu a partir dele. A ação internacional do governo
Geisel pautou-se por objetivos claros, como perseguir os elementos necessários para a
consecução do projeto de desenvolvimento, então esboçados nas linhas do II Plano de
Desenvolvimento. As limitações dadas pela conjuntura no início dos anos 1970 forçaram,
fundamentalmente, a revisão da agenda das relações bilaterais do país. Entretanto, ao perceber
a natureza conflitiva das relações com os EUA, conclui-se que os objetivos nacionais teriam
que ser perseguidos mediante a consecução de uma estratégia de diversificação dos vínculos
externos do país (LESSA, 1998a). Os atos do nacional-desenvolvimento geiseliano não
apresentam um aspecto de ruptura no relacionamento bilateral, apenas enquadram-se na
sequência de um processo histórico que compelia o Brasil a se distanciar e se contrapor os
EUA (LESSA, 1998a). Contudo, pode-se afirmar que as relações Brasil-EUA apresentam, no
governo Geisel, uma vertente fundamentada pela estratégia de diversificação de parcerias.
Conforme Lessa (1998a), as relações Brasil-EUA podem ser entendidas nesse
contexto como formadoras de uma "vertente perturbadora" do Nacional-desenvolvimentismo
geiseliano, que impulsiona a Política Externa a buscar caminhos alternativos para a inserção
internacional do Brasil, dando origem ao processo de expansão dos laços políticos e
econômicos com novos parceiros. Nesse contexto, surge uma repentina aproximação de
relações com os principais países da Europa Ocidental (República Federal da Alemanha, Grã-
6 O conceito remete às duas instituições de caráter monetário e financeiro, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, criadas em 1944 como resultado da conferência de Bretton Woods (New Hampshire, nos Estados Unidos) e convertidas em agências especializadas das Nações Unidas (embora com estatuto especial e diferente das demais entidades intergovernamentais) (ALMEIDA, 1999).
5
Bretanha, Itália e França), constituindo um processo numa política específica, moldada
através de objetivos pré-estabelecidos, sempre tendo como base a busca pelos anseios do
projeto de desenvolvimento brasileiro.
No que diz respeito às relações econômicas entre Brasil e EUA, notam-se duas
tendências que se destacaram no período compreendido de 1974-1979. A primeira tendência
diz respeito à conclusão do processo de desvinculação do Brasil com relação ao mercado
norte-americano. Ainda assim, as importações vindas dos EUA deram continuidade a seu
dinamismo relativo no período, fazendo com que a balança comercial bilateral mantivesse
contínuos déficits contra o Brasil. Não que o mercado norte-americano tenha deixado de ser
importante, bem ao contrário, continua a sê-lo, mas sua importância é relativizada com os
crescentes fluxos de comércio com outros parceiros. A segunda tendência é decorrente da
decrescente complementaridade existente entre as economias dos dois países, por outro lado,
como resultado na pauta brasileira de exportações, somada às pressões internas derivadas do
ajuste estrutural em curso na economia norte-americana, em um contexto de lento
crescimento, conduzindo à incidência crescente de conflitos comerciais. O nível decrescente
de complementaridade existente entre as economias brasileira e norte-americana tem raízes na
necessidade do Brasil de intensificar as exportações para cobrir o aumento explosivo das
importações, e ao subsidiar seus produtos para torná-los mais competitivos, encontrando no
crescente protecionismo estadunidense uma barreira cada vez mais difícil de transpor.
Contudo, a política de diversificação das relações econômicas e dos vínculos políticos
externos brasileiros denominou-se como uma alternativa às limitações experimentadas nas
relações com os EUA. Apesar da relação com os EUA ter se mantido como uma parceria
importante, entre 1974 e 1979, o Brasil tratou de diversificar suas fontes externas de
importações e os destinos de suas exportações, conseguindo consequentemente maior
autonomia em relação aos fluxos de capitais norte-americanos e atraindo investimentos de
empresas estrangeiras, internacionalizando definitivamente sua economia (LESSA, 1998a).
No plano político, a estratégia de inserção internacional executada por Geisel
estruturou-se a partir do duplo movimento de diversificação das relações exteriores do Brasil
e de crescente integração à economia mundial. O objetivo dessa prática buscava certificar a
presença brasileira no cenário internacional, almejando aumentar a capacidade de influência
do país nas questões globais que pudessem afetá-lo e, consequentemente, encarar à situação
de vulnerabilidade pelo aumento da dependência de produtos externos. A ação geiseliana tem
6
como base a busca por uma inserção internacional do Brasil mais representativa, substituindo
uma relação "especial" ou de prática exclusiva com os EUA por uma rede de contatos e
entendimentos diversificados. Por parte dos norte-americanos, as relações com o Brasil são
tipificadoras de um padrão a ser desenvolvido com uma nova "categoria" de países, ainda não
desenvolvidos, que possuem influência regional considerável e que almejam uma expansão
dos limites políticos e econômicos impostos pelos esquemas rígidos do bipolarismo, surgindo
como potências intermediárias no novo arranjo multipolar do poder mundial (LESSA, 1998a).
No período compreendido entre 1974 e 1979, instaura-se um processo por parte do governo
brasileiro que visava redefinir o caráter exclusivo nas relações entre os dois países, onde os
elementos políticos das relações foram potencializados, repercutindo nos planos multilaterais
e bilaterais.
No plano multilateral, as divergências faziam-se presentes quanto à ordenação do
poder mundial e quanto às regras do comércio internacional. Havia um esforço para modificá-
las, propondo-se a adoção do princípio da incondicionalidade para o tratamento preferencial
para os produtos procedentes de todos os países do Terceiro Mundo, numa reação ao princípio
da graduação que privilegiava ex-colônias em detrimento de países com níveis intermediários
de desenvolvimento. O Brasil passa a rever algumas de suas posições em relação às colônias
portuguesas na África, ao Oriente Médio, à questão palestina, ao colonialismo residual e aos
problemas raciais da África do Sul, ingressando, assim, num período de aproximação com os
países africanos, árabes e asiáticos. Em 1975, o Brasil é o primeiro país a reconhecer
oficialmente a independência de Angola, sob o governo socialista do Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA), liderado por Agostinho Neto. O gesto sinalizava a disposição
do Brasil de aproximar-se da África Negra, mercado em potencial para suas exportações
(VARGAS, 2005).
A posição brasileira com a África e o Oriente Médio em nada agradava à postura
norte-americana. A crise do petróleo, em 1973, forçou o Brasil a rever sua posição para a
questão da palestina, pautando-se por uma nova acomodação de interesses com os países
árabes abandonando as posições tradicionais para o Oriente Médio e o apoio a Israel. Com a
procura de novos mercados, ainda que em aberta oposição as orientações estadunidenses, o
Brasil lançava as bases de um relacionamento de longo prazo com os países da região.
Outras ações brasileiras influenciaram para a definição "conflitiva" na relação
bilateral. O estabelecimento de relações econômicas e diplomáticas com a República Popular
7
da China e o desenvolvimento de uma ativa diplomacia bilateral na América Latina, mesmo
não confrontando diretamente as posições norte-americanas, seguiam uma lógica de
independência das relações internacionais do período e se enquadrou no conjunto de políticas
que aumentara o nível de autonomia externa.
2. A opção européia
A orientação externa presente no governo Ernesto Geisel (1974-1979) caracterizou-se
pela procura de novos espaços políticos e econômicos para a atuação internacional do Brasil,
confirmando externamente alguns dos aspectos do projeto de potência emergente que
internamente se consolidava no II Plano Nacional de Desenvolvimento.
Nesse cenário, o governo Geisel consolidou um processo de distanciamento político
tornando patente a perda de complementariedade econômica entre o Brasil e os EUA.
Contudo, a partir desses aspectos, a relação bilateral pode ser entendida como formadora de
uma "vertente perturbadora" do Nacional-desenvolvimento geiseliano, que impulsionou a
Política Exterior a buscar alternativas para a inserção internacional do Brasil, originando um
processo de expansão dos laços políticos e econômicos com novos parceiros, como os
principais países da Europa Ocidental (República Federal da Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e
França), constituindo, assim uma política específica, moldada sobre objetivos pré-
estabelecidos, expectativas compartilhadas e linha de ação definida, procurando respostas às
aspirações do projeto de desenvolvimento brasileiro (LESSA, 1998b).
Com o relacionamento desgastado com os EUA, no governo Geisel, a aproximação
das relações com os países europeus ocidentais se mostravam mais favoráveis, na busca de
caminhos para a estratégia de diversificação de parceiros implementada pela política externa.
Desde meados da década de 1960, a Europa Ocidental demonstrava condições de
compensação gradativa para as relações brasileiro-americana, que foram habilmente
exploradas.
O projeto Nacional-desenvolvimentista presente no governo Geisel deu a oportunidade
ao Brasil de tornar as relações com os países da Europa Ocidental ainda mais intensificadas,
principalmente decorrente dos constrangimentos proporcionados pela crise econômica que se
instala no cenário econômico mundial com a crise do petróleo de 1973 e do processo de
rápida deterioração nas relações Brasil- EUA. Neste quadro, confluem os anseios brasileiro de
8
diversificação de parcerias e das políticas externas européias de consolidar um maior grau de
independência em relação aos EUA, buscando ampliar seus espaços no cenário internacional
em termos políticos e econômicos (LESSA, 1998b, p. 9).
A Europa Ocidental passa a ter um papel fundamental na agenda da Política Externa
desenhada por Geisel. A Europa Ocidental passa a representar uma antítese daquele efeito
perturbador provocado pela perda de qualidade das relações brasileiro-americano,
configurando-se numa "vertente redentora" para a ação imediata do Nacional-
desenvolvimentismo. Representa ainda um cenário ideal, pois atende aos anseios da política
externa do Brasil, que buscava consolidar a estratégia de diversificação de parcerias,
possibilitando a estruturação de um modelo de relações bilaterais oposto àquele configurado
pelas relações Brasil-EUA (LESSA, 1998b, p. 13).
Com a percepção de que as adversidades do cenário econômico internacional
caminhavam para um período de recessão em nível mundial, marcado pela escassez
energética, a administração Geisel inicia seu governo entretido com a definição dos
parâmetros da estratégia de desenvolvimento a ser adotada. Partindo do ponto de vista do
Brasil, a vertente Européia respondia imediatamente à necessidade de abertura de novos
espaços comerciais e de estabelecimento de novas parcerias políticas, além de propiciar os
meios para concretizar o projeto de desenvolvimento.
Segundo o chanceler Azeredo da Silveira a "opção" européia apresentava como signo
da mudança de papel que o Brasil desempenhava até então no cenário internacional, onde,
passava de "comprador passivo", que recebia créditos diretos para a compra de equipamentos
no país financiador, pratica costumeiramente presente no relacionamento comercial com os
EUA, para o papel de "comprador ativo", que participaria das negociações com os parceiros,
com uma nova modalidade de financiamento, transferência de tecnologia e participação das
empresas nacionais (Vigevani; Cepaluni, 2007).
Instrumentalizada, a Vertente Européia foi ganhando representatividade no projeto
Nacional-desenvolvimentista geiseliano, concedendo certo consenso entre os formuladores da
Política Exterior em torno da representatividade que a Europa Ocidental ocuparia nos marcos
do projeto de desenvolvimento.
9
3. O Pragmátismo Responsável
Em 1974, com a ascensão de Geisel, novas atitudes ficaram evidentes, principalmente
no âmbito da política externa. Com a noção de “pragmátismo responsável”, molda-se um
distanciamento em relação à proposta doutrinária vigente e constrói-se uma crítica implícita
ao "ideologismo", que teria guiado os momentos anteriores à formulação diplomática. Um
segundo traço das políticas inovadoras é que, vista num primeiro exame, as oposições da
política externa, em 1960 e 1974, convergem, ao procurar fazer com que o comportamento
diplomático do país amplie seus horizontes. Por isso, tornou-se costumeiro afirmar que o
pragmatismo continua e resgata a política externa independente (FONSECA, 1998).
Em 19 de março de 1974, recém indicado, o presidente Ernesto Geisel, reuniu o novo
ministério para anunciar que as estruturas do regime autoritário seriam flexibilizadas sob seu
controle pessoal. Ainda no mesmo dia, Geisel batizou a política externa de seu governo de
“Pragmatismo Responsável” e Ecumênico (SPEKTOR, 2004, p.1). Durante seu governo,
Geisel dedicou-se à política externa buscando transformar aspectos importantes do
comportamento e da palavra do Brasil no mundo, além de possibilitar ao Brasil libertar-se do
alinhamento automático aos desígnios do poder hegemônico, os Estados Unidos. Tendo em
vista esses aspectos, o pragmatismo seria uma forma pela qual possibilitaria o Brasil ganhar
maior espaço de manobra em um sistema dominado pelas grandes potências. Isso se tornaria
possível devido às mudanças estruturais no sistema internacional entre as décadas de 1960 e
1970 (declínio relativo da capacidade militar dos Estados Unidos face à União Soviética, a
incorporação da China continental ao equilíbrio global de poder, a inesperada força dos países
produtores de petróleo via OPEP, a avidez do movimento de descolonização na África e na
Ásia e suas repercussões na composição da Organização das Nações Unidas (ONU), o debate
militar norte-americano no Vietnã, e a emergência da Europa e do Japão como novos centros
de poder econômico) (SPEKTOR, 2004, p.5).
O vigor do pragmatismo e seu elemento mais distintivo se remete à aproximação da
política externa ao projeto normativo de tradições realistas de política internacional. Seguindo
essa lógica, a diplomacia do período Geisel, tornara explícito em certa medida, conceitos e
valores característicos do realismo político. Várias ações da diplomacia, assim como do
governo, demonstram esse movimento. Por exemplo, a percepção de que o país transitava-se
em um sistema cujas partes estão estrategicamente interconectadas (por exemplo, a decisão
10
brasileira de utilizar o programa de visitas de Estado de Geisel à Europa Ocidental como
instrumento de barganha nas negociações com os Estados Unidos). Outro movimento capaz
de demonstrar esses valores do realismo político presentes no governo Geisel, corresponde à
crença, refletida em atitudes políticas concretas, de que o Brasil podia efetivamente
transcender suas circunstâncias históricas, melhorar seu posicionamento relativo na estrutura
internacional de poder e, assim, obter maior responsabilidade e autoridade no cenário
internacional (SPEKTOR, 2004, p.6).
A inovação do pragmatismo encontra-se, acima de tudo, no tratamento dos vínculos
com os principais relacionamentos do país (SPEKTOR, 2004, p.7). É possível perceber
transformações importantes em todas as áreas relevantes da agenda externa (por exemplo: no
relacionamento com os EUA, com a Bacia do Prata, com os países andinos, com a Europa, a
África, o Oriente Médio, a China e o Japão). Já nos casos referentes à Argentina, Israel e
Portugal, as medidas tomadas nos anos do pragmatismo colidiram com práticas de longa
tradição no repertório na compilação da diplomacia brasileira. Dando sequência a essa ideia, o
Brasil adotou novos posicionamentos na OEA ( Organização dos Estados Americanos) e na
ONU. Entretanto, o pragmatismo ainda trouxe novos elementos de estilo e de retórica do
discursos diplomático. No entanto, o período em que o pragmatismo esteve presente na
agenda da política externa brasileira durante o governo Geisel é compreendido como um
momento de redefinições importantes e, em certos aspectos, sistemáticas, do comportamento
brasileiro no ambiente internacional.
As causas a que levaram o pragmatismo a ser adotada na pauta da política externa
brasileira são apontadas pela produção intelectual existente sobre o pragmatismo como um
meio de escape para o Brasil, dada uma conjuntura internacional negativa, a partir de três
conjuntos de causas, sendo percebíveis no nível estrutural, das idéias e da agência de
indivíduos-chave. Primeiro, como citado, a década de 1970 presenciou a modificações
significativas na estrutura internacional de poder que facilitaram a projeção de certos países
em desenvolvimento. Consequentemente,circulavam ideias inovadoras sobre as capacidades
de esses países emergirem no cenário internacional e adquirirem maior autonomia diante das
grandes potências, assim como na habilidade do Terceiro Mundo de introduzir uma agenda
global de justiça redestributiva e reforma do ordenamento econômico internacional. Por fim, a
produção intelectual entende que a categoria de homem de Estado (ou liderança política)
ganha relevo especial ao se tratar do pragmatismo (SPEKTOR, 2004, p.7). Em suma, os
11
novos pareceres e documentações disponíveis sobre esse período reforçam a percepção de que
as origens do pragmatismo foram multicausais e, em sua essência, materiais, intelectuais e de
liderança individual.
Em perspectiva de longa duração, os anos em que Geisel esteve no poder situam-se
confortavelmente na tendência geral a maior e mais veloz asserção da autonomia nacional
face aos estritos limites impostos pelo sistema internacional da Guerra Fria. Visto dessa
maneira, o pragmatismo coincide com o auge do modelo brasileiro de diversificação de
parcerias (SPEKTOR, 2004. p, 6).
4. O Desejo pela autonomia
O tema autonomia é bastante recorrente na literatura sobre política externa do Brasil,
já sendo recebido dos analistas diferentes qualificações: autonomia na dependência (MOURA,
1980), autonomia pela distância, autonomia pela participação (FONSECA, 1998).
Conforme Russel e Tokatlian (2000), o termo autonomia no seu sentido político, o definem como
uma condição do Estado-nação que lhe possibilita articular e alcançar objetivos políticos de forma independente. Seguindo essa idéia, autonomia é uma propriedade que o Estado-nação pode ter ou não, ao longo de um contínuo em cujos extremos se apresentam duas situações ideiais: total dependência ou completa autonomia.
Levando em consideração que o termo autonomia aplica-se tanto em situações domésticas
quanto internacionais, Russel e Tokatlian (2000) chegam à conclusão de que a autonomia é
normalmente empregado para caracterizar a habilidade do Estado, sendo entendida como capacidade e disposição para tomar decisões baseadas em necessidades e objetivos próprios sem interferências nem constrangimentos externos e para controlar processos ou acontecimentos que se produzem além de suas fronteiras.
Nos dois casos, a autonomia é sempre uma questão de grau que depende,
fundamentalmente, das capacidades, duras e brandas, dos Estados e das circunstâncias
externas que se lhe apresentam (PINHEIRO, 2000, p.9). O Brasil busca concretizar uma
situação de autonomia heterodoxa em que, mesmo conservando certos traços de dependência
(com relação ao sistema financeiro internacional, por exemplo), encontra espaços para uma
atuação própria que lhe permite redefinir a amplitude de seus laços com os EUA (PINHEIRO,
2004).
Por que a linha autonomista de Geisel? Segundo Fonseca (1998), a inovação estaria,
basicamente, determinada por imposições de lógica diplomática. Se a política externa
12
independente nasce de um projeto político, de uma concepção intelectual, o pragmatismo será
a tentativa de superar uma história que começa em 1964 e que resulta, de um lado, em algum
isolamento diplomático (essencialmente num cenário multilateral) e, de outro, em uma rede
de contradições reais com a potência hegemônica (por exemplo, na área do direito do mar,
energia nuclear, comércio e entre outros.). Isso não impossibilita que a política externa tenha
efeitos ou impulsos domésticos, mas não é a dinâmica interna a base privilegiada para
explicá-la. Sintetizando, a partir das novas circunstâncias da presença internacional do país,
mudam os próprios parâmetros brasileiros de interpretar o mundo (FONSECA, 1998:302).
Os condicionantes estruturais da política externa de um país são analisados a partir de
duas ordens: os internacionais e os nacionais. No caso da ordem internacional, prevalecem os
aspectos sistêmicos. Nas décadas de 1960 e 1970, a estrutura do sistema internacional era
bipolar, e a Guerra Fria dominava a agenda. Por outro lado, as questões Norte-Sul emergiam e
definiam a segunda parte da agenda. Uma leitura a partir dos aspectos nacionais prevalece aos
dados conjunturais. As orientações diplomáticas da Presidência, o grau de apoio que
determinado governo possui e entre outros, comporiam os condicionantes domésticos mais
expressivos. No entanto, vale ressaltar a importância de examinar elementos propriamente
estruturais, como o bloco de poder, as articulações das classes sociais, etc (FONSECA, 1998).
Tanto no que se refere à política externa quanto ao pragmatismo, o objetivo diplomático que
sustenta as alternativas de inovação é a ampliação da autonomia, explorando a margem de
manobra adquirida ao longo das décadas de 1960 e 1970 pelos países de Terceiro Mundo,
especificamente, pelas potências médias (FONSECA, 1998).
Segundo os formuladores da política externa, a autonomia possui uma dimensão
doutrinária e outra concreta: querer ampliar o intercâmbio com os países em desenvolvimento,
não significa dispor dos meios concretos que permitam que tal aconteça. Contudo, é no desejo
de autonomia e em algumas de suas expressões doutrinárias que surgiria provavelmente a
afinidades de argumentos da política externa independente e do pragmatismo, que ocorrem
em mundos diversos, tanto nacional quanto internacionalmente (FONSECA, 1998).
Na década de 1970, surge a primeira articulação da política externa brasileira com o
objetivo de ganhar maior espaço de manobra no sistema internacional através da
universalização. No entanto, tanto para Lafer quanto para Burns, o obstáculo ao universalismo
é explicitamente sistêmico, ou seja, no sistema internacional bipolar, o Brasil vive no campo
de hegemonia de uma das superpotências, e essa circunstância define, estruturalmente, os
13
limites de suas opções diplomáticas. Porém, um modo de ampliar a autonomia, seria, afastar-
se do campo hegemônico, por meio da universalização da política externa (FONSECA, 1998,
p.298).
Com o crescente desenvolvimento econômico ao longo da década de 1970, o Brasil
adquiriu um aumento expressivo nas fontes de fluxos comerciais e financeiros. Sendo
complementares esses dois movimentos, a Política Externa de Geisel tinha, em 1974, a
ambição e a necessidade de diversificar os contatos internacionais, não obstante a compensar
com exportações os crescentes déficits da balança de pagamentos, mas como superar, pela
abertura de novos mercados, a retração de clientes tradicionais através dos países
industrializados, empenhados em superar crise do petróleo (PINHEIRO, 2004).
Contudo, a diversificação de contatos, que no plano político foi à expressão de um
desejo maior de autonomia em relação às imposições norte-americanas, pode ser entendida,
no plano econômico, como um elemento fundamental para a manutenção de desenvolvimento.
Nesse sentido, a política de diversificação das relações econômicas e dos vínculos políticos
por parte do Brasil se impôs como alternativa às limitações experimentadas nas relações com
os EUA. Na prática, entre 1974 e 1979, ainda que tenha mantido os norte-americanos como
importantes parceiros, o Brasil tratou de diversificar seu comércio, conseguindo maior
autonomia nos fluxos de capitais norte-americanos e atraindo investimentos de outros países
(PINHEIRO, 2004).
O estreitamento das relações político-econômicas com a Europa Ocidental,
constituindo-se numa vertente do Nacional-desenvolvimentismo geiseliano, deve ser
analisado como uma parte mais clara, difundida e alardeada da estratégia de diversificação de
parcerias e de relativização de laços de interdependência, mas não é a única vertente que se
ergue no período com estes objetivos e não é a que apresenta os melhores resultados (LESSA,
1998).
Com Geisel, a política externa finalmente se libertava da camisa-de-força ideológica
que dificultara, quando não impedira, a diversificação das relações do Brasil. Finalmente, a
busca pela autonomia retomava-se pelo distanciamento do centro hegemônico e pelo
estreitamento das relações com a Europa Ocidental e dos países subdesenvolvidos da Ásia,
África e da América Latina. Da mesma forma, o Brasil buscava uma “autonomia pela
distância” de temas polêmicos a fim de resguardar o país de alianças indesejáveis. Contudo, a
existência de condições positivas para a implementação de uma política externa com um nível
14
mais autônomo não implicara na inexistência de obstáculos. Em suma, a diversificação de
novos parceiros, o abandono do alinhamento automático aos EUA e a aproximação com o
Terceiro Mundo poderia induzir a um excessivo desengajamento ideológico, com efeitos
danosos para a segurança do país (PINHEIRO, 2004).
5. O período de 1979 a 2002: a transição do paradigma globalista
O período de 1979 a 2002 constituiu na política externa brasileira um momento de
transição do paradigma globalista, vigente no período de 1974-1990, para uma nova matriz
teórica que surge na década de 1990. Assim como o americanismo, o globalismo chegou ao
limite de suas possibilidades, dando início a uma nova lógica de atuação da diplomacia
brasileira. Contudo, esse período se torna importante ao ser analisado na medida em que ele
contextualiza toda uma redefinição no quadro da diplomacia brasileira, onde o globalismo
perdeu sua força na década de 1990, e somente retornou no fim do governo Fernando
Henrique Cardoso ganhando um maior destaque na gestão Lula da Silva. Sendo assim, a
análise deste período busca demonstrar o porquê do retorno do globalismo na gestão Lula da
Silva, após um intervalo de transição desse mesmo paradigma para uma nova matriz teórica
nos anos 90.
O globalismo representou a adesão de uma distância qualificada nos debates e
negociações dos temas que tomaram um espaço relevante no período da Guerra Fria, isso
como forma de garantir autonomia. O Brasil era aliado aos valores presentes no Ocidente,
mas não havia um alinhamento automático. Contudo, na década de 90, algumas variáveis
redefiniram os valores da diplomacia brasileira que resultou em um ensaio para uma
transformação da política externa (ARBILLA, Apud PINHEIRO, 2000, p. 9). Destacam-se
dentre essas variáveis: as transformações ocorridas na ordem internacional com o término da
Guerra Fria, já que se extingue a alternativa soviética, os Estados Unidos retomam a
hegemonia político-militar e a América Latina acaba perdendo sua importância estratégica. A
vitória do projeto neoliberal, as transformações domésticas no Brasil, como a
redemocratização, o processo de globalização, são outras variáveis que se destacam. Segundo
Pinheiro (2000), essa redefinição dos quadros conceituais da diplomacia brasileira tem
fundamento a partir da idéia de que se estabelece uma crise dos paradigmas, onde o retorno ao
americanismo não era mais viável e as condições que surgiam no sistema internacional não
15
permitiam um retorno ao globalismo, mantendo em determinada medida ileso o desejo pela
autonomia brasileira. Sendo assim, o contentamento pela busca da autonomia, necessitaria
estar anexada a adesão à proposta neoliberal, que manifestaria os objetivos da política externa
brasileira em aderir aos regimes internacionais visando a ampliar sua capacidade de acesso a
recursos (financeiros e tecnológicos) rumo a um maior desenvolvimento. Contudo, a
estratégia para alcançar a autonomia não teria condições de ser mais pela distância, mas, pela
participação (PINHEIRO, 2000).
No período, de 1974 a 1990, o paradigma globalista mantém em vigor as orientações
quanto à inserção da política externa brasileira (VILLA, 2005, p.2). Porém, com o fim da
Guerra Fria, o paradigma globalista chega ao seu término, surgindo assim um questionamento
diante as novas realidades que começaram a surgir. O esgotamento deste paradigma seria
explicado a partir da idéia de que
houve uma fragmentação da coalizão diplomática em razões das transformações na ordem mundial com o fim da Guerra Fria que afligiu o poder dos países do Sul e o discurso terceiro mundista calcado na denúncia da irracionalidade das grandes potências (idem:41-42; Fonseca Júnior, 1998: 347, Apud PINHEIRO,2000).
Por sua vez, o esgotamento pelo desenvolvimento econômico vigente nesse período,
especificamente, o modelo de industrialização por substituição, da mesma forma contribuiu
para a crise do globalismo. Para Regina (2005), a redemocratização brasileira também
contribuiu nas mudanças do paradigma globalista da política exterior, em três direções, são
elas: universalização das relações diplomáticas; prioridade de cooperação política e
econômica com a Argentina, e o regresso da atuação diplomática do país em fóruns
multilaterais como a ONU.
Após o Impeachment de Collor de Mello em 1992, surge num primeiro momento algo
como uma mudança de orientação conceitual (VILLA, 2005. p.3). Mas, o que se vê foi uma
readequação do paradigma globalista, defrontando as mudanças decorrentes pela globalização
e o fim da Guerra Fria, mas sem alguma alteração sequer nos objetivos a serem contemplados.
Esse momento de transição foi denominado pela diplomacia brasileira, como matriz
emergente, onde frisava a lógica da autonomia pela participação. Para Villa (2005), essa
matriz emergente na política externa brasileira, que tomou fôlego a partir de Itamar (1993),
seria uma saída de meio termo que beneficiaria a autonomia de suas escolhas frente aos
Estados Unidos sem intenção de desagregar o relacionamento entre ambos os países.
16
No governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995 a 2002), a ideia de “autonomia
pela participação” no sistema internacional prevaleceu, contrapondo-se a idéia de “autonomia
pela distância” que predominou até o final do governo Sarney. Lafer defendia que, era
necessário haver uma “mudança dentro da continuidade”, isso implicaria que a reestruturação
da política externa brasileira deveria adaptar-se aos novos desafios internacionais que surgiam
nessa década. A idéia de desenvolvimento “voltado para dentro”, que implicaria numa
ampliação do mercado e do consumo interno, o fortalecimento e a ampliação do Estado, a
utilização do Processo de Substituições de Importações (PSI), foi renunciada. A diplomacia
brasileira no governo FHC aderia à ideia de que havia a existência de um ambiente
internacional cooperativo, acreditando assim numa relativa democratização das instituições
internacionais, sobretudo na área comercial (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007). Com a
modificação no quadro conceitual das relações internacionais advindas no governo George
Bush, novas dificuldades começaram a surgir na gestão FHC. A nova entonação no
unilateralismo, que focava primordialmente nas questões de segurança, foi intensificada no
pós-11 de Setembro, ampliando o conceito de “autonomia pela participação”. Todavia, isso
não implicaria que a ideia de “autonomia pela participação” perdeu seu valor, mas, introduziu
nova características (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p. 17).
Preocupado com as dificuldades que decorriam da ampliação do unilateralismo norte-
americano, FHC passou a ampliar as relações do país com a China, Índia, África do Sul, além
de procurar atingir um maior equilíbrio no diálogo com os Estados Unidos no que diz respeito
às negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), mesmo que não tenha
conseguido nenhum acordo. Ainda em decorrência dessas dificuldades havia a tentativa de
tirar vantagem das negociações Mercosul-União Européia para assegurar maior espaço de
manobra (VIGEVANI;OLIVEIRA;CINTRA,2004,p.57,Apud VIGEVANI, CEPALUNI,
2007, p.18). Essa disposição natural e o redirecionamento efetivo apresentariam um
aprofundamento mais intensificado e resguardado no governo Lula da Silva, sugerindo a
mudança gradativa da “autonomia pela participação” para a busca de “autonomia pela
diversificação” (VIGEVANI, CEPALUNI, 2007, 17).
17
6. Lula da Silva: Uma política externa em transformação
Antecedentes
O modelo liberal passou a ganhar força a partir do final da década de 1980 e no início
dos anos 1990. Esse movimento influenciava a adoção de reformas econômicas necessárias
para encarar os desafios impostos pela globalização, coincidindo com uma dificuldade dos
setores políticos e sociais oposicionistas em formular alternativas resistentes para um novo
modelo de desenvolvimento.
As mudanças internas e internacionais decorrentes do fim da Guerra Fria dificultariam
a mesma diretriz para a política externa brasileira do período anterior. Resultante das
transformações nesse contexto passou a ser necessário uma nova forma de dialogar com o
mundo, por intermédio de estratégias formuladas em áreas centrais do governo, especialmente
pelos Ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores. A política externa nos anos 1990 foi
marcada pela grande ênfase atribuída aos processos de integração regional, à abertura
comercial e às negociações multilaterais. (VIGEVANI; MARIANO, 2005, Apud VIGEVANI;
CEPALUNI, 2007, p.13). Nenhum outro domínio da ação externa gerou tanta expectativa e
registrou tantas iniciativas quanto à política multilateral. A gestão FHC impulsionou muitos
analistas de relações internacionais a acreditar na construção de uma ordem global feita de
regras transparentes, justas e respeitada por todos.
O governo FHC teve como marco a consolidação e a sofisticação de uma política
inicialmente formulada e praticada nos governos Collor de Mello e Itamar Franco. A idéia de
desenvolvimento voltado para dentro foi abandonada. Alguns dos êxitos da diplomacia
brasileira no governo FHC relacionaram-se com uma parcial existência de um ambiente
internacional cooperativo, em que se acreditava na relativa democratização das instituições
internacionais, principalmente na área comercial (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p.13).
A percepção que prevaleceu no seu governo é a da necessidade crescente, devido às
grandes transformações do mundo no pós-Guerra Fria, de ajustar interesses específicos
brasileiros às grandes tendências do mundo contemporâneo, da modernidade, num entorno
onde prevaleciam concepções liberais. Essas concepções estavam interligadas ao
fortalecimento de valores denominados universais, como democracia, direitos humanos,
proteção ambiental e um forte sentimento voltado ao idealismo, conforme o trecho seguinte:
18
O idealismo Kantiano da paz e da cooperação embutidos nessa possibilidade de governança global, próxima de um mundo ideal, regulado com legitimidade pelas instituições multilaterais, perpassou o pensamento de Cardoso e de seus ministros de relações exteriores, dóceis por convivência ou afinados por convicção (CERVO, 2003).
A decepção com os resultados do multilateralismo dos anos 1990, segundo Cardoso,
forjou e alardeou o conceito de globalização assimétrica tirado da sociologia das relações
internacionais com o fim de avaliar o movimento das forças em um sistema de benefícios que
consideraram desiguais porque encurralaram os países periféricos, obedientes e servis, para o
lado dos perdedores (CERVO, 2003).
No final da gestão FHC as dificuldades em ampliar o unilateralismo norte-americano
favoreceram no aumento das relações com África do Sul, China, Índia, e a buscar um
equilíbrio maior no diálogo com os Estados Unidos no quadro das negociações da ALCA7,
mesmo que não tenha concluído qualquer acordo; ao mesmo tempo, tentava utilizar as
negociações Mercosul-União Européia para assegurar maior espaço de manobra (VIGEVANI;
OLIVEIRA, 2004, p. 57).
6.1 O governo Lula da Silva
Segundo Vigevani e Cepaluni (2007), a política externa brasileira no governo Lula da
Silva apresentou, sobretudo, ajustes e mudanças de programa em relação à administração
FHC. O ataque de 11 de setembro de 2001 e as dificuldades advindas da Rodada Doha da
OMC foram choques externos que proporcionaram alterações na política externa brasileira,
modificando em alguns pontos o curso do final do governo FHC, adiantando alguns
elementos de mudanças que ficariam mais nítidas na gestão Lula da Silva. Conforme
Vigevani e Cepalluni (2007), não houve uma reestruturação doméstica significativa a ponto
de alterar a política externa de FHC para Lula da Silva. Contudo, os ataques de 11 de
setembro e as dificuldades impostas nas negociações de Doha influenciaram os formuladores
de políticas, somando-se a um contexto internacional em profundas transformações, e se
conectando com as diferentes trajetórias políticas dos dois últimos governantes brasileiros.
7 A Área de Livre Comércio das Américas (Alca) é a união de esforços dos países participantes para estabelecer uma maior integração regional, por meio da liberalização do comércio entre seus membros e, com isso, a eliminação das barreiras ao comércio e investimentos (FIESP).
19
O governo Lula da Silva caracteriza-se pela ambição em tornar o Brasil um líder não
apenas limitado à região conforme o trecho seguinte:
Tal ambição se daria através do ativismo diplomático e pelas alianças estratégicas que então foram desenvolvidas. Ainda segundo essa lógica, o governo Lula não acredita na existência de limitações estruturais, sejam elas, orçamentárias e militares. Diferentemente do governo anterior, Lula buscou uma política ativa com a África tendo ações concretas. Em 2003, Lula realizou um périplo diplomático pela África austral, onde o resultado mais visível foi o estreitamento nas relações com a República da África do Sul (ALMEIDA, 2004, p. 12).
Essa atenção especial nas relações com a África trata-se de uma aspiração antiga do
Brasil, mas em nenhum outro governo levou adiante com tanta determinação. O presidente
Lula realizou, em 2005, duas viagens à África. Não foram viagens para obter resultados em
curto prazo, ainda que, sob uma visão econômica, a África represente um mercado importante
- em 2004 o comércio com o continente africano representou algo em torno de US$ 6 bilhões.
Muitas das iniciativas presentes no governo Lula da Silva situam-se na vertente das
negociações comerciais internacionais e na busca de coordenação política com países em
desenvolvimento e emergentes, com destaque para a Índia, África do Sul, China e Rússia.
Dando ênfase nessa vertente o governo brasileiro formalizou uma relação estratégica e de
cooperação ao criar o IBAS ou o G3, com a Índia e a África do Sul. Nas relações com a
Rússia e a China, o Brasil tem procurado ampliar os intercâmbios comerciais, tecnológicos e
militares.
Algumas mudanças foram percebidas na política externa do governo Lula da Silva
tendo algumas diretrizes:
a busca por um equilíbrio internacional, procurando dar menos ênfase ao unilateralismo; (2) atenuar as relações bilaterais e multilaterais visando aumentar o peso do país nas negociações políticas e econômicas internacionais; (3) compactar relações diplomáticas no sentido de aproveitar as possibilidades de maior intercâmbio econômico, financeiro, tecnológico, cultural e entre outros; (4) evitar acordos comprometedores em longo prazo para o desenvolvimento (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p.19).
Mesmo sendo impossibilitado de escapar dos constrangimentos advindos dos governos
anteriores, um mero retorno ao passado torna-se impossível. Num primeiro momento o
governo PT daria uma ênfase maior em se distanciar em relação aos países capitalistas
desenvolvidos. Porém, um saudosismo exacerbado em relação à "autonomia pela distância"
no governo precisa conviver com determinadas realidades, que somente alguns aspectos
modificaram-se em relação às existentes na gestão FHC, mesmo que o peso dos
constrangimentos nacionais e externos possui, ao menos em curto prazo, o seu papel. No
20
entanto, a ideia de “autonomia pela diversificação” visa efetuar ajustes e mudanças de
programa inspirados pela idéia da “autonomia pela distância" em um cenário internacional
próximo, em diversos aspectos, do contexto em que a estratégia da "autonomia pela
participação" ganhou relevância. No entanto, como citado no decorrer do artigo, os
desdobramentos do dia 11 de setembro de 2001 acabaram por dar sustentação à visão de
mundo dos principais formuladores da política externa do governo Lula da Silva (VIGEVAN;
CEPALUNI, 2007).
Oliveira (2004) chama a atenção ao lembrar que já no curso final da gestão FHC, este
demonstrava uma aproximação voltada para as relações Sul-Sul.
O governo Lula da Silva apresenta uma postura assertiva em torno da defesa da soberania e dos interesses nacionais, buscando alianças privilegiadas no sul. No entanto, se faz necessário reconhecer que coalizões seguindo a lógica da cooperação Sul-Sul está presente no fim da gestão FHC, no que se refere, por exemplo, nas patentes de medicamentos contra o HIV/ AIDS, onde o Brasil se alia à África do Sul e à Índia para tentar reduzir os preços internacionais destes remédios, buscando o apoio de setores da sociedade civil de outros países. Contudo, a formação desta coalizão se tornou institucionalizada durante o governo Lula da Silva, com a Declaração de Brasília, criando assim o IBAS ou o G-3 (OLIVEIRA, 2006, apud CEPALUNI e VIGEVANI, 2007. p, 296).
A política externa do presidente Lula da Silva, sustentando o multilateralismo, defende
a soberania do país com maior ênfase do que no governo FHC. Esta característica, baseada na
idéia de "autonomia pela diversificação", ganhou importância e pareceu significar em alguns
momentos um sentimento de liderança, mesmo que regional. Os formuladores da política
externa do governo Lula da Silva, no entanto, acreditam que uma atuação de liderança pode
ser atingida por meio de uma ação diplomática ativa e dinâmica, assim como da continuidade
da defesa de temas universais (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p. 29).
A questão do Haiti reflete na busca de uma maior representatividade no cenário
regional e internacional. O envio de contingentes militares brasileiros para missões de
peacekeeping faz parte da tradição do país, tendo-se iniciado em 1956, ao enviar para Sinai
contingentes militares, tendo continuado em Angola e em outros países com ações de menor
porte como Iugoslávia e Timor Leste. Além de reforçar a concepção da diplomacia brasileira
de cooperação em políticas que visam promover a paz internacional, o envio de contingente
militar para o Haiti está vinculado ao interesse por um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU.
A ação do Brasil no caso do Haiti vincula-se perfeitamente com a ideia de “autonomia
pela diversificação”. A diversificação é entendida não apenas pela busca de alternativas nas
21
relações Estatais, mas implicando na capacidade de intervenção em questões que não refletem
aos interesses imediatos. Os possíveis benefícios da ação do Brasil no Haiti estariam ligados
ao fortalecimento da posição de candidato a membro permanente do Conselho de Segurança
da ONU e a um reconhecimento internacional necessário para uma potência média. Esses
objetivos seriam perseguidos, tanto nas questões de relações econômicas internacionais,
quanto nos aspectos políticos e estratégicos (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p.32).
Segundo Cepaluni e Vigevani (2007), as modificações da política externa brasileira
exigem a utilização combinada de diferentes níveis de mudança. A maior parte das mudanças
se enquadra na idéia de ajuste ou mudança de programa, pois as metas da política externa não
foram alteradas de forma significativa. No entanto, os autores defendem que o governo Lula
da Silva realizou mudanças de ênfases e de tonalidade em sua política externa (ajustes),
buscando novas formas de inserção internacional para o país (mudanças de programas). A
partir dessa análise, constata-se que o governo FHC defendia a idéia de "autonomia pela
participação" no sistema internacional, contrapondo-se á busca da "autonomia pela distância",
que prevaleceu até o governo Sarney (VIGEVANI; OLIVEIRA, 2004; FONSECA, 1998,
Apud, VIGEVANI, CEPALUNI, 2007). O governo Lula da Silva caracterizou-se por procurar
inserir o Brasil no cenário mundial acentuando formas autônomas, diversificando os parceiros
e as opções estratégicas brasileiras. Mesmo que haja alguns elementos de alteração dos rumos
do país ainda na administração FHC, Lula da Silva utilizou uma estratégia denominada de
"autonomia pela diversificação", enfatizando a cooperação Sul-Sul para buscar um equilíbrio
maior com os países do Norte, efetuando ajustes, aumentando o protagonismo internacional
do país e firmando mudanças de programa na política externa (CEPALUNI, VIGEVANI.
2007).
7. América do Sul
O governo Lula da Silva buscou na América do Sul uma política estável, próspera e
unida. O fortalecimento do MERCOSUL8 e o aprofundamento da integração sul-americana
8 O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é um amplo projeto de integração concebido pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Envolvem dimensões econômicas, políticas e sociais, o que se pode inferir da diversidade de órgãos que ora o compõe, os quais cuidam de temas tão variados que vão da agricultura familiar a temas como cinema, por exemplo. No aspecto econômico, o Mercosul assume, hoje, o caráter de União Aduaneira, mas
22
vêm ser coroado por dois fatos de grande transcendência. O surgimento da Comunidade Sul-
Americana de Nações, em Cuzco, através da reunião de Presidentes da América do Sul,
representou um avanço concreto e não somente simbólico. Apesar de tratar-se de um processo
complexo, onde há um envolvimento com países em diferentes níveis de desenvolvimento, a
Comunidade Sul-Americana de Nações avançou mais rápido do que o previsto. De 2003 a
2005, foi concluído um acordo entre o MERCOSUL e a Comunidade Andina, concebendo e
impulsionando diversos projetos para a integração da infra-estrutura, em transportes,
comunicações e energia. Vale ressaltar que a integração física constitui parte essencial do
projeto de desenvolvimento do próprio Brasil. A intenção brasileira é, conforme sua
capacidade, ativismo e recursos, desenvolver relações cooperativas com todos os países da
região (ALMEIDA, 1998). O segundo fato relevante foi o ingresso da Venezuela, Equador e
Colômbia como associados do MERCOSUL, por ocasião da Cúpula de Ouro Preto.
A integração regional tornou-se um eixo estrutural na política externa brasileira sendo
uma questão central a ser analisada, surgindo assim no debate acerca do MERCOSUL.
Tendo em vista seu tamanho e o peso de sua economia nas transações intra-regionais, o Brasil reconhece que seu papel no processo de integração comporta custos e supõe uma visão “generosa” para que possa compensar os desequilíbrios nos diferentes graus de desenvolvimento dos países da região. A intenção brasileira é, portanto, conforme sua capacidade, ativismo e recurso, desenvolver relações cooperativas com todos os países da região (AMORIN, 2005, p.3).
O MERCOSUL constituiu, na gestão Lula da Silva, a prioridade mais importante da
diplomacia brasileira e um plano para o seu reforço e aprofundamento até 2006 foi
apresentado aos demais parceiros. O presidente Lula, diversas vezes, ressaltou a importância
estratégica do MERCOSUL para o seu governo, onde poderia constituir algo como uma base
material para a união política da América do Sul. Segundo essa visão, a região deveria estar
livre de influências externas, basicamente os EUA, e das limitações da potência hegemônica
por ela imposta (no que se refere a ALCA). O MERCOSUL serviria então como uma
fortaleza defensiva contra as investidas dos EUA, porém, isto não parece ter sido efetivado
pelos demais países da região, onde estes ainda mantêm relações privilegiadas com os EUA
(ALMEIDA, 1998, p. 13).
propósito é constituir-se em verdadeiro Mercado Comum, seguindo os objetivos estabelecidos no Tratado de Assunção, por meio do qual o bloco foi constituído, em 1991 (FIESP).
23
Em suma, diferentemente do governo FHC onde os temas econômicos e comerciais
foram prioridades sobre os demais na agenda do MERCOSUL, para Lula da Silva o social e o
político assumiram a precedência no processo de integração.
8. Relações com os Estados Unidos
Na gestão Lula da Silva, as relações do Brasil com os Estados Unidos continuam
importantes, mas não é considerada a única alternativa para atingir as metas diplomáticas e
econômicas brasileiras. O governo Lula deseja uma boa relação com os Estados Unidos, mas
acima de tudo busca uma política de afirmação concreta da defesa dos interesses nacionais
(ALMEIDA, 2004).
O que passou a ser nítido nas relações com os Estados Unidos a partir de 2003 foi o da
não-exclusividade, ou seja, a ideia de "relações especiais" já não se fazia presente nesse
contexto. Os Estados Unidos continuaram sendo o mais poderoso do mundo contemporâneo,
inclusive economicamente para o Brasil, mas se buscou fortalecer essa relação na perspectiva
do enfraquecimento do unilateralismo, revigorado na administração George W. Bush, como
fazem outros países aliados dos Estados Unidos, inclusive na América Latina, e na
perspectiva de consolidação do país como global trader, idéia tradicional da política exterior
(CEPALUNI; VIGEVANI, 2007).
Algumas das ações da política externa brasileira vêm resultando em aspectos
autônomos como, por exemplo, a ênfase na cooperação Sul-Sul, onde buscou um maior
equilíbrio com os países do Norte, e em alguns casos indicando discordância com relação aos
Estados Unidos e à União Européia, e a silenciosa proclamação da liderança regional são
sinais que se enquadram na idéia da “autonomia pela diversificação”. Em seu governo, Lula
demonstrou a importância em realizar ajustes e mudanças de programa, inclusive de cunho
ideológico, na sua política externa. As transformações advindas do cenário internacional,
consolidado pelo ataque de 11 de setembro de 2001, seriam as motivações, que se justapõem
às posições históricas do Partido dos Trabalhadores (PT) e às idéias do grupo que alcança o
poder no Brasil em 2003 (CEPALUNI; VIGEVANI, 2007).
Segundo Cepaluni e Vigevani (2007), a política de Lula da Silva possui riscos, mas
espelha em parte a nova geografia do poder e da economia mundial. Uma das críticas de
maior cunho político à política exterior do governo Lula da Silva é a da dispersão do foco, do
24
investimento de esforços em objetivos não promissores. Segundo essa visão, trata-se de um
esforço que reflete ativismo, uma determinada concepção de mundo, implica riscos pelo
desvio parcial da atenção de interlocutores tradicionais, mas não está em rota de colisão com
tendências novas do cenário internacional do século XXI. Uma delas é o aumento excessivo
do peso da Ásia. Outra crítica insistente à política exterior do governo Lula da Silva se refere
à morosidade nas negociações para o estabelecimento de áreas de livre-comércio (com a
União Européia9 e a ALCA), onde o governo entende que existe a possibilidade de haver
relações estreitas com esses centros de poder sem as concessões que resultariam de acordos
amplos de abertura de mercados, muitas vezes assimétricos. Tal posição trousse
desdobramentos para o Brasil, como a dificuldade do fortalecimento do MERCOSUL e da
relação de parceria com a Argentina. Assim, a ausência de um forte e consistente projeto de
desenvolvimento, do Brasil e do MERCOSUL, que exigiria um Estado bem aparelhado para
colocá-lo em prática, no longo prazo pode pôr em risco as vantagens decorrentes da
capacidade de captar as mudanças em curso no mundo (VIGEVANI, CEPALUNI, 2007).
Conclusão
Afinal, houve realmente uma retomada das diretrizes da política externa do governo
Geisel na gestão Lula da Silva? Apesar de ambos os governos serem divergentes quanto ao
regime político interno, Lula da Silva demonstrou indícios de continuidade de algumas
premissas presentes no governo Geisel no que se refere às estratégias de ação externa.
Continuidade não no sentido de seguir o mesmo plano de governo, mas sim resgatar o
paradigma globalista que prevaleceu nas orientações quanto à inserção externa do país
acentuando formas autonômas, assim como na diversificação dos parceiros e as opções
estratégicas. Ao iniciar a gestão Lula da Silva, grande expectativa se formulou para a questão
do direcionamento da política externa. Segundo Cardozo e Miyamoto (2006, p.3), algumas
diretrizes do "Pragmatismo Responsável" de Geisel (1974-1978), tais como afirmar
9 A União Européia possui a sua origem na Comunidade do Carvão e do Aço de 1951 e, após um processo de integração econômico-político, criou-se, com o Tratado de Roma, a Comunidade Européia, em 1957. No entanto, somente em 1992, com o advento do Tratado de Maastricht, alcançou a integração econômico-político-monetária que se denominou União Européia.
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autonomia em relação às grandes potências e a ampliação de laços com países do Sul, seja de
forma bilateral ou via instituições internacionais, são retomadas pela política externa do
governo Lula da Silva.
O governo Lula da Silva resgatou algumas das principais diretrizes da política externa
de Geisel, principalmente pela busca da aproximação brasileira com os países do Sul, onde o
estreitamento das relações com países do Terceiro Mundo implicaria na diversificação de
interesses e, consequentemente, proporcionaria uma menor dependência dos países ricos. É
possível notar que nos dois governos a busca por parceiros no Sul significou uma estratégia
para se ter maior poder de barganha nas negociações internacionais, além claro de, utilizar o
pragmatismo responsável visando uma estratégia de inserção internacional soberana com
autonomia do país frente às demais potências. O pragmatismo responsável e ecumênico
presente no Governo Geisel implicou em uma política externa pragmática, com atenção
especial ao relacionamento com os países vizinhos, além de remeter-se a ampliação das
parcerias renunciadas de afinidades ideológicas e políticas. Seguindo essa linha, o Governo
Lula da Silva, buscou por parceiros estratégicos, além de não medir esforços da diplomacia
em dar uma ênfase maior para a América do Sul, assim como em afirmar e dar sequência aos
princípios universalistas da política externa (RIBEIRO, 2006, p.9). A política externa do
Governo Lula da Silva, demonstra ter retomado desde o princípio de sua gestão ao paradigma
globalista ou universalista, concebido como uma alternativa ao americanismo.
Nesse contexto, o Itamaraty tem buscado ampliar as relações com os parceiros estratégicos, formando coalizões frente às estruturas hegemônicas do sistema internacional e explorar nichos como a África e o Oriente Médio, os quais constituíram verdadeiros objetivos do universalismo da política externa na década de 1970, com o “Pragmatismo Responsável e Ecumênico” do Presidente Geisel (RIBEIRO, 2006, p. 9).
Esse paradigma globalista presente na gestão Lula da Silva retoma aos mesmos valores
presente na década de setenta, quando o “pragmatismo e o universalismo” tornaram-se
vigentes durante o Governo Geisel (RIBEIRO, 2006, p.8).
Outra visão acerca da aproximação da política externa de Lula da Silva em relação à
de Geisel remete-se na relação "conflitiva" com os EUA. Dados os fatores externos nos dois
governos e o choque de interesses nas relações Brasil-EUA, conclui-se que os objetivos
nacionais teriam que ser perseguidos nos dois governos mediante a consecução de uma
estratégia de diversificação dos vínculos externos do país. Daí surge uma relação mútua dos
dois governos baseadas no princípio da "autonomia pela diversificação", que sintetizando
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seria uma forma do país aderir aos princípios e às normas internacionais por meio de alianças
Sul-Sul, inclusive regionais, e de acordos com parceiros não tradicionais (China, Ásia-
Pacífico, África, Europa Oriental, Oriente Médio e entre outros.), pois se acredita que eles
reduzem as assimetrias nas relações externas com países mais poderosos e aumentam a
capacidade de negociação do país (CEPALUNI; VIGEVANI. 2007). A "autonomia pela
diversificação" esteve presente nos dois governos enfatizando a cooperação Sul-Sul buscando
assim maior equilíbrio com os países do Norte e aumentando o protagonismo internacional do
país.
Dada uma conjunção de fatores sejam apresentados no âmbito doméstico, como a
coesão dos segmentos sociais em torno das linhas de ação externa adotadas, entre outros, e no
âmbito externo, certa identificação de interesses que se estabeleceu com alguns países seja da
Europa Ocidental, da África Austral, Ásia e entre outros, foram lançados assim bases que
propiciaram novas alternativas no que se refere aos vínculos externos do Brasil, seja no
governo Geisel ou Lula da Silva.
O eixo central da política externa presente em ambos os governos se remetem na busca
da aplicação de princípios pragmáticos e, nos termos de LESSA (1998a), antes que
ideológicos, ao estabelecimento dos interesses prioritários do país. Contudo, a diversificação
de contatos, significou no plano político um desejo de maior autonomia em relação aos
desígnios norte-americanos e, no plano econômico, representou o interesse do país na
manutenção do projeto de desenvolvimento. Da mesma forma que Geisel, Lula tratou de
ampliar suas alternativas no cenário internacional, desvinculando a idéia de “relação especial”
com os EUA, buscando uma política de afirmação concreta da defesa dos interesses nacionais
(ALMDEIDA, 2004).
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