Friedrich Wilhelm Schelling - História Da Filosofia Moderna

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Friedrich Wilhelm Schelling - Histria da Filosofia Moderna: Hegel (1827)O ponto no qual toda filosofia sempre se encontrar ou em concordncia ou em conflito com a conscincia humana universal o modo como ela se explica sobre o supremo, sobre Deus. Que posio ocupava Deus na filosofia que acaba de ser apresentada? Em primeiro lugar, a posio de mero resultado, de pensamento supremo ltimo, conclusivo de tudo - inteiramente conforme posio que ele ocupara tambm na metafsica anterior, e que lhe havia sido deixado mesmo por Kant, para quem Deus era meramente o pensamento necessrio para a concluso formal do conhecimento humano. No sistema que acaba de ser apresentado, Deus era resultado, por fim, como sujeito, como sujeito que permanece, vitorioso sobre tudo, que no pode mais descer condio de objeto; justamente esse sujeito havia passado atravs da natureza inteira, atravs da histria inteira, atravs da sucesso de todos os momentos, dos quais parecia somente o resultado ltimo, e esse passar atravs era representado como um movimento efetivo (no como um progredir do mero pensar), e at mesmo como processo real. Ora, posso muito bem pensar Deus como o trmino e o mero resultado de meu pensar, como ele o era na antiga metafsica, mas no posso pens-lo como resultado de um processo objetivo; este Deus admitido como resultado, alm disso, se Deus, no poderia ter algo fora de si, poderia no mximo ter a si mesmo, como pressuposio; ora, naquela exposio ele tinha certamente os momentos anteriores do desenvolvimento como sua pressuposio. Disto - deste ltimo ponto - se segue que esse Deus no trmino tem entretanto de ser determinado como aquele que j estava tambm no comeo, e que, portanto, aquele sujeito, que passa atravs do processo inteiro, no comeo e no prosseguimento j Deus, antes de, no resultado, ser posto tambm como Deus - que, nesse sentido, certamente tudo Deus, que tambm o sujeito que passa atravs da natureza Deus, s que no como Deus - portanto, Deus somente fora de sua divindade ou em sua alienao, ou em sua alteridade, como um outro do que si mesmo, c o m o o qual ele s no trmino. Mas se, mais uma vez, isto admitido, aparecem as seguintes dificuldades. Em parte, Deus est obviamente compreendido em um processo e, pelo menos precisamente para ser como Deus, submetido a um vir a ser, o que se choca demasiado frontalmente com os conceitos admitidos para poder jamais contar com um assentimento universal. Mas a filosofia s filosofia para obter entendimento universal, convico e, por isso, tambm assentimento universal, e todo aquele que estabelece uma doutrina filosfica tem essa pretenso. Pode-se sem dvida dizer: o Deus se entrega a esse vir a ser, justamente para se pr como tal, e isso, sem dvida, que se tem de dizer. Mas, assim que isto enunciado, compreende-se tambm que, nesse caso, ou se tem de admitir um tempo em que Deus no era como tal (mas isso a conscincia religiosa universal, mais uma vez, contradiz), ou se nega que jamais tal tempo tenha sido, isto , aquele movimento, aquele acontecer explicado como um acontecer eterno. Mas um acontecer eterno no um acontecer. Consequentemente, a representao inteira daquele processo e daquele movimento ela mesma ilusria, e propriamente no aconteceu nada, tudo se passou somente no pensamento, e esse movimento inteiro era propriamente apenas um movimento do pensar. Era isso que aquela filosofia tinha de assumir; para isso ela se ps fora de toda contradio, mas justamente com isso desistia de sua pretenso objetividade, isto , tinha de confessar-se como cincia, na qual no se trata de modo nenhum de existncia, daquilo que efetivamente existe e, portanto, tampouco de conhecimento nesse sentido, mas somente das relaes que os objetos assumem no mero pensar, e, como existncia por toda parte o positivo, ou seja, aquilo que posto, que assegurado, que afirmado, tinha de confessar-se como filosofia meramente negativa, mas justamente com isso deixar livre fora de si o espao para a filosofia que se refere existncia, isto , para a filosofia positiva, no se fazer passar pela filosofia absoluta, pela filosofia que no deixa nada fora de si. Foi preciso um longo espao de tempo at que a filosofia se pusesse s claras sobre isto, pois todos os progressos na filosofia s acontecem lentamente. De resto, o que prolongou consideravelmente aquele espao de tempo foi um episdio que se contraps a esse ltimo movimento, e do qual deve ser mencionado tambm, agora, pelo menos o necessrio. A filosofia que acaba de ser exposta, e que poderia contar com um assentimento universal, se se apresentasse como cincia de pensamento ou de razo, e se apresentasse Deus, a que chegava ao trmino, como o resultado meramente lgico de suas mediaes anteriores, adquiriu, ao tomar a aparncia do contrrio, um aspecto inteiramente falso, contraditrio at mesmo com seu prprio pensamento original (por isso os juzos variveis e extremamente diversos que foram emitidos sobre ela eram muito naturais). Mas podia-se esperar que ela se recolhesse efetivamente a esse limite, que se explicasse como negativa, meramente lgica, quando Hegel estabeleceu como primeiro requisito para a filosofia justamente isso, que ela se recolha ao pensar puro e que tenha por nico objeto imediato o conceito puro. No se pode negar a Hegel o mrito de haver percebido bem a natureza meramente lgica daquela filosofia, que se props elaborar e prometeu levar sua forma perfeita. Se se tivesse fixado a isso, e tivesse executado esse pensamento com rigorosa, com decidida renncia a todo positivo, ele teria provocado a decidida passagem filosofia positiva, pois o negativo, o polo negativo, em sua pureza, no pode estar em parte nenhuma sem exigir, prontamente, o positivo. Mas acontece que esse recolhimento ao mero pensar, ao conceito puro, estava ligado, como se pode encontrar enunciado logo s primeiras pginas da Lgica de Hegel, com a pretenso de que o conceito seja tudo e no deixe nada fora de si. As prprias palavras de Hegel so estas: "O mtodo somente o movimento do prprio conceito, mas com a significao de que o conceito tudo e seu movimento a atividade universal absoluta. O mtodo , por isso, a fora infinita de conhecer (aqui, portanto, depois que at esse ponto se tratava meramente do pensar e meramente do conceito, intervm de chofre a pretenso a conhecer. Mas o conhecer o positivo e tem por objeto somente o que , o efetivo, assim como o pensar tem por objeto o meramente possvel e, portanto, somente o cognoscvel e no o conhecido) - o mtodo , por isso, a fora infinita de conhecer, qual nenhum objeto, na medida em que se apresenta como exterior, distante da razo e independente dela, pode opor resistncia". A proposio: O movimento do conceito a atividade universal absoluta, no deixa, mesmo para Deus, nada mais do que ser o movimento do conceito, isto , somente o prprio conceito. O conceito no tem aqui a significao do mero conceito (contra isto Hegel protesta da maneira mais fervorosa), mas a significao da coisa mesma e, assim como est dito nas Epstolas: o verdadeiro criador o tempo, certamente no se pode acusar Hegel de que, segundo sua opinio, Deus um mero conceito; sua opinio, pelo contrrio, : o verdadeiro criador o conceito; com o conceito se tem o criador e no se precisa de nenhum outro alm dele. Era exatamente isto que Hegel procurava prioritariamente evitar, que Deus, como no entanto no podia ser de outro modo no interior de uma filosofia lgica, seja posto meramente no conceito. Deus no era tanto para ele um mero conceito, quanto o conceito era Deus, o conceito era, para ele, com a significao de que Deus. Sua opinio : Deus no nada outro do que o conceito, que gradualmente se torna ideia autoconsciente, como ideia autoconsciente se destitui na natureza retomando-desta a si, se torna esprito absoluto. Hegel est to pouco inclinado a reconhecer sua filosofia como a meramente negativa, que, pelo contrrio, assegura: ela a filosofia que no deixa absolutamente nada fora de si; sua filosofia se atribui a mais objetiva significao e, em particular, um conhecimento inteiramente perfeito de Deus e das coisas divinas - o conhecimento que Kant negou razo alcanado por sua filosofia. Alis, vai to longe que atribui at smo um conhecimento dos dogmas cristos sua filosofia: sob esse aspecto, sua exposio da doutrina da trindade , alis, a mais eloquente e , concisamente, a seguinte. O Deus-pai, antes da criao, o conceito puramente lgico, que se desenrola nas puras categorias do ser. Mas esse Deus, porque sua essncia consiste em um processo necessrio, tem de revelar-se, e essa revelao ou exteriorizao de si mesmo o mundo, e o Deus-filho. Mas tambm essa exteriorizao (que um sair do meramente lgico - to pouco conheceu Hegel o carter meramente lgico do todo dessa filosofia, que declarou sair dela com a filosofia da natureza) - tambm essa exteriorizao, essa negao de seu ser meramente lgico, Deus tem, mais uma vez, de suprimir, e tem de retomar a si, o que, atravs do esprito humano, ocorre na arte, na religio e, completamente, na filosofia, e esse esprito humano ao mesmo tempo o esprito-santo, somente atravs do qual Deus chega perfeita conscincia de si mesmo. Vocs veem como, aqui, aquele processo introduzido pela filosofia anterior foi entendido, e como, da maneira mais decidida, foi tomado como objetivo e real. Por mais meritria, pois, que se tenha de considerar a veleidade, que Hegel teve, de perceber a natureza e significao meramente lgicas da cincia que encontrou antes de si, por mais meritrio que seja, em particular, que ele tenha salientado como tais as relaes lgicas ocultas no real pela filosofia anterior, preciso entretanto confessar que, na execuo efetiva, sua filosofia (justamente pela pretenso a uma significao objetiva, real) se tornou em boa parte mais monstruosa do que era a precedente e que, por isso, tambm no fui injusto com essa filosofia quando a denominei... um episdio.Determinei agora, universalmente, o lugar do sistema hegeliano. Mas, para demonstrar isso ainda mais determinadamente, quero expor mais de perto a linha mestra de seu desenvolvimento. Assim, para entrar no movimento, Hegel tem de retomar, com o conceito, a algum comeo, onde esteja afastado ao mximo daquilo que somente pelo movimento deve vir a ser. Ora, h no interior do lgico ou do negativo, mais uma vez, mais ou menos de meramente lgico ou negativo, porque o conceito pode ser um conceito mais ou menos preenchido, compreender mais ou menos sob si. Hegel retoma, pois, ao mais negativo de tudo o que se deixa pensar, ao conceito no qual h ainda o mnimo a conhecer, que, portanto, assim diz ele, to livre quanto possvel de toda determinao subjetiva, nessa medida o mais objetivo. E esse conceito para ele o do ser puro. Como Hegel chega a essa determinao do comeo pode-se talvez explicar do seguinte modo. O sujeito que a filosofia precedente tinha como ponto de partida era, em contraposio ao eu fichtiano, que era somente o sujeito de nossa conscincia, da humana ou, no fundo, para cada um somente o sujeito de sua prpria conscincia - em oposio a esse sujeito, ele mesmo meramente subjetivo, o sujeito, na filosofia que se seguiu a Fichte, foi explicado como sujeito objetivo (posto fora de ns, independente de ns), e, na medida em que foi explicado, ao mesmo tempo, que o desenvolvimento s poderia progredir desse sujeito objetivo ao subjetivo (posto em ns), com isso a marcha, universalmente, foi por certo determinada como progresso do objetivo ao subjetivo; o ponto de partida era o subjetivo em sua plena objetividade, portanto era, contudo, sempre o subjetivo, no o mero objetivo, do modo que Hegel determina seu primeiro conceito como ser puro. - Para aquele sistema (o precedente) o que se move nele no , como tal, sujeito j posto, mas, como foi observado anteriormente, somente sujeito de tal modo que lhe possvel ser tambm objeto, na medida em que ainda nem decididamente sujeito, nem decididamente objeto, mas uma indiferena entre ambos, que foi expressa como indiferena de subjetivo e objetivo. Pois, pensado antes do processo ou em e como que antes de si mesmo, ele no objeto para si mesmo, mas justamente por isso no perante si mesmo sujeito (sujeito de si mesmo, o que, alis, no um conceito menos relativo, ele s se faz, do mesmo modo que se faz objeto de si mesmo) e, portanto, tambm relativamente a si mesmo indiferena de sujeito e objeto (ainda no sujeito e objeto), mas, justamente porque no sujeito e objeto de si mesmo, tambm no essa indiferena para si mesmo, mas apenas objetivamente, meramente em si. A passagem ao processo, como vocs sabem, ento, justamente, que ele quer a si mesmo como si mesmo, e o primeiro termo no processo , portanto, o sujeito anteriormente indiferente em sua, doravante, atrao de si mesmo. Nessa autoatrao o atrado (vamos denomin-lo B), isto , o sujeito na medida em que objeto de si, necessariamente algo delimitado, restringido (a prpria atrao justamente o delimitante), mas o que atrai (vamos denomin-lo A) est, justamente por ter atrado o ser, posto ele mesmo fora de si, embaraado com esse ser, ele o primeiro objetivo. Esse primeiro objetivo, esse primum Existens, porm, apenas o ensejo e o primeiro grau para as potncias superiores da interioridade ou espiritualidade, s quais o sujeito se eleva na relao, quando, em cada uma de suas formas, toma, mais uma vez, o partido do objeto, acrescenta-se ao objeto (pois, por assim dizer, s se trata, para ele, de elevar aquele seu primeiro ser a um ser adequado a si, proporcionar-lhe propriedades espirituais sempre superiores, transform-lo em tal, em que ele mesmo possa reconhecer-se e, portanto, repousar); mas, na medida em que o grau seguinte sempre fixou o anterior, isso no pode ocorrer sem engendrar uma totalidade de formas; o movimento no repousa, portanto, at que o objeto se tenha tornado inteiramente = ao sujeito. Na medida, pois, em que tambm no processo o primum Existens um mnimo de subjetivo e um mximo de objetivo, do qual se passa a potncias sempre superiores do subjetivo, h tambm aqui (a partir do primeiro termo no processo) um passar do objetivo ao subjetivo. Em todo caso, portanto, j que no todo e no principal queria, no entanto, estabelecer o mesmo sistema, Hegel tinha tambm de procurar tomar um comeo objetivo e, alis, o mais objetivo possvel. Aqui lhe sucedeu, porm, determinar esse mais objetivo como negao de todo subjetivo, como ser puro, isto (como possvel entend-la de outro modo?), como ser no qual no h absolutamente nada de um sujeito. Pois se, de resto, ele atribuiu a esse ser puro um movimento, um passar a outro conceito, e at mesmo uma inquietao interior, que o impele a novas determinaes, isso no prova, eventualmente, que, apesar disso, ele pense no ser puro um sujeito, apenas eventualmente um sujeito tal, do qual somente ainda se pode dizer que ele no no , ou que no inteiramente nada, mas de maneira nenhuma que j algo - se este fosse seu pensamento, o prosseguimento teria de ser inteiramente outro. Se ele atribui ao ser puro, no entanto, um movimento imanente, isso no significa, pois, nada mais do que: o pensamento que comea com o ser puro sente sua impossibilidade de permanecer junto desse mais abstrato e mais vazio de tudo, como o prprio Hegel explica o ser puro. A necessidade de prosseguir deste tem seu fundamento apenas em que o pensamento j est habituado a um ser mais concreto, mais cheio de contedo, e portanto no pode dar-se por satisfeito com aquele parco sustento do ser puro, no qual pensado somente um contedo em geral, mas nenhum contedo determinado, em ltima instncia, pois, somente a circunstncia de que h de fato um ser mais rico e mais cheio de contedo e de que o prprio esprito pensante j um tal ser; portanto, no uma necessidade no prprio conceitvazio, mas uma necessidade que est no sujeito filosofante e lhe imposta por sua memria, que no o deixa permanecer naquela abstrao vazia. Portanto, propriamente sempre apenas o pensamento, que primeiro procura recolher-se ao mnimo possvel de contedo mas, em seguida, mais uma vez preencher-se sucessivamente, chegar a um contedo e, por fim, ao contedo total do mundo e da conscincia - sem dvida, como alega Hegel, no em um prosseguimento arbitrrio, mas necessrio; o guia tcito desse prosseguimento, no entanto, sempre o terminus ad quem, o mundo efetivo, ao qual a cincia deve por fim chegar; mas mundo efetivo denominamos sempre apenas aquilo que dele captamos, e a prpria filosofia de Hegel mostra quantos lados desse mundo efetivo ele, por exemplo, no captou; a contingncia, pois, no pode entretanto ser excluda daquele prosseguimento, ou seja, o que h de contingente nas vises do mundo individuais mais estreitas ou mais amplas do sujeito filosofante. H, pois, nesse pretenso movimento necessrio, uma dupla iluso: 1) na medida em que o pensamento substitudo pelo conceito, e este representado como algo que move a si mesmo, e no entanto o conceito por si mesmo ficaria inteiramente imvel se no fosse o conceito de um sujeito pensante, isto , se no fosse um pensamento; 2) na medida em que se simula que o pensamento propelido somente por uma necessidade que est nele mesmo, enquanto manifesto que ele tem um alvo em direo ao qual se esfora e que, por mais que o filosofante procure ocultar de si a conscincia dele, com isso, simplesmente, atua mais decididamente sem conscincia sobre a marcha do filosofar. Mas, que o pensamento pura e simplesmente primeiro seja o ser puro, provado a partir disto: que desse conceito pensado em sua pureza e perfeita abstrao nada pode excluir-se - ele a mais pura e imediata certeza e a prpria certeza pura, ainda sem contedo ulterior, o pressuposto de toda certeza; no uma ao do arbtrio, mas a mais perfeita necessidade, primeiramente de que seja pensado o ser em geral, em seguida de que, no ser, tudo seja pensado. O prprio Hegel denomina triviais estas observaes, mas as desculpa com isto: os primeiros comeos tm de ser triviais, assim como tambm, alis, os comeos da matemtica so triviais; mas se os comeos da matemtica (no seque entende por isso) - mas se eles poderiam ser chamados de triviais, isso seria apenas porque so universalmente evidentes; mas a proposio citada no tem o mrito de ser trivial nesse sentido, e aquela pretensa necessidade de pensar o ser em geral e no ser todo ser - essa prpria necessidade uma mera alegao, visto que uma impossibilidade pensar o ser em geral, porque no h nenhum ser em geral, nenhum ser sem sujeito, o ser , antes, necessariamente e sempre um ser determinado, ou seja, ou meramente essenciante, retomando essncia, idntico a esta, ou objetivo - uma distino que Hegel ignora totalmente; mas do pensamento pura e simplesmente primeiro o ser objetivo est j excludo por sua natureza: s pode, como j indica a palavra ob-jeto - o ante-posto -, estar posto em contraposio a um outro ou, pelo menos, posto somente para aquilo ao qual objeto; o ser dessa espcie s pode, pois, ser o segundo; de onde se segue que o ser do pensamento pura e simplesmente primeiro s pode ser o inobjetivo, o meramente essencial, o puramente primitivo, com o qual justamente nada est posto alm do mero sujeito. Consequentemente, o ser do primeiro pensamento no um ser em geral, mas j um ser determinado. Pelo ser em geral, o totalmente indeterminado, do qual Hegel alega partir, s poderia ser entendido aquele que no nem o essencial, nem o objetivo, mas do qual, ento, imediatamente evidente que nele verdadeiramente nada p e n s a d o (conceito genrico do ser, inteiramente do domnio da escolstica). Poder-se-ia replicar a isto: o prprio Hegel o confessa, ao fazer seguir-se imediatamente ao conceito do ser puro a proposio: o ser puro o nada. Mas, seja qual for o sentido que ele vinculasse a essa proposio, em nenhum caso pode ser seu propsito explicar o ser puro como um no pensamento, depois de ter acabado de explic-lo como o pensamento absolutamente primeiro. Com aquela proposio, no entanto, Hegel procura mais que isso, isto , procura entrar em um vir a ser. A proposio soa muito objetiva: "o ser puro o nada". S que, como j foi observado, o verdadeiro sentido apenas este: depois de ter posto o ser puro, procuro algo nele e nada encontro, pois proibi a mim mesmo encontrar algo nele, justamente ao t-lo posto como o ser puro, como o mero ser em geral. No , pois, o prprio ser que se encontra, mas eu que o encontro como o nada, e enuncio isso na proposio: o ser puro o nada. - Mas investiguemos a significao especial da proposio. Hegel aplica sem hesitao a forma da proposio, a cpula, o , antes de ter dado a mnima explicao sobre a significao dessmesmo modo, Hegel aplica o conceito nada como um conceito que no precisa de nenhuma explicao, que se entende por si mesmo. Ora; ou aquela proposio (o ser puro o nada) entendida como meramente tautolgica, isto , o ser puro e o nada so apenas duas expresses diferentes para uma e a mesma coisa, e ento a proposio, como tautolgica, no diz nada, contm uma mera vinculao de palavras e, portanto, tambm no pode seguir-se dela nada. Ou tem a significao de um juzo, e ento, em decorrncia da significao da cpula uzo, significa: o ser puro o sujeito, o portador do nada. Dessa maneira o ser puro e o nada, ambos, pelo menos in potentia (potencialmente), seriam algo, aquele como o portador, este como o portado, e se poderia ento, da proposio, ir mais adiante, eventualmente fazendo o ser puro sair daquela relao do ser-sujeito (de sujeio), com a exigncia de ser ele mesmo algo, e, com isso, ele se tornaria desigual ao nada e o excluiria de si; e com isso este, como excludo do ser, se tornaria tambm um algo. S que no assim, e a proposio, portanto, entendida meramente como uma tautologia. O ser puro, como o ser em geral, com certeza imediatamente (sem nenhuma mediao) o no ser e, nesse sentido, nada. No h que admirar-se com essa proposio, mas antesom aquilo para o qual ela deve servir como meio ou passagem. Dessa vinculao de ser e nada deve seguir-se o vir a ser. No entanto, antes disso, quero observar ainda: Hegel quer explicar aquela igualao do ser puro e do nada pelo exemplo do conceito de comeo. "A coisa", como ele se exprime, "ainda no em seu comeo". Aqui, pois, a palavrinha ainda inserida. Se se toma isso em auxlio, a proposio: o ser puro o nada, significaria somente isto: aqui - no presente ponto de vista - o ser ainda o nada. Mas, do mesmo modo que no comeo o no ser da coisa, para a qual ele o comeo, somente o ser ainda no efetivo da coisa, e no seu total no ser, mas sim, certamente, tambm seu ser, decerto no seu ser de maneira indeterminada, como se exprime Hegel, mas seu ser na possibilidade, em potncia - assim a proposio: o ser puro ainda o nada, significaria meramente: ainda no o ser efetivo. Mas justamente com isso ele seria, ele mesmo, determinado, e no mais o ser em geral, mas o ser determinado, ou seja, o ser in potentia. No entanto, com aquele ainda inserido, j colocado em vista algo futuro, que ainda no , e, com o auxlio desse ainda, Hegel chega, pois, ao vir a ser, do qual, de maneira tambm extremamente indeterminada, ele diz: unidade ou unificao de nada e ser - (seria preciso, antes, dizer: a passagem do nada, do ainda no ser, ao ser efetivo, de tal modo, pois, que, no vir a ser, no so propriamente unificados o nada e o ser, mas antes o nada abandonado. S que Hegel gosta desse modo aproximado de exprimir-se; com isso certamente se pode dar ao mais trivial a aparncia de algo incomum). No se pode propriamente contradizer essas proposies, ou eventualmente declar-las falsas; pois so, antes, proposies em que no se tem absolutamente nada. como transportar gua no cncavo da mo, de que tambm no se tem nada. O mero trabalho de fixar algo que no pode ser fixado, porque nada , faz, aqui, as vezes do filosofar. Pode-se dizer o mesmo da filosofia hegeliana inteira. Absolutamente no se poderia propriamente falar dela, porque sua peculiaridade, em muitos casos, consiste justamente em tais pensamentos inacabados, que nem sequer se deixam fixar at que fosse possvel um juzo sobre eles. Da maneira indicada, no entanto, Hegel no chega eventualmente a algum vir a ser determinado, mas somente ao conceito universal do vir a ser em geral, com o qual, mais uma vez, nada est dado. Mas esse vir a ser, para ele, explode logo em momentos, e dessa maneira-ele passa categoria kantiana da quantidade e, com isso, tbua kantiana das categorias. Os momentos at agora expostos, ser puro, nada, vir a ser, so os comeos da Lgica, que Hegel explica como a filosofia puramente especulativa, com a determinao de que aqui, primeiramente, a ideia est ainda encerrada no pensar, ou o Absoluto encerrado ainda em sua eternidade (a ideia e o Absoluto so tratados, pois, como significando o mesmo, assim como o pensar, porque plenamente intemporal, tomado como idntico eternidade). Como tem que expor a ideia divina pura, assim como esta antes de todo tempo ou na medida em que ainda est meramente no pensar, a Lgica, sob esse aspecto, cincia subjetiva: a ideia est posta ainda meramente como ideia, no tambm como efetividade e objetividade; mas no cincia subjetiva no sentido de excluir o mundo real: pelo contrrio, demonstrando-se como o fundamento absoluto de todo real, ela , igualmente, cincia real e objetiva; tem ainda a riqueza do mundo concreto, tanto do sensvel quanto do espiritual, fora de si; mas na medida em que tambm esta conhecida na parte real subsequente e se demonstra como retomando Ideia lgica e tendo nesta seu fundamento ltimo, sua verdade, com isso a universalidade lgica no aparece mais como uma particularidade perante aquela riqueza real, mas como contendo a mesma, como verdadeira universalidade." Vocs veem que aqui a Lgica, como uma das partes, a saber, a parte ideal da filosofia, oposta outra, como parte real, a qual, por sua vez, compreende em si: a) a filosofia da natureza; b) a filosofia do mundo espiritual. A Lgica somente o engendramento da ideia perfeita. Esse engendramento ocorre, na medida em que admitido que a ideia ou, como ela se chama em seu comeo, o conceito - que o conceito, por uma fora motriz imanente a ele - que, justamente porque a fora do mero conceito, se chama dialtica -, que o conceito, pelo seu prprio movimento dialtico, progride daquelas primeiras determinaes vazias e sem contedo para determinaes cada vez mais cheias de contedo; os mais cheios de contedo, nos momentos posteriores, nascem justamente por terem subordinado a si os momentos anteriores que os precedem ou por cont-los em si como suprimidos; cada momento seguinte o supressor do anterior, mas o somente na medida em que nele o prprio conceito j alcanou um grau superior de positividade; no ltimo momento ele a ideia perfeita ou, como tambm denominada, a ideia que concebe a si mesma, que tem em si todas as maneiras de ser anteriormente percorridas, todos os momentos de seu ser, agora como suprimidos. V-se que o mtodo da filosofia anterior que aqui foi transposto para a Lgica. Como ali o sujeito absoluto suplanta cada grau de seu ser, pondo-se em uma potncia ainda superior da subjetividade, da espiritualidade ou interioridade, at que, por fim, se detm como puro, isto , no mais podendo tornar-se objetivo, portanto inteiramente junto de si, assim aqui o conceito que passa atravs de diferentes momentos ou determinaes deve, acolhendo por fim todas sob si, tornar-se o conceito que concebe a si mesmo. Hegel denomina tambm esse movimento do conceito um processo. S que h esta diferena entre a imitao e o original. Aqui o ponto de partida, do qual o sujeito se eleva ou se erige a uma subjetividade superior, uma oposio efetiva, uma efetiva dissonncia, e se concebe desse modo uma elevao. L (na filosofia hegeliana) o ponto de partida est, para o que se segue a ele, como um mero minus, como uma lacuna, um vazio, que preenchido e nessa medida, sem dvida, suprimido como vazio, mas h nele to pouco algo a superar quanto h a superar ao encher uma vasilha vazia; tudo se passa inteiramente em paz - entre ser e nada no h nenhuma oposio, estes no fazem nada um ao outro. A transposio do conceito de processo para o movimento dialtico, em que no possvel nenhuma luta, mas somente um progredir montono, quase soporfero, faz parte, portanto, daquele abuso das palavras que, em Hegel, certamente um grande meio para ocultar a falta de verdadeira vida. No quero dizer mais nada da confuso, que reaparece tambm aqui, entre pensamento e conceito. Do pensamento - se, em geral, ele se engaja nessa sequncia - pode-se dizer que ele passa ou se move atravs desses momentos, mas, dito do conceito, isso no , eventualmente, uma metfora ousada, mas uma metfora gelada. Do sujeito concebe-se que ele no se detenha: ele tem uma necessidade interna de passar ao objeto e, assim, ao mesmo tempo, elevar-se em sua subjetividade. Mas um conceito vazio, como o prprio Hegel explica o ser, no tem ainda, simplesmente por ser um conceito vazio, nenhuma necessidade de preencher-se. No o conceito que se preenche, mas o pensamento, isto , eu, o filosofante, posso sentir uma necessidade de passar do vazio ao preenchido. Mas, como somente o pensamento o princpio animador desse movimento, que garantia h contra o arbtrio, o que impede o filsofo de, para acomodar um conceito, contentar-se com uma mera aparncia de necessidade ou, no caso inverso, com uma mera aparncia de conceito? A filosofia da identidade estava, desde seus primeiros passos, na natureza, portanto na esfera do emprico e, com isso, tambm na intuio. Hegel quis edificar sua lgica abstrata acima da filosofia da natureza. S que levou consigo, para l, o mtodo da filosofia da natureza; fcil avaliar que monstruosidade tinha de nascer quando ele quis elevar ao meramente lgico o mtodo que tinha unicamente a natureza como contedo e a intuio natural como acompanhante; a monstruosidade nasceu porque ele tinha de negar essas formas da intuio e, no entanto, constantemente as contrabandeava; por isso tambm uma observao muito correta e uma descoberta fcil de fazer, que Hegel, j com o primeiro passo de sua Lgica, pressupe a intuio e, sem contrabande-la, no poderia dar nenhum passo. A velha metafsica, que se edificou a partir de diferentes cincias, tinha como fundao universal uma cincia que igualmente tinha por contedo os conceitos como conceitos, a ontologia. O que Hegel tinha em mente, em sua Lgica, no era nada mais que essa ontologia, que ele queria elevar acima da m forma que ela havia tido, por exemplo, na filosofia wolffiana, onde as diferentes categorias eram estabelecidas e tratadas, lado a lado e uma depois da outra, de maneira mais ou menos contingente, mais ou menos indiferente. Procurou levar a efeito essa elevao pela aplicao de um mtodo que havia sido inventado para um fim inteiramente outro, para potncias reais, a meros conceitos, nos quais procurou em vo insuflar uma vida, uma necessidade interior para o movimento. V-se que aqui no h nada de original; para esse fim o mtodo nunca teria sido inventado. Aqui, algo aplicado, somente com artifcio e violncia. Mas, em geral, retornar a essa ontologia era um retrocesso.Na Lgica de Hegel encontram-se todos os conceitos que tinham curso precisamente em seu tempo e uma vez que existiam, cada um como momento da ideia absoluta, acolhido em um lugar determinado. A isto se liga a pretenso a uma sistematizao perfeita, isto , a pretenso de que todos os conceitos esto abrangidos e, fora do crculo dos abrangidos, nenhum outro possvel. Mas, e se for possvel indicar conceitos, dos quais quele sistema nada sabe, ou que s soube acolher em si num sentido inteiramente outro do que o genuno? Em vez de um sistema imparcial, que acolhe tudo com igual justia, teremos, pois, diante de ns, apenas um sistema parcial, que, ou acolheu apenas conceitos tais, ou acolheu os conceitos acolhidos apenas no sentido, em que pactuam com o sistema, uma vez j pressuposto. Pelo menos onde o sistema chega aos conceitos superiores, justamente por isso mais prximos do homem, aos conceitos ticos e religiosos, j h muito tempo lhe censuraram distores totalmente arbitrrias. Poder-se-ia talvez perguntar onde, ento, a filosofia anterior tinha o lugar para os conceitos como conceitos. Poder-se-ia pensar, talvez at mesmo tenha sido alegado: essa filosofia no teve nenhum lugar para a lgica, para as categorias universais, para os conceitos como tais. Para conceitos, que tm o real ainda fora de si, ela certamente no tinha nenhum lugar, pois estava, como foi dito, desde seus primeiros passos, na natureza; mas ela prosseguia, justamente na natureza, at o ponto em que o sujeito, que passou atravs da natureza inteira, que chegou a si, que possui a si mesmo (o eu), por certo no encontra mais os prprios momentos anteriores deixados para trs na natureza, mas encontra os conceitos deles e, alis como conceitos, dos quais a conscincia agora pe e dispe, como de uma posse inteiramente independente das coisas e que ela aplica por todos os lados. Dessa maneira, Hegel podia, pelo menos, ouvir em que lugar do sistema o mundo conceitual, em sua inteira diversidade e explicitao sistematicamente completa, entra no todo; podia at mesmo ver as formas da comumente assim chamada lgica tratadas inteiramente como formas naturais - uma analogia de que o prprio Hegel, pelo menos onde fala das figuras do silogismo, faz uso. Aqui, onde a potncia infinita, que passou atravs da natureza, pela primeira vez objetiva para si mesma, onde ela desdobra seu organismo, at agora dissociado objetivamente, subjetivamente na conscincia como organismo da razo, era este, em uma filosofia que progride naturalmente, que comea efetivamente do incio, o nico lugar para os conceitos como tais; estes no podiam ser para ela nada outro do que, como os corpos celestes, ou as plantas, ou qualquer outra coisa que aparece na natureza, apenas objetos de uma deduo apriorstica e, por isso, no podem estar a, para ela, a no ser onde pela primeira vez entram na efetividade (com a conscincia), no fim da filosofia da natureza e no comeo da filosofia do esprito. Nesse lugar os prprios conceitos so tambm, por sua vez, algo efetivamente objetivo, enquanto ali onde Hegel os trata so somente algo subjetivo, artificialmente feito objetivo. Os conceitos como tais no existem de fato em parte nenhuma a no ser na conscincia, so, pois, tomados objetivamente, depois da natureza, no antes dela; Hegel retirou-os de seu lugar natural, ao p-los no comeo da filosofia. Ali antepe, pois, os conceitos mais abstratos, vir a ser, estar-a, e assim por diante; mas os abstratos no podem, entretanto, de maneira natural, estar a antes, ser tomados como efetividade antes daquilo de que foram abstrados: um vir a ser no pode ser antes de algo que vem a ser, um estar-a antes de algo que est a. Se, para Hegel, comear a filosofia com eles significa recolher-se inteiramente ao pensar puro, com isso ele exprimiu acertadamente a essncia da filosofia verdadeiramente negativa ou puramente racional; e poderamos ser-lhe gratos pela expresso designativa; mas esse recolhimento ao pensar puro no pretendido ou dito, para ele, da filosofia inteira; ele quer apenas, com isso, conquistar-nos para sua Lgica, ocupando-se com aquilo que no meramente antes da natureza efetiva, mas antes de toda natureza. No so os objetos ou as coisas, assim como se expem a priori no pensar puro, portanto no conceito, mas o conceito que deve, mais uma vez, ter o conceito por contedo. Somente o pensar que tem o mero conceito por contedo ele denomina, e denominam seus adeptos, pensar puro. Recolher-se ao pensar significa apenas, para ele, decidir-se a pensar sobre o pensar. Mas isso pelo menos no pode denominar-se pensar efetivo. Pensar efetivo aquilo pelo qual algo contraposto ao pensar superado. Onde se tem mais uma vez o pensar e, alis, o pensar abstrato por contedo, o pensar no tem nada que superar. (Hegel mesmo descreve esse movimento por meras abstraes, como ser, vir a ser, e assim por diante, como um movimento no ter puro, isto , sem resistncia.) A relao , eventualmente, como a seguinte. A poesia pode, por exemplo, expor uma mente potica em relao ou em luta com a efetividade, e ali tem um contedo efetivamente objetivo. Mas a poesia pode tambm ter a poesia em geral e in abstrato por objeto - ser poesia sobre a poesia. Muitos de nossos assim chamados poetas romnticos nunca foram alm de tal glorificao da poesia pela poesia. Mas ningum tomou essa poesia sobre a poesia por poesia efetiva. Hegel apresenta, como oposio a sua afirmao de que o conceito o nico real, a opinio dque a verdade repousa sobre a realidade sensvel. Mas isso s poderia ser se o conceito fosse uma realidade suprassensvel, e, alis, a nica realidade suprassensvel. Obviamente Hegel admite isso. Essa admisso provm em linha reta da kantiana, segundo a qual Deus apenas um conceito da razo, uma ideia da razo. Mas ao conceito no se contrape meramente o real sensvel, mas o real em geral, tanto o sensvel quanto o suprassensvel. - Como nica contradio ou censura contra a ideia de sua Lgica, Hegel pensa a de que esses pensamentos sejam apenas pensamentos, j que o verdadeiro contedo est apenas na percepo sensvel. S que desta (da realidade sensvel) tambm no se trata aqui. rto que no se pode dizer de outro modo, a no ser que o contedo da cincia suprema, da filosofia, so de fato apenas pensamentos e que ela mesma a cincia que se institui apenas pelo pensar. No isto, pois, que pode ser censurado: que o contedo da filosofia sejam apenas pensamentos; mas que o objeto desses pensamentos sejam apenas o conceito ou conceitos. Hegel s pode pensar ainda, fora dos conceitos, realidade sensvel, o que obviamente uma petio de princpio, pois, por exemplo, Deus no mero cceito e, no entanto, tambm no uma realidade sensvel. Hegel apela muitas vezes a isto: desde sempre se entendeu que filosofia pertence prioritariamente o pensar ou o meditar. Certamente, mas disso no se segue que o objeto desse pensar somente, mais uma vez, o prprio pensar ou o conceito. Do mesmo modo: "A distino entre o homem e o animal consiste apenas no pensar". Admitido isto como correto, o contedo desse pensar permanece inteiramente indeterminado; pois o gemetra, que considera figuras sensivelmente representveis, o investigador da natureza, que considera objetos sensveis ou acontecimentos, o telogo, que considera Deus, como uma realidade suprassensvel, no concedero que, porque o contedo de seu pensar no um conceito puro, npensam. Nas particularidades da Lgica hegeliana no pode ser nosso propsito aprofundar-nos ainda mais. O que desperta todo o nosso interesse o sistema como todo. A Lgica de Hegel, referida ao sistema que est no fundamento, algo inteiramente contingente, na medida em que est em conexo com ele de maneira muito frouxa. Quem julga a mera Lgica no julgou o sistema mesmo. E quem se limita a sair em campo contra pontos singulares dessa Lgica pode perfeitamente no deixar de ter razo nisso e, mesmo, mostrar muita argcia e viso correta, mas com isso nada est ganho em referncia ao todo. Eu mesmo acredito que se poderia fazer essa assim chamada Lgica real de uma dezena de modos diferentes. Contudo, no desconheo por isso o valor de muitas observaes incomunmente judiciosas, em particular as metodolgicas, que se encontram na Lgica de Hegel. Mas Hegel se empenhou tanto na discusso metodolgica que esqueceu inteiramente as questes que esto fora dela. Volto-me, pois, agora, ao sistema como tal e, ao faz-lo, tambm no deixarei sem resposta as objees feitas, da parte de Hegel, ao sistema precedente. A saber, embora o conceito possa no ser o nico contedo do pensar, poderia pelo menos permanecer ainda verdadeiro o que Hegel afirma: que a Lgica, no sentido metafsico que ele lhe d, tem de ser a fundao real de toda filosofia. Poderia, entretanto, por isso, ser verdade o que Hegel tantas vezes acentua, que tudo o que , na ideia ou no conceito lgico, e que, consequentemente, a ideia a verdade de tudo, na qual ao mesmo tempo tudo se dissolve, como em seu comeo e em seu trmino. No tocante, pois, a esse enunciado constantemente repetido, poderia ser concedido que tudo na ideia lgica e, alis, de tal modo que fora dela absolutamente no poderia ser, porque o sem sentido certamente no pode existir em parte nenhuma e nunca. Mas, por isso mesmo, o lgico se expe, tambm como o meramente negativo da existncia, como aquilo sem o qual nada poderia existir, de onde, porm, ainda est longe de se seguir que tudo existe somente por ele. Tudo pode estar na ideia lgica, sem que com isso algo estivesse explicado, como, por exemplo, no mundo sensvel tudo est contido em nmero e medida, sem que por isso a geometria ou a aritmtica explicassem o mundo sensvel. O mundo inteiro est como que nas redes do entendimento ou da razo, mas a questo justamente como ele entrou nessa rede, pois no mundo h manifestamente ainda algo outro e algo mais do que mera razo, e at mesmo algo que se esfora para transpor esses limites. O propsito principal da Lgica hegeliana, e aquilo de que ela prioritariamente se vangloria, que ela toma, em seu ltimo resultado, a significao da teologia especulativa, isto , que ela propriamente uma construo da ideia de Deus e que, portanto, esta, ou o Absoluto, no nela uma mera pressuposio, como no sistema imediatamente precedente, mas essencialmente um resultado. Com isso, feita filosofia anterior uma dupla censura: 1) em vez de ter o Absoluto como resultado fundado, ela o tem como pressuposio infundada; 2) com isso tem em geral uma pressuposio, enquanto a filosofia hegeliana se gaba de no pressupor nada, absolutamente nada. S que, no tocante a este ltimo ponto, Hegel, na medida em que estabelece a Lgica naquele sentido sublime como a primeira cincia filosfica, tem de se servir das formas lgicas comuns, sem t-las legitimado, isto , tem de pressup-las, assim como, por exemplo, ele diz: o ser puro o nada, sem ter dado a mnima justificativa sobre a significao desse . Mas obviamente no so meramente as formas lgicas, mas quase todos os conceitos, dos quais nos servimos na vida comum sem mais meditao, e sem que consideremos necessrio legitimar-nos quanto a eles, so quase todos os conceitos dessa espcie, de que tambm Hegel se serve logo no incio e que ele, portanto, pressupe. Sem dvida, no comeo ele se coloca como quem s deseja pouco, aquilo que como que nem merece que se fale dele, to sem contedo, como o ser em geral, que como que no possvel esquivar-se de conced-lo a ele. O conceito hegeliano o Deus indiano Vichnu em sua terceira encarnao, que se ope a Mahabala, o gigantesco prncipe das trevas (como, por assim dizer, ao esprito da ignorncia), e que desejou a supremacia em todos os trs mundos. A este ele aparece primeiramente na figura de um pequeno brmane, semelhante a um ano, e lhe pede somente trs ps de terra (os trs conceitos: ser, nada, vir a ser); maio gigante concedeu isso, distende-se o ano em uma forma monstruosa, com um passo arrebata para si a terra, o cu com o outro, e est justamente na iminncia de, com o terceiro, abarcar tambm o inferno, quando o gigante se lana aos seus ps e humildemente reconhece o poder do deus supremo, que ento, por seu lado, generosamente lhe deixa o domnio do reino das trevas (entende-se, sob sua supremacia). Ora, concedamos, pois, que os trs conceitos: ser, nada, vir a ser, nada mais pressupem fora de si, e que so os primeiros pensamentos puros. Mas esses conceitos tm ainda uma determinao em si: um deles o primeiro, um o segundo, no todo so trs, e essa trade se repete na sequncia, onde j foi ganho mais espao, em dimenses cada vez maiores. Hegel mesmo fala com bastante frequncia da trplice diviso que sempre se repete, ou da tricotomia do conceito. Mas como chego, aqui, no extremo rebordo da filosofia, onde ela ainda mal pode abrir a boca e s com esforo encontra palavra e fala, a aplicar o conceito de nmero? Mas, alm dessa glria genrica de nada pressupor, aquela filosofia reivindica para si ainda a particular de ter ultrapassado o sistema precedente, na medida em que para este o Absoluto era uma mera pressuposio, enquanto para ela um resultado, algo engendrado, fundado. Ora, h nisso um mal-entendido, que quero concisamente esclarecer. Como Vocs sabem, para aquele sistema o Absoluto como ponto de partida sujeito puro. Exatamente como Hegel diz que a verdadeira primeira definio do Absoluto : o Absoluto o ser puro, eu podia dizer: a verdadeira primeira definio do Absoluto ser sujeito. Somente na medida em que esse sujeito tem tambm de ser pensado, desde logo, na possibilidade de tornar-se objeto (= sujeito desprovido de si), denominei tambm o Absoluto indiferena (equipossibilidade) de sujeito e objeto, assim como, mais tarde, quando j pensado em ato, eu o denominei identidade viva, eternamente mvel, que no se suprime em nada, de subjetivo e objetivo. O Absoluto, pois, no sistema anterior, no pressuposio de outro modo, mas apenas assim como no sistema de Hegel o ser puro pressuposio, do qual, alis, ele tambm diz: o primeiro conceito do Absoluto. Mas o Absoluto, certamente, no meramente comeo ou mera pressuposio, , tamb, do mesmo modo, trmino e, nesse sentido, resultado - ou seja, o Absoluto em sua perfeio acabada. Mas o Absoluto assim determinado, o Absoluto na medida em que j tem todos os momentos do ser sob si e relativamente fora de si e posto como esprito que no pode mais aumentar no ser, no vir a ser, isto , como esprito que e permanece - esse Absoluto para o sistema anterior, exatamente do mesmo modo, trmino ou resultado. A distino entre o sistema hegeliano e o anterior , no tocante ao Absoluto, justamente apenas este. O sistema anterior no conhece um duplo vir a ser, um lgico e um real, mas, partindo do sujeito abstrato, do sujeito em sua abstrao, est, desde o primeiro passo, na natureza e no precisa posteriormente de nenhuma outra explicao da passagem do lgico ao real. Hegel, em contrapartida, explica sua Lgica como aquela cincia em que a ideia divina se perfaz logicamente, isto , no mero pensar, antes de toda efetividade, natureza e tempo; aqui, pois, ele j tem a ideia divina perfeita como resultado lgico, mas quer logo em seguida t-la mais uma vez (ou seja, depois que ela passou atravs da natureza e do mundo espiritual) como resultado real. Assim Hegel tem certamente algo a mais que o sistema anterior, a saber, como j foi dito, o duplo vir a ser. Mas, se a Lgica a cincia em que a ideia divina se perfaz no mero pensar, seria preciso esperar que agora a filosofia estivesse concluda ou, se progredisse mais, o prosseguimento s poderia ser ainda em uma cincia inteiramente outra, na qual no se trata mais meramente da ideia, como na primeira. Mas para Hegel a Lgica somente uma parte da filosofia, a ideia se perfaz logicamente, e agora a mesma ideia deve perfazer-se realmente. Pois a ideia que faz a passagem natureza. Antes de falar dessa passagem, quero ainda mencionar outra censura que foi feita ao sistema da identidade da parte de Hegel. A saber, a objeo a que acabo de aludir (na filosofia precedente o Absoluto teria sido uma mera pressuposio) foi tambm expressa deste modo: essa filosofia, no tocante ao Absoluto, em vez de demonstr-lo pela via da cincia, apelou para a intuio intelectual, da qual absolutamente no se sabe o que seja: mas certo que ela no nada de cientfico, mas algo meramente subjetivo, no final talvez apenas individual, certa intuio mstica, da qual se vangloriam apenas alguns eleitos e com cuja alegao se poderia ficar muito cmodo na cincia. Aqui de notar, antes de tudo, que, na primeira exposio que existe como documento da filosofia da identidade, a nica que seu autor desde sempre reconheceu como rigorosamente cientfica, a palavra intuio intelectual absolutamente no aparece, e se poderia oferecer uma recompensa quele que a descobrisse nela. Em contrapartida, certamente se falou pela primeira vez e originalmente em intuio intelectual em um artigo que precedeu aquela exposio. (Sobre o Verdadeiro Conceito da Filosofia da Natureza. Pode bem ser que esse artigo mostre tambm que o autor tinha conscincia de seu mtodo, assim como da contradio posta no primeiro conceito e que impele ao prosseguimento, conscincia esta que gostariam de lhe negar. Nota do Autor) Mas como se fala nela ali? Para explicar isto, tenho de retomar significao da intuio intelectual em Fichte. Pois o uso da palavra remonta, por certo, j a Kant, mas sua aplicao ao comeo da filosofia remonta a Fichte. Fichte desejava como comeo algo imediatamente certo. Este era para ele o eu, do qual ele queria assegurar-se por intuio intelectual como de algo imediatamente certo, isto , de algo indubitavelmente existente. A expresso da intuio intelectual era justamente o "eu sou" enunciado com certeza imediata. Intuio intelectual era denominado o ato porque aqui sujeito e objeto no so, como na intuio sensvel, algo diferente, mas o mesmo. Ora, digo eu no artigo mencionado, no o eu, como est na intuio intelectual, como imediatamente certo, mas o que obtido por abstrao do sujeito na intuio intelectual, o sujeito-objeto retirado da intuio intelectual, isto , universal, indeterminado e que, nessa medida, no mais algo imediatamente certo mas, retirado da intuio intelectual, s pode ser ainda algo que diz respeito ao pensamento puro: somente este o comeo da filosofia objetiva, liberta de toda subjetividade. - Fichte havia apelado para a intuio intelectual para demonstrar a existncia do eu: como poderia seu sucessor, com a mesma intuio intelectual, querer demonstrar a existncia daquilo que absolutamente no mais o eu, e sim o sujeito-objeto absoluto? O probante da intuio intelectual em referncia ao eu est meramente em sua imediatez: no "eu sou" h certeza imediata - mas tambm no "ele " o sujeito-objeto universal ? - aqui, decerto, toda a fora da imediatez est perdida. De existncia no se poderia mais tratar a, mas somente de um contedo puro, da essncia daquilo que estava contido na intuio intelectual. O eu apenas um conceito determinado, uma forma determinada de sujeito-objeto, esta deve ser varrida para que aparea o sujeito-objeto em geral como o contedo universal de todo ser. A explicao, de que se precisava tirar da intuio intelectual o conceito universal do sujeito-objeto, era prova suficiente de que se tratava da coisa mesma, do contedo, e no da existncia. Hegel poderia censur-lo, se eu no o tivesse dito bem clara e expressamente, embora estivesse dito com suficiente clareza que no se trata mais, como em Fichte, do ser, da existncia,(Porque a filosofia da identidade se ocupa com o o que puro das coisas, sem se pronunciar sobre a existncia efetiva, apenas nesse sentido ela poderia denominar-se idealismo absoluto, por oposio ao meramente relativo, que nega a existncia das coisas exteriores (pois este conserva sempre ainda uma referncia existncia). A cincia da razo idealismo absoluto, na medida em que absolutamente no assume a pergunta pela existncia. Nota do Autor) em vez disso ele pressupe: porque Fichte, com a intuio intelectual, demonstrou a existncia do eu, eu quero demonstrar, nela, tambm a existncia do sujeito-objeto universal. Contra a alegao ele no tem nada, censura somente o modo insatisfatrio da demonstrao. Sem dvida trata-se daquilo que : mas justamente este deve primeiro ser procurado. Ainda no o temos nem sequer como algo efetivamente pensado, isto , como algo logicamente efetivado; ele , desde o comeo, pelo contrrio, meramente o que se quer; "a pistola, da qual ele disparado", o mero querer dele, que, porm, em contradio com o no apoderar-se dele, no poder traz-lo permanncia, arrebatado imediatamente no movimento progressivo e propulsor, no qual o que se comporta, at o trmino, como nunca efetivado, somente a efetivar. A prpria questo j : O que ? - como poderia, pois, aquilo de que se parte, ele mesmo j sendo, ser um existente, j que o que , o existente, deve antes ser encontrado. Hegel sem dvida no quer o Absoluto, mas o Absoluto existente, e pressupe que a filosofia precedente tambm o quis, e, como no a v fazer nenhuma meno de demonstrar a existncia do Absoluto (como ele quer demonstr-la em sua Lgica), pensa que a demonstrao deve simplesmente estar j na intuio intelectual. Observo que naquela (primeira) exposio do sistema da identidade a palavra o Absoluto no aparecia de modo nenhum, to pouco quanto palavra intuio intelectual; essa palavra no podia aparecer nela, porque ela no era levada at o trmino. Pois Absoluto denominava aquela filosofia somente a potncia que se detm junto de si, que , absolvida de todo prosseguimento e ulterior tornar se outro. Esse era o ltimo, o resultado puro. Aquilo que passa atravs do todo, porm, aquela filosofia no denominava o Absoluto, mas a identidade absoluta, justamente para afastar todo pensamento de um substrato, de uma substncia. Substncia, ser, ele se toma justamente s no ltimo momento, pois o movimento inteiro tinha, alis, somente o propsito de ter o ser (aquilo que ) como o ser, o que, no comeo, que justamente por isso era designado como indiferena, era impossvel. Anteriormente no nada do qual tenho um conceito, mas ele mesmo somente o conceito de tudo o que como algo que se segue. aquilo que nunca foi, que, assim que pensado, desaparece, e sempre apenas no seguinte, mas tambm ali apenas de certa maneira, e, portanto, somente no trmino propriamente . Ali, pois, ele toma pela primeira vez o nome de ser, assim como o de Absoluto. Bem propositalmente, portanto, a (primeira) exposio havia-se servido puramente de expresses abstratas, tais como absoluta indiferena, absoluta identidade, e somente em exposies mais tardias permitiu-se, talvez por uma espcie de condescendncia para com aqueles que desejavam absolutamente um substrato, empregar, j no comeo, a expresso: o Absoluto. Mas, se renego a intuio intelectual no sentido em que Hegel quer atribu-la a mim, no se segue da que ela no tinha para mim outra significao, e nesta certamente, mesmo agora, eu ainda a mantenho. Aquele absolutamente mvel, de que acabo de falar, que constantemente outro e em nenhum momento se deixa fixar, que somente no ltimo momento (notem bem esta expresso I), que somente no ltimo momento efetivamente pensado, como se relaciona esse mvel com o pensar? bvio que nem sequer, propriamente, como seu objeto; pois por objeto se entende algo parado, em repouso, permanente. No propriamente objeto, mas, antes, atravs de toda cincia, a mera matria do pensar; pois o pensar efetivo se exterioriza, justamente, apenas na determinao continuada e na configurao desse indeterminado em si, desse nunca igual a si mesmo, que sempre se torna outro. Essa primeira base, essa verdadeira prima matria de todo pensar no pode, por isso, ser o propriamente pensado, no pode ser o pensado no sentido em que o a configurao singular. Se o pensar est ocupado com a determinao dessa matria, ele no pensa nessa prpria base, mas apenas nessa determinao conceitual que introduz nela (argila de escultor) - ela , pois, o propriamente no pensado no pensar. Um pensar no pensante, porm, no ser muito afastado de um pensar intuinte, e nessa medida um pensar que tem por fundamento uma intuio intelectual passa atravs dessa filosofia inteira, assim como atravs da geometria, na qual a intuio exterior da figura, que desenhada no quadro-negro ou alhures, constantemente apenas o portador de uma intuio interior e espiritual. Seja dito isto, pois, em face de uma filosofia certamente desprovida de intuio. Hegel, portanto (para retomar a ele), quer o Absoluto, antes de torn-lo como princpio, como resultado de uma cincia, e essa cincia a Lgica. Portanto, atravs dessa ciia inteira a ideia est em vir a ser. Por "ideia" entende tambm Hegel o a ser efetivado, o que vem a ser e querido em todo o percurso: a ideia excluda do ser puro no comeo, a ideia que, por assim dizer, vai minando o ser, o que ocorre justamente pelas determinaes conceituais introduzidas; depois que o consumiu inteiramente e o transformou em si, ela mesma naturalmente a ideia efetivada. Essa ideia efetivada no trmino da Lgica determinada exatamente do mesmo modo que era determinado o Absoluto no trmino da filosofia da identidade, como sujeito-objeto, como unidade do pensar e do ser, do ideal e do real, e assim por diante. Mas, como a ideia assim efetivada, ela j est justamente no limite do meramente lgico, e, portanto, ou no h, em geral, prosseguir com ela, ou somente no exterior desse limite, de tal modo que essa posio que ela, como mero resultado da cincia lgica, ainda tem nesta, ela tem de abandon-la inteiramente e passar ao mundo a-lgico e, alis, oposto ao lgico; esse mundo oposto ao lgico a natureza; essa natureza, porm, no mais a apriorstica, pois esta teria de j estar na Lgica. S que a Lgica tem ainda, segundo Hegel, a natureza inteiramente fora de si. A natureza comea para ele onde cessa o lgico. Por isso, para ele, a natureza em geral ainda apenas a agonia do conceito. - Com razo, diz Hegel na primeira edio de sua Enciclopdia das Cincias Filosficas, a natureza foi determinada como o declnio de si mesma, da ideia. Hegel deixa de lado esse "com razo" e diz meramente: a natureza foi determinada como o declnio da ideia, onde, pois, a proposio tem apenas a significao de uma meno histrica. Com esse "declnio" concordteiramente o que dito alhures sobre a natureza: nela o conceito despido de seu esplendor, tornado impotente, infiel a si mesmo, e no pode mais ser afirmado em virtude de si. Mal pode Jacobi fazer da natureza algo pior do que Hegel a faz em contraposio ao lgico, do qual a exclui e ao qual agora s pode op-la. Mas na ideia no hem geral, nenhuma necessidade para qualquer movimento, com o qual ela eventualmente ainda no pudesse progredir em si mesma (pois isso impossvel, porque ela j alcanou sua perfeio), mas, antes, teria de romper inteiramente consigo. A ideia no trmino da Lgica sujeito e objeto, consciente de si mesma, como o ideal e tambm o real, que, portanto, no tem mais nenhuma necessidade de tornar-se mais real, ou real de outra maneira do que j o . Se, entretanto, admitido que algo assim ocorre, isso no admitido, portanto, em vista de uma necessidade na prpria ideia, mas exclusivamente porque, justamente, a natureza existe. Pode-se muito bem, para descobrir um fundamento para a continuao da ideia, procurar auxiliar-se dizendo: ela existe, por certo, no trmino da Lgica, mas ainda no est conservada; tem, pois, de sair de si para se conservar. Mas isto uma das numerosas simulaes, com as quais s se pode enganar os que no pensam. Pois para quem deve a ideia conservar-se? Para si mesma? Mas ela a ideia segura e certa de si mesma e sabe de antemo que no sucumbir no ser outro; para ela esse combate seria sem nenhuma finalidade. Portanto, teria ela de conservar-se para um terceiro, um espectador? Mas onde est este? No trmino, ela deve conservar-se somente para o filsofo, isto , o filsofo tem de desejar que a ideia se preste a essa exteriorizao, para que lhe seja dada ocasio de explicar a natureza e o mundo espiritual, o mundo da histria. Teriam rido de uma filosofia que fosse meramente Lgica no sentido hegeliano e no soubesse absolutamente nada do mundo efetivo; assim como tambm no foi a Lgica, mas somente a ideia da filosofia da natureza e da filosofia do esprito, que este j encontrou antes de si, que podia despertar a ateno com que foi recebida a filosofia hegeliana. Na Lgica no h nada que altere o mundo. Hegel tem de chegar efetividade. Mas na prpria ideia no h, entretanto, nenhuma necessidade de uma continuao do movimento ou de um tornar se outro. "A ideia", diz Hegel, "a ideia na liberdade infinita em que est (portanto, a ideia perfeita; s h liberdade onde h perfeio, somente o Absoluto est liberado e absolvido de todo prosseguimento necessrio) - a ideia na liberdade infinita, na verdade de si mesma, decide-se a destituir-se de si como natureza ou na forma do ser outro." - Essa expresso "destituir-se" - a ideia se destitui na natureza - est entre as expresses mais raras, mais ambguas e, por isso, mais tmidas, sob as quais essa filosofia se recolhe em pontos difceis. Jacob Boehme diz: a liberdade divina se despeja na natureza. Hegel diz: a ideia divina se destitui na natureza. O que se deve pensar sob esse destituir-se? Isto ao menos claro: a essa explicao da natureza se presta ainda a maior homenagem denominando-a teosfica. Quem, de resto, poderia ter duvidado de que a ideia no trmino da Lgica entendida como a efetivamente existente, teria agora de convencer-se disso; pois aquilo que pode decidir-se livremente tem de ser algo efetivamente existente, um mero conceito no pode decidir-se. um mau ponto ao qual a filosofia hegeliana chegou aqui, e que no comeo da Lgica no foi previsto, um repulsivo e vasto tmulo, cuja indicao (com algumas palavras no Prefcio a Cousin, falou-se disso pela primeira vez) teve decerto como consequncia muito mau humor, mas absolutamente nenhuma explicao til e que no fosse meramente enganosa. No se pode, por certo, de modo nenhum conceber o que deveria mover a ideia, depois que se elevou a sujeito, e consumiu inteiramente o ser, a fazer-se outra vez desprovida de sujeito, rebaixar-se a mero ser e deixar-se desagregar na m exterioridade do espao e tempo. No entanto, a ideia agora se lanou na natureza, mas no para permanecer na matria, e sim para tornar-se outra vez, atravs desta, esprito, e primeiramente esprito humano. Mas o esprito humano apenas o palco sobre o qual o esprito em geral trabalha, por atividade prpria, para desvencilhar-se da subjetividade que assumiu no esprito humano e tornar-se esprito absoluto, que por fim, recolhe todos os momentos do movimento, como seus prprios, sob si, e Deus. Tambm aqui o melhor modo de atinar com a peculiaridade do sistema vermos que relao ele se d, com respeito a este ltimo e supremo, com a filosofia imediatamente precedente. A esta objetado que nela Deus no foi determinado como esprito, mas s como substncia. Pelo cristianismo e pelo catecismo fomos todos, sem dvida, ensinados, no somente a pensar Deus como esprito, mas a quer-lo e entend-lo assim; ningum poder alegar, portanto, como sua descoberta, que Deus esprito. E tambm ele no pode ser entendido assim. De fato, no quero discutir se a filosofia da identidade emprega a expresso esprito para enunciar a natureza do Absoluto, ou seja, no trmino, ou na medida em que resultado ltimo. A palavra (esprito) sem dvida teria soado edificante. Quanto coisa mesma eu poderia, no entanto, perfeitamente manter que Deus foi determinado como o auto-objeto (sujeito-objeto) que , que permanece, pois tambm assim ele era, para usar a expresso aristotlica, o que pensa a si mesmo e, mesmo no denominado esprito, no entanto segundo a essncia esprito, e nesse sentido no substncia, se substncia deve significar, justamente, o ser cego. E tambm, se no foi denominado esprito, isso podia ter bom fundamento. Pois no h motivo para, em filosofia, ser prdigo em palavras e por isso deveria hesitar bastante em designar o Absoluto, que apenas trmino, com a palavra esprito. A rigor, isso deveria valer tambm para a palavra Deus. Pois o Deus, na medida em que apenas trmino, como na filosofia racional s pode ser trmino, o Deus que no tem nenhum futuro, que no pode comear nada, que s pode ser como causa final, de nenhum modo princpio, causa iniciante, producente, tal Deus , no entanto, obviamente, esprito apenas segundo a natureza e a essncia e portanto, de fato, apenas esprito substancial, no esprito no sentido em que a devoo ou mesmo a linguagem habitual costuma tomar a palavra; empregada aqui ela seria apenas uma expresso enganosa. Mesmo em Hegel o Absoluto s podia ser esprito substancial, assim como a palavra esprito, em geral, s podia ter uma significao mais negativa que positiva, j que este ltimo conceito s nasce por negao sucessiva de todo o resto. A denominao deste ltimo, isto , a designao de sua essncia, no podia ser tirada de nada co, permanecia apenas o nome universal de esprito e, como tambm no esprito humano, finito (pois tambm este j foi posto em um grau anterior), , pois, necessariamente, esprito absoluto, infinito, mas no entanto meramente segundo a essncia, pois como poderia ser esprito efetivo aquilo que no pode sair do trmino em que foi posto, que tem somente a funo de acolher todos os momentos precedentes sob si como encerrando tudo, mas no pode, ele mesmo, ser comeo e princpio de algo? Mesmo Hegel, no comeo, no foi abandonado pela conscincia da negatividade desse trmino, quando este exigia, em geral, da autoridade imperiosa do positivo a satisfao nessa filosofia, e s pouco a pouco conseguiu retirar ao sistema da identidade a conscincia de sua negatividade. No primeiro nascimento essa conscincia tinha de estar presente, pois seno essa filosofia no teria podido nascer. Mesmo em Hegel, pelo menos em sua exposio mais antiga, h, ali onde ele chega ao ltimo, ainda uma ressonncia de que absolutamente no se deve pensar em um acontecer ou ter-acontecido efetivos. Refiro-me com isto a um pargrafo da primeira edio de sua Enciclopdia das Cincias Filosficas, que j na segunda edio alterado; neste ele diz que nos ltimos pensamentos a ideia autoconsciente se purifica de toda aparncia do acontecer, da contingncia e da exterioridade e sucesso recprocas dos momentos (aparncia de contedo que a ideia ainda tem na religio, que a dissocia para a mera representao em uma sucesso temporal e exterior). Nos ltimos tempos Hegel tentou ainda galgar mais alto e procurou chegar at a ideia de uma livre criao do mundo. Uma passagem digna de nota, em que essa tentativa feita, encontra-se na segunda edio de sua Lgica - a passagem, na primeira edio, tinha outro teor e, tambm, obviamente um sentido inteiramente outro. Na segunda dizia: o ltimo, em que tudo se dissolve como em seu fundamento, pois tambm aquele de que provm o primeiro, que foi apresentado inicialmente como imediato, e "assim ainda mais o esprito absoluto, que se d como a concreta e ltima, suprema verdade de todo ser, conhecido como, no trmino do desenvolvimento, exteriorizando-se com liberdade e destituindo-se na figura de um ser imediato - decidindo-se criao de um mundo, o qual (mundo) contm tudo aquilo que estava naquele desenvolvimento que precedeu aquele resultado, de tal modo que tudo isto (tudo o que precedeu no desenvolvimento) transformado por aquela colocao invertida, ao mesmo tempo que seu comeo, em algo dependente do resultado como princpio",(Na primeira edio da Lgica, de 1812, se lia: "Assim tambm o esprito no trmino do desenvolvimento do saber puro se exteriorizar com liberdade e se destituir na figura de uma conscincia imediata, como conscincia de um ser que lhe est contraposto como outro". Nota do Autor) isto , portanto: o que era antes resultado se torna princpio, o que no primeiro desenvolvimento era comeo que conduz ao resultado se torna, inversamente, algo dependente do resultado, que, pelo contrrio, agora se tornou princpio - e, por isso, incontestavelmente, pode tambm ser derivado dele. - Ora, se essa inverso, da maneira como Hegel a quer, fosse possvel, e se ele no tivesse meramente falado dessa inverso, mas a tivesse tentado e efetivamente estabelecido, ele mesmo j teria colocado ao lado de sua primeira filosofia uma segunda, a inversa da primeira, que teria sido aproximadamente aquilo que queremos sob o nome de filosofia positiva. Uma consequncia necessria disso teria sido (pois duas filosofias no podem ter igual significao e dignidade) conhecer sua primeira filosofia como a filosofia meramente lgica e negativa (na qual, ento, sem dvida, a passagem filosofia da natureza s poderia ocorrer hipoteticamente, com o que tambm a natureza seria mantida na mera possibilidade). S que j o modo como ele tentou inserir essa afirmao, apenas circunstancialmente e de passagem, pela alterao do texto original, mostra que ele nunca fez uma tentativa sria de empreender efetivamente aquela inverso, que, assim como ele a exps, teria de consistir simplesmente em percorrer mais uma vez, em sentido descendente, os graus que na primeira filosofia foram percorridos em sentido ascendente. Vejamos o que podia nascer com isso. Na filosofia da identidade certamente assim: o precedente somente no subsequente, relativamente superior, e desse modo, por fim, tudo somente em Deus tinha sua verdade. Alis, no bem exatamente assim como Hegel o exprime, que no ltimo tudo se dissolve como em seu fundamento, no exatamente assim, seria preciso antes dizer: todo precedente funda a si mesmo por descer condio de fundamento do subsequente, isto , daquilo que no mais o prprio ser, mas fundamento de ser de um outro, ele se funda por seu ir ao fundo, ele mesmo , pois, fundamento nisso, no o seguinte. Assim o corpo celeste, cuja natureza cair, cuja queda portanto - porque tudo o que se segue da natureza de uma coisa se segue infinitamente - uma queda infinita, encontra seu fundamento por tornar-se fundamento de algo superior e dessa maneira permanece, universalmente, em sua posio (a uma sempre igual distncia mdia do centro); e assim tudo se funda, por fim, por subordinar-se ao Absoluto, ao ltimo, como fundamento. (Depois dessa retificao da expresso, passemos coisa mesma.) Como, segundo o prprio Hegel, aquilo que o trmino somente depois que trmino se torna comeo, assim no primeiro movimento (e assim na filosofia, na qual resultado) ainda no procede como agente, mas como causa final, que s causa na medida em que tudo se esfora em direo a ela. Mas se o ltimo causa final suprema e ltima, a srie inteira, com a nica ceo do primeiro termo - a srie inteira no nada outro do que uma ininterrupta e constante sequncia de causas finais; cada termo, em seu lugar, to causa final para seu precedente quanto o ltimo causa final para tudo. Se remontarmos at a matria, a ser pensada como amorfa, que est no fundamento de tudo, a natureza inorgnica a causa final da matria, a natureza orgnica a causa final da inorgnica, na natureza orgnica a causa final da planta o animal, o homem a causa final do mundo animal. Se, pois, para chegar a uma criao no fosse preciso mais do que percorrer mais uma vez, em sentido descendente, os graus que se haviam percorrido em sentido ascendente e se j simplesmente por essa inverso o Absoluto se torna causa eficiente, o homem teria tambm, por essa inverso, de aparecer como causa eficiente ou producente do mundo animal, o reino animal como causa producente do reino vegetal, o organismo em geral como causa da natureza inorgnica, e assim por diante, pois no sabemos at que ponto, segundo a opinio de Hegel, isto poderia continuar: se, talvez, pela Lgica adentro, retomando at o ser puro que = nada; basta vermos a que absurdos levaria a inverso assim entendida e quo ilusria a opinio de poder, com essa simples inverso, transformar a filosofia em uma filosofia tal, que compreenda tambm uma livre criao do mundo. A expresso, de resto, com que descrita na passagem citada da Lgica a exteriorizao do esprito absoluto, "que ele se destitui com liberdade na figura de um ser imediato", mostra a plena concordncia com as expresses que foram empregadas por ocasio da passagem da Lgica filosofia da natureza, e assim, pois, o esprito absoluto, que sem isso e, alis, da maneira mais decidida, s era posto no trmino do desenvolvimento inteiro, portanto depois da filosofia da natureza e da filosofia do esprito, seria agora aquele que j se exterioriza na natureza. Mas mesmo que no se releve essa contradio, no se ganhou nada, com essa abordagem formal, quanto doutrina de uma livre criao do mundo; segundo a coisa, estava-se igualmente longe dela, e mais longe no trmino do que antes. Pois o esprito absoluto exterioriza a si mesmo no mundo, ele sofre na natureza, ele se abandona a um processo, do qual no pode mais desvencilhar-se, contra o qual no tem nenhuma liberdade, no qual est como que enredado sem salvao. O Deus no est livre do mundo, mas o carrega. At esse ponto, pois, essa doutrina pantesmo, mas no o pantesmo puro, tranquilo, de Espinosa, em que as coisas so puras emanaes lgicas da natureza divina; este abandonado para introduzir-se um sistema de atividade e de atuao divina, no qual a liberdade divina simplesmente se perde ainda mais vergonhosamente, quando se havia dado a aparncia de querer salv-la e mant-la em p. A regio da cincia puramente racional abandonada, pois aquela exteriorizao um ato livremente decidido, que interrompe absolutamente a sequncia meramente lgica e, contudo, mesmo essa liberdade aparece, mais uma vez, como ilusria, porque, inevitavelmente, no trmino, -se impelido ao pensamento que, mais uma vez, suprime todo ter acontecido, todo o histrico, porque, ao dar por si, tem-se de retomar ao puramente racional. Se se perguntasse a um adepto dessa filosofia: se o esprito absoluto em algum momento determinado se exteriorizou no mundo, ele teria de responder: O Deus no se lanou na natureza, mas sempre se lana de novo nela, para do mesmo modo sempre de novo pr-se acima dela; o acontecer um acontecer eterno, isto , perptuo, mas, justamente por isso, mais uma vez, tambm no um acontecer propriamente, isto , efetivo. O Deus, alm disso, certamente livre para se exteriorizar na natureza, isto , livre para pr sua liberdade em sacrifcio, pois esse ato de livre exteriorizao ao mesmo tempo o tmulo de sua liberdade; de agora em diante ele est no processo ou ele mesmo processo; certamente no o Deus que no tem nada que fazer (como seria se, como efetivo, fosse mero trmino), antes o Deus do fazer eterno, perptuo, da inquietao sem repouso, que nunca encontra o Sab, o Deus que sempre faz somente o que sempre fez e que por isso no pode criar nada de novo; sua vida um crculo de figuras, na medida em que ele perpetuamente se exterioriza para outra vez retomar a si, e sempre retoma a si para sempre exteriorizar-se de novo. Na ltima verso, a mais popular de todas, endereada ao grande pblico, esse tema da exteriorizao costuma ser conduzido deste modo: "Deus, decerto, j em si (isto , sem s-lo tambm para si) o Absoluto, e tambm j anteriormente (o que ser este anteriormente em um desenvolvimento puramente racional?) o primeiro, o Absoluto, mas, para tomar conscincia de si mesmo, exterioriza-se, contrape a si o mundo como outro, para, do mais profundo grau de exteriorizao, oscilando ainda sempre entre conscincia e inconscincia, elevar-se a homem, em cuja conscincia de Deus ele tem sua prpria. Pois o saber do homem, o saber que o homem tem de Deus, o nico que Deus tem de si mesmo". Com tal exposio dada a nota mais profunda de afabilidade a esse sistema; por ela j se pode avaliar em que camadas da sociedade ele tinha ainda de afirmar-se por mais tempo. Pois fcil observar como certas ideias sempre surgem primeiro nas classes superiores, a saber, nas eruditas ou em geral de cultura superior; se, em seguida, j perderam sua validade junto a estas, nesse meio tempo mergulharam nas camadas inferiores da sociedade e ainda se mantm, nestas, quando nas superiores j no se fala mais delas. Assim fcil perceber, tambm, que essa nova religio proveniente da filosofia hegeliana encontrou seus adeptos principais no assim chamado grande pblico, entre industriais, servidores de comrcio e outros membros dessa classe da sociedade que, de resto, em outra referncia, muito respeitvel; entre esse pblico sequioso de ilustrao ela passar tambm os ltimos estgios de sua vida. Pode-se bem admitir que essa ampla divulgao de seus pensamentos deu ao prprio Hegel o mnimo de prazer. Tudo isto, no entanto, deriva deste nico equvoco: que relaes verdadeiras em si, ou seja, tomadas apenas logicamente, foram transformadas em efetivas, o que as despojou de toda a sua necessidade.Apndice (de um manuscrito mais antigo) Um enunciado universal de Hegel : pela filosofia o homem deve ser conduzido alm da mera representao. Se se entende por representao aquilo que, em ns, se refere ao objeto existente como existente, ningum ir revi dar esse enunciado. Pois certamente a filosofia no deve admitir nada como existente - e no, eventualmente, fazer reflexes apenas sobre o dado. Mas se esse "conduzir alm" entendido absolutamente, o enunciado somente uma petitio principii, ou seja, pressuposto, como entendendo-se por si mesmo, que as relaes superiores, pelas quais o mundo se torna concebvel, nem sequer podem ser trazidas representao e tornadas evidentes a ela, mas esto acima de toda representao, ou, inversamente, tudo aquilo que tomado, sobre essas relaes, no interior da esfera da representao, tem sempre de ser, em si mesmo, e justamente por isso, j contrrio razo. Sem dvida, quando se pressups antes que aquelas relaes supers tm de estar acima de toda representao (uma pressuposio da qual a maioria est provida quando chega filosofia), preciso por certo procurar uma filosofia antinatural. S que o supremo triunfo da cincia seria justamente este: trazer aquilo que s possvel conhecer elevando-se acima da representao e, portanto, aquilo que por si mesmo no acessvel mera representao, mas somente ao pensar puro, at a esfera da representao. Aim o sistema copernicano no poderia ter sido estabelecido sem impelir o mundo para alm da mera representao e sem chocar frontalmente a mera representao; e ele foi, em seu incio, um sistema altamente impopular, contraditrio com todas as representaes. Mas o mesmo sistema, quando totalmente executado e quando, por seu intermdio, mesmo a representao de um movimento do Sol em torno da Terra se torna concebvel, reconcilia tambm consigo a mera representao e se torna to claro para ela quanto era anteriormente a representao oposta e, em contrapartida, esta lhe aparece agora como confusa e sem clareza. - Esta filosofia se vangloria de nada pressupor, s que no assim: se se olha para o fundamento, para aquilo que ela no enuncia, mas pressupe tacitamente, e que justamente por isso difcil de conhecer, encontram-se, como essa base ltima que atua atravs de tudo, as mximas do mais confortvel racionalismo, que valem para ela como princpios que se entendem por si mesmos, dos quais jamais algum teria duvidado nem poderia duvidar. Do mesmo modo, aquilo que Kant demonstrou meramente para o dogmatismo, Hegel admite como provado incondicionada e universalmente. Mas quem, sob pretexto de que so meras determinaes finitas do entendimento, quer elevar-se acima de todos os conceitos naturais, despoja a si mesmo, justamente com isso, de todos os rgos da inteligibilidade, pois somente nessas formas tudo pode ser-nos inteligvel. O erro, que Kant demonstrou na aplicao dessas formas do entendimento, consistia em uma mera aplicao dos conceitos a objetos independentes deles, j pressupostos - e esses objetos eram propriamente objetos, isto , coisas contrapostas ao entendimento, que os conceitos e os objetos no nasciam um do outro, e com isto teria de nascer uma mera filosofia da reflexo e tornar-se impossvel todo engendramento vivo da cincia. Mas h uma grande diferena entre a rejeio de uma aplicao defeituosa desses conceitos e uma total excluso deles, com o que, ao mesmo tempo, toda explicao inteligvel se torna impossvel. Da a notvel falta de flego dessa filosia, que no pode falar e enunciar livremente a plenos pulmes, e como que lhe tiraram respirao e voz, tanto que ela s pode ainda murmurar palavras ininteligveis. Queixam-se da ininteligibilidade dessa filosofia e parecem procurar seu fundamento em uma lacuna individual, mas com isso fazem injustia, por exemplo, a Hegel, que, onde sai de sua estreiteza, ou fala de objetos que esto mais prximos da vida, sabe exprimir-se com muita determinao, muito inteligivelmente e mesmo com brilho. A ininteligibilidade est na coisa mesma, o absolutamente ininteligvel no pode nunca tornar-se inteligvel; para tornar-se inteligvel, teria antes de alterar sua natureza. uma objeo pobre contra um filsofo dizer que ele ininteligvel. Ininteligibilidade um conceito relativo, e aquilo que o Caio ou Ticiano frequentem ente louvado no entende nem por isso ininteligvel. E mesmo a filosofia tem, de fato, algo que segundo sua natureza sempre permanecer ininteligvel grande multido. Mas algo inteiramente outro se a ininteligibilidade est na coisa mesma. - Ocorre frequentemente que cabeas que, com grande exerccio e habilidade, mas sem possurem propriamente inventividade para tarefas mecnicas, se dispem, por exemplo, a inventar uma mquina de tornear garrafas - fabricam perfeitamente uma, mas o mecanismo to difcil e artificioso ou as engrenagens rangem tanto, que se prefere voltar a tornear garrafas com as mos, moda antiga. O mesmo pode perfeitamente passar-se na filosofia. O sofrimento com a ignorncia sobre os objetos primeiros, sobre os maiores, para todos os homens que sentem, que no so embotados ou estreitamente autossuficientes, grande e pode aumentar at tornar-se insuportvel. Mas se o martrio de um sistema antinatural maior do que aquele fardo da ignorncia, prefere-se no entanto continuar a suportar este. Pode-se bem admitir que tambm a tarefa da filosofia, se em geral resolvel, tem de acabar por resolver-se com poucos traos, grandes e simples, e que no h de ser sem valor, precisamente na maior das tarefas humanas, a inveno que se reconhece em todas as tarefas menores.