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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Rio de Janeiro / 2008 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE

COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Rio de Janeiro / 2008

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB.

Universidade Castelo Branco - UCBAvenida Santa Cruz, 1.631Rio de Janeiro - RJ21710-250 Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696www.castelobranco.br

Un3f Universidade Castelo Branco

Fundamentos da Educação Infantil / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro: UCB, 2008. - 48 p.: il.

ISBN 978-85-7880-004-8

1. Ensino a Distância. 2. Título.

CDD – 371.39

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Responsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material Instrucional

Coordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaProf.ª Ziléa Baptista Nespoli

Coordenador do Curso de GraduaçãoCoordenador do Curso de GraduaçãoSusan Kratochwill

ConteudistaConteudistaVera Lucia Mesetti Lucas

Supervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDIJoselmo Botelho

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Apresentação

Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de gradu-

ação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profi ssional. Nossos funcionários e nosso corpo docente es-peram retribuir a sua escolha, reafi rmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.

Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhe-cimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.

Seja bem-vindo(a)!Paulo Alcantara Gomes

Reitor

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Orientações para o Auto-Estudo

O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos defi nidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito.

Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades com-plementares.

As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.

Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.

Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas.

A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.

Bons Estudos!

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Dicas para o Auto-Estudo

1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.

2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções.

3 - Não deixe para estudar na última hora.

4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.

5 - Não pule etapas.

6 - Faça todas as tarefas propostas.

7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina.

8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.

9 - Não hesite em começar de novo.

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SUMÁRIO

Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 11

Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 13

UNIDADE I

CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA E INSTITUIÇÕES DE ATENDIMENTO

1.1 - O surgimento da infância ................................................................................................................... 151.2 - O surgimento da Educação Infantil ................................................................................................... 161.3 - O surgimento da infância no Brasil ................................................................................................... 17

UNIDADE II

A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

2.1 - Histórico ............................................................................................................................................. 202.2 - Legislação .......................................................................................................................................... 242.3 - A Educação Infantil pós LDB ............................................................................................................. 29

UNIDADE III

PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS À PRÁTICA PEDAGÓGICA

3.1 - Pedagogia da infância: uma prática com a criança e para a criança ................................................... 313.2 - Um pouco da história das pedagogias: a criança em foco ................................................................. 32

Glossário ..................................................................................................................................................... 45

Gabarito ....................................................................................................................................................... 46

Referências bibliográfi cas ........................................................................................................................... 47

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11Quadro-síntese do conteúdo programático

UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOSI. CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA E INSTITUI-ÇÕES DE ATENDIMENTO1.1 - O surgimento da infância1.2 - O surgimento da Educação Infantil1.3 - O surgimento da infância no Brasil

• Fazer um percurso histórico sobre o conceito de in-fância; • Estabelecer um paralelo entre o surgimento da in-fância no mundo e no Brasil;• A partir do processo histórico do surgimento do conceito de infância, reconhecer os processos cultu-rais e sociais que marcaram a trajetória histórica da educação infantil, no mundo e no Brasil.

II. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL2.1 – Histórico2.2 – Legislação2.3 – A educação infantil pós LDB

• Comparar os marcos históricos da educação infantil no Brasil ao longo dos tempos e nos dias atuais;• Compreender os pressupostos legais que norteiam os sistemas educacionais e, especifi camente, as insti-tuições de educação infantil, a partir dos estudos so-bre as idéias sobre infância e educação para crianças pequenas, na atualidade;• Reconhecer a legislação brasileira que estabelece as diretrizes para o cuidado e a educação de crianças pequenas nas instituições de ensino.

III. PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS À PRÁTICA PEDAGÓGICA3.1 – Pedagogia da infância: uma prática com a crian-ça e para a criança3.2 – Um pouco da história das pedagogias: a criança em foco

• Analisar as principais contribuições teórico-meto-dológicas para a prática pedagógica;• Identifi car alguns teóricos do pensamento pedagó-gico da educação infantil;• Compreender a dimensão da necessidade de uma pedagogia para a infância.

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13Contextualização da Disciplina

Partimos do pressuposto da grande relevância dos primeiros anos para a vida presente e futura das crianças. O processo de formação do professor que com elas atuam nas creches e pré-escolas necessita de uma sólida fundamentação. Ninguém compreende o desenvolvimento de um povo, de uma nação senão por meio da edu-cação, e é na educação infantil que tudo começa. A educação das crianças pequenas precisa de protagonistas que conheçam profundamente o vasto campo de conhecimentos necessários a uma atuação competente, que te-matizem e promovam práticas cotidianas em que a análise do passado e do presente historicamente construídos na área permita alicerçar o melhor e mais produtivo trabalho para promover o desenvolvimento das crianças. A docência exige que o seu processo de formação passe por momentos de vivência, de refl exão, de conceituação e de sistematização de saberes e conhecimentos, porque sem eles todo ensino torna-se circunstancial, passageiro e inconsistente.

Nesse contexto, esta disciplina vem propor um estudo sobre concepções de infância e criança, a história da educação infantil e sua legislação, além de um breve olhar sobre as principais teorias e teóricos da educação infantil e os modelos de ação e intervenção pedagógicas.

No Brasil, o trabalho com crianças pequenas em instituições está legalmente assegurado como um direito, entretanto a igualdade desse atendimento ainda não é uma realidade para todas as famílias brasileiras. Assim, o que objetivamos é oportunizar uma espaço para fornecer subsídios que norteiem a busca da ampliação de conhecimentos sobre a ação docente na educação infantil e uma refl exão crítica dos educadores cursistas, para que você, reconhecendo a condição de sujeito de direitos que as crianças têm garantida legalmente, desenvolva um trabalho que possibilite a inclusão e a participação de todas com quem trabalha ou trabalhará nessa primeira e grandiosa experiência de cidadania.

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15UNIDADE I

CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA E INSTITUIÇÕES DE CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA E INSTITUIÇÕES DE ATENDIMENTOATENDIMENTO

1.11.1 - O Surgimento da Infância

Educar crianças de 0 a 5 anos tem representado um grande desafi o para as instituições que se destinam a essa fi m. Como fazer para que o trabalho a ser de-senvolvido contemple a formação para a cidadania, desde a infância?

Um dos objetivos deste instrucional é percorrer a trajetória histórica da educação infantil, buscando re-fl etir sobre a educabilidade na infância, partindo do princípio de que a criança possui uma atividade ine-rente a sua condição social de infância.

Cristo e a Virgem como protetores da Infância (1694) de Esteban Márquez.

Para iniciar nossa trajetória pela educação infantil, como atendimento institucional, é preciso uma pas-sagem pelo conceito de infância, absolutamente fun-damental e anterior a qualquer proposta desse tipo de atendimento às crianças.

Kramer (2003:16) apresenta os estudos do historia-dor francês Philippe Ariès como sendo um dos mais relevantes na conceituação da infância. Através des-ses estudos, Ariès relata uma transformação do senti-mento de infância e identifi ca esse sentimento como a consciência da particularidade infantil.

Esse historiador pesquisou também a questão do surgimento do sentimento de família, que proporcio-nou o sentimento de infância na sociedade. Através de pinturas, documentos antigos, registros escritos, fotografi as, Ariès foi delineando um processo de evo-lução no sentimento de infância, identifi cando-o de

acordo com a condição social das crianças e de seus grupos culturais. Na medida em que as mudanças na organização social foram ocorrendo, assim também apareceram contribuições para a melhoria da condi-ção das crianças e de suas infâncias nas sociedades.

Segundo Kramer, o sentimento de infância não vai corresponder à afeição que os adultos têm pelas crian-ças, mas sim a consciência de que existe uma pessoa criança, com peculiaridades próprias que as distin-guem dos adultos.

Para a pesquisadora, há dois aspectos relevantes a serem considerados quando contextualizamos, histo-ricamente, o conceito de infância:

1. Era extremamente alto o índice de mortali-dade infantil que atingia as populações e, por isso, a morte das crianças era considerada natu-ral. Quando sobrevivia, ela entrava diretamente no mundo do adulto. A partir do século XVI, as descobertas científi cas provocaram o prolonga-mento da vida, ao menos nas classes dominan-tes. É importante acentuar que essa mortalidade continua hoje a ser regra para os fi lhos de classes dominadas em países de economia dependente, como o Brasil;2. O sentimento moderno de infância correspon-de a duas atitudes contraditórias que caracteri-zam o comportamento dos adultos até os dias de hoje: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e é traduzida pela “paparicação” dos adultos; e outra surge simultaneamente à primei-ra, mas se contrapõe a ela, tomando a criança como um ser imperfeito e incompleto, que ne-cessita de “moralização” e da educação feita pelo adulto (KRAMER, 2003: 18).

Pode-se perceber que a instituição da infância na so-ciedade foi marcada por duas posturas distintas com relação à educação das crianças: ou se tinha a criança como um ser frágil, dependente do adulto, que preci-sava ser protegido e poupado das más infl uências do meio social; ou então se via a criança como um ser “bruto” que necessitava ser “lapidado” pela educação e o modelo do adulto.

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16Segundo Kramer (2003), ambas as visões eram ba-

seadas em uma dimensão universal da criança e da infância, levando em consideração aspectos inerentes à natureza humana nessa etapa da vida.

Os séculos XVII e XVIII foram palco para a ascen-ção de uma classe social, constituída de artesãos e comerciantes, que se fortaleceu economicamente, fa-zendo surgir novas organizações na sociedade, entre elas, a família nuclear. Com o surgimento da família nuclear, o conceito de infância vai assumindo rele-vância social. Educar as crianças, que antes era uma preocupação da sociedade, passa a ser tarefa primor-dial das famílias.

A identifi cação do contexto burguês em que este sentimento de infância surge e se estrutura é ex-

tremamente importante para a compreensão da concepção atual de criança, quando se acredita ou se quer fazer acreditar numa essência infan-til desvinculada das condições de existência, ou seja, sua classe social e sua cultura (Ibidem:18).

É nesse mesmo contexto que a escola se constitui como instituição social, de cunho educacional, com-plementar à família, e, na medida em que família e escola passam a compartilhar da educação das crian-ças pequenas, o que veremos mais adiante, o papel da criança na sociedade vai ganhando especial rele-vância, mesmo que o sentimento de infância marque, durante muito tempo de sua trajetória histórica, a na-tureza da criança e não a sua existência como sujeito social e cultural.

1.21.2 - O Surgimento da Educação InfantilNo início do século XVII, surgem as primeiras pre-

ocupações com a educação de crianças pequenas. Isso porque era possível perceber, neste momento, que as sociedades, principalmente a burguesa, já valoriza-vam a criança no seio da família.

A sociedade moderna vinha impondo novas formas de relação na sua organização, o que signifi cava trans-formações signifi cativas nos mais diversos setores da vida social. A educação institucional passa a valorizar o conhecimento científi co, tendo em vista a necessi-dade de compreensão e apropriação do homem pela natureza, para que pudesse alcançar melhores con-dições de vida. A busca pelo conhecimento, então, torna-se condição necessária para maior estabilidade social.

A preocupação com a forma de como jovens e crian-ças seriam educados na escola, aliada ao sentimento de infância, foi contribuindo para o surgimento de uma pedagogia que contemplasse a criança e suas formas próprias de aprendizagem.

(...) As instituições de educação para as crian-ças entre 0 e 6 anos de idade começam a se esboçar no continente europeu ainda no fi nal do século XVIII, propagando-se por meio de uma circulação de pessoas e idéias que precisa ser melhor pesquisada. Criadas para atender as crianças pobres e as mães trabalhadoras, desde o início se apresentaram como primordialmente educacionais.(KUHLMANN JR., 2000).

De acordo com os estudos de Kuhlmann, em 1796, surge na França, mais propriamente na paróquia ru-ral de Ban-de-la-Roque, a escola infantil (escola de principiantes ou escola de tricotar, como era cha-mada). Essa instituição foi reconhecida, na história da Educação Infantil, como a pioneira nessa tarefa.

As escolas de tricotar foram surgindo na medida em que as indústrias absorviam o trabalho das mulheres. Aos sete anos de idade, as crianças das classes traba-lhadoras já eram consideradas aptas ao trabalho; por esse motivo, as escolas de tricotar, atendiam, em sua maioria, crianças de 0 a 6 anos de idade.

De escola de tricotar às salas de asilo ou Escola Ma-ternal1, os valores morais, ensinamentos religiosos e as primeiras letras eram os objetivos maiores do ensi-no nessas instituições, embora, em 1824, o pedagogo inglês Samuel Wilderspin, que fundou a Infant School Society, tenha sistematizado a primeira proposta de escolarização para crianças de 2 a 11 anos. Foram os métodos aplicados nessa proposta que deram origem às Salas de Asilo francesas, mais tarde a Escola Ma-ternal.

Em 1840, o pedagogo alemão Fröebel (em outra Unidade deste Módulo estaremos aprofundando a proposta de Fröebel) inova a educação de crianças pequenas com a criação dos Kindergarten Beschäf-tigungs-Anstalt, os jardins de infância, como fi ca-ram conhecidos no mundo, como uma estratégia de marketing para a venda de brinquedos destinados às crianças pequenas na época. Baseado nas idéias de Russeau2, Fröebel acreditava que o trabalho educati-vo com crianças pequenas deveria acontecer em um ambiente próprio, com materiais apropriados, a partir de jogos e do uso de brinquedos e brincadeiras, que, para Fröebel, eram atividades naturais das crianças.

O fi nal do século XIX e o início do século XX vão marcar consideravelmente a trajetória da educação infantil no mundo, em função das grandes mudanças que a sociedade européia viveu neste período. Veja-mos o que diz Leite Filho:

1Em 1828 são criadas as Salles d’Asile, as Salas de Asilo francesas, que depois mudam seu nome para Escola Maternal.2JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778), nascido na suíça, foi importante fi lósofo e escritor iluminista, o grande responsável pela idéia de criança e de infância.

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17Esse período é caracterizado como o da organi-zação dos fundamentos teórico-práticos. É deno-minado comumente como Escola Nova, e nele vão aparecer nomes como dos médicos Decroly (1871-1932), na Bélgica, e Montessori (1870-1952), na Itália; do fi lósofo e psicólogo norte-americano Dewey (1859-1952); do bió-logo suíço Piaget (1896-1980) e do professor francês Freinet

3Texto publicado nos Anais do pré-Congresso da ASBREI – Associação Brasileira de Educação Infantil – em 2003.

(1896-1966), como os grandes confi guradores da teoria e da prática da educação infantil. (LEITE FILHO, 2003)3.

A partir daí, vamos iniciar com o surgimento da in-fância e da educação infantil no Brasil. Mais adiante, estaremos aprofundando os teóricos que fundamenta-ram as práticas educativas com crianças pequenas, ao longo das histórias das tendências pedagógicas.

1.31.3 - O Surgimento da Infância no BrasilNo Brasil, os diferentes tipos de infância podem

se tornar visíveis a partir da análise das relações de poder, das diferenças sociais e étnicas existentes nos variados períodos históricos.

As interpretações acerca desses registros históricos apontam para várias leituras possíveis das relações entre adultos e crianças, caracterizando infâncias dis-tintas, em cada tempo e cada espaço social. Desde as sociedades indígenas, no período colonial, as crianças pequenas eram cuidadas pelos adultos, para brinca-rem e aprenderem coisas necessárias a sua sobrevi-vência, até que tivessem idade para assumir funções nas tribos. Assim, observavam as atividades dos adul-tos e ouviam suas histórias.

Os curumins, como eram chamados os meninos e meninas indígenas, eram tratados com muito res-peito. Para integrá-los ao grupo social, os adul-tos, desde cedo, elaboravam brinquedos, como miniaturas de animais, arcos e fl echas, criavam situações para os momentos de iniciação, utili-zando rituais de pintura, de festas, de danças, de lutas que davam elementos para a construção da singularidade das tribos indígenas (GUERRA et al, 1999).

A partir da catequização jesuítica, imposta na co-

lonização portuguesa aos índios, foram incorporados outros valores na vida das crianças indígenas. A idéia dos padres jesuítas era tornar as crianças dóceis e obedientes, uma vez que entendiam os hábitos e cos-tumes indígenas como selvagens e não civilizados. Conforme narra a história do povo brasileiro, a in-tervenção jesuítica gerou um processo de aculturação do indígena. Isso também aconteceu com relação à cultura africana no período da escravatura no Brasil.

A criança africana vivia uma infância de privações e negações. Criadas em senzalas, eram, desde cedo, propriedade privada dos senhores de engenho; por-tanto, não havia a constituição de família, mesmo que fosse uma família tribal, como no caso dos indígenas. Os africanos eram submetidos aos seus senhores, se-guiam suas ordens e não podiam manifestar suas ex-pressões e ensinar sua cultura às suas crianças. Estas seriam educadas para assumir, mais tarde, o trabalho escravo, eram iniciadas ainda pequenas nas atividades

domésticas. Não havia a permissão para que freqüen-tassem escola, pois esse era um direito somente dos fi lhos legítimos dos senhores de engenhos, chamados de sinhozinho e sinhazinha.

Ainda que vivessem em uma condição mais favorá-vel, havia diferença com relação às crianças criadas na casa grande, pois o direito à escolarização era dado somente aos meninos, assim como os mais impor-tantes papéis na sociedade. Desde cedo, os meninos eram criados para serem os grandes varões, freqüen-tavam escolas, aprendiam a dar ordens, para assumir, mais tarde, o posto de senhor, chefe da família e de toda a propriedade: escravos, terras e riquezas. As meninas aprendiam a obedecer e a se tornar mulheres prendadas. Eram criadas para casar e procriar. Poucas sabiam ler e esse aprendizado, na maioria das vezes, acontecia em casa com ajuda dos adultos da família.

Era possível que as crianças negras, fi lhas dos es-cravos, os sinhozinhos e as sinhazinhas, assim como, mais tarde, os fi lhos de imigrantes, brincassem juntas, mas viviam, no seu cotidiano, marcas das diferenças sociais, fruto das relações de poder que se estabele-ciam na época, portanto viviam infâncias diferentes.

O processo de urbanização trazido pelo período re-publicano possibilitou mudanças marcantes na cultu-ra brasileira, infl uenciando as organizações sociais e, conseqüentemente, a educação das crianças. A cultura da indústria se instalou nos modos de vida da nossa sociedade e impôs uma série de implicações. Era pre-ciso educar a população para formar a mão-de-obra operária, preparando-a para o trabalho com tecno-logias mais avançadas e outras formas de relações pessoais: trabalhadores x patrões x salário. Segundo Guerra et al (1999), “o estatuto social da criança se modifi ca e a infância passa a representar um inves-timento para que um projeto de nação se concretize no futuro”.

Ainda, segundo Guerra et al, a infância brasileira carrega marcas de proteção e abandono na sua his-tória. Algumas crianças eram assistidas pelas suas famílias e pela sociedade e recebiam proteção e con-dições para tornarem-se adultos e darem continuidade ao legado social do qual pertenciam. Já as crianças oriundas de famílias pobres, descendentes de escra-

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18vos ou, até mesmo, frutos de relações adúlteras, nem sempre tinham a mesma sorte de serem tuteladas por uma família e até quando eram não tinham acesso às mínimas condições de uma vida promissora. No fi nal do século XVIII e início do século XIX, o abandono de crianças era tamanho, ao ponto de se necessitar criar instituições para seu abrigo e amparo. Em 1738, é fundada na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, a Roda e a Casa dos Expostos.

A roda dos expostos foi uma solução importada da Europa medieval e se caracterizou como uma espécie de caixa circular dividida em duas par-tes que girava em torno de um eixo, onde uma das partes era aberta para que a criança fosse abandonada de forma anônima. Segundo SEVE-RO (1999) a “roda foi a solução para reparar a moral social ofendida. Quer fruto da miséria so-cial, física ou moral, a estas crianças só restava a caridade alheia” (Ibidem, 1999).

Durante os séculos XVIII e XIX, a Roda recebeu 42.200 enjeitados, fi lhos de pessoas pobres, ou ile-gítimos, adulterinos ou fi lhos de escravas que os se-

nhores lá abandonavam para alugar suas mães como amas de leite.

Na contemporaneidade, a legislação passa a ser a tentativa para a garantia dos direitos às crianças bra-sileiras. Surge a idéia do pequeno cidadão, um sujeito que, embora de pouca idade, já possui necessidades e direitos a serem assumidos e respeitados pela so-ciedade, ressaltando nesse bojo a responsabilidade maior para a família e o Estado.

Entretanto, ainda há que se refl etir:

Ser criança mesmo no mundo atual é ter infância? Mas qual infância? Sabemos que muitos dos direitos infantis continuam sendo violados: crianças sem fa-mília biológica ou substituta, crianças as quais faltam alimentos, remédios e médicos, crianças exploradas, abusadas ou negligenciadas, crianças que trabalham, crianças sem creche ou pré-escola... Ainda falta mui-to para que todas as crianças possam ser crianças e vivam o seu tempo de infância. Uma luta que deve ser dos educadores e de toda a sociedade.

Atividade Complementar

Observe o quadrinho abaixo e identifi que a idéia de infância que está embutida no diálogo das personagens.

www.comicscartoons.hpg.ig.com.br/quadros/haga.

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19Dicas de Estudo

Assista aos fi lmes:

A invenção da infância em www.portacurtas.com.br – O fi lme retrata as diferentes infâncias contemporâ-neas.

O nome da Rosa – Realizador: Jean-Jacques Anaud (1986). O fi lme retrata o confronto entre a postura teo-cêntrica e dogmática da Igreja na Idade Média e a nova visão humanista e racional posta pelo Renascimento.

Fanny e Alexander – Realizador: Ingmar Bergman (1983). Filme com enredo sobre a infância.

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20 UNIDADE II

A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASILA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

2.1 2.1 - Histórico- Histórico

O objetivo dessa discussão é fazer um percurso his-tórico pelo atendimento à criança pequena no Brasil, identifi cando suas diversas concepções e propostas.

Sônia Kramer (2003) registrou o processo histórico do atendimento à criança pequena no Brasil, organi-zando-o em três grandes períodos, datados entre 1874 até a homologação da atual Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDBEN 9394/96, em de-zembro de 1996, que representou um avanço para a educação infantil, uma vez que trouxe, pela primeira vez em um texto legal, esse atendimento inserido no contexto da educação formal4. Nesse estudo, a auto-ra buscou estabelecer marcos desse atendimento que pudessem registrar concepções sobre a criança e a in-fância e as intervenções do Estado através de políticas públicas destinadas à faixa etária de 0 aos 6 anos.

A primeira forma de atendimento institucional à criança pequena registrada no Brasil foi a “Casa dos Expostos” ou “Roda”, que recebia as crianças órfãs ou abandonadas pela família. Historicamente, a Roda fi cou conhecida como o lugar para que fi lhos bastar-dos ou rejeitados (defi cientes, doentes etc.) fossem entregues à sorte.

Por iniciativa do comerciante Romão de Mattos Duarte, em 1738, foi criada a Casa da Roda, no próprio Hospital Geral da Santa Casa, tinha esse nome porque uma roda de madeira foi colocada à sua porta, onde as mães que não podiam sus-tentar seus fi lhos, ou menores abandonados da época, ali eram colocados para serem assistidos. A Casa da Roda funcionou no Hospital Geral até 1821. Logo depois, o nome da instituição passou a ser Casa dos Expostos e foi transferida para uma habitação no bairro de Santa Teresa, onde per-maneceu até 1850. Em 1850, o provedor José Clemente Pereira instalou os "expostos" em uma casa na Rua da Lapa, 16, onde funcionou por dez anos. Durante mais de quarenta anos, a Casa dos Ex-postos passou pela Rua dos Borbonos, pela Se-nador Vergueiro e Praia do Flamengo. Finalmente, em 14 de janeiro de 1911, foi sole-nemente inaugurada a Casa dos Expostos no Edi-fício da Rua Marquês de Abrantes (ex-provedor da Santa Casa em meados do século XIX). Neste dia, passou a ter a denominação de Educandário

Romão de Mattos Duarte, a qual lhe é atribuída até os dias de hoje (texto extraído do site http://openlink.br.inter.net/santacasa/educ1.htm).

Nas Rodas dos Expostos e Asilos mantidos pela San-ta Casa, as crianças só fi cavam abrigadas até comple-tarem 7 anos de idade, ou fi m da “meninice”, como era considerada a infância no século XIX. Quando completavam 7 anos, as crianças eram encaminhadas para o trabalho.

A partir da Roda dos Expostos, segundo a autora, o que se verifi ca nos registros históricos são iniciativas, vindas dos chamados higienistas, para conter o alto nível de mortalidade infantil da época:

As primeiras iniciativas voltadas à criança par-tiram dos higienistas e se dirigiram contra a alarmante mortalidade infantil, que era atribuída por eles a duas causas. Uma delas dizia respeito aos nascimentos ilegítimos, fruto da união entre escravos ou destes com seus senhores. A segun-da se referia à “falta de educação física, moral e intelectual das mães” (42, p. 164)5 ou, mais con-cretamente, sua negligência na medida em que permitiam o aleitamento mercenário (escravas de aluguel). A ligação entre as duas causas se estabelece porque ambas culpam a família, além de colocarem nos negros escravos a origem das doenças (KRAMER, 2003: 49).

Até o ano de 1889, essas iniciativas predomina-ram. Segundo Kramer, médicos e sanitaristas (higie-nistas) reconheciam a necessidade de medidas urgen-tes com relação ao cuidado com a criança pequena, porém tais iniciativas eram provenientes de grupos privados, não havia uma ação efetiva do poder públi-co com relação à proteção e ao cuidado da criança e essa situação acarretava a carência de atendimento às crianças oriundas de famílias pobres, uma vez que as iniciativas privadas não davam conta dessa demanda (Ibidem: 50). Entretanto, a autora considera que essas iniciativas, embora localizadas e precárias no tocante à demanda que se tinha na época, representam, atual-mente, o surgimento da idéia da proteção à criança pequena no Brasil.

Nos estudos de Monarcha e Kuhlmann Jr. (2001), consta que, em 1883, o Inspetor Geral de Instrução Pública do Brasil publicou o relatório da visita que

4Estaremos tratando, mais adiante, da LDB e seus refl exos na Educação Infantil.5Referência feita pela autora, que fundamentou-se no histórico organizado por Moncorvo Filho, em comemoração ao centenário da Indepen-dência: MONCORVO FILHO, A. Histórico de proteção à Infância no Brasil, 1500-1922. Rio de Janeiro: Emp. Graphica Ed., 1926.

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21fez às instituições européias de educação infantil, in-clusive ao Jardim de Infância de Fröebel:

Nas grandes cidades européias, e sobretudo nos grandes centros industriais, tem-se efetivamente criado estabelecimentos especiais, destinados a receber os fi lhos dos operários e guardá-los du-rante o dia, enquanto os pais estão retidos na fai-na das ofi cinas. Alguns destes estabelecimentos aceitam as crianças desde os 2 ou 3 anos de idade até os 6 ou 7 anos; é o caso dos asyles d’enfants em Paris, dos kinderbewahranstalten em Viena e Berlim. Outros aceitam as crianças menores de 2 anos, mesmo as recém-nascidas: é o caso das creches francesas, das krippen alemãs. Nenhum destes estabelecimentos, porém, corresponde ao jardim-Fröebel. Eles destinam-se a fi ns humani-tários e caridosos, mas não envolvem rigorosa-mente uma idéia pedagógica (KUHLMANN JR. in MONARCHA (org.), 2001: 4).

Nesse relatório, segundo Kuhlmann Jr., foi constata-do que somente os kindergarten de Fröebel funciona-vam como instituições públicas, abertas à população. O autor coloca também que a instituição criada por Fröebel era a única, dentre todas as outras que o re-lator havia visitado em sua viagem, que oferecia um atendimento pedagógico às crianças.

O propósito do Imperador ao enviar o Inspetor à Eu-ropa, afi rma Kuhlman Jr., era obter informações sobre os jardins de infância e as instituições de educação infantil francesas. Nesse sentido, é possível conside-rar esse fato como uma primeira iniciativa do poder público para o atendimento institucional às crianças pequenas (na idade pré-escolar). Entretanto, anterior à viagem do Inspetor Geral de Instrução Pública, o médico Menezes Vieira criou, com sua esposa, D. Carlota de Menezes Vieira, em 1875, no Rio de Ja-neiro, o primeiro jardim de infância brasileiro, priva-do, que funcionava no Colégio Menezes Vieira. O Dr. Menezes Vieira (1848-1897) compartilhava da crença que aliar educação à higienização era uma possibili-dade para o desenvolvimento de uma nação.

O Jardim de Crianças, como era chamado, tinha por objetivo atender a elite carioca, e recebia somente meninos, de 3 a 6 anos. Oferecia uma série de ativi-dades, como: ginástica, pintura, desenho, exercícios de linguagem, cálculo, história, geografi a e religião (Ibidem: 33). Kuhlmann Jr. considera esse fato rele-vante para a compreensão do pensamento brasileiro da época com relação à educação institucional de crianças pequenas, destacando o projeto de Menezes Vieira como pioneiro no Brasil pela sua estrutura e pelo fato de destinar-se exclusivamente à educação infantil. Porém, antes mesmo do Jardim de Crianças, outras iniciativas surgiram, como o jardim de infância

anexo do professor Hemetério José dos Santos, que funcionava no Colégio Fröebel, do referido professor. Esse colégio oferecia instrução primária e secundária, o que se pode considerar uma proposta de escolarida-de desde a primeira infância.

De acordo com Monarcha (2001), desde a Procla-mação da República, os projetos dos grupos republi-canos para a reforma do ensino no Brasil já incluí-am a instalação de jardins de infância, entretanto a obrigatoriedade do ensino para as crianças de 7 aos 12 anos, estabelecida pela Lei n.º 88, de 8 de setem-bro de 1892, adiou a concretização desses projetos, incentivando outras iniciativas, mais localizadas e menos abrangentes, como a criação do Jardim-de-In-fância Modelo, anexo à Escola Normal de São Paulo, por decreto, em 3 de março de 1896 (MONARCHA, 2001: 81-82).

Como vimos, as primeiras iniciativas destinadas às crianças pequenas no Brasil tiveram um caráter higie-nista e assistencialista. Podemos concluir que repre-sentavam a preocupação da sociedade, quase sempre da elite, com o desenvolvimento social do país, pois consideravam as condições de vida a que eram sub-metidas as crianças pequenas das classes desfavoreci-das uma ameaça ao futuro promissor do Brasil. Assim sendo, eram ações quase sempre voltadas para suprir as carências e as lacunas supostamente deixadas pe-las famílias mais pobres, seja na educação, seja no cuidado.

A década de 30 foi marcada por mudanças substan-ciais nas formas de organização social brasileira. O país vivia, naquele momento, um processo de urbani-zação em decorrência da industrialização acelerada. Percebe-se, nesse contexto, maior atenção da socieda-de com a infância e a criança, que era vista como um adulto em potencial (KRAMER, 2003: 52). Apesar de o Estado colocar-se na frente das propostas para o atendimento à população trabalhadora, com relação à criança pequena, pode-se considerar que esses be-nefícios não atingiram a toda a população na mesma dimensão. Muita gente que precisava participar desse atendimento fi cou à margem; o estado do bem-estar social, instituído nesse momento da história política do Brasil, que pretendia dar total assistência à classe trabalhadora e, principalmente, à população desassis-tida, promoveu uma série de situações que acabaram por criar um quadro considerável de desigualdade social.

Na década de 60 e até a metade dos anos 70, o Brasil viveu um momento de modernização com relação às políticas destinadas à promoção do bem-estar social. Muitas propostas voltadas para a melhoria da edu-cação, da saúde, da assistência social e dos direitos do trabalhador marcaram uma nova fase na vida da

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22população, principalmente da população de baixa renda. Nesse período, o país vivia um crescente avan-ço tecnológico que trazia, para todas as instâncias da sociedade, a imposição da adequação ao mundo da tecnologia. As máquinas chegavam para tornar a pro-dução humana mais efi ciente e mais ágil.

A educação, como instituição vista, nesse período, como preparatória para a vida em uma sociedade pro-missora, precisou transformar-se para estar afi nada com as mudanças na sociedade e, principalmente, com as relações de produção e trabalho. A educação tecnicista, corroborada pela Lei 5692/71, concebia a escola como o espaço para a preparação dos indiví-duos e como a grande promotora de uma sociedade desenvolvida. Até a homologação dessa Lei, o ensi-no primário (correspondia do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental), já era garantido pelo Estado na rede pública do país. A partir de 1971, a obrigatoriedade é estendida para oito anos de escolaridade, ampliando a oferta da educação pública e criando o ensino de 1º grau, dos 7 aos 14 anos.

O Rio de Janeiro, como muitas metrópoles brasilei-ras, vivia um processo de municipalização do ensino de 1º grau, mas o mesmo não acontecia no interior do Brasil. Apesar da ampliação da obrigatoriedade escolar, dos processos de municipalização, ainda era grande a quantidade de crianças e jovens fora da es-cola e também era crescente a evasão escolar em con-seqüência do fracasso dos alunos em sua trajetória, principalmente nas séries iniciais do 1º grau (classe de alfabetização e 1ª série). Se o ensino era programa-do para ser efi ciente, então, obviamente, não poderia promover fracasso escolar. Nesse sentido, a explica-ção para esse fenômeno era justifi cada na carência social e cultural da grande maioria da população de baixa renda: as crianças não aprendiam porque eram pobres, não tinham acesso aos bens culturais, alimen-tavam-se mal, não eram assistidas devidamente pelas suas famílias, entre outras tantas explicações.

Nesse contexto, a educação infantil, até então so-mente assistencial, passa a ser vista como compen-satória, cuja função era suprir carências e preparar as crianças pequenas para o ingresso no ensino de 1º grau. O grande paradoxo nessa questão é que, apesar de considerada importante, pois iniciava os pequenos estudantes na escolarização de 1º grau, essa etapa da educação não era compreendida, legalmente, na edu-cação formal. Daí chamada de pré-escolar (anterior à escola).

Nesse período, com relação à educação infantil, grande ênfase foi dada à faixa-etária de 4 a 6 anos, pois representava um período da vida da criança cuja educação deveria ser compartilhada entre família e escola, para garantir uma trajetória no ensino de 1º

grau mais promissora. Com relação às crianças meno-res, até os 3 anos, eram atendidas nas creches, porém as poucas mantidas pelo poder público tinham um caráter ainda assistencial, substitutivo da família, ou seja, para compensar sua ausência. Não havia cunho pedagógico, e sim recreativo em seu atendimento, e o setor governamental responsável era a saúde ou os órgãos destinados à assistência social.

A história nos conta que, pelo caráter não-formal, essas instituições públicas que atendiam as crianças de 0 a 6 anos, trabalhavam, em sua maioria (e princi-palmente as públicas), com pessoas voluntárias, lei-gas e pouco escolarizadas, sem formação específi ca. Sua função era a higiene, a alimentação e o cuidado das crianças, principalmente a sua segurança; não havia preocupação com o trabalho educativo, muito menos na qualifi cação das pessoas que faziam o aten-dimento às crianças nas instituições, enquanto, nas creches e pré-escolas particulares, essa preocupação com o trabalho educativo já era notada. O número de instituições de educação infantil privadas cresceu consideravelmente nessa época, até pela ausência de uma ação governamental mais efetiva com as crianças pequenas e suas famílias, e o incentivo, pelas políti-cas governamentais, para a privatização dos serviços essenciais, como a educação.

Citando mais uma vez as pesquisas de Kramer (2003: 50), um conjunto de propostas foi constituin-do, no Brasil, um marco referencial para a história das políticas públicas de atendimento à infância. Embora a maioria das propostas não envolva diretamente a criança de 0 a 6 anos, são consideradas, pela autora, um passo na trajetória pela conquista dos direitos à cidadania dos pequeninos brasileiros.

A década de 80 não representou, na história da edu-cação infantil no Brasil, avanços, pelo contrário, foi uma grande lacuna. Na medida em que a população infantil crescia, aumentavam os índices de mortali-dade na infância, principalmente na faixa entre 0 e 2 anos, pelas precárias condições em que eram subme-tidas as gestantes e os pequenos. Os modelos educa-cionais necessitavam urgentemente de reformas, para possibilitar uma formação que atendesse às necessi-dades que emergiam de uma sociedade que vivia o início de um caminho para a democratização e a cons-tituição de uma nova condição social: a participação e a cidadania.

Apresentaremos, abaixo, um histórico baseado nos estudos de Kramer, Kuhlmann Jr., Monarcha e Schueller com as principais instituições públicas e privadas que marcaram o atendimento à infância no Brasil. Incluímos também nessas informações, aspec-tos legais que infl uenciaram essa trajetória:

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231871 – Associação Municipal Protetora da Infância

Desvalida. Criada na capital da República ( Rio de Ja-neiro) pela Câmara Municipal. Atendia crianças de 5 a 7 anos, “dirigindo proteção e instrução a uma cate-goria específi ca e distinta, a qual denominou infância desvalida” (SCHUELLER, in MONARCHA (org.), 2001: 161). Cabe ressaltar que o termo “desvalido” era entendido, na época, como “viver num estado de pobreza” ou “de menor valor” (Ibidem: 162). Portan-to, essa instituição era destinada a amparar meninos e meninas pobres e garantir sua freqüência nas es-colas públicas criadas pela Câmara Municipal. Essa instituição não era mantida pelo poder público. Inte-grantes da elite da corte se associavam para colaborar com a manutenção, através de donativos e também do trabalho voluntário. Outros profi ssionais, como médicos e higienistas, também podiam trabalhar vo-luntariamente nessa instituição, recebendo honras e diplomas da Câmara.

A fi nalidade da Associação (...) era garantir a presença das crianças desvalidas e pobres nas es-colas criadas pela Câmara Municipal. Para tanto, o fornecimento de vestuário e material escolar, além da assistência médica gratuita eram essen-ciais, tendo-se em vista que a falta de recursos dos pais era considerada uma das causas princi-pais da baixa freqüência escolar (Ibidem: 163).

1899 – Instituto de Proteção à Infância do Brasil. Com sede no Rio de Janeiro, objetivava atender as crianças menores de oito anos, e trazia, no seu esta-tuto, questões que já referendavam uma maior pre-ocupação com a faixa etária de 0 a 3 anos, como a elaboração de “leis que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos, regulamentar o serviço das amas de leite, criar creches e maternidades” (KRAMER, 2003:52)6.

1909 – Criação do primeiro jardim de infância pú-blico do Brasil (efetivamente), o Jardim de Infância Campos Salles, no Campo de Santana, Rio de Janei-ro.

Criação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância, pelo médico Moncorvo Filho. Esse institu-to tinha o caráter fi lantrópico e prestava assistência médico-social às famílias carentes, além de grande preocupação com a puericultura dos recém-nascidos e assistência às gestantes. Desse instituto, o Dr. Mon-corvo Filho, instituiu, em 1919, o Departamento da Criança no Brasil, que funcionava no mesmo prédio do Instituto. Essas instituições são reconhecidas, atu-almente, como pioneiras na criação de políticas para a proteção de pequenas, principalmente no que tange à puericultura. Atualmente, o prédio em que funcio-nava o Instituto e o Departamento é sede do Hospital Moncorvo Filho, especialista em ginecologia e ma-ternidade.

1940 – Departamento Nacional da Criança(DNCr.) – instituição pública vinculada ao extinto Ministério da Educação e Saúde Pública e adminis-trada pelo Ministério da Saúde. Essa instituição tinha como objetivo criar metas e atividades voltadas à in-fância, à maternidade e à adolescência.

1941 – Serviço de Assistência a Menores – SAM. Vinculado ao Ministério da Justiça e dos Negócios In-teriores, tinha como objetivo acolher e prestar servi-ços ao menor abandonado e delinqüente, na tentativa de recuperação social. Essa instituição foi substituí-da, no golpe militar de 64, pela FUNABEM – Fun-dação Nacional do Bem-Estar do Menor. A FUNA-BEM defendia a reintegração do menor delinqüente à sociedade e à família, entretanto, o que se pode ver na prática é que essas instituições que se designam “escolas” se tornaram verdadeiros presídios infantis.

1946 – UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Organização internacional fundada pela ONU – Organização das Nações Unidas. Presente no Brasil desde 1950, podemos considerá-la uma das grandes instituições que fomentam políticas públicas voltadas à promoção dos direitos da infância e ao ple-no desenvolvimento das crianças. Apóia e fi nancia projetos no mundo inteiro, principalmente nos países que apresentam altos índices de população infantil vi-vendo em situações de risco social.

1948 – OMEP – Organização Mundial de Educação Pré-Escolar. Instituição internacional, vinculada a grupos e setores privados, fundada na cidade de Pra-ga, na Itália. Em 1952, tem sua representatividade no Brasil e passa a estudar a situação das crianças nessa faixa etária. Essa instituição muito tem contribuído na discussão e na luta pela garantia dos direitos do pré-escolar, na qualidade da formação do educador infantil, na fomentação de programas que valorizem a criança e a educação infantil.

1961 – Homologação da Lei n.º 4024/61, que estabe-lece as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Essa Lei não representou avanços para a educação de crianças de 0 a 6 anos, mas foi a primeira iniciativa legal em educação para essa faixa etária. Instituiu a educação pré-primária, anterior à escola primária for-mal e obrigatória para crianças menores de sete anos e defi niu os espaços em que seria ministrada (esco-las maternais e jardins de infância). Além disso, dis-tribuiu a responsabilidade do poder público com as empresas, determinando, em seu artigo 24, que “em-presas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de educação pré-primária” (LEI n.º 4024/61, Título I, Art. 24).

6Kramer coloca em suas pesquisas que o Instituto representou uma possibilidade para a criação de creches, pré-escolas, maternidades e discussões acerca do atendimento institucional à primeira infância (2003: 52).

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241972 – Instituto Nacional de Alimentação e Nutri-

ção – INAM – vinculado ao Ministério da Saúde. Tinha como função, além de elaborar programas de assistência alimentar para a população escolar dos estabelecimentos ofi ciais, também propô-las para as gestantes, nutrizes, lactentes e população infantil de até 6 anos.

1974 – Projeto Casulo. Implantado pela extinta Le-gião Brasileira de Assistência – LBA – (órgão público de assistência social), o Projeto Casulo se caracterizou por uma parceria direta entre governo e comunidade, através da construção de creches para assistir e cuidar das crianças de 0 a 6 anos, para que seus pais pudes-sem trabalhar, previnindo, com isso, a marginalidade. Portanto, destinava-se à comunidades de baixa renda. As crianças eram atendidas em períodos parciais ou integrais de acordo com a necessidade de trabalho da família. Dessa forma, era possível também que as mulheres encontrassem condições e tempo para procurarem emprego, aumentando a rentabilidade da família. A maioria dos cuidadores eram moradores da comunidade em que a creche estava inserida. A insta-lação do projeto era solicitada pelo estado, município ou instituições da sociedade civil que realizavam tra-balhos fi lantrópicos de cunho social. O convênio era fi rmado com o governo e a manutenção e supervisão da creche era feita pela LBA.

1975 – Coordenação de Educação Pré-Esco-lar – COEPRE (KRAMER, 2003:75-76). Destinada ao estudo e ao desenvolvimento de projetos e progra-mas para a educação pré-escolar. Essa Coordenação representou a dualidade nos propósitos para a edu-cação institucional de crianças pequenas. Ao mesmo tempo em que defendia a importância da atuação

pública na educação infantil e a assistência à criança pequena, no cuidado e na nutrição, valorizava esse tempo da escolaridade como fundamental na prepara-ção para o ensino de 1º grau. Com isso, fortaleceu o caráter preparatório da educação infantil. Como essa Coordenação se constituía em um órgão dinamizador de ações voltadas para a educação pré-escolar, não contribuiu efetivamente para que essa modalidade da educação pudesse ser incorporada à educação formal, obrigatória (Ibidem: 84-86).

Como pode-se observar ao longo da história do atendimento à criança no Brasil, em alguns momen-tos atacou-se as questões de saúde, em outros, de “bem-estar” e, em outros ainda, as educacionais. Uma não englobou a outra e não se ampliou a perspectiva de encarar a questão, mas se ramifi cou o atendimento fragmentando às ações para o atendimento à infância. Os discursos ofi ciais não reconheceram a precarieda-de das condições de vida das crianças, o que verda-deiramente é a causa dos problemas de saúde, nutri-ção, educação e situação familiar.

A partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a investir nas políticas públicas para o atendi-mento à criança pequena (0 a 6 anos) com ênfase após a homologação da Lei n.º 8069/90 que estabeleceu o Estatuto da Criança e do Adolescente e representou, no âmbito legal, a possibilidade da garantia dos direi-tos do pequeno cidadão.

Nos próximos tópicos deste instrucional, estaremos ampliando nossas leituras e estudos sobre a legisla-ção brasileira e as contribuições para a efetivação da educação infantil.

2.22.2 – Legislação

A Constituição Federal e a Educação Infantil

A Constituição Federal de 1988 pode ser conside-rada o marco para que transformações fundamentais ocorressem mais tarde com relação ao atendimento das crianças na educação infantil. Observando abaixo o artigo n.º 208, inciso IV, vamos constatar:

Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(...)

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade7;

O referido artigo tentou representar a afi rmação do Estado para o compromisso com a população infantil no Brasil, principalmente a de baixa renda, e apresen-

tar, pela primeira vez, essa modalidade da educação como um direito da criança e não mais das famílias trabalhadoras, como era visto em documentos anterio-res, e um dever do Estado, a ser oferecido pelo poder público municipal.

O fato de tornar-se um direito da criança e um com-ponente da educação escolar favoreceu para o rompi-mento de paradigmas que fundamentavam o trabalho nas instituições infantis até o prezado momento.

A Carta Magna reconhece a educação infantil como um segmento da educação formal, que passa a fazer parte, legalmente, dos sistemas educacionais e não mais da saúde ou assistência social, como era ante-riormente, e dá o direito às famílias de matricular seus fi lhos pequenos em creches ou pré-escolas. Se cabe à família a matrícula, deveria caber ao Estado assegurar que as crianças tivessem uma infância de qualidade dentro das instituições. Entretanto, sabemos que ainda

7Texto alterado pela Emenda Constitucional n.º 53, de 19 de dezembro de 2006.

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25estamos distante dessa realidade. Apesar dos grandes avanços que a educação infantil alcançou no Brasil, com relação aos outros tempos, ainda não estamos nem perto de atingir patamares satisfatórios no atendimento educacional às crianças:

De um total de 21 milhões de crianças de 0 a 6 anos no país, 38% estavam matriculadas na Edu-cação Infantil em 2003, de acordo com o IBGE. A porcentagem de crianças matriculadas era bem mais alta na faixa de 4 a 6 anos: 68%, em compa-ração com 12% na faixa de 0 a 3 anos de idade.Se considerarmos somente a faixa correspon-dente à pré-escola, essa porcentagem nos colo-ca acima de países como a China e o Peru, mas abaixo de México, Chile, Coréia do Sul, Suécia e França, por exemplo.Os números também revelam que o acesso à Educação Infantil no Brasil não é eqüitativo: as crianças de famílias com maior renda, brancas, com mães de escolaridade mais alta, que traba-lham, residentes na zona urbana, estão matricula-das em proporções signifi cativamente superiores às de famílias mais pobres, negras, com mães de escolaridade baixa e/ou residentes na zona rural, entre outros atributos (CAMPOS, Maria Malta. Reescrevendo a Educação: Propostas para um Brasil Melhor. Publicado no site www.reescre-vendoaeducação.com.br).

O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Educação Infantil

O ECA passou a vigorar dois anos após a promul-gação da atual Constituição, em 1990. O ECA repre-senta a preocupação do Estado para com a qualidade da infância. Pensando na diversidade de situações às quais estão expostas nossas crianças desde os seus primeiros anos de vida, podemos considerar que muitas dessas situações geram conseqüências gra-víssimas para seu desenvolvimento. Nesse sentido, o ECA busca garantir, com os Conselhos Tutelares, o papel tutelar que o Estado deve assumir para com suas crianças, preservando a infância e investindo em educação infantil de qualidade.

Segundo Rossetti-Ferreira, o ECA inseriu crianças e adolescentes no mundo dos direitos, ressaltando sua cidadania (2001: 184). Esse Estatuto estabelece con-dições para que crianças e adolescentes exerçam seus direitos de cidadãos, apesar de não terem as mesmas condições de reivindicá-los como os adultos. Daí a necessidade do Estatuto. Rossetti-Ferreira enfatiza que, a partir do ECA, o olhar para com as crianças e os adolescentes e sua posição social mudou qua-litativamente, principalmente no que diz respeito à educação pública:

(...) Serviu ainda como base para construção de uma nova forma de olhar a criança: uma criança com direito de ser criança. Direito de afeto, di-reito de brincar, direito de querer, direito de não querer, direito de conhecer, direito de sonhar. Direito ainda de opinar: pelo ECA, a criança e o adolescente são considerados sujeitos de direito (Ibidem: 184).

Para a Educação Infantil, o ECA representa mais uma possibilidade no redimensionamento das formas de cuidar e educar as crianças na instituição. O adulto torna-se o responsável pela promoção desses direitos, uma vez que, como já mencionado, a criança não tem autonomia para reivindicá-los, diríamos, até mesmo, reconhecê-los. Como exemplo, podemos citar o di-reito do aleitamento na creche e, mais recentemente, municípios brasileiros, como o Rio de Janeiro8, am-pliaram o período do aleitamento materno, possibili-tando às mães servidoras mais tempo para dedicarem-se aos seus fi lhos.

A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, LDB 9394/96 e a Educação Infantil

A atual LDB estabelece a educação infantil como direito das crianças, opção das famílias e dever do Es-tado. Pela primeira vez, em um texto legal, é conside-rada como um nível da trajetória escolar das crianças brasileiras, compondo, com o ensino fundamental e o ensino médio, a educação básica.

Nesse sentido, a educação infantil passa a ser con-cebida, legalmente, como um espaço essencialmen-te pedagógico, cuja fi nalidade é o desenvolvimento integral da criança nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social dando às instituições autonomia para organizar sua proposta de trabalho.

A Lei determina que os órgãos municipais deverão supervisionar, fi scalizar, orientar e subsidiar as ins-tituições de educação infantil públicas e privadas, estabelecendo diretrizes que vão orientá-las na orga-nização de sua proposta pedagógica. Assim, como os demais níveis da educação básica, a educação infantil pública também deverá ser administrada através da gestão democrática, a partir da integração instituição-família-comunidade no compartilhamento do com-promisso com a qualidade do trabalho a ser desen-volvido com as crianças. Assim, pela atual LDB, a educação de crianças pequenas torna-se compromis-so social, uma vez que a referida Lei deixa clara a responsabilidade das famílias para com a educação de seus fi lhos, estabelecendo para as creches e as pré-escolas o complemento dessa educação.

A avaliação na educação infantil é outro aspecto relevante no texto legal. Concebida como processo,

8Decreto Municipal da Prefeitura do Rio de Janeiro, n.º 27763 de 29 de março de 2007.

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26deve levar em consideração o desenvolvimento in-tegral das crianças, a partir do registro dos aspectos qualitativos desse desenvolvimento “sem o caráter de promoção, mesmo que para o ingresso no ensino fundamental” (LDB, Seção II, Art. 31, 1996).

Outra questão importante na atual LDB, com rela-ção à educação infantil, é a formação dos educado-res. O artigo 63 da Lei estabelece que a formação mí-nima dos profi ssionais para atuarem com a educação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental é o curso Normal, em nível médio, entendendo a ne-cessidade de educadores com formação profi ssional para atuar com as crianças.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-cação Infantil9 (falaremos melhor sobre elas adiante), documento que estabelece diretrizes para a elabora-ção de propostas pedagógicas para crianças de 0 a 5 anos, está enfatizado que a organização da proposta pedagógica deve fi car sob a responsabilidade de pro-fi ssionais formados, ou seja, professores.

VI – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem ser criadas, coor-denadas, supervisionadas e avaliadas por edu-cadores, com, pelo menos, o diploma de Curso de Formação de Professores, mesmo que da equipe de Profi ssionais participem outros das áreas de Ciências Humanas, Sociais e Exatas, assim como familiares das crianças. Da direção das instituições de Educação Infantil deve par-ticipar, necessariamente, um educador com, no mínimo, o Curso de Formação de Professores (MEC/CEB, 1999).

As Diretrizes ressaltam, mais uma vez, a preocupa-ção como aspecto pedagógico da ação educativa com as crianças pequenas.

Embora todos esses documentos coloquem a neces-sidade da garantia da qualidade da ação pedagógica, educar crianças pequenas na nossa realidade ainda é uma questão que requer muita atenção do poder pú-blico e da sociedade de uma forma geral. A demanda pelo atendimento ainda é maior que a efetivação do mesmo, assim como encontramos instituições que acreditam ser o assistencialismo a função primordial de sua proposta educativa.

O FUNDEB e a Educação Infantil

O Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Edu-cação Básica – FUNDEB –, regulamentado pela Lei 11.494, de 20/06/2007, implantado a partir de pri-meiro de janeiro de 2007, é a mais nova conquista da Educação Infantil pública. Esse fundo, destinado à

valorização do magistério e do profi ssional da educa-ção, representa mais possibilidades de investimento fi nanceiro do poder público na educação de crianças de 0 a 5 anos, uma vez que amplia o atendimento desses recursos para toda a educação básica.

Para entender um pouco mais sobre esse recurso, leia o trecho abaixo, retirado do site ofi cial do MEC, sobre o FUNDEB:

Desde a promulgação da Constituição de 1988, 25% das receitas dos impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios se encontram vinculados à Educação.Com a Emenda Constitucional n.º 14/96, 60% desses recursos da educação passaram a ser subvinculados ao Ensino Fundamental (60% de 25% = 15% dos impostos e transferências), sen-do que parte dessa subvinculação de 15% pas-sava pelo FUNDEF, cuja partilha dos recursos, entre o Governo Estadual e seus Municípios, tinha como base o número de alunos do ensino fundamental atendidos em cada rede de ensino.Com a Emenda Constitucional n.º 53/2006, a subvinculação das receitas dos impostos e trans-ferências dos Estados, Distrito Federal e Muni-cípios passaram para 20% e sua utilização foi ampliada para toda a Educação Básica, por meio do FUNDEB, que promove a distribuição dos recursos com base no n.º de alunos da educação básica, de acordo com dados do último Censo Escolar, sendo computados os alunos matricula-dos nos respectivos âmbitos de atuação prioritá-ria (art. 211 da Constituição Federal). Ou seja, os Municípios receberão os recursos do FUNDEB com base no número de alunos da educação in-fantil e do ensino fundamental e os Estados com base nos alunos do ensino fundamental e médio. Da mesma forma, a aplicação desses recursos, pelos gestores estaduais e municipais, deve ser direcionada levando-se em consideração a responsabilidade constitucional que delimita a atuação dos Estados e Municípios em relação à educação básica (www.mec.gov.br).

Anterior ao FUNDEB, havia o FUNDEF10, que es-tabelecia subsídio do governo para o ensino funda-mental, somente incluindo nesse atendimento a edu-cação fundamental de jovens e adultos, a educação especial e a educação fundamental indígena.

Nesse sentido, a educação infantil não recebia re-cursos do governo federal para sua manutenção, fi -cando a cargo das prefeituras, dentro de suas pos-sibilidades, uma vez que, pela prioridade legal, o atendimento ao ensino fundamental absorve grande parte dos recursos destinados à Educação.

9CNE. Resolução CEB 1/99. Diário Ofi cial da União, Brasília, 13 de abril de 1999. Seção 1, p. 18.10Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF –, foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto n.º 2.264, de junho de 1997, vigorou a partir de janeiro de 1998 até a implantação do atual FUNDEB.

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27A implantação do FUNDEB foi iniciada em primei-

ro de janeiro de 2007, e continua, de forma gradual, até 2009, quando se pretende que o referido fundo atenda todo o universo de alunos e alunas da educa-ção básica pública presencial.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

Aprovadas em 17 de dezembro de 1998, pelo Pare-cer nº 22/98, pelo Conselho Nacional de Educação, da Câmara de Educação Básica, a Resolução CEB 1/99 estabelece as Diretrizes Nacionais para a Edu-cação Infantil.

Conforme colocamos anteriormente, as DCN com-preendem um conjunto de orientações para subsidiar as instituições de educação infantil na elaboração de sua proposta pedagógica. Segundo Leite Filho,

O referido documento do CNE deixa claro que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, além de nortear as propostas curriculares e os projetos pedagógicos, estabe-lecerão paradigmas para a própria concepção destes programas de cuidado e educação, com qualidade (GARCIA & LEITE FILHO (org.), 2001: 42).

As DCN deixam clara, em seu texto, a concepção de criança como sujeito de direitos e alvo preferen-cial de políticas públicas (Ibidem: 42), apresentando pressupostos e doutrinas fundamentados nas teorias progressistas da educação, desenvolvidas a partir de princípios que devem nortear toda a prática educa-tiva, compreendendo essa etapa da vida da criança como primordial no seu desenvolvimento:

As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores:a. Princípios Éticos da Autonomia, da Respon-sabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;b. Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;c. Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI

Embora sem valor legal, como documento ofi cial, o Referencial Curricular Nacional para a Educação In-fantil, elaborado pela Secretaria de Educação Funda-

mental do MEC, chegou às mãos dos educadores no ano de 2001, propondo a democratização da escola infantil, uma vez que seu objetivo é promover a difu-são, neste nível da Educação, de conteúdos mínimos, valores éticos e estéticos, orientações didáticas, para orientar às instituições que atendem crianças de 0 a 5 anos. O documento pouco incorporou das suges-tões e críticas inicialmente solicitadas aos professo-res e pesquisadores consultados para sua elaboração. Consta de três volumes que dão continuidade a polí-tica governamental de traçar parâmetros curriculares nacionais para os diferentes níveis de ensino.

Esse documento apresenta concepções de infância e de educação para crianças pequenas, entendendo as ações de cuidar, educar e brincar como fundantes do trabalho, e que por essas situações deve perpas-sar toda a intencionalidade da educação do adulto e da instituição. Portanto, mais do que situações coti-dianas, são princípios no trabalho com as crianças. A partir desses princípios, o RCNEI apresenta con-dições pelas quais devem primar os currículos nas instituições, para que possam promover experiências signifi cativas e garantir sucesso nas aprendizagens dos pequenos cidadãos:

• A interação com crianças da mesma idade e de idades diferentes em situações diversas como fator de promoção da aprendizagem e do desen-volvimento da capacidade de relacionar-se;• Os conhecimentos prévios de qualquer na-tureza, que as crianças já possuem sobre o as-sunto, já que elas aprendem por meio de uma construção interna ao relacionar suas idéias com as novas informações de que dispõem e com as interações que estabelecem;• A individualidade e a diversidade;• O grau de desafi o que as atividades apresentam e o fato de que devam ser signifi cativas e apre-sentadas de maneira integrada para as crianças e o mais próximo possível das práticas sociais reais;• A resolução do problema como forma de aprendizagem (MEC/SEF, 2001: 30).

Segundo os Referenciais, houve um diagnóstico nas mais diversas propostas pedagógicas e dos cur-rículos de educação infantil nos mais variados es-tados e municípios brasileiros para que se pudesse apontar um paradigma que orientasse o trabalho com crianças em creches e pré-escolas. Nesse sentido, os Referenciais vêm trazendo a concepção de criança como um ser histórico, psicológico e social, orien-tando o construtivismo como um referencial teórico na elaboração de propostas pedagógicas, assim como o universo cultural de todas as crianças passa a ser o ponto de partida para toda a ação educativa.

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28Com relação às orientações estabelecidas nos Re-

ferenciais para a organização dos currículos nas instituições de educação infantil, é sugerido que os componentes curriculares se apresentem através de objetivos e conteúdos que explicitem as intenções educativas e as capacidades que vão “ampliar a possi-bilidade de concretização das intenções”.

Embora as crianças desenvolvam suas capacida-des de maneira heterogênea, a educação tem por função criar condições para o desenvolvimento integral de todas as crianças, considerando tam-bém, as possibilidades de aprendizagem que apresentam nas diferentes faixas etárias. Para que isso ocorra, faz-se necessário uma atuação que propicie o desenvolvimento de capacidades envolvendo aquelas de ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social (Ibidem: 47).

Com relação aos conteúdos, são considerados nos Referenciais como a “matéria-prima” do conheci-mento e, portanto, o meio pelo qual os propósitos de cada instituição vão se materializar. Os conteúdos, por sua vez, vão contemplar fatos, conceitos e princí-pios que emergem da vida social e cultural, possibili-tando às crianças uma ampliação das suas “hipóteses acerca do mundo ao qual pertencem e constituindo-se em um instrumento para a compreensão da realidade” (Ibidem: 49).

A questão do tratamento a ser dado aos conteúdos curriculares também é um fator que os Referenciais consideram importante. O trabalho com os conteúdos curriculares deve possibilitar o desenvolvimento de capacidades de natureza atitudinal, procedimental e conceitual, ou seja, a constituição de valores e atitu-des que promovam o “aprender a ser”; a construção de conceitos e conhecimentos que possibilitem “ope-rar com símbolos, idéias, imagens e representações”, signifi cando, com isso, o “aprender a aprender”; e a aprendizagem de procedimentos que permitam às crianças a busca por estratégias para que resolvam com autonomia as situações desafi adoras que se apre-sentam em seus caminhos.

No currículo, de acordo com os Referenciais, os conteúdos devem estar organizados de forma integra-da e selecionados a partir da realidade social e cul-tural da comunidade institucional. A ação educativa, por sua vez, fará a articulação entre o saber escolar, o

saber da criança e a realidade sociocultural.

Para que esta forma de organização seja possível nas mais diversas realidades existentes no Brasil, os Re-ferenciais orientam, como metodologia de trabalho, que o tempo institucional nas creches e pré-escolas seja planejado a partir de:

• Atividades permanentes que vão compreender toda a rotina do cuidar e educar, que devem acon-tecer freqüentemente, pois, com relação às crianças pequenas, a constância é um fator essencial na sua aprendizagem. Como exemplo dessas atividades, os Referenciais consideram: as brincadeiras, a “roda de histórias”, a “roda de conversas”, a alimentação, a hi-giene, entre outras;

• Seqüência de atividades que vão contemplar as atividades que objetivam o desenvolvimento de con-ceitos, que, de acordo com os Referenciais, “vão ofe-recer desafi os com graus diferentes de complexidade para que as crianças possam ir paulatinamente resol-vendo problemas a partir de diferentes proposições” (Ibidem: 56);

• Projetos de trabalho: os Referenciais concebem os projetos como um conjunto de atividades que tra-balham com conhecimentos específi cos construídos a partir de um dos eixos de trabalho que se organi-zam ao redor de um problema para se resolver uma questão que seja do interesse do grupo de crianças (Ibidem: 56). Segundo o documento, os projetos de trabalho compreendem a orientação metodológica fundamental na signifi cação do saber institucional com relação ao trabalho pedagógico com crianças pe-quenas, uma vez que estes vão possibilitar o contato com as práticas sociais reais.

A partir dessas premissas, os Referenciais apontam uma série de questões que vão nortear o trabalho nas creches e pré-escolas, considerando um conjunto de situações que precisam estar em consonância com a proposta pedagógica para que esta se concretize em favor da valorização da criança e da infância: condi-ções internas e externas das instituições; a formação em serviço do profi ssional que vai atuar diretamente com as crianças; a relação com as famílias e a comu-nidade institucional; os recursos materiais; a organi-zação do tempo e do espaço; a acolhida permanente das crianças, principalmente os bebês e a educação inclusiva.

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292.32.3 – A Educação Infantil Pós LDB

A década de 90 marca avanços consideráveis na edu-cação das crianças pequenas. Cresce a demanda pelo atendimento das crianças de 0 a 5 anos em institui-ções, o que implica em uma mudança de paradigmas para melhor atendê-las. A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – LDBEN 9394/96, estabe-lece a educação infantil como um direito da criança, o que contribui para que educadores repensem sua ação educativa, compreendendo que toda criança tem di-reito ao espaço e à educação nesse espaço. Portanto, os olhares são voltados para a educação de crianças pequenas e novas literaturas vão surgindo, visando redimensionar esse atendimento.

Outras formas de se pensar o desenvolvimento in-fantil também impulsionam uma mudança de para-digmas nas intenções educativas. As creches e pré-es-colas passam a ser consideradas espaços pedagógicos e incorporam a Educação Básica como um nível de considerável importância para a trajetória educacio-nal das crianças. Nesse sentido, surge a preocupação com a proposta curricular, com o espaço e o tempo institucional, com a construção de conhecimentos pela criança e com o papel do profi ssional, que deixa de ser um cuidador para transformar-se em educador.

Atender crianças em instituições, pós LDB, signi-fi ca educá-las, e não assisti-las na ausência de suas famílias. Hoje sabemos que as crianças, desde peque-nas, têm capacidades para interagir com o ambiente, em todas as suas dimensões, e construir conhecimen-tos que lhe favoreçam ampliar, cada vez mais, suas possibilidades de interação. Portanto, a instituição não pode ser considerada um casulo de crianças, onde cuidado e proteção sejam a tônica do trabalho. A proposta pedagógica precisa contemplar o desen-volvimento integral da criança, até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelec-tual e social (LDB, art. 29, 1996), articulando suas ações às demais atividades que a criança realiza fora da instituição. A LDB vê a instituição de educação infantil como um complemento à vida das crianças e não como um local para prepará-las para essa vida, e isso muda, consideravelmente, o papel do educador.

Se a instituição é um complemento para a vida das crianças, precisa conhecer como vivem e quais as suas necessidades para que possa contribuir na qualidade de sua vida. Daí a necessidade de conhe-cer sobre o desenvolvimento infantil e as interações que favorecem esse desenvolvimento. Outra questão bastante pertinente é considerar a educação infantil como parte fundante da Educação Básica. Isso colo-ca a criança, desde pequena, como um cidadão em formação, cuja trajetória na escola passa por diversos momentos, cada um com a sua singularidade, inten-ções e organizações próprias, porém sem hierarquia

de importância entre eles.

O surgimento de políticas públicas voltadas para a valorização da infância, sobretudo em ambientes educacionais, também contribuiu consideravelmente para os avanços na ação educativa.

Grosso modo, poderíamos defi nir as políticas públicas como o meio pelo qual o Estado parti-cipa da organização e funcionamento de setores da sociedade. Elas traduzem o estabelecimen-to de regras, metas e diretrizes que orientam o planejamento e o desenvolvimento de ações de um determinado setor (ROSSETTI-FERREIRA, 2001: 181).

Após dez anos de homologação da Lei, o FUNDEB, como já colocado anteriormente, tornou-se uma das maiores conquistas desse nível da escolaridade bási-ca desde então. O FUNDEB signifi ca possibilidades para a democratização da educação infantil, através da ampliação da oferta de vagas e da melhoria na qua-lidade do atendimento às crianças nas instituições.

Tais políticas promoveram como resultado um au-mento no número de experiências inovadoras na edu-cação de crianças pequenas (Ibidem: 182), além da participação de setores da sociedade na organização e na fi scalização do funcionamento das instituições, sejam estas públicas ou privadas.

Mesmo assim, ainda não podemos considerar que o atendimento às crianças pequenas em instituições de educação seja satisfatório em termos da demanda. Mesmo que pesquisas realizadas nas grandes metró-poles brasileiras apontem para a redução da mortali-dade na primeira infância e que o acesso à educação infantil, principalmente nas creches, seja um fator a ser considerado na redução dessa estatística, temos um número considerável de crianças desprovidas des-ses atendimento e vivendo situações de risco em sua comunidade. Outra questão é a qualidade desse aten-dimento. Estar na instituição não signifi ca possibili-dades na oferta das experiências. Ainda precisamos avançar com relação à ação educativa nas creches e pré-escolas.

Tornar a instituição de educação infantil mais transparente e participativa pode ser o início de uma nova forma de estabelecer políticas públicas mais desafi adoras e construtivas. É no movimen-to conjunto de todos os envolvidos que a edu-cação de crianças em espaços coletivos poderá avançar ainda mais e cumprir sua função: cuidar, com qualidade, de crianças pequenas, educando-as para o exercício da cidadania e da autonomia (Ibidem: 182).

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30Corsino (2006) aponta em suas pesquisas que um

bom trabalho na educação infantil vem causando um impacto muito positivo na qualidade da infân-cia, principalmente no percurso escolar das crianças ao longo de sua trajetória na Educação Básica. Se-gundo a autora, cuidar e educar crianças pequenas, com qualidade, em instituições vêm representando a

possibilidade para a garantia dos seus direitos consti-tucionais, para a apropriação do universo cultural em que estão inseridas as crianças e suas famílias; vivên-cias signifi cativas em situações coletivas; a inserção no mundo letrado e a constituição da identidade pes-soal e social (CORSINO, 2003).

Atividade Complementar

1) Pesquise na Secretaria Municipal de Educação da sua cidade a legislação municipal que orienta a prática pedagógica da educação infantil e destaque:

a) aspectos metodológicos:b) formas de atendimento: se há creches, se há pré-escolas, horário de atendimento etc.

2) Analise o cartum abaixo, de Tonucci, e faça um comentário a partir dos princípios estabelecidos nas DCN para a educação infantil.

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31UNIDADE III

PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓ-PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓ-GICAS À PRÁTICA PEDAGÓGICA GICAS À PRÁTICA PEDAGÓGICA

3.13.1– Pedagogia da Infância: uma Prática com a Criança – Pedagogia da Infância: uma Prática com a Criança e para a Criançae para a Criança

Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 86, p. 57-74, abril 2004 67Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>

A Pedagogia teve origem na Grécia Antiga, pois os pe-dagogos – paidós (criança) e agogé (condução) – eram os escravos que conduziam as crianças para os locais onde receberiam ensinamentos. Portanto, os pedagogos não eram instrutores e sim condutores das crianças que, além de conduzi-las, eram os responsáveis pela sua for-mação moral e intelectual.

Ao longo da história da educação, a pedagogia foi se constituindo como ciência nos saberes, nos fazeres e nas relações de ensino que permearam o trabalho educativo das instituições.

A pedagogia como construção de saberes pra-xiológicos11 na ação situada recusa os reducio-nismos – o academicismo em que a lógica dos saberes constituiu-se em critério único, o empiri-cismo em que a experiência primária do cotidia-no, não “ampliada”, traduz em referência central (FORMOSINHO, 2002). Diferentemente de outros saberes que se constroem pela defi nição de domínios com fronteiras bem defi nidas, os sa-beres pedagógicos criam-se na ambigüidade de um espaço que conhece fronteiras, mas não as delimita, porque a sua essência está na integra-ção (FORMOSINHO et al (org.), 2007: 14).

A autora nos mostra que a Pedagogia é uma ciência humana, que trata das questões que dizem respeito à

educação de homens e mulheres, portanto a sua hu-manização, refl etidas no contexto histórico e cultural no qual foram pensadas e elaboradas, através da inte-ração entre a lógica racional da ciência e a experiên-cia cultural dos homens.

A Pedagogia buscou em todos os tempos explicar a relação ensino-aprendizagem, focando seu estudo na educação formal e tendo a escola como o lócus dessa relação.

Com relação à educação de crianças pequenas, o que podemos ver, atualmente, é a idéia de uma peda-gogia da infância, focada no protagonismo da crian-ça inserida na ação educativa institucional.

(...) partindo do princípio de que a práxis é o lócus da pedagogia, concluímos que, por isso, é mais complexa do que as crenças, as teorias e as práticas consideradas isoladamente. Uma pedagogia centrada na práxis da participação procura responder à complexidade da sociedade e das comunidades, das crianças e de suas famí-lias, com um processo interativo de diálogo e confronto entre crenças e saberes, entre saberes e práticas, entre práticas e crenças, entre esses pólos em interação e os contextos envolventes (Ibidem: 14).

11Como praxiológico a autora vai defi nir a ação que se constrói em articulação com as concepções teóricas e com as crenças e valores (2007: 14).

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323.23.2 - Um Pouco da História das Pedagogias: a Criança em Foco

Apesar de as instituições destinadas à educação de crianças de 0 a 5 anos terem seu início no fi nal do século XVIII, o século XVII pode ser considerado como um marco nas idéias sobre educação voltada para crianças, a partir do educador tcheco João Amós Comênio (1592 – 1657), que escreveu a Didática Magna (1657), obra de extrema relevância para o sur-gimento e consolidação de uma pedagogia que con-templasse o papel da escola como instituição social destinada à educação de crianças e jovens.

Por isso, Comênio é considerado, na história da edu-cação, o grande educador e pedagogo moderno. Suas idéias foram responsáveis por signifi cativas reformas na estrutura da sociedade, uma vez que foi o primeiro a criar uma estrutura de ensino escolar, sistemática, entendendo que a educação era um direito de todos. Comênio defendia a idéia que todos deveriam apren-der tudo, o conhecimento das ciências, as idéias da moral e dos bons costumes e os saberes que pode-riam garantir uma vida social harmônica. A idéia de uma educação permanente também foi postulada por Comênio em seus nove princípios fundamentais para que toda escola pudesse atingir seus objetivos educa-cionais com sucesso.

Segundo Comênio, a organização do sistema educacional deveria compreender 24 anos, cor-respondendo a quatro tipos de escolas: a escola materna, dos 0 aos 6 anos; a escola elementar e vernácula, dos 6 aos 12 anos; a escola latina ou o ginásio, dos 12 aos 18; e a academia ou universi-dade, dos 18 aos 24 anos. Em cada família devia existir uma escola materna; em cada município ou aldeia, uma escola primária; em cada cidade, um ginásio, e em cada capital, uma universidade (GADOTTI 2005: 79).

Podemos entender que Comênio enfatizava a impor-tância de uma educação sistemática, com princípios defi nidos. Para a faixa etária de 0 aos 6 anos, conside-rava que esse papel deveria ser destinado às famílias e não à escola, assim, o nível inicial de ensino era o “colo da mãe”. Comênio afi rmava, no seu plano de escola maternal, proposto no seu livro A escola da Infância, que o cultivo dos sentidos e da imaginação devia preceder o desenvolvimento do lado racional da criança. Para ele, a exploração do mundo no brincar era uma forma de educação pelos sentidos. Materiais pedagógicos (quadros, modelos etc.) e atividades di-ferentes (passeios etc.) realizadas com crianças, de acordo com suas idades, contribuiriam para o desen-volvimento de aprendizagens.

A idéia de Comênio era promover um ensino efi -ciente no sentido da instrução, instituindo um “mé-todo pedagógico para ensinar com rapidez, econo-mia de tempo e sem fadiga” (Ibidem: 78), mas, para isso, deveria haver um período da infância em que as crianças estariam recebendo, de seus pais, uma educação que os tornasse aptos a aprender o conhe-cimento a ser transmitido na escola, a partir dos sete anos de idade. Em 1657, Comênio já usava a imagem do “jardim de infância”, através da imagem de uma árvore, referendando o lugar para uma educação de crianças pequenas:

Todos os ramos principais que uma árvore virá a ter, ela fá-los despontar de seu tronco logo nos primeiros anos, de tal maneira que depois ape-nas é necessário que eles cresçam e se desen-volvam. Do mesmo modo, todas as coisas que queremos instruir num homem para a utilidade de toda a vida deverão ser-lhes plantadas logo nesta primeira escola (COMÊNIO in ALMEIDA 2002)12.

O século XVIII, também chamado de século das luzes, representou a busca pelo conhecimento da ciência. O homem debruçou-se na possibilidade de saber cada vez mais e também dominar a natureza. A humanidade vai se tornando tecnológica; surgem, com a Revolução Francesa, grandes pensadores e in-telectuais, denominados “iluministas”, uma vez que defendiam a racionalidade como forma de conquista da liberdade dos homens e lutavam contra o obscu-rantismo imposto pelos dogmas da igreja.

A escola, nesse contexto, representava um espaço para o aperfeiçoamento do homem. Entendia-se que o acesso ao conhecimento possibilitava a igualdade entre os homens.

Rosseau

JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778), fi ló-sofo e escritor francês, nascido na Suíça, foi um ilu-minista de relevante importância para o pensamento pedagógico, não só desta época como até os nossos dias, principalmente no tocante às crianças pequenas. Rousseau rompeu com a idéia de que as crianças re-presentavam adultos em miniatura, propondo uma educação que respeitasse essa etapa da vida do indi-víduo. Vendo a infância na sua peculiaridade, Rous-seau valorizou o universo infantil, considerando que, se havia uma infância, era primordial que a educação

12Trecho extraído da obra Didática Magna, de Comênio, p.415, publicado no texto Educação Infantil na História: a História da Educação Infantil, de Ordália Alves de Almeida, na ocasião da palestra proferida pela mesma no 14º Congresso Brasileiro de Educação Infantil – OMEP/BR/MS/2002.

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33das crianças pequenas fosse pensada para esta infân-cia, e não para reproduzir adultos, como eram as pro-postas educacionais da época.

A educação não deveria apenas instruir, mas per-mitir que a natureza desabrochasse na criança; não deveria reprimir ou modelar. Baseada na teoria da bondade natural do homem, Rousse-au sustentava que só os instintos e os interesses naturais deveriam direcionar (GADOTTI, 2005: 88).

Rosseau dizia que a infância só poderia ser compre-endida pelos adultos se estes conseguissem apreender a simplicidade da vida. Em seus pressupostos inatis-tas, afi rmou que a natureza humana era pura, porém os males da vida em sociedade é que corrompiam o homem e o desviavam de sua natureza, transforman-do-o em um ser egoísta e cheio de confl itos. Nesse sentido, a educação, para Rosseau, era a grande res-ponsável na valorização de sua natureza e na promo-ção do desenvolvimento harmonioso da sociedade.

Em suas idéias, defendeu uma educação que fosse o

resultado do livre exercício das capacidades infantis e enfatizasse não o que era permitido à criança conhe-cer, mas o que fosse capaz de saber e aprender. Propôs, com isso, uma educação que permitisse a curiosidade e a liberdade da criança, em que a emoção predomi-nasse sobre a razão, e essas idéias criaram condições para que, mais tarde, as brincadeiras infantis ocupas-sem os espaços de educação de crianças pequenas.

As idéias de Rosseau foram percussoras da escola nova, movimento que se iniciou no século XIX e teve seu ápice nos anos iniciais do século XX. Os escola-novistas, como eram chamados os pensadores defen-sores desta fi losofi a, concebiam a criança como um ser ativo, capaz de pensar, de experimentar, de tirar conclusões e participar das atividades educativas de forma mais dinâmica de como era proposto nas esco-las tradicionais da época. Rosseau, com suas teorias sobre o homem, a criança e a educação, infl uenciou os pensadores da época, e de épocas posteriores, a pensar um trabalho escolar que fosse próprio para a promoção da infância.

Nascemos fracos, precisamos de força; nasce-mos desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer é nos dado pela educação. Essa educação nos vem da natureza, ou dos ho-mens ou das coisas. O desenvolvimento inter-no de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens; e o ganho de nossa própria experiência

sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas (ROSSEAU in GADOTTI, 2005: 96).

Rousseau, como pensador inatista, acreditava que o desenvolvimento humano tinha sua origem e essência nas capacidades inatas de cada indivíduo, fornecidas a partir do histórico genético e suas condições bioló-gicas. Nesse entendimento, a preocupação maior da educação, para Rousseau, era que esta cuidasse para que o ambiente social não corrompesse o indivíduo.

Rousseau identifi cava três etapas distintas na edu-cação, de acordo com o desenvolvimento biológico do homem: infância, adolescência e maturidade. Na infância, que duraria até os 12 anos de idade, o ob-jetivo maior da educação seria respeitar a natureza das crianças. Por essa razão, defendia que os métodos educacionais fossem próprios e adaptados às condi-ções das crianças para que a atividade escolar des-pertasse o interesse na instrução. Com isso, abalou os costumes da época ao defender uma educação que não fosse direcionada pelos adultos, mas que pudesse ensinar a criança a viver e a exercer a liberdade. Ca-beria ao professor afastar tudo que impedisse a crian-ça de viver plenamente o “ser criança”.

Apesar de defender a infância livre do condiciona-mento do adulto, segundo Almeida (2002), Rousse-au considerava a criança, até os doze anos, um ser vulnerável e preocupava-se com a sua proteção, até porque os índices de mortalidade infantil na época eram muito elevados em função das condições precá-rias de higiene e assistência às crianças13. Com isso, defendeu a importância da amamentação, feita pela própria mãe, como um momento de extrema assistên-cia à criança.

Suas contribuições foram, então, valiosíssimas para a educação infantil, tanto pré-escolar, quanto para creche; podemos considerar que as marcas do traba-lho e da fi losofi a rosseauriana estão presentes nas ins-tituições de educação infantil até os dias de hoje.

Pestalozzi

Seguidor de Rosseau, JOHANN HEINRICH PES-TALLOZZI (1746-1827) foi um educador suíço, nascido em Zurique, que acreditava que a reforma da sociedade deveria passar pela educação das camadas populares. Sustentava as idéias inatistas, tendo como premissa que o potencial humano “brotava” de den-tro dos sujeitos. Nesse sentido, seu trabalho focava a formação natural do homem, defi nindo a infância como o tempo para a aquisição da base para todos os saberes. Suas idéias para a educação de crianças pequenas foram consideradas de grande importân-cia para a pedagogia atual. Pestalozzi via a educação como essencial no desenvolvimento da criança e pas-

13De acordo com o texto escrito pela prof.ª Ordália Alves Almeida, em sua palestra proferida no 14º Congresso Brasileiro de Educação Infantil – OMEP/BR/MS, 2002.

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34sou a pensá-la em função das necessidades do cres-cimento saudável dos pequenos, daí ser considerado também um precursor da psicologia da educação e de metodologias mais voltadas para a criança pequena. Sua visão de conhecimento é fundamentada na intui-ção humana, sendo esta a base de todo o saber.

Uma educação perfeita é, para mim, simboliza-da por uma árvore plantada perto de águas fer-tilizantes. Uma pequena semente que contém o germe da árvore, sua forma e suas propriedades, é colocada no solo. (...) O homem é como a árvo-re. Na criança recém-nascida estão as faculdades que lhe hão de desdobrar-se durante a vida; (...) (PESTALLOZZI, J. H. in GADOTTI, São Pau-lo: Ática , 2005: 98).

As idéias inspiradas pelo liberalismo do século XVIII (corrente política que se afi rmou na Europa e na América do Norte)14 marcaram, signifi cativamen-te, a ação do estado com relação à educação no sécu-lo XIX. As teorias científi cas promoveram avanços consideráveis nas práticas educativas das escolas. In-fl uenciados pelas idéias revolucionárias, muitos paí-ses europeus, sobretudo Alemanha e Inglaterra, cria-ram seus sistemas nacionais de educação, assim como na América do Norte, provocando um movimento de participação do estado na educação de crianças e jo-vens.

Fröebel

Considerado um pensador de destaque na história das pedagogias, o alemão FRIEDRICH FRÖEBEL(1782 – 1852) foi quem idealizou um escola volta-da especialmente para crianças pequenas, os jardins da infância. Fundamentalmente inatista, suas teorias eram inspiradas pelas idéias de amor à criança e à na-tureza, centradas na atividade infantil como fonte de possibilidades para conhecer o homem, sua alma e cultivar a natureza humana.

Fröebel elaborou uma pedagogia voltada para a in-fância, sendo o pioneiro na criação de espaços edu-cativos pensados e organizados para que as crianças pudessem expressar sua criatividade, sua atividade li-vre, estar com outras crianças, brincar e jogar e, com isso, aprender.

Segundo Formosinho, Kishimoto & Pinazza(2007: 37), Fröebel, já naquela época, trazia aspectos fundamentais para a compreensão do desenvolvimen-to infantil como “o papel do brincar no desenvolvi-mento da linguagem, a educação e o cuidado, as lin-guagens integradas na educação de crianças pequenas e a formação do educador”, que, na visão das autoras, foi extremamente importante na promoção de uma

pedagogia da infância. A fi losofi a e as propostas de Fröebel infl uenciaram não só a Europa, como diver-sas partes do mundo, assim como o Brasil, como já visto nos tópicos anteriores deste instrucional.

“Lina era uma garotinha de mais ou menos 6 anos de idade que gostava de se ocupar independentemente. Ela conseguia realizar muitas coisas com brinquedos simples; conseguia construir muitas coisas bonitas com cubos e blocos; e posicionar muitas coisas com tabletes de formas e cores diferentes, com varetas etc. Ela conseguia fazer muitas coisas bonitas de várias formas, colocando juntas varetas coloridas, tiras de papel e outros materiais; produzia, dessa maneira, muitas coisas com esses pequenos materiais para brincar, os quais lhe eram muito queridos.

Lina era capaz também de facilmente pegar a bola, e tinha por este meio adquirido tal destreza e tal con-trole do corpo – tal uso talentoso de seus membros – que ela não deixava nada cair facilmente, nem de-sajeitadamente. Lina também sabia muitas canções bonitas e sabia cantá-las adequadamente. Ela con-seguia acompanhar muitas de suas brincadeiras com as canções, o que aumentava seu prazer, porque elas a instruíam para o que ela estava fazendo, e então ela não precisava estar sempre perturbando o pai e a mãe perguntando “o que é aquilo?”, “por que é assim?”.

Dessa forma, Lina estava sempre alegre e ativa, porque não sentia o tempo pesar, não existia mau hu-mor em sua vida, ao contrário, porque sempre estava contente e animada, ela sempre foi o deleite especial de seus pais, assim como um exemplo para outras crianças, as quais gostariam de ser o mesmo para os seus pais, e também gostam de brincar e são felizes de forma viva, ordenada e ativa.

(FRÖEBEL, 1917: 286 in ARCE, 2002: 110) Lendo a descrição da menina Lina, percebemos que

Fröebel acreditava que as crianças possuíam uma força interna capaz de motivar todo o seu processo de desenvolvimento, que se dá de forma gradual e contínua. As “forças internas” que motivam o desen-volvimento humano, por sua vez, já nascem prontas, mas a convivência das crianças em ambientes educa-tivos estimulantes, onde fossem desafi adas ao auto-conhecimento, a experiências diversas, a participar ativamente de todas as atividades oferecidas, além de serem assistidas em suas necessidades básicas; re-presentaria a possibilidade para desabrocharem suas potencialidades e capacidades natas.

Fröebel acreditava que homem, Deus e natureza for-mavam um conjunto único e interligado, e, a partir dessa crença, criou o princípio da conexão interna, que expressou como uma lei para explicar o sentido da vida:

14Os ideais liberais combatiam o absolutismo do Estado, defendendo a propriedade do capital e a iniciativa privada. Os defensores dessas idéias lutavam por uma organização social igualitária com maior participação da sociedade nas decisões da vida pública.

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35A unidade entre homem, natureza e Deus expres-sa pela lei da conexão interna aplica-se a todas as instâncias da vida. Reúne o mundo orgânico e inorgânico; está presente no processo de desen-volvimento do indivíduo (a interligação entre as fases evolutivas); unifi ca as dimensões física, in-telectual e espiritual e liga o homem à família e à humanidade. Na confl uência entre os elementos da natureza e a existência humana encontra-se a divindade (FORMOSINO et al, 2007: 43).

A partir desta lei, Fröebel buscou explicar sobre as

coisas que nos fazem humanos por natureza, assim como aquilo que nos diferencia uns dos outros. Afi r-mava que na relação com a natureza, e com os outros seres de outras espécies, era possível perceber quem somos, a nossa unidade e a nossa essência humana. Portanto, conectando-se ao mundo das coisas, era possível conhecê-las e fazer um autoconhecimento.

Fröebel estabelecia uma relação de causa e efeito entre infância e vida adulta. Para ele, compreender e valorizar a infância signifi cava a solução para mui-tos males da vida adulta. Também procurava explicar marcos presentes no desenvolvimento dos humanos na própria história da evolução da humanidade.

(...) todas as manifestações adultas mantêm es-treito vínculo com os acontecimentos desde a mais tenra infância. A trajetória do desenvolvi-mento humano revela a história do desenvolvi-mento da raça e recapitula a história da criação e do desenvolvimento de todas as coisas (Ibidem: 42).

Sua contribuição para a educação infantil foi, sem dúvida, essencial. Uma série de princípios relevantes no trabalho com crianças pequenas foi postulada por Fröebel, daí porque é considerado um dos mais im-portantes pedagogos da infância: a cooperação entre crianças; a valorização da atividade livre e da ludi-cidade como promotoras de práticas educativas com crianças pequenas e inserção de vivências sociais no trabalho escolar (Ibidem: 46). O jogo, inclusive, era considerado fundamental no processo de desen-volvimento infantil, por considerar que a criança era naturalmente lúdica. Além disso, seus métodos edu-cacionais eram voltados para a expressão corporal, o brinquedo, a brincadeira, o canto e a linguagem, foca-dos, primordialmente, na auto-atividade, sendo esta a base de toda a instrução.

No fi nal do século XIX e início do século XX, per-cebia-se que a educação na infância representava uma possibilidade para a consolidação da sociedade moderna. Com relação à educação de crianças de 0 a 6 anos, as instituições educacionais confi guravam-se em creches ou escolas maternais, para os bebês de até

3 anos, e jardins de infância, que passaram, a partir de Fröebel, a ser assim denominadas as escolas para crianças de 4 a 6 anos.

Nesse contexto, já havia um sistema educacional que correspondia ao atendimento de crianças desde bebês até o ensino profi ssional, embora não houves-se oportunidades iguais para todos, assim como uma diferenciação no atendimento conforme a situação social da criança.

http://clubedamafalda.blogspot.com/2006_01_01_archive.html.

Desde Rosseau que, como já vimos, foi um precur-sor do movimento da escola nova, já se percebia uma crítica com relação à educação tradicional, focada única e exclusivamente no adestramento de crianças, principalmente vinculada a valores morais e doutri-nas religiosas, defendendo que a atividade da criança deveria ter um espaço privilegiado na sua educação. Os seguidores da nova escola defendiam a educa-ção ativa, centrando sua ação na metodologia como possibilidade de promoção de uma escola lúdica que permitisse maior participação dos alunos no processo educacional.

A Escola nova representa o mais vigoroso mo-vimento de renovação da educação depois da criação da escola pública burguesa. A idéia de fundamentar o ato pedagógico na ação, na ati-vidade da criança já vinha se formando desde a pedagogia romântica e naturalista de Rosseau. (...) A teoria e a prática escolanovistas se dis-seminaram em muitas partes do mundo, fruto certamente de uma renovação geral que valori-zava a autoformação e a atividade espontânea da criança. A teoria da Escola Nova propunha que a educação fosse instigadora da mudança social e,

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36ao mesmo tempo, pudesse possibilitar a adapta-ção do indivíduo às permanentes mudanças pelas quais vinha passando a sociedade (adaptado de GADOTTI, 2005: 142).

Decroly

Nesse contexto, podemos destacar o médico belga OVIDE DECROLY (1871- 19632), que iniciou seu trabalho na educação especial, propondo uma peda-gogia voltada para o interesse e as necessidades das crianças. Fundamentada na psicologia, sua proposta privilegiava as atividades individuais e coletivas das crianças, organizadas a partir de centros de interesse. Desta forma, Decroly pretendia substituir os textos dos livros da pedagogia tradicional por um conjunto de saberes, inerentes aos interesses, necessidades e curiosidades da criança, essenciais no seu desenvol-vimento.

Para Decroly, era importante um autoconhecimento para que, a partir daí, se pudesse conhecer o mun-do ao seu redor. Assim sendo, os centros de interesse reuniriam assuntos e conhecimentos relacionados à criança, à família, à natureza e ao universo, de forma integrada, a partir de um trabalho em que a criança oportunizasse a observação, a associação e a expres-são.

Os centros de interesse de Decroly provocaram o surgimento de uma nova dinâmica no trabalho com a educação infantil, uma vez que exigia da escola uma organização curricular que pudesse contemplar a me-todologia proposta. O conhecimento era articulado a partir da organização composta pelo assunto a ser de-senvolvido. As estratégias para as crianças eram pen-sadas para favorecer sua atividade e aproximar suas experiências escolares ao seu universo social.

A educação, segundo ele, não se restringia à prepa-ração para a vida adulta, como pressupunha a escola tradicional. Para o pensador, a criança devia viver in-tensamente a sua idade e ser desafi ada à vida no seu tempo e na medida certa de suas potencialidades. O método de trabalho de Decroly era fundamentado no que ele próprio considerava como questões de nature-za da infância, uma etapa da vida das crianças: desco-brir, brincar, expressar-se livremente e ser ajudada e cuidada pelos adultos. Desta forma, era possível que o desenvolvimento seguisse seu percurso natural.

O método dos centros de interesse de Decroly foi um grande avanço e trouxe ao trabalho com as crian-ças pequenas, principalmente dos 4 aos 6 anos, o caráter global e integrador do conhecimento na pro-posta educativa, pois era assim que Decroly percebia a atividade da criança e a forma como as coisas do mundo lhe pareciam.

Montessori

MARIA MONTESSORI (1870 – 1952), médica e pedagoga italiana, foi a representante feminina nas propostas inovadoras de educação para crianças pe-quenas neste século XX. Com relação às concepções de ensino e aprendizagem, suas idéias foram consi-deradas extremamente importantes. Em 1907, fun-dou em Roma, a primeira Casa dei Bambini (casa de crianças), que era um abrigo para crianças carentes, fi lhas de desempregados. Cabe ressaltar que Mon-tessori construiu sua experiência trabalhando com crianças defi cientes e aplicou seus métodos nas crian-ças normais que freqüentavam as Casas dei Bambini (FORMOSINHO et al, 2007: 117).

Foi pioneira na proposta de jogos e materiais como apoio ao ensino de conteúdos escolares, defendendo a idéia de que quanto mais ativa for a criança nas si-tuações de ensino, mais efi cientes serão as aprendi-zagens. Além disso, postulava que crianças pequenas necessitavam do apoio de materiais concretos para resolver situações lógicas. A sala de aula proposta por Montessori constituía um ambiente organizado com materiais pedagógicos diversos para facilitar a apren-dizagem das crianças.

A pequena infância ( dos 0 aos 6 anos ) – pe-ríodo do espírito absorvente – é um período de transformação em que se constrói o indivíduo, o ser social, em que o adulto não pode agir di-retamente e a criança precisa de uma liberdade que permita ter iniciativas, sem que aquele in-tervenha. A mente absorvente é aquela que “tudo percebe, que não julga, não repele, não reage. Absorve tudo e tudo encarna no homem. (...) A criança cria a própria ‘cerne mental’, usando as coisas que estão no ambiente” (Ibidem: 118).

Para a educação infantil, suas contribuições foram de extrema importância, uma vez que os materiais concretos propostos por Montessori favoreciam a ma-nipulação, a observação, a análise das formas, cores, sons, espaços, tempo e construção de noções funda-mentais para aquisição de conceitos mais complexos. Montessori acreditava que o trabalho com os materiais estimulava a criança a desenvolver um impulso interior que se manifesta no trabalho espontâneo do intelecto (MONTESSORI in GADOTTI, 2005: 151).

Se abolíssemos não só o nome, mas também o conceito comum de método para substituí-lo por uma outra indicação, se falássemos de “uma aju-da a fi m de que a personalidade humana pudesse conquistar sua independência, de um meio para libertá-la das opressões, dos preconceitos anti-gos sobre educação”, então, tudo se tornaria cla-

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37ro. É a personalidade humana e não um método de educação que vamos considerar, é a defesa da criança, o reconhecimento científi co de sua natu-reza, a proclamação social de seus direitos que devem substituir os falhos modos de conceber a educação (Ibidem: 152).

Em sua pedagogia, Montessori identifi cou três gran-des etapas na vida humana que vão separar o mundo infantil do mundo adulto: a pequena infância (0 a 6 anos), a grande infância (6 a 12 anos) e a adolescência (12 a 18 anos).

A pequena infância, Montessori dividiu em duas etapas: a do espírito absorvente inconsciente (0 a 3 anos) e a do espírito absorvente consciente (dos 3 aos 6 anos). Montessori pretendeu, com essa divisão, des-tacar a diferença de comportamento das crianças com relação ao surgimento da linguagem e da marcha, que possibilitam manifestações da inteligência mais elabo-radas, mais conscientes, como a própria coloca. Com isso, até a conquista da fala e da marcha, as crianças vão formando seu intelecto através das descobertas que fazem na ânsia de conhecer as coisas do mundo. Montessori comparava a inteligência humana a uma esponja absorvente. As coisas do mundo são absorvi-das pela mente da criança e vão sendo acumuladas, constituindo a vida consciente das crianças, ou seja, na medida em que absorvem novas informações, aquelas guardadas no inconsciente vão ganhando signifi cado para a crianças – quanto mais se aprende, mais se sabe sobre as coisas (FORMOSINHO et al, 2007: 119).

A grande infância, para Montessori, marcaria o período para o crescimento uniforme da inteligência da criança. Nessa etapa da vida infantil, a inteligência não modifi ca no sentido psicológico, o que marca sua atividade é a socialização. As crianças nessa fase são mais sociáveis, pois ampliam suas relações e gostam de estar em grupos. Os conhecimentos relativos à vida social são aqueles que vão ser absorvidos pela vida consciente, ampliar sua capacidade de raciocínio e desenvolver sua moral (Ibidem: 119).

A adolescência é outra etapa da vida humana que Montessori dividiu em duas fases: a puberdade (dos 12 aos 15 anos) e a adolescência propriamente dita (dos 15 aos 18 anos). Nesses dois períodos etários15, as transformações ocorridas no corpo e na relação so-cial são os divisores de águas entre ser criança e ser adulto.

A pensadora estabeleceu três questões essenciais para que a educação das crianças possibilitasse o seu desenvolvimento harmônico e satisfatório: ambiente adequado, mestre humilde e material científi co. Se-gundo Montessori, o papel do adulto, além de propor-

cionar a ambiência favorável (estimulante, rica em materiais exploratórios, rica de conhecimentos sobre o mundo que cerca as crianças, repleta de experiên-cias instigantes), era permitir que as crianças fi zessem suas observações, suas hipóteses livremente, com o mínimo de intervenção possível. A partir dessa mani-pulação do ambiente pela criança, o adulto iria saciar sua curiosidade, fornecendo-lhes o conhecimento da ciência, no sentido de explicar “o porquê” das coisas. Um ambiente favorável, na visão de Montessori, de-veria conter materiais que provocassem a estimula-ção sensorial e a auto-educação (Ibidem: 124).

O desenvolvimento da personalidade (ou seja, o que se chama liberdade da criança) não pode ser outra coisa além de independência progressiva do adulto, realizada por intermédio de uma am-biente adequado, em que a criança encontre os meios necessários ao desenvolvimento das suas funções (MONTESSORI (1936) in FORMOSI-NHO et al, 2007: 129).

Uma ação pedagógica sobre as crianças peque-nas, para ser efi caz, deverá ser, em primeiro lu-gar, dirigida para este fi m: ajudá-las a avançar na vida da independência. Ajudá-las a aprender a andar sem ajuda, a correr, a subir e a descer as escadas, a apanha os objetos tombados, a vestir-se e a despir-se, a lavar-se, a falar para exprimir claramente as suas próprias necessidades, a fazer ensaios para chegar a satisfazer os seus desejos, eis aí a educação da independência (Ibidem).

Freinet

CELESTIN FREINET, educador francês, trouxe contribuições singulares para a prática educativa com crianças e, por essa razão, é considerado um educador da atualidade. Defendeu, em toda a sua trajetória, a educação pública primária, e, com isso, deixou um legado para a ação pedagógica com crianças peque-nas.

Com relação às suas idéias, Freinet foi considerado um educador progressista, pois propunha revolucio-nar os métodos escolares. Entendia o trabalho como forma humana de produção e cooperação. Portanto, o trabalho era uma vertente essencial nas relações sociais, em todas as instâncias de ação dos sujei-tos. Nesse sentido, centrava sua prática pedagógica na concepção de educação para o trabalho, tendo o trabalho manual como foco da atividade escolar da criança. Além disso, valorizava o estudo, a pesquisa, a observação a partir da ação direta da criança no seu meio social.

Chamo exclusivamente de trabalho – afi rmava ele – a essa atividade que se sente tão intima-

15Podemos perceber que a faixa etária é um marco considerável para caracterizar e distinguir as etapas do desenvolvimento na visão de Montessori.

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38mente ligada ao ser que se transforma em uma espécie de função, cujo exercício tem por si mes-mo sua própria satisfação, inclusive se requer fadiga e sofrimento. A necessidade do trabalho seria necessidade orgânica de utilizar o potencial de vida, uma atividade ao mesmo tempo social e individual (GADOTTI, 2005: 177).

A proposta de Freinet objetivava a centralização da criança na atividade escolar, criando um contexto sig-nifi cativo que possibilitasse às crianças sentirem-se sujeitos de sua própria trajetória. Com isso, elaborou uma série de técnicas didáticas, de forma que a ação educativa aproximasse o cotidiano escolar da realida-de vivida pelo grupo de educandos. O estudo do meio, a imprensa escolar, o “livro da vida”, o texto livre, a correspondência interescolar e a biblioteca de tra-balho são atividades que Freinet considerava como detonadoras de um trabalho que proporcionasse a co-letividade e a autonomia entre os escolares.

Outra grande questão na pedagogia Freinet é a não-diretividade do adulto com relação à atividade da criança. Desenvolveu uma série de escritos defenden-do a organização coletiva de regras, a co-participação adulto/criança na construção do planejamento da ação escolar e da divisão de responsabilidades e tarefas no processo educativo, como forma de construir autono-mia sem que fosse preciso disciplinar crianças.

O professor teria que ser formado para dedicar-se menos ao ensino e mais a deixar viver, a or-ganizar o trabalho, a não obstaculizar o impulso vital da criança. Trata-se de um papel essencial-mente antiautoritário dar à criança consciência de sua força e convertê-la em autora de seu próprio futuro em meio à grande ação coletiva (Ibidem: 178).

Freinet acreditava que as relações de trabalho na sociedade deveriam perpassar pela cooperação e responsabilidade, criticando, dessa forma, o sistema capitalista, que direcionava as dinâmicas sociais na época. Em tese, postulava que o trabalho na educação primária deveria desenvolver, desde cedo, relações sociais mais conscientes, respeitosas e responsáveis.

(...) Essa é a grande função social da educação, da qual depende a inteligência geral e o progres-so da felicidade social. Mas, como o controle e a direção social são políticos, a educação só servi-rá como base de um progresso social se for polí-tica. (...) Ele lutou pelo esclarecimento racional das pessoas, propondo que a escola trabalhasse o interesse do educando, preparando-o diretamen-te para as atividades válidas do ponto de vista social (FORMOSINHO et al, 2007: 149).

O legado que Freinet deixou para a educação propõe uma nova organização escolar, através de um modelo de gestão do tempo e do espaço a partir da partici-pação, da cooperação e da coletividade. Sanches & Elias, colocaram, em seus estudos sobre a pedagogia de Freinet, que suas idéias sofreram grande infl uên-cia do pensamento anarquista alemão e do marxismo. Seu modelo de gerenciamento do cotidiano escolar pressupunha a quebra de uma série de paradigmas e de rituais, possibilitando uma escola mais participati-va. Tudo que tornasse a rotina escolar rígida deveria ser abolido de sua prática: o programa, a seriação, a fragmentação em disciplinas, a organização rígida de horários, entre outras questões (SANCHES & ELIAS in FORMOSINHO et al, 2007: 161).

A Pedagogia do Bom Senso, como fi cou conhecida a sua metodologia de trabalho, se constituía a partir de métodos naturais, da livre expressão do educando e da pesquisa experimental. Esses três eixos de tra-balho, para Freinet, eram a base para a formação do indivíduo cooperativo, participante e responsável, pi-lares fundamentais de uma sociedade democrática.

Wallon

Assim como Freinet, o francês HENRI WALLON foi considerado um pensador dos ideais antiautoritá-rios. Wallon estabeleceu, em suas pesquisas, que o meio social tem enorme relevância no desenvolvi-mento da criança, entendendo que, fora desse meio “é impossível o seu desenvolvimento normal”.

Wallon foi um teórico de contribuições essenciais para o trabalho com a educação infantil, por dar ên-fase ao desenvolvimento das crianças pequenas, es-pecialmente na faixa-etária de 0 a 2 anos. Em seus estudos, organizou etapas do desenvolvimento in-fantil marcadas, cada uma delas, por situações espe-cífi cas que, segundo o teórico, são defi nidas como crises evolutivas. Essas etapas, para Wallon, não são lineares e nem uniformes para todas as crianças, uma vez que estão suscetíveis às experiências sociais e a questões inerentes aos grupos culturais em que estão inseridas.

Cada etapa do desenvolvimento é caracterizada por uma atividade preponderante, ou confl ito específi co que a criança deve resolver. Estas ati-vidades preponderantes são alternantes. As alter-nâncias funcionais suscitam sempre um novo es-tado que se converte em ponto de partida de um novo ciclo. Isto implica que o desenvolvimento da criança é intercalado por crises e confl itos (GADOTTI. 2005: 178).

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39Podemos concluir, com isso, que a todo momento

as experiências infantis mediadas pelo mundo e pelo outro vão possibilitar reestruturações no desenvol-vimento da criança, proporcionando atividades cada vez mais complexas e conscientes, sendo responsá-veis pelo ritmo do seu desenvolvimento. Já os fatores biológicos, por sua vez, vão possibilitar seqüência e regularidade entre as etapas.

Toda atividade da criança se organiza em campos funcionais defi nidos, na teoria de Wallon, pela mo-tricidade, cognição e afetividade. Em cada momento da vida da criança, suas atividades estarão centradas em um desses campos funcionais, de acordo com os recursos de que dispõe para atuar sobre si e sobre o mundo. Ao caracterizar cada estágio do desenvolvi-mento infantil, Wallon deixa explícita a participação do outro e da cultura como mediadores do processo. Brêtas (2000) descreveu os estágios de desenvolvi-mento infantil postulados por Wallon, defi nindo ca-racterísticas marcantes em cada estágio:

• Estágio impulsivo-emocional: vai do nascimento até os 3 meses de idade; representa as primeiras expe-riências que o bebê viverá na sua condição de sujeito do mundo. Segundo Brêtas (2000: 36-38), “nessa eta-pa, os movimentos estão relacionados às sensações de prazer e desprazer, sendo as primeiras causadas pela satisfação das necessidades fi siológicas, quase sempre responsáveis pelas sensações de desprazer”. Na medida em que está sendo afetado e reage a essas sensações, o bebê vai criando vínculos com o meio e com aqueles que participam mais efetivamente de seus cuidados. Para Wallon, o estabelecimento de vínculos positivos nessa etapa vai ser fundamental para que a criança consiga, com segurança, aventurar-se em novas possibilidades, ampliando sua atividade motora e perceptiva.

• Estágio sensório-motor: o universo ao redor do bebê já começa a despertar seu interesse; o contro-le das mãos também é um elemento favorável nes-se processo, pois começa a segurar o que está ao seu alcance, realizando movimentos circulares, que vão aguçar sua sensibilidade e sua percepção. O balbu-cio também é um fator marcante neste estágio. A ação do outro já pode ser percebida com mais intensidade, pois já sorri ou chora, respondendo a essa ação.

• Estágio projetivo: marcado pela aquisição da marcha e da palavra, que contribuem para que as relações com o mundo sejam mais intensas. Para Wallon, a percepção de um universo exterior ao EU, ainda que de forma insipiente, confere à criança uma condição de intervenção nesse universo. Wallon colo-ca que, a partir dos 3 anos, há uma tentativa da crian-ça em fazer-se presente no espaço e no tempo do ou-tro; com isso, coloca-se com veemência e, na maioria

das vezes, opõe-se a tudo que para ela é estabelecido. Já se refere a si própria utilizando o pronome “eu” e relaciona-se com as coisas como se tivesse posse ab-soluta sobre tudo que vê e deseja ao seu redor.

• Estágio categorial: aproximadamente aos seis anos de idade, marcando a entrada da criança na esco-la. Nesse período, a criança já apresenta níveis mais complexos de uso da inteligência; possibilidades de relacionar-se afetivamente com mais pessoas, intera-gindo em atividades coletivas; um grau mais elevado de autonomia em seus movimentos, sendo capaz de atender às exigências da escola. É possível que, nessa etapa do desenvolvimento, os chamados campos fun-cionais já apresentem uma estrutura mais organizada, permitindo que a criança se aproprie dos conheci-mentos sistematizados, trabalhados na escola.

Piaget

JEAN PIAGET, biólogo, psicólogo e fi lósofo su-íço, deu continuidade ao trabalho desenvolvido pelo psicólogo e pedagogo suíço Eduard Claparède, am-pliando sua pesquisa para investigar a natureza do desenvolvimento da inteligência humana a partir das atitudes e atividades infantis.

Foi um teórico que revolucionou os métodos educa-cionais, propondo uma pedagogia experimental que pudesse promover possibilidades para que crianças, em plena atividade, pudessem reorganizar suas estru-turas cognitivas, ganhando cada vez mais autonomia para atuar no plano real.

Sua teoria fi cou sendo conhecida como construtivis-mo, uma vez que, para ele, o ato de conhecer signifi -cava organizar, estruturar e explicar suas percepções do real a partir da própria experiência, e não somente reproduzir ações ensinadas. Propôs, no entanto, uma epistemologia genética do conhecimento humano, estudando a gênese do conhecimento, desde as suas formas mais elementares até as mais complexas situ-ações de organização cognitiva.

De fato, a obra de Piaget revela-se fortemente inovadora no seu tempo, ultrapassando algumas das tendências de sua época, nomeadamente algumas visões sobre a natureza do desenvol-vimento humano. Ao contrário da corrente maturacionista, que defende a determinação genética das mudanças desenvolvimentais e da sua seqüência, Piaget defende que o processo de desenvolvimento humano depende não só da maturação biológica do sujeito, mas também da interação que se estabelece entre este e o meio fí-sico e social em que vive. O sujeito tem necessa-riamente um papel ativo, quer na exploração do que o rodeia, quer na construção de signifi cados

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40sobre a sua experiência, uma construção que re-sulta em formas progressivamente mais comple-xas de pensar a realidade física e social (Piaget, 1973). Essas idéias constituem a essência de sua visão construtivista acerca do desenvolvimento (LOURENÇO, 1994, 1997; FLAVELL, 1991 in FORMOSINHO et al 2007: 197).

Piaget estabeleceu estágios no desenvolvimento in-fantil, colocando, para o educador, o papel de facilita-dor desse processo, uma vez que a este cabe conhecer e respeitar as leis do funcionamento da inteligência, em cada um dos seus estágios, promovendo, com a sua ação, situações desafi adoras que favorecessem o avanço da criança e a conquista de estágios mais ela-borados de uso da inteligência cognitiva.

(...) Mas é evidente que o educador continua in-dispensável, a título de animador, para criar situ-ações e armar os dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas úteis à criança e organizar em seguida contra-exemplos que levem à refl exão e obriguem ao controle das soluções demasiado apressadas: o que se deseja é que o professor dei-xe de ser apenas um conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de soluções já prontas. Quan-do se pensa no número de séculos que foram ne-cessários para que se chegasse à matemática de-nominada “moderna” e à física contemporânea, mesmo a macroscópica, seria absurdo imaginar que, sem uma orientação voltada para a toma-da de consciência das questões centrais, possa a criança chegar apenas por si elaborá-las com clareza. No sentido inverso, entretanto, ainda é preciso que o mestre-animador não se limite ao conhecimento de sua ciência, mas esteja muito bem informado a respeito das peculiaridades do desenvolvimento psicológico da inteligên-cia da criança e do adolescente (PIAGET in GADOTTI, 2005: 156-157).

Embora tenha estabelecido etapas no desenvolvi-mento da inteligência, estas não se apresentam de forma linear, uma vez que as estruturas cognitivas, num dado nível de sua construção, vão sendo inte-gradas a outras estruturas de níveis mais complexos. Por exemplo, o ato de ajuntamento de quantidades presente nos bebês que empilham objetos também pode ser percebido em crianças mais velhas como es-tratégia para operar com a classifi cação dos mesmos (PIAGET, 1973).

O primeiro estágio Piaget denominou de sensório-motor, corresponde aos dois primeiros anos de vida da criança. A inteligência infantil, nesse estágio, se caracteriza pela atividade exploratória da criança, a partir de seus movimentos e das sensações que o meio

lhe provoca. Portanto, é uma forma elementar de uso da inteligência.

O segundo estágio, denominado por ele de pré-operatório, é marcado pelo surgimento da fala, pois esta possibilita à criança expressar-se de forma mais complexa e elaborada. Através das palavras, outras formas de representação do mundo real vão surgindo para a criança, constituindo estruturas de uso da inte-ligência que lhe permitem manipular situações con-cretas e explicá-las com suas próprias possibilidades. As situações reais representam, nessa etapa, a ajuda na compreensão de situações simbólicas e abstratas.

A partir dos sete anos, quando a criança inicia na escola suas experiências formais de acesso ao saber socialmente organizado, sua atividade inteligente já começa a lhe permitir operações lógicas, ainda que apoiadas em situações concretas. Nessa etapa, Piaget classifi ca a inteligência infantil de operatório-concre-ta, que vai se prolongar até, mais ou menos, os doze anos de idade, quando inicia-se a fase da adolescên-cia. Na adolescência até a fase adulta, o sujeito vai ampliando sua capacidade de uso da inteligência re-fl exiva, já sendo possível realizar operações lógicas, o que a defi ne como formal.

Piaget foi constatar, experimentalmente, de que maneira as crianças se apropriavam de novos conhe-cimentos. Observava, em seus experimentos com crianças pequenas, situações de ensaio e erro como estratégia para resolução das situações-problemas que eram propostas.

Na educação infantil, suas contribuições foram primordiais, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento da autonomia, da moral, da cons-trução das noções de espaço, tempo e das operações lógicas.

Vygotsky

LEV SEMENOVICH VYGOTSKY, professor e pesquisador russo, desenvolveu sua teoria fundamen-tado numa nova abordagem da psicologia contempo-rânea, a sócio-histórica. Preocupou-se com a infância, na qual focou seus estudos no sentido de compreen-der o comportamento humano, buscando superar as tradicionais teorias positivistas, estudando o homem e o seu mundo psíquico numa dimensão histórica e social da humanidade.

Vygotsky postulou a existência de funções mentais superiores, que se constituem nas e pelas experiên-cias socioculturais dos sujeitos. Portanto, segundo o teórico, não podiam ser consideradas somente na sua dimensão biológica, ou seja, o desenvolvimento

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41humano não está condicionado à maturação orgâni-ca de suas estruturas mentais, e sim a um processo constante que se dá por meio da imersão cultural nas práticas da sociedade, pela aquisição dos símbolos e instrumentos tecnológicos da sociedade e pela edu-cação em todas as suas formas16.

A linguagem e o pensamento humano têm sua ori-gem na vida social dos sujeitos, sendo essa dimensão sócio-histórica e cultural que vai sustentar a forma como Vygotsky postula a relação desenvolvimento e aprendizagem, que para o teórico são processos inter-dependentes e interativos, em que a aprendizagem vai se efetivar em contextos sociais específi cos.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal é um dos mais relevantes das contribuições deixadas por Vygotsky para a educação de crianças. Crianças em diferentes momentos de seu desenvolvimento po-dem intercambiar saberes e promover aprendizagens signifi cativas. Nesse sentido, Vygotsky demonstra ser possível que crianças, em cooperação nas atividades escolares, possam estar, ao mesmo tempo, no papel de aprendizes e ensinantes.

Ainda com relação à zona de desenvolvimento pro-ximal, Vygotsky postula que toda ação que a criança realiza com a ajuda de um parceiro mais capaz estará, futuramente, realizando com autonomia. Portanto, a ZDP constitui o espaço para atuação da intervenção do adulto no processo de aprendizagem das crianças, e confere um papel central às interações sociais nas situações de aprendizagem.

Concluindo

A partir do percurso histórico, buscamos contribuir com informações e questões para que os educadores-leitores deste instrucional possam refl etir sobre as práticas com crianças pequenas, em creches e pré-es-colas, observando de que forma essas práticas foram se constituindo, como podemos explicar os fazeres com as crianças e a importância desses fazeres para o seu desenvolvimento. Foi possível perceber que o conceito de criança e de infância são construções re-centes na sociedade, assim como a existência de uma pedagogia da infância que sustente um conjunto de práticas pensadas especifi camente para as crianças pequenas, de 0 a 6 anos.

Atualmente, o cotidiano nas instituições é visto como parte fundante das pedagogias infantis, pois funciona como organizador de todas as experiências que as crianças vão viver no coletivo com outras crianças, nos espaços das creches e/ou pré-escolas. Barbosa (2006) coloca que, no Brasil, as ações do cuidar, edu-car e socializar crianças pequenas estão presentes nas diversas propostas destinadas à educação infantil. Já

autores italianos, segundo a autora, cuja bibliografi a tem sido referência em muitas discussões sobre edu-cação infantil, incorporam também questões ligadas à arte, ao imaginário da criança e valorizam, como parte essencial da rotina, as atividades livres (BAR-BOSA, 2006: 204).

Portanto, queremos ressaltar que, quando tratamos de desenvolvimento infantil em instituições de edu-cação para crianças pequenas, o fundamental é que as propostas incorporem experiências ricas e signifi cati-vas, promotoras de cultura, proteção, cuidados, saúde e vivências sociais diversas. Discutimos intensamen-te a singularidade da infância, entendendo que esta não signifi ca a preparação para a vida adulta, porém sabemos que a qualidade da infância tem relevante importância na formação dos sujeitos, em todos os aspectos: as estruturas de pensamento, o desenvolvi-mento orgânico, as interações interpessoais, a forma-ção de sua identidade pessoal e social, a apropriação do universo cultural, tudo tem sua base na infância, pois são constitutivos do “vir a ser” da criança e do adulto em que ela se transformará.

Friedmann (2005) convida os leitores a um mer-gulho no universo infantil, para a compreensão das crianças e a escuta à expressão de sua alma, a partir de uma poesia escrita pela própria, e destinada a to-dos os adultos educadores de crianças pequenas, que vamos compartilhar com você, leitor-educador, con-cluindo o estudo deste instrucional:

Carta de uma criança que ainda há de ser

A você que sei que me ama tanto, mas às vezes não me compreende;

A você que quer acertar, mas tem tanto medo de er-rar;

A você que passa por mim sem se deter,E quando vai perceber, eu já não sou mais criança.Olha no meu olho,Me escuta,Senta aqui do meu lado, tira o relógio e fi ca por al-

guns instantes no meu tempo.Vou te contar...

Eu sinto...À fl or da pele,Segurança quando você me abraça, quando me beija

e me aconchega, quando conta uma história e canta pra mim.

Alegria quando você está comigo, olha pra mim, brinca comigo.

Tristeza quando às pessoas a minha volta brigam, me colocam de castigo.

Medo do escuro, de gritaria, de balas, de bombas, de fi car só, de perder você.

Perdido quando ninguém me entende, as pessoas

16 MOLL, Luis C. Vygotsky e a Educação, in ALMEIDA, 2002.

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42não prestam atenção em mim quando saio da minha estrada.

Preso, afogado, reprimido quando não posso dizer o que penso ou fazer o que quero; quando sou violenta-do com palavras, com agressões físicas ou restrições.

Livre quando posso ser eu mesmo, fazer o que sinto, o que penso, o que quero, como posso e como quero.

Confuso quando você faz uma coisa, mas diz outra.

Eu penso...Por mim mesmo,Que as crianças precisamos de mais atenção e

amor.Que os jovens precisamos de mais compreensão e

amor.Que os adultos precisam de olhos de ver e enxergar

mais longe, e enxergar mais perto do coração; e de ouvidos mais apurados; e de um coração mais aberto; e tocar , dançar, cantar...

Que tem tanta coisa errada e tantos problemas...Que temos muita luz, mas...Que estamos mergulhados na escuridão.Que as pessoas não pensam: jogam o lixo onde não

devem, matam e se matam.

Eu quero...Mais...Brincar.Dizer o que penso.Fazer o que quero.Saber até onde posso.Você junto de mim.Meus amigos por perto.Ouvir histórias.Verdade.Ter mais...a sua atenção.Transformar este mundo.Fazer um novo atlas da vida...

EuVivoBrinco.Pinto, desenho, modelo.Jogo.Faço de conta que...Viajo a outros mundos.Peço para que...Pesquiso e descubro o mundo.Amo.Brigo.Sobrevivo.Reajo para não ser machucado.

Fico doente de tristeza, de raiva, de medo.Apronto para ser a aparecer.Bebo, me drogo para fazer conta que...ou para fu-

gir...

EuEstou num mundo estranho...Num mundo de imagens.Num mundo virtual.Num mundo poluído.Num mundo em guerra ( que muitas vezes começa

na sala da minha casa...)Num mundo de medo.Neste mundo...

Eu digoDo meu jeito...Pintando.Brincando.Dançando.Sonhando.Cantando.Olhando.Escrevendo.Ficando em silêncio...Gritando.Chorando.

Eu vejoCoisas que só eu vejoAtravés de você.Um mundo invisível.O que você já esqueceu...

Eu precisoDe amor.De alimento.De descanso.De sonhos.De luz.De calor.Ver e enxergar.Ouvir e escutar.Tocar e sentir.Tentar e experimentar.Errar.Ter coragem, ultrapassar.Aprender.Compreender.Crescer.

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43Estar.Ser.De você.

Eu peçoOlhe para mim e me veja por dentro.Me ouça e tente me entender.

Eu souAssim mesmo.Criança.Jovem.Inteiro.Eu sou.

E você?(FRIEDMANN, 2005: 15)

Atividades Complementares

“A infância não é coisa queMorre em nós e seca assim que cumpreSeu ciclo.Não é uma lembrança... mas o vivoDos tesouros e continua a nosEnriquecer sem que o saibamos” Franz Hellens

“Vai aqui este pedido aos professores, pedido de alguém que sofre ao ver o rosto afl ito das crianças: lembrem-se de que vocês são pastores da alegria e de que sua responsabilidade primeira é defi nida por um rosto que lhes faz um pedido ‘por favor , me ajude a ser feliz...’” Rubem Alves

Procure lembrar de sua infância, especialmente da sua entrada na escola. Como foi esse momento?Se foi feliz, o que de especial fez você gostar do novo ambiente? Se não foi feliz, o que lhe causava mais

tensão?

1) Registre.

2) A partir da leitura das teorias e teóricos que contribuíram para a prática pedagógica na educação infantil, e de suas memórias de escola, comente sobre a pedagogia utilizada pela escola/professor de sua infância.

Dicas de Estudo

Para ampliar suas refl exões:

Veja o fi lme: O menino selvagem - Realizador: François Truffaut (1970). Adaptação da história verídica do menino selvagem, encontrado na fl oresta de Aveyron, em 1798.

Leia o livro Quando eu era menino, de Rubem Alves. Nessa obra, o autor ilustra de forma poética e bem humorada a temática da infância, através das memórias de sua infância.

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44

Se você:

1) concluiu o estudo deste guia;2) participou dos encontros;3) fez contato com seu tutor;4) realizou as atividades previstas;

Então, você está preparado para as avaliações.

Parabéns!

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45Glossário

Aculturação – é a mistura de duas ou mais culturas, sendo uma absorvida pela outra, quase sempre dominante. A nova cultura que surge dos processos de aculturação, carrega marcas da cultura original, porém pode-se dizer que, nessas situações, o que se observa é a perda da identidade.

Construtivismo – corrente teórica postulada pelo biólogo suíço Jean Piaget, que defi ne o ato de conhecer e aprender como um ato elaborado pelos sujeitos, na relação destes com o meio físico e social.

Doutrinas – conjunto de princípios que vão fundamentar uma religião, uma ciência, uma fi losofi a em sistema político, entre outros sistemas.

Escolarização – processo educativo organizado para formar sujeitos em instituições de ensino.

Fundante – a essência de um processo; aquilo que o fundamenta, lhe dá bases para se constituir.

Higienistas – como eram chamados no início do século XIX, os profi ssionais que ocupavam-se da saúde da população e do ambiente.

Inatista – como são chamados os defensores da teoria que postula que o desenvolvimento humano é biologi-camente programado, desde o seu nascimento.

Ludicidade – o lúdico tem origem na palavra latina ludus, que signifi ca jogo. Porém, esse termo ludicidade refere-se a um aspecto do comportamento humano, que se caracteriza pela espontaneidade, pela dinâmica, pelo movimento, pela satisfação e alegria.

Protagonismo – termo freqüentemente empregado pelos pesquisadores da sociologia da infância. Fazendo uma analogia ao ator principal de uma encenação teatral, signifi ca dar lugar de destaque à criança na participa-ção das ações e atividades que são destinadas a sua educação e à promoção da qualidade na infância.

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46Gabarito

Unidade I

Atividade Complementar

Resposta comentada: O contexto da idade média refl etia uma criança que era o espelho do adulto, como se fosse um adulto em miniatura. Nesse contexto, ainda não se tinha, na cultura da sociedade, a idéia da infância que marcasse o papel da criança no seio da família. Das crianças que conseguiam sobreviver às precárias condições da primeira infância, até mais ou http://pt-BR.www.mozilla.com/pt-BR/fi refox/central/Guia rápido menos sete anos, era esperado que entrassem “diretamente no mundo do adulto”.

Unidade II

1.Pessoal

2.Comentário pessoal baseado nos princípios abaixo, que fundamentam as DCN: • Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;• Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem

Democrática;• Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações

Artísticas e Culturais.

Unidade III

1.Pessoal

2.Pessoal

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47Referências Bibliográficas

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Sites

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