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Desta acvidade resulta um conjunto de testemunhos que constuem um importante e valioso património industrial e arquitectónico que importa conhecer e salvaguardar e cuja sustentabilidade urge garanr. Nº 1 - Junho 2012 - ASSOCIAÇÃO BARREIRO PATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO www.patrimoniobarreiro.org

Fundição

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A edição da revista digital “ FUNDIÇÂO”, dedicada à história e património material e imaterial do Barreiro, tem as seguintes finalidades: - Ocupar um vazio editorial nesta área específica das nossas memórias, identidade e património material; - Dar a conhecer o nosso passado, cheio de exemplos de importância regional, nacional e internacional; - Refletir sobre este percurso, colhendo nele os ensinamentos que nos permitem enfrentar o presente e traçar o futuro; - Registar memórias e partilhá-las, convidando todos os que o quiserem fazer a escrever para a revista, ou a enviar documentos para publicação.

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FUNDiÇÃO

Desta actividade resulta um conjunto de testemunhos que constituem um importante e valioso património industrial e arquitectónico que importa conhecer e salvaguardar e cuja sustentabilidade urge garantir.

Nº 1 - Junho 2012 - ASSOCIAÇÃO BARREIRO PATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO

www.patrimoniobarreiro.org

FUNDiÇÃOFicha tecnica

Edição digital

BARREIRO

Nº1

Junho 2012

Edição

ASSOCIAÇÃO BARREIROPATRIMÓNIO MEMÓRIA E FUTURO

Contactos:[email protected]

Temas

Editorial.....................................................Pag. 3

Razões de ser da Associação......................Pag. 4

A Fundição................................................Pag. 5

A Arte da Fundição ...................................Pag. 8

A Cultura Ferroviária no Barreiro .............Pag.10

Preservar para o futuro do Barreiro!.........Pag.13

O Centro Historico Ferroviário do Barreiro...............................................Pag.15

Crónicas de uma breve viagem ao Barreiro revisitadas e alargadas ...............Pag.18

Património Industrial do Barreiro: Contributos para a história da Indústria Moageira..............................Pag.21

Contributos para a Elaboração de um Projeto de Salvaguarda do Património e História do Barreiro............Pag.22

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 2

EDITORIALA edição da revista digital “ FUNDIÇÂO”, dedicada à história e património material e imaterial do Barreiro, tem as seguintes finalidades: - Ocupar um vazio editorial nesta área específica das nossas memórias, identidade e património material;

- Dar a conhecer o nosso passado, cheio de exemplos de importância regional, na-cional e internacional;

- Refletir sobre este percurso, colhendo nele os ensinamentos que nos permitem enfrentar o presente e traçar o futuro;

- Registar memórias e partilhá-las, convidando todos os que o quiserem fazer a es-crever para a revista, ou a enviar documentos para publicação.

Optámos por lhe atribuir o título de FUNDIÇÂO por múltiplas razões que nos parece-ram adequadas às finalidades traçadas.

Primeiro porque a Fundição da CP no Barreiro, que começou a laborar a 22 de De-zembro de 1960, é um caso exemplar no País, mostrando, mais uma vez, que a nossa história de trabalho e mão-de-obra especializada, garantiam as apostas numa eco-nomia produtiva, ao contrário do que se passa hoje, que estando tão necessitados de abrir unidades produtivas, assistimos ao encerramento das poucas que existem, desaproveitando a mão-de-obra especializada existente.

Em segundo lugar, porque Fundição nos remete para a palavra indústria, marca iden-titária do Barreiro. Terra de fusão da história do desenvolvimento industrial manu-factureiro à industrialização.

E, por último, porque a palavra fundição resulta da fusão dos vocábulos fundir e ação, configurando as ideias de união, trabalho, criação e transformação, ideias cha-ve deste projeto.

A revista “FUNDIÇÂO” visa reunir conhecimento/s e esforços que permitam uma ac-ção transformadora alicerçada na nossa história e património, no respeito pela nos-sa identidade.

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 3

Razões de ser da Associação

Barreiro, o apego à terra

No golfo do Tejo que dá pelo nome de “Mar da Palha”, frente a Lisboa e aconchegado à borda-de-água, situa--se o Barreiro.Sensivelmente trinta e cinco quilómetros quadrados, rodeados de água e sapais por três lados menos um, tal como aprendemos ser uma península.A sul… o Rio Coina, vindo da “Serra Mãe”, abraça o Tejo junto a Alburrica. E o Brilho e esplendor, que a palavra árabe significa, enchem o nosso olhar na contra-luz dos dias.Nesta escrita de afectos se revela o apego à terra que nos une e move.Barreiro, a importância de uma história singularA centralidade no estuário, a proximidade à capital, a boa acessibilidade dos rios Tejo e Coina e os recursos naturais determinaram que quase tudo o que pode ser transformado pela força humana, aqui tenha frutificado – das redes de pesca às salinas, do vinho ao vidro e à cerâmica, da terra lavrada à metalurgia, da madeira aos produtos químicos, dos moinhos à cortiça, da indústria naval à ferroviária…Unidades produtivas manufactureiras, proto-industriais e industriais com tecnologias de primeira linha em cada momento e importância nacional e internacional, com relevo para os períodos da Expansão e Industrialização, configurando uma identidade fundada ao trabalho e na multiculturalidade.O vigor das unidades produtivas especializadas, insta-ladas ao longo dos séculos, determinou o lugar de des-taque que o Barreiro sempre ocupou nos processos de

desenvolvimento do País.Cada elemento deste percurso é sinal do esforço colec-tivo das gerações que nos antecederam e que devemos respeitar por razões culturais e identitáriasBarreiro: o nosso compromisso com os homens a sua /nossa história ou memória identidade e futuro.Foram muitos os homens e mulheres que neste percur-so, traduzido um património histórico material e imate-rial, guardaram e reinventaram a herança nos seus quo-tidianos de trabalho e luta para ganhar o pão e realizar os sonhos.Uma herança que é “pano de fundo” indispensável ao esforço de compreensão do presente e ao desenho do projecto para o futuro.Hoje, somos todos depositários desta memória, lastro identitário do nosso futuro.Cumpre-nos recolher o passado, divulgá-lo, analisá-lo no presente, integrando estas acções num projecto/processo cultural mais vasto de valorização do Barreiro e das suas gentes, porque a memória colectiva é ins-trumento fundamental do desenvolvimento humano e garantia de melhor futuro

Finalidades da Associação: Garantir a preservação da nossa memória colectiva de forma a reforçar a nossa identidade e a encontrar os ca-minhos futuros;Constituir-se num centro de difusão cultural assente na intervenção na comunidade, na interpretação crítica do nosso passado e na defesa do nosso património históri-co, cultural, social e natural.Congregar esforços individuais e colectivos que promo-vam a conciliação entre preservação essencial da nossa história e património e os projectos de transformação do Concelho, ou seja encontrar novas soluções para no-vos caminhos.

Associação Barreiro Memória Património e Futuro

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 4

A Fundição da C.P.

Caminhos de Ferro Portugueses

A presente nota aqui reproduzida foi-me facultada pelo seu autor, Silvério Ribeiro, antigo fundidor e Chefe de Brigada da Fundição do Barreiro, em contacto estabelecido quando da preparação da Exposição “Património dos Afectos”, rea-lizada pela Câmara Municipal em 2010, no âmbito das comemorações dos 150 Anos de Caminho de Ferro no Barreiro.

Rosalina Carmona

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 5

«A Fundição da C.P. Caminhos-de-ferro, que funcio-nou no Barreiro, num sítio denominado por esca-vadeira (Lavradio), foi a sucessora de quatro fundi-ções que a C.P. teve.Depois de a C.P. ter optado pela unificação dos seus serviços de fundição, encerrou as fundições de: Porto-Campanhã, Figueira da Foz, Lisboa-Santa Apolónia e a que tinha no Barreiro.A nova fundição criada no Barreiro, foi considerada na época, como a melhor do País. Começou a la-borar em 22/12/1960, sob a chefia do Engenheiro Paulo Vicente, que teve um papel importante no arranque da fundição. Fundia ligas de ferro, bronze e alumínio. Havia dois fornos Morgan para fundir as ligas não ferrosas, e três fornos cubilotes para as ligas ferrosas.Os fornos cubilotes eram, unidades de fusão contí-nua, tinham como combustível o carvão de coque, fundiam 6 a 8 cargas por hora.Havia o laboratório que preparava todas as ligas que se fundiam. Havia a carpintaria de moldes onde se fabricavam todos os moldes que a C.P. necessitava.Os moldes eram guardados na Casa de Moldes, as prateleiras eram feitas em alvenaria, e dariam um comprimento de 2Km, onde estavam arrumados e catalogados todos os moldes desde o início da C.P.Fundia-se todo o tipo de peças, desde válvulas, ro-das, carretos, cinzeiros, alicates de revisores, blo-cos de cilindros das máquinas a vapor, hélices para barcos, cabeças e buliços de motores, tendo sido feito o molde e fundido o bloco do motor para o barco Évora.Havia uma linha mecanizada para o fabrico de ce-pos de freio, para frenagem do material circulante. As peças fundidas eram maquinadas no Grupo Ofi-cinal do Barreiro, e pode-se afirmar que, uma má-quina a vapor poderia ser totalmente construída no Barreiro.A C.P. decidiu encerrar o serviço de Fundição, tendo sido o último vazamento de ferro em 23/03/1989, bronze em 31/07/1991 e alumínio em 02/09/1991.Na história da Fundição há a realçar grandes pro-fissionais, que produziam peças muito importantes para fazer movimentar locomotivas, barcos, carru-agens e vagões, num trabalho duro que é a Fundi-ção.

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 6

Tenho a destacar o fundidor Dionísio dos Mártires, que moldou a placa que homenageia a memória do indus-trial Alfredo da Silva no seu mausoléu. Os carpinteiros de moldes: Ventura Levesinho (autor de bonitas mi-niaturas sobre transportes, encomendadas à C.P. pelo Museu dos CTT, hoje Museu da Fundação Portuguesa das Comunicações), Joaquim Saraiva de Jesus (que fez o medalhão em madeira para assinalar o Centenário dos Caminhos de Ferro em Portugal, o qual se encontra na secção museológica de Santarém), e Silvério Mar-tins Ribeiro (1º classificado em carpintaria de moldes, na Fase Nacional do XVIII Concurso de Formação Pro-fissional, organizado pela Mocidade Portuguesa).

Silvério Martins RibeiroEx- Chefe Brigada da Carpintaria de Moldes»

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 7

“O Zé avançou na preparação do molde. A ponte rolante transportou os três boca-dos para a barriga da oficina onde ia construir um clone da velha hélice. O ferro para encher o molde foi colocado no forno com carvão de coque que em combustão fundiu o metal. Não dispensava a sua atenção ao forno que fundia o ferro. Era importante o ponto de fusão e o momento escolhido para vazar o ferro fundido na matriz, essencial para a qualidade do trabalho. - Manel, como está a calda? – perguntou o José Mário ao forneiro. - Está perfeita, quando quiseres pode-se vazar. - Então é para já! A calda saída do forno foi depositada em três grandes colheres que receberam algumas toneladas de ferro fundido que no exterior foi coberto com amianto es-farelado de modo a evitar perda de temperatura. De cada pazada deste produto cancerígeno, uma nuvem daquele perigoso farelo elevava-se e incógnito infiltrava--se nas cavidades respiratórias dos homens em actividade na oficina.- Descarrega a calda! – ordenou o José Mário.As colheres desceram sobre o molde e lentamente despejaram o ferro derretido, expelindo grandes quantidades de fumaça, calor e humidade que se alaparam nas vigas de suporte do telhado. Vários dias o ferro iria permanecer em arrefecimento. Com o jacto de ar alisou e deu brilho à superfície da peça.- A limpeza das peças fazia lembrar as tempestades de areia nos desertos que vemos nos filmes, e muitos perigos nos rodeavam todos os dias – comparou Zé Mário. E dava como exemplo o mais horroroso de todos os acidentes naquela ofi-cina e no qual esteve prestes a ser mais uma das vitimas – o forno derretia cerca de quatro toneladas de ferro; o forneiro chegou-se para observar, pela boca do forno, a calda. Não se sabe porquê, de repente uma enorme explosão e uma onda de calor varreu a oficina, lançando o ferro fundido para fora, atingindo o forneiro e outros dois operários que estavam perto. Foi um estrondo e a visão foi a de um vulcão extinto que de repente entra em actividade, atirando a lava pelo ar.

A ARTE DA FUNDIÇÃO

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 8

A massa de ferro em fusão ensopou o forneiro, homem alto, com cerca de um metro e oitenta, em poucos segundos tornou-se um homem pequeno, reduzido a um metro e meio. Desidratado repentinamente, terá ficado sem pinga de liquido. O corpo em fogo do operário exalava odor a carne queimada, horrorizando os ca-maradas presentes. O desgraçado ficou petrificado, parecia uma estatueta moldada por um escultor. Tomou a forma do último gesto de espanto.”

Este texto, página 179 do livro “Peões no Xadrez Imperial da CUF” da autoria de Carlos Alberto (Carló), escritor barreirense, um grande amigo da idade madura, como me chama, impressionou-me por duas razões. Pela dureza e perigo do tra-balho e pela arte e técnica empregada.O conjunto de atividades requeridas para dar forma aos materiais por meio da sua fusão, consequente liquefação e seu escoamento ou vazamento para moldes adequados e posterior solidificação, são os métodos usados na Fundição. Estes métodos são muito antigos. Remontam à Pré-história. É assim uma das artes in-dustriais mais antigas. É certo que o seu aperfeiçoamento foi (é) contínuo, sendo hoje considerada uma técnica e feita em grandes siderurgias.Quero salientar que a FUNDIÇÃO é a técnica e arte de fundir, purificar e enformar os metais por vazamento em moldes.Gostava que a Revista FUNDIÇÃO usasse a técnica e tivesse a arte de fundir ideias, as purificasse, as tornasse genuínas, corretas, e depois de as moldar as vazasse nos gabinetes dos responsáveis, de modo que estes as tornassem sólidas e as preser-vassem como artefatos vivos.

Nuno Soares

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 9

A Cultura Ferroviária no Barreiro A influência que o caminho de ferro exerceu sobre a vida dos barreirenses e os desenvolvimentos daí resultantes, constitui um fenómeno complexo, con-figurando múltiplos aspectos que, no seu conjunto, poderíamos designar por “cultura ferroviária”.

Para este conceito de cultura ferroviária - fruto do trabalho de investigação e reflexão em torno dos 150 anos do caminho de ferro no Barreiro - contribuem um conjunto importante de manifestações que, ao longo dos tempos se foram inscrevendo na história da cidade e hoje conferem uma identidade especial ao Barreiro. A ideia baseia-se nos seguintes 4 pontos, que passo a expor:

1. Com o caminho-de-ferro, paradigma de progresso e civilização, chega uma elite ao Barreiro que vai con-tribuir para a formação de novas mentalidades;

2. A ferrovia está na origem do que designaremos por associativismo ferroviário;

3. Como elemento relevante para o conceito de cul-tura ferroviária identifica-se a elevada consciência social dos ferroviários, sinónimo de uma classe es-clarecida e muito politizada;

4. Na história urbana da cidade é marcante o signifi-cativo conjunto patrimonial ferroviário, porventura, hoje o elemento mais visível da cultura ferroviária no Barreiro.

Oficinas dos Caminhos de Ferro, Barreiro, 1917. Espólio José António Marques, Arquivo Municipal do Barreiro

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 10

1. Progresso e civilização

Em 1855 a Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo adquiriu os primeiros terrenos para implantação da rede ferroviária do Sul, ficando concluído em 1859 o troço inicial Barreiro/Vendas Novas. A 2 de Fevereiro realizou-se a viagem inaugu-ral(1), embora a linha só tenha aberto à exploração em 1861.

O caminho-de-ferro foi portador de inovação, mercê da presença de uma elite de pessoas instruídas e le-tradas: os engenheiros franceses e equipas técnicas que os acompanhavam e trouxe novidades que, re-presentaram autênticos avanços do conhecimento e da ciência, à época, senão vejamos:

Nos documentos referentes às propriedades onde viriam a assentar as linhas, usa-se a braça como me-dida dos terrenos (2,2 m). Contudo, em 22 de Agos-to de 1855, o plano do traçado dos primeiros 4 km, entre o Barreiro e Alhos Vedros, assinado pelo enge-nheiro L. de Lenne, já usa uma medida de carácter exacto: o are(2) . Ora, esta medida agrária (±100 m2) surge após a Revolução Francesa (1789), procuran-do estabelecer um padrão universal. Este viria a ser

adoptado internacionalmente a partir de 1840.

O que se pretende aqui assinalar é o momento sim-bólico da passagem do Barreiro piscatório e camar-ro(3), para o Barreiro contemporâneo e moderno. O trabalho no caminho de ferro, especialmente nas oficinas e no vapor, exigia pessoas com instrução e preparação técnica muito específica, o que vai con-tribuir para a formação de um núcleo especializado em distintas profissões, que transformará o Barreiro num pólo de cultura tecnológica.

Esta cultura técnica, necessária para trabalhar leva, em última análise, à existência de uma predisposi-ção para a aprendizagem e ao desenvolvimento de pequenas e grandes bibliotecas pelas inúmeras asso-ciações que irrompiam a cada canto da vila.

«Rara é a colectividade ou associação recreativa ou desportiva, aonde não existe uma estante com livros. Outras mais orgulhosas exibem a sala de leitura. Quem são os obreiros dessa justa causa? […] rapazes e homens que trabalham de dia: ou no cais, ou nas fábricas, no estaleiro ou na oficina, ao balcão ou no escritório.» (4)

(1) A viagem contou com a presença do rei D. Pedro V, de numerosa comitiva governamental e toda a família real. CF. Biblioteca Nacional de Lisboa, “A Revolução de Setembro”, 4 de Fevereiro, 1859 (2) Arquivo do Ministério das Obras Públicas, Plan parcellaire despuis la distance 4000m… Planta por L. de Lenne, 1855, nº CAT: 26, cota: RD 5 A (3) Camarro é uma expressão popular com que os naturais do Barreiro se designam a si próprios, especialmente os das bandas da Senhora do Rosário, para indicar as suas origens antigas (4) MOTA, Mário - Cartas do Barreiro, Portugália editores, Lisboa, 1945, p. 30

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 11

Escola de Aprendizes, Barreiro, Anos 60. Fotografia de Álvaro Monteiro

Esta descrição de Mário Mota, em 1945, enuncia um aglomerado industrial onde vivem «centenas de lei-tores desejosos de saber, e que por sistema ou princí-pio, lêem todos os dias […] obras de estudo, ensaios, obras técnicas». (5)

Tal ideia é reforçada por Jorge Teixeira, ele próprio um ferroviário e homem de letras, que fala de um «verdadeiro escol de engenheiros que serviram a profissão e o Barreiro, bem como, o considerável ní-vel médio de instrução de centenas de ferroviários do Sul e Sueste, que desde o início da construção,

aqui trabalharam e viveram».(6)

Rosalina Carmona - Comunicação apresentada ao Colóquio Internacional 150 Anos de Caminho de Fer-ro no Barreiro, 4-5 de Fevereiro 2011, org. Câmara Municipal do Barreiro/Centro de Estudos de História Contemporânea/Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora

A continuar nos nºs seguintes da Revista “Fundição”

Rosalina Carmona

(5) MOTA, p. 31 (6)TEIXEIRA, Jorge – O Barreiro que eu vi, Câmara Municipal do Barreiro, 1993, p. 72

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A realidade ferroviária faz parte da memória, da história e da iden-tidade do Barreiro.

Tendo em conta o interesse públi-co, municipal e nacional, é possível classificar todo o Património mate-rial, imaterial e técnico ferroviário do Barreiro.

A possibilidade de criação de um núcleo museológico ferroviário, in-tegrado numa rede do Centro histó-rico do património industrial, a fun-cionar em sintonia com o programa do MNF – Museu Nacional Ferrovi-ário, com sede no Entroncamento, poderá ser uma forma de preservar a nossa história.

Bastará, para tanto, que as entida-des públicas e privadas, municipais e nacionais, tomem as devidas pre-cauções para evitar a degradação do material actualmente ainda exis-tente, reduzindo, dessa forma, os custos com a sua futura recupera-ção para integração no núcleo mu-seológico ferroviário.

Os edifícios presentes na área envol-vente do depósito de máquinas, no-meadamente o armazém regional, a rotunda de locomotivas e áreas de-safectadas das oficinas, constituem espaços adequados para exposições sobre a temática ferroviária.

Nesta área, seria possível preservar a memória dos ferroviários, a histó-

ria oficinal do Barreiro, bem como a memória das profissões (únicas) que foram criadas pela implemen-tação do caminho de ferro.

Será possível, e tem um enorme in-teresse, dotar a velha rotunda com locomotivas em estado de marcha, com vista a organização de recria-ção de viagens históricas nas linhas a Sul e Sueste.

Na verdade, existem variadas peças com interesse histórico, nomeda-mente, um guindaste a vapor, peça única da arqueologia industrial, que se encontra junto à Rua Miguel Bombarda e que foi usado até 1969, no carregamento do carvão destina-do ao abastecimento dos “tenders” das locomotivas a vapor.

E se em matéria de peças e máqui-nas, a sua existência está devida-mente comprovada, é importante não esquecer o património edifi-cado, como é o caso dos edifícios Ferroviários, nomeadamente, a Es-tação Centenária, inaugurada em 1884 do Barreiro Mar; a frontaria da antiga Estação Ferroviária, actu-al edifício da EMEF, doca, rotunda (antigas cocheiras das locomotivas a vapor), armazém regional, antigo edifício da Região, antigo armazém de viveres, Bairro Ferroviário, depó-sitos de água etc etc.

Dezenas de outras peças de menor envergadura, material das oficinas e

outros, encontram-se ainda no Bar-reiro, integrando o legado Patrimó-nio Ferroviário.

Existem, de facto, diversas e varia-das peças de inquestionável interes-se histórico e arqueológico, embora, se nada for feito num curto espaço de tempo, se preveja a dissipação total deste legado.

O Barreiro foi, ao longo dos anos, considerado como a “Catedral do Diesel” pelos ferroviários, pelo que também este segmento deveria ser preservado, promovendo-se a re-paração das unidades térmicas res-tantes, cujo futuro, apesar do seu interesse histórico, se prevê venha a ser a venda a sucateiros.

Infelizmente, na opinião de mui-tos altos responsáveis, não existe material suficiente nem condições para a criação de um núcleo histó-rico ferroviário, pese embora a pe-quena resenha que se fez acima, sobre o que ainda existe.

Aliás, a possibilidade da criação de um núcleo desta natureza, nem tão pouco foi mencionado no discurso de tomada de posse do primeiro Presidente da Fundação que detém o Museu Nacional Ferroviário o Sr. Dr. Carlos Frazão, tendo sido com-pletamente ignorado a existência do Barreiro e toda a sua história fer-roviária.

PRESERVAR PARA O FUTURO DO BARREIRO!

“Revista digital “FUNDIÇÃO” - “JUNHO 2012” Nº1 Pag - 13

É evidente, para quem quer ver, que o Barreiro detém ainda um enorme património Ferroviário.

Ignorar esta realidade, é ignorar toda a história feita por homens e mulheres que trabalharam nos caminhos de ferro; é ignorar a im-portância económica e social das várias profissões exercidas ao servi-ço do Caminho de Ferro, tais como maquinistas, revisores, guarda fios, serralheiros, mecânicos, electricis-tas, factores, chefe de estação, ma-nobradores, guarda freios, etc etc.

Os quais, através dos seus instru-mentos específicos de trabalho, como é o caso do célebre “J “, con-tribuíram para a construção da me-mória colectiva de um Povo, o Povo do Barreiro, a que acrescentam o colorido das suas histórias e aven-turas, pois qualquer Ferroviário tem sempre uma “estória” para contar.

“Estórias” feitas de trabalho, labu-ta, luta, dor, mas também muitas alegrias e orgulho de pertencer a uma classe profissional que mudou a face do Barreiro, a partir de 1854.

Se todas estas peças, estas me-mórias, não chegam para criar no Barreiro um núcleo Museológico Ferroviário, então o que fazer com

a memória de destacados Ferroviá-rios Barreirenses que participaram activamente na vida cívica e politica do Barreiro e do País, dos quais se destacam: Miguel Correia, dirigente da CGT anarquista e “o maior agita-dor Ferroviário que houve em Por-tugal”, segundo alguns historiado-res; mais recentemente, Germano Madeira e Manuel Cabanas. Isto só para citar alguns.

Não podemos igualmente esque-cer a intervenção cívica de muitos ferroviários, ilustres anónimos, que fundaram (e, nalguns casos ainda participam) várias associações e colectividades, como é o caso da Associação de Classe Metalúrgica e Artes Anexas, em 1903, formada essencialmente por operários Fer-roviários.

Ou os que fundaram a Associação Humanitária dos Bombeiros Volun-tários do Sul e Sueste; a Casa dos Ferroviários, actual sede do Sindica-do dos Ferroviários, actualmente já em processo de degradação; a Coo-perativa Cultural Popular Barreiren-se e o Instituto dos Ferroviários; o Grupo Desportivo dos Ferroviários que tem tido enorme importância ao nível do Desporto Nacional.

Será que tudo isto não constitui ma-

terial mais que suficiente para criar um núcleo museológico Ferroviá-rio?

Um núcleo que seja mais que um simples armazém de máquinas an-tigas, cheias de pó e que abre uma vez por ano como é o de Estremoz.

Um Núcleo vivo, com pessoas e máquinas ainda a trabalhar onde seja possível, atrair, por exemplo, um sector determinado do turismo denominado por “turismo ferroviá-rio”, impulsionado por associações nacionais e internacionais de entu-siastas do Caminho de Ferro, que normalmente, gostam de ver a lo-comotiva 1810 a trabalhar; poden-do dar “uma voltinha” com a 1225 e ouvir o roncar do motor diesel 1425.

Um museu vivo onde os ferroviá-rios reformados possam ajudar a reparar a automotora 112; onde se possam realizar pequenas viagens turísticas de comboio a partir do Barreiro com material diesel já fora de serviço; onde sejam relembradas as artes e ofícios, e memórias de muitos ferroviários, que, no fundo são também as memórias colectivas de um Povo. O Povo do Barreiro.

José Encarnação

TEMOS DE VIRAR A AGULHA!

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Com a instalação do Caminho-de-ferro no Barreiro opera-se uma rutura com o sector primário e o pro-cesso de desenvolvimento industrial tem o seu início.

O Caminho-de-ferro facilita este processo e nele par-ticipa, ajudando a construir o Barreiro Contemporâ-neo.

O Barreiro não voltará a ser o mesmo depois da inau-guração da Linha do Sul, ligando-nos a Vendas Novas, em 1859,e da entrada em funcionamento da Linha do Sul e Sueste, quando concluído o ramal até Se-túbal e das Oficinas do Caminho-de-ferro, em 1861.

O Caminho-de-ferro confere ao nosso Concelho uma maior centralidade no território que, hoje, designa-mos de Área Metropolitana de Lisboa, porque vem diversificar e reforçar as boas acessibilidades fluviais, levando mais longe a nossa ligação a Sul do Tejo.

Com o Caminho-de-ferro entramos no processo de industrialização e com este assistimos a um desen-volvimento vertiginoso do ponto de vista urbanístico e demográfico - as quintas dão lugar às fábricas e aos bairros. Processo marcado por três momentos: aber-tura da Linha do Sul e Sueste e Oficinas do Caminho-

-de-ferro, instalação da indústria corticeira e da Com-panhia União Fabril.

Durante muitos anos acorrem à vila, expressivamen-te denominada de “Brasil em miniatura”, pelo jornal “O Eco do Barreiro”, de 4 de Outubro de 1930, tra-balhadores, famílias inteiras, vindos de todo o país em busca do pão e do sonho por uma vida melhor. Gente, na sua maioria, de língua igual e falas várias a que a vila se acostuma e aglutina, compondo um per-fil de diversidade cultural e solidariedade quotidiana expressa na forte rede associativa.

Desta rede destaco as associações de classe dos fer-roviários, dos corticeiros, da “malta do saco”, uma notável rede de associações humanitárias, nas quais os ferroviários são verdadeiros precursores: os Bom-beiros Voluntários do Sul e Sueste (1894), o “Arma-zém de Consumo” da Caixa de Socorros Mútuos do Caminho de Ferro (1896), a Casa do Ferroviário (1922), o Instituto dos Ferroviários (1927).

Há 150 anos o comboio representou a modernidade, revolucionou os transportes e as mentalidades, criou uma classe de ferroviários, hierarquizada, distribuída por múltiplas profissões novas, com um saber-fazer

O CENTRO HISTÓRICO FERROVIÁRIO DO BARREIRO

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novo transmitido de geração em geração, muitas ve-zes dentro do mesmo grupo familiar.

Uma classe consciente do seu progresso pessoal e social, consciente dos seus direitos e deveres, e do contributo dado ao desenvolvimento da terra que, já, era sua.

O Caminho-de-ferro é motor do Barreiro Contempo-râneo e, durante estes 150 anos, tem sido uma das bases do seu desenvolvimento. Deste Complexo In-dustrial Ferroviário, ainda, nos resta um importante património material: Oficinas e antiga Estação, Ro-tunda das Máquinas, Estação Ferro-Fluvial, Arma-zém Regional, Bairro Operário, material circulante, maquinaria oficinal e ferramentas, um importante guindaste…

E, também, nos resta um património imaterial plas-mado nas vivências de muitos barreirenses e particu-larmente de ferroviários que nos podem ajudar a re-constituir os processos técnicos, a sua aprendizagem, o valor económico do trabalho produzido, as sociali-zações nos espaços de lazer, solidariedade, família, trabalho e luta.

Estes barreirenses e ferroviários, muito justamen-te, esperam ver preservado para as gerações futuras este património material e imaterial que dá corpo ao Barreiro industrializado, moderno e cultural, social-

mente diverso e ativo. Porque esta preservação de uma parte significativa do nosso processo cultural e identitário é fundamental para a participação e a co-esão social, na escolha e no trilhar de caminhos de futuros. A celebração destes 150 anos, numa altura em que decorre uma consulta pública sobre o Plano de Urba-nização do Território da Quimiparque e área envol-vente, pode ser encarada como uma oportunidade que nos permita a realização de um dos núcleos des-ta Rede Museológica Participada e que designamos de Centro Histórico Ferroviário do Barreiro.

O património material e imaterial existente permi-te-nos propor, como contributo para reflexão, as seguintes valências para o núcleo a criar, que deve funcionar em sintonia com o Museu Nacional Ferro-viário, com sede no Entroncamento.

PRIMITIVA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA- NÚCLEO OFICINAL

Relacionado com as técnicas, a investigação e a for-mação, unindo pontes entre o passado, o presente e o futuro nestas áreas e reanimando as peças de ma-quinaria existentes nas oficinas da EMEF.

ROTUNDA DAS MÁQUINAS-NÚCLEO SOBRE A HISTÓRIA DO DIESEL

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Realizando a articulação entre a história do diesel no Barreiro com a exposição de uma ou mais locomoti-vas e a existência de um centro de convívio ferroviá-rio como local de encontro, produção, recuperação e venda de materiais.

ESTAÇÃO FERRO-FLUVIAL-NÚCLEO DO RIO

Ligado à história dos transportes fluviais e dos esta-leiros navais no estuário do Tejo e na ribeira do Coina, ao longo dos séculos. Com componente de restaura-ção, aproveitando a vista de rio, animação (música, pintura, teatro, dança, cinema) na zona da gare e tu-rismo nas vertentes fluvial e ambiental. Esta valência preencherá uma necessidade da Área Metropolitana de Lisboa, que ao estuário do Tejo deve parte muito substancial do seu presente e futuro.

ARMAZÉM REGIONAL: NÚCLEO BARREIRO

CONTEMPORÂNEO- MEMÓRIAS DE TRABA-LHO, SOLIDARIEDADE E LUTA

Organizado de forma interativa e como um tributo aos homens e mulheres, que nos seus quotidianos nos Caminhos-de-ferro, nas Corticeiras, na Compa-nhia União Fabril, foram guardando e reinventando uma história de progresso e solidariedade de que justamente nos orgulhamos e queremos ver preser-vada, transmitida a todos e sobretudo às gerações mais jovens, porque esta história é o lastro identitá-rio do nosso futuro.

Extrato da comunicação realizada por Carla Marina Santos, em representação da Associação Barreiro, Património, Memória e Futuro, no Colóquio Inter-nacional sobre os 150 Anos do Caminho-de-ferro no Barreiro: Sessão 4 – O Património Ferroviário, Mu-seus e Arquivos.

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PRIMEIRA ETAPA: FREGUESIA DO LAVRADIO

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As “Crónicas de uma breve viajem ao Barreiro” nasceram da exposição “FotomemóriasBarreiro” que a Associação Barreiro – Património, Memória e Futuro concebeu para ser a primeira de muitas “via-gens” possíveis sobre a história e o património do nosso concelho.

Cumprindo esta finalidade, resolvemos revisita-las e alargá-las, na revista que agora lançamos. Dese-jando, de forma simples, breve e acessível, divulgar o nosso património edificado e natural; dar infor-mações que motivem e aumentem o interesse pela nossa história; contribuir para o estreitamento dos laços com a terra em que vivemos; motivar coletiva-mente para a salvaguarda da nossa história e patri-mónio, protegendo-os das agressões a que diaria-mente estão sujeitos.

Primeira etapa: Freguesia do Lavradio

A salvaguarda dos nossos bens culturais é um longo caminho e os que a ela se têm dedicado – sabem-no bem.

Apesar dos esforços internacionais iniciados com a “CARTA DE ATENAS”; apesar das intervenções su-pra-nacionais de organismos como a UNESCO e di-ferentes associações internacionais, muito continua por fazer a este nível.

Em cada país a intervenção dos governos, cuja eficá-

cia e capacidade não é igual na generalidade, a sua acção regista várias e graves lacunas.Os recursos financeiros são escassos; a formação de quadros em qualidade e número é deficitária; exis-tem muito poucos laboratórios especializados; aos programas dos vários níveis de ensino falta actuali-zação; é necessária legislação.

Para além destes problemas, a incapacidade cultural para percepcionar a importância da área e a trans-versalidade dos recursos e respostas necessárias a uma verdadeira política de preservação de âmbito nacional, ainda hoje, é uma realidade.

Já vai longa a conversa e, como a partir desta data, será também possível “viajar” pela nossa terra com a exposição “FotomemóriasBarreiro”, lendo o seu jornal, fica aqui a promessa de retorná-la na segun-da etapa.

Agora, vamos ao LAVRADIO, palavra que nos surge em 1298, num documento relativo à troca de uma vinha em Alhos Vedros, por outra no Lavradio.

Esta “Carte de Escambo”, assim se chamava o dito documento, é prova da longa existência da vinoviti-cultura neste território. Os vinhos produzidos eram de grande qualidade, sobretudo os tintos.

E quem não se lembra do delicioso vinho licoroso “BASTARDINHO”?

CRÓNICAS DE UMA BREVE VIAGEM AO BARREIR0 REVISITADAS

E ALARGADAS

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CABO DO ALCOITÃOCabo do Alcoitão, neste antigo Cabo existiam Moinhos de Maré (séc.XVI) e Marinhas de Sal (desde o séc. XIV).No séc. XVI, um dos moinhos pertenceu a Brás Afonso, filho natural de Afonso de Albuquerque, capitão-mor da Índia. Outro teve como proprietário, por volta de 1509, rui Galvão, escrivão campo de visão, mas imediatamente atrás deste Cabo, encontramos a Ponta da Passadeira, onde à 5 mil anos existiu um povoado Neolítico que associava a ancestral actividade recolectora à inovação tecnológica – desenvolvendo um centro de produção cerâmico.

QUINTA DOS LOIOSQuinta dos Loios, conhecida como o Convento dos Loios por pertencer á congregação de Stº Eloy.A sua arquitectura tem marcas quinhentistas. A corte, nas suas deslocações ao Lavradio, provavelmente aqui se hospedava.As Marinhas de Sal, no Lavradio, alargavam-se da Praia dos Moinhos à Quinta dos Loios, o que mostra a importância da actividade salineira. No séc. XVIII encontramos, junto à quinta, o topónimo rua das Marinhas.

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Património Industrial do Barreiro: Contributos para a história da Indústria Moageira

É fácil estabelecermos com os moinhos de vento e de maré uma relação imediata de carácter emocio-nal. A sua beleza e simbolismo; A relação que estabe-lecem com elementos vitais como o vento e a água inscrevem em nós, de forma natural, um imaginário de sonhos.

Porém este património de pedra, paisagístico e inti-mista, carrega uma história desvendada em memó-rias e estudos, em documentos dispersos. Desta for-ma rompem o silêncio e dão-nos a conhecer a nossa história. Por isso são parte significativa da nossa me-mória social e cultural, são suporte da nossa vida, da nossa identidade e estímulo para o futuro

Os moinhos de vento e de maré constituem um seg-mento importante de uma actividade industrial mais vasta, que se desenvolve, ao longo dos séculos, neste território que configura o Barreiro, e marca, a nível nacional e internacional, a nossa importância duran-te largos período do desenvolvimento de Portugal.

Dar a conhecer a sua história, coligir registos, fixar

vivências, viajar pela literatura, pintura, fotografia, desenhar um directório bibliográfico e cartográfico, criar roteiros, registar tecnologias sobre estes ex--líbris do Barreiro são algumas das finalidades deste espaço temático que vos acompanhará, ao longo de várias edições, da Revista Fundição.

A consciência da importância da indústria moageira no Concelho e a certeza de que a molinologia, recor-rendo à etnologia, à história das técnicas e à história económica, assume uma dimensão técnica específi-ca, difícil e complexa a reclamar o estudo de especia-listas, determinam esta escolha, esperando com ela estimular o interesse e a atenção de investigadores.

Esperamos, ainda, que aqueles, que como nós par-tilham o sonho e sempre se fascinaram ao olhar os moinhos, tenham acesso a um conhecimento mais profundo sobre este fragmento do nosso passado que continua, de forma vigorosa a modelar a nossa paisagem.

Carla Marina e Maria João Quaresma

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1.O conhecimento da nossa história e identidade é es-sencial para o estímulo de soluções futuras, conferindo--lhes coerência.

O Barreiro Moderno é herdeiro de um precoce destino in-dustrial, fomentado pela nossa localização geográfica no estuário do Tejo, lugar de sínteses técnicas e culturais ao longo dos séculos - frente à Capital. Percurso servido por importantes recursos: madeira, carvão, azougue, areias sílicas e argilosas, sal, vinho e pelos rios Tejo e Coina aces-sibilidades fundamentais, lugares do nosso encontro.

Ao longo dos séculos este território, através de unidades produtivas especializadas, ocupou posição de destaque nos processos de desenvolvimento do País, com relevo para os períodos da Expansão Marítima e Industrialização.

Numa trajetória em que a organização industrial em com-plexo é uma realidade a merecer destaque e reflexão: o Complexo Oleiro da Mata da Machada, o Complexo Real de Vale de Zebro, os Complexos Moageiros, o Complexo Industrial da Companhia União Fabril ou o Complexo do Caminho de Ferro.

Os vestígios fabris provam a existência de uma linha dia-crónica na qual se desenha uma identidade marcada pelo trabalho, por uma cultura tecnológica ligada ao gesto di-ário e profissional e pontuada por uma diversidade cul-tural, que até ao século XIX se articulam com os sectores primários.

São as mãos, em gestos quotidianos, que encontramos desde o Neolítico, quando a olaria se transforma numa es-pecialização funcional do agregado que vivia na Ponta da Passadeira. A partir do século XIV, outras mãos moldam, no Complexo Oleiro da Mata da Machada, entre diversas tipologias, as formas do biscoito e do pão-de-açúcar. Ali perto, no Complexo Real de Vale de Zebro, outras fabri-cam o biscoito, alimento base das tripulações durante a Expansão, do Terço da Armada Real e dos Fortes de Costa. Nos Moinhos de Maré, outras mãos transformam em fari-nha os grãos de cereais, alimentando Lisboa e a confeção de biscoito. Outras trabalham na Ribeira do Coina ou nos

vários estaleiros de construção naval que surgem ao longo da nossa história. Outras, ainda, fabricam em gestos pro-fissionais os mais diversos objetos em vidro, iniciando na Real Fábrica de Vidros de Coina, no século XVIII, a tecnolo-gia que nos tornará famosos na Marinha Grande.

Na primeira metade do século XIX, não podemos deixar de referir, a construção dos modernos Moinhos de Vento e o surto da Industria das Moagens a Vapor que represen-tam “uma rutura significativa na paisagem rural”, segundo Jorge Custódio, citado por Ana Nunes de Almeida, no livro “A Fábrica e a Família” (1993), de acordo com a mesma fonte e passo a citar “a moagem teria assim tido um papel pivot no processo de transformação do Barreiro que, se não criou a vila industrial, pelo menos a fez entrar na era da protoindustrialização”.

Será com a inauguração da Linha do Sul, em 1859, ligan-do-nos a Vendas Novas, com a entrada em funcionamen-to da Linha do Sul e Sueste, depois de concluído o ramal até Setúbal e das Oficinas do Caminho-de-ferro, em 1861, que o Barreiro não voltará a ser o mesmo.

O Caminho-de-ferro vem diversificar e reforçar as boas acessibilidades fluviais, levando mais longe a nossa li-gação a Sul do Tejo, conferindo ao Concelho uma maior centralidade no território que, hoje, designamos por Área Metropolitana de Lisboa.

Está, desta forma, aberto o caminho ao processo de in-dustrialização e simultaneamente a um desenvolvimento vertiginoso do ponto de vista urbanístico e demográfico - as quintas dão lugar às fábricas e aos bairros. Três mo-mentos marcam este processo: abertura da Linha do Sul e Sueste e Oficinas do Caminho-de-ferro, instalação da in-dústria corticeira e da Companhia União Fabril.

Durante muitos anos acorrem à vila, expressivamente de-nominada de “Brasil em miniatura”, pelo jornal “O Eco do Barreiro”, de 4 de Outubro de 1930, trabalhadores, famí-lias inteiras, vindos de todo o país em busca do pão e do sonho por uma vida melhor. Gente, na sua maioria, de lín-gua igual e falas várias a que a vila se acostuma e aglutina, compondo um perfil de diversidade cultural e solidarieda-

Contributos para a Elaboração de um Projeto de Salvaguarda do Património e História do Barreiro

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de quotidiana expressa na forte rede associativa.Por tudo o que temos vindo a referir: a existência de ati-vidade produtiva transformadora com especializações funcionais em diversos períodos da nossa história; a existência de bens patrimoniais que a atestam; o signi-ficado destas produções nos vários períodos da história de Portugal; a pequena dimensão do Concelho e a sua centralidade. Todas estas razões parecem apontar para a elaboração de um projeto em rede, com interesse para o País, porque neste território ainda é possível realizar uma leitura da evolução tecnológica da atividade produtiva ao longo dos séculos, com interesse local, regional e nacio-nal, que englobe o património material e imaterial.

Um projeto deste fôlego, que se compromete com a co-erência histórica da nossa identidade, respondendo, ao mesmo tempo a uma lacuna no Pais, necessita do esta-belecimento de parcerias nacionais, públicas e privadas, bem como de concursos comunitários. Uma vez estabe-lecido o conceito será necessário elaborar o projeto glo-bal. O que impõe um conjunto de reflexões prévias, que, segundo nossa opinião, devem ter em consideração as questões levantadas por Jorge Henrique Pais da Silva, na obra “Pretérito Presente”- Conservar porquê? Conservar para quem? Conservar como? Conservar o quê?

2. Conservar Porquê?

É urgente continuar: a recolher este passado, a realizar o seu estudo e divulgação. É urgente a sua recuperação e fruição. Porque são ações que integram um processo cultural mais vasto de valorização do Barreiro, das suas gentes e da cidadania; porque a memória coletiva é ins-trumento fundamental do desenvolvimento humano potenciador de um futuro mais participado, socialmente mais coeso e seguramente melhor.

3. Conservar Para Quem?

Não esgotando a complexidade das respostas, salientarí-amos a necessidade primeira de salvaguardar para a po-pulação local, regional e nacional, sempre em articulação

com programas de turismo social, cultural e ambiental. Em casos específicos, como por exemplo o ferroviário, com associações nacionais e internacionais.

4. Conservar Como?

Bem mais complexa, ainda, nos parece a resposta a esta questão, no entanto tentaremos deixar alguns tópicos para reflexão futura.

Salvaguardar com a participação da população, sensibili-zando-a e implicando-a na elaboração do projeto, na mo-nitorização da sua realização e funcionamento.

Salvaguardar encarando este ato como um contributo educativo, valorizador da formação dos indivíduos, crian-do dinâmicas de animação ligadas ao ensino formal, não formal e informal.

Encarar a salvaguarda como uma intervenção criativa e um fator de desenvolvimento no perfil da cidade, do pon-to de vista da qualidade de vida nos âmbitos urbanístico, social, cultural, económico e ambiental.

É essencial ter um projeto, uma estratégia, desenvolver parcerias sinergéticas, que nos permitam concretizar uma Rede Museológica Participada com distribuição de custos de recuperação e reprodução.

É essencial conquistar o interesse local, regional, nacio-nal e internacional, porque a nossa história e património têm essa importância e devem de ser tratadas com essa importância.

É essencial que o projeto promova programas de recolha, estudo e divulgação do património imaterial e de salva-guarda progressiva do património material, refletindo todos os momentos significativos do nosso percurso, já enunciados. Enunciados neste texto.

(a continuar)

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ASSOCIAÇÃO BARREIROPATRIMÓNIO MEMÓRIA

E FUTURO