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- GUIA DE LEITUR A -PA R A O P R O F E S S O R
Gargântua
François RabelaisAdaptação Christian PoslaniecIlustrações Ludovic DebeurmeTradução Cristina MurachcoFaixa etária a partir de 12 anos48 páginas
TEMAS Sátira / Renascimento / Aventuras
o autor François Rabelais nasceu em Chinon, França, por volta de1494, e morreu em Paris, em 1553. Tornou-se franciscano aindajovem, mas logo entrou em contato com as ideias do humanismo,vertente que determinou sua educação. Homem erudito, foi buscarnas fontes populares o vigor de seus escritos: no mesmo ano em quese formou em Medicina Pública, sob o pseudônimo Alcofribas Nasier(anagrama de seu verdadeiro nome), lançou sua primeira obra literá-ria, Pantagruel. Devido ao teor satírico de seus textos, foi duas vezescondenado pelos acadêmicos da Sorbonne e duas vezes protegidopor reis franceses (Francisco I e Henrique II), que viabilizaram a pu-blicação de seus livros.
o adaptador Christian Poslaniec nasceu em Paris, França, em 1944.Especialista em literatura juvenil, é também romancista, poeta e en-saísta. Engajado na promoção de leitura entre os jovens, foi presiden-te do Comitê de seleção de obras juvenis do Ministério da Educaçãoda França e pesquisador no Institut National de Recherche Pédago-gique (INRP), além de possuir extensa produção ficcional e teóricasobre o assunto.
o ilustrador Ludovic Debeurme nasceu em Paris, França, em 1971.Estudou Artes na Sorbonne e, em 2002, publicou seu primeiro álbumde sucesso, Céfalus. Em 2006 ganhou o prêmio René Goscinny porLucille, que também foi destaque no Festival Internacional de Quadri-nhos de Angoulême. Além de ilustrador, é músico, desempenhandoas duas atividades profissionalmente em Paris, onde vive.
o livro Gargântua foi publicado por
volta de 1534, em pleno Renascimento,
após o grande sucesso de Pantagruel,
livro de estreia de François Rabelais
na literatura. Em Gargântua, ele narra
o nascimento do gigante, pai de Pan-
tagruel, bem como seus anos de for-
mação e sua participação em uma
violenta guerra que se inicia por mo-
tivos nada nobres, como o roubo de
algumas fogaças. No estopim banal
de um combate sangrento e prolongado
insinua-se uma das novidades que a
narrativa de Rabelais oferecia a seu
tempo: a relativização de quaisquer
idealismos (em relação à religião, ao
Estado ou à própria experiência hu-
mana), que pautaram a Idade Média,
da qual ele era crítico implacável.
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Nesse livro, Rabelais intensifica e aperfeiçoa sátiras e re-
flexões sobre sua época (já presentes em Pantagruel), obtendo
enorme êxito tanto entre nobres e burgueses quanto entre as
classes populares, ainda que tenha sofrido censura e perse-
guições por parte de intelectuais da Universidade Sorbonne
e de membros do Parlamento francês.
Embora à primeira vista pareça ser uma obra literária cujo
objetivo central é fazer rir, em sua matriz está uma profun-
da meditação sobre o homem e suas possibilidades no novo
mundo que surgia com o Renascimento, configurando-se
como um dos marcos desse momento de transição entre a
Idade Média e a Idade Moderna. Nesta adaptação, Christian
Poslaniec procurou manter, sempre que possível, o texto ori-
ginal, adaptando-o para o francês moderno e selecionando
catorze capítulos-chave entre os 58 originais.
OBRA EM CONTEXTO
o hum anismo
O enfraquecimento do feudalismo, o início da constituição
dos Estados nacionais e, sobretudo, as descobertas de novas
terras na América e na Índia tiveram importantes conse-
quências para a imaginação e a cultura europeias do século
XVI. Uma delas foi o surgimento do humanismo, corrente de
pensamento que teve desdobramentos nas áreas da filosofia,
das ciências, das artes plásticas e da literatura.
Com o descobrimento de outros povos e costumes e diante
das importantes mudanças socioeconômicas que marcaram
o período, pensadores e artistas tiveram a chance de conhe-
cer e investigar novas formas de expressão e vida, distintas
da ideologia medieval predominante até então. O homem
tornava-se, assim, o centro das atenções, numa visão antro-
pocêntrica do mundo. Na diversidade dos fenômenos que
gravitam em torno da experiência humana, os humanistas
buscavam o material para tecer suas reflexões filosóficas e
estéticas, afastando-se do teocentrismo que tinha marcado
a Idade Média.
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G a r G â n t u a • F r a n ç o i s r a b e l a i s / C h r i s t i a n P o s l a n i e C ( a d a P t . )
Não à toa, houve renovado interesse por textos da Antigui-
dade (literatura e filosofia), em contraposição à escolástica
medieval, contruindo o que hoje chamamos de perspectiva
individual, mais próxima do livre-arbítrio do que de dogmas
estanques. Esse pensamento humanista, um dos marcos da
transição da Idade Média para a Idade Moderna, está na base
de Gargântua. Mais do que isso, Rabelais associa seu livro ao
espírito livre da cultura popular, criando uma das obras mais
importantes de seu tempo.
cultur a p opul ar na europa m edie val
Vários pensadores e artistas humanistas foram buscar na cultura
popular maneiras de se opor à ideologia medieval predominante,
e Rabelais, sem dúvida, foi o maior exemplo disso. Para elaborar
sua obra, ele recorreu a um dos elementos mais importantes
das festas populares da Idade Média: o riso.
Em tudo distintas das comemorações oficiais (religiosas
ou de Estado), cujo tom sério disseminava valores ligados a
estabilidade e rigidez, bem como a tabus religiosos e políticos,
reiterando o caráter imutável das hierarquias, as celebrações do
povo (religiosas ou não), ocorridas em praça pública, davam
lugar à comicidade e à inversão de papéis sociais.
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Totalmente independente da Igreja e do Estado, e funda-
mentado na noção de liberdade, o carnaval tornou-se uma das
festas populares mais importantes do período. Celebrações cujo
riso era elemento essencial existiam desde a Antiguidade, sen-
do valorizadas sob a forma de ritos sagrados. Na Idade Média,
pelo fato de ter sido associado à falta de pudor, ao paganismo
e ao pecado por parte da teologia dominante, o riso só podia
se expressar de forma solta nas festas populares ou de forma
contida em figuras cristalizadas como o bobo da corte no caso
de eventos do Estado.
Foi justamente na comicidade popular e na quebra de hie-
rarquias da Igreja e do Estado que Rabelais encontrou a matéria
central para compor seu Gargântua, cujo espírito de liberdade
ia ao encontro das ideias do humanismo, nas quais o riso assu-
mia lugar central, sendo uma das formas pelas quais a verdade
podia se exprimir. Hipócrates, Luciano e Aristóteles, autores
da Antiguidade que influenciaram Rabelais, consideravam o
riso uma das singularidades humanas, uma vez que, segundo
Aristóteles, o “homem é o único ser vivente que ri”.
O nascimento de Gargântua – episódio que abre o livro, em
que há abundância de comida e bebida, sem nenhuma restrição
de linguagem nem separação entre o alto (espírito) e o baixo
(corpo) – apresenta ao leitor o universo festivo que tomará
conta de toda a narrativa.
r e alismo grotes co
Certamente, chama a atenção do leitor de Gargântua as
proporções monstruosas, os excessos e exageros de certas
descrições – como no momento em que o gigante afoga mais
de 200 mil pessoas com sua urina ou quando sua égua faz
cair por terra todas as árvores de uma floresta com sua cau-
da. Note-se também a ênfase que o autor dá ao corpo, cujas
proporções também são intensificadas – afinal, as personagens
principais da narrativa são gigantes.
Nesse aspecto Rabelais também bebeu nas fontes populares,
trazendo para sua obra características do realismo grotesco:
modo de representação da cultura cômica popular, fixada em
paródias de romances de cavalaria e na dramaturgia cômica.
Inspirado por tal cultura, ele intensifica as proporções e dá
ênfase à materialidade corporal, rebaixando tudo o que é
O grotesco na pinturaO grotesco, termo criado na Antiguidade Clássica e associado às artes decorativas, influenciou uma série de artistas ao longo dos tempos, principalmente os renascentis-tas. Deformações, desproporções, elemen-tos irreais e monstruosidades, combinados das mais diversas formas, resultaram em obras cômicas ou perturbadoras, que tanto podem despertar o riso pelo seu efeito caricatural como causar angústia pelo excesso de fantasia beirando o sinistro.
Em Pieter Brueguel (O Velho) e Hie-ronymus Bosch, dois grandes nomes da pintura flamenga do século XVI, as figuras
carnavalização
Ao estudar a obra de Rabelais, o crítico li-terário russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) chamou de carnavalização o processo de transposição para sua literatura de certas características do carnaval medieval. Entre elas está o emprego de uma lingua-gem sem restrições, repleta de grosserias e obscenidades, proibida em situações oficiais. Além disso, segundo Bakhtin, Rabelais transpõe para Gargântua o espí-rito utópico do carnaval, momento único de relativização de verdades, liberdade e igualdade, elementos quase nunca presen-tes no cotidiano da Idade Média.
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considerado ideal, elevado ou abstrato, conceitos valorizados
no contexto medieval. Essa representação monstruosa (tanto
do corpo como da realidade) possui para ele conotação positiva:
rebaixar significa aproximar o corpo da terra, local onde a vida
se inicia e finda (coito, fertilidade e morte).
O nascimento de Gargântua, imiscuído à dor de barriga de
sua mãe, evidencia o entrelace que Rabelais opera entre o sur-
gimento da vida e o mundo corporal sem idealizações. Dessa
maneira, o autor dá ênfase à materialidade humana no que ela
tem de imperfeita e inacabada, ligada à totalidade de aspectos da
vida natural e biológica, contrapondo-se à ideia de perfeição e
imutabilidade. Destaca-se, assim, o que há de fluido e transitório
na experiência humana. A centralidade e as proporções gigan-
tescas que o corpo humano assume em Gargântua estão bem
fixadas nas ilustrações de Ludovic Debeurme, que mostram o
contraste entre o tamanho do gigante e outros objetos, pessoas
e construções – como a célebre catedral de Notre Dame, um
dos cartões-postais de Paris.
Somem-se a isso as infindáveis enumerações, também
presentes em obras da época, que sugerem multiplicidade e
movimento: “E, como só mulheres caolhas, mancas, corcundas,
feias, doentes, doidas, disformes ou taradas eram internadas
em conventos [...] ordenou-se que seriam recebidas nesse lu-
gar apenas mulheres belas, benfeitas, de boa origem” (p. 37).
gênero fes cenino e sátir a
O gênero fescenino é uma modalidade literária surgida no
Império Romano, mais especificamente nas festas de caráter
ritualístico ocorridas em Fescênia, região da Etrúria. Trata-se
de poemas cantados para celebrar a fertilidade, com vocabulário
obsceno e escatológico, tendo no burlesco um elemento forte-
mente presente. Há indícios de que a sátira latina, modalidade
literária também muito importante no Império Romano, tenha
se originado da poesia fescenina, constituindo-se como gênero
de caráter moralizante, cujo intuito é tecer críticas sociais e po-
líticas por meio do riso, passível de ser provocado pelo exagero
do ridículo, da paródia, do rebaixamento de figuras elevadas e
de outras técnicas literárias.
As festas agrícolas e ritualísticas do Império Romano, nas
quais o gênero fescenino era cultivado, atravessaram os tempos
o gênero fescenino
no brasil
A linguagem obscena e irreverente da poe-sia fescenina não inspirou apenas a cultura medieval de Rabelais, na França. Gregório de Matos (1636-96), tido como um dos maiores poetas barrocos do Brasil, causou alvoroço em sua época pelos versos de cunho altamente satírico e teor erótico, alguns deles recheados de ácidas críticas à Igreja. Não à toa ganhou a alcunha de Boca do Inferno ou Poeta Maldito, vindo a influenciar escritores contemporâneos como o poeta e prosador brasileiro Glauco Mattoso. Na composição de seus poemas e romances, Glauco abusa de vocabulá-rio chulo, a exemplo deste trecho de seu soneto “Flatulento”:
O peido, mais que o arroto, inspira o riso / Gostoso, desbragado, gargalhado, / Da parte de quem pode ter peidado, / Enquanto os outros fazem mau juízo.
grotescas estão relacionadas à combinação de elementos sobrenaturais, na maioria dos casos ligados ao imaginário cristão, especialmente do inferno.
No romantismo, movimento estético iniciado no final do século XVIII, as re-presentações grotescas foram retomadas, situando-se entre o sinistro e o burlesco, a exemplo do quadro O pesadelo (1781), de Heinrich Füssli, e boa parte da obra de Francisco Goya.
Mais tarde, no século XX, artistas sur-realistas criaram metáforas grotescas para deflagrar sensações de estranhamento no espectador, estimulando assim projeções inconscientes. Entre os muitos nomes da época que apostaram no grotesco estão Salvador Dalí e Max Ernst. Mas talvez seja o anglo-irlandês Francis Bacon, tido como um dos grandes nomes do figurativismo, um dos mais expressivos representantes modernos da arte grotesca por meio de seus retratos transgressivos, plenos de distorções.
Para saber mais:
Acesse: <http://im-akermariano.blogspot.com.br/2012/10/o-grotesco-nas-artes--visuais.html>.
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G a r G â n t u a • F r a n ç o i s r a b e l a i s / C h r i s t i a n P o s l a n i e C ( a d a P t . )
e assumiram novas formas em sociedades distintas: pode-se
dizer que o carnaval medieval é uma espécie de evolução dessas
festas da Antiguidade, conservando sua linguagem obscena
e rebaixada. Do mesmo modo, a tradição da sátira latina se
estendeu até a Idade Média, colaborando para a constituição
das figuras cômicas da literatura medieval, conservando téc-
nicas e, sobretudo, o espírito crítico da sátira.
Vale portanto ressaltar o caráter festivo que o riso assumiu
na cultura popular medieval: um riso ambivalente, que nega e
afirma ao mesmo tempo os objetos escarnecidos, envolvendo
até mesmo aqueles que riem. Ou seja, no contexto popular
medieval o riso da tradição latina ganhou aspecto regenerador
e positivo. Desse modo, o caráter satírico da obra de Rabelais
preserva o aspecto contestador da sátira da Antiguidade, cri-
ticando os costumes (sobretudo da Igreja) por meio do riso,
mas dá ênfase ao riso festivo da cultura popular, colocando
em xeque tanto o outro quanto a si mesmo. Assim, sua obra se
distingue da concepção moderna de sátira, em que geralmente
se emprega o humor negativo.
mistur a de estilos
Embora Rabelais tenha se valido de certas características dos
festejos da Idade Média, sobretudo do carnaval, há forte presença
de fontes literárias eruditas na tessitura de sua obra, condizen-
tes com sua educação franciscana e humanista. A vertiginosa
mudança de temas que notamos na trama vem acompanhada
de mudança de estilos: a linguagem baixa do carnaval, presente
na caracterização da maioria das ações de Gargântua – “Mija-
va nas calças, cagava na camisa, assoava o nariz nas mangas”
(p. 8) –, eleva-se sobretudo quando ref lexões humanistas
ganham lugar no enredo – como no capítulo que narra a cons-
trução de Thelema, em que Gargântua afirma que “o melhor
jeito de perder tempo era contar as horas e que a maior loucura
era deixar-se governar pelas badaladas de um sino em vez de
guiar-se pelo bom senso e pela razão” (p. 37).
Nos capítulos subsequentes, ainda dedicados ao tema da
abadia, a trama ganha contornos líricos sob a forma de dois
poemas: o da porta de entrada de Thelema e o encontrado em
uma placa nos subterrâneos da abadia, que fecha o livro. Nesse
último, um poema-enigma, percebe-se de forma pungente a
construção de thelema
O episódio da criação da abadia é um dos pontos altos do livro, uma crítica aguda à ideologia oficial da Idade Média que consagrava uma visão unívoca dos fenô-menos humanos. Na abadia de Thelema, cujo lema é “Faça o que quiser”, Rabelais constrói a utopia humanista de um mundo mais livre, mais aberto à multiplicidade de visões e à riqueza da experiência. Nesse sentido, Thelema seria uma espécie de novo mundo – assim como as terras então recém-descobertas no além-mar –, apre-sentando outras possibilidades de viver para além dos dogmas disseminados pela Igreja e pelo Estado.
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G a r G â n t u a • F r a n ç o i s r a b e l a i s / C h r i s t i a n P o s l a n i e C ( a d a P t . )
ambivalência que perpassa toda a obra: Gargântua o interpreta
de modo elevado, identificando-o com a vontade divina. No
entanto, o monge sugere uma interpretação mais rebaixada,
identificando o enigma com o jogo da pela. Diz, ainda, que é
possível extrair desse poema-enigma “todos os sentidos ocultos
que quiser” (p. 45) – frase que parece condensar o espírito da
obra, a qual trabalha com a multiplicidade de visões e riqueza
das experiências humanas. Portanto, para configurar a com-
plexa realidade presente em Gargântua, Rabelais vale-se de
sua formação erudita, misturando a alta cultura eclesiástica e
humanista às várias formas de expressão popular.
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G a r G â n t u a • F r a n ç o i s r a b e l a i s / C h r i s t i a n P o s l a n i e C ( a d a P t . )
NA SALA DE AULA
Por tudo o que foi exposto, a obra de Rabelais é rica em temas
relativos a história, filosofia, arte e literatura, sendo um interes-
sante ponto de partida para o desenvolvimento de atividades
pedagógicas divertidas e envolventes. Além das atividades
usuais de contextualização da obra e do autor (neste caso,
com ênfase no Renascimento e no humanismo) e de leitura
e interpretação do texto, o professor poderá propor as ativi-
dades que se seguem, abordando as principais características
da obra de Rabelais e levando em conta sua adequação à faixa
etária dos alunos:
• Depois de explicada a noção de carnaval do ponto de
vista histórico e da carnavalização na obra de Rabelais,
escolha um livro clássico da literatura brasileira recen-
temente trabalhado pela turma (como uma obra de José
de Alencar ou de Machado de Assis). Divida os alunos
em grupos e peça que cada um deles eleja um trecho da
obra selecionada e opere nele uma “carnavalização”, com
base nas técnicas empregadas por Rabelais em Gargântua:
inclusão de vocabulário popular, recursos cômicos, pro-
porções intensificadas, imagens de rebaixamento (foco
no corpo em lugar do pensamento) e enumerações. Se
preferir, deixe de lado os clássicos da literatura brasileira e
peça que desenvolvam o próprio enredo, tendo como eixo
essas técnicas. A atividade pode ser concluída em casa. Na
aula seguinte, cada grupo lerá seu trecho “carnavalizado”.
Este é um bom ponto de partida para discutir as funções
da linguagem cômica e paródica da obra de Rabelais e
as funções regeneradoras ou humanistas do carnaval.
• Proponha uma pesquisa sobre paródia, sátira e caricatu-
ra da Antiguidade até hoje, tendo como base literatura,
artes visuais, cinema, televisão e teatro. Como se trata
de um trabalho de fôlego, o melhor é fazê-lo em grupo
e em etapas, com a orientação dos professores das áreas
envolvidas. Cada grupo ficará responsável por um perío-
do histórico (Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna,
Idade Contemporânea). No final do processo, os trabalhos
Para saber mais
Para o aluno
• Andrade, Mário de. Macunaíma, oherói sem nenhum caráter (1928). SãoPaulo: Nova Fronteira, 2012.
A rapsódia modernista possui similaridadescom a obra de Rabelais, como as infin-dáveis enumerações, o ritmo vertiginosoe a interpenetração entre cultura letradae cultura popular. Assim como o autorfrancês, Mário de Andrade incorporoumuito do riso popular à sua obra (inclusivea linguagem cômica e rebaixada), configu-rando uma das mais importantes obras daliteratura nacional.
• antoine-andersen, Véronique. Artepara compreender o mundo. São Paulo: Edições SM, 2007.
Com abordagem crítica, texto bem--humorado e reproduções de obras detodos os tempos, esse livro proporcionaum verdadeiro debate sobre a função daarte. Entre os vários artistas abordados, estáHieronymus Bosch, um dos representantesdo realismo grotesco.
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G a r G â n t u a • F r a n ç o i s r a b e l a i s / C h r i s t i a n P o s l a n i e C ( a d a P t . )
elaboração do guia Carolina Serra Azul (mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, com estudo sobre João Guimarães Rosa); edição e redação do boxe “o grotesco na pintura” Graziela R. S. Costa Pinto; revisão Carla Mello Moreira.
serão apresentados sob a forma de seminário ilustrado com
linha do tempo. Com a ajuda dos professores de artes e
história, as quatro linhas do tempo poderão ser unidas e
constituirão um painel a ser exposto na escola.
• Proponha aos alunos que escolham episódios de Gargântua
não contemplados pelo ilustrador Ludovic Debeurme e os
ilustrem segundo a noção de realismo grotesco ou então que
façam intervenções em reproduções de obras de arte da
Idade Média, tomando como exemplo não só o trabalho
de Debeurme no livro, mas o de outros ilustradores para
a mesma obra, assim como o de artistas que trabalharam
com o grotesco (ver boxe “O grotesco na pintura”).
• Tomando como base o conceito de utopia humanista, peça
aos alunos para criarem um mundo utópico (fantástico,
ideal, transformador do ponto de vista ético ou social),
tomando como referência não só a abadia de Thelema
imaginada por Rabelais, mas os universos imaginários
presentes na ficção científica (em Avatar ou Star Trek,
por exemplo).
• Por fim, fica a sugestão de explorar com os alunos as
ilustrações de Ludovic Debeurme relativas às páginas 38,
41 e 43, que incorporam, de modo bastante ousado, as
ideias de carnavalização e paródia, ao ilustrar a utópica
Thelema de forma bem-humorada. Os alunos podem
parodiar os anúncios de propaganda dos anos 1950-60,
em uma combinação intrigante e muito atrativa, geradora
de novos sentidos.
• cervantes, Miguel de. Dom Quixotede La Mancha (1605).
O clássico da literatura ocidental possuicontornos cômicos, configurando-se comoparódia dos romances sérios de cavalaria erebaixando todo o idealismo abstrato me-dieval. As descrições de festas e banquetescompartilham muito da abundância pre-sente em Gargântua, guardando algo doriso regenerador que aparece com força naobra de Rabelais. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb00008a.pdf>. Acesso em: jan. 2015.
• neira CRUZ, Xosé A. O arminho dorme.São Paulo: Comboio de Corda, 2009.
Romance que se passa em Florença noséculo XVI, retratando a história de umafilha bastarda de um nobre que perde sualiberdade quando é levada a morar emmeio ao luxo e à ostentação dos Medici.Embora não trate diretamente dos temaspeculiares a Rabelais, oferece boa ambien-tação do período renascentista em que suaobra se insere.
Para o professor
• auerbach, Erich. “O mundo na boca de Pantagruel”. In: Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2004.
Discorre sobre a célebre mistura de estilos operada por Rabelais e demonstra sua importância na configuração de uma representação séria do cotidiano na litera-tura ocidental.
• baKhtin, Mikhail. A cultura popularna Idade Média e no Renascimento: ocontexto de François Rabelais. São Paulo:Hucitec; Brasília: Editora Universidade deBrasília, 2008.
Um dos mais importantes estudos sobrea obra de Rabelais, analisa minuciosa-mente o estilo do autor e reflete sobre ahistória do riso e dos festejos medievais,bem como sobre seus desdobramentos nosescritos rabelaisianos.