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INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
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GÊNEROS E PRÁTICAS DE LETRAMENTO NOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS
Elza Sabino da Silva Bueno - UEMS *
Márcio Palácios de Carvalho – IFMS**
RESUMO: Gêneros textuais e letramento são conceitos que vêm sendo discutidos em pesquisas
relacionadas ao processo de escrita e leitura nas escolas brasileiras. Ao encontro desses temas, fazem-se
necessários estudos que abordem a mesma temática, no sentido de verificar in loco a realidade em uma
determinada comunidade escolar. Nesta perspectiva, escolheu-se, neste texto, trabalhar com dois livros
didáticos: 8º e 9º anos de Língua Portuguesa adotados pela Rede Municipal Escolar de Nova Andradina
– MS e verificar como o manual didático contribui para propiciar ao discente o conhecimento e domínio
da língua materna através dos gêneros. Domínio este que ultrapassa o ambiente escolar, pois são
práticas letramento cobradas em situações cotidianas como, por exemplo, um preenchimento de
formulário ou até mesmo uma entrevista de emprego. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB, Lei nº 9394/96), garante que ao final do ensino fundamental o estudante tenha o pleno domínio da
escrita e da leitura. Durante a análise dos livros, foi constatado que os gêneros da esfera literária estão
mais presentes nos manuais didáticos. Com isso, tais manuais têm por objetivo trabalhar a leitura, no
entanto, é preciso ter cutela na seleção dos gêneros, pois o contexto social em que o estudante está é
diferente e diversificado. Em relação aos aspectos teóricos e metodológicos, o trabalho pauta-se nos
estudos sobre letramento e gêneros textuais, que têm como representantes: Abreu (2002), Bakhtin (1997),
Marinho (2010), Rojo (2009), Street (1984; 2014), Soares (2010) entre outros pesquisadores que
trabalham com temas relacionados.
RESUMEN: Géneros textuales y letramento son conceptos que se han discutido en las investigaciones
relacionadas con el proceso de la escritura y la lectura en las escuelas brasileñas. En la misma
dirección, es necesario estudios acerca del mismo tema, con el fin de verificar in loco la realidad de una
comunidad escolar en particular. En esta perspectiva, se ha elegido en este texto, trabajar con dos libros
didácticos: 8º y 9º años de Lengua Portuguesa adoptadas por la Red Escuela Municipal de Nueva
Andradina - MS y ver cómo el manual de enseñanza ayuda a entregar al estudiante el conocimiento y
dominio de la lengua materna a través de géneros. Contexto que va más allá del ámbito escolar, pues son
prácticas de letramento recogidos en situaciones cotidianas, por ejemplo, un rellanar una ficha o incluso
una entrevista de empleo. La Ley de Directrices y Bases de la Educación Nacional (LDB, Ley Nº
9394/96), asegura que en el fin de la enseñanza primaria el alumno tiene el pleno dominio de la escritura
y la lectura. Durante el análisis de los libros, se encontró que los géneros de la esfera literaria están más
presentes en los libros de texto. Con estos, dichos manuales tienen objetivo de trabajar la lectura, sin
embargo, es necesario tener cuidado en la selección de géneros, pues debido al contexto social en que el
estudiante se encuentra es diferente y diverso. En relación a los aspectos teóricos y metodológicos, el
trabajo buscó referencias en estudios de letramento y géneros, cuyos representantes: Abreu (2002),
Bakhtin (1997), Marinho (2010), Rojo (2009), Street (1984; 2014), Soares (2010) y otros investigadores
que trabajan con temas cercanos.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino fundamental. Gêneros. Letramento. Livro didático.
PALABRAS-CLAVE: Enseñanza primaria. Géneros. Letramento. Libro de didáctico
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
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PALAVRAS INICIAIS
A principal motivação de estudar os gêneros textuais e as práticas de letramento que
aparecem no livro didático, utilizado nas aulas de Língua Portuguesa pela Rede
Municipal de Educação de Nova Andradina–MS, foi inspirada pela necessidade de
contribuir com o ensino, verificando quais são os gêneros textuais presentes no Livro de
Português e se eles refletem as práticas de letramento exigidas na comunidade da cidade
estudada.
O texto busca dar subsídio aos docentes, mostrando se há necessidade de buscar outros
gêneros textuais para suprir os pontos não comtemplados no livro de Português, pois
sabemos que, às vezes, a falta de tempo impede que os discentes realizem uma boa
análise do material de apoio ao ensino.
E ao reproduzir os conteúdos do livro mecanicamente, corre-se o risco de não perceber
o que realmente é necessário para a aprendizagem do estudante em uma determinada
sociedade. Além disso, a escola perde a oportunidade de conhecer a cultura escrita de
cada estudante, já que esse material parte de perspectiva de que todos estão em um
mesmo nível de letramento, desconsidera as peculiaridades locais.
Neste sentido, o trabalho parte do princípio de que alguns gêneros textuais presentes no
Livro de Português nos últimos ciclos do ensino fundamental não precisam ser seguidos
à risca, enquanto outros precisam ser incorporados nas práticas escolares,
principalmente, nas camadas sociais menos favorecidas.
A valorização de determinados gêneros, deve-se ao fato de que, historicamente, o
ensino privilegiou a classe dominante, assim as práticas de letramento escolar obedecem
a uma estrutura social, o que faz com que essas não correspondam a uma clientela
escolar tão diversificada que é a que temos hoje (SILVA, 2007).
Para discutir as questões apresentadas acima e dentro dos limites desse estudo,
organizamos o texto em três subtítulos, mais a parte em que colocamos as nossas
considerações finais, a saber, no próximo item apresentamos o referencial teórico que
serviu de embasamento do texto, nesse tópico apresentamos a teoria dos Novos
Letramentos.
No segundo subtítulo, abordamos com mais detalhes os conceitos de gêneros e práticas
de letramento que estão presentes nos manuais didáticos utilizados no estudo, assim
como a ligação entre um com outro e porque o ensino passou a ser organizar em torno
dos gêneros textuais.
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O terceiro subtítulo discute e apresenta os gêneros encontrados nos manuais didáticos e
como eles influenciam nas práticas de letramentos, por fim, têm-se as considerações
finais, onde tecemos algumas sugestões para que o ensino se torne mais significativo
para o estudante.
1 EMBASAMENTO TEÓRICO UTILIZADO NO ESTUDO
Toda comunicação verbal, atividade exclusivamente humana, concretiza-se por meio de
enunciados que podem ser orais ou escritos. Mesmo que cada indivíduo tenha sua
própria história de vida, a exteriorização do pensamento por meio da fala ou da escrita
acontece em forma de esferas, elaborada de acordo com o contexto social e cultural de
produção, esses enunciados são relativamente estáveis, em outras palavras, são gêneros
do discurso que possuem características comuns (BAKTHIN, 1997, p.158).
Tais características, segundo o autor, não se referem isoladamente ao conteúdo
temático, ao estilo verbal, às escolhas lexicais ou às estruturas gramaticais, mas ao todo,
fundido de forma indissoluvelmente no enunciado marcado pela especificidade de um
contexto de comunicação oral ou escrito.
Em relação aos gêneros concretizados, Dolz e Schneuwly (2004, p.97) argumentam que
assim como nós mudamos a nossa comunicação, dependo do contexto em que estamos
inseridos, os textos escritos ou orais também sofrem adaptações, pois são produzidos
em condições diferentes, mas com caraterísticas semelhantes que são conhecidas e
reconhecidas por todos.
Na mesma direção argumentam as pesquisadoras Rojo e Barbosa (2015) quando dizem
que não há uma definição acabada de gênero, pois assim como a atividade humana é
inesgotável, os gêneros também são e, vão se modificando e ampliando à medida que
surgem novas formas de enunciados que se concretizam por meio de determinados
gêneros.
Em relação ao letramento, os primeiros estudiosos que passaram a compreender que a
real efetivação da escrita e da leitura estava relacionada às práticas sociais e culturais
foram Barton e Hamilton (1998) e Street (1984), e os dois primeiros autores mais Ivanic
(2000), essa nova teoria denominou-se New Literacy Studies.
Para Barton e Hamilton (1998) ao associar a leitura e escrita com as práticas sociais e
culturais é possível estabelecer uma ligação entre as habilidades – ler e escrever - que
cada indivíduo tem com a materialização em tarefas diárias como, por exemplo,
posicionar-se criticamente diante de uma propaganda ou de um discurso político.
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Posicionamento semelhante defende o teórico Street (2014, p.19) que entende
letramento como uma prática social numa perspectiva transcultural. Para o autor, leitura
e escrita estão inseridas em práticas sociais linguísticas reais que lhes conferem
significados, assim para verificar o nível de letramento adulto nos Estados Unidos
foram utilizados poemas, já no Sudoeste Asiático foram usadas folhas de palmeiras. O
mesmo método de avaliação não pode ser aplicado em ambos os países, pois se tratam
de culturas muito diferentes.
Outra distinção importante feita por Street a respeito da forma como a aquisição do
letramento é realizada por grupos sociais e sociedades inteiras, o autor apresenta dois
tipos: autônomo e o ideológico. O primeiro parte de uma concepção generalista, por
exemplo, ensinar as pessoas a ler e escrever a partir de uma cultura específica, já o
modelo ideológico é mais atento à socialização do conhecimento durante o processo de
letramento para os participantes, requer relatos minuciosamente detalhados de todo o
contexto social.
É nesta última perspectiva que este trabalho trilha, pois ao reproduzir os conteúdos do
livro didático, sem uma análise crítica do que realmente é relevante, as dificuldades e os
problemas de ensino tornam-se invisíveis. Há um processo de apagamento das
peculiaridades de cada estudante, que se torna pouco participativo no, nas aulas de
Língua Portuguesa.
Para desvendar essa noção de um ensino generalizado, recorremos a uma análise de dois
livros didáticos: 8º e 9º anos que foram selecionados pela Rede Municipal de Educação
da cidade de Nova Andradina – MS para o triênio de 2014 – 2016, verificando quais são
os gêneros abordados neste material de apoio ao professor em sala de aula.
A distribuição de livro no Brasil acontece com o apoio do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) que tem por objetivo distribuir livros às escolas brasileiras para
subsidiar o trabalho dos professores. Cada professor sugere determinada coleção para
trabalhar durante três anos, mas, às vezes, outras variáveis interferem na escolha do
professor: uma delas é o menor preço do livro. Portanto, nessa escolha, nem sempre o
professor trabalha com o material que ele julga mais adequado para seus estudantes.
Diante desse paradoxo, temos que pensar quais gêneros serão significativamente
relevantes para os estudantes e quais as práticas de letramento terão que ser
desenvolvidas em determinada escola, nesse caso escolas do ensino fundamental. É o
que pretendemos mostrar neste estudo.
2 GÊNERO E LETRAMENTO NO ENSINO FUNDAMENTAL
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O termo gênero refere-se a formas tipicamente estruturadas dos textos que podem ser
híbridas ou convencionais. Em nossas atividades comunicativas, fazemos usos dos
gêneros, estabelecendo ligações entre si dentro de contextos sociais e culturais
específicos (SILVA, 2007. p. 23).
Sabemos que o contexto de uso das práticas letradas é muito diferente em uma escola
localizada em uma região nobre da cidade e outra localizada em um bairro com altos
índices de violência. Por esses e outros motivos é que se deve olhar com cautela para
materiais produzidos em larga escala, pois nesta perspectiva está um modelo autônomo
que não legitima as diferenças socioculturais das diferentes regiões do país.
A esse respeito Street comenta que:
Os povos locais têm seus próprios letramentos, suas próprias habilidades e
convenções de linguagem e suas próprias maneiras de apreender os novos
letramentos fornecidos por agências, pelos missionários e pelos governos
nacionais (STREET, 2014, p.37).
Os programas de letramento devem partir de uma perspectiva que inclua as
necessidades locais da sociedade contemporânea. Para alcançar tal objetivo é necessário
que haja um planejamento político-educacional que reconheça os problemas locais,
nesse ponto cabe também a nós, pesquisadores, professores e todos aqueles envolvidos
no cotidiano escolar, mostrar as reais dificuldades de nossos estudantes com relação ao
ensino aprendizagem de língua e uso dos diferentes gêneros textuais, em outras
palavras, o movimento para a mudança deve começar de baixo para cima e não ao
contrário.
A falta desse planejamento reflete na escola, muitos professores, principalmente das
camadas populares, se queixam pela baixa familiaridade com a leitura e a escrita
atribuída à falta de livros e material escrito no contexto familiar. Na realidade, há um
descompasso, pois os usos da leitura e da escrita nas camadas populares são diferentes
dos usos escolares, que são valorizados pelas camadas hegemônicas (SOARES, 2010).
Com relação à leitura que circula na escola, Abreu (2006) comenta que:
a avaliação estética e o gosto literário variam conforme a época, o grupo
social, a formação cultural, fazendo que diferentes pessoas apreciem de modo
distinto os romances, as poesias, as peças teatrais, os filmes. Muitos,
entretanto, tomam algumas produções e algumas formas de lidar com elas
como as únicas válidas. E aí reclamam porque o brasileiro não lê e não tem
interesse pela cultura. Muita gente pensa assim e, por isso, são criadas
organizações encarregadas de difundir o gosto pela leitura, são elaboradas
propagandas divulgadas pelo rádio, pela televisão, em jornais, em outdoors e
em revista especializadas para estimular a leitura e o contato com livros
(ABREU, 2006. p. 59).
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Como resultado dessa visão estreita da leituta, e sobre disso há muitas reclamações de
professores dizendo que há uma resistência e desinteresse dos alunos pela leitura. Na
outra ponta, muitos alunos dizem ter dificuldade na compreensão e na leitura de textos.
Faltam nessas queixas de ambas as partes uma análise mais profunda sobre quais
práticas de letramento foram oferecidas aos alunos ao longo dos nove anos do ensino
fundamental.
Outra questão que deve ficar clara antes de apontar o baixo nível de nossos estudantes é
a distinção entre evento de letramento e práticas de letramento. O primeiro descreve
uma determinada situação de interação mediada pelo texto escrito. Práticas de
letramento, por sua vez, buscam estabelecer relações desses eventos com algo mais
amplo, em uma dimensão cultural e social, ou seja, são formas particulares de pensar e
ler e de escrever em contextos culturais (MARINHO, 2010).
Bagno (2002) propõe que a nossa tarefa é a de fazer com que o aluno adquira e
desenvolva graus de letramento. Para tanto, ele sugere que a escola deve trabalhar com
um conjunto de habilidades e comportamentos de leitura e escrita, permitindo fazer o
maior e mais eficiente uso possível das capacidades técnicas de ler e escrever.
Um caminho para superar o histórico de exclusão e fracasso que o ensino enfrenta é
verificar práticas de letramento que circulam na escola, e propor novas alternativas que
estabeleçam uma ligação entre culturas e letramentos como, por exemplo, trabalhar com
textos reais e que os alunos possam vivenciar esses textos em seu cotidiano.
Ao afirmar que ao final do ensino fundamental o estudante tenha o pleno domínio da
escrita e da leitura. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº
9394/96) toma como base o modelo autônomo, pois parte de uma visão de que todos os
estudantes do ensino fundamental possuem um mesmo nível de leitura e escrita,
pertencente a um mesmo contexto social.
Para Rojo (2009) as práticas sociais de letramento exercidas nos diferentes contextos de
nossas vidas aumentam o nosso desenvolvimento de leitura e de escrita. Daí a
necessidade de oportunizar aos estudantes gêneros textuais que serão utilizados em
diversas situações.
Mesmo que abarcando uma grande quantidade de gêneros textuais, o livro didático
acaba de certa forma limitando ou valorizando determinados gêneros. Isso acontece,
porque durante muito tempo a escola adotou, em alguns casos ainda adota uma
perspectiva dos grupos sociais dominantes. Com isso, a escola caminha
involuntariamente para uma direção de exclusão ao invés de inclusão.
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Para apresentar outro caminho, temos que verificar as práticas de letramento legitimadas
pela escola e os textos trabalhados e se estes se relacionam com o contexto sociocultural
do aluno. Silva (2007) acrescenta ainda que:
é importante a escola reconhecer a importância dos letramentos do dia-a-dia
porque mostram que textos escritos preenchem atividades cotidianas como
comprar o passe de ônibus e o tíquete de metrô, preparar um almoço ou o que
fazer no próximo fim-de- semana. Observar a diversidade das práticas de
letramento cotidianas pode auxiliar os estudantes a enxergarem as suas
próprias práticas como relevantes para alcançarem seus objetivos de vida
diários (SILVA, 2007. p. 44).
Sabendo o motivo pelo qual se estuda determinado gênero textual, podemos estimular e
aumentar as práticas de letramento e escrita em nossos estudantes, de forma a tornar o
ensino mais significativo e atrativo ao aluno. Para tanto, materiais como o livro didático
devem ser deixados de lado em algumas situações e no lugar deste trabalhar atividades
relacionadas ao contexto escolar do estudante.
Assim, o ensino ganhará muito, escutando a fala participativa do estudante em suas
atividades pedagógicas, colaborando, discordando, questionando. O que se ouve dos
nossos alunos vai de encontro, pois quase não se escuta a participação deles durante as
aulas.
3 DISCUSSÃO DOS GÊNEROS E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO NOS
LIVROS ADOTADOS NA ESCOLA
Neste subtítulo, apresentamos os gêneros encontrados e explorados em cada unidade do
Livro de Português utilizado pelos estudantes do 8º e 9º ano da Rede Municipal de
Educação de Nova Andradina – MS. Salientamos que a escolha por analisar o material
do último ciclo do ensino fundamental foi pelo fato destes estudantes já terem uma certa
maturidade, já começam a pensar no futuro profissional e estão mais atentos ao que
acontece em seu entorno.
O levantamento dos gêneros no Livro de Português tem por objetivo verificar quais
ainda não foram incorporados e a partir desta constatação sugerir outros, contribuindo
assim com uma prática de letramento que vá ao encontro da realidade da escola e dos
estudantes.
Assim, como a atividade comunicativa é diversificada e heterogênea, os gêneros
textuais orais ou escritos também são, variam de acordo com o contexto social,
transformam-se no decorrer do tempo, novos gêneros surgem com o avanço tecnológico
enquanto outros desaparecem gradativamente.
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No entanto, em nossas práticas cotidianas, utilizamos enunciados situados dentro de
contextos específicos que são os tipos relativamente estáveis (BAKTHIN, 1997). O
quadro 1, a seguir, foi organizado de acordo com os domínios sociais de comunicação.
Para cada momento de comunicação, estamos em contextos específicos e a linguagem
que utilizamos também se adequa a determinada situação.
QUADRO 1: Agrupamento dos gêneros orais e escritos
Aspectos
Tipológicos
Domínios sociais
de comunicação
8º ano – Gêneros orais e
escritos explorados nas
unidades
9º ano – Gêneros orais e
escritos explorados nas
Unidades
Narrar
Cultura literária
ficcional
Conto maravilhoso (Unid. 4);
Texto dramático (Unid. 2);
Poema dramático (Unid. 2);
Romance de aventura (Unid.4);
Poema (Unid. 5);
Contos de enigma (Unid. 7);
Contos de suspense (Unid. 7).
Conto (Unid. 1);
Letra de samba e de rap
(Unid. 4);
Conto de Terror (Unid. 7);
Conto de humor (Unid. 7);
Relatar
Documentação e
memorização das
ações humanas
Reportagem (Unid. 8);
Infográfico (Unid. 8).
Argumentar
Discussão de
problemas sociais
controversos
Resenha crítica (Unid. 1) Anúncio publicitário
(Unid.2);
Artigo de opinião (Unid. 5);
Editorial (Unid. 8);
Charge (Unid. 8)
Cartum (Unid. 8);
Expor
Transmissão e
construção de
saberes
Entrevista (Unid. 3)
Divulgação científica (Unid.
6)
Texto paradidático (Unid. 6)
Relatório científico (Unid.
3);
Relatório de visita (Unid. 3);
Instruir Instruções e
prescrições
Roteiro de cinema (Unid. 6)
Roteiro de propaganda
(Unid. 6);
Fonte: os autores
Analisando o quadro 1 percebe-se que os livros didáticos de Português utilizados nos
anos finais do ensino fundamental na rede municipal de educação de Nova Andradina
privilegiam determinados gêneros, no caso os gêneros da esfera literária.
A mesma constatação já havia sido realizada por Silva (2007. p.153) em sua tese de
doutoramento, quando diz que a valoração de certos gêneros nas práticas de letramento
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escolares está ligada à organização social e à distribuição de conhecimento na
sociedade.
Os gêneros mais abordados nos livros estudados foram aqueles que circulam na esfera
da cultura literária, com destaque para o gênero conto. Fica clara que a intenção é
oferecer aos alunos uma grande quantidade de textos para que se desenvolva a leitura, e
certa maneira a escrita, mesmo que uma habilidade não esteja intrinsicamente ligada à
outra.
A respeito desses gêneros da esfera da literatura deve-se fazer uma verificação do grau
de letramento dos alunos em cada escola e se eles já tiveram contato com esses gêneros,
antes de começar a exploração propriamente dita dos gêneros em sala de aula. Caso não
seja feita essa sondagem inicial, o aluno poderá se sentir deslocado do assunto.
Um trabalho que pode ser acrescentado nas Aulas de Português é o gênero lendas
urbanas. Em uma atividade como está os alunos terão que realizar uma pesquisa com os
moradores, preferencialmente aqueles moradores mais velhos que detém o saber
histórico da comunidade. Com isso, estarão conhecendo melhor a história do local onde
vivem, e o processo de leitura e escrita tornar-se-á mais significativo. É o que sugere
também Soares (2010) quando diz que nos falta conhecer o uso da leitura e da escrita
em contextos diversificado.
Em relação à segunda linha horizontal, percebe-se que os gêneros da esfera
documentação e memorização das ações humanas apenas foram abordados na última
unidade do livro do 8º ano. Neste gênero, há uma oportunidade de incorporar outros
como a crônica social, por exemplo.
Outro gênero muito cobrado pela escola é o resumo escolar, os professores solicitam
esse gênero aos seus alunos sem explorar a estrutura do gênero resumo. O resultado
disso são cópias de trechos de textos totalmente sem nexo. É algo penoso tanto para o
aluno que não compreende como deve ser feito como para o professor que tem
dificuldade de verificar se o aluno conseguiu entender a ideia do texto.
A escolha por esse gênero deve-se ao fato de que a sua produção surge a partir de uma
observação do cotidiano. Ao propor o estudo dessa atividade, o ensino faz com que o
aluno passe a olhar para as questões sociais que estão ao seu redor e a partir do seu
ponto de vista. Dessa forma, a escola está contribuindo para o modelo ideológico
proposto por Street (2014) que leva em consideração a especificidade de cada contexto
social.
Na terceira linha horizontal, têm-se os gêneros que pertencem aos domínios sociais de
comunicação, essa esfera engloba a transmissão e construção de saberes. O livro do 8º
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ano apresenta apenas um gênero: a resenha crítica, o profissional deve ficar atento à
complexidade desse gênero, pois para ser um resenhista, o indivíduo deve ter o domínio
de determinado assunto. Se for cobrado um tema muito complexo, talvez acabe
afastando ainda mais o aluno da escrita e da leitura ao invés de aproximá-lo. Uma
sugestão é trabalhar com os gêneros cartas de solicitação e reclamação, são gêneros que
possuem praticidade no cotidiano, uma vez que as pessoas precisam fazer solicitações
ou reclamar de algum serviço, mas muitas vezes não o faz por fata de conhecimento de
tais gêneros.
Na esfera de comunicação de transmissão e construção de saberes, gêneros como
seminários e conferência podem ser trabalhados, porque são frequentemente cobrados
seminários e trabalhos escolares, mas não se estuda como deve ser feito tais atividades.
Na última esfera: a de instruções e prescrições também se pode notar que quase não é
cobrado nos livros didáticos analisados. Uma sugestão é que seja desenvolvido roteiro
de peças que reflitam o cotidiano da cidade ou até mesmo do bairro onde a escola está
inserida. Outra sugestão é criar regras de conduta escolar, assim, a escola pode trabalhar
como evitar possíveis brigas a partir das sugestões dos próprios alunos.
A seguir, visualizamos o quadro 2, com algumas sugestões apresentadas no texto acima
e outras que apenas estão no quadro, mas não foram citadas no texto. Reforçamos a
ideia de que esse quadro é apenas sugestivo, cada escola, cada professor deve verificar o
que é relevante para o ensino local a partir da observação e análise que o contexto social
e cultural presente em seu bojo.
QUADRO 2: Proposta de outros gêneros que poderão ser trabalhados na escola
Aspectos
Tipológicos
Domínios sociais
de comunicação
8º ano – Gêneros orais e
escritos explorados nas
unidades
9º ano – Gêneros orais e
escritos explorados nas
Unidades
Narrar
Cultura literária
ficcional
Lendas urbanas; Memórias;
Relatar
Documentação e
memorização das
ações humanas
Crônica social;
Relato de vida (moradores
mais velhos).
Crônica social;
Crônica esportiva; (times
locais)
Currículo de emprego;
Resumo escolar.
Argumentar
Discussão de
problemas sociais
controversos
Carta de solicitação.
Carta de reclamação.
Transmissão e Relatório escolar Seminário
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Expor
construção de
saberes
Instruir Instruções e
prescrições
Roteiro de peças Regras de jogo (conduta
escolar)
Fonte: os autores
Essas sugestões buscam aproximar o estudante da realidade que ele convive
diariamente, não é um quadro que deva ser seguido pela escola, como já foi dito cada
contexto escolar é único, por isso o livro didático não pode ser seguido à risca, já que
não se pode partir de uma perspectiva única, considerando que as escolas são diferentes,
turmas também são distintas, em outras palavras, deve-se levar em consideração as
especificidades locais e culturais dos alunos e da localidade onde eles estão inseridos.
Por outro lado, este texto não tem o propósito de fazer com que os professores
abandonem tal material de apoio pedagógico. Pelo contrário, nele encontramos textos
maravilhosos elaborados por diversos e conceituados escritores. Chamamos apena
atenção para as especificidades que não são contempladas no livro.
4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta inicial do trabalho era investigar quais gêneros eram mais explorados pelos
Livros de Português do 8º e 9º anos e se era necessário acrescentar nossos gêneros para
tornar o ensino mais significativo e atrativo para o aluno.
Conforme os resultados encontrados nas análises dos livros, percebe-se que há
determinados gêneros que estão mais presentes nos manuais. Neste caso, foram os
gêneros da esfera da cultura literária ficcional. Tal resultado sugere cautela, pois
dependendo do contexto social, os estudantes não têm nenhuma familiaridade com esses
gêneros e cabe ao professor trazer material diversificado à sala de aula para que os
alunos se familiarizem e possam, a partir de uma proposta de produção textual, criar
seus próprios textos, conforme o gênero solicitado.
Não duvidamos que a intenção do livro é trabalhar no sentido de ampliar as práticas de
letramento, por meio de gêneros da esfera literária, mas quando há uma lacuna muito
grande entre o que os estudantes conhecem e o que a escola cobra, acontece uma
rejeição pelo ensino, pois o estudante não reconhece tais gêneros em seu cotidiano. Para
mudar isso, indicamos que a escola trabalhe a partir do contexto e vá ampliando aos
poucos esses conhecimentos, de forma a tornar o ensino aprendizagem mais prazeroso e
atrativo ao aluno.
Os resultados a que chegamos estão de acordo com outros estudiosos usados no
decorrer do texto, no entanto, isso não significa que este trabalho se esgote aqui, ao
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contrário, é apenas uma pequena contribuição para um ensino mais significativo, outros
deverão surgir para elucidar outros contextos e assim vamos tecendo ideias e sugestões
para contribuir com a qualidade do ensino fundamental nas escolas públicas de Nova
Andradina e região.
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* Doutora em Letras pela UNESP/ASSIS - Docente da Graduação e da Pós-Graduação em
Letras na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Letras da UEMS e Coordenadora do Mestrado Profissional em
Letras – PROFLETRAS da UEMS/Dourados.
** Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul - UEMS, licenciado
em Letras Português / Espanhol pela mesma Instituição de Ensino, docente do quadro efetivo do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso do Sul - IFMS.