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1 A GÊNESE FORMAL E SIMBÓLICA DO RETÁBULO DE N. SR. DO BONFIM DA BAHIA E SEUS DERIVADOS Luiz Alberto Ribeiro Freire Doutor em História da Arte – UP – Portugal Professor de História da Arte Brasileira da Escola de Belas Artes da UFBA. Email: [email protected] Há muito que os historiadores da arte vêm descobrindo nas gravuras avul- sas e nos tratados arquitetônicos publicados a partir do século dezesseis, uma verdadeira fonte de inspiração para os motivos pinta- dos à óleo sobre tela ou madeira, nos azule- jos, na ourivesaria e na talha 1 . Em Portugal e na área de sua influência, estas gravuras serviram de fonte principal de atualização estilística, pois pro- vinham dos grandes centros europeus de invenção e edição como Itália, França, Ho- landa e Alemanha e eram tão necessárias aos mestres, oficiais e aprendizes das várias es- pecializações artísticas, quanto os pincéis, tintas, madeiras e formões. Estes meios não só serviam pa- ra atualizar os estilos, mas sobretudo, in- formar as composições e as figuras no caso das cenas narrativas figuradas na pintura e na azulejaria, o que garantia a permanência de gravuras mais antigas, do século dezes- seis, por exemplo, na oficina dos artistas, continuando a informar as composições do século dezessete, dezoito e até dezenove, aspecto que muitas vezes determinava os arcaísmos ocorrentes. O uso destas fontes iconográfi- cas, não implicava necessariamente em có- pias servis dos modelos e soluções, mas freqüentemente forneciam “o sustentáculo inspirativo para os elementos compositivos, arquitetônicos e decorativos, do retábulo [ou das demais peças de talha]. Contudo, não há uma normatividade; na manipulação destes elementos o artista joga com a sua 1 O presente artigo foi extraído do V Capítulo- (Origem e Evolução dos Modelos) da tese de doutorado em História da Arte, de minha autoria intitulada A Talha Neoclássica na Bahia, defen- dida em junho de 2001 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto – Portugal. Aqui atua- lizamos o capítulo acrescendo e retificando aspectos do conteúdo. experiência e criatividade, conferindo às obras uma individualidade” 2 . Acerca da circulação destas i- magens e do seu poder difusor de estilos e modelos Marie-Thèrèse Mandroux-França concluiu haver uma defasagem entre a épo- ca de criação de um estilo e aquela da sua difusão através das estampas, e comprovou o poder midiático destas gravuras na difu- são do rococó em Portugal 3 . No Brasil a circulação destas gravuras têm pouquíssima comprovação, registra-se um caso em Minas Gerais em que o pintor de Mariana, João Nepomuceno Corrêa e Castro deixou para os seus apren- dizes, em testamento datado de 18 de de- zembro de 1794, todas as suas estampas, riscos e debuxos 4 . Na Bahia não temos documentos sobre tais legados, mas preser- varam-se desenhos no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa que comprovam que os discípulos da Aula Militar da Bahia 5 2 EUSÉBIO, Maria de Fátima dos Prazeres. Re- tábulos joaninos no concelho de Viseu. V. 1 Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Orientação : Profes- sora Doutora Natália Marinho Ferreira-Alves, 1998. 166 p. p. 39. 3 MANDROUX-FRANÇA, Marie-Thérèse. “In- formation artistique et “mass-media” au XVIII e siècle: La difusion de l’ornement gravé roco- co au Portugal”. In Bracara Augusta – Actas do Congresso A Arte em Portugal, séc. XVIII, André Soares, Revista cultural da câmara Mu- nicipal de Braga. II tomo, v. XXVII, 1973, nº 64(76). p. 412 - 432. 4 BOSCHI, Caio Cezar. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 34 (Coleção tudo é história). 5 Arquivo Histórico Ultramarino. BAHIA - AULA MILITAR - 1778 - 1779 - DESENHOS À PENA. Quarenta desenhos à pena sobre pa- pel D & C Blauw. Medindo 0,330 x 0,217. AHU - 1 o . Album - Capilha n.º 990 / 1028 - Códice nº 1512;

Genese Formal e Simbolica Do Retabulo Do Bonfim LuizFreire

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Sobre a Genese formal e simbolica do retabulo do Bonfim

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  • 1A GNESE FORMAL E SIMBLICA DO RETBULO

    DE N. SR. DO BONFIM DA BAHIA E SEUS DERIVADOS

    Luiz Alberto Ribeiro Freire

    Doutor em Histria da Arte UP Portugal Professor de Histria da Arte Brasileira

    da Escola de Belas Artes da UFBA. Email: [email protected]

    H muito que os historiadores da arte vm descobrindo nas gravuras avul-sas e nos tratados arquitetnicos publicados a partir do sculo dezesseis, uma verdadeira fonte de inspirao para os motivos pinta-dos leo sobre tela ou madeira, nos azule-jos, na ourivesaria e na talha1.

    Em Portugal e na rea de sua influncia, estas gravuras serviram de fonte principal de atualizao estilstica, pois pro-vinham dos grandes centros europeus de inveno e edio como Itlia, Frana, Ho-landa e Alemanha e eram to necessrias aos mestres, oficiais e aprendizes das vrias es-pecializaes artsticas, quanto os pincis, tintas, madeiras e formes.

    Estes meios no s serviam pa-ra atualizar os estilos, mas sobretudo, in-formar as composies e as figuras no caso das cenas narrativas figuradas na pintura e na azulejaria, o que garantia a permanncia de gravuras mais antigas, do sculo dezes-seis, por exemplo, na oficina dos artistas, continuando a informar as composies do sculo dezessete, dezoito e at dezenove, aspecto que muitas vezes determinava os arcasmos ocorrentes.

    O uso destas fontes iconogrfi-cas, no implicava necessariamente em c-pias servis dos modelos e solues, mas freqentemente forneciam o sustentculo inspirativo para os elementos compositivos, arquitetnicos e decorativos, do retbulo [ou das demais peas de talha]. Contudo, no h uma normatividade; na manipulao destes elementos o artista joga com a sua

    1 O presente artigo foi extrado do V Captulo-(Origem e Evoluo dos Modelos) da tese de doutorado em Histria da Arte, de minha autoria intitulada A Talha Neoclssica na Bahia, defen-dida em junho de 2001 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto Portugal. Aqui atua-lizamos o captulo acrescendo e retificando aspectos do contedo.

    experincia e criatividade, conferindo s obras uma individualidade2.

    Acerca da circulao destas i-magens e do seu poder difusor de estilos e modelos Marie-Thrse Mandroux-Frana concluiu haver uma defasagem entre a po-ca de criao de um estilo e aquela da sua difuso atravs das estampas, e comprovou o poder miditico destas gravuras na difu-so do rococ em Portugal3.

    No Brasil a circulao destas gravuras tm pouqussima comprovao, registra-se um caso em Minas Gerais em que o pintor de Mariana, Joo Nepomuceno Corra e Castro deixou para os seus apren-dizes, em testamento datado de 18 de de-zembro de 1794, todas as suas estampas, riscos e debuxos4. Na Bahia no temos documentos sobre tais legados, mas preser-varam-se desenhos no Arquivo Histrico Ultramarino de Lisboa que comprovam que os discpulos da Aula Militar da Bahia5

    2 EUSBIO, Maria de Ftima dos Prazeres. Re-tbul os j oanin os n o c o n c e lh o d e Viseu. V. 1 Dissertao d e Mestrad o e m Hist ria da Arte e m Portugal apresentada Faculdade d e Letras da Universidade d o Port o. Orientao : Pro f es-sora Dout ora Natlia Marinh o Ferreira-Alves, 1998. 166 p. p. 39.

    3 MANDROUX-FRANA, Marie-Thrse. In-f or mati on artistique et mass-m e dia au XVIII e si c l e: La di fusi o n d e l ornem e nt grav r o c o-c o au Portugal. In Bracara Augusta Actas d o Con gress o A Arte e m Portu gal, s c. XVIII, Andr Soares, Revista cultural da cmara Mu-ni c ipal d e Braga. II t o m o, v. XXVII, 1973, n 64(76). p. 412 - 432.

    4 BOSCHI, Caio Cezar. O barro c o min eir o: artes e trabalh o. So Paul o: Brasiliense, 1988. p. 34 (Col e o tud o hist ria).

    5 Arquiv o Hist ri c o Ultramarin o. BAHIA - AULA MILITAR - 1778 - 1779 - DESENHOS PENA. Quarenta desenh os p ena s obr e pa-p el D & C Blauw. Medind o 0,330 x 0,217. AHU - 1o. Album - Capilha n. 990 / 1028 - Cdi c e n 1512;

  • 2tinham contato com tratados de arquitetura e geometria, principalmente franceses, do sculo dezoito e os copiavam com perfeio.

    Os tratados deveriam constar nas bibliotecas dos maiores conventos, co-mo o de Nossa Senhora do Carmo e de So Francisco, infelizmente dilapidadas. A bi-blioteca dos Jesutas contava em 1694, de 3000 volumes6. provvel que houvesse a um bom ncleo destes tratados, e no s, mas outros livros cujas ilustraes servissem para informar os artistas, tais como livros sacros, de filosofia, teologia, histria e his-tria sagrada. Do acervo desta biblioteca no possumos inventrio capaz de revelar com preciso o seu contedo, .

    A Biblioteca Pblica da Bahia instituda em 1811, no governo do Conde dos Arcos, teve o seu acervo constitudo por doaes de particulares. Em 1819, sabemos constar de cinco mil volumes, jornais em vrias lnguas e panfletos em ingls. Em 1863, o suo Tshudi estimou o seu acervo em dezesseis mil volumes e especificou que eram quase todos escritos em lngua estran-geira, principalmente francs. Um invent-rio de 1887 conta vinte mil volumes, inclu-sive mapas7. Por faltar uma relao dos ttulos existentes no sculo dezenove, e por no ter se conservado o acervo original, vitimado em 1912, por um incndio decor-rente do bombardeio cidade, seguido de pilhagem, que resultou na perda de mais de noventa e nove porcento de seu acervo8, completamente impossvel avaliarmos a literatura artstica, se que existia, a reco-lhida.

    BAHIA. Aula Militar. 1779. Desenh os pena sobre papel D & C BLAUW. De aut oria de Manuel Antoni o Ribeir o, Furriel d o Regimen-t o da Artilharia dis c pul o da Aula Militar da Bahia. Cpia de tratad os arquitet ni c os que tratam das ord ens d e arquitetura e seus orna-t os. A . H. U. Conselh o Ultramarin o, c di c e n 1513.

    6 GROVER, Mark L. "The b o o k and th e Con-quest: Jesuit Libraries in Col o nial Brazil", Li-braries and Culture, Austin, 28 (3): 271-273, 1993.

    7 MATTOSO, Katia M. de Que irs. Bahia, s cu-l o XIX, uma pr ovn c ia n o imp ri o. Rio d e Ja-n eir o: Nova Front eira, 1992. p. 206. 747 p.

    8 Cli o - Assess oria em Pesquisa d o Estad o da Bahia (www.magi c lin ck.c o m.br/cli o/bibli oarquiv o.html)

    Outro lugar que deve ter reu-nido um acervo especfico de tcnicas, arte e indstria, fora a biblioteca do Liceu de Ar-tes e Ofcios, primeira instituio complexa e programtica de ensino das artes e ofcios criada, em 1872, por membros da sociedade baiana, inclusive mestres de pintura, escul-tura e talha, oficiais e mestres formados pela tradio oficinal, que devem ter contribudo doando suas gravuras biblioteca, ou pelo menos levando-as como material didtico para as suas aulas. No contamos mais com este acervo, queimado no sinistro que afetou todas as instalaes do Liceu em 1968, inclusive a biblioteca, no havendo tambm qualquer listagem ou inventrio dos livros que l constavam.

    Atravs de fotografias que do-cumentaram o interior das instalaes do Liceu de Artes e Ofcios, apresentadas no livro A arte de ter um ofcio9, possvel ver grande quantidade de modelos em gesso de esculturas gregas, romanas e do barroco italiano, assim como uma fotografia aps o incndio mostra-nos o que restou da biblio-teca.

    Finalmente, preservou-se na bi-blioteca do Mosteiro de So Bento, o se-gundo volume do tratado Perspecttiva pictorum et architectorum de Andrea Poz-zo, o que pode confirmar a longevidade da influncia deste tratado na arte baiana10.Entretanto, as provas artsticas so impor-tantes para a anlise da influncia das gra-vuras e tratados arquitetnicos na talha baiana do sculo dezenove, o que mostra-remos caso a caso.

    Os vrios indcios j referidos nos levam a crer ter havido uma veiculao das gravuras e mais ainda de riscos ou c-pias debuxadas das gravuras avulsas ou de tratados, considerando-se que a aquisio dos tratados era mais difcil e onerosa, tal-vez s possvel, para a Companhia de Jesus,

    9 LEAL, Maria das Graas de Andrade. op. c it.,

    1996. p. 231, 274. 10 A existn c ia dest e tratad o na bibli ot e ca d os

    b eneditin os da Bahia f oi in f ormada p el o ar-quit et o Eugni o Lins, p ois n o n os f oi p ossvel o ac ess o obra, dada a di fi c uldade imp osta p el os m o n g es resp o nsveis, p o r isso n o p o-d e m os f orn e c er mai ores in f orma es s obre a data da edi o d o tratad o e a data de sua aqui-si o p el o m osteir o.

  • 3s ordens primeiras e segundas e para os lentes da Aula Militar da Bahia.

    Acerca da origem e evoluo do modelo de retbulos arrematados por cpula vazada sobre volutas

    Um tipo de retbulo-mor, bal-daquino arrematado por uma cpula oval vazada sobre seis volutas em esses, foi enta-lhado por Antnio Joaquim dos Santos, entre 1813-181411, para a capela-mor da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim (Fig. 1).Aps esta experincia, o tipo virar modelo, sendo adotado por vrias outras igrejas na cidade da Bahia, gerando uma srie de in-terpretaes que por mais variadas que se-jam, mantm a identidade estrutural de origem, produzindo uma grande famlia de retbulos-mores, e por emulao, colaterais e laterais, que marcaro a reforma da talha na cidade e na provncia, sendo at exportado, para a provncia de So Paulo.

    11 No tem os abs oluta c erteza de t er sid o este e ntalhad or o aut or d o risc o, po is o t erm o d e c o ntrat o n o f oi preservad o restand o apenas u m registr o d o pagament o d e 2:600$000 feit o ao artista, trans crit o p or Ott, n os se guintes term os ao Entalhad or Ant onio J oaquim d os Santos p or c o nta d o retbul o da Capela m or que ajustei p or 3:200$000 reis p el o risc o que assignei (Ott, Carl os. Evoluo das artes pls-ti cas nas igrejas d o Bon fim, Boqueiro e Sa-d e. Salvad or: Universidade Federal da Bahi-a/Centr o d e Estud os Baian os, 1979. 393 p. il. p. 144.). Contud o na Bahia do s cul o XIX a n or ma era o pr pri o entalhador ris car a obra d e talha, s , muit o raramente, el e exe cutava o risc o d e outrem.

    Fig. 1 - Baldaquin o da igreja de N. Sr. d o Bon-fim, Salvad or Bahia, Brasil -

    Desenh o d e Elias Sant os

    Contudo, a conformao pls-tica concebida para o retbulo-mor da Igreja do Bonfim, deve muito a um tipo de balda-quino ideado por artistas italianos, que por sua beleza, e sobretudo por sua carga simb-lica, ganhar apreo e ser muitas vezes replicado e difundido em Portugal e nas suas colnias.

    A mais antiga fonte iconogrfi-ca a que podemos ter acesso e que nos apre-senta a estrutura de um baldaquino arre-matado por uma coroa real fechada sobre volutas em esses est na gravura de um Teatro eretto nella chiesa del Giesu di Ro-ma nella quinquagesima lanno santo M.D.C.L. gravada por Carlo Rainaldi (Roma, 1611-Roma, 1691)12 e intitulado de O Sacrifcio de Salomo13 (Fig. 2). Nela o pequeno baldaquino contendo a representa-o do Santssimo Sacramento, paira na altura do entablamento da colunata do interior do templo, sobre nuvens e anjos com raios, enquanto Salomo acompanhado de outras figuras, oferece o sacrifcio numa 12 Ency c l opaedia Britanni ca Online. Carlo

    Rainaldi disp onv el e m < www.britanni ca.c o m > acessad o e m 01.12.2000.

    13 Gravura avulsa publi cada p o r LEACH, Mark Carter et Wallace, Richard W. The illustrated Bartsch 45 f ormerly v olu m e 20 (Part2) Ital-ian Masters o f th e sevente enth c entury. New York: Abaris Bo oks, 1982. 304 p. il. p. 171.

  • 4pira. O surgimento desta idia d-se por-tanto em meados do sculo dezessete, 1650, data da ereo deste teatro, mas a idia j

    Fig. 2 - Gravura d o t eatro sacro eret o na igreja de Jesus, Ro ma, em 1650 p or Carlo Rainaldi. .

    vinha sendo maturada nos prprios balda-quinos realizados nas Igrejas Italianas, sem contudo terem uma relao to direta com a frmula baiana. Entre estas experincias est o baldaquino em bronze da Baslica de So Pedro ereto por Gianlorenzo Bernini entre 1624 1635 (Fig. 4), divulgado por gravuras datadas de 176514 e

    14 Faculdade d e Belas Artes da Universidade d o

    Port o. Gravura avulsa Veduta del di dentr o di S. Pietr o, c o m l o c c h iata dellint ern o d ella gran c upula s opra la Con f essi on e d esenhada p or Franc es c o Panini e in c isa p or Do meni c o Montag. Calc o grafia della Rev. Apost oli ca pr ess o la Curia Inn o c e nziana, 1765. Cota: G-57.

    Fig. 3 - Detalhe d o p equen o baldaquin o, Arquitetura e f mera para expo si o

    d o Santssim o Sacrament o.

    176615, desenhadas por Francesco Panini e incisas por Domenico Montag; o balda-quino da Baslica Liberiana de Santa Maria Maior (Fig. 5), talvez obra do mesmo arqui-teto que reformou a igreja, o florentino Ferdinando Fuga, divulgado por gravura de 177116, desenhada por Francesco Panini e incisa por Francesco Barbazza.

    No exemplar de Bernini, pri-meiro baldaquino barroco, no existe coroa, mas quatro grandes volutas em esses orna-das com palmas, que partem do cimo do entablamento convergindo para o centro onde sustentam um pequeno entablamento cruciforme que serve de base s quatro pe-quenas volutas em esses que sustentam uma bola onde est erguida uma cruz latina. O conjunto completa-se ao nvel do remate 15 Faculdade d e Belas Artes da Universidade d o

    Port o. Gravura avulsa Veduta del di dentr o di S. Pietr o in Vatican o dagl ingressi prin cipali d ella med esima, desenhada por Franc es c o Pa-nini e in cisa p or Do meni c o Mo ntaigu. Calc o-grafia della Rev. Camera Aposto li ca press o la Curia Inn o c e nziana, 1766. Co ta: G-71.

    16 Faculdade d e Belas Artes da Universidade d o Port o. Gravura avulsa Veduta interna della Basili ca Liberiana detta di Santa Maria Maggi-or e fatta rim od ernare dalla gl o ri osa me m oria di Papa Benedett o XIV co m la direzzion e d el Cavaliere Ferdinand o Fuga Arc hit ett o Fioren-tin o desenhada p or Franc es c o Panini e in cisa p or Franc es c o Barbazza. Calc o grafia della Rev. Camera Apost oli ca press o la Curia Inn o c e nzi-ana, 1771. Cota: G-51.

  • 5com a presena de quatro robustos anjos de corpo inteiro segurando festes pendentes, cada um sobre um dos quatro ressaltos do entablamento do baldaquino, frente das grandes volutas.

    No segundo exemplo, o da I-greja Liberiana de Santa Maria Maior, o baldaquino apresenta um remate em que, grandes anjos de corpo inteiro sustentam dois pequenos anjos meninos que seguram uma coroa radiada com palmas e uma cruz latina ao centro, no existindo volutas. Esta tradio de baldaquinos berninianos, com quatro colunas, arremate com lambrequins e volutas somente chegar Portugal em me-ados do

    Fig. 5 - Baldaquin o da Basil ca Liberiana de Santa Maria Mai or, Itlia - re fo r mada pel o arquitet o Ferdinand o Fuga, parte de gravu-ra de Franc es c o Panini, 1771. Faculdade d e Belas Artes da Univ ersidade do Port o - Por-

    tugal

    sculo dezoito, quando ser feito o retbulo-mor da Igreja de So Vicente de Fora em Lisboa (Fig. 6), que repercutiu no baldaqui-no do santurio do Bom Jesus de Braga, Portugal (Fig. 7).

    Fig. 6 - Baldaquin o da igreja do Mosteir o d e

    Fig. 4 - Baldaquin o da Basli ca de S. Pedr o, Ro ma, obra d e Gialorenz o Bernini, 1624-1635 - Gravura de Fran-c is c o Panini, 1766 - Acerv o da Facul-dade d e Belas Artes da Universi-dade d o Port o - Portugal.

  • 6So Vicente d e Fora, Lisb oa, Portugal, c er ca.de m ead os d o s cul o XVIII.

    Se o baldaquino de Bernini um importante marco na interpretao barroca desta estrutura, servindo de base para outras experincias do gnero no mundo catlico, nele tambm reside o uso pioneiro do arremate com volutas, que evo-lui no ambiente artstico italiano.

    Do teatro de Rainaldi, o arre-mate de cora real fechada sobre volutas ser concretizado no altar

    Fig. 7 - Baldaquin o da igreja do B o m Jesus d o Mont e, Braga, Portugal - en talhad o n o

    p er od o d e 1803-1813.

    baldaquino de Carlo Fontana feito para a igreja de Santa Maria em Traspontina, Ro-ma17 em 167418 (Fig. 8e9). Nele oito colunas sustentam seces de entablamentos que

    17 FEO, Vitt ori o De. Le cappelle e gli altari in

    FEO, Vitt ori o De e Martinelli, Valentin o. An-drea Pozzo. Milan o: Ele cta, 1996. p. 119-120. p. 114-143.

    18 VALE, Teresa Leon or Magalhes d o. A imp or-tao d e es cultura italiana n o c o nt exto das re-la es artsti c o- culturais entre Portugal e Itlia n o s cul o XVII. V. I, Port o: Univ ersidade d o Port o/Faculdade d e Letras/Departament o d e Cin c ias e Tc ni cas d o Patrim ni o, 1999. 486p. p. 208. (Disserta o d e Dout orament o e m Hist ria da Arte).

    servem de base para quatro fragmentos de frontes curvos terminados em volutas e quatro grandes anjos de corpo inteiro, ajoe-lhados sobre os fragmentos seguram o bojo da coroa, pois sua base assenta-se sobre o extremo dos fragmentos de frontes.

    Fig. 8 - Gravura avulsa d o altar de Santa Maria, Trasp ontina, Burg o Nov o, Roma - Itlia Carl o Fontana, 1674 - Propriedade d e Luiz Freire.

    O altar de Fontana foi divul-gado, provavelmente no sculo dezoito, atravs de gravura avulsa com a inscrio MAGGIORE ALTARE NELLA CHIESA DI SANTA MARIA TRANSPONTINA IN BORGO NUOVO Archit. Del Cau.r

    Carlo Fontana (P11d), que no sabemos ao certo sobre a poca de sua produo, mas estimamos ser do sculo dezoito19.

    19 Gravura avulsa d o altar de Santa Maria, Tras-p o ntina, Burg o Nov o, Ro ma, Carl o Fontana. (pr opriedade d e Luiz Freire).

  • 7Fig. 9 - Altar da Cole giada de So Mi-guel Arcanj o, Luci g nan o, Tos cana - It-

    lia -Andrea Pozzo, 1702 e 1704.

    Posteriormente ereo do al-tar de Traspontina, Andrea Pozzo publicou no segundo volume do seu tratado Pers-pecttiva pictorum et architectorum a fanta-sia da figura 75, que intitulou altare ca-priccioso (Fig. 10), idealizado depois de saber que em uma igreja principal de Ro-ma tinha que ser feito um altar-mr, que variasse dos muitos outros20. Embora De Feo identifique o remate desta proposta de altar como sendo uma coroa afiada, j no exatamente uma coroa, mas um bulbo vazado feito de volutas em esses, suportado por anjos de corpo inteiro, no de p, como no exemplo de Fontana, mas deitados sobre os fragmentos de frontes.

    La corona sostenuta da angeli dellaltare capriccioso an-cora una constante pozziana. Riap-pare in una delle proposte per laltare di SantIgnazio, diventa grandiosa a Vienna nella Univer-sittskirche, trova una compiuta es-

    20 FEO, Vitt ori o De. op. c it. p. 118.

    pressione nellaltare maggiore della collegiata di San Michele Arcangelo a Lucignano.21

    Fig. 10 - Altare capri c c i os o f igura 75 d o 2 v olu m e d o tratad o d e Andrea Pozzo, 1693. Acerv o da Bibli ot e ca Pbli ca do Port o, Portugal

    A soluo deste altar-mor da Colegiada de So Miguel Arcanjo em Lu-cignano, na Toscana, realizada entre 1702 e 1704 (Fig. 9), aproxima-se muito da experi-ncia de Fontana em Traspontina, ganhan-do em monumentalidade e diferenciando-se nos elementos de suporte da coroa, consti-tudos de volutas encadeadas com anjos meninos sentados sobre as volutas inferio-res, sustentando as volutas superiores, o bordo da coroa, que tm a forma clssica da coroa real fechada. Os fragmentos de fron-tes aparecem livres da funo de suportar os anjos, enquadrando o frontispcio do baldaquino.

    Esta soluo plstica de Pozzo foi muitas vezes replicada; sendo cpias na escala reduzida, o altar-mor de Santa Maria delle Grazie", em Casteldelpiano" e o de So Joo Baptista, em Chianciano22.

    21 FEO, Vitt ori o De. Op. cit. p. 119. 22 FEO, Vitt ori o De. Op. cit. p. 121.

  • 8O modelo foi sendo maturado pela via de Andrea Pozzo e Carlo Fontana (Bruciato, prximo a Como, 1634 Roma, 1714)23, sendo este ltimo o responsvel pela introduo da frmula em Portugal atravs do catafalco que projetou para as pompas fnebres de D. Pedro II em 170724 (Fig. 11),erguido na igreja de Santo Antnio dos Portugueses em Roma e divulgado em gra-vura. Neste catafalco Fontana repete o arremate j utilizado no altar de Trasponti-na, uma expressiva coroa com lambrequins e vieiras paira sobre a ea, sem colunas e repleta de cortinas pendentes e recolhidas por anjos25.

    23 New Advent. Partners with sin g le Cath oli cs Online. The Cath oli c Ency c o p edia. Carl o Fontana disp onv el em . Acessa-d o e m 03.12.2000.

    24 LIMA, Maria Lusa Gon alves Reis. A ren ova- o est ti ca da igreja d o Bo m Jesus d o m o nt e na p o ca c o nt e mp ornea. Porto: Faculdade d e Letras da Univ ersidade d o Port o, 1996. 2v., v. 1, p. 96. (Poligrafia)

    25 FREIRE, Luiz Albert o Ribeiro. Tradi o e m o d ernidade n os retbul os-mor es das igrejas sot er op o litanas. In PORTUGAL, Co misso Naci o nal para as Co m e m ora es d os Des c o-briment os Portugueses. Portugal/Brasil-Brasil/Portugal: duas fac es d e u ma realidade artsti ca. Lisb oa: Co misso Naci onal para as Co m e m ora es d os Desc obrim e nt os Portugue-ses, 2000. 432 p. il. p. 326.

    Fig. 11 - Catafalc o para as p om pas fnebres d e D. Pedr o II, rei de Portugal, erguid o na igreja de Sant o Ant ni o d os portugueses, Ro ma Carlo Fontana, 1707

    A lio foi bem assimilada pelo arquiteto portugus Manuel Rodrigues dos Santos no catafalco que ergueu na mesma igreja romana para as pompas fnebres de D. Joo V (Fig. 12), tambm divulgado em gravura Castrum Doloris erectum in Tem-plo S. Antonii Nationis Lusitanicae in fune-re Joanni V. Regii fidelissimi Anno 1751, Emmanuel Rodrigues de Santis Inv. Et De-lin, Ioseph Vasi Corleonensis Sculp. Romae Sup. Perm 1751. Neste catafalco Manuel dos Santos aprimorou a soluo anterior de Fontana por ter dado um carter mais ar-quitetnico, incluindo embasamento com plintos, colunas e entablamento com plintos sobre as cornijas, onde assentam-se anjos com trombetas numa mo, segurando a outra, a base da grande coroa real fechada com cortinas pendentes, encimada por uma cruz latina sobre bola.

  • 9Fig. 12 - Catafalc o para as p om pas fnebres de D. Joo V, erguid o na Igreja de Sant o Ant ni o

    d os p ortugu eses em Ro ma obra de Manuel Rodri gues d os Sant os, 1751.

    Estas relaes artsticas no se fazem por acaso, mas pelo fato de ter o arquiteto Manuel Rodrigues dos Santos trabalhado na oficina de Carlo Fontana na companhia de Filippo Juvarra, sendo este ltimo amigo de Annes de S (Marqus de Fontes), embaixador portugus e animador das relaes artsticas entre os dois pases26.Por outro lado, Fontana estudou com Gia-lorenzo Bernini, um dos mais profcuos arquitetos e escultores do barroco italiano e mundial27, colaborando mais tarde com

    26 QUIETO, Pier Paol o. Rela e s artsti c o-

    c ulturais entre Lisb oa e Ro ma, in IPPAR. A pintura em Portugal ao te mp o de D. Joo V. 1706-1750; Joanni V Magn fi c o, 1994, 457 p. il., p.65-66.

    27 New Advent. Partners with sin g le Cath oli cs Online. The Cath oli c Ency c o p edia. Gialorenz o

    Carlo Rainaldi, Os caminhos e as influn-cias se encontram e se bifurcam numa di-nmica expansionista.

    Remonta a 1700 as relaes de Carlo Fontana com a comunidade portu-guesa em Roma e sua igreja de Santo An-tnio, quando parece ter realizado um se-pulcro de quinta-feira santa, para o ano santo de 1700. Teresa do Vale chega mesmo a supor (baseando-se na prtica romana do arquiteto contratado para a obra de uma igreja, continuar responsvel por sua manu-teno, redecorao, restauro e ornamenta-es efmeras), que o arquiteto trabalhou na reedificao da citada igreja dos portu-gueses, recebendo de D. Pedro II o ttulo de cavaleiro da ordem de Cristo e sendo con-tratado por D. Joo V. e pela comunidade portuguesa de Roma para conceber o apara-to fnebre em honra de D. Pedro II (Fig. 11), cujas solenidades culminaram no dia 13 de Setembro de 170728.

    Os catafalcos erguidos em hon-ra de D. Joo V, e no somente eles, foram os responsveis pela divulgao da idia do remate no mundo portugus e sem dvidas influenciaram os retbulos baldaquinos, influncia j apontada por Maria Lusa Lima para o caso bracarense29.

    Dos catafalcos erigidos em por-tugal e suas colnias, restaram alguns proje-tos, entre os quais um merece ateno pelo arremate de coroa real fechada sobre volu-tas, trata-se daquele desenhado pelo sobri-nho de Santos Pacheco para a S da cidade de So Paulo de Luanda em 1751 (Fig. 13 e 14). Este carpinteiro de nome ainda desco-nhecido, foi degredado para Angola durante o governo de D. Antnio Soares Portugal, Conde do Lavradio, que dirigiu as ex-quias30.

    Bernini. Disp onv el e m . Acessa-d o e m 03.12.2000.

    28 VALE, Teresa Leon or Magalhes d o. op. c it., 1999. p. 203.

    29 LIMA, Maria Lusa Reis. op. c it., 1996. 2v., v. 1, p. 96.

    30 SIMTH, Robert C. Os mausolus d e D. Joo V nas quatr o partes d o mund o. Lisb oa: Faculda-d e d e Letras da Univ ersidade d e Lisb oa, 1955. 38 p. il. p.22-24. Sant os Pach e c o entalh ou o retbul o-m or da S d o Port o en c o m endad o e m 1726 e o d e So Miguel da Alfama em 1728.

  • 10

    Fig. 13 - Catafalc o das p o m pas fnebres de D. Joo V, erguid o na S da cidade De So Paul o d e Luanda, pr ojet o d o s obrinh o d e Sant os Pach e c o.

    Arquiv o Hist ri c o Ultramarin o - Lisb oa

    No catafalco da S de Luanda uma pequena coroa real fechada sobre seis volutas arrematam, juntamente com dois anjos sobre os ressaltos fronteiros do enta-blamento, o baldaquino, que tm como elementos de sustentao, oito colunas co-rntias de fustes lisos com o tero inferior destacado com estrias helicoidais, sendo o seu limite cingido por pontas de folhas. No centro do entablamento fica a segunda co-roa real fechada de onde pendem cortinas delgadas, sustentada por anjos esvoaantes, ficando a terceira coroa real sobre almofada por cima da ea. O caractere desta soluo que mais diz respeito ao modelo do altar do Senhor do Bonfim da Bahia so as volutas que evoluem em curvas e contracurvas, em trs seces, alm das oito colunas.

    Fig. 14 - Planta baixa d o catafalc o da S de Luanda - Arquiv o Hist ri c o

    Ultramarin o - Lisb oa

    A conformao do catafalco de Luanda deve muito ao desenho de altar elaborado por G. M. Oppenord (Paris1672-1742)31 e publicado atravs da gravura n-mero cinco, constante no seu livro DAutels et Tombeaux32 (Fig. 15). Neste altar concebido para um ambiente domsti-co palaciano, quatro colunas compsitas de fustes lisos sustentam um entablamento arrematado por quatro volutas que susten-tam uma pequena coroa real fechada que tem por baixo dois querubins. As volutas deste baldaquino so sinuosas ou ondeadas, podendo ter influenciado o formato das volutas do catafalco de Luanda, que entre-

    31 "...Un des plus c harmants d c orateurs du

    XVIIIe si c l e. Il bn fi c ia d'un e p ensi o n et durant huit ans alla travailleur Ro m e, o il subit l'influen c e d e Bernini et d e Borr o mini. Il f ournit n otam ment les dessins p our le matre-autel de Saint-Germain d es Prs et de Saint-Sulpi c e, mais on estim e surt out ses m o d les de d c orati ons, d o nt un e partie fut grave par Hecquier, Qui assura s on o euvre un e large vul garisati on. ... (BNZIT, E. Dicti o nnaire critique et d o c um e ntire d es pe-intres, sculpteurs, dessinateurs et graveurs d e t ous les temps et de t ous les pays par un gr oup e d' crivains sp cialistes franais et -trang ers. Paris: Libraire Grnd, 1966. 8 t. il. T. 6 p. 434

    32 Bibli ot e ca da Faculdade d e Belas Artes da Universidade d o Port o. Livre Dautels et t o mb eaux inv. G. M. Oppenn ord e s cul. Huquier. Grav. n 5, Cota: N-38.

  • 11

    tanto, tm formato mais expressivo e mo-vimentado.

    Fig. 15 - Prop osta para altar do m sti c o, gra-vura n5, d o Livr o d e altares e tmul os d e G. M. Oppen ord. Faculdade d e Belas Artes

    da UP Portugal.

    O tema da coroa real fechada sobre volutas chegou cedo cidade da Bahi-a, j na primeira metade do sculo dezoito, entre 1729 e 1748, ele foi adotado nos dois altares do topo do transepto da Igreja con-ventual de So Francisco, dedicados, o do lado do evangelho, Nossa Senhora da Glria33 (Fig. 16) e o do lado da epstola, So Lus, Rei de Frana, substitudo pelo Sagrado Corao de Jesus. Estas duas m-quinas monumentais, embora no sejam baldaquinos, tm o seu remate constitudo de quatro enormes volutas em C, em dois planos, com quatro anjos de corpo inteiro sentados no extremo superior das volutas, segurando os fronteiros uma proporcional coroa real fechada com a pomba do Divino Esprito Santo por baixo.

    33 Arquiv o d e Arte da Funda o Cal oustre Gul-b enquian. Fot o grafia de Robert Chester Smith.

    Fig. 16 - Retbul o d o t op o d o transept o da Ig. d o Conv ent o d e So Francisc o Salvad or

    Bahia. Talha de 1729-1748. O d o lad o d o evang elh o d ed icad o a

    N. Sra. da Ggl ria e o da epsto la a So Lus, Rei da Frana. Fot o grafia Srgio Benutti.

    Se o tema da coroa real fecha-da foi introduzido na primeira metade do sculo dezoito na arte retablistica baiana, o formato de baldaquino parece ser de mea-dos do sculo. O mais antigo que foi pre-servado da avalanche reformadora da talha no sculo dezenove, foi o retbulo-mor da Igreja do Convento das franciscanas capu-chas de Nossa Senhora da Lapa, entalhado pelo mestre entalhador Antnio Mendes da Silva em 175534 (Fig. 17). Nele vemos o baldaquino com o excesso de colunas, neste caso dez, que caiu no gosto dos baianos a ponto de permanecer em voga por todo o sculo dezenove.

    34 ALVES, Marieta. Conv ent o da Lapa, Salvad or. Salvad or: Pre f eitura d o Salvador, 1953. 26 p. il. p. 10. (Pequen o guia das igrejas da Bahia).

  • 12

    Fig. 17 - Retbul o-m or da Igreja d o Conv ent o d e N. Sra. da Con c ei o da Lapa Salvad or Bahia Talha de Ant ni o Mend es da Silva, realizada em 1755. Fot o grafia Srgi o Benutti

    Neste percurso formal a trans-formao da coroa em cpula d-se em cerca de 179835, no projeto para o baldaqui-no do Santurio do Bom Jesus de Braga, desenhado pelo arquiteto bracarense Carlos Amarante (Fig. 7). A a transformao foi radical, pois a cpula projetada distancia-se em demasia da coroa real fechada, pois tm formato de tronco de cone fechado, orlada de lambrequins, encimado por uma escultu-ra de um pelicano com os filhotes, e uma base levemente ovalada, repousa sobre qua-tro volutas, que assentam-se sobre quatro colunas. As volutas so em esses, sendo o enrolamento de baixo, contnuo e o superi-or em faces retas, os anjos assentam-se sobre o enrolamento inferior e portam as armas de Cristo (Fig. 19).

    O retbulo do Bom Jesus de Braga teve o seu entalhamento iniciado em 1802 pelo entalhador Manuel Jos Correia36,e concludo, depois de acrscimos, por volta de 181337. No mesmo ano, o retbulo de Nosso Senhor do Bonfim da Bahia comea-va a ser feito. Se o primeiro serviu de mo-delo para o segundo, isso se deu apenas ao nvel do princpio empregado no arremate, o de 'cpula sobre volutas', dos capitis compsitos, da marcao do tero inferior 35 LIMA, Maria Lusa Reis. op. c it., 1996, p. 93. 36 LIMA, Maria Lusa Reis. op. c it., 1996, p. 112. 37 LIMA, Maria Lusa Reis. Op. c it. p. 118.

    (embora o tipo de marcao das colunas do baldaquino do Senhor do Bonfim seja bem diferente) e na disposio em diagonal dos plintos e entablamentos fronteiros, no mais o baldaquino da Bahia diferencia-se radi-calmente do de Braga.

    Fig. 18 - Cpula vazada d o retbul o-m or d o Conv ent o d e N. Sra. da Con c e i o da Lapa.

    Fot o grafia Luiz Freire

    Fig. 19 - Cpula d o retbul o-m or da Ig. d o Bo m Jesus d o Mont e Braga Portugal.

    Fig. 20 - Cpula da Igreja de N. Sr. d o Bon f im Salvad or Bahia. Fot o grafia Luiz Freire

    As principais diferenas entre o

    baldaquino da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim e o do Bom Jesus de Braga (Fig. 19 e 20), apontam para a idia de ter sido o pri-meiro, fruto de experimentao formal e

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    estilstica, marcando no ambiente baiano, a transformao da simblica coroa real fe-chada em cpula oval vazada , pois ele traz para o sculo dezenove a tradio dos bal-daquinos setecentistas baianos superpovoa-dos de colunas dispostas em rotunda (Fig 21), no seu caso, oito e demonstra um vacilo estilstico prprio de um entalhador com formao ou informao flagrantemente barroca e rococ.

    Fig. 21 - Coluna d o baldaquino s et e c entista da Igreja d o Conv e nt o da Lapa Salvad or Bahi-

    a. talha de 1755. Fot o grafia Luiz Freire As volutas dos dois baldaqui-

    nos tambm diferem, embora sejam em esses, a volta inferior das volutas do Bonfim so de faces sinuosas, enquanto as do Bom Jesus de Braga so contnuas; a volta superi-or do Bonfim menor e contnua, enquan-to a de Braga de faces retas. Do mesmo modo a forma do esse diferencia-se, no Bonfim as volutas so em esses propriamen-te dito, ou seja, com enrolamentos contr-rios, enquanto as do Bom Jesus de Braga, os enrolamentos esto no mesmo sentido, para dentro. No Bonfim o corpo do esse faz uma ponta no centro, que acentuada por um acanto, enquanto no Bom Jesus ele cont-nuo.

    Finalmente, na cpula vazada

    constituda de aros que convergem para o centro encimado por uma glria de nuvens e querubins que sustenta uma cruz latina, que percebemos o quo ligada forma da antiga coroa esta soluo est. como se esta frmula ficasse no meio do caminho entre a soluo barroca de coroa real sobre volutas e a soluo mais contida, neoclssi-ca, da cpula em tronco de cone fechado do baldaquino do Bom Jesus de Braga.

    Contudo no est descartada a hiptese de uma influncia direta do balda-

    quino bracarense, no baldaquino baiano, influncia que seria aclarada se consegus-semos encontrar documentos que provassem a ligao do entalhador do altar baiano fbrica do Bom Jesus do Monte38, ou not-cias sobre o trfico de riscos. Se esta influ-ncia existiu, o modelo de Braga foi radi-calmente modificado no retbulo de N. Sr. do Bonfim. H tambm uma hiptese de que o baldaquino do Senhor do Bonfim da Bahia tenha derivado do baldaquino anteri-or realizado em meados do sculo dezoito, pois o seu construtor deixou um exemplar na Igreja do Convento da Lapa, em que demonstra ser conhecedor de um tipo de baldaquino bastante evoludo (Fig. 17, 18 e 21). Contudo, esta hiptese no pode ser comprovada, j que no temos registro, narrado ou desenhado, do retbulo setecen-tista deste santurio.

    As razes simblicas para o ar-remate dos altares em coroa real fechada encontra base nos textos sagrados que do significado Cristo e sua me. Os signifi-cados gerais da coroa j nos indicam as relaes cristolgicas, pois ela

    sinal de glria, honra e alegria. Mencionam-se em particular coroas de homenagem, coroas de vitrias, coroas de noivas, coroas de lou-vor[...], coroas do templo (como de-corao arquitectnica) e ... coroas de flores dos gozadores da vida. No

    38 No s cul o XIX foi editad o um "souv enir" d o

    Santurio d o Bo m Jesus d o Mo nt e, Braga, Por-tugal c o m muitas ilustra es, entre elas, uma d o retbul o-m or. Tal publi cao n o t e m data, mas a que adquirim os n o al farrabista, p ossui u ma dedi cat ria datada de 29 d e Junh o d e 1891. De qualquer maneira, esta publi cao n o p o d e t er ante c e did o bn o d o n ov o templ o, o retbul o s f oi c o n c lud o e m 1813, n est e mes m o an o o da Igreja de N. Sr. d o Bon-fim c o m e ava a ser f eit o. No n os pare c e que esta publi ca o t enha in f or mad o o m od el o d o N. Sr. d o Bon f im, se h ouv e in flun c ia, ela s p o d e t er o c orrid o atravs de risc os ou da mi-grao d e algu m entalhad or bracarense ou que trabalh ou na fbri ca d o Bo m Jesus d o Mont e. ( Rec orda o d o Real Sanctuari o d o Bo m Jesus d o Mont e Braga - livret o c o m 18 imagens a-c o m panhadas de l e g endas que identi fi cam o l o cal - pr opriedade d e Luiz Freire).

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    Novo Testamento, compara-se a luta da f com os jogos olmpicos39.

    A vida e morte de Cristo nos ensina o seu sacrifcio para a salvao da humanidade, sua ressurreio o triunfo sobre a morte e o pecado; a glria, assim como o para os eleitos que herdaro o reino celeste. A missa um sacrifcio onde o ato sacrifical de Jesus recordado. O pr-prio retbulo-mor sintetiza e materializa esta idia, pois a mesa representa o tmulo e o Santssimo Sacramento entronizado o Cristo triunfante sobre a morte e o pecado. Para completar a simbologia do altar, o baldaqui-no confere destaque, nobreza e sacralidade ao conjunto e imagens guardadas e expostas.

    A apario da coroa nos cata-falcos tambm no por acaso, pois apare-cem... com muita freqencia coroas da vit-ria em lajes sepulcrais, sarcfagos...40, iden-tificando-se tambm na linguagem bblica [...] e no horizonte da arte crist primitiva e medieval [...] com a simbologia da coro-a/ornamento rgio41.

    O ltimo significado fica mais esclarecido se pensarmos que do sculo dezesseis ao sculo dezenove prevaleceu o regalismo portugus em que Igreja e Estado estavam muito prximos, juntos na ao de propagar a f e explorar as riquezas das terras conquistadas. A coroa o nico smbolo da unio destes dois poderes e no a toa que na Bahia do sculo dezoito, a coroa real fechada aparece nos arremates de arco cruzeiro coroando escudos com armas da coroa portuguesa e da ordem franciscana, ou ainda as armas de Cristo, ou somente as armas reais, passando no sculo XIX, s armas imperiais do Brasil.

    A coroa real como arremate de arco cruzeiro chega ao sculo dezenove, onde num s arremate entalhado, o do arco cruzeiro da Igreja de Nossa Senhora da Conceio do Boqueiro, a coroa encima uma composio simblica que alude Cristo e sua me (Fig. 22).

    H uma segunda explicao que elucida o sentido da coroa como realeza terrena e realeza divina, ela um

    adorno que faz parecer mais alta a ca-bea daquele que a usa e o eleva de ma-

    39 Heinz-Mohr, Gerd. Dici o nrio d os smb ol os...,

    1994. 393 p. il. p. 111-112. (Dic i o nri os EP). 40 Ide m. Ibide m. p. 112. 41 Ide m. p. 112.

    neira ornamental acima dos outros, legi-timando sua supremacia e sua relao com um mundo superior [...] A estrutu-ra circular assume o contedo simblico do crculo infinito, pedras preciosas acrescem de uma expresso simblica especial a qualidade do objeto. As ex-tremidades em forma de raios lembram os raios do Sol, e em geral os soberanos coroados so considerados representan-tes de uma concepo patriarcal-solar. Por esse motivo, as coroas do rei so confeccionadas no metal solar, em ou-ro42.

    O mesmo Hans Biedermann com-plementa Na iconografia crist, a coroa no indica apenas a Maiestas Domini, mas tambm o mais eleva-do grau atingvel da existncia, como na coroao de Maria [...] ou na re-presentao dos mrtires43.

    Para Jean Chevalier e Alain Gheer-brant

    O simbolismo da coroa fica a depen-

    der de trs fatores principais. Sua colo-cao no alto da cabea lhe confere um significado supereminente: ela participa no s dos valores da cabea, cimo do corpo humano, mas dos valores do que sobrepuja a prpria cabea, um dom vindo de cima; ela assinala o carter transcendente de uma realizao qual-quer bem-sucedida. Sua forma circular indica a perfeio e a participao da natureza celeste, de que o crculo o smbolo. Ela une, na pessoa do coroa-do, o que est abaixo dele e o que est acima, mas fixando os limites que, em tudo que no ele, separam o terrestre do celestial, o humano do divino44.

    Resta-nos agora entendermos a coroa na simbologia mariana, na qual o seu sentido est ligado paixo de Jesus, pois o

    42 BIEDERMANN, Hans. Dici o nri o ilustrad o

    d e smb ol os. Trad. Glria Pasc h oal de Camar-g o. So Paul o: Co mpanhia Melh orament os, 1993. 481 p. il. p. 109.

    43 Ide m. Ibide m. p. 109. 44 CHEVALIER, Jean et Gheerbrant, Alain. Di-

    c i o nri o d e smb ol os: (mit os, so nh os, c ostu-m es, gest os, f ormas, fi guras, c o res, n mer os). Co ord. Carl os Sussekind; trad. Vera da Costa e Silva ... [et al]. 6 ed. Rio d e Jan eir o: Jos Oly mpi o, 1992. 996 p. il. p. 289.

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    padecimento do filho fez tambm sofrer a sua me, por isso transformada na Rainha dos Mrtires, conforme nos explica Croiset:

    Santa Virgem padeceo interiormente durante o curso da Paixo de J. C., que elles chamo a paixo, e o martrio da Santa Virgem, d muito bem a conhecer a venerao, e a devoo singular que os Fieis tivero em todos os tempos para com as amarguras desta divina Mi af-flicta, as quaes lhe fizero dar pela Igreja o glorioso titulo de Rainha dos Mart-yres: Regina Martyrum. ... Tendo-a o Padre Eterno escolhido para Mi de seu Filho, tinha-lhe dado sobre aquelle Filho todos os direitos que pde ter sobre seu filho huma mi. Foi preciso pois que el-la consentisse na sua morte, e no seu sa-crificio, pela salvao dos homens; este he o sacrificio que ella fez deste caro Fi-lho quando foi ella mesma offerec-lo no Templo, onde o Profeta Simeo lhe predisse que a paixo do Filho seria ao mesmo tempo a paixo da Mi. Ecce positus est in signum cui contradicetur: 45

    A Virgem Maria tambm ven-ceu o pecado, tambm ela triunfou sobre a morte ressurgindo em glria.

    Fig. 22 - Arremate simb li c o d o arc o c ruzeir o da Igreja de N. Sra. da Con c ei o d o Boqueiro, Salvad or Bahia.

    45 CROISET, Pe. Anno Christo , ou Exerci c i os d e piedade para t od os os d o min g os, e f estas m udaveis d o ann o; c o nt end o o que h de mais instructiv o, e mais interessante nest es dias, c o m re fl exes s obre a epist ola, hu ma medita- o s obre o evang elh o da missa, e algu mas pra-ti cas de piedade pr oprias para t oda a qualidade d e p ess oas. Trad p ortuguesa. Lisb oa: Typ o gra-phia Rollandiana, 1849, T 3. p. 88-89

    O arremate simblico do arco cruzei-ro da Ig, da Conceio do Boqueiro (Fig. 22)Nesta alegoria que era encimada por uma coroa, hoje desaparecida, fica claro a posi-o de Maria como Rainha dos Mrtires, pois o pssaro com dois papos e duas cabe-as representa, o que est bicando o papo o pelicano que simboliza o sacrifcio de Cris-to para a salvao da humanidade e o pes-coo levantado sobre uma flor, outrora coroado, representa N. Sra. que alcanara a glria vencendo o pecado e sofrendo as dores do sacrifcio do seu filho.

    Aps esta abordagem do con-tedo simblico da coroa na cultura crist catlica, analisaremos outras vertentes de influncias quanto aos arremates de retbu-los desenvolvidos na Europa e no Brasil.

    Na Bahia do sculo dezoito tambm verificamos a propagao de um arremate que, como bem observou Germain Bazin, constituiu-se num verdadeiro em-blema da talha baiana deste sculo, o dossel bulboso em gomos ou no, apelidado pelo referido historiador como sendo 'dossel piriforme'46 e que pode, pelo menos no sentido simblico, advir da coroa, embora as origens dele, tambm sejam encontradas em outras solues italianas independentes.

    Das invenes italianas onde o bulbo aparece, que foram propagadas desta-camos a do tratado de Andrea Pozzo, o j referido 'altar caprichoso' (P11f), e ainda, bem anterior a de Pozzo, a gravura avulsa n 647, em que apresenta trs propostas para aparatos de exposio do Santssimo Sacra-mento, desenhados por Philippus Passarinus (Roma, 1638-1698)48 (Fig. 23), onde encon-tramos tambm um antecedente da cpula vazada do baldaquino do Bonfim, e no s, em vrias propostas de aparatos deste artis-ta, divulgadas por gravuras avulsas de n 2 e 449 (Fig. 27), encontramos cpulas vazadas em aros avolutados.

    Embora a inveno de Passari-nus seja a mais antiga que podemos apurar,

    46 BAZIN, Germain. A Arquitetura religi osa

    Barro ca n o Brasil, estud o hist ri c o e m or f ol -gi c o. Ri o d e Janeir o: Rec ord, 1956. v. I p. 304.

    47 BFBA-UP. Cole o d e gravuras avulsas de Philippus Passarinus.

    48 BNZIT, E. op. c it., 1966. 8 t. il. t. 6, p. 539. 49 Bibli ot e ca da Faculdade d e Belas Artes da

    Universidade d o Port o-BFBA-UP. Cole o d e gravuras avulsas de Philippus Passarinus

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    pois certamente foi concebida no sculo dezessete, momento do pice da esttica barroca na Europa. Bulbos desta espcie encontram-se ainda na gravura avulsa n 36 (Fig. 24 e 25), que apresenta um cenrio de jardim com trs baldaquinos (coretos) de cpula bulbosa, inventada e desenhada por Joseph Galli Bibiena e esculpida por J. A. Pfeffel50.

    Fig. 23 - Gravura n 6 Trs p rop ostas para aparatos d e exposi o d o Santssim o Sacrament o

    d e Phillippus Passarinus in. Sc.

    Fig. 24 - Gravura de c enri o t eatral jardim c o m trs baldaquin os inv entad o p or Joseph

    Galli Bibiena e es culpid o p or J. A. Pfe f f el. Faculdade d e Belas Artes UP- Portugal.

    50 Bibli ot e ca da Faculdade d e Belas Artes da Universidade d o Port o-BFBA-UP. Cole o d e gravuras avulsas de J oseph Galli Bibiena.

    Fig. 25 - Detalhe d o baldaquino da Gravura anteri or.

    Fig. 27 Gravura n 4 de Phillippus Passari-nus c o m duas pr op ostas, expo stas em c ort e, para altares c o m arremates vazados. Faculda-d e d e Belas Artes UP Portugal.

    No s as gravuras como o tra-

    tado de J. G. Bibiena foram amplamente difundidos em Portugal graas a atividade de um dos membros desta famlia de cen-grafos e arquitetos teatrais, o primo de Giu-

    Fig. 26 Deta-lhe da Fig. 23

  • 17

    seppe, Giovanni Carlo Sicino Bibiena51 que trabalhou para D. Jos I, desde cerca de 1751 ou 1752 at a morte em 176052. Oprprio Giovanni utiliza o bulbo para ar-rematar o coreto de um cenrio para a pe-ra 'Alessandro nell India', que fora gravado em 1754 por Ioan Berardi (Fig. 28) para ilustrar o libreto de 1755 da mencionada pera, encenada em Lisboa53.

    Considerando a fama que esta famlia de numerosos artistas gozava na Europa, quase certo que as coletneas de gravuras e tambm as gravuras avulsas de seu trabalho tenham chegado a Portugal e Bahia antes da transferncia de Giovanni para Lisboa. Mas no temos dvidas que a vinda deste Bibiena para a Corte Portuguesa tenha infludo muito para a maior divulga-o das gravuras de seus ilustres familiares no mundo portugus.

    Fig. 28 - Cenri o da p era Alessandr o nell ndia, Giovanni Bibiena de Ioan Berardi, 1754.

    Estas tradies convergem para a plstica adotada no retbulo do Senhor do Bonfim, do qual ressaltamos a sua cpula acentuadamente oval, aberta e constituda de aros em volutas, conformao, que en-contra antecedentes na cpula pintada por Andrea Pozzo para o altar-mor em afresco 51 BIBIENA, Giuseppe Galli. Arc hit etture, e

    Prosp ettiv e d edi cate alla maest di Carlo Sest o Imperad or d e Ro mani da Giuseppe Galli Bibi-ena, su o prim o ing e gn er t eatrale, ed. Architet-t o, inv ent or e d elle med esime. Parisiis apud Ba-san. 50 p. il.

    52 PEREIRA, Jos Fernandes (Dir.) e Pereira, Paulo. (Co ord.). Dici o nri o da arte barr o ca em Portugal 1989. p. 86.-88.

    53 Bibli ot e ca Naci onal de Lisb oa. Cenri o da p era Alessandr o nell India. In Libret o d e Pietr o Metastasi o. Lisb oa: 1755. Inv. MM 7052

    da igreja Jesuta de Frascatio realizado entre 1699 e 1701 e publicado na figura 69 do seu tratado54.

    Se verificamos uma relao es-treita entre as solues do Bonfim e a de Pozzo, encontramos tambm outras experi-ncias do prprio Pozzo que se inclui na cadeia formal desta cpula vazada, trata-se do remate de volutas em C, duplas e enca-deadas, dispostas em sentido contrrio, que conclui o altar-mor da casa professa de Vie-na Kirche am Hof edificado por Pozzo em 1709, ano da sua morte, reproduzido em desenho de S. Kleiner55 (Fig. 30).

    Fig. 29 - Retbul o-m or afres cad o p or Andra Pozzo, na Igreja jesuti ca de Frascati o.

    54 Feo, Vitt ori o De. op. c it., p. 141-142. 55 Ide m, ibid e m, p. 211-212.

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    Fig. 30 - altar-m or da casa pr o f essa de Vi-ena Kirch e am Hof edi fi cado p or Poz-zo em 1709

    Pozzo por sua vez deve ter co-

    nhecido a gravura de aparato para as qua-renta

    horas concebido por G. Amato em 168556 (Fig. 32).

    56 Publi cad o p or MARTINS, Faust o Sanc h es. Tron o Eucarsti c o d o retbul o barr o c o p ortu-gus: orig e m, fun o, f or ma e simb o lism o. In Reit oria da Universidade d o Port o. "I Con gres-so internaci o nal d o Barro c o, Actas", Port o, 1991, II v olu m e, p. 37.

    (P13j), pois as mesmas volutas duplas em C encadeadas, dispostas em contrrio, aparecem. Embora estas experi-ncias estejam mais distantes da cpula vazada do Bonfim, h sem dvidas influn-cias, que percebemos inclusive, nos ornatos em folhas de acantos das volutas presentes no aparato de G. Amato.

    Fig. 32 - Aparato para as quarenta h oras G. Amato.

    Pensamos que o gosto pelas es-truturas vazadas j se manifesta no ambiente artstico baiano de meados para o final do setecentos, basta lembrarmos da cpula vazada do retbulo-mor da igreja do Con-vento de Nossa Senhora da Lapa (Fig. 18),assim como o arremate vazado do retbulo-mor dos Terceiros de Nossa Senhora do Carmo entalhado por Jos Nunes de Santa-na de 1801-180357 (Fig. 33 e 34). Suspeitamos, entretanto que a cpula do retbulo de N. Sra. da Conceio da Lapa foi introduzida no sculo dezenove, visto a oval irregular, um

    57 Ott, Carl os. Atividade artsti c a da Orde m 3 d o Carm o da Cidade d o Salvad or e d e Cach o-eira. Salvad or: Secretaria da cul tura e turism o, Fundao Cultural, EGBA, 1998. 252 p. il. p. 224. (Cole o Sel o Edit orial Letras da Bahia, 25).

    Fig. 31 - Figura 69 d o 2 Volu-m e d o Tratad o d e Andra Poz-zo.

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    Fig. 33 - Cpula d o retbul o-m or da Ig. da Orde m 3 d o Carm o Salvador Bahia.

    Fig. 34 - Retbul o-m or da Ig. da Orde m 3 d e N. Sra. d o Carm o Salvador Bahia

    Talha de Jos Nunes de Santana, executada entre 1801 e 1803 Fot o grafia

    Luiz Freire tanto torta do seu aro e da limpeza orna-mental de seus filamentos, mas esta suspeita no se confirma documentalmente. De qualquer maneira devemos nos acautelarmos em relao a poca da introduo dos arre-mates vazados nos retbulos baianos, mes-mo por que a introduo de uma cpula no retbulo da Ig. de N. Sra. da Conceio da Lapa demandava uma interveno radical que pensamos difcil de execuo, mais va-lendo a substituio inteira do retbulo.

    O certo que o entalhador do altar do Nosso Senhor do Bonfim (Fig. 37) fez desta obra um laboratrio de experimen-tao formal, onde influncias internas e externas se fazem notar. Ainda nas contri-buies externas, notamos a grande seme-lhana entre o motivo que orna os plintos onde esto assentadas as figuras de dois dos evangelistas, So Joo e So Marcos, no plano lateral de fundo do retbulo e as con-solas que aparecem no primeiro plano da gravura de teatro sacro de de G. G. Bibiena

    que traz uma cartela com a seguinte inscri-o bblica Susce perunt autem Jesum et adduxerunt Joa Cap 19 v. 1658 (Fig. 35 e 36)..

    Os feixes de plumas ou palmas so presos por duas fitas em 'X' que cingem o centro de cada feixe, havendo uma grande semelhana entre os motivos entalhados nos plintos da Igreja do Nosso Senhor do Bon-fim e os que aparecem na gravura de Bibie-na, e vm comprovar a multiplicidade de influncias que concorreram para a orna-mentao desta Igreja.

    Das influncias internas ainda podemos observar a frmula de baldaquino com dez, oito colunas dispostas em rotun-da, que diferencia-se dos baldaquinos berni-nianos que apenas possuam quatro colunas dispostas em quadrado. Em Portugal so-mente o retbulo-mor da Catedral da S do Porto, projetado por Santos Pacheco, possui seis colunas e quatro meias-colunas, com disposio diversa da tradio baiana.

    58 Faculdade d e Belas Artes da Universidade d o Port o. Cole c o d e gravuras avulsas de c enri os teatrais inv entadas e desenhadas p or G. G. Bi-biena e es culpidas p or J. A. Pfe f f el.

    Fig. 35 e 36 - Solues seme-lhantes entre gravura de G. G. Bibiena e msula fitomor-fa do pilar late-ral do retbulo do N. Sr. do Bonfim.

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    Fig. 37 - Retbul o-m or da Igreja de N. Sr. Bo m Jesus d o Bon f im Salvad or Bahia Fot o grafia de Srgi o Benutti

    Os baldaquinos superpovoados de colunas com cpula vazada devem ter sido abundantes na Bahia do sculo dezoito, pois o entalhador responsvel pelo nico exemplar que restou, Antnio Mendes da Silva59, foi muito operoso e fez alguns ret-bulos-mores para as igrejas de Salvador, entre eles, o primeiro retbulo da Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus do Bonfim ergui-do em 1752 e o da igreja dos terceiros do-minicanos60, retbulos estes, que a reforma neoclssica fez desaparecer.

    Antnio Mendes da Silva (? 20.08.1763) era familiar do Santo Ofcio, mestre entalhador e morador na cidade da Bahia61. Comea a aparecer em documen-tos a partir de 1735, quando revestiu de talha o zimbrio e as paredes da capela-mor, do arco cruzeiro para dentro, da Igreja da Santa Casa de Misericrdia da Bahia, fazen-do ainda duas credncias para a mesma capela62; entre 1745 e 1748 fez o retbulo e toda a talha da capela-mor da Igreja de So Domingos de Gusmo, em 176263. Um ano antes da sua morte, fez um retbulo para a capela do Sr. Bom Jesus da Saubara, no recncavo baiano e propriedade da Irman-

    59 ALVES, Marieta. Dici o nri o d e artistas e art-

    fi c es na Bahia., 1976. 210 p. p. 167. 60 Ide m, ibid e m. p. 167. 61 Ide m. p. 167. 62 Ide m, ibid e m. 63 Ide m., Ibide m.

    dade da St. Casa de Misericrdia da Cidade do Salvador64.

    H, portanto, uma grande pos-sibilidade de ter sido um baldaquino de muitas colunas, o primeiro retbulo da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, hiptese j levantada por Carlos Ott65, pois foi enta-lhado pelo mesmo Mendes da Silva em 175266, podendo a frmula deste retbulo barroco, que desconhecemos a plstica, ter influenciado no modelo plasmado no incio do sculo dezenove.

    O baldaquino oitocentista da Igreja do Bonfim (Fig. 37) impressionou tanto os entalhadores e mesrios das Irman-dades e Ordens Terceiras de Salvador que a frmula foi repetida pelo entalhador Joa-quim Francisco de Matos Roseira no altar-mor da Igreja do Santssimo Sacramento e N. Sra. do Pilar iniciado em 1829 e conclu-do em 183367 (Fig. 38).

    Fig. 38 - Retbul o-m or da Igreja de N. Sra. d o Pilar Fot o grafia Luiz Freire

    Na verso do Pilar, algumas

    modificaes aprimoraram a linguagem neoclssica do prottipo, a proporo das

    64 OTT, Carlos. Hist ria das Artes Plsti cas na

    Bahia ( 1550-1900 )., 1992. v. II Escultura. p. 13.

    65 OTT, Carlos. Evolu o das artes plsti cas nas igrejas d o Bon fim, Boqueiro e Sade. p. 33. 66 ALVES, Marieta. op. c it. p. 167. 67 RUY, Afons o. op. c it. 1951, p. 8.

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    partes se equilibram produzindo um todo harmnico; o embasamento ganha mais uma ordem de plintos, as colunas em n-mero de oito tm os fustes canelados e rece-bem marcao sutil no tero inferior, cons-tituda de anel no limite superior e fio de prolas, no interior de caneluras que se intercalam entre lisas e ornadas, o entabla-mento despe-se do excesso de ornatos do Bonfim, a cpula passa a forma circular, as esculturas alegricas da F e da Razo so postas ao nvel da segunda ordem de plintos ficando mais visveis, e a estrutura arquite-tnica se aclara com a perfeita dosagem entre dourados e branco. Este exemplar , de toda a srie, o de elaborao mais cuida-dosa.

    Este entalhador ainda res-ponsvel pela segunda verso datada do modelo, o retbulo-mor da Ig. do SS. Sa-cramento da Rua do Passo, iniciado em 1848 e concludo em 185068 (Fig. 39). A, a simplificao que o conduziu na experincia anterior ficou mais aguada e muito menos monumental, as duas ordens de plintos receberam ornatos de fio de louros decres-centes enquadrados em molduras retangula-res, os fustes canelados tem o tero inferior apenas marcado por um anel de moldura, o trono ganha perfis retos contrapondo-se aos curvos do Pilar, a cpula vazada circular diminui de tamanho, e as volutas ficam mais achatadas, desaparecem as figuras ale-gricas e o nicho (j que neste caso o orago nico o Santssimo Sacramento que ocupa o trono), o nmero de colunas permanece e sobre as impostas que ladeiam as volutas dianteiras, dois vasos como no do Pilar.

    A sobriedade estrutural e or-namental aumenta com o cromatismo que reserva os dourados para as partes sensveis da arquitetura e o branco para os fundos planos e/ou reentrantes. O douramento neste caso no s impe um ritmo na viso das partes nos seus limites, como revela pormenores que ficariam imperceptveis distncia; a mesa do altar mantm a forma trapezoidal com ornatos mais simples.

    Temos neste exemplo uma ten-dncia que vai predominar nos demais e-xemplares filiados ao modelo: a diminuio e arredondamento da cpula numa reapro-ximao do arqutipo da coroa.

    68 ALVES, Marieta. op. c it.1974, p. 129.

    Fig. 39 - Retbul o-m or da Ig. do Santssim o Sacrament o da Rua d o Passo. Fot o grafia de Herald o Alvim

    O vigor desta famlia no aca-ba nestes exemplos, ele constatado em vrios outros que no puderam ser datados ou que possuem datao atribuda, e so igualmente desconhecidos os seus autores. So eles:

    O retbulo-mor da Igreja do Convento de N. Sra. da Palma datado por Maria Jos de Freitas como sendo de 180369 (Fig. 40).

    Esta verso demonstra uma lin-guagem depurada na evoluo neoclssica deste modelo, o que nos faz duvidar desta datao. Como no retbulo do Bonfim a base constituda de uma ordem de pilares retangulares, com unidades ornamentais simples emolduradas por filetes tambm retangulares, a mesa do altar mantm a forma trapezoidal e exibe ornato de rosas centradas em ramicelos e folhas.

    69 FREITAS, Maria Jos Rabel o. o p. c it., 1964, p.

    16. No c o n f iam os nesta datao, p o is a aut ora n o

    ap onta os marc os cr o n o l g i c o s, ne m os d o c u-m e nt os que basearam esta afirma o. Caso ve-nha a ser c o n f irmada a re f erida data, a cadeia ev olutiva d o m od el o altera-se radi calment e, p o is este exemplar passa a ser o primeir o da srie, assumind o o lugar d o altar-m or da Igreja d e N. Sr. d o Bon f im.

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    As oito colunas distribuem-se quatro de cada lado, em trs planos diferen-tes,

    Fig. 40 - Retbul o-m or da Ig. do Conv ent o da Palma. Fot o grafia de Srgi o Benutti

    os fustes canelados possuem o tero inferior marcado por um anel de moldura, os capi-tis continuam compsitos o entablamento simples com friso canelado e cornijamento sem ornatos, a cpula vazada arredondada sustenta-se em seis volutas, mantm os fes-tes entre as volutas e as bordas da cpula e apresenta um elemento decorativo novo, pequenos tringulos rendados entre os aros; nas impostas dos extremos fronteiros, figu-ras alegricas da 'f catlica' e a 'esperana' no lugar dos vasos dos exemplares anterio-res. Os perfis dos degraus do trono so retilneos com modilhes nos vrtices.

    Uma inovao se introduz e que pode ter sido posterior fatura do ret-bulo, duas msulas so colocadas na altura do limite do tero inferior para suportarem as imagens de dois santos bispos. sem dvidas o exemplar desta famlia que me-lhor soluciona a colocao das esculturas alegricas.

    No que concerne a apresenta-o das alegorias esta, vai atingir o seu mai-or grau de amadurecimento no exemplar da Capela do Asilo D. Pedro II (Fig. 41), sem autor ainda conhecido e provavelmente edificado em cerca de 1887, ano da inaugu-rao do Asilo. Nesse retbulo o programa iconogrfico das virtudes teologais est

    completo e disposto na parte principal do retbulo em propores harmnicas e enf-ticas. Dessa maneira a Caridade se apresenta no cimo da cpula vazada, a F Catlica direita do retbulo e a Esperana esquerda do retbulo.

    Fig. 41 - Retbul o-m or da cape la d o Asil o D. Pedr o II. Fot o grafia de Srgi o Benutti

    O retbulo mor da Igreja da Irmandade de N. Sr. dos Aflitos e Boa Sen-tena (Fig. 42) similar ao da Igreja do Smo. Sacramento da Rua do Passo. Igual nmero de plintos, com diferentes ornatos, mesa do mesmo formato, igual nmero de colunas, mesma marcao do tero inferior, remate semelhante com diferenas nas volutas que so mais delgadas e no formato dos vasos, o trono possui degraus retangulares e so ornados por finos festes.

    O ltimo retbulo-mor que na capital se inscreve nesta tradio e que po-demos datar com alguma segurana a partir da fotografia de uma placa de mrmore fixada no arco cruzeiro onde consta: Foi concluda a reedificao desta capella mr [...] anno de 1870 [...] o do altar da antiga S (Fig. 43) e que se assemelha com os da

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    Rua do Passo e dos Aflitos, com pequenas alteraes.

    Fig. 43 - Retbul o-m or da antiga S de Salvad or.

    Ainda temos um altar lateral

    da Igreja de S. Sebastio do Mosteiro de So Bento, tratado como se fosse altar mor, o

    altar de N. Sra. das Angstias (Fig. 44), que pode ser lavra da dcada de setenta do scu-lo dezenove, tendo em vista a data de 1877 marcada em cartelas de dois altares vizi-nhos, de Sta. Luzia e Sto. Antnio e de So Caetano e S. Brs.

    O derradeiro caso, trata-se do pequeno altar da capela que ocupa o ltimo andar do Instituto Feminino na Bahia (Fig. 45), um exemplar nico de adaptao do modelo as propores quase de um nicho. Neste retabulinho70, so quatro as colunas, quatro as volutas achatadas; a pequena c-pula rematada por uma cruz, fica mais pa-recida com a antiga coroa e no lugar do trono, um grande nicho envidraado eleva-se at a altura das cornijas, os plintos desa-parecem e no seu lugar apenas a mesa de altar trapezoidal.

    Fig. 44 - Altar de N. Sra. das Angstias Ig. de So Sebastio d o Mosteir o d e So Bent o Salvad or Ba. Fot o grafia de Srgi o Benutti

    Como inteno de repetir o

    modelo temos a 'maquete'71 (Fig. 46) da or- 70 Este era o t erm o que, na Bahia d o s c ul o XIX,

    se e mpre gava para designar pequen os retbu-l os.

    71 Esta miniatura da casa d os sant os est exposta p ermanente m ente na exposi o que os ter c ei-r os fran cis can os d e Salvad or mant m n o pa-viment o superi or, c orred or d o lad o d o evang e-lh o, lateral as tribunas da cape la-mor. Quant o as ini c iais "J.P.F." c o nstante ne sta 'maquete', p ensam os ser a d o aut or da 'maquete', o enta-lhad or que se resp onsabilizou p ela talha da

    Fig. 42 - Retbulo-mor da Igreja dos Aflitos. Fotografia Srgio Benutti

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    namentao da Casa dos Santos da Ordem Terceira de So Francisco feita por "J. P. F.", iniciais ainda no identficadas, onde o altar-mor, de Nossa Senhora das Dores reproduz em pequenas dimenses a soluo da cpula vazada sobre volutas, o que ficou na minia-tura, pois o entalhador que foi contratado em 11 de Junho de 1845 para a obra, Joa-quim Francisco de Matos Roseira72 alterou o projeto.

    Fig. 45 - Altar d o p ensi o nat o S. Jos d o Institut o Feminin o da Bahia. Fot o grafia Srgi o Benutti

    Casa d os Sant os, cuj o n o m e d e v eria ser J oa-quim Pereira Francisc o d e Matos (Roseira), c o n f or m e o cruzament o d e dad os das obras de Manuel Querin o, Marieta Alves e d o c u m ent os da Orde m Terc eira de So Fran c is c o.

    72 ALVES, Marieta. op. c it., 1948, p. 105.

    Fig. 46 - Maquete da Casa d os Santos da Igreja da Orde m 3 de So Francisc o Fot o grafia Luiz Freire

    importante assinalar que esta linhagem de retbulos se popularizou dimenso do culto do Senhor do Bonfim, o que gerou pea importante para a difuso do modelo, um cone do seu altar litografa-do na Bahia, datado de 186073 (Fig. 47), ven-dido ou doado pela irmandade aos que acorriam ao santurio.

    73 O ni c o exemplar desta lit o grafia feita na Bahia ainda preservad o, j um p ou c o d et eri o-rad o, en c o ntra-se na Igreja d o Rosri o d os Pre-t os-Pel ourinh o, est em oldurad o e p endurad o na pared e d o c orred or que d acess o as tribu-nas da esquerda d o altar m or. (Igreja da Ir-mandade d e N. Sra. d o Rosrio d os Pret os das Portas d o Carm o, Lit o gravura d o altar de N. Sr. d o Bon fi m, 1860.).

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    Fig. 47 - Lito grafia d o retbul o -mor da Ig. d e N. Sr. d o Bon f im 1860 - Acerv o da

    Ig. de N. Sra. d o Rosri o d os Pret os. O culto do Senhor Bom Jesus

    do Bonfim ganhou grandes propores j na sua introduo em meados do sculo dezoito, da at o sculo vinte, tem mantido seu vigor graas a uma unanimidade religio-sa que encontra adeptos em todas as classes sociais, e principalmente pelo fato de en-contrar paralelismos nas religies afro-baianas, cultivadas nos inmeros terreiros de candombl, onde Oxal o deus supre-mo, princpio criador, com prerrogativas e sentido semelhantes as do Senhor do Bon-fim. por isso que o santurio do Senhor do Bonfim enche-se de fiis vestidos de branco, cor de oxal, todas as sextas-feiras, sendo a festa deste Senhor a maior festa religiosa feita na Bahia desde a instituio do culto.

    A difuso do modelo retabils-tico do Bonfim demonstra a fora da msti-ca religiosa dos baianos, pois estando o templo na periferia geogrfica da cidade, ocupou e ocupa, do ponto de vista artstico e cultural, o centro simblico irradiador, como bem exemplifica a difuso do seu modelo retabilstico.

    Fora da cidade de Salvador, no recncavo da antiga provncia, hoje estado da federao brasileira, identificamos, sem fazermos recolha exaustiva, um retbulo-mor como membro desta famlia o da Igreja de Nossa Senhora do Rosrio da ci-

    dade de Cachoeira (Fig. 48), onde o balda-quino transforma-se em retbulo parietal, e o remate adapta-se ao formato de meia cpula sobre seis volutas em esses com os arranques das voltas inferiores pontiagudas sustentadas por seis colunas compsitas. Contudo o baldaquino pode ter influencia-do na provncia mais do que apuramos e do que imaginamos.

    Fora da antiga provncia da Bahia, temos como certo um empreendi-mento que levou a tradio do retbulo do Bonfim para o sudoeste do Brasil, o retbu-lo-mor da S de Campinas (Fig. 49), no estado de So Paulo , feito pela oficina do entalhador Vitoriano dos Anjos Figueiroa. Este artista aparece na Bahia fazendo quatro nichos para os altares da nave da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim entre 1818 e 182074. De 1853 1864 trabalhou com outros entalhadores que leva da Bahia, in-clusive seu filho, na talha da Catedral de Campinas, So Paulo75, onde reinterpreta o

    74 OTT, Carlos. Evolu o das artes plsti cas nas

    igrejas d o Bon fim, Boqueiro e Sade., 1979. p. 148; MARTINS, Judith. Dic i o nri o d e artis-tas e art fi c es da Bahia, s cul os XVI-XIX; Enta-lhad or es., p. 1 (texto datil o grafad o, ori ginais para a publi ca o). (No p o d em os rev er o d o-c u m ent o e m virtude d o d esapare c iment o d o re f erid o livr o d o arquiv o da Irmandade).

    75 BRITTO, Jalum. Hist ria da catedral. In Dirio d o Pov o, Campinas, Sbad o 1o de ju-nh o 1974. Cap. XIV, p. 117-118. (Bibli ot e ca Publi ca Muni cipal Pro f. E. M. Zink Campi-nas Docu m entri o d e Campinas )

    Fig. 48 - Retbul o-m or da Igreja Matriz de N. Sra. d o Rosri o d e Cach o-eira Bahia.

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    baldaquino do Bonfim dando-lhe outra conformao.

    No altar de Campinas, compe-tente obra de talha, o entalhador fez duas cpulas circulares, uma menor que a outra, a menor sobre a maior, constitudas de aros em volutas na forma de esses, ornadas com flores. Esta cpula de dois andares apoia-se em volutas em esses ornadas com folhas e olivas, o bordo inferior da cpula repleto de grinaldas de flores pendentes. Toda a estrutura do baldaquino lembra a do Bon-fim, as colunas so em nmero de quatro, com capitis corntios diferentes dos com-psitos do Bonfim, assim como diferente a marcao das caneluras do tero inferior e dos limites dos trs teros, a nica ordem de plintos concorda com a do modelo.

    Vitoriano mantm a monumentalidade do modelo, mas resolve os problemas de sobriedade e harmonia, mal solucionados no altar do Senhor do Bonfim. No mais retornou Bahia, sua terra natal, mas cer-tamente alguns dos oficiais da sua oficina voltaram, pois a nova plstica concebida por Vitoriano na Catedral de Campinas reaparece em plano mais modesto e com variao no formato da cpula dupla, que passa a ser oval, no baldaquino da capela do Santssimo Sacramento, do lado do evange-lho da Igreja de So Salvador (Fig. 50) da cidade baiana de Valena, do qual desco-nhecemos poca e autor da manufatura.

    Com este ltimo exemplo, conclumos a abordagem desta tradio que se implantou na Bahia no sculo dezenove e que se enraizou num desenrolar plstico dos mais variados e importantes, pois passa a ser, no contexto complexo da talha oitocen-tista baiana, uma das principais marcas da reforma retabular.

    Fig. 49 - Retbul o-m or da S de Campinas So Paul o.

    Fig. 50 - Retbul o da capela d o Santssim o da Igreja de So Salvad or Valen a Bahia.