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SUBSDIOS CARACTERIZAO E TENDNCIAS DA REDE URBANA DO BRASIL

CONFIGURAO E DINMICA DA REDE URBANA

Claudio A. G. Egler

Petrpolis, maro de 2001

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Sumrio Captulo 1 - Mudanas recentes e perspectivas da urbanizao ao nvel mundial e no Brasil ......................................................................3Introduo ......................................................................................................................................... 3 As Dimenses da Urbanizao Mundial ........................................................................................ 3 Dinmicas Recentes no Funcionamento, na Economia e na Gesto das Megacidades............. 13 Redes e Hierarquias de Cidades: Evolues Recentes................................................................. 26

Captulo 2 - Principais Caractersticas da Urbanizao Brasileira .. 37Introduo ....................................................................................................................................... 37 O Processo de Urbanizao no Brasil ........................................................................................... 37 A Urbanizao Acelerada e a Consolidao da Constelao Metropolitana............................. 42 A Estrutura Produtiva e as Redes Nacionais............................................................................... 48 A Distribuio da Renda, do Emprego e da Pobreza Urbana .................................................... 49

Captulo 3 - Os Sistemas Urbano-Regionais no Brasil..................... 54Introduo ....................................................................................................................................... 54 A Rede Nacional e suas Estruturas Urbanas................................................................................ 57 Os Sistemas Urbano-Regionais e suas Tendncias....................................................................... 62 Consideraes Finais ...................................................................................................................... 68 Tabelas ............................................................................................................................................. 70

Referncias Bibliogrficas ................................................................. 81

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Captulo 1 - Mudanas recentes e perspectivas da urbanizao ao nvel mundial e no Brasil1Como abordam os economistas, o modo como a economia organiza seu uso do espao? Para respond-lo em poucas palavras, a maioria deles simplesmente o ignora. Paul Krugman, The Self-Organizing Economy Introduo O crescimento das cidades e, principalmente, o das megacidades, representa um dos fatos relevantes da histria do sculo XX. H duas geraes, os habitantes do planeta eram majoritariamente rurais. Hoje, eles vivem, em sua maioria, nas cidades. Essa transio, que se acelerou a partir de meados do sculo, resultado de um processo de urbanizao indito e complexo. A cidade hoje no mais um aglomerado urbano cujas delimitaes fsicas so claramente definidas. Ela se apresenta mais como um conglomerado de construes diversas, de redes de infra-estrutura, de centros comerciais e equipamentos pblicos (de sade, educao etc.), de subrbios mais ou menos interligados.. O centro urbano aparece cada vez mais fragmentado, social e espacialmente. Mas, apesar disso, um estudo das mutaes recentes do processo de urbanizao deve ir alm da simples idia de crise urbana. Assim, podemos apontar uma ordem escondida, ou melhor, uma nova ordem urbana rompendo com os esquemas tradicionais de organizao do espao urbano. A cidade informacional se faz e se desfaz diariamente, atravs de uma dinmica interna prpria, que a integra aos inmeros fluxos que caracterizam as novas formas do capitalismo mundial. Isso leva a novas formas de urbanidade como uma transformao de todos os equilbrios econmicos existentes e mudanas profundas na hierarquia das cidades em termos regional, nacional e internacional. O primeiro item deste captulo identifica e analisa os fatores que, alm do crescimento da populao urbana, permitem medir esse processo de urbanizao (taxa de urbanizao, repartio da populao urbana por regies e estados, evoluo do nmero das cidades, do tamanho das aglomeraes urbanas etc.). O segundo item aborda as questes relativas ao funcionamento, economia e gesto das megacidades que lutam para atrair os investimentos das grandes firmas nacionais e multinacionais. Nesse contexto, a gesto dessas megalpoles constitui desafio permanente para todos os atores urbanos. O terceiro e ltimo estuda as transformaes recentes observadas nas redes e hierarquias das cidades no mbito mundial. As Dimenses da Urbanizao Mundial A Distribuio da Populao Urbana O processo de urbanizao, que podemos definir como a transio de uma sociedade rural para uma sociedade urbana, decorre de mudanas plurisseculares que atingiram seu auge a partir dos anos 50 (Bairoch, s.d.). Para medir esse processo, devemos em primeiro lugar avaliar o efetivo da populao urbana e sua evoluo no decorrer do tempo. Em especial devem ser apontadas as mutaes profundas que sofreu a distribuio da populao do planeta1

Elaborado em colaborao com Frdric Moni.

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em conseqncia do excepcional crescimento urbano das ltimas dcadas. Em outras palavras, a anlise da taxa de urbanizao permite inferir informaes que, apesar de suas limitaes, possibilitam esboar o estado da urbanizao em um momento histrico dado. Os efetivos da populao urbana em escala mundial No incio do sculo XIX, a populao urbana mundial no atingia 85 milhes de pessoas. Um sculo depois, o efetivo total de 250 milhes. Entre 1900 e 1950, enquanto a populao urbana crescia 240%, a populao total do planeta crescia cerca de 49%. Mais recentemente, essa posio se confirmou. O nmero total de habitantes em cidades passou de 733 milhes para mais de 2 bilhes entre 1950 e 1990. Segundo o banco de dados Gepolis, elaborado por Franois Moriconi-Ebrard2, no incio dos anos 90, 2,27 bilhes de pessoas viviam em cidades de pelo menos 10 mil habitantes espalhadas pelo mundo. Esse valor representava o efetivo total da populao mundial nos meados do sculo XX. E o processo continua, pois a estimativa da ONU para 2025 de cerca de 5 bilhes de pessoas vivendo em cidades. Dessa maneira, quase a metade dos habitantes do planeta vive em cidades. A segunda metade do sculo XX marcou uma ruptura radical na histria plurissecular da urbanizao mundial. Podemos quase falar de uma inflao urbana que alterou profundamente a distribuio da populao no planeta. A maioria, cerca de 60% do total, vive em cidades de pases em desenvolvimento. A pobreza constitui o horizonte quotidiano da maioria desses cidados. Isso significa uma outra ruptura com o imaginrio da cidade como locus de ascenso social, que vigorava quando a urbanizao era um processo que atingia os pases industrializados ocidentais. A repartio da populao urbana Hoje, a populao urbana mundial se reparte em torno de alguns plos bem identificados. O principal deles constitudo pelo continente europeu, que concentra com exceo da Rssia 343 milhes de cidados, numa superfcie inferior a 5 milhes de quilmetros quadrados. Na Amrica Latina, o conjunto das cidades ocupa um territrio bem maior. Mas aqui podemos distinguir trs plos urbanos distintos com mais de 15 milhes de habitantes: o esturio de La Plata, o sudeste do Brasil e o planalto central mexicano. Da mesma maneira, os focos de urbanizao da Amrica do Norte, cujo territrio trs vezes superior ao da Europa, so basicamente localizados no nordeste (Megalpolis) e no sudoeste dos Estados Unidos (Califrnia). Na frica, um eixo urbano entre a Costa do Marfim e Camares, incluindo a Nigria concentra quase a metade da populao urbana da frica sub-sahariana. Na sia, a Indonsia (em particular a ilha de Java), a China, assim como o subcontinente indiano, aparecem como trs outros importantes focos urbanos. Mas, o mais ativo plo asitico constitudo pelo Japo e os trs tigres regionais (Formosa, Singapura e Hong-Kong). Finalmente, a urbanizao do mundo rabe-muulmano, cujo centro de gravidade se encontra no Egito, estende-se de um lado pelo litoral mediterrneo at Marrocos e do outro lado at a Turquia e o Ir.2

Existem pelo mundo 200 institutos nacionais de estatsticas definindo a populao urbana e a extenso das cidades de maneira extremamente diversa. Em face desse esse problema, Franois Moriconi-Ebrard elaborou um banco de dados mundiais que relaciona de maneira exaustiva as aglomeraes que ultrapassaram 10 mil habitantes. Os critrios usados no Gepolis so rigorosamente idnticos, a fim de poder comparar as cidades do mundo identificadas e analisadas como entidades espaciais comparveis a partir de dados homogneos. Ver Moriconi-Ebrard (1993).

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Tabela 1 Repartio mundial da populao urbana em 1990 rea Geogrfica Grupo dos pases em desenvolvimento frica Mundo rabe-muulmano Amrica Latina Subcontinente indiano sia do sudeste sia oriental Ilhas do Pacfico e do Oceano ndico Grupo dos pases desenvolvidos sia do Pacfico Amrica do Norte Europa ex-URSS Austrlia e Nova Zelndia TOTAL MUNDO Fonte: Moriconi-Ebrard (1993). Considerando os pases individualmente, podemos notar que, ao longo das ltimas dcadas, algumas economias em desenvolvimento reforaram suas respectivas posies. A Nigria concentra um quarto da populao urbana africana. O Brasil e o Mxico j ultrapassaram os grandes pases europeus. A Turquia, o Ir, o Paquisto, a Indonsia, as Filipinas e a Coria seguem o mesmo caminho. A maioria desses pases dispe de grandes reservas de populao rural para alimentar o crescimento urbano. Ao contrrio, o peso de alguns pases africanos torna-se irrelevante apesar do seu tamanho. Assim, em pases como a Etipia, o Sudo, e Moambique, a populao urbana ainda largamente minoritria. Os sete maiores pases, em termos de efetivo de populao urbana, concentram mais da metade da populao urbana mundial. Na outra extremidade, 74 estados concentram menos de 1% da populao mundial. So microestados (ilhas do Pacfico, do Caribe, do oceano ndico, Malta, Luxemburgo etc.) ou grandes estados poucos povoados (Botsuana, Gabo, Mauritnia, Etipia, dentre outros). Populao urbana (x 1 000) 1352,1 152,2 180,8 302,6 280,7 123,8 309,2 2,8 918,2 188,3 199,8 343,2 171,6 15,2 2.270,3 % Mundo 59,6 6,7 8,0 13,3 12,4 5,5 13,6 0,1 40,4 0,3 0,8 15,1 7,6 0,7 100,0

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Tabela 2 Os grandes pases pelo efetivo da populao urbana Posio 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Estado China E.U.A ndia Japo Rssia Brasil Alemanha Gr-Bretanha Itlia Mxico Indonsia Frana Coria do Sul Espanha Ucrnia Efetivo 205,3 159,1 146,9 106,3 88,0 71,8 56,3 43,0 40,2 38,7 34,2 33,6 28,7 28,1 26,9 % mundial 12,1 9,4 8,7 6,3 5,2 4,2 3,3 2,5 2,4 2,3 2,0 2,0 1,7 1,7 1,6 % acumulado 12,1 21,5 30,2 36,4 41,6 45,8 49,2 51,7 54,1 56,3 58,4 60,3 62,0 63,7 65,3

Fonte: Moriconi-Ebrard (1993). O crescimento da populao urbana Desde os anos 50, a populao urbana mundial conheceu um processo de crescimento excepcional. Em primeiro lugar, mesmo no apresentando o mesmo vigor em todas as regies do mundo, esse processo atingiu o planeta inteiro, inclusive os pases-estados com movimentos demogrficos pouco dinmicos. Esses ltimos sofreram declnio relativo, visto que os pases industrializados concentravam, no incio dos anos 90, 40% da populao urbana mundial contra 64% em 1950. Em 1973, os pases em desenvolvimento ultrapassaram os industrializados. Desde ento, esse crescimento contnuo em detrimento das economias industrializadas. O crescimento mais relevante observado na frica, que em 40 anos teve sua populao urbana multiplicada por 12. Nesses ltimos anos, porm, ao contrrio da Amrica Latina e do mundo rabe-muulmano, o crescimento da populao urbana desse conjunto de pases em desenvolvimento tende a diminuir. Na sia, as polticas de controle do crescimento urbano em vrios pases (China, Vietn, Laos, Birmnia etc.) explicam a falta de vigor do aumento da populao urbana. Ao termo de um processo de urbanizao massiva do planeta, a populao urbana mundial apresenta uma distribuio espacial muito mais equilibrada que h 50 anos. Existem hoje vrios plos urbanos espalhados pelo mundo. Muitos deles pertencem ao mundo em desenvolvimento; alguns so herdeiros de antigas civilizaes urbanas (ndia, Mundo rabe, Amrica Central, Nigria) e contrabalanam o peso das grandes regies urbanas ocidentais (Megalpolis europia e norte americana) ou japonesas.

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A velocidade da urbanizao Segundo dados compatibilizados por Gepolis, o ndice de urbanizao do mundo eleva-se a 42,5% em 1990, enquanto a ONU aponta, para o mesmo ano, um ndice bruto de 45,2%. A variao entre esses indicadores decorre principalmente das grandes diferenas entre os patamares usados para definir a populao urbana. Na Dinamarca, qualquer aglomerado de mais de 200 habitantes considerado urbano. Na Frana, esse patamar de 2 mil habitantes, enquanto na Coria do Sul no existe definio para a populao de aglomerados plurimunicipais. Nesse caso, a populao das cidades-dormitrio em torno do municpio-cabea automaticamente considerada como rural (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 23). Faltam dados para alguns pases, para quais s esto disponveis estimativas gerais e imprecisas. Os pases com maior taxa de urbanizao apresentam geralmente territrios pequenos. Alguns deles, como Hong Kong, Singapura, Mnaco ou o Kuait tm cerca de 100% de cidados. Podemos tambm observar que a taxa de urbanizao aparece correlata a vrios determinantes. O primeiro deles o nvel de desenvolvimento do pas. Assim, os pases industrializados apresentam uma taxa superior mdia mundial. Da mesma maneira, no Mundo rabe, na frica e na Amrica Latina, os pases mais ricos so tambm os mais urbanizados (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 25). Devemos tambm considerar as condies naturais que podem influir na taxa de urbanizao. As regies caracterizadas por condies naturais extremas apresentam taxas de urbanizao muito elevadas (Sibria, Islndia, Canad, Saara, Austrlia etc.). A taxa anual de incremento da populao urbana apresenta seus valores mais elevados na Pennsula Arbica e na frica, ao sul do Saara, onde as taxas ultrapassam 3,76%. O vigor do atual processo tem sua origem em uma taxa de urbanizao inicialmente muito baixa. Em 1950, por exemplo, ela era inferior a 2% em Oman, na Mauritnia, em Nger e em Uganda. Na escala mundial, essa taxa tende a diminuir de maneira sensvel e regular ao longo do perodo 1950-1990. Aparece aqui um fato novo que merece, todavia, ser relativizado, pois as taxas atuais so superiores s observadas ao longo dos sculos passados e nada prova que essa tendncia observada de diminuio vai continuar nas prximas dcadas. A Expanso do Semis das Cidades O processo de urbanizao do planeta, nessas ltimas dcadas, deu-se atravs do aumento da superfcie das cidades existentes e da multiplicao do nmero dos centros urbanos. Como no caso da populao urbana, podem-se apontar alteraes profundas na localizao das aglomeraes na superfcie da Terra.. Hoje, observa-se, por exemplo, que a populao residente nos grandes aglomerados urbanos cresceu, no perodo, mais pelo ingresso de novas cidades nesta categoria, do que pelo aumento da concentrao naqueles j existentes. A densidade do semis3 das cidades conheceu tambm mutaes significativas. O nmero das cidades Em 1990, o nmero total de aglomeraes com mais de 10 mil habitantes era, segundo Gepolis, de 26 mil contra 21 mil no incio dos anos 80. Se considerarmos o fato de que na Frana existem mais de 36 mil municpios, que a ndia concentra mais de 600 mil povoados e o Mxico cerca de 125 mil unidades de povoamento (localidades), esse total representa uma nfima minoria dos estabelecimentos humanos registrados no mundo (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 59). Mas, apesar disso, essas 26 mil cidades concentram mais de dois quintos da3

Semis em francs significa semeadura, isto , o processo espontneo de formao dos ncleos urbanos.

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humanidade. Existem, assim, 4 mil ncleos de mais de 100 mil habitantes, 250 de mais de um milho, 40 de mais de 5 milhes e 15 megacidades que concentram mais de 10 milhes de cidados. A repartio mundial das aglomeraes A maioria das cidades pertence ao mundo em desenvolvimento. A sia do Sul concentra um quarto delas, enquanto a China e a Amrica Latina, um quinto do total. Ao inverso, o continente africano conta ainda com um nmero reduzido de aglomeraes urbanas. Tabela 3 Repartio mundial das cidades em 1980 rea geogrfica Nmero de cidades Total mundial (%) 54,7 7,5 8,7 10,6 12,9 4,6 10,1 0,2 45,3 6,8 5,4 23,7 8,8 0,5 100,0

Grupo dos pases em desenvolvimento frica sub-sahariana Mundo rabe-muulmano Amrica Latina Subcontinente Indiano sia do sudeste Extremo Oriente Ilhas do Pacfico e do Oceano ndico Grupo dos pases desenvolvidos sia do Pacfico Amrica do Norte Europa ex-URSS Austrlia - Nova Zelndia TOTAL MUNDO Fonte: Moriconi-Ebrard (1993).

11.397 1.567 1.817 2.217 2.692 951 2.101 52 9.448 1.421 1.229 4.950 1.833 114 20.954

Por reas geogrficas, a distribuio refora a posio da Europa, que rene mais de 20% das cidades em um espao representando 8% dos territrios urbanizados do planeta. A Europa (fora C.E.I.) concentra 4,5 vezes mais cidades que a Amrica do Norte. O plo europeu prolonga-se em torno do mar Mediterrneo at a parte ocidental da antiga Unio Sovitica. Na Amrica Latina, apesar do aumento regular do numero das cidades, o sistema urbano apresenta uma configurao bastante concentrada. Como no caso da populao urbana, a distribuio das cidades aparece muito concentrada num pequeno nmero de pases. Assim, nove pases concentram mais da metade dos estabelecimentos urbanos do planeta. Alguns deles so pases de superfcie e de populao urbana relativamente limitadas, como a Alemanha, que rene um nmero de cidades superior ao de pases de grandes extenses territoriais, como os Estados Unidos, a Rssia ou o Brasil. A Holanda (40 mil quilmetros quadrados e 15 milhes de habitantes) rene mais cidades do que a Argentina (2,7 milhes de quilmetros quadrados e 30 milhes

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de habitantes). Mais uma vez, dos grandes pases, a China e a ndia destacam-se pelo grande numero de entidades urbanas. Tabela 4 Os grandes pases pelo nmero de cidades em 1980 Posio Pas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 ndia China Japo E.U.A Rssia Alemanha Brasil Itlia Egito Nigria Gr-Bretanha Frana Espanha Mxico Indonsia Nmero de cidades 2.244 2.000 1.025 1.095 986 940 857 736 668 624 535 405 378 376 362 % acumulado 10,7 20,3 25,1 30,4 35,1 39,5 43,6 47,1 50,3 53,3 55,9 57,8 59,6 61,4 63,1

Fonte: Moriconi-Ebrard (1993). O nmero de cidades com mais de 10 mil habitantes duplicou entre 1950 e 1990. No mesmo perodo, a populao urbana mundial foi multiplicada por 3,4. Franois MoriconiEbrard verifica que a urbanizao da populao foi superior urbanizao dos territrios ao longo das ultimas dcadas (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 64). Essa evoluo indica que o processo de concentrao urbana largamente superior ao de difuso de cidades. Por outro lado, o aumento do nmero das cidades mais rpido nos pases em desenvolvimento do que nos pases industrializados. Desde 1968, a maior parte das aglomeraes pertence aos pases em desenvolvimento. Mas, sua dinmica manifesta-se, s vezes, diferentemente da evoluo da populao urbana. Assim, no Extremo Oriente, a proporo da populao urbana em relao ao total mundial ficou estvel desde 1950, enquanto se registrava um importante declnio relativo do nmero das cidades. essa regio que apresentou o processo de concentrao urbana mais relevante. Na Europa, o declnio relativo do nmero de cidades no total mundial aparece menos acentuado que o declnio registrado para a populao urbana. Esse fenmeno pode ser interpretado como a traduo de novas dinmicas nos sistemas urbanos europeus, nos quais as cidades pequenas apresentam crescimento vigoroso, sobretudo em torno dos grandes centros urbanos. No outro extremo, o continente africano conheceu expressivo crescimento do nmero de aglomeraes que representavam 7,5% do total mundial em 1980 contra 2,8% h trinta anos (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 67). A densidade do semis das cidades A densidade do semis das cidades traduz, de maneira concreta, a intensidade da urbanizao de um territrio. De fato, ela induz a noo de distncia mdia entre as cidades e

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assim d uma idia das relaes existentes entre elas. Assim, esse aspecto da urbanizao um indicador que se aproxima bastante da idia de rede ou sistema urbano. Aplicada ao banco de dados Gepolis, essa distncia varia de 9 a 200 quilmetros em funo dos pases (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 70). A variao depende evidentemente do tamanho e da configurao geogrfica geral do pas considerado. Muitos deles concentram a maior parte das aglomeraes urbanas ao longo dos eixos de transporte, como na Sibria oriental; de uma fronteira, como no Canad; ou, mais freqentemente, no litoral do pas (Arglia, Brasil, Japo etc.). Moriconi-Ebrard demostra que, desde 1950, podemos observar um crescimento relevante do nmero das cidades nos pases onde existia uma rede urbana pouco densa (frica Central e Oriental, por exemplo) (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 72). Ao contrrio, em certas regies do mundo, em particular na Zona do Pacfico do Continente Asitico (Japo, Coria, etc.), onde o semis das aglomeraes urbanas tradicionalmente antigo, observamos estagnao e, em certos casos, diminuio do nmero das cidades, apesar do crescimento da populao urbana. Das Cidades s Megacidades: a Metropolizao do Mundo Na longa histria da urbanizao do mundo, as ltimas dcadas destacam-se pelo aumento sem precedente do tamanho das cidades. No final do sculo XX, a figura da metrpole plurimilionria em habitantes tornou-se um fato comum no mundo e, mais recentemente, um dos grandes problemas do mundo contemporneo, que contribuiu largamente para degradar a imagem da cidade em busca de novas formas de urbanidade4. A evoluo geral do tamanho das cidades A banalizao da figura da grande metrpole constitui fato recente, porm, desde o incio do sculo XIX, o mundo contava com cidades de milhes de habitantes (Bairoch, s.d.). Em 1900, j existiam 19 aglomeraes com mais de um milho de habitantes. Essas cidades, contudo, eram resultantes de um processo de urbanizao s vezes plurissecular, e representavam apenas 1,9% da populao total do planeta. Ao longo do sculo XX, o processo de difuso espacial das grandes e ,depois, das megacidades foi muito mais rpido. Entre 1900 e 1990, enquanto a populao mundial era multiplicada por trs, o nmero de cidades com mais de um milho de habitantes foi multiplicado por 18 e o de mais de seis milhes de pessoas foi multiplicado por 28. No mesmo perodo, o nmero de cidades com mais de 100 mil habitantes conheceu um aumento bem mais razovel. Parte significativa desse processo ocorreu nos pases em desenvolvimento, que concentravam, em 1990, 174 das quase 300 cidades do mundo que ultrapassam o patamar simblico de um milho de habitantes.

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Ver os trabalhos de Henri Lefevre, em particular Le droit la ville, publicado em 1968.

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Tabela 5 Repartio das cidades com mais de um milho de habitantes Patamar:1 milho de habitantes Nmero de cidades P. E.D.* P.I.** Nmero de habitantes P. E.D. P.I. P.E.D. Nmero de cidades Nmero de habitantes Fonte: Moriconi-Ebrard (1993) (*) Pases em desenvolvimento (**) Pases industrializados Em termos regionais, esse crescimento pode representar uma mudana extraordinria, como no caso da frica, onde at 1940 no havia nenhuma cidade com mais de um milho de habitantes. Cinqenta anos depois, o continente conta com 23 dessas grandes aglomeraes. Na Amrica Latina, as grandes cidades tornaram-se metrpoles gigantes, em parte graas tecnologia moderna, que desde o incio desse sculo permitiu a expanso muito rpida da mancha urbana. Rio de Janeiro, Buenos Aires e Cidade do Mxico dotaram-se de infraestruturas s vezes semelhantes s dos pases europeus, no que se refere a transportes, distribuio de energia eltrica, esgotos etc.5 Apesar disso, a velocidade do crescimento do conjunto dessas grandes cidades tende a diminuir, regular e rapidamente, a partir dos anos 50. Desde essa poca, o nmero de cidades de 10 mil a um milho de habitantes aumentou 144%, enquanto o das cidades de mais de um milho de habitantes aumentava em 247% (Moriconi-Ebrard, 1993, p. 114). Todavia, no mesmo perodo, a populao da segunda categoria de cidades cresceu bem mais rpido do que a populao das cidades intermedirias. Podemos concluir que, o processo de concentrao populacional nos grandes centros urbanos mais relevante que o fenmeno de difuso espacial da urbanizao. Mas, ao mesmo tempo, a relao entre crescimento populacional/crescimento do nmero de cidades bem mais importante para as cidades intermedirias, o que demostra o dinamismo dessa categoria de centros urbanos. As grandes cidades cresceram muito rpido entre 1930 e 1950. A partir da dcada de 50, o processo de concentrao da populao urbana nas megacidades parece ceder lugar a um certo processo de desconcentrao no topo da hierarquia urbana mundial. o aumento do nmero das grandes cidades que permite de manter o ritmo do crescimento da populao dos grandes centros urbanos. Isto no significa que deve-se esquecer que o fato metropolitano, observado ao longo do sculo XX, representa um fenmeno indito na histria da urbanizao do mundo. 1900 1950 1960 1970 1980 1990

2 15 2,5 34,4 6 4

(Cidades) 51 73 108 75 93 112 (Em milhes de habitantes) 67,3 120,7 195,2 311,4 151,1 212,9 280,9 335,9 (Em porcentagem) 37 40 44 49 31 36 41 48 32 54

174 126 487,5 384, 4 58 56

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Analisamos o caso do papel dos transportes no desenvolvimento do Rio de Janeiro em Moni (1997).

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A banalizao das grandes metrpoles Pode-se definir a metrpole, em primeiro lugar, pelo seu tamanho populacional. Assim, em 1990, cinco aglomeraes se aproximam ou j ultrapassam 16 milhes de habitantes. Para o ano 2000, as previses so de 20 megacidades com mais de 10 milhes de habitantes. Tabela 6 Populao das megacidades mundiais para o ano 2000 Megacidade Populao min.-max. (Em milhes de hab.)) Japo 30,5 - 39 Estados Unidos 25,5 - 40 Brasil 21,0 - 25 Coria 21,0 - 22 E.Unidos / 15,6 - 20 Mex. 17,5 - 18 15,3 - 17 15,2 - 17 15,0 - 16 13,3 - 15,5 12,2 -15,5 12,3 - 15 12,0 -15 12,5 - 15 14,2 - 15 12,4 - 13,5 10,0 - 13 11,8 - 12,5 11,3 - 11,5 9,7 - 11,5 10,0 - 11,5 10,0 -11 Pas Cidades conurbadas (Populao em milhes de hab.) Cidades do Kanto (6) Megalpolis Norte e Sul (13) Campinas, Jundia, S. Jos...(4) So Diego, Tijuana. (4) (0,5) Nara, Himeji.(2) Bhiwandi (1)

Tquio Megalpolis So Paulo Seul Los Angeles

Cidade de Mxico Mxico Japo Bombaim ndia Manilha Filipinas Jacarta Indonsia Nova Dli Calcut Xangai Cairo Rio de Janeiro Moscou Daca Buenos Aires Karachi Beijing Lagos Istambul ndia ndia China Egito Brasil Rssia Bangladesh Argentina Paquisto China Nigria Turquia

Gurgaon, Muradnagar... (1) Rajpur, Chakdaha... (1) (0,5) (0,5) Cidades satlites (1) (0,5) (1) (0,5) (0,5) (0,5)

Fonte: Moriconi-Ebrard (1993). Alguns dos grandes centros urbanos do mundo desenvolvido (Londres, Paris, Milo, etc.) no se incluem mais na lista das maiores cidades do mundo no final do sculo XX. Depois de um desenvolvimento rpido e regular, basicamente alimentado pela Revoluo Industrial, essas aglomeraes sofreram queda brusca do ritmo de crescimento a partir dos anos 50, acelerando-se ainda mais a partir dos anos 70 (Guglielmo, 1996). Nos pases em desenvolvimento, o crescimento demogrfico das grandes cidades tornou-se massivo e muito rpido a partir dos anos 30. Mas as grandes cidades do Terceiro Mundo tornaram-se metrpoles s a partir dos anos 50, quando o processo de industrializao

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de alguns pases (Brasil, Mxico, ndia etc.) provocou a emergncia de territrios metropolitanos economicamente integrados (os bassins demplois franceses). Todas essas cidades tornaram-se pouco a pouco megacidades, apesar da diminuio do seu ritmo de crescimento. Assim, o fenmeno da metropolizao banalizou-se em pases que contam com vrios centros urbanos de mais de um milho de habitantes. Mesmo se o critrio demogrfico amplamente utilizado para classificar os centros urbanos mundiais, o tamanho das cidades no deve ser o nico instrumento de medida do processo metropolitano. Assim, algumas cidades de porte mdio, como Bruxelas (sede das instituies da Unio Europia e importante centro de congressos), Genebra (sede de grandes instituies internacionais e de bancos importantes) e outras tm projeo mundial, apesar de no contarem com mais de algumas centenas de milhares de habitantes. De modo inverso, podemos nos questionar sobre a rea de atuao de megacidades em populao, como Kinshasa, Brazzaville ou Dacca. Hoje, o peso demogrfico de um centro urbano no mais permite qualificar de maneira definitiva e absoluta seu lugar na hierarquia das cidades mundiais. Com efeito, uma grande metrpole caracteriza-se tambm por seu papel de comando econmico, poltico, financeiro e cultural. As grandes aglomeraes geralmente concentram uma forte proporo das atividades industriais, tercirias e comerciais. Muitas vezes capital administrativa de um pas e/ou de uma regio, a metrpole atrai os grandes bancos, as sedes das grandes empresas, as bolsas de valores etc. tambm um centro comercial e cultural dinmico, graas qualidade dos equipamentos que atendem demanda de uma classe mdia mais numerosa que nas cidades de porte inferior. Pode tambm ser um grande plo universitrio e/ou cientfico. A rea de influncia da metrpole varia tradicionalmente em funo da qualidade dos seus instrumentos de dominao polticos, econmicos, financeiros e culturais. Quanto mais eficientes forem estes, maior ser a rea de influncia do centro urbano. Logicamente, h mais ou menos 20 anos, a insero de uma cidade na rede mundial de telecomunicaes, que possibilita a integrao rede de especulao monetria e financeira, caracterstica do perodo atual, constitui um fator de qualificao central para essa aglomerao. a partir desses critrios que devemos desenhar a atual hierarquia das cidades do planeta em metrpoles regionais, nacionais, internacionais e agora mundiais (Castells, 1989) Dinmicas Recentes no Funcionamento, na Economia e na Gesto das Megacidades. Desde alguns anos, as megacidades tornaram-se o motor e a substncia do novo capitalismo internacional, alm de suas caractersticas geogrficas privilegiadas (Veltz, 1997a). Ao longo das ltimas dcadas, elas sofreram mutaes, s vezes radicais, na organizao interna de seu espao urbano. Essas dinmicas em geral traduzem as estratgias socioeconmicas e polticas dos atores que definem a produtividade da cidade e seu grau de insero nas redes do capitalismo internacional. Mas, hoje, o funcionamento das metrpoles gigantes, segundo o tamanho espacial e populacional tornou-se, sobretudo nos pases em desenvolvimento, um desafio em um quadro muitas vezes definido como de crise urbana e/ou metropolitana. Mutaes Recentes nas Megacidades Em todos os pases do mundo, o crescimento demogrfico das cidades foi acompanhado por uma expanso importante do territrio desses centros urbanos. A superfcie urbanizada do Cairo foi multiplicada por trs somente entre 1950 e 1990; a de Seul, por 4,5

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entre 1950 e 1980; e a de Bangcoc, por 22 entre 1942 e 1980. Essa expanso da mancha urbana apresentou caractersticas peculiares em funo das cidades6, mas todas conheceram transformaes profundas em sua estrutura espacial intra-urbana. A evoluo das reas centrais As reas urbanas sofreram evolues contrastantes ao longo do tempo. Aps dcadas caracterizadas por um adensamento demogrfico e domiciliar acelerado, podemos observar, desde os meados dos anos 1970, uma tendncia inversa, em particular nas metrpoles dos pases desenvolvidos. A cidade de Paris, por exemplo, atingiu seu auge populacional em 1921, antes de conhecer uma queda lenta, mas regular, do nmero do seus habitantes. Da mesma maneira o Inner London comeou a decrescer em 1900, antes que o processo de suburbanizao da metrpole inglesa se acelerasse entre 1950 e 1970. Em Nova York, a populao dos anos 90 inferior em 30% populao do incio do sculo. Nos pases em desenvolvimento, esse processo ocorre principalmente nas cidades que j tm uma historia plurissecular e atingiram um nvel de desenvolvimento econmico bastante elevado, como: Cidade de Mxico, So Paulo, Buenos Aires, Seul e outras. Essa evoluo no se deu de maneira uniforme dentro dos territrios fragmentados das grandes cidades. Com efeito, o comportamento demogrfico profundamente varivel de um setor a outro, segundo sua funo econmica e social dentro do organismo urbano. A migrao de parte s vezes considervel da populao e das empresas para fora dos ncleos centrais provocou freqentemente um processo de degradao dessas reas. A queda do preo do metro quadrado, aps a crise do emprego e a migrao da classe mdia para bairros mais perifricos, traduziu-se por uma ocupao parcial dos bairros centrais pelas camadas mais pobres da populao: ghettos das cidades norte-americanas, cortios no Brasil ou casas de vecindades no Mxico. Essa situao provocou uma degradao dos servios e dos equipamentos urbanos, ilustrada, por exemplo, pela grave crise enfrentada por Nova York nos meados dos anos 70. O caso do Cairo oferece tambm uma viso caricatural da crise dos centros histricos das grandes cidades, com a integrao dos cemitrios e dos tetos de prdios velhos e instveis ao espao residencial das populaes pobres da capital egpcia (Chaline, 1990). Hoje, esse processo de downgrading ou implosion urbaine compensado por uma tendncia inversa de upgrading, tambm chamada de gentryfication das reas degradas. Em Paris, esse processo, bastante antigo, traduziu-se pela expulso gradual das populaes pobres dos bairros renovados da metrpole em direo aos conjuntos habitacionais e as villes nouvelles da periferia. Mas, recentemente, a mesma tendncia foi observada em Londres (projeto Docklands) e em Nova York (renovao do Lower East Side, Battery Park City etc.). As grandes metrpoles do mundo em desenvolvimento no escapam dessa tendncia, s vezes paralela ao processo de degradao do tecido urbano. Assim, em Lagos uma das maiores favelas da frica foi inteiramente derrubada no final dos anos 80 a fim de permitir a expanso do bairro rico de Victoria Island. Em Buenos Aires, entre 1976 e 1982, as autoridades transferiram dezenas de milhares de pessoas do centro para a periferia da capital argentina. Apesar disso, ncleos de pobreza permanecem na proximidade dos bairros renovados. Em todos os casos, essas intervenes reforam a segregao socioespacial.

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Davidovich e Buarque de Lima (1975) analisam o caso da expanso das cidades brasileiras num artigo hoje clssico: Contribuio ao estudo de aglomeraes urbanas no Brasil.

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A extenso dos distritos de negcios De maneira geral, os bairros privilegiados esto localizados perto dos centros de negcios, os Central Business District (CBD) anglo-saxos, que representam a forma mais expressiva da centralidade urbana e, por conseqncia, da potncia de uma metrpole. Esse core figura como um dos elementos mais caractersticos do sistema de relaes entre estrutura interna e o sistema urbano organizado pela cidade. Procurado como expresso absoluta da centralidade, o centro de negcios pode ser tambm um fator de repulso para alguns atores econmicos, em face do preo dos aluguis, da congesto viria, do nvel elevado de todas as formas de poluio etc. Esse conflito interno ao CBD explica sua evoluo permanente em funo das lgicas desenvolvidas pelos agentes socioeconmicos. Existem algumas regras gerais que demonstram, por exemplo, uma tendncia universal de difuso espacial do espao de negcios nas suas margens mais prximas. Isso se traduz por uma transformao da funo desses territrios, com a substituio dos apartamentos por escritrios. A mutao afeta tambm a forma urbana. A expresso mais freqente dessa dinmica o processo de verticalizao, observado, tanto nos pases avanados, como nas economias mais desenvolvidas do Terceiro Mundo. Geralmente so as grandes empresas que alimentam essa dinmica de difuso espacial do centro de negcios. O espraiamento do core de So Paulo, do centro histrico para a Avenida Paulista e, mais recentemente, para as avenidas Faria Lima, Berrini e a marginal do rio Pinheiros ilustra bem essa evoluo que se deve muito s novas formas de integrao dessa aglomerao nos circuitos do capitalismo mundial. Nas ltimas dcadas, os CBD sofreram queda geral de prestgio e, em certos casos, de potncia. Nos Estados Unidos, a migrao das classes mdias em direo aos subrbios afetou o dinamismo econmico dos ncleos centrais. Desde meados dos anos 80, podemos observar uma tentativa, s vezes muito bem-sucedida, de reconquista dos centros de negcios (Minneapolis, Nova York etc.). Nesse pas, como no resto do mundo, esse processo complexo ainda muito parcial e no contradiz a tendncia descentralizao das funes econmicas mais sofisticadas para novos centros de negcios, em uma nova forma de urbanizao denominada genericamente de .Edge City. Essa nova forma de urbanizao, tpica de Los Angeles, descrita por Garreau (1992) como centros financeiros de novas construes com um mnimo de 464.500 metros quadrados de espaos para escritrios e 20 mil empregados por centro, nos quais as edificaes baixas desaparecem bruscamente para dar lugar a edifcios altos e estacionamentos de vrios andares. O sucesso do bairro de La Dfense, erguido num stio inteiramente novo perto de Paris, e onde 120 mil pessoas trabalham nos escritrios de grandes firmas multinacionais, ilustra essa evoluo, enquanto outras grandes empresas procuram uma localizao mais afastada nas villes nouvelles da megacidade francesa (Guglielmo, 1996, p. 110-111). O caso parisiense demonstra a complexidade de um processo que mistura a difuso espacial lenta e regular dos CBD com a busca de novos espaos para fugir das suas deseconomias de aglomerao. Em todos os casos, essas evolues incentivam a migrao progressiva das populaes em direo aos espaos perifricos. O processo de periurbanizao O processo de expanso dos espaos perifricos comeou cedo nos pases anglosaxos, onde a classe mdia j estava migrando rumo aos primeiros subrbios no incio do sculo XX. Imensas zonas de casas individuais desenvolveram-se nas periferias de Londres, Nova York ou em Los Angeles, cujo centro da cidade hoje difcil de ser identificado. Nos Estados Unidos, onde esse processo atingiu seu auge, inmeros pensadores imaginaram desde

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o incio do sculo a dissoluo da cidade. Ela seria um lugar funcionando apenas como uma simples rede de comunicaes visveis e invisveis7. Mais recentemente, os estudos de Brian Berry sobre a contra-urbanizao (counter-urbanization) desenvolveram teses similares sobre o declnio da cidade tradicional (Berry, 1976). Essa migrao em direo periferia foi alimentada por foras centrpetas e centrfugas. A periurbanizao acelerou-se com a elevao do nvel de vida e o acesso progressivo da classe mdia ao carro individual, cuja generalizao nos pases industrializados contribuiu profundamente para as transformaes sofridas pelas grandes cidades (Dupuy, 1995).O objetivo era procurar melhor qualidade de vida fora das grandes cidades, que apresentariam disfunes que afetariam o quotidiano da populao, tais como: congesto viria, criminalidade, poluio, preo elevado dos aluguis etc. As atividades econmicas acompanharam esse movimento, deslocando as funes tercirias bsicas para as corporate cities, villes nouvelles etc. O processo foi impulsionado pelo progresso nos transportes, que alimentava as novas formas de migraes pendulares, pela evoluo das telecomunicaes e, muitas vezes, pela interveno direta das autoridades para facilitar o acesso moradia individual. Entretanto, no se pode esquecer que, enquanto vrias formas de subrbios (edge cities, outer-cities, exurbs etc.) estavam-se desenvolvendo, os centros das cidades norteamericanas conheceram uma expanso notvel do nmero de escritrios. Entre 1960 e 1990, foi construdo o mesmo nmero de prdios, que havia no incio desse perodo. Mesmo se o crescimento foi ainda maior nas corporate cities da periferia, a natureza das atividades bastante diferente. Os CBD tradicionais preservaram o essencial das funes de comando, isto , os servios de alto nvel das empresas e todas as atividades que exigem contatos freqentes entre os agentes econmicos ficaram concentrados no centro das cidades. A suburbanizao de parte das atividades econmicas no eliminou a funo central dos centros de negcios tradicionais. Por sua vez, Moriconi-Ebrard observa que, nos Estados Unidos, se algumas cidades mdias apresentam crescimento muito lento, a maior parte das outras cidades est atingindo um tamanho urbano expressivo, o que significa uma dimenso que parece ser um optimum no funcionamento do sistema urbano desse pas (MoriconiEbrard, 1993, p. 132). Nos pases em desenvolvimento, o processo de periurbanizao mais recente e tambm mais incompleto. A lentido desse movimento tem vrias explicaes. Em primeiro lugar, a classe mdia representa parte bem menos expressiva da populao urbana. Alm disso, a classe mdia foi uma das vtimas diretas da crise socioeconmica das dcadas de 80 e 90. De fato, o nmero de pessoas que tm acesso ao carro individual continua relativamente modesto. Ao mesmo tempo, as camadas mais privilegiadas da populao podem-se instalar em bairros exclusivos tambm localizados fora dos centros tradicionais. Um exemplo desse fenmeno pode ser observado nas grandes aglomeraes latino-americanas (So Paulo, Rio de Janeiro, Bogot etc.), onde se desenvolvem novas formas de pensar, organizar e viver a cidade em condomnios exclusivos e segregados. Os bairros perifricos das cidades do mundo em desenvolvimento Se nos pases industrializados o processo de ocupao da periferia urbana foi em primeiro lugar alimentado pela migrao da aristocracia operria e da classe mdia em direo aos subrbios, no resto do mundo a periferia urbana o local de implantao das camadas pobres da populao. Se existem ainda hoje, particularmente na ndia ou na China, imensos7

Ver, em particular, Webber (1964) The urban place and the non place urban realm.

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centros urbanos que lembram as pedestrian cities europias do sculo passado (altas densidades demogrfica e domiciliar, deslocamentos no-motorizados etc.), o fato marcante das ltimas dcadas foi o processo de crescimento espraiado e geralmente ilegal das periferias urbanas. Esse movimento de ocupao dos solos periurbanos constitui verdadeira ruptura na longa histria da urbanizao do planeta. As modalidades de ocupao so distintas de uma metrpole para outra e de um pas para outro. Mas de maneira geral comea por uma ocupao que, atravs do acesso a uma moradia precria, permite uma primeira insero na sociedade urbana. A segunda etapa consiste na consolidao do alojamento. A ltima etapa caracterizada pela instalao progressiva e parcial de servios e equipamentos urbanos que precede, ou antecipa, dependendo do caso, a regularizao do processo de ocupao. Nesses ltimos anos, esse processo no sofreu alteraes importantes. Todavia, podemos observar uma tendncia ao melhoramento e densificao dos bairros perifricos de inmeras grandes cidades, muitas vezes impulsionada pela promoo social da primeira gerao dos moradores. Esse fenmeno se traduz pela construo de casas de dois ou trs pavimentos, pela emergncia de escolas privadas, pelo acesso a certas formas de tecnologia, como por exemplo o fax, hoje presente na sede de muitas associaes de moradores, suprindo as deficincias na distribuio do correio. Esse processo de consolidao e modernizao dos bairros populares mais antigos das periferias urbanas do Terceiro Mundo no deve, por enquanto, esconder o fato de que a segregao socioespacial continua sendo um problema particularmente agudo nas grandes aglomeraes urbanas dos pases em desenvolvimento. Economia das Megacidades Depois de ter estudado as dinmicas que afetam a organizao espacial e funcional interna das grandes cidades, necessrio apontar as mutaes relativas economia desses centros urbanos. De fato, o ponto de vista geralmente adotado na anlise das megacidades o demogrfico, que permite anlises comparativas imediatas no espao e no tempo. No entanto, possvel refinar essa anlise com um estudo socioeconmico dessas metrpoles. Esse estudo pode considerar trs tipos de fatores: a produtividade, as dinmicas funcionais e os problemas de gesto das grandes aglomeraes metropolitanas contemporneas. A produtividade das grandes aglomeraes Na medida em que os homens e as empresas se concentram nas cidades para produzir mais e melhor, pareceria pertinente calcular a produo das maiores aglomeraes do mundo. Rmy Prudhomme estimou o PIB das metrpoles internacionais a partir da relao de sobreprodutividade da aglomerao, da populao e das estimativas do Banco Mundial sobre o PIB dos respectivos pases (Prudhomme, 1996).

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Tabela 7 As aglomeraes as mais produtivas do mundo comparadas ao PIB de pases selecionados Aglomeraes metropolitanas Tquio (aglomerao) Nova York (ZPA) Los Angeles (aglomerao) Osaka (prefeitura) Paris (Ile de France) Londres (aglomerao) Chicago (PMSA) Dsseldorf-Wuppertal Seul Milo Mxico So Paulo Madri Hong-Kong Roma Fonte: Prudhomme (1996) A Tabela 7 demonstra a potncia da metrpole de Tquio, cujo PIB duas vezes mais importante do que o da segunda cidade desse ranking global. Assim, a capital do Japo aparece hoje como a maior e a mais produtiva cidade do mundo. Depois de Tquio, podemos identificar um grupo de seis centros urbanos, todos localizados nos pases industrializados, constituindo de certa maneira o segundo nvel da hierarquia econmica das metrpoles internacionais. Logo a seguir, observamos a existncia de um grupo de grandes aglomeraes do mundo em desenvolvimento (Mxico, So Paulo etc.), cuja produo equivale globalmente de cidades europias menos populosas (Milo, Madri etc.). Mesmo com um PIB bem menor do que o de Tquio, essas cidades so mais produtivas do que muitos pases do mundo. Observamos tambm que a capacidade produtiva aumenta conforme o tamanho da cidade. Os Estados Unidos, o Japo, a ndia e o Brasil ilustram bem esta tese. Com efeito, para as empresas, a concentrao sinnimo de economias de aglomerao. Elas procuram acessibilidade, servios de alto nvel e sinergias intra e interfuncionais; em poucas palavras, um espao funcional e eficiente. A criatividade do territrio considerado constitui outro fator cada vez mais importante para os investidores em busca de excelncia e de inovaes tecnolgicas. As seis primeiras cidades consideradas, mais Boston e So Francisco, concentram hoje a maior parte das universidades e dos laboratrios de pesquisa de porte internacional (Prudhomme, 1996, p. 55). Em termos de tendncia, pode-se observar a dinmica econmica recente das megacidades a partir da Tabela 8. PIB (bilhes de dlares) 854,4 448,7 326,5 322,0 318,1 267,3 229,6 107,8 92,9 82,2 79,2 69,7 63,9 59,7 56,5 Pases selecionados Gr Bretanha Brasil China China China ndia Mxico Indonsia Turquia Tailndia Tailndia Polnia Polnia Grcia Grcia PIB (bilhes de dlares) 975,2 414,2 364,9 364,9 364,9 254,5 237,8 107,3 96,5 80,2 80,2 63,6 63,6 57,9 57,9

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Tabela 8 Crescimento das seis maiores megacidades mundiais 1980-1990 Megacidade Paris Regio Ile de France Frana Londres Grande Londres Gr-Bretanha Nova York PMSA CMSA Estados Unidos Los Angeles PMSA CMSA Estados Unidos Tquio Prefeitura (TMG) Metrpole (4 pref.) Japo Osaka Prefeitura Japo Fonte: Prudhomme (1996) A partir dessa Tabela podemos constatar que as megacidades conheceram, desde 1980, crescimento econmico superior ao aumento da populao urbana. Entretanto, somente Tquio, Paris e Londres apresentam uma dinmica da economia metropolitana superior ao crescimento do PIB nacional. Ao contrrio, no caso de Osaka, houve declnio relativo do peso da cidade na economia japonesa. Esse movimento complexo confirma o lado heterogneo da evoluo da produtividade das grandes aglomeraes. Se de um lado, observase que Tquio apresenta um crescimento econmico mais rpido na regio central, a situao contrria caracteriza, tanto Nova York , como Los Angeles, onde a dinmica mais acelerada ocorre nas reas marginais. Assim, se medir as deseconomias de aglomeraes um exerccio difcil, pode-se constatar que as megacidades norte-americanas funcionam, geralmente, de modo menos eficiente que suas rivais japonesas e europias, nas quais os investimentos pblicos (transportes, telecomunicaes, etc.) garantem melhor eficincia do territrio urbano. Nos pases em desenvolvimento, pode-se tambm notar que as maiores aglomeraes tambm apresentam crescimento econmico acelerado, viabilizado pelos investimentos 0,7 0,5 -0,1 0,2 0,3 0,3 0,9 0,3 0,3 0,9 0,3 1,0 0,6 0,3 0,6 2,8 2,2 3,8 3,1 2,9 3,3 3,4 2,8 3,4 3,4 6,0 5,7 4,1 3,5 4,1 Populao (%/ano) PIB (%/ano)

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privados e pblicos, dentre os quais se destacam aqueles realizados pelas grandes firmas multinacionais. Esse deslocamento das unidades de produo industriais e de servios tercirios pouco sofisticados alimentou nas ltimas dcadas o desenvolvimento de centros urbanos como Seul, Bombaim, Hong Kong - Guangzhou (Canto), So Paulo, dentre outras. Essas cidades se tornaram cada vez mais produtivas e conheceram uma elevao progressiva do nvel de vida dos trabalhadores ligados aos setores em expanso. De fato, existe hoje um processo de descentralizao das atividades industrias em direo aos hinterlands que apresentam menores deseconomias de aglomerao, salrios e terrenos mais baratos. , por exemplo, o caso do interior paulista, do hinterland chins de Hong Kong, dentre outros. Observa-se tambm crescimento dos investimentos externos em regies onde a mo-de-obra hoje bem mais barata que nos quatro tigres asiticos, como o caso do: Vietn e da Birmnia.. Nesses pases, so tambm as grandes cidades que prioritariamente atraem as empresas e que apresentam as produtividades mais elevadas. Da indstria ao tercirio superior A questo da estrutura setorial da economia das grandes metrpoles merece tambm ser debatida. Com efeito, durante as ltimas dcadas, a indstria perdeu, pelo menos nos pases desenvolvidos, seu papel de motor do crescimento econmico metropolitano. Em conseqncia, muitos pesquisadores anunciaram um fenmeno de desindustrializao. Entretanto, essa observao merece ser um pouco relativizada.. Tabela 9 Proporo da populao ativa empregada nos ramos industriais em seis megacidades mundiais Megacidade Paris Londres Grande Londres Regio sudeste Nova York (PMSA) Los Angeles (PMSA) Tquio Prefeitura Regio Osaka Fonte: Prudhomme (1996) Emprego (% PEA) 1980 1990 24,1 20,7 19,2 13,9 21,7 23,4 11,0 18,2 8,9 17,1 20,0 23,0 25,0

Pode-se constatar que o declnio do emprego industrial mais acentuado nas aglomeraes de Nova York e Londres, onde seu nvel geral j era baixo h vinte anos atrs. Essas duas cidades so justamente as mais especializadas nos servios financeiros (Sassen, 1991). Em Londres, o efetivo da populao operria cresceu continuamente desde a Revoluo Industrial at os anos 50. A partir dessa dcada, a capital inglesa comeou a perder uma mdia de 30 mil postos de trabalho no setor industrial a cada ano. Nas outras metrpoles, a diminuio parece ser bem menor. Alm disso, se a diminuio dos efetivos do emprego industrial aparentemente mais acentuada nas pores centrais das megaaglomeraes, as regies prximas s megacidades no tiveram evoluo to negativa. Esta tendncia pode ser observada internacionalmente. Assim, se uma empresa dentre sete desapareceu na Cidade do

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Mxico entre 1983 e 1991, deve-se considerar que 5.300 novas indstrias foram criadas entre 1970 e 1980. No Brasil, a capital econmica do pas comeou h alguns anos a descentralizar o emprego industrial em direo s cidades do interior do estado de So Paulo, que passaram a conhecer crescimento muito rpido nesses ltimos 20 anos (Campinas, Jundia, Americana, So Jos dos Campos) (Gonalves, 1994, p. 39-53). Em todos os casos, se a diminuio do emprego industrial uma realidade incontestvel, devido a uma srie de fatores custo de mo de obra, procura de terrenos mais baratos, leis de proteo ao meio ambiente etc., essa evoluo pode ser explicada por uma estratgia de concorrncia das empresas, que segmentam cada vez mais o processo de produo, distribuindo-o em diferentes localizaes. Nesse contexto, cabem s metrpoles as instncias de deciso, as fases mais nobres da produo e a pesquisa e desenvolvimento, enquanto as outras funes esto sendo relocalizadas num hinterland prximo, em certos casos do outro lado do planeta, graas ao progresso dos transportes e das telecomunicaes. Assim, o termo redistribuio espacial do emprego industrial parece ser mais judicioso do que uma mera descentralizao. Enfim, pode-se observar a multiplicao dos plos industriais de alta tecnologia em quase todos os grandes centros econmicos dos pases industrializados. Na regio de Paris, entre 1980 e 1990, os efetivos da indstria local diminuram de 1,1 milho de pessoas para 870 mil, enquanto o valor adicionado pela indstria passava de 140 milhes de francos para 285 milhes no mesmo perodo. Esse exemplo demonstra que as cidades continuam a estruturar-se em torno das atividades industriais, embora os ganhos de produtividade tenham efeito regressivo sobre o emprego industrial. At mesmo o forte crescimento do setor tercirio muitas vezes explicado por essa expanso da produtividade, com um aumento da comercializao, do financiamento e da diversificao e terceirizao dos sistemas de produo. Se o declnio do setor industrial no foi compensado pelo desenvolvimento do setor tercirio, como o exemplo de Londres, Berlim e Hamburgo, o crescimento dos servios superiores e das atividades de alta tecnologia permitiu a algumas megacidades compensar o fenmeno de desindustrializao, tal como ocorreu na Megalpolis norte americana, no Orange County de Los Angeles, em Stuttgart ou em Munique (Di Mo, 1992). De maneira geral, h 30 anos o setor tercirio qualificado vem conhecendo ascenso fulgurante em quase todas as metrpoles do mundo. Esse setor tem hoje papel de primeira importncia no processo de evoluo econmica das grandes cidades. Em Nova York ele emprega quase 80% da populao economicamente ativa; em Moscou apesar do carter industrial da economia dessa aglomerao, 65% da PEA trabalha nas atividades tercirias superiores. A evoluo e diversificao do setor tercirio, tanto no que diz respeito s atividades formais, como principalmente as informais8, que abrange inmeras atividades destinadas tanto s famlias, como s empresas, assim como a progresso dos processos de sub-contratao e terceirizao que permitem s firmas transferir para fora da empresa seus custos indiretos em capital e salrios, foram fatores determinantes para as transformaes recentes no setor de servios das grandes metrpoles. Os setores mais estratgicos (informtica, design, marketing, conselho jurdico etc.) necessitam de pessoal altamente qualificado que as empresas encontram somente nos grandes centros urbanos. Chama a ateno, no entanto, a evoluo recente das atividades bancrias e financeiras que explodiram nas grandes metrpoles desde o incio dos anos 80.. Assim, as megacidades que j dominavam os instrumentos financeirosVer a obra clssica de Santos, M. (1979). O espao dividido. Os dois circuitos da economia dos paises subdesenvolvidos. Rio de Janeiro, Francisco Alves Editora AS, 345p8

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confirmaram ou reforaram sua posio de plos de deciso econmica na escala mundial (Sassen, 1991). Tabela 10 Capitalizao em aes e transaes em aes nas principais bolsas de valores do mundo (bilhes de francos)9 Bolsa de valores Capitalizao Volume das transaes Dez. 1981 Dez. 1992 Dez. 1981 Dez. 1992 Nova York 6.081 21.335 2.113 9.234 Tquio 2.260 12.778 1.214 2.551 Londres 1.087 5.216 177 2.022 Frankfurt 338,7 1.916 84,4 2.267 Paris 219,1 1. 806 65,9 645 Fonte: INSEE, Tableaux conomiques de lIle de France, 1984 e 1994. Nos pases em desenvolvimento, as metrpoles que ocupam o alto da hierarquia urbana internacional conheceram tambm crescimento espetacular das atividades tercirias de alto nvel, como caso de So Paulo10, Seul e Cidade do Mxico. Dentre elas, Singapura e Hong Kong apresentam um setor tercirio decisional que se aproxima dos padres vigentes nos pases desenvolvidos. Singapura est se dotando de infovias que pretendem transformar a metrpole asitica na primeira cidade inteligente do mundo, graas a um verdadeiro entroncamento eletrnico de mbito mundial. Dessa maneira, as profundas mutaes sofridas pela economia mundial nesses ltimos 20 anos colocaram em evidncia o papel crescente da velocidade de circulao das pessoas, dos bens e dos materiais na vida econmica no interior e entorno das grandes metrpoles. Verdadeiros ncleos de massa crtica, elas polarizam a maioria dos fluxos e apresentam-se como pontos nodais de uma rede telemtica mundial, dentro da qual as informaes circulam em tempo real e sem interrupes. A insero dentro deste sistema torna-se, portanto, condio necessria para garantir a potncia e a possibilidade de expanso de qualquer grande aglomerao urbana. Gesto e Funcionamento das Megacidades A gesto das megacidades est-se tornando, j h alguns anos, desafio cada vez mais complexo em grandes manchas urbanas que precisam de infra-estruturas cada vez mais sofisticadas e caras para garantir suas inseres na rede das cidades mundiais (aeroportos modernos, teleportos, plataforma de transporte multimodais etc.). Esse problema tem ainda um complicador na falta de integrao institucional dentro das grandes regies urbanas, onde proliferam nveis institucionais distintos e, s vezes, conflitantes ou superpostos. Alm disso, a gesto das desigualdades sociais, e da denominada crise urbana em geral, representa outro grande desafio para a governabilidade metropolitana. Instituies de gesto As grandes aglomeraes urbanas dotaram-se de instituies de gesto mais ou menos adaptadas s realidades geogrficas, polticas e socioeconmicas locais. Rmy Prudhomme analisou a estrutura poltica-administrativa das seis megacidades mundiais.9

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Um franco francs equivale aproximadamente a 20 centavos de dlar americano. Santos, M. (1990) Por uma economia poltica da cidade. So Paulo, Hucitec.

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Tabela 11 Instituies de gesto em seis megacidades Megacidade Local Regional Paris Rgion Prefeituras: 380 algum. (le de France) 1200 regio Londres Nada Boroughs: 33 para o GL Districts :300 Tquio Nada Prefeituras: (TMG, Yokohama etc.) Nova York Prefeituras: (NYC Nada ou etc.) associaes ad hoc Los Angeles Prefeituras Nada ou (LA etc.) associaes ad hoc Osaka Nada Prefeituras (Osaka etc.) Fonte: Prudhomme, R (1996) A principal diferena entre essas grandes aglomeraes consiste na existncia de uma instituio regional forte na regio parisiense. Essa entidade poltica, cujo legislativo eleito por sufrgio universal, dispe de recursos financeiros, jurdicos e polticos para conduzir uma poltica adequada aos interesses da megacidade. Nas outras metrpoles, a fragmentao institucional pode representar obstculo na hora de lidar com problemas de mbito metropolitano. Dentre esses problemas, destaca-se o dos transportes, certamente um dos maiores desafios para o futuro dos grandes centros urbanos. Neles, os habitantes vivem cada vez menos numa prefeitura. A moradia, o emprego, os centros de consumo e de lazer, os amigos e a famlia so geralmente localizados em vrios municpios da mesma metrpole. A multicomunidade clssica de gesto em comum de redes tcnicas deve ser ultrapassada para gerenciar em comum reas como as tecnpolis 11, as escolas, os grandes projetos culturais etc. A metpole de Franois Ascher, que no conhece fronteiras claramente definidas, repleta de descontinuidades espaciais, est hoje em busca de uma governana urbana mais racional e eficaz, na medida em que as grandes transformaes ocorridas no processo de urbanizao no foram acompanhadas por reformas institucionais adequadas (Ascher, 1995). Nos estados democrticos, a razo poltica premia sobre as racionalidades tecnocrticas e econmicas. Por isso, a emergncia de mais um rgo poltico-administrativo de gesto metropolitana parece improvvel a curto e mdio prazos. A gesto das infra-estruturas A qualidade das infra-estruturas representa um segundo desafio para as metrpoles regionais e internacionais. A competitividade de uma cidade , em grande parte, relacionada qualidade dos servios e dos equipamentos urbanos que permitem, ou no, um bom funcionamento do territrio urbano. Dentre eles, o transporte ocupa posio privilegiada. Com11

Intermedirio Dpartements (4 ou 8) Counties (13) Prefeituras (4 ou 8) Counties ou agrupamentos ad hoc Counties ou agrupamentos ad hoc Prefeituras

Nacional Forte e ativo Bastante forte Forte e ativo Inexistente Inexistente Forte

Ver Castells, Manuel e Hall, Peter. (1994) Las tecnpolis del mundo. La formacin de los complejos industriales del siglo XXI. Madrid: Alianza Ed.

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efeito, a metrpole se define, dentre outros itens, pela qualidade do seu bassin demploi. Assim, a qualidade das circulaes dentro desse territrio contribui para classificar um determinado espao urbano. Comparar a qualidade das infra-estruturas um exerccio difcil. As condies geogrficas, o nvel de desenvolvimento econmico e social, as caractersticas do processo de urbanizao se traduzem por situaes muito variadas. Organizar um sistema de transportes adequado em metrpoles como Rio de Janeiro ou Hong Kong revela-se tarefa bem mais complexa e onerosa que numa cidade como Paris ou Londres, que no apresenta os mesmos problemas geomorfolgicos, de crescimento mal controlado da populao urbana etc. Da mesma maneira, uma baixa densidade populacional representa fator negativo na implantao e na gesto das redes tcnicas. A organizao de um sistema de transporte coletivo que atenda perfeitamente populao (capilaridade da rede, freqncia dos veculos. etc.) hoje quase impossvel em cidades espraiadas como Los Angeles, ou na periferia das grandes aglomeraes (suburbs de Nova York ou de Londres, grande banlieue de Paris etc.). As transformaes ocorridas no padro de mobilidade intra-urbana nesses ltimos anos (fragmentao cada vez maior dos deslocamentos, declnio relativo dos fluxos pendulares etc.) complicam ainda mais a organizao dos servios de transportes. A gesto dessas infra-estruturas apresenta grandes variaes de uma cidade para outra. Alm disso, existe tendncia crescente no sentido de privatizar os servios urbanos, que se est tornando regra geral desde o incio dos anos 80. Essa onda de privatizaes atingiu sobretudo as grandes cidades do mundo em desenvolvimento, cujas polticas de ajuste econmico se traduziram pelo fim dos subsdios aos servios urbanos e pela extino de inmeras empresas pblicas. Os transportes pblicos que foram mais diretamente atingidos por essas mudanas no comportamento do setor pblico12. Paralelamente, podemos observar uma tendncia diminuio dos investimentos das autoridades pblicas nas infra-estruturas urbanas. Em Londres e Nova York, apesar da antigidade do estoque dos equipamentos urbanos, os investimentos pblicos foram limitados, enquanto as inverses imobilirias privados explodiam nos anos 80. Na megacidade norteamericana, os transportes coletivos oferecem um servio ineficiente, as pontes apresentam problemas estruturais e a renovao da malha viria, em particular das highways intraurbanas, no teve resultados satisfatrios. Em Paris e Tquio o nvel dos investimentos foi muito mais alto. Na capital francesa, o metr est sendo modernizado e ampliado, duas linhas de tramway foram inauguradas no incio dos anos 90, inmeros equipamentos culturais foram construdos ao longo dos ltimos anos etc. e o bairro de negcios de La Defense aparece como um dos maiores do mundo. Nas duas megacidades japonesas, os investimentos pblicos permitiram a ampliao e a criao de aeroportos, a emergncia de novos bairros, a modernizao dos centros de negcios tradicionais. Porm, o transporte pblico atingiu, nos dois casos, seu limite de desenvolvimento operacional (superlotao) e fsico (falta de espaos para ampliar as redes existentes) (Prudhomme, 1996, p. 64-66). Nas metrpoles do mundo em desenvolvimento, esses problemas constituem uma regra num contexto caracterizado pela falta e/ou uso inadequado das verbas pblicas em centros urbanos, cujo funcionamento sempre muito deficiente.

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Godard, F. (1994) Les transports dans les villes du Sud. Paris, CODATU/Karthala

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A gesto da crise urbana A dimenso social e poltica do fato metropolitano no deve ser esquecida. A grande cidade produz externalidades positivas (cuja melhor expresso a sobreprodutividade do territrio) e negativas (engarrafamentos, poluio, criminalidade etc.), que decorrem diretamente do processo de urbanizao. Nesse contexto, a poltica urbana consiste em gerenciar essas externalidades e melhorar, ao mesmo tempo, a eficincia do espao urbano e a qualidade de vida da populao. Como j colocamos em evidncia, a gesto do sistema de transporte representa um desafio maior para os grandes centros urbanos. Mas, hoje, nenhuma megacidade escapa de desfuncionamentos conjunturais ou estruturais tanto em termos de fluxos de bens como de pessoas. As manifestaes dessa crise dos transportes so mltiplas: superlotao dos meios de transportes coletivos, custo elevado dos deslocamentos para os usurios e/ou a coletividade, poluio, engarrafamentos, falta de solues para o transporte intra-urbano de cargas. Mesmo cidades como Paris, que tradicionalmente investem muito nessa rea, no escapam da saturao da malha viria, que provoca baixo nvel de conforto na linhas de trem urbano (RER). Alm disso, as autoridades devem adaptar-se s mutaes do processo de urbanizao: crescimento das zonas periurbanas pouco densas e deslocamento das atividades econmicas que multiplicam os deslocamentos entre subrbios etc. A gesto da distoro crescente entre os espaos do trabalho, da residncia, das compras e do lazer complica a organizao tradicional de redes adaptadas a migraes pendulares centro/periferia. Nos pases em desenvolvimento, a crise de transportes ainda mais aguda. Ela resulta basicamente da falta de controle sobre o processo de urbanizao acelerado que se deu a partir dos anos 50. A expanso muito rpida da mancha urbana em direo a uma periferia ocupada pelas camadas mais pobres da populao, ao lado da motorizao crescente da classe mdia (em particular na Amrica Latina), provocou inmeras distores que nunca foram resolvidas. A falta de recursos para enfrentar esse problema e a prioridade dada aos interesses das classes sociais privilegiadas (investimentos em vias rpidas em detrimento dos transportes de massa por exemplo) explicam o impasse atual na gesto da crise dos transportes. O problema da moradia das classes populares, que representa um segmento importante das populaes urbanas, constitui outro problema relevante para as cidades do terceiro milnio. Segundo a ONU, 1,2 bilho de pessoas moram hoje em condies precrias, a maioria delas em grandes cidades. J tratamos do crescimento rpido e desordenado dos espaos perifricos nas metrpoles em desenvolvimento e do processo de degradao de bairros centrais, em particular nos pases anglo-saxos ou na Rssia. A falta de habitao para as classes de baixa renda afeta o mundo inteiro com uma intensidade obviamente diferenciada em funo do nvel de desenvolvimento do pas. Em Londres, se o nvel geral da construo mantm-se estvel para o conjunto da megalpole, em sua regio sudeste ele sofreu um declnio importante, passando de 31.578 alojamentos construdos em 1976 para 9.572 em 1986. A contribuio do setor pblico caiu no mesmo perodo de 55% para 17% (Loew, 1989, p. 108). Nas metrpoles dos pases em desenvolvimento, as carncias de moradia decente para os pobres so bem maiores. Isso se traduz em uma multiplicao do nmero dos squatters nos centros degradados (cortios brasileiros, asiticos etc.) e na proliferao de todas as formas de habitao irregular (favelas, loteamentos informais etc.). O espao da moradia est cada vez mais dualizado, como demonstram estudos realizados no Rio de Janeiro. Dois bairros Barra da Tijuca e a Zona Oeste da cidade registraram maior crescimento populacional entre os dois ltimos censos demogrficos, bem como homogeneidade social interna crescente. O

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crescimento do primeiro alimentado pelas classes mdias altas, enquanto o segundo caracterizado pelo baixo nvel de renda de sua populao13. Enfim, a gesto das redes tcnicas representa tambm outro problema diretamente relacionado massa de recursos financeiros para integrar social e economicamente as populaes urbanas cidade. Alm dos transportes, essas redes so basicamente a malha viria, a coleta do lixo, a distribuio de eletricidade e de gua, e o saneamento. Obviamente, nas cidades dos pases em desenvolvimento, as carncias so bem maiores, comparadas quelas dos Estados industrializados e atingem sobretudo as camadas populares da populao. Inmeros fatores tornam muito difcil a gesto dessas infra-estruturas. O crescimento rpido da populao urbana ocorre principalmente nas reas perifricas, onde se concentram as populaes de baixa renda, muitas vezes sacrificadas em proveito das classes mdias, que se beneficiam das novas instalaes dos servios urbanos. Assim, na rea metropolitana de Buenos Aires, 97% dos alojamentos situados na capital federal recebem gua potvel, entretanto, nos 19 partidos que a cercam , essa proporo caiu por volta de 37%. Atualmente, 5 dos 10 milhes de habitantes da Grande Buenos Aires dispem de gua potvel e de sistema de esgoto (Guglielmo, 1996, p. 162-163). Alm disso, a expanso urbana raramente ocorre de maneira contnua. As descontinuidades espaciais so freqentes e as densidades de ocupao dos espaos perifricos das grandes cidades latino-americanas so muito baixas, particularmente em So Paulo, Rio de Janeiro e Bogot. Isso tende a encarecer o custo de instalao, de operao e de manuteno das redes tcnicas. O enfrentamento das condies geogrficas representa um grande desafio em algumas grandes metrpoles. Se na Cidade do Mxico o abastecimento de gua potvel para a populao cresce de maneira regular, a capital mexicana sofre por estar situada em uma bacia fechada cercada de montanhas. Assim, as fontes de abastecimento de gua esto ficando cada vez mais longe (150 a 300 quilmetros) de onde ocorre o crescimento da demanda. Atualmente, necessrio procurar gua a 1 mil ou 1.500 metros abaixo do nvel da cidade, perfurando poos nas as montanhas vizinhas. Essa soluo complexa e muito cara gerou, alm de custos elevados, conflitos com os camponeses que trabalham e vivem nessas regies14. Redes e Hierarquias de Cidades: Evolues Recentes Este item no se prope a esgotar a literatura sobre a questo urbana, o que certamente envolveria um levantamento multidisciplinar e abrangente sobre o tema, que escapa aos propsitos deste trabalho. Seu principal objetivo situar a poltica urbana no contexto das polticas territoriais, ressaltando sua dimenso social. Muito mais que um reflexo da dinmica econmica, a questo urbana a manifestao territorial das respostas da sociedade s condies de sua reproduo. De modo simplificado, podemos articular a questo urbana com a questo regional atravs da lgica da produo/reproduo social, escapando assim de uma viso fragmentada do territrio. Na tradio do pensamento geogrfico, a cidade parte integrante e, ao mesmo tempo, formadora da regio e, como tal, no podem, nem devem, ser tratadas de modo separado ou desconexo. Nessa lgica, o espao geogrfico pode ser definido como o locus deCardoso, L e Ribeiro, LCQ 1996 Dualizao e reestruturao urbana. O caso do Rio de Janeiro. IPPUR/UFRJ/FASE, Rio de Janeiro, 110p. 14 Bataillon, C. (1990) Vivre dans les mgapoles: le cas de Mexico. in LEtat du monde 1989-1990. Paris, La Decouverte, p. 587.13

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produo e reproduo social, que na economia capitalista assume a forma dicotmica e articulada da cidade e sua regio. As implicaes dessa concepo para a poltica econmica, em sua dimenso territorial, dependem dos mecanismos reguladores da praxis social, que podem ser mais ou menos dominados pela poltica ou pela economia. Assim, possvel, grosso modo, reconhecer trs formas elementares de configurao das relaes cidade/regio, que so manifestaes espaciais das condies gerais de produo e reproduo social. A primeira delas a relao entre cidade e campo, conformando o Estado Isolado, na concepo de Thunnen, ou um Microssistema na viso de Wallerstein. Nele, as trocas se do segundo uma lgica puramente mercantil e fechada, em um modelo econmico que poderia ser descrito simplificadamente como fisiocrata, no qual o excedente agrcola o motor da dinmica econmica e principal fonte de financiamento do conjunto da economia. A lgica da economia marginal assume sua maior determinao na concepo dos anis concntricos de Thunnen, segundo a qual a distncia ao mercado o principal fator de organizao do territrio e est na base da construo ricardiana da renda fundiria e da distribuio do produtos social a partir da situao apresentada na pior terra. Harvey recuperou esse modelo em seu trabalho j clssico sobre a justia social na cidade, apontando a circulao do excedente e a renda fundiria como os principais elementos para a segregao socioespacial nas cidades, e mostrando como a distribuio social do rendimento insumo e produto da distribuio espacial da renda no nvel intra-urbano. Do ponto da configurao da estrutura interurbana, o Estado isolado conforma o que Kayser denomina de semis urbain, isto a sementeira urbana, onde as cidades nascem e crescem isoladas, com fracas trocas entre elas. O carter espordico das trocas faz do mercado uma entidade temporria e mvel as feiras , que em muitos casos constitui o principal elemento de ligao entre elas, assim como a presena espordica do Prncipe, isto , do Estado. A sementeira urbana semelhante metfora econmica dos "produtores independentes", segundo a qual o mercado constitui a principal forma de socializao dos membros isolados da sociedade, sem que tenha uma existncia espao-temporal fixa e permanente. Do ponto de vista da regulao poltica da economia, sua principal expresso est nas normas de controle da propriedade e das corporaes de ofcios, tendo um alcance territorial preferencial no mbito da escala local. Embora seja um modelo abstrato, interessante observar que, no mbito da escala local (que no Brasil corresponde administrao municipal), as principais fontes de recursos prprios das prefeituras so o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), uma taxao sobre a propriedade imobiliria urbana, e o Imposto sobre Servios (ISS), que incide sobre o exerccio das atividades dos profissionais autnomos, segundo a lgica clssica das corporaes de ofcios. A segunda forma de configurao, sem estabelecer uma ordem determinstica, mais sim de raciocnio espacial, a relao entre capital e provncia, ou capital e interior segundo um modelo espacial muito comum aos habitantes do estado de So Paulo, que significa a presena de uma relao hierrquica entre cidades que responde lgica da extrao tributria e s necessidades da circulao mercantil estabelecidas de forma permanente no territrio. Do ponto de vista conceitual, responde ao modelo das localidades centrais de Christaller, que estabelece que o princpio do mercado em uma plancie isomrfica (livre circulao) e com uma distribuio hexagonal (livre concorrncia) responde pela hierarquia na rede de localidades centrais. Responde tambm concepo de imprio-mundo de Wallerstein, segundo a qual a ordem espacial manifesta as determinaes tributrias do Estado e a pequena diviso social e territorial do trabalho.

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Do ponto de vista da estrutura intra-urbana, a lgica tributria e mercantil define localizaes privilegiadas no territrio urbano da cidade e as condies de reproduo social j espelham essa segregao espacial no que se refere s redes de infra-estrutura e servios urbanos, cuja lgica responde dinmica do sistema urbano como um todo e no s necessidades locais. As redes, na lgica do prprio modelo de Christaller, j definem os mecanismos bsicos de estruturao urbana e os gastos pblicos passam a se orientar no sentido de manter e ampliar a arrecadao que os alimenta, ganhando dinmica prpria e ampliando a presena do controle estatal sobre o tecido urbano. Quanto configurao da estrutura interurbana, a relao capital-provncia manifestase na conformao da "bacia urbana" de Kayser, na qual os fluxos so orientados dos ncleos urbanos de menor porte para as capitais regionais, de modo semelhante ao comportamento de uma bacia fluvial. Do ponto de vista da dinmica econmica, a bacia urbana responde ao comportamento do mercado do bem dominante na estrutura produtiva regional. Quanto poltica territorial, os principais mecanismos de alocao do gasto pblico respondem s demandas daqueles que detm o controle dos bens de produo e prpria lgica da manuteno/ampliao do aparelho de estado. O modelo dominante pode ser descrito como mercantilista, no em seu sentido vulgar, mas como descrito por Weber. Segundo ele, a poltica territorial tem alcance sobre os mecanismos tributrios e de alocao do gasto pblico, buscando definir reas de mercado cativas. A lgica da negociao regionalizada, isto , j se configura uma estrutura em arquiplago cuja negociao e concorrncia se fazem no sentido de capturar maior parcela dos fundos pblicos disponveis para cada ilha econmica. Finalmente, a terceira forma est expressa nas relaes entre centro e periferia, estando a dinmica espacial condicionada por nveis distintos de introduo do progresso tcnico e, conseqentemente, dos diferenciais de ganhos de produtividade entre locais distintos no espao. O modelo centro-periferia, que dominou o pensamento urbano e regional desde a dcada de 50 at os anos 70, bsico para explicar o comportamento da dinmica urbana e regional, com a formao de estruturas hierrquicas e duais, nas quais o ritmo de desenvolvimento diferenciado em funo da velocidade de introduo do progresso tcnico. O modelo clssico de explicao das relaes interurbanas na viso centro-periferia a rede urbana, que representaria uma estrutura industrial consolidada, em que predominam as economias de escala. A planificao territorial por excelncia do modelo centro-periferia seria compensar os diferenciais de produtividade atravs de incentivos fiscais e creditcios; assim, pode ser vista, em sua essncia, como uma poltica compensatria ex post. Os Sistemas de Cidades A cidade em si pode ser considerada como um sistema que integra um sistema ou uma rede de cidades cujo papel essencial na estruturao e organizao do espao geogrfico. As aglomeraes urbanas mantm e reforam laos de interdependncias entre si e entre elas e as regies que elas polarizam dentro de um dado territrio. A expresso de rede urbana mais usada para evocar os fluxos que existem entre os pontos desse territrio. Denise Pumain observa que, cada vez mais, os gegrafos usam o termo armature urbaine, que permite traduzir a mesma funo de organizao territorial atravs de fluxos de bens, de pessoas e, cada vez mais, de informaes, sem, apesar disso, criar uma confuso possvel com as redes tcnicas muito estudadas pelos urbanistas (Pumain, 1992, p. 623). Hoje, o conceito de sistema de cidades tambm muito usado por conferir uma conotao dinmica s redes urbanas que se transformaro devido s mutaes profundas do sistema produtivo de todas as escalas geogrficas.

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Uma das caractersticas marcantes da estrutura dos sistemas de cidades a organizao hierarquizada dos centros urbanos, que varia conforme o tamanho, a qualidade funcional e a extenso da zona de influncia espacial dessas aglomeraes. Assim, os estudos sobre essa forma de organizao territorial ganharam importante destaque no mbito da geografia, suscitando um desenvolvimento terico que foi responsvel pela formalizao da teoria dos lugares centrais nos anos 30 (Corra, 1994). Esse conceito, muito debatido, foi completado no sentido de elaborar uma teoria da evoluo das redes urbanas no espao e no tempo. A teoria dos lugares centrais A teoria dos lugares centrais objetiva explicar a hierarquia da rede urbana, questionando o tamanho, as funes econmicas e a localizao das cidades num determinado espao. Esse problema, observado por vrios pensadores do sculo XIX (Reynaud, Kohl, Reclus etc.), foi mais recentemente formalizado por Christaller (1933) e Lsch (1940). Eles observaram que existem aglomerados urbanos de todos os tamanhos, dotados de funes centrais que consistem na produo e na distribuio de bens e servios a um hinterland em relao ao qual o centro urbano ocupa uma posio central. Segundo essa teoria, a localizao das atividades bsicas induz organizao de um sistema hierarquizado de cidades. Os postulados de Christaller so: espao geogrfico apresenta caractersticas fsicas e humanas que lhe conferem um certo grau de homogeneidade: relativa uniformidade do quadro fsico, repartio homognea da populao, concorrncia perfeita entre os produtores etc.; os preos so fixos para todos os agentes sociais que convergem em direo a um centro elementar; para o consumidor, que sempre apresenta um comportamento racional, o transporte de um produto tem um custo que obviamente aumenta com a distncia percorrida. Em conseqncia, ele tende a freqentar os pontos de venda mais prximos: Christaller evoca o limiar de um bem ou servio; o patamar de consolidao de um produto corresponde ao volume mnimo de clientela potencial que assegura uma renda suficiente ao produtor; existem economias de escala na produo dos bens centrais. Isso significa que o custo mdio da produo diminui medida que aumenta a quantidade produzida. Sem esse ltimo postulado no existiriam as cidades que permitem concentrar a produo para revender em territrios mais ou menos estendidos. Para Bguin, a concluso fundamental dos postulados da teoria dos lugares centrais que a existncia das cidades justificada pela existncia de economias de escala (Bguin, 1992, p. 501). Assim, qualquer estabelecimento comercial, industrial ou de prestao de servios fornece bens e servios a uma freguesia mais ou menos distante do centro fornecedor, o que representa a polarizao espacial da aglomerao urbana. Constitui-se ento uma hierarquia de cidades cuja polarizao territorial aparece bem diferenciada. Em um nvel mais baixo, encontramos cidades que produzem basicamente os bens e servios mais procurados pela populao para sua reproduo social quotidiana. No outro extremo, encontramos centros urbanos geralmente maiores que produzem, para uma rea territorial mais extensa, produtos e servios mais especializados. medida que subimos nessa hierarquia, o nmero de cidades decresce, enquanto a variedade e a sofisticao da oferta aumenta. a metrpole regional que oferece a gama mais completa de produtos e de servios para seus habitantes, bem como para uma regio de influncia mais ou menos abrangente (Correa, 1994, p. 23).

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A partir dessas constataes, Christaller elaborou trs modelos espaciais de hierarquia de lugares centrais, em funo da natureza do optimum a realizar. O primeiro o princpio de mercado que induz uma localizao das cidades de um mesmo nvel no cume de tringulos eqilaterais. Cada uma delas serve uma rea hexagonal, que dividida entre a atrao de trs centros de nvel superior. Por sua vez, o princpio de transporte visa a uma minimizao dos eixos de circulao. Qualquer centro se localiza entre dois centros de nvel imediatamente superior. Nesse esquema, a superfcie da zona de influncia de um centro de nvel superior corresponde a quatro vezes de um centro imediatamente inferior. Enfim, o princpio administrativo coloca toda cidade no centro de uma circunscrio hexagonal, dentro da qual ele controla seis centros de nvel inferior mais sua prpria circunscrio. A caracterstica principal, nesse caso, que no existe superposio de regies de influncia. A teoria do lugares centrais foi amplamente testada. O prprio Christaller a aplicou nos anos 20 e 30 no sul da Alemanha. Depois disso, centenas de estudos verificaram e confirmaram a importncia desses princpios para explicar a estruturao geral das redes em vrias regies do mundo. At na Frana, onde prevalecem tradicionalmente os estudos de redes urbanas regionais (Rochefort, Dugrand, Kayser), essa hierarquia funcional foi recolocada em questo. Mas mesmo assim, essa teoria no escapa de mltiplas crticas. A primeira relativa disposio espacial das cidades num determinado territrio, que nunca obedece a uma distribuio rigorosamente geomtrica. Da mesma maneira, a distribuio populacional est longe de ser homognea. As regies de influncia de um centro urbano so bem menores numa regio densamente povoada do que dentro de um rea pouco povoada. Alm dessas deformaes dos modelos espaciais, o comportamento do consumidor, dado como perfeitamente racional, altamente sujeito a crtica. Vrias pesquisas mostram que numa sociedade urbana caracterizada pela fragmentao crescente da mobilidade urbana e interurbana (multiplicao dos deslocamentos com objetos mltiplos etc.), o comportamento do consumidor aparece cada vez mais imprevisvel. Enfim, a teoria aparece largamente anistrica e pouco dinmica. Ela no considera uma srie de servios especializados servios s empresas, turismo, defesa, transportes etc., s vezes motor do desenvolvimento regional (Pumain, 1992, p. 631-632). A especializao das cidades A diferenciao das cidades por classificao funcional representa uma outra abordagem da rede urbana, muita vezes complementar da teoria do lugares centrais. A teoria de Christaller baseada unicamente nas funes do servios destinados populao residente de um centro urbano. Portanto, essas atividades representam uma parte dos empregos e das ativadas urbanas. No mundo contemporneo, as grandes empresas no trabalham para um mercado local. Elas produzem bens ou servios destinados a reas bem mais abrangentes que o clssico hinterland: transportes, turismo etc. Como demonstram por exemplo os casos de Seattle e Toulouse, plos aeronuticos que abrigam as fbricas dos avies Boeing e Airbus, essas cidades no so necessariamente grandes aglomeraes urbanas. Da mesma maneira, a projeo regional ou internacional de centros tursticos como Cancn ou Florena no est relacionada ao tamanho dessas aglomeraes. Isso quer dizer que a diferenciao funcional das cidades aparece como elemento essencial na organizao espacial de um territrio. Usando a terminologia clssica, alguns autores classificaram as aglomeraes urbanas segundo categorias de atividades econmicas. Propuseram distinguir cidades industriais de cidades tercirias, classificando-as, se necessrio, em centros mineiros, siderrgicos ou centros tursticos etc. Apesar de essa classificao apresentar a vantagem de seguir o recorte geralmente usado nos censos demogrficos, os gegrafos e os economistas a usaram sempre com muita reticncia. De fato, uma atividade (os transportes por exemplo) pode aparecer no

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setor tercirio em alguns pases e no secundrio em outros. Alm disso, essa classificao esbarra nas limitaes de uma classificao das atividades econmicas que no considera as divises internas aos setores. Cabe destacar tambm o carter pouco dinmico das classificaes funcionais tradicionais dos centros urbanos de Aurousseau, Harris etc. Se algumas especializaes perduram atravs do tempo (dinamismo comercial das cidades da Hanse ou resistncia das cidades da primeira revoluo industrial no Ruhr, por exemplo), a especializao funcional de uma regio pode ser profundamente transformada em algumas anos. Assim, durante uma crise econmica, uma bacia de emprego pode conseguir uma reconverso econmica, desenvolvendo atividades que rompem radicalmente com as do passado. As zonas montanhosas europias, que sofreram uma crise profunda depois do fechamento das industrias txteis e metalrgicas, oferecem numerosos casos bem-sucedidos de reconverso nas atividades tursticas e de lazer (Alpes franceses em particular). Em vrios lugares do mundo, a emergncia, a partir dos anos 70, de plos tecnolgicos permitiu revitalizar o tecido econmico de muitas cidades industriais em processo de declnio (como as aglomeraes escocesas, por exemplo). A especializao de uma cidade exige, assim, uma aptido dos atores urbanos no sentido de valorizar constantemente uma posio geogrfica favorvel (cidade porturia, amenidades naturais excepcionais, existncia de jazida mineral etc.) e um ambiente urbano especial (mo-de-obra qualificada, qualidade das infra-estruturas etc.), a fim de inovar e de manter a posio dentro da hierarquia das aglomeraes. Para Pumain, a valorizao desigual de algumas inovaes que cria especializaes (Pumain, 1992, p. 634). A inovao, e sua difuso alm dos limites que permitiria o simples nvel de lugar central, aparece ento como fator essencial na competio entre as cidades para galgar postos dentro das hierarquias urbanas (regionais, nacionais ou internacionais). Em sntese, as funes econmicas, que decorrem cada vez mais da capacidade de inovar, permitem apontar classificaes elaboradas a partir do nvel de desenvolvimento econmico e das estruturas mais ou menos complexas dos organismos urbanos. As relaes cidade/regio A rede urbana pode ser tambm abordada do prisma das relaes cidade/regio. Esse tema impulsou uma produo cientfica significativa nos anos 60, em particular na Frana, onde a escola da Geografia Ativa vinha desenvolvendo seus estudos num contexto de busca de reorganizao geral do territrio francs em torno de novos plos metropolitanos. Essa abordagem pode ser considerada o prolongamento e a transformao dinmica da temtica tradicional das relaes cidade/campo, numa poca marcada por mutaes profundas do sistema produtivo, e a transformao da sociedade rural plurissecular numa sociedade urbana. Os gegrafos passaram ento a analisar as relaes existentes entre uma grande cidade, os centros urbanos de menor porte e as zonas rurais para demonstrar que tanto no tempo, como no espao, as relaes cidade/regio so muito diferenciadas, tanto histrica, como geograficamente. Apesar dessa diversidade, Lobato Correia procurou sintetizar as abordagens usada