GESTÃO CULTURAL - PROFISSÃO EM FORMAÇÃO (MARIA HELENA MELO DA CUNHA)

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    MARIA HELENA MELO DA CUNHA

    GESTO CULTURAL:

    PROFISSO EM FORMAO

    Belo Horizonte

    Faculdade de Educao

    2005

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    Maria Helena Melo da Cunha

    GESTO CULTURAL:

    PROFISSO EM FORMAO

    Dissertao apresentada ao Curso deEducao da Faculdade de Educao,como requisito parcial obteno do ttulode Mestre em Educao

    rea de concentrao: Sociedade, Cultura eEducao

    Orientador:Prof. Dr. Juarez Tarcsio Dayrell

    Co-orientadoraProf Dra. Ana Maria Rabelo Gomes

    Belo Horizonte

    Faculdade de Educao

    2005

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    Universidade Federal de Minas Gerais

    Faculdade de Educao

    Curso de Ps-Graduao Conhecimento e Incluso Social em Educao

    Dissertao intitulada Gesto Cultural: profisso em formao, de autoria de

    Maria Helena Melo da Cunha, analisada pela banca examinadora constituda pelos

    professores:

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Juarez Tarcsio Dayrell Orientador

    _________________________________________________________________Prof Dra. Ana Maria Rabelo Gomes Co-orientadora

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Antonio Albino Canelas Rubim Membro Externo ao Programa

    _________________________________________________________________

    Prof Dra. Maria Cristina Soares de Gouveia Membro Interno do Programa

    Belo Horizonte, 4 de novembro de 2005.

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    Aos meus pais Mrio (in memoriam) e Maria, pelo exemplo. Eles nunca hesitaramem nos dar fora para vos cada vez mais altos.

    Ao Luiz, meu companheiro amvel de todas as horas, que sempre acreditou einvestiu comigo em sonhos, transformando-os em nossa realidade.

    Paula e ao Bruno, meus dois pequenos amores, que souberam entender oprocesso intenso exigido pela escrita deste trabalho, que nos furtava de momentos

    no parque, na praa, no cinema, de aconchegos...

    Ao meu irmo Antnio (in memoriam).

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    Agradeo, em especial, ao Juarez Dayrell e Ana Gomes que, com maestria eamizade, me ajudaram a percorrer mais esta trajetria acadmica e profissional,

    transformando obstculos em desafios.

    Em nome de todos os gestores culturais que fizeram parte da construo dessanova profisso Aluizer Malab, Csar Piva, Eleonora Santa Rosa, Eliane Parreiras,

    DJ Francis, Luis Eguinoa, Luciana Salles, Rmulo Avelar e Berenice Menegale que, como tantos outros, contriburam para a constituio desse campo profissional

    e para a realizao deste trabalho. No poderia deixar de agradecer quelesprofissionais com os quais compartilhei de vrios projetos e que passaram a fazerparte desse meu percurso, no s profissional, mas como grandes amigos: Marta

    Porto, lida Murta, Jos Mrcio Barros, Rosngela Sampaio e Solanda Silva.

    Aos amigos que transformaram a idia de uma escola livre a COMUNA S.A. emrealidade: Paulo Dimas, Chico, Luiz Fernandes, Patrcia Faria, Elisa Almeida,

    Manoel Neto, Frederico Santana Rick, Rita Cupertino, os vrios scios, professorese alunos.

    Aos meus scios e amigos da DUO Informao e Cultura, Marcela Bertelli e LuizFernandes, que tiveram a certeza de que este trabalho realmente nosso! A toda a

    equipe, Ana Flvia, Valria, Tatiana, Elaine, Maria Helena, Rmulo, Diego e Marcos,que transformaram a minha ausncia no dia-a-dia do trabalho um pouco mais leve.

    Aos professores e alunos de todos os cursos de gesto cultural dos quais tive aoportunidade de participar como aluna, professora ou coordenadora, pois me

    inspiraram a refletir sobre a diversificao do processo formativo no campo dacultura.

    Gena Cunha e Valria Amorim, pela leitura minuciosa das primeiras escritas. Tucha, com sua reviso que transforma nossos textos! Ao estagirio Thiago Costa,

    que voltava angustiado sem muita informao sobre o tema especfico da pesquisa,mas eu dizia: Este o dado da pesquisa.

    minha famlia: Maria, Fernando, Helosa, Paulo, Ronise, Gena, Carlos, Laura, JosCarlos, Maria Ins, Luciano, Andr, Celiane, Aldeman, Niltinho, Wanessa, Paulo,Neila, Ronaldo; turma da segunda gerao: Frederico, Felipe, Rafael, Luciana,

    Marina, Eduardo, Maria, Lucas, Leonardo, Davi, Letcia, Maria Clara, Pablo, Moreno,Tanane e Pedro; e aos vrios amigos que souberam entender as minhas ausncias

    em tantas ocasies preciosas de nossa vida.

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    "A cultura uma longa conversae, se no h conversa,

    no h cultura."

    Jos Teixeira Coelho Neto

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    RESUMO

    A pesquisa Gesto Cultural: profisso em formao tem como objetivo analisar asquestes relativas constituio do campo da gesto cultural em Belo Horizontedesde a dcada de 1980. Seu foco principal foi compreender os processosdiferenciados de formao dos gestores culturais e sua relao na conduo desuas trajetrias profissionais, levantando, finalmente, quais so os saberesnecessrios para que atuem no mercado de trabalho. Para compreender esseprocesso, identificamosalguns sujeitos que, a partir de uma demarcao temporal dcadas de 1980 e 1990 e incio do sculo XXI , contriburam para a construodessa profisso. Para tanto, foram realizadas nove entrevistas, relatos orais de vida

    profissional, com gestores culturais representantes das trs geraes determinadasque atuaram profissionalmente nas reas pblica, privada e/ou no terceiro setor.Durante a pesquisa, constatamos que antecedentes (famlia, escola e comunidade)ocuparam papel preponderante no processo de sensibilizao artstica e culturalque, mais tarde, influenciou a escolha da gesto cultural como um caminhoprofissional. Entre as geraes analisadas, identificamos duas formas de entradapara esse campo profissional: a primeira est representada pelos sujeitos queaprenderam e refletiram sobre esse ofcio no exerccio cotidiano do trabalho. Nasegunda, os sujeitos j se encontravam em um mercado de trabalho bem maisestruturado e complexo, o que os levou a buscar uma formao mais sistemtica eespecfica. O reconhecimento social do gestor cultural no mundo do trabalhocontemporneo continua sendo uma busca cotidiana por parte desses profissionais.As trajetrias construdas por eles foram identificadas a partir da diversidade daformao deles. E foi no processo de constituio do campo em gesto cultural quese delineou a identidade profissional do gestor cultural, com a identificao do perfil,das habilidades e dos saberes de cada um como referenciais coletivos necessriospara o desempenho profissional e a ampliao das suas possibilidades de atuao.

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    ABSTRACT

    This study, entitled Cultural Management: a profession in formation, is aimed atanalyzing issues relating to the creation of the field of Cultural Management in BeloHorizonte, since the 1980s. The main focus was to understand the differentiatedprocesses involved in the formation of cultural managers, and in how they relate toprofessional paths, finally identifying what they need to know to be active in the labormarket. In order to understand this process, we have identified several subjects whocontributed to creating this profession, dividing them according to a time-basedcriterion 1980s, 1990s and the beginning of the 21st century. We held nineinterviews, basically oral reports of professional lives, with cultural managers

    representing the three aforementioned generations. These managers were activeprofessionally in the public, private and/or third sector. During our research, wediscovered that antecedents (family, school and community), played a preponderantrole in the process of artistic and cultural sensitization, and that this later influencedthe choice to follow the path of cultural management. Among the generationsanalyzed, we identified two paths of entry for this professional field: the first isrepresented by those subjects who learned and reflected upon this occupation duringtheir daily work. In the second, the subjects were already part of a much morestructured and complex labor market, which led them to seek a more systematic andspecific formation. Social recognition of the role of the cultural manager in thecontemporary world of work continues to be a struggle for these professionals. Thepaths they followed were identified based on the diversity of their backgrounds. Andit was during the process of creating the field of cultural management that theprofessional identity of the cultural manager was outlined, identifying the profile,abilities and knowledge of each as the collective references necessary forprofessional development and amplification of their possibilities.

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    SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................

    Captulo 1 A INSTITUCIONALIZAO DA CULTURA NO BRASIL........

    1.1 O processo de globalizao e o contexto poltico-cultural ......................

    1.2 A criao de instituies pblicas de cultura............................................

    1.2.1 A criao da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte: breve

    histrico..................................................................................................1.3 As Leis de Incentivo Cultura: desafios polticos e econmicos ............

    Captulo 2 GESTO CULTURAL: PROFISSO EM FORMAO...........

    2.1 Os sujeitos da pesquisa: gestores culturais ............................................

    2.2 Processos de sensibilizao cultural: um rito de passagem ...................

    2.3 Escolha do caminho: o momento da tomada de deciso .........................

    2.4 Gesto cultural: profisso e campo profissional ....................................2.5 Atuao profissional do gestor cultural.....................................................

    2.6 O mltiplos perfis profissionais do gestor cultural ....................................

    2.7 Reconhecimento social: regulamentao da profisso ............................

    Captulo 3 GESTO CULTURAL: FORMAO PROFISSIONAL ..........

    3.1 Formao profissional do gestor cultural ................................................

    3.2 Primeiro momento: reflexo autodidata, base da constituio

    profissional ............................................................................................

    3.3 Segundo momento: perodo de transio na formao profissional ........

    3.4 Terceiro momento: a consolidao da gesto cultural no mercado de

    trabalho..................................................................................................

    3.5 O jogo de relaes e os saberes profissionais no campo da gesto

    cultural .....................................................................................................

    Concluso PERSPECTIVAS PARA UMA NOVA PROFISSO...............

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    REFERNCIAS...............................................................................................

    ANEXOS.........................................................................................................

    Anexo 1 UMA BREVE ANLISE DO CURSO DE GESTO CULTURA

    (2000-2005)...................................................................................

    Anexo 2 CURSOS E PROGRAMAS DE FORMAO CULTURAL ..........

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    INTRODUO

    Nesta pesquisa, Gesto Cultural: profisso em formao, desenvolvemos

    uma reflexo sobre a constituio do campo da gesto cultural em Belo Horizonte e,

    nesse contexto, discutimos os processos de formao especfica do gestor cultural

    desde a dcada de 1980.

    Para tanto, buscamos compreender a gesto cultural contempornea a

    partir das transformaes ocorridas no campo poltico, econmico e social.

    Consideramos que esse contexto mais amplo proporcionou as condies para o

    surgimento da gesto cultural como nova profisso. Assim, direcionamos os estudos

    para a compreenso do processo de constituio do campo da gesto cultural, tendo

    como base as trajetrias de profissionais que atuam em Belo Horizonte desde a

    dcada de 1980 at aqueles que iniciaram suas carreiras j no incio do sculo XXI.

    Nessa perspectiva, buscamos identificar os diversos processos formativos que

    contriburam para o delineamento de perfis profissionais variados, decorrentes

    tambm de uma amplitude de reas de atuao e de saberes necessrios para o

    desempenho profissional. Discutimos tambm o processo de institucionalizao dacultura no Brasil, ou seja, a criao de suas instituies pblicas, bem como o

    sistema de financiamento cultura, pautado pelas leis de incentivos fiscais.

    A motivao para o desenvolvimento desta pesquisa foi fruto da minha

    trajetria profissional h mais de quinze anos no campo da cultura, visando

    prioritariamente rea de formao artstico-cultural. Desde o incio da dcada de

    1990, constru uma carreira profissional como gestora cultural em Belo Horizonte,

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    com experincia tanto em organizaes no governamentais, como no Poder

    Pblico e na iniciativa privada. Com uma formao acadmica na rea de histria,

    eu buscava uma associao a projetos que, alm do valor artstico-cultural, tivesse

    como finalidade a reflexo sobre o processo de construo do sujeito como pea

    fundamental do fazer artstico e da especificidade conceitual e metodolgica de

    gerenciamento do setor cultural como mercado de trabalho e produo artstica.

    O percurso profissional traado at o momento tem me colocado,

    freqentemente, diante de questes abordadas neste trabalho, o que apontou para a

    necessidade, cada vez mais premente, de aprofundar as reflexes sobre o tema

    proposto. Um fato marcante nesse sentido ocorreu em 1991, quando um grupo

    interdisciplinar, do qual fao parte at hoje, idealizou e fundou a Escola Livre da

    COMUNA S. A., uma organizao no governamental sem fins lucrativos, dedicada

    especificamente educao e cultura.

    Durante mais de dez anos, o grupo coordenou diversos cursos, oficinas e

    seminrios, que atingiram um pblico de faixa etria, renda e sexo bastante

    diversificados. Eram dirigidos aos leigos, aos iniciados e aos profissionais

    interessados em criar novas alternativas de trabalho ou mesmo como complemento

    de suas atividades principais. Dessa forma, buscava-se proporcionar um ambiente

    de formao mltiplo e interdisciplinar, com uma srie de opes. A oferta de cursos

    sempre foi muito diversificada, dividindo-se nas reas de imagem (cinema, vdeo,

    fotografia), arquitetura, filosofia, histria, msica, teatro, dana, psicanlise,

    produo cultural e as oficinas de artes plsticas (modelagem, pintura, aquarela).

    Dessa experincia, o que mais nos instigava era a possibilidade de lidar com essa

    multiplicidade de conhecimentos em um ambiente informal, no qual se percebia

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    claramente a busca de alternativas de expresso artstica, da possibilidade de

    encontros formativos e de reflexo sobre temas de interesses diversos.

    Alm do trabalho com a Escola Livre da COMUNA S. A., que permeia

    grande parte desses anos aqui expostos, algumas experincias profissionais foram

    destacadas, em razo da sua importncia no processo reflexivo a respeito do setor.

    Um momento importante foi o trabalho desenvolvido como assessora do

    Departamento de Planejamento e Coordenao Cultural da Secretaria Municipal de

    Cultura/PBH entre 1995 e 1996, principalmente no que se refere ao Programa de

    Incentivo Cultura (PINC),1 que propunha trs principais linhas programticas de

    ao: a divulgao dos mecanismos de renncia fiscal do municpio, um sistema de

    abastecimento de informaes especfico para a rea da cultura investindo em

    pesquisa por meio do Primeiro Diagnstico da rea Cultural de Belo Horizonte e a

    publicao da Revista Eletrnica Zapp Cultural e, por fim, o desenvolvimento do

    programa Estmulo Profissionalizao Especializada, trabalho voltado para a

    formao dos profissionais que atuavam no setor cultural nos mbitos pblico e

    privado.

    Esta ltima linha de atuao do Programa de Incentivo Cultura (PINC)

    da Secretaria tinha como objetivo organizar cursos de capacitao especfica na

    rea de produo cultural como o Curso Bsico Intensivo de Marketing Cultural,

    ministrado por Yacoff Sarkovas (1995), e o Curso para Produtores e Administradores

    Culturais, ministrado por Cndido Mendes, Pixto Falconi, Carlos Morici, Sergio Billota

    1 Nesse perodo, a Secretria Municipal de Cultura era Maria Antonieta Cunha e a diretora do DPCC,Marta Porto. O Primeiro Diagnstico da rea Cultural de Belo Horizonte foi a primeira pesquisa dognero, no Brasil, voltada para a compreenso mais ampla do mercado cultural como possibilidadede trabalho e consumo e a Revista Eletrnica Zapp Cultural, que divulgava reportagens, artigos e

    uma agenda cultural, cumpriu, tambm, o papel de desmistificar o manuseio dessa tecnologia paraas camadas da populao que no tinham tido ainda acesso a computadores, por meio dequiosques itinerantes disponibilizados em diversos pontos pblicos da cidade e em escolas da redemunicipal de ensino.

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    (MinC) e Marta Porto (1995). Nesse perodo, tendo em vista que a Secretaria havia

    sido criada h apenas seis anos, identificvamos a necessidade de proporcionar a

    formao de recursos humanos para a administrao pblica da cultura e tambm

    para o mercado cultural da cidade. Nesse sentido, ramos movidos por questes

    bsicas sobre a constituio desse campo profissional: Quais eram, de fato, as

    atividades que esse profissional deveria desempenhar e onde poderia atuar? E,

    principalmente, qual ou quais seria(m) o(s) papel(is) dos gestores culturais nessa

    teia de relaes profissionais no campo da cultura? Tnhamos conscincia da falta

    de dados que respondessem a vrios de nossos questionamentos, o que nos levou

    a realizar o Primeiro Diagnstico da rea Cultural de Belo Horizonte, tornando-se um

    pouco mais evidente que o processo de constituio e consolidao da profisso

    deveria andar paralelamente formao diversificada de seus agentes. Desta forma,

    buscvamos contribuir para a profissionalizao do setor cultural, pblico e privado,

    ampliando e qualificando o debate no sentido da construo de uma poltica pblica

    de desenvolvimento artstico-cultural para a cidade.

    Esse percurso me levou, mais uma vez, reflexo sobre o processo

    formativo do profissional de cultura no trabalho de consultoria para a elaborao, em

    1997, do Curso de Planejamento e Administrao Cultural (80h/a). Esse curso foi

    organizado pela Fundao Joo Pinheiro/Centro de Estudos Histricos e Culturais

    (CEHC) e pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC), por intermdio do Programa

    Oficina de Cultura, sendo ministrado em Belo Horizonte e em vrias cidades do

    interior do Estado. Nesse perodo, j havia a necessidade de discutir a cultura

    tambm pelo vis do planejamento estratgico, iniciava-se uma inovao nos

    programas de formao. Porque at esse momento, no se discutia explicitamente,

    nesses espaos formativos, o conceito de planejamento estratgico como

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    ferramenta de trabalho para a rea da cultura. Assim, perguntvamos: Em que

    medida esses cursos foram capazes de avanar no sentido de superar formas

    tradicionais de gerenciamento do setor cultural?

    Em 1999, ingressei no curso de especializao lato sensu em

    Planejamento e Gesto Cultural, oferecido pelo Instituto de Educao Continuada

    PUC Minas.2 Tinha como objetivo principal ampliar meus estudos mediante

    formao acadmica, pois era autodidata nessa rea especfica, buscando a

    sistematizao dos conhecimentos adquiridos ao longo de uma vivncia prtica na

    rea, alargando, dessa forma, o processo reflexivo e conceitual sobre o tema. Ao

    mesmo tempo, a formao acadmica vinha da necessidade prpria de legitimao

    para atuar na rea. Essa experincia me levou a perceber que muitos buscavam

    essa formao mais especfica com o intuito de credenciamento acadmico para

    insero no mercado de trabalho. Entretanto, qual , de fato, o peso desse processo

    formativo? Qual o significado desses encontros com os pares em um ambiente de

    formao?

    Ainda em 1999, criamos a empresa DUO Informao e Cultura, da qual

    sou uma das scias diretoras. Desde ento, a empresa tem como uma de suas

    prioridades na rea cultural o desenvolvimento de projetos que visam

    profissionalizao do setor, seja por meio da organizao de cursos dirigidos

    formao do profissional de cultura, seja mediante a disponibilizao e organizao

    de informaes especficas da rea em seu site.

    Foi por intermdio dessa empresa que me responsabilizei pela concepo

    do contedo programtico e pela coordenao do curso de extenso em Gesto

    Cultural promovido, desde 2000, pela Fundao Clvis Salgado/Palcio das Artes,

    2 Coordenao geral de Jos Mrcio Barros e coordenao executiva de Manoel de Almeida Neto.

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    por meio do seu Centro de Formao Artstica (CEFAR), o qual ser comentado em

    anexo nesta dissertao.

    A experincia com o curso de Gesto Cultural refora mais ainda algumas

    questes que devem ser consideradas para se compreender o conjunto de variveis

    que constituem as diferentes trajetrias dos gestores culturais de Belo Horizonte. A

    troca de conhecimentos especficos construdos a partir de um trabalho pautado por

    aes prticas como forma de constituio do campo profissional me levou a pensar

    sobre as necessidades de formao dos profissionais da cultura. Enfim, ser que

    apenas a formao por meio de cursos especficos suficiente para se

    profissionalizarem no mercado cultural? Como entendem a concepo de formao

    para esse campo profissional? Cabe a qual instituio esse ofcio?

    Durante a realizao deste trabalho, surgiram outros questionamentos,

    fruto de uma experincia prtica no campo profissional e das vrias experincias de

    programas e cursos realizados em Belo Horizonte desde meados da dcada de

    1990: Qual a relao que se pode estabelecer entre formao e o processo de

    consolidao profissional do gestor cultural? Essa uma das perguntas feitas

    previamente que ir merecer uma reflexo mais profunda durante o desenvolvimento

    deste trabalho.

    Embora esse no tenha sido o objetivo principal a ser contemplado nesta

    pesquisa, h a perspectiva de contribuir para ampliar a discusso a respeito dos

    saberes especficos desse profissional e das necessidades formativas desse campo

    de trabalho, no sentido de caminhar para o seu reconhecimento efetivo na

    sociedade contempornea.

    Ao delinearmos a constituio do campo profissional do gestor cultural,

    bem como o seu processo de formao, utilizamos os eixos temticos da definio

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    da profisso e do campo profissional, do profissionalismo e do reconhecimento

    social, bem como analisamos os aspectos da entrada para o campo profissional dos

    antecedentes desse campo, da sensibilizao artstica, da percepo e da formao

    dos profissionais desse setor.

    No desenvolvimento deste trabalho enfrentamos vrios desafios, entre

    eles o relativo ao mapeamento bibliogrfico disponvel sobre o tema especfico e

    sobre os temas correlatos que subsidiariam a discusso terica. Constatamos, a

    partir desse levantamento, a escassez bibliogrfica em lngua portuguesa sobre o

    tema da gesto cultural, tanto no campo profissional quanto ao processo de

    formao, o que aponta para a novidade do tema. Ao mesmo tempo, importante

    destacar o papel das novas mdias, como a Internet, na divulgao de discusses e

    textos relativos a esse tema, pelo menos entre os pases ibero-americanos, o que foi

    significativo como contribuio para o desenvolvimento desta pesquisa.

    Um segundo desafio diz respeito minha proximidade profissional com a

    gesto cultural de Belo Horizonte. Estava ciente da dificuldade em estabelecer o

    distanciamento necessrio exigido na construo de uma anlise cientfica. O

    resultado do trabalho ora apresentado tornou-se, nesse sentido, um exerccio

    constante e uma tenso entre a reflexo distanciada de um momento da histria

    recente do Pas e o meu envolvimento com os processos da gesto cultural como

    nova profisso que traz a paixo e o olhar crtico de quem viveu de perto o

    crescimento do mercado cultural belo-horizontino, contribuindo como profissional

    para a constituio do campo da gesto cultural. Podemos afirmar, como outros

    pesquisadores que

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    corri o risco, assumido, de que o excessivo envolvimento com o tematrouxesse acoplado pouco distanciamento e uma paixo que, se porum lado refletem um ponto de vista muito pessoal no relato e naanlise, por outro trazem a narrao do vivido. (BOTELHO, 2000,p.19.)

    Essa relao de familiaridade com o tema, muitas vezes, dificultava o

    processo de estranhamento necessrio para a construo analtica e imparcial do

    objeto de pesquisa. Durante o trabalho de campo e da anlise do material levantado,

    esse distanciamento do objeto passou a ser uma busca cotidiana no controle de

    conceitos e preconceitos j estabelecidos no campo pesquisado, mas, ao mesmo

    tempo, foi o prprio conhecimento intrnseco ao campo que mais me instigou a

    refletir, questionar e buscar a compreenso do processo de constituio da profisso

    em gesto cultural. Segundo DaMatta (1990, p. 168), neste caso necessrio um

    desligamento emocional, j que a familiaridade do costume no foi obtida por

    intelecto, mas por via coero socializadora e, assim, veio do estmago para a

    cabea.

    O terceiro desafio no processo de anlise refere-se contemporaneidade

    do prprio tema relativo gesto cultural, que tem, em um passado bem recente,

    (dcada de 1980) o incio da sua histria. Estamos vivendo o momento em que

    esto sendo construdos vrios elementos constitutivos desse campo profissional e

    em que os processos so dinmicos e requerem flexibilidade e rapidez para

    acompanhar a complexificao das relaes sociais, polticas, econmicas e

    culturais. Segundo Sevcenko (2001, p. 44), as grandes transformaes do mundo

    contemporneo tm alterado as dinmicas de funcionamento da sociedade, tanto

    que

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    a introduo de novas tcnicas gerou uma dinmica em que opotencial transformador das sociedades modernas se multiplicanuma velocidade muito maior do que a necessria para que aspessoas possam compreender ou refletir sobre seus impactosfuturos.

    A rapidez das transformaes atingiu diretamente o processo de

    reconhecimento da gesto cultural e de reestruturao do Estado. Entre 2003 e

    2005, tempo de realizao desta pesquisa, passamos por momentos significativos

    para o setor cultural, como no caso das leis estaduais de incentivo cultura, que

    quase foram extintas durante a tramitao da Reforma Tributria no Congresso

    Nacional, gerando um amplo debate entre artistas, produtores e gestores culturais

    para que tal mecanismo fosse preservado no bojo geral da reforma. No Estado de

    Minas Gerais, em janeiro de 2005, criou-se a Lei n. 15.467/2005,3 que institui e

    estrutura as carreiras do Quadro de Pessoal do Grupo de Atividades de Cultura,

    estabelecendo, pela primeira vez, o cargo de gestor pblico da cultura, admitido por

    concurso (ainda no est em vigor). Nesse mesmo ano foi extinta a Secretaria

    Municipal de Cultura de Belo Horizonte e, em seu lugar, foi criada a Fundao

    Municipal de Cultura.4 Fatos significativos que, embora citados durante a elaborao

    deste trabalho, no foram exaustivamente detalhados em razo da proximidade

    histrica dos acontecimentos e dos prazos insuficientes para uma anlise dos

    impactos que podero ser provocados por tais eventos no Estado de Minas Gerais.

    No caso especfico desta dissertao, recorremos s tcnicas

    desenvolvidas para pesquisas qualitativas. De forma mais precisa, foram

    3 Lei n. 15.467/2005, que instituiu e estrutura as carreiras do Quadro de Pessoal do Grupo deAtividades de Cultura, publicada no Minas Gerais,Dirio do Executivo, em 14 de janeiro de 2005, p.26, Col. 2.

    4 O Decreto n. 11.929, de 28 de janeiro 2005, extinguiu a Secretaria Municipal de Cultura, que foitransformada em Fundao Municipal de Cultura, estando vinculada diretamente ao Gabinete doPrefeito.

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    trabalhados relatos orais de vida, pois o objetivo foi recuperar o discurso narrativo

    sobre parte da biografia pessoal e profissional do sujeito em estudo, com a

    perspectiva de identificar, em um contexto social mais amplo, a trajetria de

    formao profissional. Nas palavras de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998, p.

    168), nesse caso, a histria de vida o mtodo mais adequado: "Esta tcnica tem

    sido muito usada para compreender aspectos especficos de determinadas

    profisses e para identificar problemas a elas relacionados.

    Recorreu-se a essa abordagem por se tratar de um trabalho cuja

    perspectiva foi a anlise de um perodo ainda recente da vida profissional dos

    entrevistados, no tendo de, necessariamente, recuperar o percurso totalizante da

    histria de vida pessoal dos sujeitos. O relato oral de vida foi escolhido por nos

    fornecer possveis variveis e questes especficas para a pesquisa, pois se deve

    levar em considerao que a gesto cultural ainda est em processo de constituio

    como campo profissional e, portanto, em fase de estruturao.

    O levantamento de dados por meio de relato oral de vida contribuiu com o

    aprofundamento das questes problematizadas nesta dissertao, pois ela pode,

    segundo Haguette (1999, p. 82), mais do que qualquer tcnica, exceto talvez a

    observao participante, dar sentido noo de processo. [...] Este processo em

    movimento observvel, mas no facilmente. Ele requer uma compreenso ntima

    da vida dos outros [...].

    Para tanto, consideramos a experincia de cada um dos entrevistados,

    cientes de que a entrevista um momento de reflexo sobre a trajetria profissional

    deles, entrelaadas com seus sentimentos pessoais vividos em um mesmo perodo.

    Ao final de uma das entrevistas, um gestor cultural afirmou: bom fazer terapia...

    Essa a minha vida na rea da cultura...

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    As entrevistas foram semi-estruturadas, evocando a vontade dos sujeitos

    em contar a sua prpria histria, ou seja, olhar para traz e enxergar a sua prpria

    vida, ou parte dela, conscientes de que fazem parte de um contexto sociocultural

    mais amplo e de que a reflexo sobre sua trajetria profissional pode significar uma

    importante contribuio para o campo de trabalho do gestor cultural. Dessa forma,

    consideramos importante direcionar o relato por meio de um roteiro de temas

    preestabelecidos que contivesse apenas tpicos norteadores, para que no se

    corresse o risco de inibir novos direcionamentos do relato, nem deixar desvirtuar por

    completo o tema proposto.

    A seleo dos nove participantes da pesquisa5 seguiu uma escolha

    intencional, ou seja, sujeitos inseridos no contexto sociocultural de Belo Horizonte

    que pudessem refletir as caractersticas do ambiente em estudo a partir de alguns

    critrios como: tempo de atuao no mercado de trabalho, dividindo-os por dcada

    (1980, 1990) e nos ltimos cinco anos; fez-se uma seleo equivalente entre

    profissionais com experincias no setor pblico, na iniciativa privada e no terceiro

    setor, levando em considerao a mobilidade de trnsito deles entre essas reas; a

    especializao em produo ou gesto de alguma rea artstica especfica (artes

    cnicas, msica, artes visuais, dentre outras) ou generalista; e, por fim, foi

    considerado o fato de que esses profissionais estivessem trabalhando em algum

    setor cultural no perodo da entrevista. Critrios como gnero, idade, raa e classe

    social no foram parmetros norteadores inicialmente para a seleo dos

    entrevistados, porque o universo de potenciais no permitia uma seleo que

    contemplasse tambm essas categorias. No entanto, elas revelaram aspectos

    5 Os nove sujeitos entrevistados foram identificados pelas suas trajetrias profissionais e foramtratados por pseudnimos com o objetivo de preservar-lhes a identidade.

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    importantes na composio da anlise da configurao do campo em gesto cultural

    e formao profissional.

    O conjunto dos percursos relatados refletiu a situao geral da prpria

    categoria profissional em anlise. A constatao de que o setor cultural, no caso da

    gesto cultural, no possui extensa bibliografia especfica, sobrecarregou, ainda

    mais, a valorizao das entrevistas na construo do objeto em questo. Buscamos

    reconstruir o campo da gesto cultural em Belo Horizonte a partir do imbricamento

    dos diversos relatos. Nesse sentido, concordamos com Demartini (1999, p. 13)

    quando afirma:

    [...] trabalhar com vrios relatos ao mesmo tempo implica muitasvezes em deixar de lado o encanto da histria individual, mas ganha-se na comparao, na diversidade de opinies, na percepo deprocessos em curso, na visualizao de vnculos que seestabeleciam na sociedade como um todo, entre as vrias peas

    constituintes deste mosaico.

    Alm das entrevistas, recorremos a outros tipos de fontes secundrias

    documentais, como jornais impressos entre 1980 e 1990, disponveis na Hemeroteca

    do Estado de Minas Gerais; documentos oficiais internos da Secretaria Municipal de

    Cultura, disponibilizados no Arquivo Pblico Municipal da Cidade de Belo Horizonte,

    tais como relatrios internos de gesto, programas e planos, resultados de

    pesquisas, programao de seminrios, leis e decretos municipais e estaduais,

    dentre outros; e documentos do meu acervo pessoal.

    Este trabalho se estrutura da seguinte forma: no primeiro captulo, A

    Institucionalizao da Cultura no Brasil, tem como perspectiva contextualizar o

    perodo que abarca os ltimos vintes anos e coincide com a ampliao do debate

    em torno da globalizao econmica e cultural, proporcionando um ambiente

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    favorvel ao surgimento da gesto cultural como profisso contempornea. No

    Brasil, referimo-nos ao contexto histrico de redemocratizao do Pas, que

    contribuiu para o processo de institucionalizao da cultura, culminando com a

    criao de suas instituies pblicas: secretarias estaduais e municipais, e o

    prprio Ministrio da Cultura , bem como a elaborao do sistema de financiamento

    cultura, que se reduz, basicamente, utilizao dos recursos advindos das leis de

    incentivos fiscais cultura.

    O segundo captulo, Gesto Cultural: profisso em formao, traz

    elementos que visam compreender o processo de constituio do campo profissional

    em gesto cultural em Belo Horizonte, contextualizando-o no mundo

    contemporneo. Em primeiro lugar, identificamos quem so esses sujeitos que, a

    partir de uma demarcao temporal por dcadas 1980, 1990 e incio do sculo XXI

    , contriburam para a construo dessa profisso. Para ampliar a discusso, foi

    necessrio buscarmos nos antecedentes (famlia, escola e comunidade) o processo

    de sensibilizao artstica e cultural que influenciou, mais adiante, a escolha da

    gesto cultural como um caminho profissional. Ainda no processo de constituio do

    campo em gesto cultural, buscamos delinear a identidade profissional do gestor

    cultural, traando o seu perfil e identificando as possibilidades de atuao como

    gestores da cultura no Poder Pblico, na iniciativa privada e no terceiro setor.

    Finalmente o processo que levou ao amadurecimento da gesto cultural como um

    campo de trabalho em ascenso nas sociedades atuais repercutiu em uma

    discusso sobre a percepo e o reconhecimento social dessa profisso no mundo

    contemporneo.

    O terceiro captulo, Gesto Cultural: formao profissional, teve como

    perspectivaidentificar a diversidade de formao dos gestores culturais e o impacto

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    que esse processo de formao provocou com relao trajetria profissional

    desses sujeitos. Buscamos, tambm diferenciar as geraes analisadas quanto

    entrada para o campo da gesto cultural, o jogo das relaes internas ao campo da

    gesto cultural e a constituio dos saberes produzidos na ao cotidiana do

    trabalho.

    Na concluso, Perspectivas para uma nova profisso, buscamos, alm de

    recuperar as principais concluses e temas levantados durante os captulos

    anteriores, traar o quadro das possveis perspectivas e desafios para o cenrio

    cultural contemporneo.

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    Captulo 1

    A INSTITUCIONALIZAO DA CULTURA NO BRASIL

    1.1 O PROCESSO DE GLOBALIZAO E O CONTEXTO POLTICO-CULTURAL

    Neste captulo, nosso objetivo abordar o processo de institucionalizao

    do campo da cultura brasileira com um recorte temporal a partir da dcada de 1980.

    O que nos leva a buscar a compreenso de quais so as relaes estabelecidas, no

    mbito da globalizao econmica e cultural, entre a reconfigurao social mundial,

    as novas dimenses da cultura e a gesto cultural como nova profisso. De forma

    mais especfica, pretendemos estabelecer relaes entre esse contexto mundial e a

    realidade brasileira, que se via diante da redemocratizao poltica do Pas, do

    processo de criao de suas instncias pblicas de cultura, da constituio de um

    mercado de trabalho profissional nessa rea e da sistematizao das fontes de

    financiamento cultura.

    A dcada de 1980 representa, para todos os campos da sociedade, o

    apogeu de grandes mudanas vindas desde a dcada de 1960. Featherstone (1995,

    p. 71-72) afirma que o "perodo que ficou conhecido como contracultura desferiu um

    ataque s coeres emocionais e favoreceu o relaxamento dos padres formais de

    vesturio, apresentao e comportamento". Tais transformaes culturais, sociais e

    tecnolgicas colocavam o mundo diante de questes conceituais e prticas bem

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    mais complexas. O que significa, entretanto, "mudanas na estrutura das

    organizaes, na direo da gerncia por meio da negociao, em contraposio

    gerncia por meio do comando, e um grau maior de fluidez nas estruturas

    organizacionais hierrquicas e de flexibilidade no desempenho dos papis".

    (FEATHERSTONE, 1995, p. 71-72.) A complexificao da sociedade

    contempornea est interligada aos temas relacionados globalizao e s

    implicaes decorrentes do processo de institucionalizao da cultura como

    realidade capaz de promover a transformao social, estabelecendo o debate em

    torno das novas identidades nacionais, da diversidade cultural e, por fim, da idia de

    multiculturalismo.6

    Essas transformaes ocorridas nos campos social, econmico,

    tecnolgico e cultural, em mbito global, tornaram as relaes profissionais e de

    trabalho tambm mais complexas. A estrutura organizacional no campo da cultura

    contempornea tem suas peculiaridades e as mudanas tendem a ser mais lentas,

    mais processuais, necessitando um perodo de adaptao, s vezes muito maior do

    que o esperado, para ser capaz de enfrentar tais mudanas ocorridas nos ltimos

    anos.

    Partimos do pressuposto de que os modos culturais e as formas de

    comportamento social, mediante o processo complexo de globalizao, revelam-se

    de maneiras diferenciadas nos diversos locais em que se manifestam, mas h forte

    6 Este ltimo no ser tema especfico de anlise neste trabalho, mas deve ser ressaltado pelarelao que se estabelece, como consenso, de que vivemos em sociedades multiculturais, nasquais os fenmenos contemporneos de globalizao intensificam as possibilidades de encontros e

    conflitos. Conforme Stuart Hall, esse um termo de difcil entendimento, "na falta de conceitosmenos complexos que nos possibilitem refletir sobre o problema, no resta alternativa senocontinuar utilizando e interrogando este termo". (HALL, 2003, p. 51.)

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    tendncia uniformizao da cultura, tendo como suportes bsicos os meios de

    comunicao de massa, a televiso e o rdio e, at mesmo, o cinema.7

    Assim, da mesma forma que surgiram tendncias em direo

    homogeneizao global, h, ao contrrio, uma reao contraditria na perspectiva

    de valorizao da diferena, gerando uma viso de mundo composta por referncias

    locais. "Todos ns nos localizamos em vocabulrios culturais e sem eles no

    conseguimos produzir enunciaes enquanto sujeitos culturais. Todos ns nos

    originamos e falamos a partir de algum lugar: somos localizados e neste sentido

    at os mais modernos carregam traos de uma etnia." (HALL, 2003, p. 83.)

    O processo de globalizao sugere, em outras palavras, a imagem "de

    determinada cultura at o seu limite, o globo. As culturas heterogneas tornam-se

    incorporadas e integradas a uma cultura dominante, que acaba por cobrir o mundo

    inteiro. A segunda imagem aponta para a compresso das culturas. Coisas que

    eram mantidas separadas so, agora, colocadas em contato e justaposio. As

    culturas se acumulam umas sobre as outras, se empilham, sem princpios bvios de

    organizao". (FEATHERSTONE, 1997, p. 129.)

    medida que se amplia a capacidade de lidar com redes e fluxos de

    intercmbios, aumenta consideravelmente a capacidade de flexibilidade nos sujeitos

    contemporneos, gerando certa facilidade na mudana de cdigos e,

    conseqentemente, maior movimento de inter-relao social e complexidade

    cultural. Essa interdependncia global pode provocar um colapso at mesmo nas

    identidades culturais fortes, em decorrncia, em grande parte, do processo de

    7 "Em nenhum outro segmento da mdia, entretanto, ocorre a concentrao de propriedade verificada

    no setor televisivo. [...]. A sua influncia sobre a formao de opinio no pas amplamentereconhecida [...] .Igualmente reconhecida a habilidade mostrada pela empresa em transformarsua indubitvel influncia social em poder poltico [...]. (COSTA, 1997, p. 184.)

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    fragmentao dos cdigos culturais, da multiplicidade de estilos em contato, da

    nfase ao efmero e ao flutuante, do no-permanente, da valorizao do diferente,

    do pluralismo cultural. Isso desencadeia um processo cultural que caminha para uma

    sociedade de consumo que tem como caracterstica marcante a fragmentao e a

    superproduo da cultura, o que Featherstone (1997, p. 201) denomina, de forma

    contundente, "acumulao trgica da cultura". O autor afirma, ainda, que a

    "fragmentao da experincia em nossas vidas cotidianas, nas ruas da metrpole,

    encontra um rebatimento na fragmentao da base de conhecimento que

    percorremos incessantemente, em um esforo para encontrar alguma perspectiva

    duradoura e justificvel, com o propsito de dar nossa vida algo mais do que uma

    coerncia efmera". (FEATHERSTONE, 1997, p. 201.)

    No entanto, nesse contexto das sociedades contemporneas que

    surgem novas abordagens sobre a dinmica do campo cultural e a constituio das

    novas relaes profissionais, aqui entendidas como conseqncias do processo de

    globalizao ocorrido nesses ltimos vinte anos, tendo como parmetro a dcada de

    1980. Como afirmam Zubiria e Abello,

    la expresin Gestin Cultural8 est ligada por lo menos a cuatrograndes transfomaciones contemporneas de la dimensin cultural:a) la extensin de la nocin de cultura por motivos filosficos,sociales, polticos y jurdicos. b) la crisis de las nociones de poltica ydesarrollo a partir de le dcada de los setenta. c) La necesidad de polticas culturales que gestionen mbitos ms alla de la culturaartstica, la cultura tradicional y el patrimonio. d) La aceptacin eimportancia de repensar rigurosamente las interrelaciones entreEconomia y Cultura. (ZUBIRIA; ABELLO, 1997/1998.)

    8 A expresso gesto cultural j surge, nesse contexto, identificada como um dos novos camposprofissionais contemporneos.

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    O desdobramento dos tpicos acima apresentados permite ampliar o

    debate em torno da dimenso do lugar da cultura nesse novo contexto da sociedade

    contempornea. Portanto, a discusso sobre os conceitos de cultura ou culturas,

    termo que usado no plural j indica a ateno para as diferentes configuraes

    culturais, leva-nos a considerar a necessidade de ampliar o olhar sobre a cultura no

    mundo contemporneo e reconhecer sua diversidade. O reconhecimento das

    inegveis mudanas, sob os diversos aspectos que engendraram as sociedades

    atuais, d origem s novas articulaes em torno da cultura, no se limitando s

    artes e s cincias, mas ampliando a dimenso cultural contempornea tambm por

    sua configurao poltica, econmica e social.

    Nessa perspectiva, medida que o campo cultural estreita a sua relao

    com a economia e com a poltica, torna-se um recurso a mais no processo de

    transformao social e reorganizao urbana. Ydice (2004) afirma que o papel

    adicional conferido cultura, por exemplo, de solucionar problemas urbanos, sociais

    e econmicos, deve-se, em grande parte, reduo da subveno estatal direta a

    todos os servios sociais, inclusive prpria cultura. A cultura, como convenincia,

    termo referido pelo autor, passa a fazer parte de estratgias, polticas e econmicas,

    em muitos e diferentes setores da vida contempornea:

    A economia cultural qual fiz breve referncia no a nica a valer-se da cultura como expediente, como recurso para outros fins.Podemos encontrar essa estratgia em muitos e diferentes setoresda vida contempornea: o uso da alta cultura (por exemplo, osmuseus, as zonas de desenvolvimento cultural, as cidadesconvertidas em parques temticos, etc.) para o desenvolvimentourbano; para a promoo de culturas nativas e patrimnios nacionaisdestinados ao consumo turstico; para a criao de indstriastransnacionais que complementam a integrao supranacional, seja

    com a Unio Europia ou com a Amrica Latina; para a redefinioda propriedade como forma de cultura a fim de estimular o acmulo

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    de capital em informtica, comunicaes, produtos farmacuticos eentretenimento. (YDICE, 2004 p. 454-455.)

    O posicionamento de Ydice quanto ao uso da cultura quando ela

    transcende o sentido primeiro da cultura artstica e de compartilhamento de idias e

    costumes de determinado grupo de convivncia permite a reflexo sobre questes

    relativas cultura como convenincia, ao tornar-se elemento que fundamenta o

    processo de coeso social, a revitalizao de espao urbano, a apresentao de

    formas diferenciadas de comunicao empresarial, dentre outras aes atuais que

    se associam s atividades culturais, pois, como refora Ydice (2004, p. 455),

    tentador rechaar cinicamente essas expresses de convenincia da cultura. Mas,

    ao invs de critic-las, talvez seja mais eficaz estrategicamente pensar-se em

    estabelecer uma genealogia da transformao da cultura em recursos e perguntar-

    nos o que isso significa para o nosso perodo histrico.

    A ampliao do mercado cultural pode ser relacionada diretamente ao

    prprio aumento de consumo provocado pelas novas relaes transnacionais que

    disponibilizaram e facilitaram a circulao de informaes, de conhecimento e de

    produtos culturais, conseqncia de novas formas de produo e distribuio

    massiva da prpria indstria cultural, que, nesse sentido, no significa

    necessariamente garantir um resultado qualitativo, tampouco de acesso

    democrtico. Esse crescimento da economia de mercado cultural tambm

    conseqncia, desde tempos mais remotos, da maior acessibilidade, por parte de

    artistas, aos materiais, instrumentos e equipamentos de uso bsico para o

    aprimoramento de seus trabalhos, que foram barateados na produo em escala,

    aos espaos expositivos que se reproduziram e se diversificaram atendendo a umaaudincia diversa e a um pblico massivo. (OLIVIERI, 2004, p. 55.)

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    Na viso de Feathestone (1997, p. 44), a expanso do mercado cultural

    faz parte de um processo de desenvolvimento de longo prazo e tanto a demanda

    quanto o consumo cultural no so ditados meramente pela oferta, mas precisam

    ser compreendidos no contexto de um quadro social. Um dos resultados desse

    desenvolvimento cultural, que tambm provoca o crescimento do poder potencial

    dos especialistas, a maior expanso do conhecimento e dos bens culturais

    produzidos para novas platias e mercados, nos quais as classificaes

    hierrquicas existentes foram desmanteladas e os bens culturais especializados,

    vendidos de maneira semelhante a outras mercadorias simblicas.

    (FEATHERSTONE, 1997, p. 50.)Essa expanso cultural global e sua relao com o

    fazer artstico-cultural local tambm fez, sob a tica de Ydice (2004, p. 17), emergir

    uma nova diviso internacional do trabalho cultural que imbrica a diferena local

    com administrao e investimentos transnacional.

    Essas discusses tm avanado cada vez mais como pontos

    fundamentais para desencadear o processo de insero da cultura nos debates

    atuais relativos ao desenvolvimento humano, social e econmico, conforme foi

    apontado no relatrio da Comisso Mundial de Cultura e Desenvolvimento da

    Unesco:

    A importncia do setor cultural hoje bem reconhecida. Estudos deimpacto econmico tm sido usados h anos por defensores doinvestimento em artes. Esses estudos tm fornecido justificaoeconmica e financeira e oportunidades de emprego e de renda,provando que so particularmente teis na argumentao contrriaaos cortes de gastos. (CUELLER, 1997, p. 310.)

    A discusso da expanso do campo cultural sob a lgica da economia de

    mercado ou, como afirma criticamente Ydice (2004), com relao ao uso da cultura

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    como convenincia, deve ser vista como conseqncia, em grande parte, do prprio

    retraimento do Estado em determinados setores da sociedade. Essa reorganizao

    poltico-social resultado, a partir do final da dcada de 1980, da acelerao do

    processo de globalizao, que consiste na disseminao de uma poltica, que,

    segundo Vieira (2001, p. 80),

    transfere para o mercado questes antes assumidas pelo Estado, ecomo mercado, por sua prpria natureza, volta-se para a produo

    econmica de mercadorias visando ao lucro e no distribuio derenda ou prestao de servios sociais, recai nas mos dasociedade civil, do setor pblico no-estatal, a tarefa de equacionar oencaminhamento e a soluo de tais problemas.

    O Estado acaba, em vrias situaes, se afastando de determinadas

    obrigaes pblicas ao delegar responsabilidades sociedade civil organizada

    (ONGs), tambm conhecida como setor pblico no estatal ou terceiro setor, bem

    como iniciativa privada (privatizao de bens pblicos) de servios essenciais ao

    bem-estar coletivo nas reas de sade, educao, transporte, moradia, cultura,

    dentre outros.

    Ao mesmo tempo, se por um lado existe um distanciamento do Estado, de

    outra parte h certa interveno em determinada direo, ou seja, quando a cultura

    toma essa dimenso de mercado, tambm necessria outra forma de interveno

    do Estado. Isso, necessariamente, leva compreenso mais abrangente de cultura

    como diretrizes de polticas pblicas, isto , uma poltica cultural de incluso, que

    ciente da diversidade de produo e de condies de sobrevivncia. (OLIVIERI,

    2004, p. 52.) Portanto, devem ter como prioridade aes que contemplem os

    diversos segmentos que compem as relaes sociais no mundo contemporneo,

    onde se evidenciam na poltica cultural os conflitos de interesse entre mercado e

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    Estado. Alvarez, Dagnino e Escobar (In: ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.

    24) apontam alguns dos aspectos da poltica cultural:

    Interpretamos poltica cultural como o processo posto em aoquando conjuntos de atores sociais moldados por e encarnandodiferentes significados e prticas culturais entram em conflito unscom os outros. Essa definio supe que significados e prticas emparticular aqueles teorizados como marginais, oposicionais,minoritrios, residuais, emergentes, alternativos, dissidentes e assimpor diante, todos concebidos em relao a uma determinada ordemcultural dominante podem ser a fonte de processos que devem seraceitos como polticos.

    No mbito das aes de polticas pblicas, acrescenta-se ainda que a

    toda poltica cultural posta a condio de ter em seus princpios alguns

    mecanismos fundamentais que promovam e descentralizem o processo de

    produo, difuso, acessibilidade e distribuio de produtos e servios culturais.

    Essas seriam caractersticas essenciais para o desenvolvimento de uma polticapblica democrtica, que deve, ao mesmo tempo, ser pautada pelo ponto de vista da

    ampliao da capacidade em atender aos diversos pblicos sociais e de expresso

    artstica de determinada regio urbana e rural.

    A ausncia de tais pressupostos bsicos em uma proposta de poltica

    pblica cultura pode ser considerada uma das causas para a dificuldade

    enfrentada por esse setor em consolidar-se como rea estratgica no contexto da

    poltica pblica nacional e regional, de se colocar, ao mesmo tempo, como uma rea

    prioritria para a sociedade. No entender de Martinell (2001, p.103),

    en cambio, las polticas culturales han encontrado serias dificultadesde integracin y consolidacin en el conjunto de las polticas

    pblicas. An hoy en da existen colectivos importantes que creenque o Estado no ha de asumir responsabilidades en el campo dacultura y que sta debe deserjarse en manos del mercado y de lainiciativa individual. Lentamente se han establecido unas estructuras

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    mnimas, pero las polticas culturales se encuentran siempre en lafronteira entre la inclusin en el conjunto de las polticas pblicas y sumarginacin, devido a la capacidad que las administraciones pueden

    tener de prescinde de ellas o de situarles fuera del ncleo duro de laaccin pblica en un pas.

    A cultura, no mbito das questes polticas, embora j tenha conquistado

    um espao na prpria composio de um ncleo poltico maior de governo, ainda

    vem sofrendo as conseqncias da prpria falta de compreenso das possibilidades

    de seu desempenho diante das questes gerais da sociedade, conforme afirmou

    Martinell: Las polticas culturales se encuentram siempre en la fronteira entre la

    inclusin en el conjunto de las polticas pblicas y su marginacin. J a concepo

    de cultura na perspectiva de mercado est inserida no contexto econmico e social

    como expresso das transformaes no mundo contemporneo que apontaram as

    novas dimenses da cultura, conforme a afirmao de Featherstone (1997, p. 16-

    17): " preciso dar ateno s mediaes entre a economia e a cultura, focalizando

    as atividades dos especialistas e intermedirios culturais e o pblico, cada vez maior

    [...] consumidor de nova srie de bens culturais".

    As reflexes sobre o processo de transformao da sociedade

    contempornea, sob os aspectos econmico e poltico, e a complexidade gerada a

    partir da intensificao das relaes estabelecidas entre o pblico, o privado e a

    sociedade civil colocam o setor cultural diante da necessidade, como afirma

    Featherstone (1997, p. 16), de um diagnstico de nosso tempo que h muito vem

    sendo o alimento que nutre os especialistas culturais artistas, intelectuais e vrios

    tipos de intermedirios culturais. Nesse sentido, o autor ressalta a necessidade de

    se aprofundar o conhecimento a respeito das relaes internas e especficas ao

    campo cultural, o relacionamento entre o mundo imediato desses especialistas, as

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    condies da produo e do consumo intelectual e cultural no interior dos quais eles

    trabalham, como reflexo do ambiente externo, globalizado, no qual esto inseridos.

    Por fim, as inter-relaes entre economia e cultura, poltica e sociedade,

    so assuntos relativos formao de pblico e consumo, cadeia de produo

    cultural, indstria cultural, ao mercado cultural, gerao de emprego e renda,

    poltica cultural, ao acmulo de capital cultural e aos complexos sistemas de

    financiamento. Esses so fenmenos atuais que podem ser considerados elementos

    provocadores do processo de complexificao do campo cultural, resultando, mais

    especificamente, na concepo desse novo campo de trabalho: a gesto cultural.

    1.2 CRIAO DE INSTITUIES PBLICAS DE CULTURA

    As transformaes ocorridas a partir da dcada de 1980 nos campos

    social, econmico, poltico, tecnolgico e cultural que, em mbito global, provocaram

    profundas alteraes nas relaes profissionais de trabalho e tambm

    complexificaram o setor cultural, o que, conforme discutiu-se anteriormente, tambm

    influenciaram para que ocorressem mudanas de carter local.

    No Brasil, mais especificamente, as tendncias que delinearam o caminho

    da poltica cultural pblica foram marcadas por uma srie de transformaes

    socioculturais e polticas de abrangncia nacional, tambm reflexo da re-

    configurao mundial em decorrncia do processo de globalizao econmica e

    cultural.

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    Nessa perspectiva, identificam-se as mudanas no cenrio cultural

    brasileiro e de Minas Gerais, no mbito do Poder Pblico, quando foram criadas as

    suas instncias mximas da administrao pblica cultural, tais como: o Ministrio

    da Cultura, a Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais e a Secretaria

    Municipal de Cultura de Belo Horizonte. A anlise e a compreenso dessa dinmica

    devem buscar elementos que permitam a reflexo sobre o impacto da criao

    dessas instituies no processo de formalizao do campo cultural e as

    transformaes provocadas na gesto cultural, no reconhecimento da atividade

    cultural como responsabilidade pblica, no aumento ou remanejamento de postos de

    empregos pblicos, privados e no terceiro setor.

    Para compreender o processo inicial de constituio das instncias

    pblicas de cultura, fundamental recuperar as peculiaridades do ambiente

    histrico-poltico brasileiro da dcada de 1980. Esse perodo foi marcado pela

    discusso em torno da redemocratizao nacional, momento em que se direciona o

    processo de distenso e abertura poltica depois de um perodo de

    aproximadamente vinte anos de ditadura militar (1964-1984). Nessa poca, houve

    um processo violento de censura poltica e, conseqentemente, represso no que

    diz respeito liberdade de expresso de artistas e intelectuais contrrios ao regime

    imposto pelo governo militar.

    Nesse processo de redemocratizao, entre outros fatores, fundamental

    ressaltar o papel dos movimentos sociais que se difundiram no Brasil desde o final

    da dcada de 1970. Nos estudos de Sader (1988, p. 26), identifica-se algo de novo

    emergindo na histria social do pas, quando novos atores comeavam a ocupar os

    espaos pblicos. Grupos populares os mais diversos que irrompiam na cena

    pblica reivindicando seus direitos, a comear pelo primeiro, pelo direito de

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    reivindicar direitos. Em outras palavras, o autor refere-se, principalmente, aos

    movimentos sociais que foram levados frente pelos sindicatos de trabalhadores,

    como o dos metalrgicos, o dos professores, o dos bancrios, dentre outras

    categorias que se manifestavam de forma mais contestatria no cenrio nacional.

    Tanto que Sader (1998, p. 26) considera que muito provvel que na histria

    poltica do pas o perodo entre 1978 e 1985 (portanto entre as greves do ABC e a

    vitria de Tancredo Neves no Colgio Eleitoral) fique marcado como momento

    decisivo na transio para uma nova forma de sistema poltico.

    Um dos momentos marcantes da mobilizao popular com a finalidade de

    redemocratizao poltica do Pas deu-se com o movimento das Diretas J, evento

    para o qual milhares de pessoas foram conclamados, em todo o Brasil, a participar

    de comcios em praas pblicas com o intuito de manifestar o sentimento de

    patriotismo e cidadania em defesa da restaurao da liberdade de expresso

    poltica. Estavam frente desse movimento lderes polticos, sindicalistas,

    intelectuais e artistas da esquerda brasileira, que durante o perodo ditatorial foram

    reprimidos ou at mesmo excludos da participao social, poltica, econmica e

    cultural. Esse movimento, mesmo no tendo alcanado seu objetivo principal, que

    era a realizao das eleies diretas no Brasil para Presidente da Repblica, tornou-

    se irreversvel quanto ao processo contnuo da redemocratizao da nao

    brasileira, uma vez que no mbito estadual as eleies diretas j haviam sido

    conquistadas desde 1982.

    nesse ambiente sociopoltico nacional de redemocratizao poltica do

    Pas que se estruturaram as instituies pblicas de cultura no Brasil,9 sintonizado,

    9 As primeiras secretarias de cultura foram as de So Paulo e Paran, ainda na dcada de 1970,conforme discusso apresentada por Duran em sua pesquisa pela Fundao Getlio Vargas.(DURAN, 2000.)

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    ao mesmo tempo, com as transformaes sociais e econmicas, em que as relaes

    globais estreitam as interligaes entre mundos distantes, influenciando as

    mudanas que passaram a ocorrer de forma pontual e local. No caso especfico do

    Brasil, como afirma Botelho (2000, p. 209),

    a partir de 1982, as primeiras eleies diretas para os governosestaduais depois do golpe de 64 trouxeram as alteraes sensveisnas polticas regionais. Isso se traduziu imediatamente nofortalecimento da rea cultural, exemplificado pela multiplicao das

    secretarias estaduais de cultura, anteriormente, em sua maioria,departamentos vinculados s secretarias de educao.

    Cabe, no entanto, reforar a argumentao anterior quanto associao

    do processo de redemocratizao nacional e o esprito que pairava na poca diante

    da possibilidade de se reconquistar a liberdade de expresso elemento essencial

    para o desenvolvimento cultural, segundo o ento Ministro da Cultura, Jos

    Aparecido de Oliveira, quando questionado sobre a possibilidade de ouvir artistas e

    intelectuais sobre a criao do Ministrio:

    Isso essencial. Ns vamos, depois dessa pgina virada da histria,agregar esforo comunitrio os criadores, os produtores e osconsumidores de cultura. No caso, ns vamos promover um amplodebate nacional, uma ampla discusso para que o Ministrio da

    Cultura possa nascer dentro da emoo e da retomada do espao daliberdade.(ESTADO DE MINAS, p. 5.)

    No caso especfico de Minas Gerais, existia a Coordenadoria de Cultura,

    vinculada Secretaria de Governo. Seguindo o movimento nacional desse perodo,

    em 1983 foi criada a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais,10 ainda no

    10 Lei n. 8.502, de 19/12/83 Cria Sistemas Operacionais e Secretarias de Estado e d outrasprovidncias e no Decreto n. 23.512, de 6/4/1984, que dispe sobre o Sistema Operacional deCultura, organiza a Secretaria de Estado da Cultura e d outras providncias (retificado no MinasGerais de 25 maio 1984.

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    governo de Tancredo Neves, substituindo a instituio anterior. Esse rearranjo

    institucional para a criao da Secretaria de Cultura como rgo poltico

    independente ocorreu, aparentemente, sem muita polmica pblica em torno da

    questo. Machado (2002) refere-se a um episdio desse perodo de criao da

    Secretaria que poderia integrar alguma antologia da velha poltica mineira. Quando

    o ento Governador eleito estruturava a sua equipe de secretariado, referiu-se ao

    futuro Secretrio de Cultura com a seguinte observao:

    Olha, nesse assunto no meto. Essa uma secretaria semoramento, que no elege ningum, mas eu no me arrisco aescolher um nome. Se escolho algum que no do ramo, no diaseguinte uma gente barulhenta se instala bem aqui na porta doPalcio, vai para os jornais, ridiculariza, e faz at enterro do futurosecretrio na Praa da Liberdade. Deixa isso com eles, afinal, nofaz l muita diferena e me livro dessa amolao (p. VIII).

    Apesar dessa concepo do setor cultural, no que se refere ao ambiente

    mais amplo dos setores culturais, o Governador atendeu aspirao da prpria

    classe cultural, que era ter uma Secretaria de Estado da Cultura. Assim, essa

    secretaria surge como continuidade da Coordenadoria, fruto da demanda de parte

    da classe artstica e do compromisso assumido em campanha poltica.11

    Ao contrrio, no mbito federal, a criao do Ministrio da Cultura,12 em

    1985, reverberou de forma muito mais ampla a discusso em torno de sua

    estruturao e da necessidade de uma instncia nacional de debate pblico de

    11 Uma das entrevistadas para esta pesquisa, que teve um papel fundamental neste processo dereconstituio histrica da rea pblica de cultura do Estado de Minas Gerais, afirmou que houveum movimento setorial, principalmente da classe artstica, para a criao da Secretaria. Havia um

    compromisso poltico, sem dvida, pois era a evoluo natural da Coordenadoria tanto que oprimeiro secretrio foi o prprio coordenador (Jos Aparecido de Oliveira). (Alice.)

    12 O Mistrio da Cultura foi criado pelo Decreto n. 91.144, de 15 de maro de 1985.

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    cultura, na qual, como veremos, a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais

    vai ocupar papel preponderante nesta histria.

    A criao do Ministrio teve como ponto de partida as discusses entre os

    secretrios de Cultura brasileiros durante os Fruns Nacionais de Secretrios de

    Cultura, que j aconteciam desde 1982. Em 1984, foi realizado o III Frum Nacional

    de Secretrios de Cultura,13 considerado um marco no processo de mobilizao para

    a criao do Ministrio da Cultura. Conforme Botelho (2000, p. 213), a militncia

    desses secretrios, atravs da promoo peridica de seus encontros nacionais,

    congregou a ateno da imprensa e do governo federal e conseguiu preparar um

    clima de irreversibilidade com relao criao de um Ministrio da Cultura.

    Ressaltamos que, nesse momento, o ento Governador de Minas Gerais,

    Tancredo Neves, participou da solenidade de abertura, em Ouro Preto, do I Encontro

    de Poltica Cultural, organizado paralelamente ao Frum Nacional de Secretrios. No

    entanto, os secretrios, cientes de que fora ele o responsvel pela criao da

    Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais em 1983, acreditaram que, ao ser

    eleito Presidente da Repblica, Tancredo estava indiscutivelmente comprometido

    com a criao do Ministrio da Cultura e, mais uma vez, o deputado Jos Aparecido

    de Oliveira era considerado o candidato natural ao cargo de ministro. (BOTELHO,

    2000, p. 213.) Poerner (1997, p. 39) afirma que a criao desse Ministrio se deu

    em razo da ampliao da abertura democrtica do Pas e no bojo do movimento

    dos Fruns Nacionais de Secretrios da Cultura.

    O I Encontro de Poltica Cultural foi organizado pelo governo estadual de

    Minas Gerais, mais especificamente por sua recm-criada Secretaria de Cultura, em

    parceria com a Prefeitura e a Universidade Federal de Ouro Preto, e contou com a

    13 Ocorrido em 21 de abril de 1984.

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    participao de intelectuais de vulto como Jos Mindlin, Darcy Ribeiro, Celso

    Furtado, dentre outros.

    Esse encontro foi o grande diferencial nesse perodo histrico, pois

    instigou a discusso sobre oito temas centrais e relevantes para o cenrio cultural,

    trazendo tona, conseqentemente, a reflexo sobre novos problemas conceituais

    tais como os referentes Relao entre Estado e a sociedade civil na Produo e

    Preservao Cultural; A Comunicao Social na Cultura; Preservao do Patrimnio

    Cultural: Patrimnio Arqueolgico, Histrico Artstico e Natural; Etnias e Identidade

    Cultural; Indstria Cultural e Identidade Cultural; Educao e Identidade Cultural;

    Preservao do Patrimnio Cultural: Produo e Circulao dos bens culturais

    consagrados e no consagrados; Fontes Alternativas Pblicas e Privadas para

    Financiamento da Cultura; Cultura Brasileira e, por fim, Cultura e Desenvolvimento.

    (ESTADO DE MINAS, p. 6.) Assim, alm desse temrio abrangente, o frum, na

    viso de Poerner (1997, p. 46), tambm se propunha a ser uma srie, que

    representasse para essa poltica o que as reunies da Sociedade Brasileira para o

    Progresso da Cincia (SBPC) significam para a rea cientfica e tecnolgica.

    A criao do Ministrio da Cultura nos idos de 1985, poca em que deixa

    de ser uma Secretaria de Cultura vinculada ao Ministrio da Educao e Cultura,

    considerada, na opinio de Jos Aparecido de Oliveira, primeiro Ministro da Cultura,

    um grande avano na histria poltica cultural do Pas, pois a tarefa educativa

    imensa e desafiadora. Os assuntos da cultura no MEC esto sempre colocados em

    plano secundrio porque os graves problemas da educao, por si ss, bastam para

    ocupar o Ministrio. O C continua letra muda na sigla do MEC. (ESTADO DE

    MINAS, p. 5.)

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    Contrrio a esse ponto de vista apresentado anteriormente, Botelho

    (2000, p. 215) afirma que a demanda por um ministrio no se devia s exigncias

    provocadas pela prpria poltica cultural que porventura necessitasse de uma

    estrutura mais complexa para dar conta de seus objetivos, mas sim em funo das

    expectativas polticas dos responsveis pelas secretarias estaduais. O Ministrio da

    Cultura, em seu primeiro ano de vida, apresentou um quadro de vulnerabilidade em

    razo da sua estrutura frgil e da pouca representatividade perante demais rgos

    federais. No foi criado a partir de bases reais e necessrias para se estruturar uma

    instituio do porte de um ministrio, pois no tinha, naquele momento, uma base

    forte que lhe proporcionasse capacidade de articulao poltica suficiente para lutar

    por um oramento prprio e condizente com as demandas do setor. Tampouco

    possua um quadro de funcionrios especializados para ocupar todas as funes

    inerentes ao porte da instituio, tanto que, na viso dos tcnicos da Secretaria de

    Cultura e das instituies a ela vinculadas, estavam todos de acordo em um aspecto:

    como j pregava Alosio Magalhes, preferiam uma secretaria forte a um ministrio

    fraco e sem prestgio. (BOTELHO, 2000, p. 215.)

    Ressaltamos que o primeiro Ministro da Cultura, Jos Aparecido de

    Oliveira, deixou a pasta nos seus trs primeiros meses para ocupar outro cargo

    pblico, assim, o desprestgio do novo Ministrio tornou-se mais evidente com a

    dificuldade do preenchimento do cargo14 e com a sucesso de cinco ministros em

    quatro anos. Na verdade, entre 1985 e 1993 foram nomeados nove ministros, o que

    corresponde a um ministro por ano. (OLIVIERI, 2004, p. 35.) Esse fato que o deixou

    14 Esta a relao dos ministros da Cultura de 1985 a 2005: Jos Aparecido de Oliveira (1985 e em

    1988, segundo mandato); Alosio Pimenta (1985/1986); Celso Furtado (1986/1988); Hugo Napoleo(1988); Ipojuca Pontes (1990/1991); Srgio Paulo Roaunet (1991/1992); Antnio Houaiss (1993);Jernimo Moscardo (1993); Luiz Roberto Nascimento e Silva (1993/1994); Francisco Weffort(1995/2002); e Gilberto Gil (2003).

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    em uma situao de instabilidade no que se refere estrutura organizacional no

    mbito do governo federal. Botelho (2000, p. 265) concluiu, portanto, que a

    criao prematura do Ministrio da Cultura, baseada em premissasalheias s efetivas necessidades da poltica cultural do governofederal naquele momento, ao invs de reforar o prestgio e aconscincia da rea, foi, ao contrrio, fator de desarticulao edesmoralizao. O principal motivo do fracasso foi, no meu entender,o papel preponderante do jogo da poltica mida que descaracterizoucontedos, reduzindo o debate a uma disputa de poder interno.

    Constatamos, a partir da anlise de autores como Botelho (2004), Duran

    (2000), Poerner (1997), Olivieri (2004), dentre outros, que a institucionalizao

    pblica da cultura foi inicialmente formalizada sem um processo intenso de

    mobilizao por parte da classe artstico-cultural, que ainda se encontrava distante

    desse aparato institucional pblico. Principalmente em mbito nacional, no havia

    uma percepo coletiva da importncia do papel da cultura no contexto extenso da

    sociedade contempornea e da atuao das instncias pblicas de cultura como

    rgos responsveis por estabelecer as diretrizes bsicas para o delineamento da

    poltica cultural em consonncia com os demais rgos que compem a

    Administrao Pblica. Esse posicionamento faz da experincia brasileira, advinda

    do incio da dcada de 1980, um sistema pblico de cultura excessivamente frgil,

    descontnuo e dependente das flutuaes polticas governamentais. Expressa uma

    cultura poltica na qual, como afirma Ruas (1998, p. 740), as agncias envolvidas

    nas polticas pblicas so forte e diretamente afetadas pelas preferncias,

    convices, compromissos polticos e idiossincrasias pessoais diversas dos seus

    escales mais elevados.

    Ao final da dcada de 1980, j tinham sido criadas as Secretarias de

    Cultura do Estado de Minas Gerais e de outros de Estados brasileiros, bem como o

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    Ministrio da Cultura, embora sem muita fora poltica nos governos, mas capazes

    de propagar para outros Estados e Municpios esse mesmo esprito de organizao

    das instncias pblicas de cultura. A realizao consecutiva dos Fruns de

    Secretrios durante as dcadas de 1980 e 1990 muito contribuiu para a propagao

    desse novo posicionamento do Poder Pblico diante do setor cultural, que contou,

    ainda, com uma conjuntura poltica nacional favorvel e uma viso mais abrangente

    do campo da cultura.

    1.2.1 Criao da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte: breve

    histrico

    No caso especfico da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte,

    ser apresentado um breve histrico relativo trajetria da constituio do setor

    cultural no processo interno da administrao pblica municipal da cidade, desde a

    dcada de 1960 at a sua criao como Secretaria de Cultura no final das dcadas

    de 1980. Esse fato forneceu-nos elementos de anlise, de forma mais abrangente,

    do prprio processo de complexidade do campo cultural.

    Assim, inicia-se em 1967 a reforma administrativa determinada pela Lei n.

    1.379, de 7 de julho de 1967, em cujo 4 estava previsto: Constituiro a Secretaria

    Municipal de Educao e Cultura o atual Departamento de Educao e Cultura,

    excetuando o Servio de Turismo, e Seco de Cinema Educativo. Quase cinco

    anos depois, em 1972, o Decreto n. 2.203 disps sobre a estrutura administrativa da

    Secretaria Municipal de Educao e Cultura, que deveria ser organizada de forma a

    atender demanda de ensino e aos dispositivos legais que disciplinam a matria.

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    Nessa estrutura, vinculou-se rea cultural o Departamento de Cultura

    formado, ento, pelo Setor de Projeo e Som; Teatro Francisco Nunes; Museu

    Ablio Barreto e Museu de Arte.

    Exatamente um ano depois, em maio de 1973, criou-se, pela Lei n. 2.185,

    de 14 de maio, a Secretaria Municipal de Cultura, Informao, Turismo e Esportes,

    com as seguintes atribuies:

    I estimular e promover o desenvolvimento da cultura artstica ecientfica no Municpio; II promover a realizao de espetculosartsticos, congressos e exposies culturais; III estimular odesenvolvimento das atividades tursticas, recreativas esportivas noMunicpio; IV estudar, propor bases para a concesso de auxlios esubvenes a instituies culturais, tursticas, recreativas eesportivas em geral; V promover a divulgao das atividades doExecutivo Municipal.

    Assistimos, nesse momento, desassociao entre o mbito cultural e o

    campo educacional, ficando a cultura atrelada s questes mais especficas dos

    setores artsticos, tursticos e de entretenimento. Esse fato trouxe conseqncias

    profundas que sero identificadas no final do sculo XX, quando se passou a discutir

    novamente a necessidade de se estreitar a relao entre cultura e educao como

    processo de desenvolvimento econmico-social e humano.

    Em 1977, a recm-criada Secretaria Municipal de Cultura, Informao,

    Turismo e Esportes passou a denominar-se Secretaria Municipal de Cultura, Turismo

    e Esportes pelo Decreto n. 3.150, de 10 de novembro. Quanto ao departamento de

    cultura, ficaram definidas as seguintes reas de atuao: I sistema de cultura,

    com o objetivo de planejar, coordenar e orientar as atividades culturais, artsticas e

    cientficas do Municpio. Nesse perodo, introduziu-se o papel do Poder Pblico

    como incentivador e planejador das aes culturais do municpio, o que, dentre

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    outras coisas, contribuiu para a elevao e aprimoramento do nvel educacional,

    artstico e cultural da populao e promoveu o tombamento e a conservao dos

    monumentos existentes no Municpio, catalogando-os e divulgando dados a eles

    relativos. Esses temas ainda no tinham sido considerados como atribuio pblica

    municipal da rea da cultura. O que corrobora a noo de que nesse perodo, mais

    precisamente, inicia-se a complexificao do campo da cultura no mbito do Poder

    Pblico belo-horizontino, quando so introduzidos novos problemas e novas

    abordagens para o setor, tais como incentivar, planejar, coordenar e promover a

    cultura, atualizar e ampliar acervos; controlar e fiscalizar o patrimnio artstico e

    cultural da Prefeitura e dos monumentos existentes no Municpio.

    Em 1983, seis anos mais tarde, a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio

    do Decreto n. 4.489, de 13 de julho, disps, mais uma vez, sobre a organizao

    administrativa municipal. Criou uma secretaria especfica para o setor de esportes,

    Secretaria Municipal de Esportes, e outra especfica para o setor cultural e o de

    turismo. A ento criada Secretaria Municipal de Cultura e Turismo tornou-se o rgo

    responsvel pela

    execuo da poltica de cultura e de turismo do Municpio; pela criaode programas, projetos e atividades relacionadas com a conservao ea manuteno do patrimnio histrico, cientfico, cultural e artstico; pelaadministrao dos museus e dos teatros municipais; pela administraode reas e locais de interesse turstico; pela coordenao e execuodos programas, projetos e atividades relativos promoo e certamesculturais e tursticos do Municpio; bem como pela coordenao eadministrao de promoes de feiras de arte ou de artesanatopopular. (Decreto n. 4.489, de 13/7/1983.)

    Pela primeira vez foi mencionado o termo de responsabilidade quanto

    execuo da poltica de cultura e de turismo. At aquele momento no havia sido

    registrada qualquer referncia a uma concepo de poltica de cultura, fato que

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    indica o incio do processo de reconhecimento desse setor, embora ainda longe de

    ser colocada como estratgia de governo. Os debates nacionais sobre poltica

    pblica de cultura foram incorporados poltica pblica da Prefeitura de Belo

    Horizonte. Pelo menos o que se presencia quando se acompanha a trajetria do

    setor cultural da cidade, comparando-a aos acontecimentos do setor em nveis

    estadual e nacional, onde tais temas relativos poltica cultural comeam a fazer

    parte do corpo das leis e decretos que regulamentaram a criao das secretarias

    municipais, neste caso, ainda de Cultura e Turismo. Dessa forma, esses novos

    elementos para a rea cultural municipal esto em consonncia com a discusso de

    poltica pblica nacional j estabelecida nos nveis dos governos estadual e federal,

    bem como o processo de redemocratizao do Pas que vinha sendo construdo h

    poucos anos.

    Essa trajetria culminou com a criao da Secretaria Municipal de Cultura

    de Belo Horizonte,15 em 1989, pela Lei n. 5.562, de 31 de maio de 1989, Seo IX.

    Ela foi concebida no governo de Eduardo Azeredo como rgo pblico

    independente, desvinculado da rea de turismo, apresentando no texto da lei que a

    criou a finalidade de coordenar a poltica cultural do Municpio, planejando e

    executando atividades, que visem ao desenvolvimento cultural e preservao e

    revitalizao de seu patrimnio histrico e artstico. No prprio texto da lei, j se

    identificam elementos que reportam complexificao do mercado cultural no final

    da dcada de 1980, quando so reforadas terminologias como a poltica cultural, o

    15 Essas alteraes no mbito do Poder Pblico municipal de Belo Horizonte tiveram mais uma

    recente reorganizao administrativa significativa, quando por meio do Decreto n. 11.929, de 28 dejaneiro 2005, a Secretaria Municipal de Cultura foi transformada em Fundao Municipal de Cultura,estando vinculada diretamente ao gabinete do Prefeito. Essa Fundao tem por finalidade planejare executar a poltica cultural do Municpio com atividades que visam ao desenvolvimento cultural.

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    planejamento e o desenvolvimento cultural da cidade, e no s mais a idia de

    preservao de patrimnio, mas tambm a sua revitalizao.

    No entanto, essa Secretaria foi criada sem discusso pblica perante a

    classe de artistas e tcnicos do setor em torno de sua nova constituio. Nem

    mesmo a imprensa local se manifestou.16 O que se pode averiguar, diante dessa

    situao, certa fragilidade desse campo, visto como pea pouco representativa na

    estratgia pblica de governo, em que se altera a estrutura por meio de leis e

    decretos, sem, necessariamente, uma proposta poltica para tais mudanas e

    reconfiguraes institucionais, tampouco uma discusso ampla com o setor cultural

    da cidade.

    Por outro lado, foi possvel acompanhar a transformao crescente do

    papel da cultura na organizao pblica do municpio, mesmo que por meio de leis e

    decretos, deixando de ser departamentos culturais vinculados s secretarias de

    Educao ou Turismo e/ou Esportes. Essa foi uma trajetria de aproximadamente

    vinte anos para que o setor cultural municipal adquirisse maior independncia de

    outras reas, chegando Secretaria de Cultura, no final da dcada de 1980, na

    estrutura poltica da cidade. Esse percurso traado por essa instituio, conforme se

    constatou, demonstrou um processo de fortalecimento da rea no municpio de Belo

    Horizonte, reflexo da conjuntura estadual e nacional que j estavam se estruturando

    como instituio pblica de cultura autnoma desde 1983.

    Um aspecto problemtico desse percurso refere-se falta de dilogo

    estreito entre os diversos setores da sociedade e a baixa definio quanto s

    16 Fez-se um levantamento em um dos principais jornais impressos mineiros e no foi encontrado

    nenhum artigo ou matria de maior relevncia que fizessem referncias a esse fato. (ESTADO DEMINAS,1983, 1984, 1985, 1988 e 1989.)

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    prioridades de ao diante de problemas sociais e econmicos emergentes, o que

    dificulta uma articulao mais estruturada, seja ela pblica e/ou privada, entre

    setores como a educao, a economia, o turismo, o meio ambiente, dentre outros.

    Parte-se do pressuposto de que uma instituio subdividida em reas distintas, mas

    desvinculada de uma estratgia conjunta de atuao, torna-se frgil e ineficiente.

    A no-reverso desse quadro de desarticulao poltica entre as demais

    reas que compem o Poder Pblico pode gerar conseqncias profundas no

    sentido de se encaminhar para a construo do campo da cultura de forma isolada

    quando seria desejvel uma articulao poltica e econmica com outras reas

    constituintes da sociedade. Ruas (1998, p. 740) afirma que as polticas, muito

    freqentemente, emperram devido competio int