8/3/2019 GESTO CULTURAL - PROFISSO EM FORMAO (MARIA HELENA MELO DA CUNHA)
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MARIA HELENA MELO DA CUNHA
GESTO CULTURAL:
PROFISSO EM FORMAO
Belo Horizonte
Faculdade de Educao
2005
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Maria Helena Melo da Cunha
GESTO CULTURAL:
PROFISSO EM FORMAO
Dissertao apresentada ao Curso deEducao da Faculdade de Educao,como requisito parcial obteno do ttulode Mestre em Educao
rea de concentrao: Sociedade, Cultura eEducao
Orientador:Prof. Dr. Juarez Tarcsio Dayrell
Co-orientadoraProf Dra. Ana Maria Rabelo Gomes
Belo Horizonte
Faculdade de Educao
2005
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Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educao
Curso de Ps-Graduao Conhecimento e Incluso Social em Educao
Dissertao intitulada Gesto Cultural: profisso em formao, de autoria de
Maria Helena Melo da Cunha, analisada pela banca examinadora constituda pelos
professores:
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Juarez Tarcsio Dayrell Orientador
_________________________________________________________________Prof Dra. Ana Maria Rabelo Gomes Co-orientadora
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Albino Canelas Rubim Membro Externo ao Programa
_________________________________________________________________
Prof Dra. Maria Cristina Soares de Gouveia Membro Interno do Programa
Belo Horizonte, 4 de novembro de 2005.
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Aos meus pais Mrio (in memoriam) e Maria, pelo exemplo. Eles nunca hesitaramem nos dar fora para vos cada vez mais altos.
Ao Luiz, meu companheiro amvel de todas as horas, que sempre acreditou einvestiu comigo em sonhos, transformando-os em nossa realidade.
Paula e ao Bruno, meus dois pequenos amores, que souberam entender oprocesso intenso exigido pela escrita deste trabalho, que nos furtava de momentos
no parque, na praa, no cinema, de aconchegos...
Ao meu irmo Antnio (in memoriam).
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Agradeo, em especial, ao Juarez Dayrell e Ana Gomes que, com maestria eamizade, me ajudaram a percorrer mais esta trajetria acadmica e profissional,
transformando obstculos em desafios.
Em nome de todos os gestores culturais que fizeram parte da construo dessanova profisso Aluizer Malab, Csar Piva, Eleonora Santa Rosa, Eliane Parreiras,
DJ Francis, Luis Eguinoa, Luciana Salles, Rmulo Avelar e Berenice Menegale que, como tantos outros, contriburam para a constituio desse campo profissional
e para a realizao deste trabalho. No poderia deixar de agradecer quelesprofissionais com os quais compartilhei de vrios projetos e que passaram a fazerparte desse meu percurso, no s profissional, mas como grandes amigos: Marta
Porto, lida Murta, Jos Mrcio Barros, Rosngela Sampaio e Solanda Silva.
Aos amigos que transformaram a idia de uma escola livre a COMUNA S.A. emrealidade: Paulo Dimas, Chico, Luiz Fernandes, Patrcia Faria, Elisa Almeida,
Manoel Neto, Frederico Santana Rick, Rita Cupertino, os vrios scios, professorese alunos.
Aos meus scios e amigos da DUO Informao e Cultura, Marcela Bertelli e LuizFernandes, que tiveram a certeza de que este trabalho realmente nosso! A toda a
equipe, Ana Flvia, Valria, Tatiana, Elaine, Maria Helena, Rmulo, Diego e Marcos,que transformaram a minha ausncia no dia-a-dia do trabalho um pouco mais leve.
Aos professores e alunos de todos os cursos de gesto cultural dos quais tive aoportunidade de participar como aluna, professora ou coordenadora, pois me
inspiraram a refletir sobre a diversificao do processo formativo no campo dacultura.
Gena Cunha e Valria Amorim, pela leitura minuciosa das primeiras escritas. Tucha, com sua reviso que transforma nossos textos! Ao estagirio Thiago Costa,
que voltava angustiado sem muita informao sobre o tema especfico da pesquisa,mas eu dizia: Este o dado da pesquisa.
minha famlia: Maria, Fernando, Helosa, Paulo, Ronise, Gena, Carlos, Laura, JosCarlos, Maria Ins, Luciano, Andr, Celiane, Aldeman, Niltinho, Wanessa, Paulo,Neila, Ronaldo; turma da segunda gerao: Frederico, Felipe, Rafael, Luciana,
Marina, Eduardo, Maria, Lucas, Leonardo, Davi, Letcia, Maria Clara, Pablo, Moreno,Tanane e Pedro; e aos vrios amigos que souberam entender as minhas ausncias
em tantas ocasies preciosas de nossa vida.
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"A cultura uma longa conversae, se no h conversa,
no h cultura."
Jos Teixeira Coelho Neto
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RESUMO
A pesquisa Gesto Cultural: profisso em formao tem como objetivo analisar asquestes relativas constituio do campo da gesto cultural em Belo Horizontedesde a dcada de 1980. Seu foco principal foi compreender os processosdiferenciados de formao dos gestores culturais e sua relao na conduo desuas trajetrias profissionais, levantando, finalmente, quais so os saberesnecessrios para que atuem no mercado de trabalho. Para compreender esseprocesso, identificamosalguns sujeitos que, a partir de uma demarcao temporal dcadas de 1980 e 1990 e incio do sculo XXI , contriburam para a construodessa profisso. Para tanto, foram realizadas nove entrevistas, relatos orais de vida
profissional, com gestores culturais representantes das trs geraes determinadasque atuaram profissionalmente nas reas pblica, privada e/ou no terceiro setor.Durante a pesquisa, constatamos que antecedentes (famlia, escola e comunidade)ocuparam papel preponderante no processo de sensibilizao artstica e culturalque, mais tarde, influenciou a escolha da gesto cultural como um caminhoprofissional. Entre as geraes analisadas, identificamos duas formas de entradapara esse campo profissional: a primeira est representada pelos sujeitos queaprenderam e refletiram sobre esse ofcio no exerccio cotidiano do trabalho. Nasegunda, os sujeitos j se encontravam em um mercado de trabalho bem maisestruturado e complexo, o que os levou a buscar uma formao mais sistemtica eespecfica. O reconhecimento social do gestor cultural no mundo do trabalhocontemporneo continua sendo uma busca cotidiana por parte desses profissionais.As trajetrias construdas por eles foram identificadas a partir da diversidade daformao deles. E foi no processo de constituio do campo em gesto cultural quese delineou a identidade profissional do gestor cultural, com a identificao do perfil,das habilidades e dos saberes de cada um como referenciais coletivos necessriospara o desempenho profissional e a ampliao das suas possibilidades de atuao.
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ABSTRACT
This study, entitled Cultural Management: a profession in formation, is aimed atanalyzing issues relating to the creation of the field of Cultural Management in BeloHorizonte, since the 1980s. The main focus was to understand the differentiatedprocesses involved in the formation of cultural managers, and in how they relate toprofessional paths, finally identifying what they need to know to be active in the labormarket. In order to understand this process, we have identified several subjects whocontributed to creating this profession, dividing them according to a time-basedcriterion 1980s, 1990s and the beginning of the 21st century. We held nineinterviews, basically oral reports of professional lives, with cultural managers
representing the three aforementioned generations. These managers were activeprofessionally in the public, private and/or third sector. During our research, wediscovered that antecedents (family, school and community), played a preponderantrole in the process of artistic and cultural sensitization, and that this later influencedthe choice to follow the path of cultural management. Among the generationsanalyzed, we identified two paths of entry for this professional field: the first isrepresented by those subjects who learned and reflected upon this occupation duringtheir daily work. In the second, the subjects were already part of a much morestructured and complex labor market, which led them to seek a more systematic andspecific formation. Social recognition of the role of the cultural manager in thecontemporary world of work continues to be a struggle for these professionals. Thepaths they followed were identified based on the diversity of their backgrounds. Andit was during the process of creating the field of cultural management that theprofessional identity of the cultural manager was outlined, identifying the profile,abilities and knowledge of each as the collective references necessary forprofessional development and amplification of their possibilities.
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SUMRIO
INTRODUO................................................................................................
Captulo 1 A INSTITUCIONALIZAO DA CULTURA NO BRASIL........
1.1 O processo de globalizao e o contexto poltico-cultural ......................
1.2 A criao de instituies pblicas de cultura............................................
1.2.1 A criao da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte: breve
histrico..................................................................................................1.3 As Leis de Incentivo Cultura: desafios polticos e econmicos ............
Captulo 2 GESTO CULTURAL: PROFISSO EM FORMAO...........
2.1 Os sujeitos da pesquisa: gestores culturais ............................................
2.2 Processos de sensibilizao cultural: um rito de passagem ...................
2.3 Escolha do caminho: o momento da tomada de deciso .........................
2.4 Gesto cultural: profisso e campo profissional ....................................2.5 Atuao profissional do gestor cultural.....................................................
2.6 O mltiplos perfis profissionais do gestor cultural ....................................
2.7 Reconhecimento social: regulamentao da profisso ............................
Captulo 3 GESTO CULTURAL: FORMAO PROFISSIONAL ..........
3.1 Formao profissional do gestor cultural ................................................
3.2 Primeiro momento: reflexo autodidata, base da constituio
profissional ............................................................................................
3.3 Segundo momento: perodo de transio na formao profissional ........
3.4 Terceiro momento: a consolidao da gesto cultural no mercado de
trabalho..................................................................................................
3.5 O jogo de relaes e os saberes profissionais no campo da gesto
cultural .....................................................................................................
Concluso PERSPECTIVAS PARA UMA NOVA PROFISSO...............
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REFERNCIAS...............................................................................................
ANEXOS.........................................................................................................
Anexo 1 UMA BREVE ANLISE DO CURSO DE GESTO CULTURA
(2000-2005)...................................................................................
Anexo 2 CURSOS E PROGRAMAS DE FORMAO CULTURAL ..........
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INTRODUO
Nesta pesquisa, Gesto Cultural: profisso em formao, desenvolvemos
uma reflexo sobre a constituio do campo da gesto cultural em Belo Horizonte e,
nesse contexto, discutimos os processos de formao especfica do gestor cultural
desde a dcada de 1980.
Para tanto, buscamos compreender a gesto cultural contempornea a
partir das transformaes ocorridas no campo poltico, econmico e social.
Consideramos que esse contexto mais amplo proporcionou as condies para o
surgimento da gesto cultural como nova profisso. Assim, direcionamos os estudos
para a compreenso do processo de constituio do campo da gesto cultural, tendo
como base as trajetrias de profissionais que atuam em Belo Horizonte desde a
dcada de 1980 at aqueles que iniciaram suas carreiras j no incio do sculo XXI.
Nessa perspectiva, buscamos identificar os diversos processos formativos que
contriburam para o delineamento de perfis profissionais variados, decorrentes
tambm de uma amplitude de reas de atuao e de saberes necessrios para o
desempenho profissional. Discutimos tambm o processo de institucionalizao dacultura no Brasil, ou seja, a criao de suas instituies pblicas, bem como o
sistema de financiamento cultura, pautado pelas leis de incentivos fiscais.
A motivao para o desenvolvimento desta pesquisa foi fruto da minha
trajetria profissional h mais de quinze anos no campo da cultura, visando
prioritariamente rea de formao artstico-cultural. Desde o incio da dcada de
1990, constru uma carreira profissional como gestora cultural em Belo Horizonte,
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com experincia tanto em organizaes no governamentais, como no Poder
Pblico e na iniciativa privada. Com uma formao acadmica na rea de histria,
eu buscava uma associao a projetos que, alm do valor artstico-cultural, tivesse
como finalidade a reflexo sobre o processo de construo do sujeito como pea
fundamental do fazer artstico e da especificidade conceitual e metodolgica de
gerenciamento do setor cultural como mercado de trabalho e produo artstica.
O percurso profissional traado at o momento tem me colocado,
freqentemente, diante de questes abordadas neste trabalho, o que apontou para a
necessidade, cada vez mais premente, de aprofundar as reflexes sobre o tema
proposto. Um fato marcante nesse sentido ocorreu em 1991, quando um grupo
interdisciplinar, do qual fao parte at hoje, idealizou e fundou a Escola Livre da
COMUNA S. A., uma organizao no governamental sem fins lucrativos, dedicada
especificamente educao e cultura.
Durante mais de dez anos, o grupo coordenou diversos cursos, oficinas e
seminrios, que atingiram um pblico de faixa etria, renda e sexo bastante
diversificados. Eram dirigidos aos leigos, aos iniciados e aos profissionais
interessados em criar novas alternativas de trabalho ou mesmo como complemento
de suas atividades principais. Dessa forma, buscava-se proporcionar um ambiente
de formao mltiplo e interdisciplinar, com uma srie de opes. A oferta de cursos
sempre foi muito diversificada, dividindo-se nas reas de imagem (cinema, vdeo,
fotografia), arquitetura, filosofia, histria, msica, teatro, dana, psicanlise,
produo cultural e as oficinas de artes plsticas (modelagem, pintura, aquarela).
Dessa experincia, o que mais nos instigava era a possibilidade de lidar com essa
multiplicidade de conhecimentos em um ambiente informal, no qual se percebia
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claramente a busca de alternativas de expresso artstica, da possibilidade de
encontros formativos e de reflexo sobre temas de interesses diversos.
Alm do trabalho com a Escola Livre da COMUNA S. A., que permeia
grande parte desses anos aqui expostos, algumas experincias profissionais foram
destacadas, em razo da sua importncia no processo reflexivo a respeito do setor.
Um momento importante foi o trabalho desenvolvido como assessora do
Departamento de Planejamento e Coordenao Cultural da Secretaria Municipal de
Cultura/PBH entre 1995 e 1996, principalmente no que se refere ao Programa de
Incentivo Cultura (PINC),1 que propunha trs principais linhas programticas de
ao: a divulgao dos mecanismos de renncia fiscal do municpio, um sistema de
abastecimento de informaes especfico para a rea da cultura investindo em
pesquisa por meio do Primeiro Diagnstico da rea Cultural de Belo Horizonte e a
publicao da Revista Eletrnica Zapp Cultural e, por fim, o desenvolvimento do
programa Estmulo Profissionalizao Especializada, trabalho voltado para a
formao dos profissionais que atuavam no setor cultural nos mbitos pblico e
privado.
Esta ltima linha de atuao do Programa de Incentivo Cultura (PINC)
da Secretaria tinha como objetivo organizar cursos de capacitao especfica na
rea de produo cultural como o Curso Bsico Intensivo de Marketing Cultural,
ministrado por Yacoff Sarkovas (1995), e o Curso para Produtores e Administradores
Culturais, ministrado por Cndido Mendes, Pixto Falconi, Carlos Morici, Sergio Billota
1 Nesse perodo, a Secretria Municipal de Cultura era Maria Antonieta Cunha e a diretora do DPCC,Marta Porto. O Primeiro Diagnstico da rea Cultural de Belo Horizonte foi a primeira pesquisa dognero, no Brasil, voltada para a compreenso mais ampla do mercado cultural como possibilidadede trabalho e consumo e a Revista Eletrnica Zapp Cultural, que divulgava reportagens, artigos e
uma agenda cultural, cumpriu, tambm, o papel de desmistificar o manuseio dessa tecnologia paraas camadas da populao que no tinham tido ainda acesso a computadores, por meio dequiosques itinerantes disponibilizados em diversos pontos pblicos da cidade e em escolas da redemunicipal de ensino.
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(MinC) e Marta Porto (1995). Nesse perodo, tendo em vista que a Secretaria havia
sido criada h apenas seis anos, identificvamos a necessidade de proporcionar a
formao de recursos humanos para a administrao pblica da cultura e tambm
para o mercado cultural da cidade. Nesse sentido, ramos movidos por questes
bsicas sobre a constituio desse campo profissional: Quais eram, de fato, as
atividades que esse profissional deveria desempenhar e onde poderia atuar? E,
principalmente, qual ou quais seria(m) o(s) papel(is) dos gestores culturais nessa
teia de relaes profissionais no campo da cultura? Tnhamos conscincia da falta
de dados que respondessem a vrios de nossos questionamentos, o que nos levou
a realizar o Primeiro Diagnstico da rea Cultural de Belo Horizonte, tornando-se um
pouco mais evidente que o processo de constituio e consolidao da profisso
deveria andar paralelamente formao diversificada de seus agentes. Desta forma,
buscvamos contribuir para a profissionalizao do setor cultural, pblico e privado,
ampliando e qualificando o debate no sentido da construo de uma poltica pblica
de desenvolvimento artstico-cultural para a cidade.
Esse percurso me levou, mais uma vez, reflexo sobre o processo
formativo do profissional de cultura no trabalho de consultoria para a elaborao, em
1997, do Curso de Planejamento e Administrao Cultural (80h/a). Esse curso foi
organizado pela Fundao Joo Pinheiro/Centro de Estudos Histricos e Culturais
(CEHC) e pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC), por intermdio do Programa
Oficina de Cultura, sendo ministrado em Belo Horizonte e em vrias cidades do
interior do Estado. Nesse perodo, j havia a necessidade de discutir a cultura
tambm pelo vis do planejamento estratgico, iniciava-se uma inovao nos
programas de formao. Porque at esse momento, no se discutia explicitamente,
nesses espaos formativos, o conceito de planejamento estratgico como
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ferramenta de trabalho para a rea da cultura. Assim, perguntvamos: Em que
medida esses cursos foram capazes de avanar no sentido de superar formas
tradicionais de gerenciamento do setor cultural?
Em 1999, ingressei no curso de especializao lato sensu em
Planejamento e Gesto Cultural, oferecido pelo Instituto de Educao Continuada
PUC Minas.2 Tinha como objetivo principal ampliar meus estudos mediante
formao acadmica, pois era autodidata nessa rea especfica, buscando a
sistematizao dos conhecimentos adquiridos ao longo de uma vivncia prtica na
rea, alargando, dessa forma, o processo reflexivo e conceitual sobre o tema. Ao
mesmo tempo, a formao acadmica vinha da necessidade prpria de legitimao
para atuar na rea. Essa experincia me levou a perceber que muitos buscavam
essa formao mais especfica com o intuito de credenciamento acadmico para
insero no mercado de trabalho. Entretanto, qual , de fato, o peso desse processo
formativo? Qual o significado desses encontros com os pares em um ambiente de
formao?
Ainda em 1999, criamos a empresa DUO Informao e Cultura, da qual
sou uma das scias diretoras. Desde ento, a empresa tem como uma de suas
prioridades na rea cultural o desenvolvimento de projetos que visam
profissionalizao do setor, seja por meio da organizao de cursos dirigidos
formao do profissional de cultura, seja mediante a disponibilizao e organizao
de informaes especficas da rea em seu site.
Foi por intermdio dessa empresa que me responsabilizei pela concepo
do contedo programtico e pela coordenao do curso de extenso em Gesto
Cultural promovido, desde 2000, pela Fundao Clvis Salgado/Palcio das Artes,
2 Coordenao geral de Jos Mrcio Barros e coordenao executiva de Manoel de Almeida Neto.
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por meio do seu Centro de Formao Artstica (CEFAR), o qual ser comentado em
anexo nesta dissertao.
A experincia com o curso de Gesto Cultural refora mais ainda algumas
questes que devem ser consideradas para se compreender o conjunto de variveis
que constituem as diferentes trajetrias dos gestores culturais de Belo Horizonte. A
troca de conhecimentos especficos construdos a partir de um trabalho pautado por
aes prticas como forma de constituio do campo profissional me levou a pensar
sobre as necessidades de formao dos profissionais da cultura. Enfim, ser que
apenas a formao por meio de cursos especficos suficiente para se
profissionalizarem no mercado cultural? Como entendem a concepo de formao
para esse campo profissional? Cabe a qual instituio esse ofcio?
Durante a realizao deste trabalho, surgiram outros questionamentos,
fruto de uma experincia prtica no campo profissional e das vrias experincias de
programas e cursos realizados em Belo Horizonte desde meados da dcada de
1990: Qual a relao que se pode estabelecer entre formao e o processo de
consolidao profissional do gestor cultural? Essa uma das perguntas feitas
previamente que ir merecer uma reflexo mais profunda durante o desenvolvimento
deste trabalho.
Embora esse no tenha sido o objetivo principal a ser contemplado nesta
pesquisa, h a perspectiva de contribuir para ampliar a discusso a respeito dos
saberes especficos desse profissional e das necessidades formativas desse campo
de trabalho, no sentido de caminhar para o seu reconhecimento efetivo na
sociedade contempornea.
Ao delinearmos a constituio do campo profissional do gestor cultural,
bem como o seu processo de formao, utilizamos os eixos temticos da definio
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da profisso e do campo profissional, do profissionalismo e do reconhecimento
social, bem como analisamos os aspectos da entrada para o campo profissional dos
antecedentes desse campo, da sensibilizao artstica, da percepo e da formao
dos profissionais desse setor.
No desenvolvimento deste trabalho enfrentamos vrios desafios, entre
eles o relativo ao mapeamento bibliogrfico disponvel sobre o tema especfico e
sobre os temas correlatos que subsidiariam a discusso terica. Constatamos, a
partir desse levantamento, a escassez bibliogrfica em lngua portuguesa sobre o
tema da gesto cultural, tanto no campo profissional quanto ao processo de
formao, o que aponta para a novidade do tema. Ao mesmo tempo, importante
destacar o papel das novas mdias, como a Internet, na divulgao de discusses e
textos relativos a esse tema, pelo menos entre os pases ibero-americanos, o que foi
significativo como contribuio para o desenvolvimento desta pesquisa.
Um segundo desafio diz respeito minha proximidade profissional com a
gesto cultural de Belo Horizonte. Estava ciente da dificuldade em estabelecer o
distanciamento necessrio exigido na construo de uma anlise cientfica. O
resultado do trabalho ora apresentado tornou-se, nesse sentido, um exerccio
constante e uma tenso entre a reflexo distanciada de um momento da histria
recente do Pas e o meu envolvimento com os processos da gesto cultural como
nova profisso que traz a paixo e o olhar crtico de quem viveu de perto o
crescimento do mercado cultural belo-horizontino, contribuindo como profissional
para a constituio do campo da gesto cultural. Podemos afirmar, como outros
pesquisadores que
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corri o risco, assumido, de que o excessivo envolvimento com o tematrouxesse acoplado pouco distanciamento e uma paixo que, se porum lado refletem um ponto de vista muito pessoal no relato e naanlise, por outro trazem a narrao do vivido. (BOTELHO, 2000,p.19.)
Essa relao de familiaridade com o tema, muitas vezes, dificultava o
processo de estranhamento necessrio para a construo analtica e imparcial do
objeto de pesquisa. Durante o trabalho de campo e da anlise do material levantado,
esse distanciamento do objeto passou a ser uma busca cotidiana no controle de
conceitos e preconceitos j estabelecidos no campo pesquisado, mas, ao mesmo
tempo, foi o prprio conhecimento intrnseco ao campo que mais me instigou a
refletir, questionar e buscar a compreenso do processo de constituio da profisso
em gesto cultural. Segundo DaMatta (1990, p. 168), neste caso necessrio um
desligamento emocional, j que a familiaridade do costume no foi obtida por
intelecto, mas por via coero socializadora e, assim, veio do estmago para a
cabea.
O terceiro desafio no processo de anlise refere-se contemporaneidade
do prprio tema relativo gesto cultural, que tem, em um passado bem recente,
(dcada de 1980) o incio da sua histria. Estamos vivendo o momento em que
esto sendo construdos vrios elementos constitutivos desse campo profissional e
em que os processos so dinmicos e requerem flexibilidade e rapidez para
acompanhar a complexificao das relaes sociais, polticas, econmicas e
culturais. Segundo Sevcenko (2001, p. 44), as grandes transformaes do mundo
contemporneo tm alterado as dinmicas de funcionamento da sociedade, tanto
que
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a introduo de novas tcnicas gerou uma dinmica em que opotencial transformador das sociedades modernas se multiplicanuma velocidade muito maior do que a necessria para que aspessoas possam compreender ou refletir sobre seus impactosfuturos.
A rapidez das transformaes atingiu diretamente o processo de
reconhecimento da gesto cultural e de reestruturao do Estado. Entre 2003 e
2005, tempo de realizao desta pesquisa, passamos por momentos significativos
para o setor cultural, como no caso das leis estaduais de incentivo cultura, que
quase foram extintas durante a tramitao da Reforma Tributria no Congresso
Nacional, gerando um amplo debate entre artistas, produtores e gestores culturais
para que tal mecanismo fosse preservado no bojo geral da reforma. No Estado de
Minas Gerais, em janeiro de 2005, criou-se a Lei n. 15.467/2005,3 que institui e
estrutura as carreiras do Quadro de Pessoal do Grupo de Atividades de Cultura,
estabelecendo, pela primeira vez, o cargo de gestor pblico da cultura, admitido por
concurso (ainda no est em vigor). Nesse mesmo ano foi extinta a Secretaria
Municipal de Cultura de Belo Horizonte e, em seu lugar, foi criada a Fundao
Municipal de Cultura.4 Fatos significativos que, embora citados durante a elaborao
deste trabalho, no foram exaustivamente detalhados em razo da proximidade
histrica dos acontecimentos e dos prazos insuficientes para uma anlise dos
impactos que podero ser provocados por tais eventos no Estado de Minas Gerais.
No caso especfico desta dissertao, recorremos s tcnicas
desenvolvidas para pesquisas qualitativas. De forma mais precisa, foram
3 Lei n. 15.467/2005, que instituiu e estrutura as carreiras do Quadro de Pessoal do Grupo deAtividades de Cultura, publicada no Minas Gerais,Dirio do Executivo, em 14 de janeiro de 2005, p.26, Col. 2.
4 O Decreto n. 11.929, de 28 de janeiro 2005, extinguiu a Secretaria Municipal de Cultura, que foitransformada em Fundao Municipal de Cultura, estando vinculada diretamente ao Gabinete doPrefeito.
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trabalhados relatos orais de vida, pois o objetivo foi recuperar o discurso narrativo
sobre parte da biografia pessoal e profissional do sujeito em estudo, com a
perspectiva de identificar, em um contexto social mais amplo, a trajetria de
formao profissional. Nas palavras de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998, p.
168), nesse caso, a histria de vida o mtodo mais adequado: "Esta tcnica tem
sido muito usada para compreender aspectos especficos de determinadas
profisses e para identificar problemas a elas relacionados.
Recorreu-se a essa abordagem por se tratar de um trabalho cuja
perspectiva foi a anlise de um perodo ainda recente da vida profissional dos
entrevistados, no tendo de, necessariamente, recuperar o percurso totalizante da
histria de vida pessoal dos sujeitos. O relato oral de vida foi escolhido por nos
fornecer possveis variveis e questes especficas para a pesquisa, pois se deve
levar em considerao que a gesto cultural ainda est em processo de constituio
como campo profissional e, portanto, em fase de estruturao.
O levantamento de dados por meio de relato oral de vida contribuiu com o
aprofundamento das questes problematizadas nesta dissertao, pois ela pode,
segundo Haguette (1999, p. 82), mais do que qualquer tcnica, exceto talvez a
observao participante, dar sentido noo de processo. [...] Este processo em
movimento observvel, mas no facilmente. Ele requer uma compreenso ntima
da vida dos outros [...].
Para tanto, consideramos a experincia de cada um dos entrevistados,
cientes de que a entrevista um momento de reflexo sobre a trajetria profissional
deles, entrelaadas com seus sentimentos pessoais vividos em um mesmo perodo.
Ao final de uma das entrevistas, um gestor cultural afirmou: bom fazer terapia...
Essa a minha vida na rea da cultura...
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As entrevistas foram semi-estruturadas, evocando a vontade dos sujeitos
em contar a sua prpria histria, ou seja, olhar para traz e enxergar a sua prpria
vida, ou parte dela, conscientes de que fazem parte de um contexto sociocultural
mais amplo e de que a reflexo sobre sua trajetria profissional pode significar uma
importante contribuio para o campo de trabalho do gestor cultural. Dessa forma,
consideramos importante direcionar o relato por meio de um roteiro de temas
preestabelecidos que contivesse apenas tpicos norteadores, para que no se
corresse o risco de inibir novos direcionamentos do relato, nem deixar desvirtuar por
completo o tema proposto.
A seleo dos nove participantes da pesquisa5 seguiu uma escolha
intencional, ou seja, sujeitos inseridos no contexto sociocultural de Belo Horizonte
que pudessem refletir as caractersticas do ambiente em estudo a partir de alguns
critrios como: tempo de atuao no mercado de trabalho, dividindo-os por dcada
(1980, 1990) e nos ltimos cinco anos; fez-se uma seleo equivalente entre
profissionais com experincias no setor pblico, na iniciativa privada e no terceiro
setor, levando em considerao a mobilidade de trnsito deles entre essas reas; a
especializao em produo ou gesto de alguma rea artstica especfica (artes
cnicas, msica, artes visuais, dentre outras) ou generalista; e, por fim, foi
considerado o fato de que esses profissionais estivessem trabalhando em algum
setor cultural no perodo da entrevista. Critrios como gnero, idade, raa e classe
social no foram parmetros norteadores inicialmente para a seleo dos
entrevistados, porque o universo de potenciais no permitia uma seleo que
contemplasse tambm essas categorias. No entanto, elas revelaram aspectos
5 Os nove sujeitos entrevistados foram identificados pelas suas trajetrias profissionais e foramtratados por pseudnimos com o objetivo de preservar-lhes a identidade.
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importantes na composio da anlise da configurao do campo em gesto cultural
e formao profissional.
O conjunto dos percursos relatados refletiu a situao geral da prpria
categoria profissional em anlise. A constatao de que o setor cultural, no caso da
gesto cultural, no possui extensa bibliografia especfica, sobrecarregou, ainda
mais, a valorizao das entrevistas na construo do objeto em questo. Buscamos
reconstruir o campo da gesto cultural em Belo Horizonte a partir do imbricamento
dos diversos relatos. Nesse sentido, concordamos com Demartini (1999, p. 13)
quando afirma:
[...] trabalhar com vrios relatos ao mesmo tempo implica muitasvezes em deixar de lado o encanto da histria individual, mas ganha-se na comparao, na diversidade de opinies, na percepo deprocessos em curso, na visualizao de vnculos que seestabeleciam na sociedade como um todo, entre as vrias peas
constituintes deste mosaico.
Alm das entrevistas, recorremos a outros tipos de fontes secundrias
documentais, como jornais impressos entre 1980 e 1990, disponveis na Hemeroteca
do Estado de Minas Gerais; documentos oficiais internos da Secretaria Municipal de
Cultura, disponibilizados no Arquivo Pblico Municipal da Cidade de Belo Horizonte,
tais como relatrios internos de gesto, programas e planos, resultados de
pesquisas, programao de seminrios, leis e decretos municipais e estaduais,
dentre outros; e documentos do meu acervo pessoal.
Este trabalho se estrutura da seguinte forma: no primeiro captulo, A
Institucionalizao da Cultura no Brasil, tem como perspectiva contextualizar o
perodo que abarca os ltimos vintes anos e coincide com a ampliao do debate
em torno da globalizao econmica e cultural, proporcionando um ambiente
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favorvel ao surgimento da gesto cultural como profisso contempornea. No
Brasil, referimo-nos ao contexto histrico de redemocratizao do Pas, que
contribuiu para o processo de institucionalizao da cultura, culminando com a
criao de suas instituies pblicas: secretarias estaduais e municipais, e o
prprio Ministrio da Cultura , bem como a elaborao do sistema de financiamento
cultura, que se reduz, basicamente, utilizao dos recursos advindos das leis de
incentivos fiscais cultura.
O segundo captulo, Gesto Cultural: profisso em formao, traz
elementos que visam compreender o processo de constituio do campo profissional
em gesto cultural em Belo Horizonte, contextualizando-o no mundo
contemporneo. Em primeiro lugar, identificamos quem so esses sujeitos que, a
partir de uma demarcao temporal por dcadas 1980, 1990 e incio do sculo XXI
, contriburam para a construo dessa profisso. Para ampliar a discusso, foi
necessrio buscarmos nos antecedentes (famlia, escola e comunidade) o processo
de sensibilizao artstica e cultural que influenciou, mais adiante, a escolha da
gesto cultural como um caminho profissional. Ainda no processo de constituio do
campo em gesto cultural, buscamos delinear a identidade profissional do gestor
cultural, traando o seu perfil e identificando as possibilidades de atuao como
gestores da cultura no Poder Pblico, na iniciativa privada e no terceiro setor.
Finalmente o processo que levou ao amadurecimento da gesto cultural como um
campo de trabalho em ascenso nas sociedades atuais repercutiu em uma
discusso sobre a percepo e o reconhecimento social dessa profisso no mundo
contemporneo.
O terceiro captulo, Gesto Cultural: formao profissional, teve como
perspectivaidentificar a diversidade de formao dos gestores culturais e o impacto
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que esse processo de formao provocou com relao trajetria profissional
desses sujeitos. Buscamos, tambm diferenciar as geraes analisadas quanto
entrada para o campo da gesto cultural, o jogo das relaes internas ao campo da
gesto cultural e a constituio dos saberes produzidos na ao cotidiana do
trabalho.
Na concluso, Perspectivas para uma nova profisso, buscamos, alm de
recuperar as principais concluses e temas levantados durante os captulos
anteriores, traar o quadro das possveis perspectivas e desafios para o cenrio
cultural contemporneo.
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Captulo 1
A INSTITUCIONALIZAO DA CULTURA NO BRASIL
1.1 O PROCESSO DE GLOBALIZAO E O CONTEXTO POLTICO-CULTURAL
Neste captulo, nosso objetivo abordar o processo de institucionalizao
do campo da cultura brasileira com um recorte temporal a partir da dcada de 1980.
O que nos leva a buscar a compreenso de quais so as relaes estabelecidas, no
mbito da globalizao econmica e cultural, entre a reconfigurao social mundial,
as novas dimenses da cultura e a gesto cultural como nova profisso. De forma
mais especfica, pretendemos estabelecer relaes entre esse contexto mundial e a
realidade brasileira, que se via diante da redemocratizao poltica do Pas, do
processo de criao de suas instncias pblicas de cultura, da constituio de um
mercado de trabalho profissional nessa rea e da sistematizao das fontes de
financiamento cultura.
A dcada de 1980 representa, para todos os campos da sociedade, o
apogeu de grandes mudanas vindas desde a dcada de 1960. Featherstone (1995,
p. 71-72) afirma que o "perodo que ficou conhecido como contracultura desferiu um
ataque s coeres emocionais e favoreceu o relaxamento dos padres formais de
vesturio, apresentao e comportamento". Tais transformaes culturais, sociais e
tecnolgicas colocavam o mundo diante de questes conceituais e prticas bem
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mais complexas. O que significa, entretanto, "mudanas na estrutura das
organizaes, na direo da gerncia por meio da negociao, em contraposio
gerncia por meio do comando, e um grau maior de fluidez nas estruturas
organizacionais hierrquicas e de flexibilidade no desempenho dos papis".
(FEATHERSTONE, 1995, p. 71-72.) A complexificao da sociedade
contempornea est interligada aos temas relacionados globalizao e s
implicaes decorrentes do processo de institucionalizao da cultura como
realidade capaz de promover a transformao social, estabelecendo o debate em
torno das novas identidades nacionais, da diversidade cultural e, por fim, da idia de
multiculturalismo.6
Essas transformaes ocorridas nos campos social, econmico,
tecnolgico e cultural, em mbito global, tornaram as relaes profissionais e de
trabalho tambm mais complexas. A estrutura organizacional no campo da cultura
contempornea tem suas peculiaridades e as mudanas tendem a ser mais lentas,
mais processuais, necessitando um perodo de adaptao, s vezes muito maior do
que o esperado, para ser capaz de enfrentar tais mudanas ocorridas nos ltimos
anos.
Partimos do pressuposto de que os modos culturais e as formas de
comportamento social, mediante o processo complexo de globalizao, revelam-se
de maneiras diferenciadas nos diversos locais em que se manifestam, mas h forte
6 Este ltimo no ser tema especfico de anlise neste trabalho, mas deve ser ressaltado pelarelao que se estabelece, como consenso, de que vivemos em sociedades multiculturais, nasquais os fenmenos contemporneos de globalizao intensificam as possibilidades de encontros e
conflitos. Conforme Stuart Hall, esse um termo de difcil entendimento, "na falta de conceitosmenos complexos que nos possibilitem refletir sobre o problema, no resta alternativa senocontinuar utilizando e interrogando este termo". (HALL, 2003, p. 51.)
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tendncia uniformizao da cultura, tendo como suportes bsicos os meios de
comunicao de massa, a televiso e o rdio e, at mesmo, o cinema.7
Assim, da mesma forma que surgiram tendncias em direo
homogeneizao global, h, ao contrrio, uma reao contraditria na perspectiva
de valorizao da diferena, gerando uma viso de mundo composta por referncias
locais. "Todos ns nos localizamos em vocabulrios culturais e sem eles no
conseguimos produzir enunciaes enquanto sujeitos culturais. Todos ns nos
originamos e falamos a partir de algum lugar: somos localizados e neste sentido
at os mais modernos carregam traos de uma etnia." (HALL, 2003, p. 83.)
O processo de globalizao sugere, em outras palavras, a imagem "de
determinada cultura at o seu limite, o globo. As culturas heterogneas tornam-se
incorporadas e integradas a uma cultura dominante, que acaba por cobrir o mundo
inteiro. A segunda imagem aponta para a compresso das culturas. Coisas que
eram mantidas separadas so, agora, colocadas em contato e justaposio. As
culturas se acumulam umas sobre as outras, se empilham, sem princpios bvios de
organizao". (FEATHERSTONE, 1997, p. 129.)
medida que se amplia a capacidade de lidar com redes e fluxos de
intercmbios, aumenta consideravelmente a capacidade de flexibilidade nos sujeitos
contemporneos, gerando certa facilidade na mudana de cdigos e,
conseqentemente, maior movimento de inter-relao social e complexidade
cultural. Essa interdependncia global pode provocar um colapso at mesmo nas
identidades culturais fortes, em decorrncia, em grande parte, do processo de
7 "Em nenhum outro segmento da mdia, entretanto, ocorre a concentrao de propriedade verificada
no setor televisivo. [...]. A sua influncia sobre a formao de opinio no pas amplamentereconhecida [...] .Igualmente reconhecida a habilidade mostrada pela empresa em transformarsua indubitvel influncia social em poder poltico [...]. (COSTA, 1997, p. 184.)
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fragmentao dos cdigos culturais, da multiplicidade de estilos em contato, da
nfase ao efmero e ao flutuante, do no-permanente, da valorizao do diferente,
do pluralismo cultural. Isso desencadeia um processo cultural que caminha para uma
sociedade de consumo que tem como caracterstica marcante a fragmentao e a
superproduo da cultura, o que Featherstone (1997, p. 201) denomina, de forma
contundente, "acumulao trgica da cultura". O autor afirma, ainda, que a
"fragmentao da experincia em nossas vidas cotidianas, nas ruas da metrpole,
encontra um rebatimento na fragmentao da base de conhecimento que
percorremos incessantemente, em um esforo para encontrar alguma perspectiva
duradoura e justificvel, com o propsito de dar nossa vida algo mais do que uma
coerncia efmera". (FEATHERSTONE, 1997, p. 201.)
No entanto, nesse contexto das sociedades contemporneas que
surgem novas abordagens sobre a dinmica do campo cultural e a constituio das
novas relaes profissionais, aqui entendidas como conseqncias do processo de
globalizao ocorrido nesses ltimos vinte anos, tendo como parmetro a dcada de
1980. Como afirmam Zubiria e Abello,
la expresin Gestin Cultural8 est ligada por lo menos a cuatrograndes transfomaciones contemporneas de la dimensin cultural:a) la extensin de la nocin de cultura por motivos filosficos,sociales, polticos y jurdicos. b) la crisis de las nociones de poltica ydesarrollo a partir de le dcada de los setenta. c) La necesidad de polticas culturales que gestionen mbitos ms alla de la culturaartstica, la cultura tradicional y el patrimonio. d) La aceptacin eimportancia de repensar rigurosamente las interrelaciones entreEconomia y Cultura. (ZUBIRIA; ABELLO, 1997/1998.)
8 A expresso gesto cultural j surge, nesse contexto, identificada como um dos novos camposprofissionais contemporneos.
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O desdobramento dos tpicos acima apresentados permite ampliar o
debate em torno da dimenso do lugar da cultura nesse novo contexto da sociedade
contempornea. Portanto, a discusso sobre os conceitos de cultura ou culturas,
termo que usado no plural j indica a ateno para as diferentes configuraes
culturais, leva-nos a considerar a necessidade de ampliar o olhar sobre a cultura no
mundo contemporneo e reconhecer sua diversidade. O reconhecimento das
inegveis mudanas, sob os diversos aspectos que engendraram as sociedades
atuais, d origem s novas articulaes em torno da cultura, no se limitando s
artes e s cincias, mas ampliando a dimenso cultural contempornea tambm por
sua configurao poltica, econmica e social.
Nessa perspectiva, medida que o campo cultural estreita a sua relao
com a economia e com a poltica, torna-se um recurso a mais no processo de
transformao social e reorganizao urbana. Ydice (2004) afirma que o papel
adicional conferido cultura, por exemplo, de solucionar problemas urbanos, sociais
e econmicos, deve-se, em grande parte, reduo da subveno estatal direta a
todos os servios sociais, inclusive prpria cultura. A cultura, como convenincia,
termo referido pelo autor, passa a fazer parte de estratgias, polticas e econmicas,
em muitos e diferentes setores da vida contempornea:
A economia cultural qual fiz breve referncia no a nica a valer-se da cultura como expediente, como recurso para outros fins.Podemos encontrar essa estratgia em muitos e diferentes setoresda vida contempornea: o uso da alta cultura (por exemplo, osmuseus, as zonas de desenvolvimento cultural, as cidadesconvertidas em parques temticos, etc.) para o desenvolvimentourbano; para a promoo de culturas nativas e patrimnios nacionaisdestinados ao consumo turstico; para a criao de indstriastransnacionais que complementam a integrao supranacional, seja
com a Unio Europia ou com a Amrica Latina; para a redefinioda propriedade como forma de cultura a fim de estimular o acmulo
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de capital em informtica, comunicaes, produtos farmacuticos eentretenimento. (YDICE, 2004 p. 454-455.)
O posicionamento de Ydice quanto ao uso da cultura quando ela
transcende o sentido primeiro da cultura artstica e de compartilhamento de idias e
costumes de determinado grupo de convivncia permite a reflexo sobre questes
relativas cultura como convenincia, ao tornar-se elemento que fundamenta o
processo de coeso social, a revitalizao de espao urbano, a apresentao de
formas diferenciadas de comunicao empresarial, dentre outras aes atuais que
se associam s atividades culturais, pois, como refora Ydice (2004, p. 455),
tentador rechaar cinicamente essas expresses de convenincia da cultura. Mas,
ao invs de critic-las, talvez seja mais eficaz estrategicamente pensar-se em
estabelecer uma genealogia da transformao da cultura em recursos e perguntar-
nos o que isso significa para o nosso perodo histrico.
A ampliao do mercado cultural pode ser relacionada diretamente ao
prprio aumento de consumo provocado pelas novas relaes transnacionais que
disponibilizaram e facilitaram a circulao de informaes, de conhecimento e de
produtos culturais, conseqncia de novas formas de produo e distribuio
massiva da prpria indstria cultural, que, nesse sentido, no significa
necessariamente garantir um resultado qualitativo, tampouco de acesso
democrtico. Esse crescimento da economia de mercado cultural tambm
conseqncia, desde tempos mais remotos, da maior acessibilidade, por parte de
artistas, aos materiais, instrumentos e equipamentos de uso bsico para o
aprimoramento de seus trabalhos, que foram barateados na produo em escala,
aos espaos expositivos que se reproduziram e se diversificaram atendendo a umaaudincia diversa e a um pblico massivo. (OLIVIERI, 2004, p. 55.)
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Na viso de Feathestone (1997, p. 44), a expanso do mercado cultural
faz parte de um processo de desenvolvimento de longo prazo e tanto a demanda
quanto o consumo cultural no so ditados meramente pela oferta, mas precisam
ser compreendidos no contexto de um quadro social. Um dos resultados desse
desenvolvimento cultural, que tambm provoca o crescimento do poder potencial
dos especialistas, a maior expanso do conhecimento e dos bens culturais
produzidos para novas platias e mercados, nos quais as classificaes
hierrquicas existentes foram desmanteladas e os bens culturais especializados,
vendidos de maneira semelhante a outras mercadorias simblicas.
(FEATHERSTONE, 1997, p. 50.)Essa expanso cultural global e sua relao com o
fazer artstico-cultural local tambm fez, sob a tica de Ydice (2004, p. 17), emergir
uma nova diviso internacional do trabalho cultural que imbrica a diferena local
com administrao e investimentos transnacional.
Essas discusses tm avanado cada vez mais como pontos
fundamentais para desencadear o processo de insero da cultura nos debates
atuais relativos ao desenvolvimento humano, social e econmico, conforme foi
apontado no relatrio da Comisso Mundial de Cultura e Desenvolvimento da
Unesco:
A importncia do setor cultural hoje bem reconhecida. Estudos deimpacto econmico tm sido usados h anos por defensores doinvestimento em artes. Esses estudos tm fornecido justificaoeconmica e financeira e oportunidades de emprego e de renda,provando que so particularmente teis na argumentao contrriaaos cortes de gastos. (CUELLER, 1997, p. 310.)
A discusso da expanso do campo cultural sob a lgica da economia de
mercado ou, como afirma criticamente Ydice (2004), com relao ao uso da cultura
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como convenincia, deve ser vista como conseqncia, em grande parte, do prprio
retraimento do Estado em determinados setores da sociedade. Essa reorganizao
poltico-social resultado, a partir do final da dcada de 1980, da acelerao do
processo de globalizao, que consiste na disseminao de uma poltica, que,
segundo Vieira (2001, p. 80),
transfere para o mercado questes antes assumidas pelo Estado, ecomo mercado, por sua prpria natureza, volta-se para a produo
econmica de mercadorias visando ao lucro e no distribuio derenda ou prestao de servios sociais, recai nas mos dasociedade civil, do setor pblico no-estatal, a tarefa de equacionar oencaminhamento e a soluo de tais problemas.
O Estado acaba, em vrias situaes, se afastando de determinadas
obrigaes pblicas ao delegar responsabilidades sociedade civil organizada
(ONGs), tambm conhecida como setor pblico no estatal ou terceiro setor, bem
como iniciativa privada (privatizao de bens pblicos) de servios essenciais ao
bem-estar coletivo nas reas de sade, educao, transporte, moradia, cultura,
dentre outros.
Ao mesmo tempo, se por um lado existe um distanciamento do Estado, de
outra parte h certa interveno em determinada direo, ou seja, quando a cultura
toma essa dimenso de mercado, tambm necessria outra forma de interveno
do Estado. Isso, necessariamente, leva compreenso mais abrangente de cultura
como diretrizes de polticas pblicas, isto , uma poltica cultural de incluso, que
ciente da diversidade de produo e de condies de sobrevivncia. (OLIVIERI,
2004, p. 52.) Portanto, devem ter como prioridade aes que contemplem os
diversos segmentos que compem as relaes sociais no mundo contemporneo,
onde se evidenciam na poltica cultural os conflitos de interesse entre mercado e
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Estado. Alvarez, Dagnino e Escobar (In: ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.
24) apontam alguns dos aspectos da poltica cultural:
Interpretamos poltica cultural como o processo posto em aoquando conjuntos de atores sociais moldados por e encarnandodiferentes significados e prticas culturais entram em conflito unscom os outros. Essa definio supe que significados e prticas emparticular aqueles teorizados como marginais, oposicionais,minoritrios, residuais, emergentes, alternativos, dissidentes e assimpor diante, todos concebidos em relao a uma determinada ordemcultural dominante podem ser a fonte de processos que devem seraceitos como polticos.
No mbito das aes de polticas pblicas, acrescenta-se ainda que a
toda poltica cultural posta a condio de ter em seus princpios alguns
mecanismos fundamentais que promovam e descentralizem o processo de
produo, difuso, acessibilidade e distribuio de produtos e servios culturais.
Essas seriam caractersticas essenciais para o desenvolvimento de uma polticapblica democrtica, que deve, ao mesmo tempo, ser pautada pelo ponto de vista da
ampliao da capacidade em atender aos diversos pblicos sociais e de expresso
artstica de determinada regio urbana e rural.
A ausncia de tais pressupostos bsicos em uma proposta de poltica
pblica cultura pode ser considerada uma das causas para a dificuldade
enfrentada por esse setor em consolidar-se como rea estratgica no contexto da
poltica pblica nacional e regional, de se colocar, ao mesmo tempo, como uma rea
prioritria para a sociedade. No entender de Martinell (2001, p.103),
en cambio, las polticas culturales han encontrado serias dificultadesde integracin y consolidacin en el conjunto de las polticas
pblicas. An hoy en da existen colectivos importantes que creenque o Estado no ha de asumir responsabilidades en el campo dacultura y que sta debe deserjarse en manos del mercado y de lainiciativa individual. Lentamente se han establecido unas estructuras
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mnimas, pero las polticas culturales se encuentran siempre en lafronteira entre la inclusin en el conjunto de las polticas pblicas y sumarginacin, devido a la capacidad que las administraciones pueden
tener de prescinde de ellas o de situarles fuera del ncleo duro de laaccin pblica en un pas.
A cultura, no mbito das questes polticas, embora j tenha conquistado
um espao na prpria composio de um ncleo poltico maior de governo, ainda
vem sofrendo as conseqncias da prpria falta de compreenso das possibilidades
de seu desempenho diante das questes gerais da sociedade, conforme afirmou
Martinell: Las polticas culturales se encuentram siempre en la fronteira entre la
inclusin en el conjunto de las polticas pblicas y su marginacin. J a concepo
de cultura na perspectiva de mercado est inserida no contexto econmico e social
como expresso das transformaes no mundo contemporneo que apontaram as
novas dimenses da cultura, conforme a afirmao de Featherstone (1997, p. 16-
17): " preciso dar ateno s mediaes entre a economia e a cultura, focalizando
as atividades dos especialistas e intermedirios culturais e o pblico, cada vez maior
[...] consumidor de nova srie de bens culturais".
As reflexes sobre o processo de transformao da sociedade
contempornea, sob os aspectos econmico e poltico, e a complexidade gerada a
partir da intensificao das relaes estabelecidas entre o pblico, o privado e a
sociedade civil colocam o setor cultural diante da necessidade, como afirma
Featherstone (1997, p. 16), de um diagnstico de nosso tempo que h muito vem
sendo o alimento que nutre os especialistas culturais artistas, intelectuais e vrios
tipos de intermedirios culturais. Nesse sentido, o autor ressalta a necessidade de
se aprofundar o conhecimento a respeito das relaes internas e especficas ao
campo cultural, o relacionamento entre o mundo imediato desses especialistas, as
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condies da produo e do consumo intelectual e cultural no interior dos quais eles
trabalham, como reflexo do ambiente externo, globalizado, no qual esto inseridos.
Por fim, as inter-relaes entre economia e cultura, poltica e sociedade,
so assuntos relativos formao de pblico e consumo, cadeia de produo
cultural, indstria cultural, ao mercado cultural, gerao de emprego e renda,
poltica cultural, ao acmulo de capital cultural e aos complexos sistemas de
financiamento. Esses so fenmenos atuais que podem ser considerados elementos
provocadores do processo de complexificao do campo cultural, resultando, mais
especificamente, na concepo desse novo campo de trabalho: a gesto cultural.
1.2 CRIAO DE INSTITUIES PBLICAS DE CULTURA
As transformaes ocorridas a partir da dcada de 1980 nos campos
social, econmico, poltico, tecnolgico e cultural que, em mbito global, provocaram
profundas alteraes nas relaes profissionais de trabalho e tambm
complexificaram o setor cultural, o que, conforme discutiu-se anteriormente, tambm
influenciaram para que ocorressem mudanas de carter local.
No Brasil, mais especificamente, as tendncias que delinearam o caminho
da poltica cultural pblica foram marcadas por uma srie de transformaes
socioculturais e polticas de abrangncia nacional, tambm reflexo da re-
configurao mundial em decorrncia do processo de globalizao econmica e
cultural.
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Nessa perspectiva, identificam-se as mudanas no cenrio cultural
brasileiro e de Minas Gerais, no mbito do Poder Pblico, quando foram criadas as
suas instncias mximas da administrao pblica cultural, tais como: o Ministrio
da Cultura, a Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais e a Secretaria
Municipal de Cultura de Belo Horizonte. A anlise e a compreenso dessa dinmica
devem buscar elementos que permitam a reflexo sobre o impacto da criao
dessas instituies no processo de formalizao do campo cultural e as
transformaes provocadas na gesto cultural, no reconhecimento da atividade
cultural como responsabilidade pblica, no aumento ou remanejamento de postos de
empregos pblicos, privados e no terceiro setor.
Para compreender o processo inicial de constituio das instncias
pblicas de cultura, fundamental recuperar as peculiaridades do ambiente
histrico-poltico brasileiro da dcada de 1980. Esse perodo foi marcado pela
discusso em torno da redemocratizao nacional, momento em que se direciona o
processo de distenso e abertura poltica depois de um perodo de
aproximadamente vinte anos de ditadura militar (1964-1984). Nessa poca, houve
um processo violento de censura poltica e, conseqentemente, represso no que
diz respeito liberdade de expresso de artistas e intelectuais contrrios ao regime
imposto pelo governo militar.
Nesse processo de redemocratizao, entre outros fatores, fundamental
ressaltar o papel dos movimentos sociais que se difundiram no Brasil desde o final
da dcada de 1970. Nos estudos de Sader (1988, p. 26), identifica-se algo de novo
emergindo na histria social do pas, quando novos atores comeavam a ocupar os
espaos pblicos. Grupos populares os mais diversos que irrompiam na cena
pblica reivindicando seus direitos, a comear pelo primeiro, pelo direito de
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reivindicar direitos. Em outras palavras, o autor refere-se, principalmente, aos
movimentos sociais que foram levados frente pelos sindicatos de trabalhadores,
como o dos metalrgicos, o dos professores, o dos bancrios, dentre outras
categorias que se manifestavam de forma mais contestatria no cenrio nacional.
Tanto que Sader (1998, p. 26) considera que muito provvel que na histria
poltica do pas o perodo entre 1978 e 1985 (portanto entre as greves do ABC e a
vitria de Tancredo Neves no Colgio Eleitoral) fique marcado como momento
decisivo na transio para uma nova forma de sistema poltico.
Um dos momentos marcantes da mobilizao popular com a finalidade de
redemocratizao poltica do Pas deu-se com o movimento das Diretas J, evento
para o qual milhares de pessoas foram conclamados, em todo o Brasil, a participar
de comcios em praas pblicas com o intuito de manifestar o sentimento de
patriotismo e cidadania em defesa da restaurao da liberdade de expresso
poltica. Estavam frente desse movimento lderes polticos, sindicalistas,
intelectuais e artistas da esquerda brasileira, que durante o perodo ditatorial foram
reprimidos ou at mesmo excludos da participao social, poltica, econmica e
cultural. Esse movimento, mesmo no tendo alcanado seu objetivo principal, que
era a realizao das eleies diretas no Brasil para Presidente da Repblica, tornou-
se irreversvel quanto ao processo contnuo da redemocratizao da nao
brasileira, uma vez que no mbito estadual as eleies diretas j haviam sido
conquistadas desde 1982.
nesse ambiente sociopoltico nacional de redemocratizao poltica do
Pas que se estruturaram as instituies pblicas de cultura no Brasil,9 sintonizado,
9 As primeiras secretarias de cultura foram as de So Paulo e Paran, ainda na dcada de 1970,conforme discusso apresentada por Duran em sua pesquisa pela Fundao Getlio Vargas.(DURAN, 2000.)
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ao mesmo tempo, com as transformaes sociais e econmicas, em que as relaes
globais estreitam as interligaes entre mundos distantes, influenciando as
mudanas que passaram a ocorrer de forma pontual e local. No caso especfico do
Brasil, como afirma Botelho (2000, p. 209),
a partir de 1982, as primeiras eleies diretas para os governosestaduais depois do golpe de 64 trouxeram as alteraes sensveisnas polticas regionais. Isso se traduziu imediatamente nofortalecimento da rea cultural, exemplificado pela multiplicao das
secretarias estaduais de cultura, anteriormente, em sua maioria,departamentos vinculados s secretarias de educao.
Cabe, no entanto, reforar a argumentao anterior quanto associao
do processo de redemocratizao nacional e o esprito que pairava na poca diante
da possibilidade de se reconquistar a liberdade de expresso elemento essencial
para o desenvolvimento cultural, segundo o ento Ministro da Cultura, Jos
Aparecido de Oliveira, quando questionado sobre a possibilidade de ouvir artistas e
intelectuais sobre a criao do Ministrio:
Isso essencial. Ns vamos, depois dessa pgina virada da histria,agregar esforo comunitrio os criadores, os produtores e osconsumidores de cultura. No caso, ns vamos promover um amplodebate nacional, uma ampla discusso para que o Ministrio da
Cultura possa nascer dentro da emoo e da retomada do espao daliberdade.(ESTADO DE MINAS, p. 5.)
No caso especfico de Minas Gerais, existia a Coordenadoria de Cultura,
vinculada Secretaria de Governo. Seguindo o movimento nacional desse perodo,
em 1983 foi criada a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais,10 ainda no
10 Lei n. 8.502, de 19/12/83 Cria Sistemas Operacionais e Secretarias de Estado e d outrasprovidncias e no Decreto n. 23.512, de 6/4/1984, que dispe sobre o Sistema Operacional deCultura, organiza a Secretaria de Estado da Cultura e d outras providncias (retificado no MinasGerais de 25 maio 1984.
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governo de Tancredo Neves, substituindo a instituio anterior. Esse rearranjo
institucional para a criao da Secretaria de Cultura como rgo poltico
independente ocorreu, aparentemente, sem muita polmica pblica em torno da
questo. Machado (2002) refere-se a um episdio desse perodo de criao da
Secretaria que poderia integrar alguma antologia da velha poltica mineira. Quando
o ento Governador eleito estruturava a sua equipe de secretariado, referiu-se ao
futuro Secretrio de Cultura com a seguinte observao:
Olha, nesse assunto no meto. Essa uma secretaria semoramento, que no elege ningum, mas eu no me arrisco aescolher um nome. Se escolho algum que no do ramo, no diaseguinte uma gente barulhenta se instala bem aqui na porta doPalcio, vai para os jornais, ridiculariza, e faz at enterro do futurosecretrio na Praa da Liberdade. Deixa isso com eles, afinal, nofaz l muita diferena e me livro dessa amolao (p. VIII).
Apesar dessa concepo do setor cultural, no que se refere ao ambiente
mais amplo dos setores culturais, o Governador atendeu aspirao da prpria
classe cultural, que era ter uma Secretaria de Estado da Cultura. Assim, essa
secretaria surge como continuidade da Coordenadoria, fruto da demanda de parte
da classe artstica e do compromisso assumido em campanha poltica.11
Ao contrrio, no mbito federal, a criao do Ministrio da Cultura,12 em
1985, reverberou de forma muito mais ampla a discusso em torno de sua
estruturao e da necessidade de uma instncia nacional de debate pblico de
11 Uma das entrevistadas para esta pesquisa, que teve um papel fundamental neste processo dereconstituio histrica da rea pblica de cultura do Estado de Minas Gerais, afirmou que houveum movimento setorial, principalmente da classe artstica, para a criao da Secretaria. Havia um
compromisso poltico, sem dvida, pois era a evoluo natural da Coordenadoria tanto que oprimeiro secretrio foi o prprio coordenador (Jos Aparecido de Oliveira). (Alice.)
12 O Mistrio da Cultura foi criado pelo Decreto n. 91.144, de 15 de maro de 1985.
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cultura, na qual, como veremos, a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais
vai ocupar papel preponderante nesta histria.
A criao do Ministrio teve como ponto de partida as discusses entre os
secretrios de Cultura brasileiros durante os Fruns Nacionais de Secretrios de
Cultura, que j aconteciam desde 1982. Em 1984, foi realizado o III Frum Nacional
de Secretrios de Cultura,13 considerado um marco no processo de mobilizao para
a criao do Ministrio da Cultura. Conforme Botelho (2000, p. 213), a militncia
desses secretrios, atravs da promoo peridica de seus encontros nacionais,
congregou a ateno da imprensa e do governo federal e conseguiu preparar um
clima de irreversibilidade com relao criao de um Ministrio da Cultura.
Ressaltamos que, nesse momento, o ento Governador de Minas Gerais,
Tancredo Neves, participou da solenidade de abertura, em Ouro Preto, do I Encontro
de Poltica Cultural, organizado paralelamente ao Frum Nacional de Secretrios. No
entanto, os secretrios, cientes de que fora ele o responsvel pela criao da
Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais em 1983, acreditaram que, ao ser
eleito Presidente da Repblica, Tancredo estava indiscutivelmente comprometido
com a criao do Ministrio da Cultura e, mais uma vez, o deputado Jos Aparecido
de Oliveira era considerado o candidato natural ao cargo de ministro. (BOTELHO,
2000, p. 213.) Poerner (1997, p. 39) afirma que a criao desse Ministrio se deu
em razo da ampliao da abertura democrtica do Pas e no bojo do movimento
dos Fruns Nacionais de Secretrios da Cultura.
O I Encontro de Poltica Cultural foi organizado pelo governo estadual de
Minas Gerais, mais especificamente por sua recm-criada Secretaria de Cultura, em
parceria com a Prefeitura e a Universidade Federal de Ouro Preto, e contou com a
13 Ocorrido em 21 de abril de 1984.
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participao de intelectuais de vulto como Jos Mindlin, Darcy Ribeiro, Celso
Furtado, dentre outros.
Esse encontro foi o grande diferencial nesse perodo histrico, pois
instigou a discusso sobre oito temas centrais e relevantes para o cenrio cultural,
trazendo tona, conseqentemente, a reflexo sobre novos problemas conceituais
tais como os referentes Relao entre Estado e a sociedade civil na Produo e
Preservao Cultural; A Comunicao Social na Cultura; Preservao do Patrimnio
Cultural: Patrimnio Arqueolgico, Histrico Artstico e Natural; Etnias e Identidade
Cultural; Indstria Cultural e Identidade Cultural; Educao e Identidade Cultural;
Preservao do Patrimnio Cultural: Produo e Circulao dos bens culturais
consagrados e no consagrados; Fontes Alternativas Pblicas e Privadas para
Financiamento da Cultura; Cultura Brasileira e, por fim, Cultura e Desenvolvimento.
(ESTADO DE MINAS, p. 6.) Assim, alm desse temrio abrangente, o frum, na
viso de Poerner (1997, p. 46), tambm se propunha a ser uma srie, que
representasse para essa poltica o que as reunies da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Cincia (SBPC) significam para a rea cientfica e tecnolgica.
A criao do Ministrio da Cultura nos idos de 1985, poca em que deixa
de ser uma Secretaria de Cultura vinculada ao Ministrio da Educao e Cultura,
considerada, na opinio de Jos Aparecido de Oliveira, primeiro Ministro da Cultura,
um grande avano na histria poltica cultural do Pas, pois a tarefa educativa
imensa e desafiadora. Os assuntos da cultura no MEC esto sempre colocados em
plano secundrio porque os graves problemas da educao, por si ss, bastam para
ocupar o Ministrio. O C continua letra muda na sigla do MEC. (ESTADO DE
MINAS, p. 5.)
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Contrrio a esse ponto de vista apresentado anteriormente, Botelho
(2000, p. 215) afirma que a demanda por um ministrio no se devia s exigncias
provocadas pela prpria poltica cultural que porventura necessitasse de uma
estrutura mais complexa para dar conta de seus objetivos, mas sim em funo das
expectativas polticas dos responsveis pelas secretarias estaduais. O Ministrio da
Cultura, em seu primeiro ano de vida, apresentou um quadro de vulnerabilidade em
razo da sua estrutura frgil e da pouca representatividade perante demais rgos
federais. No foi criado a partir de bases reais e necessrias para se estruturar uma
instituio do porte de um ministrio, pois no tinha, naquele momento, uma base
forte que lhe proporcionasse capacidade de articulao poltica suficiente para lutar
por um oramento prprio e condizente com as demandas do setor. Tampouco
possua um quadro de funcionrios especializados para ocupar todas as funes
inerentes ao porte da instituio, tanto que, na viso dos tcnicos da Secretaria de
Cultura e das instituies a ela vinculadas, estavam todos de acordo em um aspecto:
como j pregava Alosio Magalhes, preferiam uma secretaria forte a um ministrio
fraco e sem prestgio. (BOTELHO, 2000, p. 215.)
Ressaltamos que o primeiro Ministro da Cultura, Jos Aparecido de
Oliveira, deixou a pasta nos seus trs primeiros meses para ocupar outro cargo
pblico, assim, o desprestgio do novo Ministrio tornou-se mais evidente com a
dificuldade do preenchimento do cargo14 e com a sucesso de cinco ministros em
quatro anos. Na verdade, entre 1985 e 1993 foram nomeados nove ministros, o que
corresponde a um ministro por ano. (OLIVIERI, 2004, p. 35.) Esse fato que o deixou
14 Esta a relao dos ministros da Cultura de 1985 a 2005: Jos Aparecido de Oliveira (1985 e em
1988, segundo mandato); Alosio Pimenta (1985/1986); Celso Furtado (1986/1988); Hugo Napoleo(1988); Ipojuca Pontes (1990/1991); Srgio Paulo Roaunet (1991/1992); Antnio Houaiss (1993);Jernimo Moscardo (1993); Luiz Roberto Nascimento e Silva (1993/1994); Francisco Weffort(1995/2002); e Gilberto Gil (2003).
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em uma situao de instabilidade no que se refere estrutura organizacional no
mbito do governo federal. Botelho (2000, p. 265) concluiu, portanto, que a
criao prematura do Ministrio da Cultura, baseada em premissasalheias s efetivas necessidades da poltica cultural do governofederal naquele momento, ao invs de reforar o prestgio e aconscincia da rea, foi, ao contrrio, fator de desarticulao edesmoralizao. O principal motivo do fracasso foi, no meu entender,o papel preponderante do jogo da poltica mida que descaracterizoucontedos, reduzindo o debate a uma disputa de poder interno.
Constatamos, a partir da anlise de autores como Botelho (2004), Duran
(2000), Poerner (1997), Olivieri (2004), dentre outros, que a institucionalizao
pblica da cultura foi inicialmente formalizada sem um processo intenso de
mobilizao por parte da classe artstico-cultural, que ainda se encontrava distante
desse aparato institucional pblico. Principalmente em mbito nacional, no havia
uma percepo coletiva da importncia do papel da cultura no contexto extenso da
sociedade contempornea e da atuao das instncias pblicas de cultura como
rgos responsveis por estabelecer as diretrizes bsicas para o delineamento da
poltica cultural em consonncia com os demais rgos que compem a
Administrao Pblica. Esse posicionamento faz da experincia brasileira, advinda
do incio da dcada de 1980, um sistema pblico de cultura excessivamente frgil,
descontnuo e dependente das flutuaes polticas governamentais. Expressa uma
cultura poltica na qual, como afirma Ruas (1998, p. 740), as agncias envolvidas
nas polticas pblicas so forte e diretamente afetadas pelas preferncias,
convices, compromissos polticos e idiossincrasias pessoais diversas dos seus
escales mais elevados.
Ao final da dcada de 1980, j tinham sido criadas as Secretarias de
Cultura do Estado de Minas Gerais e de outros de Estados brasileiros, bem como o
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Ministrio da Cultura, embora sem muita fora poltica nos governos, mas capazes
de propagar para outros Estados e Municpios esse mesmo esprito de organizao
das instncias pblicas de cultura. A realizao consecutiva dos Fruns de
Secretrios durante as dcadas de 1980 e 1990 muito contribuiu para a propagao
desse novo posicionamento do Poder Pblico diante do setor cultural, que contou,
ainda, com uma conjuntura poltica nacional favorvel e uma viso mais abrangente
do campo da cultura.
1.2.1 Criao da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte: breve
histrico
No caso especfico da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte,
ser apresentado um breve histrico relativo trajetria da constituio do setor
cultural no processo interno da administrao pblica municipal da cidade, desde a
dcada de 1960 at a sua criao como Secretaria de Cultura no final das dcadas
de 1980. Esse fato forneceu-nos elementos de anlise, de forma mais abrangente,
do prprio processo de complexidade do campo cultural.
Assim, inicia-se em 1967 a reforma administrativa determinada pela Lei n.
1.379, de 7 de julho de 1967, em cujo 4 estava previsto: Constituiro a Secretaria
Municipal de Educao e Cultura o atual Departamento de Educao e Cultura,
excetuando o Servio de Turismo, e Seco de Cinema Educativo. Quase cinco
anos depois, em 1972, o Decreto n. 2.203 disps sobre a estrutura administrativa da
Secretaria Municipal de Educao e Cultura, que deveria ser organizada de forma a
atender demanda de ensino e aos dispositivos legais que disciplinam a matria.
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Nessa estrutura, vinculou-se rea cultural o Departamento de Cultura
formado, ento, pelo Setor de Projeo e Som; Teatro Francisco Nunes; Museu
Ablio Barreto e Museu de Arte.
Exatamente um ano depois, em maio de 1973, criou-se, pela Lei n. 2.185,
de 14 de maio, a Secretaria Municipal de Cultura, Informao, Turismo e Esportes,
com as seguintes atribuies:
I estimular e promover o desenvolvimento da cultura artstica ecientfica no Municpio; II promover a realizao de espetculosartsticos, congressos e exposies culturais; III estimular odesenvolvimento das atividades tursticas, recreativas esportivas noMunicpio; IV estudar, propor bases para a concesso de auxlios esubvenes a instituies culturais, tursticas, recreativas eesportivas em geral; V promover a divulgao das atividades doExecutivo Municipal.
Assistimos, nesse momento, desassociao entre o mbito cultural e o
campo educacional, ficando a cultura atrelada s questes mais especficas dos
setores artsticos, tursticos e de entretenimento. Esse fato trouxe conseqncias
profundas que sero identificadas no final do sculo XX, quando se passou a discutir
novamente a necessidade de se estreitar a relao entre cultura e educao como
processo de desenvolvimento econmico-social e humano.
Em 1977, a recm-criada Secretaria Municipal de Cultura, Informao,
Turismo e Esportes passou a denominar-se Secretaria Municipal de Cultura, Turismo
e Esportes pelo Decreto n. 3.150, de 10 de novembro. Quanto ao departamento de
cultura, ficaram definidas as seguintes reas de atuao: I sistema de cultura,
com o objetivo de planejar, coordenar e orientar as atividades culturais, artsticas e
cientficas do Municpio. Nesse perodo, introduziu-se o papel do Poder Pblico
como incentivador e planejador das aes culturais do municpio, o que, dentre
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outras coisas, contribuiu para a elevao e aprimoramento do nvel educacional,
artstico e cultural da populao e promoveu o tombamento e a conservao dos
monumentos existentes no Municpio, catalogando-os e divulgando dados a eles
relativos. Esses temas ainda no tinham sido considerados como atribuio pblica
municipal da rea da cultura. O que corrobora a noo de que nesse perodo, mais
precisamente, inicia-se a complexificao do campo da cultura no mbito do Poder
Pblico belo-horizontino, quando so introduzidos novos problemas e novas
abordagens para o setor, tais como incentivar, planejar, coordenar e promover a
cultura, atualizar e ampliar acervos; controlar e fiscalizar o patrimnio artstico e
cultural da Prefeitura e dos monumentos existentes no Municpio.
Em 1983, seis anos mais tarde, a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio
do Decreto n. 4.489, de 13 de julho, disps, mais uma vez, sobre a organizao
administrativa municipal. Criou uma secretaria especfica para o setor de esportes,
Secretaria Municipal de Esportes, e outra especfica para o setor cultural e o de
turismo. A ento criada Secretaria Municipal de Cultura e Turismo tornou-se o rgo
responsvel pela
execuo da poltica de cultura e de turismo do Municpio; pela criaode programas, projetos e atividades relacionadas com a conservao ea manuteno do patrimnio histrico, cientfico, cultural e artstico; pelaadministrao dos museus e dos teatros municipais; pela administraode reas e locais de interesse turstico; pela coordenao e execuodos programas, projetos e atividades relativos promoo e certamesculturais e tursticos do Municpio; bem como pela coordenao eadministrao de promoes de feiras de arte ou de artesanatopopular. (Decreto n. 4.489, de 13/7/1983.)
Pela primeira vez foi mencionado o termo de responsabilidade quanto
execuo da poltica de cultura e de turismo. At aquele momento no havia sido
registrada qualquer referncia a uma concepo de poltica de cultura, fato que
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indica o incio do processo de reconhecimento desse setor, embora ainda longe de
ser colocada como estratgia de governo. Os debates nacionais sobre poltica
pblica de cultura foram incorporados poltica pblica da Prefeitura de Belo
Horizonte. Pelo menos o que se presencia quando se acompanha a trajetria do
setor cultural da cidade, comparando-a aos acontecimentos do setor em nveis
estadual e nacional, onde tais temas relativos poltica cultural comeam a fazer
parte do corpo das leis e decretos que regulamentaram a criao das secretarias
municipais, neste caso, ainda de Cultura e Turismo. Dessa forma, esses novos
elementos para a rea cultural municipal esto em consonncia com a discusso de
poltica pblica nacional j estabelecida nos nveis dos governos estadual e federal,
bem como o processo de redemocratizao do Pas que vinha sendo construdo h
poucos anos.
Essa trajetria culminou com a criao da Secretaria Municipal de Cultura
de Belo Horizonte,15 em 1989, pela Lei n. 5.562, de 31 de maio de 1989, Seo IX.
Ela foi concebida no governo de Eduardo Azeredo como rgo pblico
independente, desvinculado da rea de turismo, apresentando no texto da lei que a
criou a finalidade de coordenar a poltica cultural do Municpio, planejando e
executando atividades, que visem ao desenvolvimento cultural e preservao e
revitalizao de seu patrimnio histrico e artstico. No prprio texto da lei, j se
identificam elementos que reportam complexificao do mercado cultural no final
da dcada de 1980, quando so reforadas terminologias como a poltica cultural, o
15 Essas alteraes no mbito do Poder Pblico municipal de Belo Horizonte tiveram mais uma
recente reorganizao administrativa significativa, quando por meio do Decreto n. 11.929, de 28 dejaneiro 2005, a Secretaria Municipal de Cultura foi transformada em Fundao Municipal de Cultura,estando vinculada diretamente ao gabinete do Prefeito. Essa Fundao tem por finalidade planejare executar a poltica cultural do Municpio com atividades que visam ao desenvolvimento cultural.
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planejamento e o desenvolvimento cultural da cidade, e no s mais a idia de
preservao de patrimnio, mas tambm a sua revitalizao.
No entanto, essa Secretaria foi criada sem discusso pblica perante a
classe de artistas e tcnicos do setor em torno de sua nova constituio. Nem
mesmo a imprensa local se manifestou.16 O que se pode averiguar, diante dessa
situao, certa fragilidade desse campo, visto como pea pouco representativa na
estratgia pblica de governo, em que se altera a estrutura por meio de leis e
decretos, sem, necessariamente, uma proposta poltica para tais mudanas e
reconfiguraes institucionais, tampouco uma discusso ampla com o setor cultural
da cidade.
Por outro lado, foi possvel acompanhar a transformao crescente do
papel da cultura na organizao pblica do municpio, mesmo que por meio de leis e
decretos, deixando de ser departamentos culturais vinculados s secretarias de
Educao ou Turismo e/ou Esportes. Essa foi uma trajetria de aproximadamente
vinte anos para que o setor cultural municipal adquirisse maior independncia de
outras reas, chegando Secretaria de Cultura, no final da dcada de 1980, na
estrutura poltica da cidade. Esse percurso traado por essa instituio, conforme se
constatou, demonstrou um processo de fortalecimento da rea no municpio de Belo
Horizonte, reflexo da conjuntura estadual e nacional que j estavam se estruturando
como instituio pblica de cultura autnoma desde 1983.
Um aspecto problemtico desse percurso refere-se falta de dilogo
estreito entre os diversos setores da sociedade e a baixa definio quanto s
16 Fez-se um levantamento em um dos principais jornais impressos mineiros e no foi encontrado
nenhum artigo ou matria de maior relevncia que fizessem referncias a esse fato. (ESTADO DEMINAS,1983, 1984, 1985, 1988 e 1989.)
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prioridades de ao diante de problemas sociais e econmicos emergentes, o que
dificulta uma articulao mais estruturada, seja ela pblica e/ou privada, entre
setores como a educao, a economia, o turismo, o meio ambiente, dentre outros.
Parte-se do pressuposto de que uma instituio subdividida em reas distintas, mas
desvinculada de uma estratgia conjunta de atuao, torna-se frgil e ineficiente.
A no-reverso desse quadro de desarticulao poltica entre as demais
reas que compem o Poder Pblico pode gerar conseqncias profundas no
sentido de se encaminhar para a construo do campo da cultura de forma isolada
quando seria desejvel uma articulao poltica e econmica com outras reas
constituintes da sociedade. Ruas (1998, p. 740) afirma que as polticas, muito
freqentemente, emperram devido competio int