20
GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO2 e a casa de farinha: o Programa Bolsa Floresta e os rearranjos socioambientais na RDS do Rio Negro, AM. Rafael Carletti Universidade Federal de São Carlos CAPES/FAPEAM Resumo A emergência das mudanças climáticas e a consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável, configuram-se como paradigmas modernos da atual questão ambiental. Discutidos nas Convenções do Clima e em Conferências globais sobre o meio ambiente, esses paradigmas, para além de estabelecerem marcos institucionais, têm, como função, estipularem parâmetros para as tomadas de decisões e implementação de políticas voltadas ao enfrentamento da crise ambiental. No que se refere às mudanças climáticas, sua identificação e reconhecimento, refletem o atual nível de desenvolvimento da sociedade capitalista urbano-industrial e suas consequências devido à elevada emissão de gases poluentes para a atmosfera. O desenvolvimento sustentável, por sua vez, tem operado como um conceito norteador de pretensas mudanças no modelo de organização da sociedade vigente, bem como subsidiado uma série de medidas no intuito de mitigar os efeitos da degradação ambiental sobre os ecossistemas. Ancorado nesses paradigmas, o Programa Bolsa Floresta está fundamentado no Pagamento por Serviços Ambientais, levando em conta ações que diminuam a emissão de gases de efeito estufa. Conectando a Amazônia com processos globais e tomando-a como espaço para resolução da crise ambiental por meio da valoração dos seus recursos naturais, o Programa enseja um rearranjo no modo de vida das populações beneficiárias que vivem em áreas protegidas, interferindo na maneira como esses grupos se reproduzem histórica, social e materialmente. Palavras-chave: Serviços Ambientais, Desenvolvimento Sustentável, Povos Tradicionais; Política Ambiental

GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global

O CO2 e a casa de farinha: o Programa Bolsa Floresta e os rearranjos

socioambientais na RDS do Rio Negro, AM.

Rafael Carletti Universidade Federal de São Carlos

CAPES/FAPEAM

Resumo

A emergência das mudanças climáticas e a consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável, configuram-se como paradigmas modernos da atual questão ambiental. Discutidos nas Convenções do Clima e em Conferências globais sobre o meio ambiente, esses paradigmas, para além de estabelecerem marcos institucionais, têm, como função, estipularem parâmetros para as tomadas de decisões e implementação de políticas voltadas ao enfrentamento da crise ambiental. No que se refere às mudanças climáticas, sua identificação e reconhecimento, refletem o atual nível de desenvolvimento da sociedade capitalista urbano-industrial e suas consequências devido à elevada emissão de gases poluentes para a atmosfera. O desenvolvimento sustentável, por sua vez, tem operado como um conceito norteador de pretensas mudanças no modelo de organização da sociedade vigente, bem como subsidiado uma série de medidas no intuito de mitigar os efeitos da degradação ambiental sobre os ecossistemas. Ancorado nesses paradigmas, o Programa Bolsa Floresta está fundamentado no Pagamento por Serviços Ambientais, levando em conta ações que diminuam a emissão de gases de efeito estufa. Conectando a Amazônia com processos globais e tomando-a como espaço para resolução da crise ambiental por meio da valoração dos seus recursos naturais, o Programa enseja um rearranjo no modo de vida das populações beneficiárias que vivem em áreas protegidas, interferindo na maneira como esses grupos se reproduzem histórica, social e materialmente.

Palavras-chave: Serviços Ambientais, Desenvolvimento Sustentável, Povos Tradicionais; Política Ambiental

Page 2: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

2

1. Introdução

Neste trabalho, apresento alguns resultados do projeto de doutorado

desenvolvido até o momento, o qual tem como objetivo geral compreender a

concepção e implementação do Programa Bolsa Floresta no estado do Amazonas,

e de que forma sua elaboração está conectada com processos mais amplos, de

ordem global, que tomam a Amazônia como pretensa solução da problemática

ambiental. O Programa foi criado em 2007 e está fundamentado no Pagamento

por Serviços Ambientais (PSA), levando em conta ações que diminuam a emissão

de gases de efeito estufa. A execução do Programa fica a cargo da Fundação

Amazonas Sustentável (FAS), uma organização não-governamental, criada pelo

governo do estado para captar e gerir os recursos que são aplicados nas 16 áreas

protegidas onde o Programa é implementado. O Bolsa Floresta é destinado aos

moradores de Unidades de Conservação (UCs) do Amazonas, os quais, segundo

as diretrizes dos PSA, são aqueles que zelam pelos serviços ambientais e que,

portanto, devem ser remunerados por isso.

O Pagamento por Serviços Ambientais é um instrumento baseado no mercado

para o financiamento da conservação e considera os princípios do usuário-pagador

e provedor-recebedor, segundo os quais aqueles que se beneficiam dos serviços

ambientais devem pagar por eles, e aqueles que contribuem para a geração desses

serviços, devem ser compensados financeiramente por proporcioná-los (WUNDER,

2005). Nesse sentido, o Programa Bolsa Floresta pretende ser uma compensação

financeira para os serviços prestados pelas populações tradicionais do Amazonas

que vivem nas Unidades de Conservação onde o Programa é executado.

Ocorre que essas Reservas geralmente são ocupadas por grupos sociais que

experimentam outro tipo de vínculo com a natureza e mantêm uma relação com o

meio diferente daquela vivenciada pela sociedade capitalista urbano-industrial.

Nesse sentido, desde o início dos anos 1990, tem sido atribuído um protagonismo

cada vez maior às chamadas populações tradicionais da Amazônia, pelas diversas

instituições e organismos que apoiam essas políticas, ora conferindo a elas a

responsabilidade pelo aumento da degradação das condições naturais, ora

outorgando-lhes o dever de cuidarem dos últimos remanescentes de recursos

disponíveis.

Page 3: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

3

De maneira geral, os grupos sociais que habitam territórios tradicionalmente

ocupados na Amazônia – e que agora estão sendo reconfigurados como áreas

protegidas – são pequenos agricultores familiares e aqueles que vivem da

exploração dos recursos naturais da floresta. De modo que as relações de

produção do campesinato amazônico, ainda guardam semelhança com formações

econômicas pré-capitalistas (MARX, 1964), configuradas, predominantemente,

pela criação de animais, cultivos agrícolas e pesca artesanal.

O Programa e a Fundação carregam em seus fundamentos as premissas

marcadamente atreladas à corrente conservacionista. Isto é, entendem que a

presença de pessoas vivendo em áreas protegidas, configura-se como uma

maneira de aliar desenvolvimento social e econômico e conservação da natureza.

Por meio desse reconhecimento e relacionado com as discussões ambientais na

esfera global, o Programa busca atender as demandas mundiais contemporâneas

de conservação da biodiversidade e redução das emissões de gases de efeito

estufa, ao mesmo tempo que intervém localmente na gestão dos recursos naturais

e no modo como as pessoas manipulam esses recursos.

Porém, para que o Programa fosse implementado, levando em consideração

as premissas do desenvolvimento sustentável, dos PSA e a redução da emissão

de gases de efeito estufa, uma série de medidas restritivas de acesso a bens e

recursos naturais precisou ser adotada. Via de regra, essas medidas estão contidas

na legislação ambiental imposta aos grupos sociais no momento de transformação

dos seus territórios em UCs, impedindo, muitas vezes, a reprodução de práticas

tradicionalmente executadas pelas famílias dentro dessas áreas. Dentre essas

práticas, as principais limitações dizem respeito à agricultura, à criação de animais,

intervenção sobre a fauna silvestre (caça), pesca, extrativismo madeireiro e não

madeireiro.

Ao impedir que o agricultor amplie sua área de roçado e coloque fogo na

vegetação secundária como forma de fertilizar o solo – prática milenar executada

pelos povos originários –, os executores do Programa estão interferindo

diretamente no cultivo de culturas tradicionais, como a mandioca. Ao fazê-lo, a

produção da farinha – principal produto obtido a partir da mandioca – pode ter seu

rendimento diminuído. Esse tipo de intervenção, portanto, significa reduzir as

possibilidades de manter o modo de vida tradicional que assegura o sustento

Page 4: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

4

familiar, tanto no que diz respeito à alimentação, quanto no que se refere à geração

de renda para as famílias.

Dessa forma, o presente trabalho busca discutir de que maneira questões

mais amplas, debatidas na esfera do ambientalismo global, como as mudanças

climáticas e o desenvolvimento sustentável, reverberam em contextos locais, com

particularidades próprias, seja por meio da implementação de políticas ambientais,

seja pela internalização dessas questões no modo de vida de grupos sociais

específicos.

2. Metodologia

A metodologia utilizada neste trabalho, privilegiou métodos qualitativos de

pesquisa social. Nesta abordagem, estão inclusas a pesquisa e revisão

bibliográficas, análise documental e inserção no campo de pesquisa. Sobre o

levantamento bibliográfico, tenho dado especial atenção aos trabalhos sobre a

Amazônia produzidos por autores amazônidas. Há pelo menos três décadas, um

número relevante de pesquisadores, sobretudo do Pará e do Amazonas, vem

possibilitando um olhar sobre a Amazônia desde dentro, trazendo uma perspectiva

decolonial sobre a região. Debruçar-se sobre esses autores tem sido importante

para poder olhar para Amazônia sob um ponto de vista crítico, o mesmo adotado

pelo pensamento social produzido por esses intelectuais do Norte1.

Outro procedimento metodológico utilizado foi o levantamento documental.

Essa etapa do trabalho buscou a análise de três principais fontes, a saber: primeiro,

os relatórios de atividades anuais da Fundação Amazonas Sustentável, que vão

desde 2008 até 2020, ano da última publicação. Também foi feita análise da Lei

3.135/2007, que trata da Política Estadual de Mudança Climática, Conservação

Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e que deu origem ao

Programa Bolsa Floresta. Ainda, analisei também o Protocolo de Quioto, já que

este é o marco institucional das políticas ambientais pautadas no Pagamento por

1 Embora não cite com frequência os autores neste texto em específico, devido ao curto espaço e ao recorte

necessário, eles fazem parte do aporte teórico fortemente presente na escrita da Tese. Refiro-me à Marilene

Correa Silva Freitas, Renas Freitas Pinto, Luiz Fernando Sousa Santos, Marcio Sousa, Violeta Loureiro, Alex

Fiúza de Melo e Edna Castro.

Page 5: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

5

Serviços Ambientais, sequestro e comércio de carbono, além da difusão dos

instrumentos de mercado e que dá sustentação à referida Lei.

Por fim, a inserção no campo ocorreu na Reserva de Desenvolvimento

Sustentável do Rio Negro – RDS do Rio Negro. Das 16 UCs que fazem parte do

Programa, essa é a que está localizada mais próxima à cidade de Manaus. A partir

de Manaus – que funciona como um ponto de apoio em termos de estadia – é

possível chegar à Reserva tanto por via terrestre quanto por via fluvial2. A RDS

possui uma área aproximada de 103.000 hectares e abrange os Municípios de

Iranduba, Manacapuru e Novo Airão (Figura 1).

Figura 2. Mapa da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. Fonte: Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA, 2016).

A Reserva foi criada em 2008, pela promulgação da Lei 3.355/2008, e passou

a integrar o Corredor Central da Amazônia e o Mosaico de Áreas Protegidas do

Baixo Rio Negro3, além de fazer parte da Região Metropolitana de Manaus.

2 Por via terrestre, o acesso se dá pela rodovia AM-070 (Rodovia Manoel Urbano), trecho Manaus –

Manacapuru. Chegando próximo a Manacapuru, há ramais que dão acesso à Reserva. O acesso por via fluvial

ocorre por meio de barcos de recreio, partindo de Manaus em direção ao município de Novo Airão, pelo Rio

Negro. O tempo previsto de deslocamento de Manaus para percorrer toda a RDS é de 6 horas. 3 O Corredor Central da Amazônia (CAA), localizado integralmente no estado do Amazonas, é composto por

76 áreas protegidas, sendo 14 UCs Federais (seis de Proteção Integral e oito de Uso Sustentável), 14 UCs

estaduais (três de Proteção Integral e 11 de Uso Sustentável) e 48 Terras Indígenas, abrangendo 52 milhões de

hectares. O Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (MBRN) foi criado pela portaria n°. 483, de 14

de dezembro de 2010. Reúne 11 UCs Municipais, Estaduais e Federais de categorias diferentes e possui

7.412.849 hectares (CALDENHOF, 2013).

Page 6: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

6

Segundo seu Plano de Gestão, o último censo de 2016 contabilizou 791 famílias,

as quais estão distribuídas em 19 comunidades ao longo da calha do Rio Negro.

Dessas, 643 famílias estão inseridas no Programa Bolsa Floresta, totalizando 2.111

pessoas (FAS, 2018).

O trabalho de campo consistiu na realização do método conhecido como

observação participante, o qual possibilita, por meio da inserção nas atividades

vividas cotidianamente pelos moradores, ter uma noção aproximada da realidade

experimentada pelos comunitários dentro da Reserva, justamente por estar numa

posição privilegiada de obtenção de informações e conhecimentos mais

aprofundados daquele determinado grupo específico (VALLADARES, 2007). Assim

sendo, permaneci durante trinta dias na Reserva, alternando minha estadia na casa

de três famílias, as quais moram em diferentes comunidades. Pelo fato dessas

comunidades estarem localizadas em pontos bem distintos dentro da Reserva4, foi

possível apreender de forma significativa as percepções dos moradores levando

em conta essa grande abrangência.

3. Breve apresentação do Programa Bolsa Floresta

O Bolsa Floresta é um Programa que funciona por meio do Pagamento por

Serviços Ambientais, originado de uma política pública do governo do estado do

Amazonas, resultante da Lei 3.135/2007, que instituiu a Política Estadual de

Mudança Climática, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do

Amazonas (AMAZONAS, 2007). O PBF defende a conservação de serviços e

produtos ambientais, cujas premissas estão compreendidas em projetos de

redução de emissão de gases de efeito estufa (GEEs), por meio da conservação e

do manejo florestal e incremento no estoque de carbono, além dos projetos de

redução de emissão por desmatamento e degradação florestal (REDD+). Esse

mecanismo de mercado, dentre outros, permite o financiamento do Programa

(VIANA et al., 2008; VIANA, 2010).

As especificações do Programa são congruentes com o mecanismo de

REDD+, que leva em consideração os elementos delineados no Plano de Ação de

4 A RDS do Rio Negro é dividida em três polos (1, 2 e 3), sendo que o polo 1 fica mais ao norte da Reserva, o

polo 2 é centralizado e o polo 3 corresponde à parte Sul da Reserva. A localização geográfica, nesse caso,

permite a caracterização social, política e econômica das comunidades, dependendo de onde elas estejam.

Page 7: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

7

Bali5, uma vez que ambos se alinham com o objetivo da redução da emissão de

GEEs, ao mesmo tempo em que reconhecem o papel da conservação e gestão

sustentável das florestas e, consequentemente, da manutenção do estoque de

carbono nos países em desenvolvimento. O Programa também segue as diretrizes

estabelecidas nos projetos pautados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,

cuja adesão das comunidades e das populações que manifestem interesse em

participar desses projetos, deve ser voluntária. O próprio engajamento das

instituições ou organizações interessadas em desenvolver tais projetos, também

deve atender a premissa do voluntarismo.

Desenvolvido para atender os grupos sociais do interior da Amazônia –

sobretudo comunidades ribeirinhas –, uma série de atividades tidas como

preparatórias são realizadas nas comunidades onde se pretende implementar o

Programa. De início, é realizada uma oficina junto aos moradores, onde os técnicos

da FAS fazem uma introdução sobre o Programa, destacando seus principais

aspectos, como princípios, suas bases, metodologia, requisitos para participação,

abrangência do Programa e possíveis impactos de sua implementação naquela

comunidade. Ainda nesse primeiro momento, é realizada uma oficina onde se

discute temas referentes ao aquecimento global, às mudanças climáticas, à

conservação das florestas e ao pagamento por serviços ambientais, no sentido de

capacitar os moradores sobre as questões que dão sustentação ao Programa (FAS,

2019).

Uma vez cumprida essa etapa, cabe a família aceitar ou não participar do

Programa6. Como o Programa opera recompensando a unidade familiar, a adesão

independe que a comunidade como um todo opte por fazer parte da ação

conjuntamente. Assim sendo, a família que desejar aderir ao Programa, assina um

termo de compromisso e responsabilidade onde, além de se tornar beneficiária das

atividades previstas, deve atender a uma série de contrapartidas estabelecidas pela

5 O chamado Mapa do Caminho de Bali, com base nas recomendações do quarto relatório do Painel

Intergovernamental sobre Mudança do Clima, divulgado em 2007, define um roteiro com os princípios que

iriam guiar as negociações do regime global de mudanças climáticas a partir do segundo período do Protocolo

de Quioto (2013-2020). No Plano de Ação de Bali, foi apresentada uma proposta, encabeçada pelo Brasil e

outros países em desenvolvimento, de incluir a preservação das florestas na meta de redução das emissões de

carbono. Naquele momento, a contabilidade era feita apenas pela emissão de poluentes derivados de atividades

industriais. 6 Para aderir ao Programa, a família deve residir a pelo menos dois anos na Unidade de Conservação onde o

PBF é executado. Essa é uma das exigências da FAS.

Page 8: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

8

Fundação como garantia de cumprimento do termo. Essas contrapartidas envolvem

a anuência e o cumprimento de nove principais critérios estabelecidos pela

Fundação, quais sejam:

i) cumprir as regras do plano de gestão da Reserva onde vivem;

ii) compromisso de não-desmatamento em áreas de floresta primária;

iii) participação em oficinas de gestão participativa;

iv) adoção de medidas para prevenção de queimadas;

v) capacitação permanente em mudanças climáticas e serviços ambientais;

vi) realizar manejo adequado do fogo em áreas de roçado;

vii) estar associado e adimplente com a associação de moradores;

viii) garantir a presença dos filhos na escola;

ix) participar dos encontros de formação de lideranças;

3.1 Remuneração e subprogramas (componentes)

Bolsa Floresta Familiar: é o carro-chefe do Programa e foi o primeiro a ser

instituído pela Fundação. Este subprograma se refere ao pagamento mensal – e

permanente – de R$ 50,00 às famílias residentes nas UCs, que assumem as

contrapartidas contidas no termo de compromisso. O valor é obrigatoriamente pago

às mulheres – chefes de família – por meio de um cartão de crédito do Banco

Bradesco7. A definição do valor da recompensa mensal oferecida às famílias foi

delineada após “extensa discussão com atores públicos, privados e as

comunidades locais” (VIANA et al., 2013). Diferentemente de outros projetos

baseados nos PSA, o Bolsa Floresta privilegia a unidade familiar. Dessa forma, a

quantidade de famílias beneficiadas e a disponibilidade de recursos financeiros

impôs-se para a definição do valor a ser pago8.

Bolsa Floresta Renda: o componente Renda oferece infraestrutura, capacitação,

maquinário e organização das atividades econômicas, envolvendo oportunidades

de geração de renda no contexto de produção agroflorestal e extrativista das

comunidades. São elegíveis todas as atividades que não produzam desmatamento,

7 Para sacar esse valor, as mulheres beneficiárias do BF Familiar devem se deslocar até uma agência do

Bradesco no município mais próximo da UC onde moram. Vale ressaltar que os homens solteiros ou viúvos

também podem receber o Bolsa Floresta Família. 8 O programa atende mais de 9.400 famílias, totalizando quase 40 mil pessoas.

Page 9: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

9

que estejam legalizadas e que adicionem valor a floresta em pé. As ações são

realizadas, por exemplo, para agregar valor à produção de peixe, cacau, borracha,

castanha, frutas, óleos vegetais e outros produtos extrativistas (FAS, 2009).

Bolsa Floresta Infraestrutura Comunitária: este componente realiza ações de

apoio à infraestrutura comunitária e busca auxiliar o desenvolvimento nas áreas de

educação, saúde, saneamento, comunicação e transporte nas comunidades

ribeirinhas. As principais ações realizadas no sentido de melhorar a infraestrutura

das comunidades, envolvem a construção de casas de farinha, entrega de

ambulanchas9, instalação de aparelhos de rádio de comunicação, tanque para

criação de peixes, purificadores de água, casas de marcenaria, instalação de caixas

d´agua, reforma de escolas e casas de saúde, entre outros (FAS, 2010).

Bolsa Floresta Empoderamento Comunitário: por meio de ações que visam o

empoderamento, a Fundação busca fortalecer as organizações sociais de base

comunitária, estimulando a consolidação das atuais e futuras lideranças ribeirinhas

em Unidades de Conservação. As ações estão pautadas na qualificação de capital

humano, como formação político-cidadã, incluindo capacitação de conselheiros e

lideranças populares, promovendo a participação social e o fortalecimento do

protagonismo dos beneficiários na reivindicação dos direitos de cidadania (FAS,

2017).

Bolsa Floresta Empreendedorismo Ribeirinho: este subprograma pretende

desenvolver uma cultura empreendedora nas comunidades ribeirinhas da

Amazônia e atua em dois eixos temáticos: o de empreendedorismo ribeirinho e a

incubadora de negócios sustentáveis. O Programa busca levar os conceitos

básicos de gestão e do mercado para as cadeias produtivas, por meio de cursos,

consultorias, “fazedoria” e laboratórios de gestão, que são metodologias utilizadas

para a formação de empreendedores, propiciando alternativas para o

fortalecimento dos negócios locais, resultando em autonomia e protagonismo dos

grupos apoiados (FAS, 2016).

9 Ambulanchas são barcos motorizados adaptados para prestarem serviços de primeiros socorros às

comunidades ribeirinhas, geralmente promovendo o deslocamento até o pronto socorro ou hospital mais

próximo.

Page 10: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

10

3.2 Captação de recursos e investimentos

Em 2008, quando o governo do estado criou a Fundação Amazonas

Sustentável para ser a instituição executora e gerir o Programa, houve um aporte

de recursos por parte do próprio governo e de outras instituições privadas para que

o Programa pudesse ter início. Nesse momento, o governo do Amazonas realizou

uma doação no valor de 20 milhões de reais, a empresa Recofarma da Amazônia

– representante dos produtos Coca-Cola – doou mais 20 milhões e o Banco

Bradesco também fez uma doação na mesma quantia, além de se comprometer

com o repasse de mais 10 milhões nos cinco anos subsequentes – até 2013. Dessa

forma, a FAS iniciou as atividades do Programa com 60 milhões de reais em caixa

(FAS, 2008).

No início das atividades, esse montante foi aplicado em um fundo fiduciário –

Fundo FAS – do qual a FAS retira apenas os dividendos e reaplica nos

subprogramas do Bolsa Floresta. Esse fundo é gerenciado pela FAS em parceria

com o Bradesco (Bradesco Assessment Management) que, voluntariamente, isenta

a FAS de quaisquer taxas administrativas ou de serviços bancários. Além disso, o

Banco Bradesco mantém os custos operacionais com doações anuais, baseadas

no seu título de capitalização “Pé Quente” e na anuidade dos cartões de crédito.

Os dividendos do Fundo, garantem o pagamento do BF Familiar, que corresponde

a 30% das despesas. O restante do Programa depende de outras fontes de

financiamento10.

Além dos rendimentos obtidos com a aplicação dos recursos em fundos de

investimento, a FAS também conta com verbas provenientes dos setores público e

privado, e também de doações de pessoas físicas. No setor público, a Fundação

capta recursos por meio de editais e prêmios, agências e fundos ambientais e Leis

de incentivo a projetos socioambientais. O Fundo Amazônia, gerenciado pelo

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é uma das

principais fontes financiadoras da Fundação11. Mais de setenta empresas privadas

10 Segundo os relatórios de atividades publicados anualmente pela FAS, de 2008 até 2019, já haviam sido

investidos R$ 106.412.625,39 no Programa. 11 O Fundo Amazônia tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de

prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável

da Amazônia Legal. Seus principais doadores são (eram) o governo da Noruega (93,8%) e o da Alemanha

(5,7%). Para obter seus recursos, é necessário concorrer aos editais lançados pelo Fundo para aprovação de

Page 11: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

11

são parceiras do Programa, dentre elas merece destaque o Bradesco, a Coca-Cola,

a Samsumg, Instituto TIM, rede de hotéis Marriot, Natura e Lojas Americanas. Além

disso, a Fundação mantém relações institucionais com algumas organizações

internacionais, como o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano para o

Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD). Segundo seu último relatório de atividades, a FAS contava com 187

parceiros institucionais e 74 financiadores (FAS, 2019).

4. Amazônia: a periferia do capital no centro do debate ambiental

A criação e a elaboração do Programa Bolsa Floresta, fazem parte de uma

tendência surgida no início dos anos 2000 – após a promulgação do Protocolo de

Quioto – que busca, por meio de políticas públicas ambientais, amenizar os

impactos causados pela contínua expansão das forças produtivas sobre as

condições naturais, utilizando-se dos novos instrumentos de mercado para o

enfrentamento da crise ecológica (CARNEIRO, 2005). Via de regra, as políticas

ambientais implementadas no início deste século, assumem os pressupostos do

desenvolvimento sustentável, o qual considera a necessidade de manutenção do

crescimento econômico aliado a diminuição das desigualdades sociais e redução

da pobreza, ao mesmo tempo em que advoga pela preservação dos recursos

naturais e pelo equilíbrio ecossistêmico.

Aliado a isso, a difusão do risco planetário acarretado pelas mudanças

climáticas, tem suscitado discussões e à implementação de práticas que visam

converter a Amazônia no epicentro das intervenções a fim minimizar os efeitos do

aquecimento global. Diante de suas características superlativas, sabe-se, hoje, da

sua importância para regulação do clima do planeta, para o regime de chuvas,

sequestro e armazenamento de carbono, entre outras funções ecossistêmicas

desempenhadas pela floresta (MENEZES; BRUNO, 2017).

Ao mesmo tempo, há a compreensão de que os impactos severos da

alteração do clima poderiam comprometer de forma irreversível seus ciclos

biogequímicos, por conta da transformação causada na sua cobertura vegetal,

decorrentes de um possível processo de desertificação – ou savanização (NOBRE;

projetos. Nesses quatorze anos de existência, a FAS teve dois grandes projetos aprovados, conseguindo captar

aproximadamente R$ 51.000.000,00. O prazo de execução do último projeto aprovado terminou em 2019.

Page 12: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

12

NOBRE, 2002). Esse cenário de vulnerabilidade, tem se traduzido cada vez mais

em ações e táticas diversas promovidas por organizações estatais e não

governamentais dirigidas para implementação de políticas para Amazônia

(MENEZES; BRUNO, 2017).

Como a preocupação mundial em torno das mudanças climáticas nos países

em desenvolvimento diz respeito, sobretudo, às ações relacionadas ao

desmatamento, o entendimento de que as florestas poderiam exercer o papel

mitigador por serem grandes reservatórios e sumidouros de gases poluentes –

especialmente o carbono – tornou-se um trunfo geopolítico importante para as

regiões com alta densidade de ecossistemas preservados, como é o caso do

estado do Amazonas. Àquela altura – meados dos anos 2000 – as discussões

travadas nas Convenções do Clima, especialmente nas Conferências das Partes

(COPs), apontavam que a solução para o aumento da temperatura oriunda da alta

concentração de gases poluentes, passaria pelo desenvolvimento de inciativas que

mitigassem as emissões, sem que se alterassem, necessariamente, as atividades

econômicas causadoras do aquecimento do planeta.

Esse diagnóstico e a proposição ao enfrentamento da problemática ambiental,

tem se mostrado como uma contradição central nas políticas públicas ambientais,

uma vez que a ideia de desenvolvimento econômico – pensada como uma linha

evolutiva infinita – não pode ocorrer sem que haja disponibilidade – também

ilimitada – de exploração das condições naturais. Ainda, como a maior parte das

atividades econômicas envolvendo, por exemplo, o comércio de carbono, se dão

nas transações ocorridas no mercado financeiro, a quantidade de capital

acumulada é muito maior do que aquela empenhada nas atividades de comércio e

produção. De modo que as políticas ambientais pautadas no desenvolvimento

sustentável podem contribuir para o aumento das desigualdades e reprodução da

pobreza, sem que haja, necessariamente, redução dos danos ambientais.

Atento às tratativas que se desenrolavam na esfera global, o governo

amazonense passou a investir esforços na criação de órgãos administrativos

voltados ao meio ambiente, bem como na criação e expansão de áreas protegidas

no estado, num processo conhecido como estadualização das políticas ambientais

(NASCIMENTO, 2000). Assim sendo, entre os anos de 2003 e 2007, o estado criou

as primeiras estruturas governamentais direcionadas para a regulamentação e

Page 13: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

13

fiscalização das atividades ambientais. Nesse período, foram instituídos o Centro

Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), o Centro Estadual de Mudanças

Climáticas (CECLIMA), a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS), e o

Instituo de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM)12.

Nesse mesmo ciclo, o Amazonas privilegiou a criação de Unidades de

Conservação estaduais como principal medida para conter o avanço do

desmatamento no estado. Essas medidas foram marcadas por três momentos

distintos. O primeiro, durante os anos de 2002 e 2003, quando o estado saltou de

12 para 18 Unidades de Conservação. O segundo período, correspondeu aos anos

de 2004 e 2005, sendo o momento mais significativo, quando o estado passou de

19 para 31 UCs. E, por último, o período entre 2008 e 2010, quando houve um

aumento de 31 para 42 Unidades de Conservação – número que permanece até

hoje. No total, o Amazonas aumentou em 242% a extensão de áreas protegidas

estaduais, passando de 7,4 milhões de hectares em 2003, para 19 milhões em

2010. Por conta disso, hoje, 58% do território do Amazonas é coberto por áreas

protegidas13, que o torna o estado da Amazônia Legal com maior área de floresta

preservada, tendo 98% do seu território coberto por vegetação nativa. (STERCI;

SCHWAICKEIRDT, 2010; VIANA et al., 2013).

A mudança de orientação e a institucionalização da questão ambiental pelo

estado, não ocorreram sem que houvesse a elaboração e implementação de

legislação ambiental rigorosa e o fortalecimento dos órgãos de fiscalização. No

Brasil, as Unidades de Conservação que se enquadram na categoria de uso

sustentável – ou seja, que permitem a presença de pessoas – tem nos seus Planos

de Gestão e Plano de Manejo, o horizonte jurídico que norteia as práticas que são

permitidas no interior dessas áreas. Por mais contraditório que possa parecer, as

principais limitações dizem respeito justamente ao acesso de bens e recursos

naturais utilizados tradicionalmente pelos grupos sociais locais, os quais

representam, principalmente, restrições alimentares e no rendimento econômico

das famílias.

12 Ao longo do tempo e depois desse período específico, o estado do Amazonas criou outras autarquias na

esfera ambiental, como o Departamento de Mudanças Climáticas e Gestão de Unidades de Conservação

(DEMUC) e o Departamento de Gestão Ambiental, Territorial e Recursos Hídricos (DEGAT). 13 As áreas protegidas no Amazonas estão distribuídas da seguinte maneira: 27% Terras Indígenas; 17% UCs

Federais; 13% UCs estaduais e 1% UCs municipais.

Page 14: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

14

Na RDS do Rio Negro, o Plano de Gestão da Reserva estabelece regras de

uso dos recursos naturais, os quais dizem respeito, principalmente, às novas

diretrizes em relação ao exercício das práticas agrícolas e econômicas que podem

ser desempenhadas pelos moradores. Dentre essas, estão regras de agricultura,

de criação de animais, de intervenção sobre a fauna silvestre (caça), pesca,

extrativismo madeireiro e não madeireiro e limitação para abertura de novas áreas

de roçado. Todas essas atividades, algumas delas essenciais para a sobrevivência

das famílias, sofreu algum tipo de restrição. A mais importante foi em relação à

extração de madeira, que representava a principal fonte de renda dos moradores e

agora é proibida, a não ser se efetuada mediante plano de manejo florestal.

Segundo Menezes e Bruno (2017), essa burocratização faz parte de um

“pacote ambiental” previamente estabelecido para ser oferecido e acatado pelas

comunidades amazônicas residentes em Unidades de Conservação, naturalmente

percebidas como potencialmente predatórias e cuja aptidão para a sustentabilidade

deve ser induzida por meio de capacitações para a manutenção de condições

ambientais ideais. Esta normatização traz consigo a criminalização das formas

tradicionais de uso e ocupação do solo e recursos naturais em geral nas, agora,

áreas protegidas.

Para as autoras, buscar controlar este modo de relação com o meio ambiente

produz um risco para a manutenção da segurança alimentar dos moradores destas

áreas, além de se configurar como um paradoxo proibir o uso das condições

naturais que servem de pressuposto para categorização dessas comunidades.

Coibir cultivos agrícolas, determinando-se o tamanho máximo dos roçados ou

cercear a abertura de novas roças e criação de pequenos animais, significa reduzir

as possibilidades de manter o modo de vida tradicional que assegura o sustento

familiar, tanto no que diz respeito à alimentação, quanto no que se refere à geração

de renda.

5. O engajamento dos povos tradicionais ao (sub) desenvolvimento

sustentável

Na Amazônia, com o avanço cada vez maior das áreas desmatadas e com o

entendimento de que as áreas protegidas representam uma alternativa à mitigação

da mudança do clima, algumas formulações contemporâneas que remetem à ideia

Page 15: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

15

do bom selvagem ecológico14, reaparecem como recurso discursivo a serviço do

ambientalismo. Com efeito, classificações como camponeses, extrativistas,

ribeirinhos, quilombolas e caboclos amazônidas, ganharam status de guardiões da

floresta, cabendo a eles a importante tarefa de manter a floresta em pé. No bojo

desse discurso, há a exaltação da tradicionalidade que, de certa forma,

homogeneiza e essencializa os grupos sociais da Amazônia, conferindo a eles um

estado puro e uma autossuficiência inexistente na sua totalidade e incompatível

com a atual globalização da sociedade capitalista.

Não raro, as políticas ambientais desenvolvimentistas são aplicadas nos

países do Sul, os quais devem perseguir os níveis de desenvolvimento dos países

do Norte, mas sem comprometer seus ecossistemas. Estes últimos, em

contrapartida, apostam no conceito de modernização ecológica15, buscando investir

em inovações tecnológicas para soluções ambientais, sem que haja perda nas suas

atividades econômicas. Tendo em vista que os países subdesenvolvidos são os

maiores detentores dos recursos naturais, recai sobre eles a necessidade – e a

responsabilidade – de cuidar das últimas reservas de valor disponíveis no planeta.

A difusão desse discurso e a exaltação dos povos da floresta é importante,

pois as políticas ambientais dependem do engajamento e da participação ativa

dessas pessoas. Quando essas políticas são implementadas por organizações

não-governamentais, por exemplo, a ideia de governança aparece como atrativo

maior para a capitulação das comunidades. Por meio de práticas que visam o

fortalecimento das parcerias e do empoderamento, espera-se a adesão massiva

desse público-alvo, apresentando como compromisso, a inserção desses sujeitos

nas arenas de negociação que geralmente se dão em espaços não estatais – como

os conselhos deliberativos – mas com a presença governamental e do setor

privado. Uma das características dessas políticas ambientais, é que elas dependem

de adesão voluntária dos seus beneficiários, o que demanda, por parte dos agentes

que as implementam, a elaboração de inúmeras estratégias de convencimento, que

14 Termo cunhado por Redford (1991), no sentido de questionar a visão romantizada, muitas vezes atribuída às

populações ou povos tradicionais, como se sua relação com o meio onde vivem fosse essencialmente

harmônica, sem que houvesse nenhum tipo de interferência negativa na natureza. 15 Segundo Blowers (1997), modernização ecológica designa o processo pelo qual as instituições internalizam

preocupações ecológicas, no propósito de conciliar crescimento econômico com a resolução dos problemas

ambientais a partir da inovação tecnológica, sem que ganhos e lucros sejam comprometidos.

Page 16: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

16

vão desde a reprodução e internalização do discurso técnico-científico sobre a

questão ambiental, até a proposta de empreendedorismo voltadas para sua

inserção no mercado.

Para Furtado (2017), a definição da problemática ambiental como um

problema global e comum a todos, transforma os territórios tradicionalmente

ocupados em territórios comuns, os quais se tornam passíveis de implementação

de mecanismos ambientais de gestão. A lógica que fundamenta tais mecanismos

é a de que a geração de serviços ambientais – redução do desmatamento e

preservação da biodiversidade – permitirá a criação de oportunidades econômicas

para as comunidades, por meio da implementação de projetos socioambientais.

Assim sendo, a mercantilização não se restringe apenas aos serviços

ecossistêmicos e a criação de novas commodities, mas, também, na introdução de

relações mercantis na vida social comunitária.

Conforme apontam Penna-Firme e Brondízio (2007), a privação dos meios de

subsistência em áreas protegidas pelas chamadas populações tradicionais, tem

sido uma estratégia exitosa instituída pelo discurso da sustentabilidade e pelos

atores locais e globais, como forma de garantir acesso a mercados, serviços

ambientais e produtos. Segundo os autores, a pressão conservacionista e a

implementação de políticas ambientais em Unidades de Conservação, tem feito

com que muitas pessoas que desenvolviam práticas culturais acumuladas ao longo

de gerações, estejam abandonando gradualmente essas atividades, uma vez que

se tornaram ambientalmente prejudiciais e, por isso, não desejáveis pelos gestores

ambientais. Em contrapartida, os moradores são estimulados a se engajar em

alternativas sustentáveis ao desenvolvimento local, como forma de garantir seu

sustento e sua renda. Para os autores, esta tem sido a idealização favorita

empregada por certos setores do movimento ambientalista, bem como por

empresas turísticas, governos locais e nacionais e agências internacionais de

desenvolvimento.

6. Considerações Finais

A partir da ratificação do Protocolo de Quioto, nos anos 2000, abriu-se uma

possibilidade para que o mercado pudesse auxiliar na resolução da contradição

colocada pelo próprio processo de acumulação. As altas concentrações de gases

poluentes na atmosfera, revelaram-se como um efeito do acelerado

Page 17: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

17

desenvolvimento da produção capitalista, colocando-se como um impasse para o

processo de expansão das forças produtivas. Nesse sentido, a constatação do

aquecimento do planeta e das mudanças climáticas, apresentaram-se como uma

barreira natural ao próprio modo de produção, exigindo que o mercado avançasse

por novos espaços ainda não mercantilizados.

A recomendação contida no Protocolo de transição da matriz energética e de

redução dos processos produtivos altamente dependentes de combustíveis fósseis,

conduziria ao desenvolvimento de novas tecnologias, possibilitando a abertura de

novos mercados. Além disso, o Protocolo permitiu a adoção de uma medida

bastante utilizada em outros instrumentos de gestão ambiental. Ao identificar o

carbono e outros gases poluentes como os elementos causadores do dano

ecológico, os agentes econômicos atribuíram valor a esses componentes

ambientais, possibilitando sua incorporação no processo de expansão capitalista,

porém, via financeirização. O carbono, assim como outras matérias primas, tornou-

se uma commodity ecológica.

De modo que a manutenção da floresta em pé – dogma repetido por setores

do ambientalismo local e mundial – para além de cumprir sua função ecológica que

dá sustentação ao equilíbrio ecossistêmico e permite a manutenção dos ciclos

biogeoquímicos que regulam a biosfera, tem, agora, uma função social a cumprir,

função essa atrelada aos interesses econômicos. Para tanto, para que essa nova

proposta de apropriação mercantil da natureza se concretize, é preciso que

Estados, agências internacionais, organismos multilaterais e organizações não-

governamentais, estejam alinhados, por um lado, ao discurso dos agentes

econômicos que veem nos mercados verdes uma possibilidade de expansão de

suas atividades e, por outro, às possibilidades institucionais de territorialização

desses mercados.

De maneira geral, a institucionalização dessas novas possibilidades de

mercado tem ocorrido por meio da elaboração de instrumentos jurídicos – como no

caso da Lei Estadual de Mudanças Climáticas do Amazonas – e por meio de

políticas públicas ambientais – como é o caso do Bolsa Floresta. Porém, quando

se trata de grupos sociais específicos, como as “populações tradicionais” da

Amazônia, tais políticas são implementadas de forma vertical, de modo que a oferta

de mecanismos compensatórios – como os subprogramas do Bolsa Floresta – tem

Page 18: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

18

se configurado como a única alternativa possível para amenizar os efeitos da

limitação imposta pela restrição à apropriação dos recursos naturais por essas

comunidades. Mesmo que para isso se intensifiquem os métodos e mecanismos

de controle institucional por parte dos Estados, contribuindo para intensificação de

conflitos, e que essas políticas imponham às comunidades uma nova forma de

relação política com o estado e demais instituições, e suscitem um rearranjo em

relação ao seu modo de vida tido como tradicional.

A ambivalência característica das propostas de integrar desenvolvimento e

conservação no manejo de áreas protegidas, não tem encontrado outra resposta

que não a proposição de mecanismos substitutivos para os grupos sociais locais

que sofrem os efeitos da limitação imposta pela restrição à apropriação dos

recursos naturais valorizados (BARRETO-FILHO, 2004). Do ponto de vista político,

a participação das comunidades ou “populações tradicionais” afetadas pela

implementação de áreas protegidas, tem-se mostrado como um mecanismo

compensatório efetivo para as instituições do Estado, que veem nesse dispositivo,

um atenuador dos conflitos causados pela imposição de “novos espaços na selva”

(SILVA, 2013).

Sabendo que a conservação da biodiversidade presente nas florestas e a

manutenção dos seus serviços ecossistêmicos representam as novas

possibilidades de expansão dos mercados globais, faz-se necessário pensar em

estratégias que garantam a preservação das novas reservas de valor.

Diferentemente do período colonial, a intervenção dos países do centro ocorre por

meio da implementação de políticas ambientais pensadas a partir do paradigma

contemporâneo do desenvolvimento sustentável e das mudanças climáticas, tendo

as populações nativas não mais como obstáculo, mas como parceiras de tais

políticas e principais mantenedoras das riquezas a serem exploradas.

O Carbono, antes mesmo de ser valorado e de se tornar uma bússola sobre

a qual se debruçam o ambientalismo e boa parte da comunidade científica que se

dedica à mudança do clima, já era globalmente conhecido como um elemento

químico. A casa de farinha, por sua vez, embora tenha garantido a sobrevivência

de populações por milhares de anos, sobretudo na Amazônia, no ideário da mesma

comunidade científica, pode até ter um certo valo de uso, mas poderia mesmo é

desaparecer, já que não no mercado do clima não tem valor de troca. O modo de

Page 19: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

19

vida das populações autóctones da Amazônia, ainda resiste em longínquas

trincheiras, aos avanços das modernas táticas e estratégias do instituídas pelo

capitalismo verde.

7. Referências Bibliográficas

AMAZONAS. Lei Ordinária Estadual nº 3.135, de 5 de junho de 2007. Institui a

Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e

Desenvolvimento Sustentável do Amazonas. Publicado no DOE de 05.06.07, Poder

Executivo, p. 7. 2007.

BARRETO-FILHO, H.T. Notas para uma história social das áreas de proteção integral no Brasil. In: RICARDO, F. (org.) Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental. 2004. BLOWERS, A. Environmental Policy: ecological modernization or the risk society. Urban Studies, 34 (5-6): 845-871. 1997. CALDENHOF, S. B. L. Mudanças sociais, conflitos e instituições na Amazônia: os casos do parque nacional do jaú e da reserva extrativista do rio Unini. Tese (Doutorado em Sociedade e Ambiente). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. NEPAM. UNICAMP. 2013.

CARNEIRO, E. J. Política ambiental e a ideologia do desenvolvimento sustentável. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PEREIRA, D. (Org.) A insustentável leveza da política ambiental. Belo Horizonte: Autêntica. 2005.

FUNDAÇÃO AMAZONAS SUSTENTÁVEL. Relatório de gestão de 2008 da

Fundação Amazonas Sustentável. Manaus: FAS. 2008.

______Relatório de gestão de 2009 da Fundação Amazonas Sustentável. Manaus:

FAS. 2009.

______ Relatório de gestão de 2010 da Fundação Amazonas Sustentável. Manaus:

FAS. 2010.

______ Relatório de gestão de 2016 da Fundação Amazonas Sustentável. Manaus: FAS. 2016.

______ Relatório de gestão de 2017 da Fundação Amazonas Sustentável. Manaus: FAS. 2017.

______ Relatório de gestão de 2018 da Fundação Amazonas Sustentável. Manaus:

FAS. 2018.

______ Relatório de gestão de 2019 da Fundação Amazonas Sustentável. Manaus:

FAS. 2019.

Page 20: GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global O CO e a

20

FURTADO, F. P. Os serviços ambientais e a natureza climatizada no Brasil. Revista Latinoamericana de Políticas y Acción Pública, 4 (2): 9-31. 2017. MARX, K. Formações econômicas pré-capitalistas: Paz e Terra: São Paulo. 1964. MENEZES, T. C. C.; BRUNO, A. C. Mudanças climáticas: efeitos sociais sobre povos e comunidades tradicionais da Amazônia. Novos Cadernos NAEA, 20 (3): 53-80. 2017. NASCIMENTO, I. R. A estadualização das políticas ambientais no Amazonas. Manaus: EDUA, 2000.

NOBRE, A. NOBRE, C. O balanço de carbono da Amazônia brasileira. Estudos

Avançados, 16 (45). 2002.

PENNA-FIRME, R.; BRONDÍZIO, E. The risks of commodifying poverty: rural

communities, quilombola identity, and nature conservation in Brazil. Habitus, 5(2):

355-373. 2007.

REDFORD, K. The Ecologically Noble Savage. Cultural Survival Quarterly, 15(1).

1991.

SECRETARIA DO ESTADO DO MEIO AMBIENTE. Plano de gestão da reserva de

desenvolvimento sustentável do Rio Negro. Produto 7. Volumes I e II. 2016.

SILVA, M. C. Metamorfoses da Amazônia. 2ed. Manaus: Valer. 2013.

STERCI, N.; SCWHEICKARDT, K. H. S. C. Territórios amazônicos de reforma

agrária e de conservação da natureza. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, 5(1): 59-77.

2010.

VALLADARES, L. Os dez mandamentos da observação participante. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 22 (63). 2007. VIANA, V.; CENAMO, M.; RIBENBOIM, G.; TEZZA, J.; PAVAN, M. Juma Sustainable Development Reserve: The first REDD project in the Brazilian Amazon. Manaus: FAS. 2008. VIANA, V. Sustainable development in practice: lessons learned from Amazonas. London: International Institute for Environment and Development. 2010. VIANA, V.; TEZZA, J.; SALVIATI, V.; RIBENBOIM, G. MEGID, T.; SANTOS, C. Programa Bolsa Floresta no estado do Amazonas. In: PAGIOLA, S.; Von GLEHN, H. C.; TAFFARELLO, D. (Orgs.). Experiências de pagamentos por serviços ambientais no Brasil. São Paulo: SMA/CBRN. 2013. WUNDER, S. Payment for environmental services: some nuts and bolts. CIFOR Occasional Paper No.42. Bogor: CIFOR. 2005.