Guapindaia (1993)

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    FFOONNTTEESSHHIISSTTRRIICCAASSEEAARRQQUUEEOOLLGGIICCAASSSSOOBBRREEOOSSTTAAPPAAJJDDEESSAANNTTAARRMM::

    A COLEO FREDERICO BARATA DO

    MUSEU PARAENSE EMLIO GOELDIVOLUME II

    VERA LCIA CALANDRINI GUAPINDAIA

    MESTRADOEMHISTRIA

    RECIFE,1993

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    FFOONNTTEESSHHIISSTTRRIICCAASSEEAARRQQUUEEOOLLGGIICCAASSSSOOBBRREEOOSSTTAAPPAAJJDDEESSAANNTTAARRMM::

    A COLEO FREDERICO BARATA DOMUSEU PARAENSE EMLIO GOELDI

    Vera Lcia Calandrini Guapindaia

    Dissertao apresentada ao curso deMestrado em Histria daUniversidade Federal dePernambuco para a obteno dottulo de Mestre.

    Professor-Orientador:Dra.M. Gabriela Martin vi la

    RREECCIIFFEE

    11999933

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    SUMRIO

    VOLUME I

    DEDICATRIA

    AGRADECIMENTO

    RESUMO

    1. INTRODUO............................................................................................................... 7

    2. AS INFORMAES HISTRICAS............................................................................... 92.1. Viajantes contemporneos aosTapaj....................................................................... 9 2.2. Viajantes aps a extino dos Tapaj.................................................................... 143. CARACTERIZAO CULTURAL DOS TAPAJ.......................................................... 16 3.1. Ocupao do espao.............................................................................................. 16

    3.2. Organizao social................................................................................................. 17 3.3. Tecnologia.............................................................................................................. 21 3.4. Alimentao............................................................................................................ 22 3.5. Rituais.................................................................................................................... 23 3.6. Lngua.................................................................................................................... 24 3.7. Agressividade......................................................................................................... 244. AS INFORMAES ARQUEOLGICAS...................................................................... 26 4.1. As Pesquisas Arqueolgicas.................................................................................. 26 4.2. A Anlise da Cermica........................................................................................... 30 4.3. Pesquisa em Curso................................................................................................ 40

    5. A COLEO "FREDERICO BARATA".......................................................................... 44 5.1. A Coleo............................................................................................................... 44 5.2. O Colecionador....................................................................................................... 456. METODO LOG IA.......................................................................................................... 47 6.1. A Sistematizao das Informaes Histricas e Arqueolgicas............................. 47 6.2. Critrios de Anlise dos Objetos............................................................................ 47 6.3. Acabamentos de Superfcie................................................................................... 50 6.3.1. Alisamento................................................................................................. 50 6.4. Tcnicas decorativas plsticas............................................................................... 51 6.4.1. Aplicado...................................................................................................... 51 6.4.2. Modelado........................................................................................................ 51

    6.4.3. Inciso............................................................................................................ 51 6.4.4. Ponteado.................................................................................................... 51 6.4.5. Perfurao.................................................................................................. 51 6.4.6. Exciso....................................................................................................... 52 6.4.7. Impresso................................................................................................... 52 6.5. Tcnicas decorativas pintadas............................................................................... 52 6.5.1. Vermelho ................................................................................................ .. 52 6.5.2. Vermelho sobre branco.............................................................................. 52 6.5.3. Vermelho e preto sobre branco.................................................................. 52 6.5.4. Branco........................................................................................................ 527. ANLISE...................................................................................... ................................ 54 7.1. Aspectos Gerais..................................................................................................... 54

    7.2. Aspectos Especficos.............................................................................................. 55 7.2.1. Cachimbos.................................................................................................... 55 7.2.2. "Vasos de Caritides"................................................................................... 58 7.2.3. "Vasos de Gargalo"....................................................................................... 64

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    7.2.4. Vasilhas com Gargalo................................................................................... 69 7.2.5. Rodelas de fuso............................................................................................ 71 7.2.6. Estatuetas..................................................................................................... 72 7.2.7. Apitos............................................................................................................ 83 7.2.8. Recipiente 1 - bojo cilndrico e base plana................................................... 85 7.2.9. Recipiente 2 - bojo arredondado e base plana............................................. 86 7.2.10. Recipiente 3 - bojo e base arredondados................................................... 88

    7.2.11.Recipiente 4 - bojo carenado e base anelar.............................................. 89 7.2.12. Recipiente 5 - bojo arredondado e base anelar.......................................... 90 7.2.13. Recipiente 6 - bojo carenado e base arredondada..................................... 91 7.2.14. Recipiente 7 - bojo carenado e base trpode.............................................. 92 7.2.15. Recipiente 8 - bojo quadrangular base arredondada.................................. 93 7.2.16. Recipiente 9 - bojo assimtrico e base arredondada.................................. 94 7.2.17. Recipiente 1 Q prato................................................................................ 94 7.2.18. Recipiente 11 - prato com base trpode...................................................... 95 7.2.19. Recipiente 12 - bojo circular e base em pedestal....................................... 96 7.3. Resultados.............................................................................................................. 97 7.3.1. Grupo A........................................................................................................ 98 7.3.1.1. Cachimbos.................................................................................... 98 7.3.1.2. Recipientes de bojo arredondado e base em pedestal................. 99

    7.3.1.3. Recipiente de bojo assimtrico e base arredondada.................... 99 7.3.2. Grupo B........................................................................................................ 99 7.3.3. Grupo B1...................................................................................................... 101 7.3.3.1. "Vasos de Caritides".................................................................. 103 7.3.3.2. "Vasos de gargalo"...................................................................... 103 7.3.3.3. Vasilhas com gargalo.................................................................. 103 7.3.3.4. Estatuetas................................................................................... 104 7.3.3.5. Apitos.......................................................................................... 105 7.3.3.6. Rodelas de fuso.......................................................................... 105 7.3.3.7. Recipiente de bojo carenado e base anelar................................ 106 7.3.3.8. Recipiente de bojo carenado: e base arredondada.................... 106 7.3.3.9. Recipiente com bojo carenado e base trpode............................ 106 7.3.3.10. Recipiente com bojo quadrangular e base arredondada.......... 106 7.3.3.11. Prato com base trpode............................................................. 107

    7.3.4. Grupo B2...................................................................................................... 107 7.3.4.1. Recipientes de bojo cilndrico e base plana........................................ 108 7.3.4.2. Recipientes de bojo arredondado e base plana.................................. 108 7.3.4.3. Recipientes de bojo e base arredondados.......................................... 109 7.3.4.4. Recipiente de bojo arredondado e base anelar................................... 109 7.3.4.5. Pratos.................................................................................................. 1098. CONSIDERAES FINAIS........................................................................................... 111

    9. BIBLIOGRAFIA E REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................. 115

    VOLUME II

    ANEXO I - Fichas Bibliogrficas....................................................................................... 1ANEXO II - Fichas de Anlise Tcnica...................................................................... 23

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    DEDICATRIA

    Agostinha,

    Margarida, Aloysio,

    Mayra e David.

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    AGRADECIMENTO

    A Dra. Gabriela Martin vila, minha orientadora pelo incentivo, dedicao, apoio e

    significativa contribuio minha formao profissional.

    A Dra. Anne Marie Pessis, pelo estmulo e pelas sugestes durante o curso de

    Mestrado.

    A Dra. Nide Guidon, pela possibilidade de ampliar meus conhecimentos atravs dos

    cursos ministrados.

    A Dra. Adlia Rodrigues, Chefe do Departamento de Cincias Humanas do Museu

    Paraense Emlio Goeldi, pelo apoio e incentivo.

    Ao CNPq/MPEG, pela infra-estrutura que possibilitou a realizao deste trabalho.

    A Ana Lcia Machado, amiga e colega, pela colaborao incansvel em todas as

    etapas deste trabalho.

    A Edithe Pereira, amiga e colega com a qual desejo continuar sempre trabalhando,

    pelo incentivo, amizade e colaborao.

    A Conceio G. Corra, pelo apoio e colaborao constantes.

    A Daniel Lopes, Ana Lcia Maroja e Maura Imzio da Silveira pela colaborao

    sempre que solicitada.

    A Jorge Mardock, tcnico responsvel pelos desenhos e reprodues que ilustram

    esta dissertao.

    A Regina F. Ferreira e Raimundo "Figueiredo" Cardoso da Silva pela ajuda na

    digitao dos textos.

    A Altenir Pereira Sarmento, responsvel pela anlise e programao na rea de

    processamento de dados, pela editorao e formatao final do trabalho.

    Em especial, a Aloysio Guapindaia, meu marido, pelo apoio, amizade, incentivo,

    compreenso e contribuio fundamentais na realizao deste trabalho.

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    RESUMO

    O presente trabalho consiste em uma caracterizao cultural dos Tapaj, grupo

    indgena que habitou a foz do rio Tapajs at a instalao dos europeus no sculo XVII. As

    fontes utilizadas para a realizao da pesquisa foram s histricas, as arqueolgicas e o

    material cermico.O material cermico estudado foi a coleo arqueolgica "Frederico Barata" que

    pertence ao Museu Paraense Emlio Goeldi. Os objetos desta coleo foram encontrados no

    bairro de Aldeia, na cidade de Santarm situada na foz do rio Tapajs, principal ncleo de

    descobertas desta cermica.

    Com o resultado da anlise da coleo e das fontes escritas reunimos elementos que

    permitiram a construo de um perfil tecnolgico da 'coleo e possibilitaram o levantamento

    de questes relativas organizao social do grupo indgena.

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    1. INTRODUO

    A arqueologia da regio Amaznica conhecida em todo o mundo pela beleza

    esttica dos objetos cermicos, principalmente, aqueles provenientes das regies de Maraj

    e de Santarm.

    A ilha de Maraj foi a primeira rea onde se realizaram pesquisas arqueolgicas

    sistemticas na Amaznia. Os resultados destes estudos permitiram a elaborao da

    primeira seqncia cultural pr-histrica da Amaznia. Ao contrrio desta situao a regio

    de Santarm, cujos objetos cermicos so conhecidos desde o sculo XIX, no mereceu

    ateno de pesquisadores e, todo conhecimento existente para esta rea at meados dos

    anos 80, resulta de alguns poucos estudos estilsticos (Barata,1950-54; Palmatary,

    1939,1960) e tcnicos (Corra, 1965) baseados em objetos de colees. Pesquisassistemticas na regio de Santarm s comearam a ser desenvolvidas em 1987 com os

    estudos da pesquisadora Anna Roosevelt.

    O estudo das colees arqueolgicas - resultado de uma prtica comum no final do

    sculo passado e incio do sculo XX - contribui com elementos bsicos para o incio de

    uma pesquisa sistemtica em reas onde pouco ou quase nada se conhece, como o caso

    da regio do rio Tapajs. Sob esta perspectiva que optamos pelo estudo de uma coleo

    com objetivo de contribuir com novas informaes para o conhecimento arqueolgico dareferida rea.

    A cermica arqueolgica proveniente da regio do rio Tapaj compe numerosas

    colees distribudas em Museus de vrias partes do mundo. O Museu Paraense Emlio

    Goeldi, de Belm, possui quatro colees provenientes da referida regio. Dentre estas, a

    coleo "Frederico Barata" se destaca pelo nmero de objetos e pela preciso no registro

    de sua procedncia.

    O estudo desta coleo teve como objetivo caracterizar.t' tecnologicamente,. a

    cermica atribuda ao grupo indgena Tapaj, que habitou a foz do rio Tapajs at o sculo

    XVII. Com base nesta anlise foi possvel identificar e caracterizar a existncia de trs perfis

    cermicos.

    A permanncia dos Tapaj na regio at o perodo de contato com os europeus

    permitiu que vrios viajantes que percorreram a rea registrassem aspectos relativos aos

    costumes deste grupo. A bibliografia sobre esse tema abrange desde aqueles que tiveram

    contato com os Tapaj (Carvajal, 1941; Cruz,1900; Acuria, 1941; Rojas, 1941; Bettendorf,

    1941; Heriarte, 1874; Daniel,1940; So Jos, 1874; Serra, 1779) at viajantes que estiveram

    na rea aps a extino do grupo (Spix & Martius,1981; Bates,1944 e Ferreira Penna,1973).

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    A anlise sistemtica dos relatos histricos resultou em uma caracterizao cultural

    dos Tapaj permitindo abordar aspectos relativos a disperso espacial do grupo,

    organizao social, tecnologia, recursos alimentares, rituais, lngua e agressividade. Este

    assunto compem o primeiro e o segundo captulo deste trabalho.

    No terceiro captulo apresentamos um resumo das informaes arqueolgicas

    provenientes da rea ocupada pelos Tapaj. Estas informaes abrangem desde pesquisas

    no sistemticas (Hartt, 1885) Nimuendaju, (1949), pesquisas que procederam apenas da

    anlise das colees existentes (Palmatary, 1939,1960; Barata, 1950, 1951, 1952, 1953,

    1954; Corra, 1965) e as primeiras pesquisas sistemticas propostas (Bezerra, 1971) e em

    realizao (Roosevelt, 1987, 1988, 1989, 1990, 1991, 1992). No captulo seguinte

    apresentamos as informaes relacionadas a Coleo e ao seu coletor - Frederico Barata.

    O quinto captulo refere-se a metodologia utilizada para anlise das informaeshistricas e arqueolgicas; apresenta os critrios utilizados para a anlise dos objetos da

    Coleo e os resultados alcanados. Nos dois ltimos captulos apresentamos a anlise dos

    objetos, os resultados obtidos e as consideraes finais.

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    2. AS INFORMAES HISTRICAS

    2.1. Viajantes contemporneos aos Tapaj1

    A primeira informao sobre o grupo indgena que habitava a foz do rio Tapajs data

    de 1542, foi dada por Frei Gaspar de Carvajal integrante da expedio de Orellana, quefazia parte integrante da expedio comandada por Pizzaro. O objetivo desta expedio,

    sada de Quito (Peru) em fevereiro de 1541 e terminada Belm (Brasil) aps navegar pelo

    Amazonas em agosto de 1542, era a procura de riquezas a Leste de Quito. Alm dos Andes,

    acreditava-se que estavam localizados o pas de La Canela e o El Dorado (Oliveira,

    1983:162).

    Na procura do ouro e das especiarias, os viajantes espanhis entraram em contato

    com diversos grupos tribais. Na descrio da viagem, Carvajal relata que chegaram "na boca

    de um rio que entrava pela mo direita no de nossa navegao e tinha uma lgua de

    largura" (Carvajal, 1941:70). Nesse rio foram atacados pelos ndios que ali habitavam,

    conseguiram escapar, mas um soldado foi morto, vtima de uma flecha envenenada.

    Segundo o autor, "no entrou a flecha meio dedo, mais como trazia peonha, no durou 24

    horas" (Ibid.:72). O uso dessas flechas tornou os Tapaj muito temidos tanto pelos brancos

    como pelos outros ndios.

    Em seu registro, o autor no diz como se chamavam os ndios da regio e nem o

    nome do rio. Porm, pelas distncias e o tempo de viagem dos lugares anteriores, vrios

    pesquisadores concluram que este era o rio Tapajs. Palmatary (1960), por exemplo, cita

    inmeras razes para esta afirmativa: o fato do rio Tapajs entrar no Amazonas pelo lado

    direito; o fato do fluxo de gua no cruzamento dos rios levar em direo ao Tapajs; os

    vestgios da rea sugerem que a regio era densamente povoada como de fato os

    portugueses a encontraram anos mais tarde; e o fato dos grupos indgenas do rio Tapajs e

    os do lado oposto do rio Amazonas usarem flechas envenenadas.

    Por volta de 1630, o frei Laureano de La Cruz, um franciscano que tambm viajou

    pelo Amazonas, informa sobre a aventura de dois frades e seis soldados que desceram o

    Amazonas em busca do El Dorado. Chegaram na provncia dos chamados "Rapajosos", que

    os desnudaram e roubaram seus vveres (Cruz, 1900). Esta mesma histria contada pelo

    frei Rojas de maneira diferente, segundo ele os religiosos e soldados foram agasalhados

    "em uma casa muito grande, com madeiras lavradas, forradas de mantas de algodo,

    1

    Os autores consultados escrevem o nome do grupo indgena de vrias maneiras: Rapajosos, Trapajosos (Frei Laureano de La Cruz),Tapajoses (Acua), Estrapajosos (Rojas), Tapajs (Heriarte, Daniel e Ferreira Penna), Tapajocos (Spix e Martius), Tapayus (Hartt eBarbosa Rodrigues) e Tapaj (Frederico Barata, Nimuendaj e Palmatary). Adotaremos a maneira de Nimuendaj, que em seu mapaetno-histrico refere-se a todos os grupos indgenas no singular. (Respeitaremos a grafia original no caso de citao).

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    entretecidas de fios de diversas cores, onde puseram uma rede para cada qual dos seus

    hspedes, feita de folhas de palmeira e bordada de diversas cores, e lhes deram para comer

    caa, aves e peixes" (Rojas, 194l:113).

    Em l639, chega ao rio Tapajs, a primeira expedio portuguesa, tendo como capito

    Pedro Teixeira. O frei Cristobal de Acua, que participou da viagem, informa que encontrouas margens deste rio habitadas pelos "Tapajoses". Estes ndios, segundo o autor impunham-

    se aos outros grupos vizinhos por causa de suas flechas envenenadas. Acamparam perto de

    uma grande aldeia, com mais de 500 famlias que "no cessaram durante o dia inteiro, de vir

    trocar patos, galinhas, redes, peixes, farinhas, frutas e outras coisas" (Acua, 1941:271). O

    autor registrou o forte temor destes ndios diante da possibilidade de serem deslocados,

    pelos portugueses, de suas terras a fim de agrup-los a ndios j aculturados. E prometiam

    que se estes os deixassem ficar, poderiam vir povoar suas terras, que eles os receberiam eos serviriam para sempre. Apesar de seus oferecimentos foram tratados com extrema

    crueldade pelos portugueses, como teve oportunidade de presenciar o frei com o ataque de

    Bento Maciel.

    Segundo Acua, a expedio de Bento Maciel buscava fazer escravos entre os ndios

    porque suspeitava que os Tapaj "tivessem muitos a seu servio" (Ibid:272). Obrigaram-os a

    entregar suas flechas envenenadas, saquearam a aldeia, violentaram as mulheres e

    prenderam os homens a fim de que oferecessem escravos em troca de sua liberdade. Os

    ndios ofereceram mil escravos, porm s conseguiram duzentos que foram aceitos pelos

    portugueses. Comenta o jesuta que os escravos foram despachados para o Maranho e

    Par e que os portugueses "satisfeitos da presa, dispem logo outra expedio, mais para

    dentro do Rio das Amazonas, onde sero sem dvida ainda maiores as crueldades..."

    (Ibid:274).

    O fato dos Tapaj terem conseguido duzentos escravos, indica a existncia desta

    prtica entre eles. De fato, Acua em consideraes gerais sobre os ndios que habitavam o

    rio Amazonas e seus afluentes disse que estes praticavam "perpetuamente contnuas

    guerras, em que cada dia matam e se cativam inmeras almas" (Ibid.:199). Apesar do

    belicismo entre eles, segundo observou Acua, nunca atacaram os espanhis e sempre os

    receberam com abundantes vveres.

    O Padre Rojas que tambm participou da expedio de Pedro Teixeira informa-nos

    que os "Estrapajosos" viviam em contnuas guerras e utilizavam "flechas e veneno to fino e

    eficaz que no h contraveneno" (Rojas, 1941:114). Segundo ele, apesar da existncia de

    terrveis armas entre os ndios do rio Amazonas e seus afluentes, "os ndios nunca atacavam

    os espanhis no rio nem fora dele" (Ibid:114).

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    Em 1650 o frei Laureano de La Cruz subiu o rio Tapajs com uma expedio

    portuguesa e novamente informou sobre uma aldeia localizada na foz do rio e outra mais em

    cima em uma praia. Supe-se que a primeira seria Santarm e a segunda Alter do Cho.

    Segundo o autor o objetivo da visita dos portugueses era o de resgatar cativos. Eram estes,

    os ndios de outras tribos que os Tapaj aprisionavam em suas guerras. Frei Laureanoexplicou que "las razones com que los portugueses queren paliar su iniquidad, son decir que

    aquellos indios que ellos ibam rescatar los tienen ya sus anos senteciados muerte para

    comrselos, y que les hacen buena obra en libralos de la muerte y sacarlos tierra de

    cristianos donde lo sean, aunque esclavos" (Cruz,1900:121). Os portugueses pagavam por

    cada escravo trs ferramentas, uma camisa e dois faces.

    Em 1661, o padre superior da Companhia de Jesus, Antonio Vieira, enviou o padre

    Felippe Bettendorf para fundar uma misso entre os Tapaj. Contou este padre que havia,nessa poca, uma aldeia muito populosa no Tapajs "onde aquelle rio desemboca em o das

    Amazonas com outras muito pela terra dentro" (Bettendorf, 1910:35).

    Da crnica de Bettendorf possvel extrair algumas informaes de como viveram

    estes ndios. Sobre seus ritos, contou-nos que costumavam beber e danar para invocar o

    que ele supunha ser o diabo, inclusive referindo-se ao local onde praticavam suas danas

    como "Terreiro do Diabo". No combate a estas prticas mandou que se "quebrasse os potes

    ou igaabas dos ndios e derramasse o vinho no cho" (Ibid.:170). Esta a primeira

    referncia sobre o uso de igaabas entre esses ndios.

    Bettendorf descreveu, tambm o fato de que "tinham uma multido de mulheres" e

    que o adultrio feminino era punido com morte. Com o tempo conseguiu este jesuta acabar,

    tambm com estes costumes. Relatou a existncia de uma "princeza", chamada Maria

    Moaara, a qual s poderia casar-se com um homem "que lhe fosse igual em nobreza"

    (Ibid.:172). De fato ela era casada com o chefe dos Tapaj, o "Principal Roque". O papel

    poltico dessa nobreza feminina parece bastante evidente quando Bettendorf diz que

    "costumam os ndios alm de seus Principaes escolher uma mulher de maior nobreza, a

    qual consultam em tudo como um orculo, seguindo-a em seu parecer" (Idib.:172). Serafim

    Leite (1943:359) informou que entre "os ndios do rio Tapajs, merece figurar o nome de

    Maria Moaara, principalesa, repetidamente mencionada nos comeos da civilizao deste

    rio. Era esta ndia quem governava o Tapajs".

    Por ocasio da morte de Maria Moaara, Bettendorf contou que o ex-jesuta

    Sebastio Texeira, casou "com uma ndia do sangue dos principaes, com a expectao de

    preceder em o principalado" (Bettendorf,1910:341), j que sua mulher era parente prxima

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    da princesa. Porm os ndios no lhe levaram a srio "e o mandaram para outra alda mais

    para riba" (Ibib.:342).

    Bettendorf tambm registrou a prtica de escravido entre os Tapaj, quando conta

    que ao visitar as casas da aldeia descobriu "em um cantinho um meninozinho reduzido aos

    ossos, botado em o cho, com um pedacinho de bij na mo" (Ibid.:168). Fazendo perguntasaos ndios, descobriu que ele no estava batizado porque era escravo.

    Do ano de 1662, temos a descrio de Mauricio Heriarte, ouvidor-mor do governo

    feita a pedido do governador do Maranho e Gro-Par. Quanto a crnica deste autor

    existem dvidas se o que descreve, so acontecimentos que viveu como participante da

    expedio de Pedro Texeira de 1639 ou se o relato baseado nas descries de algum dos

    companheiros de Texeira. Isto porque durante a maior parte do texto o autor mantm uma

    linguagem impessoal, porm em determinados pontos da narrativa d a entender que estavano local. Na ordem cronolgica deste histrico, foi mantido pela data em que escreveu o

    documento, porm consideraremos as suas informaes como anteriores a chegada dos

    jesutas.

    Heriarte, localizou a primeira aldeia "na boca de um rio caudeloso e grande, que

    comumente se chama dos Tapajs" (Heriarte, 1874:35). Afirmou que esta era a maior aldeia

    e que possua cerca de 60 mil guerreiros quando est em guerra e que so estes ndios

    temidos pelas outras naes que habitam aquela regio. Alm dos Tapaj, localiza neste rio

    os ndios Marautus, Caguanas e Orucuzos.

    Segundo ele, os Tapaj "Sam em estremo barbaros e mal inclinados. Teem idolos

    pintados em que adoram, e a quem pagam disimo das sementeiras, que sam de gram

    milharadas e he o seu sustento, que nam usam tanto de mandioca para farinha, como as

    demais naes" (Ibid.:36).

    Heriarte informou sobre a cermica dos Tapaj, quando disse que estes e os ndios

    Konduri que habitavam o rio Trombetas tinham "finissimo barro, de que fazem muito e ba

    loua de toda sorte, que entre os Portugueses he de estima, e a levam a outras provncias

    por contrato" (Ibid.:39). dele a primeira notcia sobre os muiraquits.

    Sobre a organizao social registrou que "governavam-se estes ndios por Principaes,

    em cada rancho um, com vinte ou trinta casaes, e a todos os governa um Principal grande

    sobre todos, de quem eh mui obedecido" (Ibid:38). Nimuendaj (1949) replicou que o termo

    "rancho" muito vago pois tanto poderia referir-se a simples casas coletivas ou a bandos

    locais.

    Em 1757, o Padre Joo Daniel viajou pelo rio Amazonas e registrou a "misso

    Tapajs, hoje vila de Santarm" (Daniel, 1840:237). Desses ndios relatou apenas a sua

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    idolatria, dizendo que eles "adoravam alguns corpos, e creaturas, e que os tinham muito

    ocultos em v casa no meio dos matos, de que s sabiam os mais velhos e adultos.

    Admoestou-os o padre que lhe trouxesse todos como vere trouxeram sete corpos mirrados

    dos seus avuengos; e umas cinco pedras, que tambm adoravam ... As pedras tinham sua

    dedicao e denominao com alguma figura, que denotava o para que serviam"(Daniel,1840:238). Um missionrio, o qual o autor no cita o nome, "em praa pblica

    mandou queimar estes seus idolos, ou sete corpos mirrados, cujas cinzas juntamente com

    as pedras mandou deitar no meio do rio, desejando afundir com elas por uma vez a sua

    cegueira, e idolatria ..." (Ibid.:238). Heriarte (1874), tambm se referiu a adorao de corpos

    ao que parece mumificados.

    No ano de 1762, o bispo frei Joo de So Jos quando se referiu ao rio Tapajs

    afirma que este fora habitado por ndios do mesmo nome e que "tem muito gentilismo" esterio (So Jos,1874:78).

    A ltima meno dos Tapaj na lista das tribos indgenas do rio foi de 1779, feita pelo

    tenente coronel Ricardo Franco de Almeida Serra. Viajando por este rio de sua foz at o

    encontro do rio Arinos com o Juruena, onde se forma, disse "que desde esta confluncia at

    o Amazonas tem o rio Tapajs o seu nome prprio, corre em geral de sul a norte, e

    povoado por muitas naes de ndios; sendo as mais conhecidas Tapajs, Manducs,

    Xavante, Urubs, Passabs, Mia-u-ahim, Ereruuas, Mayes, Ituarupa, Tucumaus, Uruc,

    Tapuyas e outros" (Serra, 1779:5).

    Sobre a extino dos Tapaj, Barbosa Rodrigues (1875) considerava que esta tinha

    comeado com a expanso portuguesa naquela regio. Este fato levou-os a retirar-se para o

    interior e tornou-os inimigos dos portugueses. Estes ndios formaram diversas malocas com

    nomes diferentes, e assim em 1661 quando os jesutas chegaram seu nmero era reduzido.

    a partir desta data que surgem outras tribos convivendo na mesma aldeia com os Tapaj.

    Serafim Leite (1943) afirmou que por volta de 1678, a aldeia dos Tapaj, tinha o nome

    de Todos os Santos, onde alm desses estavam reunidas trs naes das lnguas

    Areteoses, Arapiunses e Tapiruenses ou Serranos. Em 1719, segundo informaes

    fornecidas pelo padre Manuel Rebelo (citado por Serafim Leite,1943:361) "a esta Aldeia

    pertencem no s os Tapajs, mas outras naes em particular os Arapiunses e

    Corarienses, os quais todos so j para cima de trinta e cinco mil cristo".

    A prtica dos jesutas de juntar os diversos grupos indgenas em um s aldeamento,

    provocou uma miscigenao muito grande entre eles e a confuso de elementos culturais.

    Alm disso, o prprio contato e a imposio de valores dos europeus, alterou profundamente

    sua organizao social.

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    Portanto, a partir de 1661 nos relatos sobre os Tapaj deve ser considerada a

    profunda confuso de elementos culturais que se instalou. Este fato torna as informaes do

    perodo anterior a instalao dos jesutas mais confiveis para a tentativa de reconstruir o

    contexto tnico deste grupo. Estas informaes, embora confiveis, trazem poucas

    referncias a respeito de nosso objeto de estudo, a cermica.

    2.2. Viajantes aps a extino dos Tapaj

    Em sua viagem pelo Tapajs realizados entre 1817 e 1820, Spix e Martius (1981)

    informaram historicamente que os "Tapajocs" eram os antigos habitantes da foz desse rio.

    Porm na poca desta viagem, eles no aparecem mais entre os grupos indgenas que

    habitavam o rio Tapajs e seus afluentes; e o uso de flechas envenenadas no existia mais

    na regio.

    Spix e Martius relataram ainda, a questo da miscigenao intensa em que viviam os

    grupos indgenas que habitavam naquele momento a rea de Santarm. Disseram que os

    ndios possuam "em tudo o cunho da absoluta falta de unidade intrnseca e essencial e por

    essa razo, a sua atitude, os seus intentos, costumes e a linguagem so de contnua

    inconstncia" (Spix e Martius,1981:100). Esta situao encontrada pelos viajantes,

    demonstrou muito bem a confuso cultural que se instalou com a chegada do elemento

    colonizador.

    Em 1851 o naturalista Henry Bates, estando em Santarm, relatou que o bairro dacidade hoje conhecido como Aldeia, era ainda habitado por ndios. Em 1872, Barbosa

    Rodrigues encontrou em Santarm uma velha Tapaj com a qual conversou. Segundo ele,

    esta ndia possua um grosso muiraquit no pescoo e teria lhe informado que estas pedras

    eram adquiridas por seus companheiros em viagem pelo rio Amazonas. Em 1868, Ferreira

    Penna confirmou estas informaes quando disse que Aldeia "que h l5 anos era ainda

    habitada exclusivamente por descendentes de ndios comea a ser invadida pela cidade e a

    j aparecem algumas casas bem construdas que contrastam com as cabanas de palha dosvelhos indgenas" (Ferreira Penna, 1973:185). Estes ndios no eram mais os Tapaj, que j

    haviam sido exterminados tanto pelos portugueses, como pela invaso dos Mundurucu em

    1773.

    A data de extino dos Tapaj motivo de contradio entre os autores. Ferreira

    Penna (1973) considerou-os extintos em 1773, porm Serra (1799) citou-os entre os grupos

    indgenas do rio Tapajs no ano de 1779. Consideraremos aqui como mais correta a

    informao de Ferreira Penna, pois a invaso Mundurucu no Tapajs foi um fato citado porvrios autores (Barbosa Rodrigues,1875;Hartt,1885; Coudreau,1977;Spix e Martius,1981).

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    Segundo Barbosa Rodrigues, no ano de 1773, os portugueses fizeram uma expedio ao rio

    das Tropas a aproximadamente 300 km de Itaituba no Alto Tapajs, onde estavam

    localizados os Mundurucu. Os integrantes da expedio fizeram propostas de compra de

    escravos a estes ndios, que no foram aceitas. Os portugueses revidaram a recusa com

    hostilidades "com o fim de fazerem prisioneiros; que depois seriam captivos. Os Mundurucuspegaram ento em armas e pela numerosa populao fizeram tal resistncia, que obrigou a

    tropa portuguesa a debandar pelo rio abaixo, tendo-lhes faltado munio. Os ndios ento

    sem perda de tempo, puzeram-se no encalo dos portuguezes e vieram devastando tudo

    quanto encontraram, levando a fogo e flecha tudo, at o forte de Santarm onde se refugiou

    a tropa, que ficou sitiada por elles" (Barbosa Rodrigues,1785:120). Em sua fria os

    Mundurucu vieram conquistando e devastando as tribos em seu caminho e tornaram-se

    muito temidos no rio Tapajs.At a primeira metade do sculo XVII, os Tapaj existiram no rio Tapajs como grupo

    soberano. A partir desta poca foram sofrendo um rpido processo de descaracterizao

    como resultado da presena do elemento branco na regio. No sculo XVIII, ainda era

    possvel encontrar alguns elementos isolados que ainda lembravam das suas tradies e

    costumes. Por fim, restou apenas vestgios da cultura material deixada pelo grupo.

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    3. CARACTERIZAO CULTURALDOS TAPAJ

    Fundamentados na pesquisa bibliogrfica elaboramos a caracterizao cultural dos

    Tapaj e discutimos algumas questes que julgamos interessantes.

    3.1. Ocupao do espao

    Quanto a sua localizao geogrfica concordam a maioria dos autores

    (Carvajal,1941; Cruz,1900; Heriarte,1874; Spix e Martius,1981; Daniel,1976; Bettendorf,

    1909; Roosevelt,1987; Palmatary,1939; Nimuendaj,1949) que os Tapaj tiveram sua

    principal aldeia fixada na foz do rio Tapajs no local onde hoje se localiza o bairro de Aldeia

    na cidade de Santarm (Mapa 2). Segundo Barata (1950) a maioria das peas que compe

    as colees existentes hoje, so provenientes de Aldeia.Alguns autores citam, alm da aldeia principal, outras existentes rio acima ou para

    o interior (Barbosa Rodrigues,1879; Hartt,1885; Roosevelt,1987). Somente Ferreira Penna

    (1973), baseado em sua interpretao da descrio dada por Berredo (1905), sustenta que a

    localizao da aldeia mais importante dos Tapaj era em Alter do Cho, onde inclusive

    achava que Pedro Teixeira em 1626 os encontrou pela primeira vez. Existe um stio

    arqueolgico de dimenses menores em Alter do Cho, porm o material semelhante ao

    encontrado em Aldeia (Imazio, informaes pessoais).At o sculo XVIII, quando ainda no haviam sido extintos, a presena dos

    Tapaj estava fixada na embocadura do rio at Alter do Cho. Uma das razes provveis

    desta delimitao que a partir deste ponto o rio Tapajs ainda no havia sido navegado

    pelo homem branco. No sculo XIX, com a navegao do alto Tapajs j estabelecida e com

    os primeiros estudos de interesse arqueolgico realizados por Hartt e Barbosa Rodrigues,

    estes limites foram estendidos at a cachoeira de Borur, a 40 km acima de Itaituba. J no

    sculo XX as pesquisas de Nimuendaj estenderam estes limites da rea tapajnica paraleste, oeste, norte e sul.

    Considerando e levantamento etno-histrico feito por Menndez (1981) para rea

    Tapajs-Madeira e os registros arqueolgicos encontrados nos sculos XIX e XX, possvel

    afirmar que os Tapaj dominavam o rio homnimo nos sculos XVI e XVII.

    O mesmo autor considera que a rea sob seu enfoque, era caracterizada por uma

    ampla mobilidade de grupos indgenas, j antes da chegada do homem branco. Esta

    mobilidade, provavelmente, estaria ligada a fatores como guerra, ciclo anual de atividades,

    economia, etc.(Ibid). Diante do quadro criado por Menndez consideramos possvel a

    movimentao dos Tapaj, como tribo dominante da rea. Admite-se que tendo como ponto

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    de partida a foz do rio Tapajs, onde com certeza habitavam, provavelmente chegaram na

    direo norte at Alter do Cho; ao sul at Itaituba, no prprio Tapajs; e a leste at o rio

    Jarac, afluente do baixo Xingu para oeste at a serra de Parintins, no atual estado do

    Amazonas. Portanto sua expanso territorial at meados do sculo XVII, poca da

    instalao do elemento branco, seria aproximadamente de 180 km2.Quanto a esta localizao devemos considerar que os registros nos quais foram

    baseados no eram pesquisas arqueolgicas sistemticas, mas somente coletas de

    superfcies e escavaes sem preocupaes estratigrficas. Portanto, na medida em que

    estas forem sendo realizadas, certamente a distribuio geogrfica dos Tapaj tomar nova

    forma. Diante destes dados, ser considerado como a rea de localizao precisa dos

    Tapaj, a regio compreendida entre a cidade de Santarm at Alter do Cho, que

    garantida tanto pelos registros histricos como pelos vestgios arqueolgicos.Quanto a rea mais ampla sugerida pelos achados arqueolgicos,

    consideraremos apenas como rea de provvel influncia dos Tapaj. Pois devido os limites

    das pesquisas realizadas no possvel saber se os vestgios encontrados representam

    aldeias Tapaj ou material obtido atravs de comrcio intertribal.

    3.2. Organizao social

    inegvel que os Tapaj formavam um grupo muito numeroso e poderoso.

    Acua (1941) mencionou um assentamento de 500 famlias e o temor que estes provocavam

    nos grupos vizinhos por serem to numerosos; Carvajal (1941) referiu-se a uma grande

    quantidade de canoas e pirogas no rio Tapajs; Rojas (1941) falava da grande quantidade

    de canoas pequenas que abordaram sua expedio; Heriarte (1874) registrou que a maior

    aldeia podia dispor de 60.000 guerreiros em poca de guerra e que eram senhores daquela

    regio. Com este nmero elevado de pessoas e o fato de possurem o domnio da regio,

    era necessrio que possussem uma estrutura social organizada.

    As referncias sobre a organizao social dos Tapaj no so detalhadas, pormfoi possvel registrar a existncia de grupos de 20 a 30 famlias vivendo juntas, possuindo

    um chefe para cada grupo e a existncia de um chefe geral, ao qual os outros se submetiam

    (Heriate,1941). Tambm se registrou a existncia de casas coletivas (Cruz,1900).

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    provvel que existisse uma estratificao social bem marcada, uma vez que

    Bettendorf (1909) registrou a existncia de um grupo de pessoas de status diferenciado que

    s podiam casar entre si e detinham o poder de chefia. Roosevelt (cit. Roosevelt,1990:160)

    em um estudo iconogrfico da representao da imagem feminina sugere a existncia de

    "more proeminent religious and political roles for women in prehistoric times"2. O casamentoera poligmico e as mulheres adlteras eram punidas com morte (Bettendorf, 1909). A

    existncia da prtica de escravido entre os Tapaj mencionada por Cruz (1900),

    Bettendorf(1909) e por Acua(1941). Provavelmente estes escravos eram prisioneiros de

    guerra, como se referiu Acua. Com a expanso colonial surge um outro tipo de escravido:

    a do indgena pelo portugus. Esta tinha objetivos puramente comerciais de abastecimento

    da colnia, que assentava sua economia em um regime escravista.

    Em nome deste comrcio, os portugueses cometeram atrocidades com osindgenas e alteraram profundamente o sentido da escravido entre eles. Pois, se o grupo

    indgena no possussem escravos, os portugueses obrigavam-os a busc-los sob pena de

    serem eles prprios escravizados.

    Os Tapaj sendo a tribo mais numerosa e poderosa daquela regio,

    provavelmente subjugavam outras , procedimento comum entre as tribos mais poderosas do

    rio Amazonas(Acua,1941 e Heriarte,1874).

    Estas so as poucas referncias deixadas por aqueles que tiveram algum contatocom os Tapaj e que no possibilitam fazer uma idia clara de como funcionava sua

    organizao social. Pois, ao contrrio dos cronistas que viajaram pela costa do Brasil nos

    sculos XVI e XVII, no existe relatos extensos para esta regio.

    Porm, Roosevelt(1987,1989) ao elaborar uma pesquisa arqueolgica para a

    rea levantou a hiptese que os Tapaj no pice de sua cultura estavam organizados a nvel

    de chefia. Acredita que esta chefia tinha um sistema de estratificao social, no qual as

    pessoas eram diferenciadas pelo prestgio, geralmente avaliado pela nobreza de sua

    genealogia e/ou nmero de pessoas submetidas a ela e pela sua riqueza. A existncia de

    classes "nobres" e escravas compatvel com uma organizao a nvel de chefia. claro,

    que para provar esta hiptese ser necessrio desenvolver estratgias de pesquisa mais

    apropriadas que as que se tem utilizado at hoje para estudar a pr-histria da Amaznia.

    Estas estratgias devem deixar as preocupaes com difuso e rotas de migrao, que

    sempre caracterizaram o estudo da Pr-histria amaznica, e trabalhar aprofundadamente

    em regies especficas.

    2Traduo - "regras polticas mais proeminentes para as mulheres nos grupos pr-histricos".

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    A possibilidade de ter existido um sistema de chefia entre os Tapaj coloca sob

    questionamento o quadro terico criado para a pr-histria da Amaznia nas dcadas de 50

    e 60. Este considerava que o solo da Amaznia no poderia suportar organizaes que

    ultrapassassem o nvel de pequenos bandos, independentes e igualitrios vivendo em

    assentamentos temporrios subsistindo do cultivo de razes, caa e pesca. Rooseveltafirmou que o problema com esta explicao o fato de considerar a Amaznia como um

    meio-ambiente homogneo. As possveis chefias surgidas na Amaznia, como Maraj e

    Santarm, segundo ela, esto localizadas nas margens de rios que carregam sedimentos

    erodidos dos Andes e das costas caribenhas e so depositadas nas vrzeas. Devido a

    riqueza em nutrientes destes sedimentos, os recursos agrcolas e faunsticos abundam

    nestas regies, que se tornaram ambientes propcios para o desenvolvimento de culturas

    numerosas e mais complexas. Porm, a autora ressalta que o fato de existir um ambientepropcio, no assegura o surgimento de tais chefias. A origem destas precisa ainda ser

    investigada, uma vez que os registros etno-histricos so vagos e o registro arqueolgico

    pouco conhecido (Roosevelt, 1989).

    3.3. Tecnologia

    Os Tapaj, como todos os grupos humanos pr-histricos criaram uma srie de

    tcnicas com o objetivo de facilitar a vida do grupo. Apenas algumas delas foram registradas

    pelos cronistas e outras descobertas pelos pesquisadores atravs dos vestgios deixados.Entre estas foram registradas atravs de vestgios, a utilizao de poos para o

    abastecimento de gua dos assentamentos longe dos rios, alguns dos quais ainda no

    comeo do sculo XX estavam em funcionamento (Nimuendaj, 1949).

    Ao que parece os Tapaj construam caminhos especficos para o deslocamento

    entre as aldeias, pois estes foram encontrados entre as terras pretas. Eram feitos quase em

    linha reta e tinham aproximadamente um metro e meio de largura e trinta centmetro de

    profundidade (Barbosa Rodrigues, 1875 e Nimuendaj, 1949).Os registros sobre as casas afirmam que eram muito grandes e feitas com

    madeiras trabalhadas (Rojas,1941),provavelmente cobertas de palhas, que eram

    abundantes na regio.No ano de 1872 em Santarm, ainda existia uma parte da cidade , o

    que hoje constitui o bairro de Aldeia, onde habitavam somente ndios. Alguns descendentes

    dos antigos Tapaj, misturados a outras tribos. As casas onde moravam eram cabanas

    feitas de folhas de palmeira (Barbosa Rodrigues, 1875).

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    Alm da produo de cermica e esculturas em pedras, h registros de esteiras,

    redes de palha, mantas de algodo e trabalho em madeira (Heriarte,1874; Berredo,1849;

    Bettendorf,1909; Fritz,1917). Apesar de ter sido registrado o uso de mantas de algodo, a

    julgar pelas representaes cermicas das estatuetas antropomorfas, no usavamvestimentas. Algumas estatuetas mostram o cabelo amarrado com uma faixa e pulseiras nos

    tornozelos, que poderiam ser de algodo. As mantas ao que parece, serviam apenas para

    forrar as casas, como descreveu Heriarte(1874).

    Quanto a produo de armas tornaram-se famosas as suas flechas envenenadas

    (Carvajal,1941; Acua,1941; Heriarte,1874). O veneno usado no era o curare, comum entre

    as tribos atuais da Amaznia, pois os sintomas de morte registrados eram diferentes dos

    provocado por este veneno(Nimuendaj,1949).Tambm se registrou o uso de veneno emcomidas para matar pessoas indesejveis (Bettendorf,1910).

    3.4. Alimentao

    A narrativa de Carvajal(1941) registrou a presena de milho como uma fonte de

    recurso alimentar mais constante do que a mandioca entre os ndios do rio Amazonas.

    Enquanto refere-se sete vezes a presena de milho, o faz apenas uma vez para a mandioca.

    Os padres Rojas e Acua (1941), em suas viagens um sculo depois , registraram o uso do

    milho e da mandioca sempre juntos. Heriarte (1874) tambm citou o uso de mandioca e omilho juntos. Porm, informou que os Tapaj consumiam mais milho do que mandioca, ao

    contrrio da maioria das informaes etnogrficas para os atuais grupos amaznicos.

    A prtica do cultivo de milho entre os Tapaj pode explicar a existncia de um

    sistema sociocultural mais complexo. Isto porque o cultivo de milho nas vrzeas, que so as

    terras extremamente frteis, pode ter levado a prtica da agricultura intensiva. Esta prtica

    poderia possibilitar o sustento de populaes muito densas. Os gros de milho contm

    grande quantidade de protenas, que se comidas com legumes podem fornecer fontesadequadas de protenas para as dietas humanas (Roosevelt, 1980). Este um dado

    importante porque a aquisio de protena sempre foi problema para grupos amaznicos.

    Outro aspecto, o fato das sementes de milho serem estocveis por longos

    perodos (Rojas, 1941 e Acua,1941). E j que a protena o suprimento raro a estocagem

    de sementes d origem ao surgimento de excedente econmico. A estocagem e distribuio

    deste excedente poderia requerer controles especializados, o que resultaria no surgimento

    de grupos polticos dirigentes. Assim, sob vrios aspectos o cultivo do milho poderia resultar

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    no desenvolvimento de grupos humanos organizados em instituies sociopolticas

    avanadas.

    Alm do cultivo do milho e mandioca h o registro do consumo de caa, pesca e

    coleta frutas e no sambaqui, coleta de mariscos.

    3.5. Rituais

    Os Tapaj possuam locais especiais para a prtica de suas cerimnias e para

    guardar objetos sagrados.Existiam vrios tipos de cerimnias, em uma delas os integrantes

    bebiam e danavam. As mulheres transportavam as bebidas para o local porm por no

    possurem permisso para ver o que se passava, cobriam os olhos com as mos. Talvez

    exista alguma relao desta proibio feminina com as representaes das caritides

    (Barata,1953). O local de realizao destas cerimnias, era denominado pelos jesutas de

    "Terreiro do Diabo" (Bettendorf,1909).

    Um outro ritual era praticado tambm, em um local especfico na prpria aldeia,

    onde consumiam continuamente bebidas e executavam de danas. O ritual era chamado de

    "Mafoma" pelos brancos, este termo era usado na poca para designar pessoas no

    catlicas(Ibid).

    Existia tambm um outro ritual que consistia na adorao de objetos pintados,

    no descritos, para o quais ofertavam milho. Com este cereal faziam uma bebida para ser

    consumida durante o ritual, no qual tocavam instrumentos para invocar seus deuses(Heriarte, 1874). A existncia de um ritual onde o milho ofertado aos deuses, demonstra a

    importncia deste cereal na vida do grupo. Este aspecto mantm uma relao muito prxima

    com o que foi abordado no item anterior. Havia tambm a adorao de corpos mumificados

    de seus ancestrais.

    Quanto ao tratamento dos mortos foram registradas duas prticas diferentes. Na

    primeira o morto era colocado em rede com todos os objetos que usava em vida a seus ps.

    Em sua cabea colocavam a figura de algum deus e depositavam-o em uma casa feita paraeste fim. Ali ficava a decompor-se at que restassem apenas ossos. Estes eram modos e

    colocados em bebidas, que eram tomadas por seus parentes e outras pessoas

    (Heriate,1874). Na segunda os ossos eram colocados em urnas funerrias e enterrados

    (Barbosa Rodrigues,1875).

    A primeira prtica foi registrada historicamente e a segunda um registro

    arqueolgico. Pelas limitaes dos registros arqueolgicos da poca e pela possibilidade

    dos enterramentos pertencerem a uma das muitas tribos que viviam naquela regio juntocom os Tapaj, o primeiro registro torna-se mais confivel.

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    Diante destes dois registros, podemos ainda, considerar outro aspecto que no

    invalida o que foi colocado anteriormente. Essas duas prticas registradas poderiam

    significar que existia um tratamento diferenciado para os mortos, talvez segundo seu grau de

    nobreza e importncia poltica e social.

    Um dado que refora esta suposio, o fato de Acua (1941) ter registradoentre os ndios do rio Amazonas e seus afluentes, a existncia de diferenas no

    enterramento dos mortos. Alguns eram conservados dentro de suas prprias redes e outros

    eram queimados em grandes fogueiras com todos os objetos que em vida lhes pertenceram.

    E ainda, os ossos dos feiticeiros eram conservados pendurados em suas redes, no alto de

    uma maloca e adorados com deuses ancestrais.

    3.6. Lngua

    Sobre a lngua que falavam os Tapaj existem poucas informaes. quase

    certo que estes no tinham o Tupi como sua lngua oficial, j que houve necessidade da

    traduo do catecismo escrito nesta lngua para as outras (Bettendorf,1909).

    Porm bastante provvel que estes utilizem o Tupi para comunicar-se com os

    povos falantes desta lngua que habitavam as proximidades e com quem comerciavam. Pois

    das poucas palavras do seu vocabulrio,que chegaram at os dias atuais, cinco so de

    origem Tupi (Barata,1949).

    3.7. Agressividade

    A questo dos Tapaj serem ou no uma tribo agressiva foi motivo de contradio

    entre os autores. Carvajal (1941) e Heriarte (1874) descreveram amostras de sua

    agressividade. Por outro lado Rojas (1941), Acua (1941) e Bettendorf (1909) relataram a

    maneira bastante receptiva como foram tratados. E h ainda as referncias de Frei Laureano

    de la Cruz (1900), que em sua primeira meno aos Tapaj cita-os como uma tribo bastante

    agressiva, porm na segunda vez refere-se a eles como amigos.

    Existem dois aspectos que devem ser considerados. O primeiro a existncia de

    guerras intertribais, as referncias sobre o temor que outras tribos tinham dos Tapaj e a

    prtica de escravido, provavelmente como resultado destas guerras. Estes dados

    demonstram que os Tapaj eram guerreiros temidos entre os outros ndios.

    O segundo aspecto, so as afirmaes que os Tapaj no atacavam os homens

    brancos e o registro da maneira receptiva como receberam alguns viajantes. Ao que parece

    eles temiam aquela gente diferente que possua armas de fogo e aos quais alguns ndios do

    rio Amazonas chamavam de filhos do sol (Rojas,1941).

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    Sobre o registro de Carvajal que mencionou a agressividade dos Tapaj, Mello

    Leito considera que o dominicano teria exagerado em seu relato "para dar realce proeza

    de seu capito, pois era tal a segurana na subida, que Pedro Texeira poude mandar

    adiante um simples batelo, no feliz estratagema de que nos conta Acua" (1941:115(21)).

    Quanto a Heriarte, apesar de consider-los como brbaros e mau intencionados,no registra nenhum incidente em sua viagem que demonstre esta agressividade.

    Sem dvida, como j foi abordado, os Tapaj, eram um grupo de muitos

    guerreiros, armados com poderosas flechas envenenadas, porm se realmente fossem

    agressivos, a implantao dos jesutas no teria sido to tranqila e o seu extermnio no

    teria sido to rpido e fcil.

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    4. AS INFORMAES ARQUEOLGICAS

    4.1. As pesquisas arqueolg icas

    O primeiro trabalho com preocupao arqueolgica na rea do rio Tapajs foi do

    gelogo Frederick Hartt , nos anos de 1870 e 1871. Escavou o sambaqui de Taperinha que

    fica em um engenho a cerca de 40 km a leste de Santarm e situado em um furo chamado

    Ayaya na margem meridional do Amazonas . A escavao chegou a 6 metros de

    profundidade e alm de conchas (gnero Hyria, Castalia, Unio e Adonon) encontrou

    fragmentos de cermica, de ossos humanos e de peixes.

    A cermica encontrada por Hartt em Taperinha, segundo sua descrio era "fabricada

    de argila, contendo proporo considervel de areia muito grossa, sem cariap3 e tendo a

    superfcie relativamente lisa. Os fragmentos indicam que as vasilhas tiveram pela maior

    parte a frma de taa com fundo bem arredondado. A margem muito simples, chanfrada

    do lado interno e um pouco virada para fra. No so lustrados nem pintados, e pela maior

    parte mostram-se inteiramente despidos de ornamentaes. Alguns pedaos porm,

    apresentam riscos toscos do lado exterior, logo abaixo da margem e indicando

    aparentemente tentativas de decorao"(Hartt,1885:4). Conclui o autor que pela enorme

    quantidade de conchas e os poucos fragmentos de ossos encontrados, a alimentao bsica

    dos moradores de Taperinha era feita de moluscos, pelo menos parte do ano.

    Hartt levantou a questo de que a localizao de Taperinha hoje, no seriasemelhante a da poca em que era habitada pelos fabricantes desta cermica. Ele achava

    que essas conchas, na poca em que foram consumidas eram abundantes e de fcil

    aquisio, o que no ocorria no ano de sua viagem. Segundo ele, "parece, portanto

    provvel que, depois de formado o sambaqui tenha havido uma importante mudana physis

    na bacia do Amazonas. A prpria posio do depsito torna mais provvel esta hypothese.

    Em vez de esta situado em terrenos de alluvio nas margens do Paranmirim, este depsito

    acha-se colocado a uma distancia considervel do rio, atraz de uma zona pantanosa detravessia difcil e n'uma altura considervel acima do maior nvel das enchentes"(Ibid:5).

    Alm de Taperinha informou a presena de vestgios em Itaituba, localizada cerca de

    371 Km ao sul de Santarm; em Diamantina, que fica aproximadamente 15 Km ao oeste de

    Santarm; e em P-Pixuna, localizada aproximadamente 42 Km ao oeste de Santarm.

    Descreveu o solo destes locais como uma terra bastante frtil e apropriada para a plantao

    de cana-de-acar. Hartt acreditava que a fertilidade atraiu os grupos humanos para estes

    3Cariap, Carape ou Carip - rvore da famlia das rosceas que possui vrias espcies como Licania microcarpa Hk.f., Licania

    turiuva Cham., Licania turiuva Schech, Licania sclerophylla M., Licania utilis Fritsch. Sua casca, que adstringente, usada pelosindgenas ou caboclos como antiplstico na argila com a qual fabricam a cermica (Corra, 1984).

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    locais, uma vez que encontrou grande coincidncia das manchas de terra preta com os

    vestgios de ocupao humana. Porm atualmente sabe-se que as terras pretas, em sua

    quase totalidade, so resultado da ao antrpica e que estas, provavelmente, formaram-se

    como conseqncia da ocupao destes grupos. Nestes locais, afirmou ter encontrado

    fragmentos de cermica em at 2 metros de profundidade. Em P-Pixuna, obtevefragmentos de cermica, fragmentos de estatuetas e instrumentos de pedra. Foi informado

    da existncia de terra preta com cermica perto de Itaituba, porm no visitou o local.

    Hartt traa uma comparao do material cermico encontrado em Maraj , dizendo

    que so bastante diferentes. O uso da impresso a dedo nas bordas das vasilhas, muito

    comum no material do rio Tapajs, desconhecido no Maraj. Quanto pintura "

    freqentemente lustrada com barro branco e pintada, mas no vi ornatos em linhas pintadas

    ou gravadas como as de Maraj"(Ibid:13).Hartt considerou que os vestgios encontrados, provavelmente, pertenceriam aos

    Tapaj, uma vez que esta "tribu foi encontrada pelos brancos na posse desta regio, na

    ephoca da primeira descoberta, e que deu nome ao rio"(Ibid:14).

    Hartt no fez referncias sobre os vestgios cermicos encontrados na cidade de

    Santarm. O que muito estranho, pois a coleo Rhome, que hoje pertence ao Museu

    Nacional j existia nesta poca e possui material encontrado na referida cidade

    (Nimuendaj,1949).

    Hartt fornece elementos importantes para o desenvolvimento de pesquisas

    arqueolgicas na rea. Um deles o fato de demonstrar atravs do material arqueolgico

    que a rea ocupada pelos Tapaj se entendia alm da foz do Tapajs, ocupando at o alto

    curso do rio. O outro que atravs de suas escavaes revela a profundidade das camadas

    arqueolgicas; sugere tambm, que tenha ocorrido modificaes climticas na rea e a

    existncia de cermica sem decorao.

    Em 1872, o botnico Barbosa Rodrigues viajou pelo rio Tapajs com o objetivo de

    conhecer a vegetao e tambm aprofundar suas indagaes sobre os usos e costumes dos

    extintos ndios Tapaj. Deve-se a ele a elaborao do histrico mais completo dessa poca

    sobre os referidos indgenas baseado em informaes de cronistas e em suas prprias

    pesquisas.

    Barbosa Rodrigues considerou Santarm como a principal aldeia dos Tapaj .

    Segundo ele, estes ndios no habitavam somente as margens do rio, mas tambm as

    serras que a contornam. Em suas coletas de superfcie e escavaes encontrou fragmentos

    de cermica, machados, fragmentos de estatuetas, sambaquis e caminhos cavados nas

    descidas das serras.

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    Quanto a distribuio territorial dos Tapaj, acreditava que estes em um primeiro

    momento dominavam o baixo rio Tapajs e que depois se estenderam, principalmente pela

    margem direita para o alto do rio at a cachoeira do Borur, localizada a 40Km acima de

    Itaituba, ou seja numa extenso de aproximadamente 300 km. Para fixar este limite fez um

    estudo do material arqueolgico que encontrou entre as regies. Observou que, a forma dosmachados a partir de Borur mudam completamente; e o material cermico encontrado em

    Borur tem as mesmas formas e decorao daquele encontrado em locais onde sem

    nenhuma dvida habitavam os Tapaj (Barbosa Rodrigues,1885).

    Barbosa Rodrigues descreveu alguns costumes dos Tapaj baseado no material

    arqueolgico que ele encontrou. Sobre os enterramentos afirma que colocavam os ossos

    dentro de um vaso pequeno, que era colocado dentro de um grande decorado com

    desenhos "de linhas com frmas mais ou menos geomtricas, feitas com tinta vermelha, quejulgo ser caragiru4, com leo de copahyba5 ou de castanha ... eram enterrados umas junto

    as outras, com a bocca para cima. Pelos fragmentos encontrados, as maiores podero ter

    quando muito trs palmos de dimetro"(Ibid:126).

    Para a guerra, acreditava o autor, que alm das flechas envenenadas usavam

    machados de diorito com a forma de dois cones unidos pela base. Dos autores consultados,

    Barbosa Rodrigues o nico a afirmar que a loua de uso domstico dos Tapaj possua

    tratamento de superfcie plstico. Segundo ele, a loua possua modelados em forma de

    pssaro ou de rpteis. O lado externo das panelas era decorado com marcas de esteiras

    feitas de palmeira e que esta decorao era to variada quanto pode ser variado o tecido.

    Esta afirmao torna-se contraditria, quando o autor admite ter encontrado dentro dos

    limites estabelecidos por ele para os Tapaj, no stio de Cafezal, localizado

    aproximadamente 9,5km de Itaituba, vasilhames de cermica sem tratamento de superfcie

    plstica ou pintada que sups serem panelas.

    A pesquisa de Barbosa Rodrigues confirma o que Hartt j dissera quanto a vasta

    extenso ocupada pelos Tapaj: do alto ao baixo rio Tapajs.

    Em 1949, Curt Nimuendaj publicou um artigo intitulado "Os Tapaj". Nesse

    trabalho ele reuniu todas as informaes disponveis sobre esse grupo dada pelos viajantes

    e acrescentou as informaes adquiridas com sua pesquisa. Ele fez a pesquisa mais

    completa da poca sobre a rea, de lamentar que a maioria de seus dados no foram

    4Caragiru ou Carajuru - rvore da famlia das bignoniceas (Arrabidaea chicaVerlot) com que os ndios preparavam um corantevermelho usado para pintar a pele, os adornos, vestirios e utenslios. O corante, produzido pela fermentao das folhas, insolvel emgua e solvel em leos (Corra, 1984).5Copahyba ou Copaba - rvore da famlia das Leguminosas (Copaifera officinalisL.), de largo emprego medicinal (Corra, 1984).

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    publicados. Alguns foram publicados nos trabalhos de Palmatary, que os obteve atravs de

    correspondncia com o pesquisador.

    Embora inseridos em uma regio considerada antropologicamente como rea cultural

    Tupi, os Tapaj, segundo o autor no falavam essa lngua. Afirmou isto baseado no fato de

    Bettendorf ter utilizado um intrprete em seu primeiro encontro com eles, uma vez que, erasabido que o jesuta falava e escrevia aquela lngua. Outro fato, foi necessidade de

    traduzir o catecismo do Tupi para os idiomas falados naquela misso. Ainda sobre esse

    assunto h a afirmativa de Heriarte (1874), de que os Orucuses e os Condurizes falavam

    idiomas distintos diferente dos Tupinambaranas. Estes dois ltimos grupos localizavam-se

    na rea de influncia dos Tapaj e mantinham contatos com eles.

    Nimuendaj utilizou as formas humanas representadas na cermica para fazer

    inferncias sobre a maneira desses ndios de vestir-se, a forma como penteavam os cabelose o tipo de adornos corporais que usavam.

    A contribuio mais importante de Nimuendaj, no entanto foi resultado de suas

    prprias descobertas. Do ano de 1923 a 1926 ele encontrou 65 stios localizados na cidade

    de Santarm, na regio de Alter do Cho e em Arapixuna (margem meridional do Lago

    Grande de Vila Franca), todos da cultura Tapaj. Segundo ele, os stios estavam todos na

    terra firme, longe do alcance das guas mesmo no perodo das cheias. E em sua maioria

    estavam no lado das colinas ou do planalto. Afirmou que no existiam terras pretas "na faixa

    de largura de 1 lgua que se estende entre a margem do Amazonas e do p do planalto, ao

    sul de Santarm" (Nimuendaj,1949:104), ficando assim longe das fontes de gua. O

    problema era resolvido pela construo de poos, que estavam ainda em funcionamento

    quando ele visitou a rea.

    O autor afirma que s conhece dois stios que estavam perto do rio, que eram a

    cidade de Alter do Cho, que fica a 30 Km de Santarm e o bairro de Aldeia em Santarm.

    Reafirmou que Aldeia o stio mais importante, pois foi dele que se retirou a maioria do

    material arqueolgico disponvel hoje sobre os Tapaj. No planalto considera Lavras,

    localizado a 2,5 Km ao sul de Santarm o stio mais importante, onde existe tal abundncia

    de fragmentos de cermica que dificulta a lavoura. A maior parte eram fragmentos sem

    decorao. Os stios da regio do Lago Grande, a leste de Santarm no possuam muita

    profundidade e o material estava bastante fragmentado. Comenta que acha estranho o fato

    de ter encontrado pouco material em Alter do Cho, que era considerado um antigo centro

    Tapaj.

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    Nimuendaj organizou sistematicamente as informaes existentes sobre os Tapajs

    demonstrando suas especificidades culturais. Ao lado disso mapeou a rea de suas

    pesquisas demonstrando os limites de ocorrncia da cermica com elementos da cultura

    Tapaj (Mapa 1). Juntando as reas atribudas aos Tapaj por Hartt e Barbosa Rodrigues e

    Nimuendaj, teremos a delimitao geogrfica de sua influncia tanto no rio Tapajs comono Amazonas.

    Em 1971, Ulpiano Bezerra de Menezes elaborou o primeiro projeto de pesquisa para

    a rea. Este projeto surgiu em conseqncia da aquisio de duas colees particulares de

    peas da cultura Tapaj e arredores pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade

    de So Paulo. Consciente das limitadas informaes que este material permitiria, Bezerra de

    Menezes elaborou um projeto de investigao cientfica, que visava mapear a rea de

    extenso da cultura, estudar seus padres de assentamento, seriar e levantar dadosetnogrficos e dos processos de migrao e difuso (Menezes,1971).

    Para a realizao deste trabalho, foram mapeados os stios de terra preta da regio

    em torno de Taperinha e realizadas prospeces em alguns deles. A partir destas

    prospeces preliminares, pretendia formular hipteses, propor problemas e definir

    conceitos e metodologias (Menezes,1971).

    At a dcada de 70, este foi o nico projeto formulado em bases cientficas para

    estudar a regio. Tinha como proposta um novo tipo de abordagem, que questionava a

    teoria do determinismo ambiental, princpio no qual, at ento, sempre se basearam as

    pesquisas arqueolgicas na Amaznia. Porm, este projeto no teve prosseguimento, no

    indo alm das prospeces realizadas e mesmo os dados destas, nunca foram analisados

    nem publicados.

    Nas dcadas de 80 e 90, Ana Roosevelt desenvolveu pesquisas sistemticas na

    regio. Este assunto ser abordado no item Pesquisa em curso.

    4.2. Anlise da cermica

    Helen Palmatary publicou dois estudos estilsticos sobre a cermica dos Tapaj. O

    primeiro, denominado "Tapaj Pottery" foi publicado em 1939 e contm a anlise do

    material das colees do Ethnographical Museum em Gteborg, da University of

    Pennsylvania Museum na Philadelphia, do Museum of American Indian da Haye Foundation

    em New York e da Catholic University of America em Washington. Em 1960, quando

    publicou "The Archaeology of the Lower Tapaj Valley,Brazil", incluiu as colees brasileiras

    pertencentes ao Museu Paraense Emlio Goeldi e ao Museu do Estado do Recife. Analisou

    tambm as colees particulares pertencentes ao Sr. Frederico Barata* em Belm, ao Sr.

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    Carlos Liebold em Santarm, ao Sr. Towsend6 em Belterra e ao Sr. Carlos Estevo de

    Oliveira no Recife. Em essncia os dois trabalhos no diferem. Apenas, no segundo

    encontra-se mais aprofundado o tema, pois inclui alm da prpria anlise do material, um

    levantamento histrico exaustivo sobre os viajantes e pesquisadores na regio. Uma vez

    que, estes trabalhos no possuem diferenas marcantes em sua anlise estilstica econcluses, sero abordados aqui conjuntamente.

    A pesquisa de Palmatary tinha como objetivo fazer uma anlise estilstica destas

    colees e tentar estabelecer uma correlao com a arqueologia do continente americano

    desde regio sudeste dos EUA at a Argentina. A autora definiu anlise estilstica com uma

    tentativa para classificar e descrever as formas e caractersticas dos desenhos produzidos

    pelos Tapaj.

    Atravs das informaes de viajantes e pesquisadores que estiveram na rea,Palmatary elaborou um histrico sobre os ndios Tapaj, onde considera aspectos como

    linguagem, religio, organizao social, tratamento dos mortos, alimentao, manufaturas e

    armamento.

    Palmatary descreveu dois tipos de stios arqueolgicos para a regio: os de terra

    preta e os sambaquis. Ao tratar do primeiro, apresentou dois mapas das escavaes de

    Nimuendaj, fornecidos pelo prprio autor (Cf. Palmatary,1960). Segundo Palmatary,

    Nimuendaj atravs do material arqueolgico, percebeu que outras tribos alm dos Tapaj

    produziram a cermica encontrada naquela regio. Por sua vez, afirmou que nas colees

    pesquisadas ela, encontrou sempre material definido como no-Tapaj e ainda um outro tipo

    que parecia ser estilisticamente a combinao do estilo Tapaj com outra tradio

    decorativa, quase sempre Konduri7. Considerou que este fato sugeria uma associao tribal

    prxima ou com um certo grau de interao. O aparecimento de cacos tipicamente Konduri

    tambm comum nas colees de cermica Tapaj.

    Essa interao entre os Konduri e os Tapaj foi reforada pela prpria localizao

    geogrfica destes no rio Trombetas, a oeste da rea considerada como de influncia Tapaj.

    Ao observar o mapa 2 possvel perceber que as reas das duas culturas eram fronteirias.

    Heriarte(1874) j havia observado que eles possuam os mesmos costumes sociais dos

    Tapaj e o prprio Nimuendaj acreditava que o tratamento dos mortos era o mesmo

    (conservao dos ossos para dissoluo em bebidas), uma vez que, tambm nunca

    encontrou enterramento na rea Konduri. Peter Hilbert (1955) estabeleceu semelhanas e

    diferenas para as cermicas Tapaj e Konduri.Quantoas semelhanas elas possuem em

    6 Estas duas colees atualmente pertencem ao acervo do Museu Paraense Emlio Goeldi.7 Konduri - Estilo cermico definido por Peter Hilbert (1955) que se caracteriza pela nfase na modelagem e inciso. Est localizadogeograficamente na regio Nhamund-Trombetas.

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    comum: o predomnio de adornos antropomorfos e zoomorfos servindo como ala ou

    simples decorao; o uso de cauixi8 como aditivo; a confeco de vasilhames com borda

    dupla; a utilizao de bases anulares e trpodes; os motivos cabea dupla; os tipos de olhos;

    a presena de dolos de barro; a ausncia de urnas funerrias, provavelmente como

    resultado da dissoluo dos ossos em bebidas; e a presena de marcas de esteiras nacermica.Quanto as diferenas, Hilbert estabeleceu as seguintes:

    SANTARM KONDURI

    Utilizao moderada do cauixi como aditivo. Utilizao abundante do cauixi como aditivo.

    Dureza da cermica estabelecida por volta de 3 e 4. Dureza da cermica estabelecida por volta de 2 e 3.

    Utilizao moderada de incises e adornos nas

    alas.

    Presena de alas quase sempre decoradas com

    pontilhados, entalhes e incises.

    Fixao de adornos e alas atravs de encaixes. Fixao de adornos e alas de simples contato.

    Utilizao abundante de caritides. Ausncia de caritides.

    Presena rara de fragmentos de vasos trpodes. Presena abundante de fragmentos de vasos

    trpodes.

    Presena de bordas ocas. Ausncia de bordas ocas.

    Presena de cachimbos angulares com

    ornamentao neo-brasileira.

    Presena rara de cachimbos.

    Utilizao de incises curvas e retas na decoraodos vasos.

    Utilizao apenas de incises retas na decoraodos vasos.

    Pinturas em diversas cores, com tintas de difcil

    remoo.

    Raros vestgios de pintura vermelha de fcil

    remoo.

    Sobre os sambaquis, Palmatary apenas transcreveu o que Hartt j havia escrito

    sobre Taperinha.

    Para fazer a anlise estilstica, Palmatary dividiu o material estudado em vinte e cinco

    tipos com subdivises. Embora considerados aqui juntos os dois trabalhos da autora,

    ressaltamos que no segundo h um detalhamento maior nas categorias estilsticas que

    compe o tipo. Apesar do aparente aprofundamento do estudo estilstico de um trabalho ao

    outro, suas concluses so basicamente as mesmas. Outro problema que em nenhum

    momento a autora discutiu os critrios de criao dos tipos, apenas apresentou-os ao leitor.

    8 Cauixi ou Cauxi - Designao comum aos animais espongirios monaxnidos da famlia dos espongideos de gua doce. Crescem nasvrzeas alagadias ou igaps e se acumulam nas razes das rvores. Da so retirados pelos indgenas ou caboclos e transformados emcinza que, misturada a argila, serve para a fabricao de cermica.

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    Observando sua classificao, percebe-se que a diviso bsica do material entre

    peas inteiras e fragmentadas. Desta forma tipo I ao XI esto includos os vasos inteiros,

    que so divididos quanto ao tipo de bojo, base e suporte. No tipo XII, esto o que ela

    denominou "Miscellaneous Incomplete Pieces" e so subdividas em: corpo, suporte e borda.

    No tipo XIII esto as estatuetas. No tipo XIV, os amuletos de barro; ela no explica porqueconsidera tais peas como amuleto. No XV, esto os apitos. No XVI, os adornos

    fragmentados dos vasos que se apresentam em formas zoomorfas e antropomorfas. No tipo

    XVII esto as caritides; dividiu-as em formas colunares, naturalsticas e estilizadas;

    Palmatary acreditava que estas formas sugeriam uma evoluo nos tipos de caritides ou

    talvez seriam produto da inexperincia do arteso. Ressalta que todas as caritides das

    colees examinadas, com exceo de uma so do sexo feminino ou no tem

    representao de sexo. No tipo XVIII esto os gargalos. No XIX esto as alas, quegeralmente so ornamentadas. No XX, os fragmentos do corpo dos vasos. No XXI,

    fragmentos de borda. No XII, os "Hollow Shoulder-Cylinder", considera esta forma muito

    comum na cermica Tapaj compondo uma de suas principais caractersticas, embora no

    tenhamos encontrado nenhuma na coleo estudada. No tipo XXIII, os cacos misturados;

    possui apenas uma subdiviso: caudas. Afirmou que estes fragmentos aparecem

    freqentemente nas colees e que em um primeiro momento sups serem suportes, porm

    na verdade so caudas de animais como onas e macaco. No tipo XXIV, esto as cermica

    no-Tapaj; neste tipo Palmatary classificou a cermica que embora, tenha sido encontrada

    dentro da rea geogrfica atribuda aos Tapaj, era diferente estilisticamente. E finalmente,

    no tipo XXV esto os cachimbos. Estabelecida esta classificao cada pea foi descrita e

    apresentada atravs de fotografias ou desenhos.

    A anlise estilstica do material no se restringe a cermica, a autora fez o mesmo

    para o material ltico encontrado nas colees. Classificou e descreveu sete tipos:

    implementos, muiraquits, contas, estatuetas, dolos, volumes de formas geomtricas e

    espcies no identificadas.

    Palmatary, aps a descrio do material, analisou suas caractersticas estilsticas e

    traou suas correlaes. Segundo ela, comparando a arte do Maraj com a dos Tapaj,

    percebe-se que os primeiros eram excelentes nas decoraes de superfcie, em pinturas e

    incises tendo formas geomtricas complicadas e suas representaes antropomorfas eram

    altamente estilizadas; os segundos eram peritos em artefatos modelados, usando

    abundantes reprodues naturalistas antropomorfas e zoomorfas. Considerou que

    provavelmente existiu uma diferena cronolgica entre elas, uma vez que em 1616, os

    ceramistas do Maraj j estavam extintos e a cultura Tapaj estava aparentemente no seu

    33

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    pice. Afirma que "although different stylistically and seemingly also ideologically these two

    outstanding Amazonian cultures both display in highly developed form, an unusual and

    difficult technique - that of hollow rims"(Palmatary,1960:89)9 . Acreditava que este fato

    poderia sugerir a possibilidade de ter existido uma cultura de data intermediria a qual atuou

    como transmissora deste tipo de forma.Palmatary afirmava que "because Tapaj art is so native and because of certain

    peculiarities of stylization, the pottery is unusually ease to identify. However, Tapaj design

    also presents features in common, not only with Maraj, but with cultures whose remain have

    been found far from the Amazon Valley"(Ibid.:89)10.

    Para fazer esta filiao com outras reas, a autora dividiu as caractersticas

    estilsticas em dois itens: os fatores no-correlacionados, ligados as representaes

    faunsticas que o elemento nativo no desenho Tapaj; e os fatores correlacionados, que sereferiam a traos estruturais e decorativos que a cermica Tapaj apresenta em comum com

    as outras reas arqueolgicas americanas.

    Os fatores no-correlacionados so as representaes de jacars, onas, macacos,

    pssaros e cotias. Palmatary argumenta que os adornos, estatuetas e vasos com estes

    motivos faunsticos so "puramente Tapaj", portanto, importantes para a identificao

    cultural e para traar sua rota.

    Os fatores correlacionados so: as formas batrquias, as caritides, as formas

    compostas, os" enclosed eye area", as formas dos olhos, as estatuetas, as flanges, as alas,

    o motivo mo-no-rosto, os "hollow shoulder-cylinders", os vasos antropomorfos

    representando corcundas, os gargalos, as bordas incisas e ocas, as volutas, as bases

    anulares em forma de sino, as trpodes, os pratos concntricos, os "fish effigy vessels", as

    "superimposed forms" e os apitos. Aps a descrio destes elementos apresenta uma tabela

    de correlao que segundo ela "an attempt based upon a study of archaeological reports

    covering the most important areas between the southeastern United States an Argentina to

    estimate the incidence in the archaeology of others areas of certain ceramic traits which

    characterize Tapaj pottery"(Ibid:108)11 . Como justificativa da troca de informaes e

    influncias, Palmatary apontou o fato das migraes, que sempre caracterizaram a raa

    humana seja por causa de guerras, comrcio ou pelo prprio extinto humano de conhecer

    9 Traduo - "embora diferentes estilstica e ideologicamente, estas duas importantes culturas amaznicas exibem em formas altamentedesenvolvidas, uma tcnica difcil e rara - as bordas ocas".10

    Traduo - "sendo a arte Tapaj to genuna por causa de certas particularidades da estilizao, a cermica facilmente identificvel.Porm, o desenho Tapaj tambm apresenta caractersticas em comum, no apenas com Maraj, mas com culturas cujos restos tem sidoencontrados longe do vale do Amazonas".11Traduo - " uma tentativa de estimar a incidncia na arqueologia das reas mais importantes desde o sudeste dos EUA at aArgentina, de certos traos que caracterizam a cermica Tapaj".

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    outros lugares. Outro aspecto eram as possveis conexes atravs do imenso sistema fluvial

    da bacia amaznica que propiciaria estas migraes.

    Palmatary conclui que atravs de sua pesquisa, ainda no era possvel saber quem

    foram os Tapaj e quanto tempo eles estiveram no baixo Amazonas. Embora no podendo

    responder estas questes, que alis no estavam em seus objetivos, forneceu uma grandecontribuio na medida que estabeleceu quais as caractersticas fundamentais da cermica

    Tapaj que a autora denominou de fatores no-correlacionados; que tornou pblico os

    dados e mapas de Nimuendaj; que mostrou as relaes estilsticas dos Tapaj com outras

    reas especialmente com a regio do Caribe; e que mostrou elementos que permitem supor

    que os Tapaj eram formados por mais de um grupo tnico.

    Quando Palmatary publicou "The Archaeology of the Lower Tapajs Valley, Brazil",

    Betty Meggers criticou-o severamente. Segundo ela, j que o trabalho no diz nada sobre otamanho, a localizao, a distribuio geogrfica e abundncia de stios; nada sobre a

    profundidade ou estratigrafia dos depsitos; e nada relevante sobre a descrio tcnica da

    cermica deveria ter sido denominado "The Pottery of the Tapaj Valley". Meggers tambm,

    considera que o ponto de apoio do trabalho esta na arte em vez da cincia (Meggers,1960).

    Embora Meggers tenha criticado to severamente o trabalho de Palmatary, seus

    posicionamentos tericos no se mostram contraditrios. Ambos possuem uma preocupao

    difusionista, pois as autoras esto preocupadas em saber as origens e rotas de migrao

    dos estilos cermicos na Amaznia e arredores. O resultado final do trabalho de Palmatary,

    o grfico de correlao, demonstra muito bem este aspecto. Neste grfico , a autora

    demonstra os traos estilsticos que a cermica Tapaj tem em comum com as outras

    regies, buscando estabelecer focos de influncias de onde provavelmente estes tenham

    migrado.

    Na dcada de 50, Frederico Barata publicou uma srie de trabalhos sobre a cermica

    Tapaj. Estes trazem uma anlise bastante geral da cermica, baseada apenas nas

    observaes estilsticas de vasos.

    Em sua anlise, Barata considerou a caracterstica mais marcante da cermica

    Tapaj, os vasos de caritides e de gargalo. Ressaltou que ao lado das formas

    extremamente decoradas, existia cermica sem decorao e que na verdade compunha a

    maior parte do material. Na maioria das colees existentes hoje, inclusive na do prprio

    autor, no existem amostras de cermica sem decorao, pois no era valorizada por no

    possuir beleza plstica.

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    O procedimento de coletar somente peas mais bonitas est ligado a interesses de

    colecionadores e antiqurios e representa o primeiro estgio de desenvolvimento do

    interesse pela pr-histria. Este procedimento tem como base terica o difusionismo. Esta

    teoria explicativa considera que as inovaes culturais e suas manifestaes materiais no

    podem surgir em vrios locais ao mesmo tempo. Acredita que as inovaes surgem emcentros que possuem condies privilegiadas de onde migram para as periferias. Na medida

    em que ocorrem estas migraes e estas vo se distanciando do centro, suas caractersticas

    vo tornando-se mais diludas. Portanto, dentro deste quadro terico que se justifica a

    preocupao em achar as peas mais bonitas, mais trabalhadas, isto significaria achar o

    centro de inovao cultural.

    Segundo a definio do autor, os vasos de caritides so constitudos de trs partes

    bastantes distintas, modeladas separadamente e depois unidas. Estas partes so: a inferior,que quase sempre representada em forma de carretel; a superior, que tm a forma de uma

    cuia ou bacia sendo bem maior que a primeira; e a terceira so as caritides antropomorfas

    que fazem a ligao entre as duas primeiras.

    A parte inferior, que Barata denominou de suporte, sempre decorada com desenhos

    geomtricos. A parte superior tambm, possui desenhos geomtricos iguais ao da parte

    inferior. Embora estes desenhos sejam quase sempre diferentes de um vaso para o outro,

    no mesmo vaso so sempre iguais.

    Quanto as caritides, observou o autor, que so sempre trs figuras antropomorfas

    femininas ou sem sexo definido. Segundo ele, nunca se encontrou uma caritide masculina,

    embora Palmatary(1960) afirme que existe um caso. Nestas figuras a representao

    corprea quase no existe, em compensao a cabea desproporcionalmente grande. Isto

    naturalmente esta ligado a sua funo de suporte do vaso. Os olhos, nariz, boca e orelhas

    so modelados com perfeio. Os membros inferiores quase no existem. Os membros

    superiores podem ser representados nas seguintes atitudes: com as mos cobrindo os

    olhos, com as mos tapando a boca, com as mos estendidas para baixo e repousando

    sobre as pernas, com uma s mo cobrindo um olho e a outra sobre o joelho e uma s mo

    tapando a boca. Sem exceo, no mesmo vaso as trs caritides so sempre iguais,

    possuindo a mesma atitude, porm de um vaso para o outro so sempre diferentes.

    Barata descrevendo a parte superior, que designou como bacia, observou que pelo

    lado externo desta existem figuras antropo-zoomorfas. Estas figuras geralmente

    apresentam-se em nmero de quatro porm, existem vasos com cinco.

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    Para concluir sua descrio, o autor chamou a ateno para o aparecimento, em

    alguns vasos, de quatro furos localizados logo abaixo das figuras antropo-zoomorfas.

    Segundo ele, j que o suporte em forma de carretel, permite uma estabilidade perfeita aos

    vasos, estes furos no seriam para a introduo de fios cuja finalidade fosse manter a pea

    em suspenso. Barata acha mais aceitvel que estes furos servissem para colocar penascoloridas nos dias festivos.

    O autor considera os vasos de gargalo "os mais belos e mais ricos de sugestes entre

    quantos produziu a arte oleira dos Tapaj"(Barata,1950:30). Dividiu-os em dois tipos, o

    primeiro, tem a forma de uma lmpada votiva. Esta forma sugerida pelas duas "asas"

    alongadas para o lado em forma de cabea de jacar ou de aves, talvez mutum ou urubu-rei.

    O corpo do vaso no possui decorao, mas tem a forma de gomos e possui apndices

    ornamentais em forma de rs. Estas se localizam entre as duas "asas" laterais. O espaoentre as rs e as cabeas de jacars ou aves so preenchidas com pequenas cabeas

    antropomorfas ou zoomorfas ou ainda por cobras estilizadas. Sobre as cabeas de jacar

    h, quase sempre, um quadrpede, talvez um candeo. Nas cabeas das aves h

    geralmente outra ave de asas abertas. O gargalo, que o elemento caracterizador deste tipo

    de vaso, aparece colocado, segundo o autor "como se fra um chapo, sobre uma cabea

    antropomorfa que, mais dilatada, serve de ligao entre ele e o corpo central ...Nem sempre,

    porm, essa dilatao intermediria tem uma figura antropomorfa. As vezes, ornamentada

    com estilizaes de rs cobras, em relevo, ou ainda com simples incises"(Ibid:33). Segundo

    ele os suportes destes vasos, tem a forma de um prato invertido possuindo decorao com

    incises ou em baixo relevo. E ainda em alguns vasos em outros o suporte em forma de

    animal, como por exemplo uma tartaruga que carrega a pea