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 POLÍTICA ENERGÉTICA  2 0  CIÊNCIA HOJE  • vol. 41 • nº 245  2 0  CIÊNCIA HOJE  • vol. 41 • nº 245  A energia é essencial para o desenvolvimento social e econômico do mundo. No entanto, sua produção e consumo provocam danos ambientais consideráveis. O uso crescente de combustíveis fósseis é apontado como a principal causa do aumento nas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera e do cada vez mais evidente aquecimento global, mas outras formas de geração de energia também contribuem  para esse problema. Entre elas estão as usinas hidrelétricas.  A noção de que as hidrelétricas – responsáveis, no Brasil,  por 77% da eletricidade produzida – fornecem uma energia ‘limpa’ vem sendo revista. Estudos revelam que a de composição de matéria orgânica nas áreas alagadas pelos reservatórios de algumas usinas  pode gerar e emitir para a atmosfera quantidades expressivas de metano e gás carbônico, dois gases envolvidos no aquecimento global.  Alexandre Kemenes Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (Programa LBA), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Bruce Forsberg Coordenação de Pesquisas em Ecologia, Inpa  John Melack Bren School of Environmental Science and Management, University of California in Santa Barbara POLÍTICA ENERGÉTICA  F   O T  O  S D E T  . A R A M A  C  /  T Y B A 

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 A energia é essencial para o desenvolvimento social e econômico do mundo.

No entanto, sua produção e consumo provocam danos ambientais consideráveis.

O uso crescente de combustíveis fósseis é apontado como a principal causa do aumento

nas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera e do cada vez mais evidente

aquecimento global, mas outras formas de geração de energia também contribuem para esse problema. Entre elas estão as usinas hidrelétricas.

 A noção de que as hidrelétricas – responsáveis, no Brasil,

 por 77% da eletricidade produzida – fornecem uma energia ‘limpa’ 

vem sendo revista. Estudos revelam que a decomposição de matéria orgânica

nas áreas alagadas pelos reservatórios de algumas usinas

 pode gerar e emitir para a atmosfera quantidades expressivas de metano

e gás carbônico, dois gases envolvidos no aquecimento global.

 Alexandre KemenesExperimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (Programa LBA),

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)

Bruce ForsbergCoordenação de Pesquisas em Ecologia, Inpa

 John MelackBren School of Environmental Science and Management,

University of California in Santa Barbara

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 A Terra enfrenta hoje uma situação sem precedentes em sua história recente e, se-gundo muitos cientistas, alarmante. Tal situação, que pode ameaçara sobrevivência futura de todos os seres vivos, inclusive a espéciehumana, é o chamado aquecimento global – o aumento da tempe-ratura média dos oceanos e da atmosfera, próximo à superfície doplaneta. O problema decorre da intensificação do efeito estufa, fe-

nômeno natural que mantém a temperatura planetária dentro deníveis adequados à existência da vida como a conhecemos.No efeito estufa, diferentes gases presentes na atmosfera retêm

parte do calor que a Terra reflete, evitando que escape para o espaço.Se o processo não ocorresse, a temperatura média do planeta seriamuito baixa e apresentaria fortes alterações entre o dia e a noite,dificultando a vida. Nos últimos 150 anos, porém, esse processo es-tá se intensificando. Isso ocorre devido a diversas ações humanas,como a queima de combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral,por exemplo), o desmatamento, as mudanças no uso do solo e daágua e outras, que aumentaram as emissões de alguns gases deefeito estufa e, em conseqüência, elevaram suas concentrações naatmosfera.

Cerca de 99% da atmosfera atual é formada por moléculas denitrogênio (N

2) e de oxigênio (O

2), e a parcela restante inclui vários

gases simples ou compostos. Entre esses últimos, os mais conheci-dos gases-estufa são o gás carbônico (CO2), o vapor d’água (H2O), ometano (CH4), o óxido nitroso (N2O), os clorofluorcarbonetos (CFCs)e o ozônio (O3). Há evidências de que o aumento significativo nasconcentrações de alguns desses gases (gás carbônico, metano eóxido nitroso) estaria aquecendo gradualmente o planeta.

Para entender o problema e auxiliar no desenvolvimento de es-tratégias eficazes para reduzir seus impactos, cientistas de todo omundo empenham-se em identificar e quantificar os principais

Emissão de metano e gás carbônico 

é elevada em usinas do trópico úmido

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As hidrelétricas e o aquecimento global

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processos que influenciam o balanço dos gases de efeitoestufa na atmosfera. A queima de combustíveis fósseis éa fonte mais conhecida de CO2, mas processos biológicostambém afetam a concentração atmosférica desse e deoutros gases-estufa. São exemplos o consumo de gás car-bônico pelas plantas, na fotossíntese, e a liberação desse

gás e do metano por comunidades biológicas durante ometabolismo e a decomposição de material orgânico. Adecomposição de material orgânico (plantas, principalmen-te) em lagos profundos e áreas alagadas é uma das maioresfontes de metano, um dos gases que mais participam doaquecimento global.

Nesses casos, parte do carbono armazenado no tecidodas plantas (em geral retirado da atmosfera na forma deCO

2) é liberada na forma de CH

4quando estas se decom-

põem na ausência de oxigênio, condição encontrada comfreqüência em muitos reservatórios artificiais. Como opotencial térmico do CH4, calculado sobre um período de100 anos, é 25 vezes maior que o do CO2, essa transforma-

ção de um gás em outro resulta em uma contribuição ex-pressiva para o aquecimento global.

Emissões emáreas alagadasO represamento dos rios, para gerar energia elétrica, au-mentou muito as áreas alagadas no mundo. Em geral, osreservatórios das hidrelétricas alagam vastas áreas com

vegetação terrestre. A maior parte das plantas submersasmorre e entra em decomposição, gerando CO2 e CH4, quesão liberados para a atmosfera por muitos anos. Parte des-ses gases é liberada, por difusão ou ebulição, na superfícieda água. Outra parte é liberada abaixo das barragens, nasaída das turbinas, devido à queda da pressão hidrostática(assim como parte do gás de um refrigerante sai logo quese abre a garrafa). Uma terceira parcela é lançada na at-mosfera lentamente, por difusão, ao longo do canal dosrios, abaixo das barragens. Vincent Saint Louis, da Uni-versidade de Alberta (Canadá), e outros estimaram, em2000, que a emissão dos reservatórios corresponde global-mente a 4% das emissões de CO

2e 18% das emissões de

CH4 decorrentes de ações humanas. Já a contribuição dosgases liberados abaixo das barragens para as emissões glo-bais ainda é pouco conhecida e negligenciada.

Hoje, a maioria dos novos reservatórios surge em regiõestropicais, onde ainda é grande o potencial hidrelétricosubexplorado. No Brasil, a Eletrobrás tem um plano am-bicioso da construção de hidrelétricas na Amazônia. Al-gumas já foram concluídas, como as de Balbina, Tucuruí,Samuel e Curuá-Una (figura 1). Outras, como Belo Mon-te (no rio Xingu), Santo Antônio e Jirau (ambas no rioMadeira) estão em fase de planejamento ou implantação.A escolha das hidrelétricas a serem construídas deveria

basear-se em uma rigorosa análise de custo e benefício,que contabilizasse, além das despesas de construção emanutenção, os custos ambientais – e a emissão de gases-estufa é um dos principais. Os custos econômicos e am-bientais também deveriam ser comparados com os deoutros tipos de usinas, como as termelétricas (que utilizam

combustíveis fósseis ou nucleares), para garantir que ahidrelétrica tenha uma melhor relação custo/benefício.A razão entre o potencial energético de uma hidrelétri-

ca (em megawatts) e a área alagada pelo reservatório (emquilômetros quadrados) é denominada densidade energé-tica. Esse fator é empregado com freqüência para avaliaro impacto do represamento. No caso de algumas usinasamazônicas, a densidade energética é de 0,09 MW/km2 emBalbina (que tem potencial de 250 megawatts e área má-xima inundada de 2.600 km2), 0,39 em Samuel (216 MWe 550 km2), 0,73 em Curuá-Una (60 MW e 80 km2) e 1,74em Tucuruí (primeira fase, com 4.240 MW e 2.430 km 2).Na hidrelétrica de Petit-Saut, na Guiana, também situada

em região de trópico úmido, a densidade é de 0,33 (120MW e 365 km2). O valor relativamente alto previsto paraTucuruí, na primeira fase, foi uma das principais justifi-cativas para sua construção. Em uma segunda fase, adensidade energética dessa usina alcançou um valor – 3,6– significativamente superior ao da primeira fase. Emcontraste, como o valor referente a Balbina (0,09) foi ex-

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cepcionalmente baixo, sua implantação resultou em enor-mes danos ambientais, injustificáveis no atual clima polí-tico-ambiental.

As emissões totais de CO2

e CH4

dos reservatórios deusinas hidrelétricas são aproximadamente proporcionaisà área alagada, embora as emissões de carbono por metro

quadrado sejam maiores em represas tropicais do que nastemperadas, devido à elevada atividade metabólica emáguas com temperaturas mais elevadas. A emissão total degases-estufa abaixo da barragem só foi estimada com pre-cisão em duas usinas tropicais. Gwenaël Abril, da Univer-sidade Bordeaux 1, na França, e outros, determinaram asemissões da hidrelétrica de Petit-Saut em 2005, e um dosautores deste artigo (Kemenes) fez estudo semelhante emBalbina em 2006. Essa emissão, expressa em toneladas decarbono por megawatt-hora de energia gerado, foi de 0,42em Petit-Saut e de 0,45 em Balbina.

Valores próximos sugerem que esse tipo de emissão podeser relativamente constante e, portanto, similar em outras

hidrelétricas do trópico úmido. Para avaliar a contribuiçãodas emissões dessas usinas para o aquecimento global épreciso transformar o fluxo de CH4 em ‘equivalentes’ de CO2,já que o primeiro tem potencial térmico muito maior. Isto éfeito multiplicando as emissões de metano por 25 (ou seja,um grama de metano equivale, para efeito de aquecimentoda atmosfera, a 25 gramas de gás carbônico).

Hidrelétricasversus termelétricasComo signatário do Protocolo de Kyoto, o Brasil se com-

prometeu a quantificar suas emissões de gases-estufa pormeio de inventários de cada setor de atividade. O primei-ro inventário dessas emissões nas hidrelétricas nacionaisfoi publicado por Luiz Pinguelli Rosa, do Instituto Alber-to Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenha-ria (Coope), e outros em 2006. Embora baseado em medi-das realizadas em diversos reservatórios, o inventário su-bestima significativamente a contribuição das hidrelétri-cas nas emissões brasileiras. Os autores consideram ape-nas as emissões de gases-estufa acima das barragens, masos estudos já citados revelam que as emissões abaixo dasrepresas representaram 48% do total em Petit-Saut e 15%em Balbina. Como esses valores são representativos, o in-

ventário pode ter subestimado as emissões totais de hidre-létricas por essa mesma ordem de magnitude.

O inventário brasileiro comparou as emissões de algu-mas hidrelétricas tropicais brasileiras com as produzidaspor usinas termelétricas de combustíveis fósseis com omesmo potencial energético e concluíram que, na maioriados casos, a hidrelétrica era mais limpa. No entanto, comoas emissões das hidrelétricas foram subestimadas, essaanálise foi equivocada. Repetindo a análise para quatrousinas brasileiras da região Norte (Balbina, Tucuruí, Curuá-Una e Samuel) e para a de Petit-Saut, na Guiana, chegamosa uma conclusão diferente para as hidrelétricas sul-ame-

ricanas do trópico úmido. Em nossa análise, todas asemissões acima e abaixo das barragens foram incluídas econvertidas para toneladas de carbono por MWh de ener-gia elétrica gerada. Os dados de emissão acima da barragemforam derivados de estudos de Éric Duchemin, da Univer-sidade de Quebec em Montreal, e outros (em 2000), deIvan B. T. Lima, do Instituto Nacional de Pesquisas Espa-ciais, e outros (em 2002), de Gwenaël Abril e outros (em2005) e de Alexandre Kemenes (em 2006). A energia efe-tivamente gerada pelas hidrelétricas foi estimada em 55%do seu potencial energético máximo, já que essa é a médiapara usinas brasileiras.

Para as três hidrelétricas brasileiras sem medições pre-cisas de emissão abaixo da barragem (Tucuruí, Samuel eCuruá-Una), presumimos que essa emissão era igual aovalor médio encontrado em Balbina e Petit-Saut (0,43 to-nelada de carbono por MWh). As emissões de metano dascinco usinas foram multiplicadas por 25, obtendo-se osequivalentes de CO2. Para as termelétricas brasileiras, foramusados os valores de emissão (por MWh) determinados em2001 por Martina Bosi, da Agência Internacional de Ener-gia. Calculadas com base nesses parâmetros, as emissõestotais das hidrelétricas incluídas no estudo revelaram-sesempre maiores que as das termelétricas tropicais consi-deradas, inclusive as que queimam carvão mineral, tido

Figura 1. No reservatóriode Balbina, a morte e adecomposição da vegetaçãoalagada pelo enchimentodo reservatório resultouem emissões signicativasde metano e gás carbônco

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como o combustível fóssil mais poluente (figura 2). EmBalbina, que tem uma das piores densidades energéticasdas hidrelétricas brasileiras, a emissão de gases-estufa porMWh é cerca de 10 vezes maior que a de uma termelétricaa carvão mineral. Mesmo Tucuruí, com uma das melhoresdensidades energéticas do país, gera quase duas vezes mais

gases-estufa por MWh que uma termelétrica a carvão.Nesse tipo de comparação é importante considerar aorigem das emissões e o potencial impacto no aquecimen-to global. No caso das termelétricas a combustíveis fósseis,a fonte das emissões não é renovável e a contribuiçãoefetiva para o aquecimento global é igual à quantidadetotal de gases emitida. Já no caso das hidrelétricas estuda-das, a situação é mais complexa porque as emissões podemse originar de fontes renováveis e não-renováveis.

A emissão de gases-estufa que deriva da decomposiçãode material orgânico presente nas plantas e nos solos terres-tres alagados pelo reservatório também é uma contribuiçãodireta para o aquecimento, já que a vegetação original do

lago morreu e jamais se recuperará. A situação é diferentequando as emissões derivam do material orgânico produzi-do por plantas terrestres vivas da bacia acima da barragem,cujos detritos são transportados para o reservatório pelosrios. Nesse caso, a quantidade de carbono liberado nometabolismo e na decomposição é similar à quantidadede CO2 atmosférico seqüestrado pelas plantas por meio dafotossíntese, resultando em uma emissão líquida próximade zero. Quando a emissão ocorre na forma de CO

2, o efeito

no aquecimento atmosférico é nulo. A situação é mais com-plexa quando o material orgânico é de plantas aquáticas,produzidas no reservatório, já que o CO2 fixado pode ser

derivado da atmosfera ou da decomposição de matéria or-gânica já existente no sistema aquático. Nesse caso, umaparte significativa das emissões pode ser efetiva.

Em 2005, Cory Matthews, da Universidade de Alberta(Canadá), e outros quantificaram em detalhe os estoques efluxos de carbono antes e depois da construção de cinco

pequenas represas canadenses e concluíram que as emissõesde gases-estufa após o represamento eram derivadas prin-cipalmente do material orgânico terrestre (plantas e mate-rial orgânico no solo) preexistente na área do reservatório.Uma análise do balanço de carbono no reservatório tropi-cal Petit-Saut durante os primeiros 10 anos após o re-presamento também indicou que as emissões de gás carbô-nico e metano derivaram predominantemente das plantase da matéria orgânica do solo preexistentes na área inun-dada. As maiores taxas de decomposição e emissão foramregistradas nos primeiros anos após o fechamento, mas afonte das emissões foi a mesma durante todo o período.

Tais estudos sugerem que o balanço das emissões das

hidrelétricas analisadas é positivo e, portanto, elas de fatocontribuem para o aquecimento global. Vale lembrar que,independentemente da fonte, todo fluxo de metano con-tribui para o aumento do efeito estufa devido ao maiorpotencial de aquecimento atmosférico desse gás em relaçãoao CO2 originalmente fixado pelas plantas.

A contribuição efetiva das emissões das hidrelétricaspara o aquecimento global também depende do balançode carbono que ocorria originalmente no ecossistema ala-gado pelo reservatório. Se antes o ecossistema acumulavamatéria orgânica, o gás carbônico que, com a inundação,deixou de ser seqüestrado deve ser somado às emissões.

Entretanto, se o ecossistema original emitiacarbono, o gás que deixou de ser liberadodeve ser descontado das emissões da hidre-létrica.

Estudos do balanço de carbono em ecos-sistemas terrestres e aquáticos da regiãoamazônica realizados pelo Experimentode Larga Escala da Biosfera-Atmosfera naAmazônia (projeto LBA) têm mostrado quea floresta tropical úmida acumula carbono,enquanto os ecossistemas aquáticos o libe-ram. Como os fluxos terrestres (negativos)e aquáticos (positivos) estimados para todaa região tiveram a mesma ordem de grande-za, as emissões de gases-estufa preexisten-tes nas áreas dos reservatórios de Balbina,Tucuruí, Curuá-Una, Samuel e Petit-Sautprovavelmente eram próximas de zero e,portanto, não devem ser contabilizadas nasemissões atuais desses sistemas.

Com base em todos esses dados, pode-seconcluir que as emissões das hidrelétricastropicais apresentadas nesse estudo sãopositivas. Portanto, participam do processode aquecimento global e podem ser com-

Figura 2. Índices de emissões de gás carbônico e metano (calculadas de acordocom o potencial térmico de cada composto) em relação à energia elétrica geradade cinco hidrelétricas do trópico úmido sul-americano (colunas) e de três tiposde termelétricas movidas a combustíveis fósseis (linhas em cores), com indicaçãodas emissões acima (área preta nas colunas) e abaixo (área cinza) das barragens

3.5

3.0

2.0

2.5

1.5

1.0

0.5

0

       Í    n      d       i    c 

    e       d 

    e     e     m

      i    s     s 

      ã     o 

      (       t     o     n    e 

      l     a       d     a     s 

       d     e     c     a     r      b     o     n    o     p      o     r

     m    e     g      a     w    a      t      t    -      h    o     r    a 

      )  

Balbina Tucuruí Petit-Saut Curuá-Una Samuel

 Abaixo da barragem A carvão mineral

 A gás natural

 Acima da barragem A óleo diesel

HidrelétricasTermelétricas

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paradas diretamente com as emissõesde termelétricas abastecidas por com-bustíveis fósseis.

Considerando a grande participaçãodas hidrelétricas na produção energé-tica brasileira, esses resultados sãopreocupantes, pois indicam que o setorelétrico pode contribuir significativa-mente para o aquecimento global.Assim, um novo inventário das emis-

sões de gases de efeito estufa por hi-drelétricas é claramente necessário,visando dimensionar adequadamenteessa contribuição. Esse inventário de-ve levar em conta todos os componen-tes desse fluxo, a dinâmica de gasesantes do represamento e as fontes or-gânicas das emissões. Dados precisossobre as emissões líquidas das hidrelé-tricas existentes são necessários pa-ra avaliar a contribuição desses sis-temas às emissões nacionais e também

para desenvolver estratégias eficazes para reduzir,no futuro, as emissões de todo o setor elétrico.

O metanopode gerar energiaA usina hidrelétrica continuará a ser uma das maiseconômicas tecnologias para gerar energia no Brasil.Seu custo ambiental, porém, pode ser excepcional-

mente alto no trópico úmido, o que poderá desesti-mular o licenciamento para novas unidades. Apenashidrelétricas com elevadas densidades energéticasdeveriam ser construídas, e a retirada da vegetaçãoterrestre antes do enchimento dos reservatórios con-tribuirá para reduzir as emissões.

Novas tecnologias também poderiam contribuirpara a redução das emissões de antigas unidades.As tecnologias mais promissoras incluem métodosde coleta do metano presente em águas profundasdos reservatórios de hidrelétricas antes, durante eapós a passagem da água pelas turbinas, com asubseqüente queima do biogás coletado para a ge-

ração de energia elétrica. Estudos nesse sentidoforam realizados em 2006 por Alexandre Kemenese outros (coletas abaixo da barragem, durante e apósa passagem da água pelas turbinas) e por Luís An-tonio W. Bambace, do Instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia, e outros (coletas ainda no reser-vatório). Estimativas feitas para a hidrelétrica deBalbina sugerem que a coleta e a queima do metanoque passa pelas turbinas (figura 3) poderiam aumen-tar o potencial energético médio dessa usina em até75% e reduzir suas emissões desse gás em 65%.

Além disso, as emissões de metano evitadas por

esse processo poderiam, apenas em Balbina, sertransformadas em US$ 20 milhões em créditos decarbono por ano. Para as cinco hidrelétricas cita-das, foi estimado que o total de metano que passaanualmente por suas turbinas equivale ao total degás carbônico emitido, também por ano, pela cidadede São Paulo por meio da queima de combustíveisfósseis. O aproveitamento do metano poderia acres-centar 1.640 MW ao potencial energético na-cional e arrecadar US$ 400 milhões em créditos decarbono por ano, de acordo com o Mecanismo deDesenvolvimento Limpo estabelecido pelo Proto-colo de Kyoto.

SUGESTÕESPARA LEITURA

ABRIL, G. et al.

2005. ‘Carbondioxide andmethane emissio

and the carbonbudget of a

10-year oldtropical reservoi(Petit Saut, Frenc

Guiana)’ in Globa

Biogeochemical

Cycles, 19: 1-16.BOSI, M. 2001.

 An initial view 

on methodologie for emission

baselines:

Electricity 

 generation

case study .International

Energy Agency/Organizationfor Economic

Cooperation andDevelopment.

65 p.KEMENES, A.

2006. Emissão

de metano e gáscarbônico pela

Hidrelétrica

de Balbina.Tese de

doutorado, 98 ppInstituto Naciona

de Pesquisada Amazônia,Manaus,

Amazonas, BraziROSA, L. P. et al.

2006. Primeiro

Inventário

Brasileiro

de Emissões

 Antrópicas de

Gases de Efeito

Estufa. Emissões

de dióxido

de carbonoe de metano

 pelos reservatóri

hidrelétricos

brasileiros.

COPPE/MCT.Brasília.

SAINT LOUIS, V.C.

et al. 2000.‘Reservoir

surface as sourceof greenhousegases to the

atmosphere:a global estimate

in Bioscience,20: 766-775.

Figura 3. Na saída da água após a passagempelas turbinas, na hidrelétrica de Balbina (A),ocorre forte emissão de gases de efeitoestufa, e mesmo no rio Uatumã (B),30 km abaixo da barragem,ainda são constatadas fortes emissõessuperciais desses gases

    F    O    T    O    S    D    E    A .

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