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487 1. INTRODUÇÃO Hipotireoidismo congênito ocorre quando a glândula tireóide do recém-nascido (RN) não é capaz de produzir quantidades adequadas de hormônios tireoidiano, o que resulta numa redução generalizada dos processos metabólicos 1 . Sua incidência é de 1:4000 nasci- dos vivos. A doença é classificada em: Primária – q uando a falha oco rre na glân dula tireóide; • Secund ária – qua ndo ocorr e deficiência do TSH h ipofisário ; T erciária – quando oco rrem deficiên cia do TRH hipotalâmic o, e resistência perifé ri- ca à ação dos hormônios tireóideos 1,2 . Em regiões onde a deficiência de iodo não é endêmica, o hipotireoidismo congênito é mais freqüentemente causado pela glândula tireóide ausente ou ectópicahipotireoidismo primário), de etiologia esporádica. Mais raramente, em cerca de 15% dos casos, é uma doença herdada recessivamente, levando a uma falha na biossíntese do hormônio tireoidia- no 1 . Em crianças não submetidas à triagem neonatal – como a realizada pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com as Secretarias de Saúde dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios (Portaria GM/MS n° 822, de 06 de junho de 2001), e, conseqüentemente, não tratadas precocemente, o cresci- mento e o desenvolvimento mental ficam seriamente comprometidos 2,3 . As manifestações clínicas do hipotireoidismo congênito são: hipotonia muscular, dificuldades respiratórias, cianose, icterícia prolongada, constipação, bradicardia, anemia, sonolência excessiva, livedo reticularis , choro rouco, hérnia umbilical, alargamento de fonta- nelas, mixedema, sopro cardíaco, macroglossia, dificuldade na alimentação com deficiente crescimento pôndero-estatural, atraso na dentição, retardo na maturação óssea, pele seca e sem elasticidade, atraso de desenvolvimento neuropsicomotor e retardo mental 2 . As crianças com diagnóstico precoce feito pela triagem neonatal podem não apre- sentar qualquer sintomatologia clínica, desde que a terapia de reposição hormonal seja iniciada precocemente 4 , embora alguns estudos tenham evidenciado retardo mental com redução de quociente de inteligência de 6,3 (IC 95% 4,7-7,8) mesmo em pacientes trata- dos 5 . O prognóstico depende, principalmente, da gravidade do hipotireoidismo ao nascimen- to. Pacientes com agenesia da glândula também apresentam mau prognóstico 4 . Hipotireoidismo transitório pode ocorrer em 10% das crianças, ou em cerca de 2,5: 100.000 dos RN. Isto pode ocorrer devido ao tratamento das mães durante a gravidez com iodetos, drogas antitireoidianas ou iodo radioativo 1 . A levotiroxina sódica é o sal sódico do isômero sintético da tiroxina (T4), sendo que Portaria SAS/MS nº 848, de 31 de outubro de 2002. Equipe Técnica: Andry Fiterman Costa, Paulo D. Picon, Karine Medeiros Amaral e Bárbara Corrêa Krug Consultora: Paula Vargas Editores: Paulo Dornelles Picon e Alberto Beltrame

HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO

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    1. INTRODUOHipotireoidismo congnito ocorre quando a glndula tireide do recm-nascido (RN)

    no capaz de produzir quantidades adequadas de hormnios tireoidiano, o que resultanuma reduo generalizada dos processos metablicos1. Sua incidncia de 1:4000 nasci-dos vivos.

    A doena classificada em: Primria quando a falha ocorre na glndula tireide; Secundria quando ocorre deficincia do TSH hipofisrio; Terciria quando ocorrem deficincia do TRH hipotalmico, e resistncia perifri-

    ca ao dos hormnios tireideos1,2.Em regies onde a deficincia de iodo no endmica, o hipotireoidismo congnito

    mais freqentemente causado pela glndula tireide ausente ou ectpicahipotireoidismoprimrio), de etiologia espordica. Mais raramente, em cerca de 15% dos casos, umadoena herdada recessivamente, levando a uma falha na biossntese do hormnio tireoidia-no1.

    Em crianas no submetidas triagem neonatal como a realizada pelo ProgramaNacional de Triagem Neonatal desenvolvido pelo Ministrio da Sade em parceria com asSecretarias de Sade dos Estados, Distrito Federal e dos Municpios (Portaria GM/MS n822, de 06 de junho de 2001), e, conseqentemente, no tratadas precocemente, o cresci-mento e o desenvolvimento mental ficam seriamente comprometidos2,3.

    As manifestaes clnicas do hipotireoidismo congnito so: hipotonia muscular,dificuldades respiratrias, cianose, ictercia prolongada, constipao, bradicardia, anemia,sonolncia excessiva, livedo reticularis, choro rouco, hrnia umbilical, alargamento de fonta-nelas, mixedema, sopro cardaco, macroglossia, dificuldade na alimentao com deficientecrescimento pndero-estatural, atraso na dentio, retardo na maturao ssea, pele seca esem elasticidade, atraso de desenvolvimento neuropsicomotor e retardo mental2.

    As crianas com diagnstico precoce feito pela triagem neonatal podem no apre-sentar qualquer sintomatologia clnica, desde que a terapia de reposio hormonal sejainiciada precocemente4, embora alguns estudos tenham evidenciado retardo mental comreduo de quociente de inteligncia de 6,3 (IC 95% 4,7-7,8) mesmo em pacientes trata-dos5. O prognstico depende, principalmente, da gravidade do hipotireoidismo ao nascimen-to. Pacientes com agenesia da glndula tambm apresentam mau prognstico4.

    Hipotireoidismo transitrio pode ocorrer em 10% das crianas, ou em cerca de 2,5:100.000 dos RN. Isto pode ocorrer devido ao tratamento das mes durante a gravidez comiodetos, drogas antitireoidianas ou iodo radioativo1.

    A levotiroxina sdica o sal sdico do ismero sinttico da tiroxina (T4), sendo que

    Portaria SAS/MS n 848, de 31 de outubro de 2002.

    Equipe Tcnica: Andry Fiterman Costa, Paulo D. Picon, Karine Medeiros Amaral e Brbara Corra KrugConsultora: Paula VargasEditores: Paulo Dornelles Picon e Alberto Beltrame

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    sua utilizao para reposio hormonal produz a normalizao do estado metablico que se encontradeficiente no hipotireoidismo. No meio intracelular, T4 convertido em T3, disponibiliza-se assim ambos oshormnios tireoidianos, mesmo que administrado somente um deles4,6.

    2. CLASSIFICAO CID 10 E03.0 Hipotireoidismo congnito com bcio difuso E03.1 Hipotireoidismo congnito sem bcio

    3. DIAGNSTICO3.1. ClnicoO momento ideal para o diagnstico do hipotireoidismo congnito o perodo neonatal, pois a partir

    de quatro semanas de vida, a deficincia de hormnios tireideos j pode causar leso neurolgica.Portanto, fundamental que os recm-nascidos sejam submetidos triagem neonatal7,8 como a desenvol-vida pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal.

    As manifestaes clnicas citadas devem ter o diagnstico pesquisado laboratorialmente.

    3.2. LaboratorialTriagem neonatal realizada, conforme Portaria GM/MS n 822, de 06 de junho de 2001, por meio

    de: Medida do hormnio estimulante da tireide (TSH) em amostras de sangue colhidas em papel filtro

    (teste do pezinho), seguida de medida da tiroxina (T4) em amostra de soro quando o TSH superior a 20mUI/l em radioimunoensaio ou superior a 15mUI/l em ensaios imunomtricos. Os nveisde TSH de crianas no afetadas podem ser mais altos durante as primeiras 24 horas (podendogerar diagnsticos falso-positivos) devido ao estresse do parto, mas, geralmente, normalizam aoredor de 2 a 3 dias.

    Alternativamente, pode ser realizada medida de T4 em amostra de papel filtro (que dever apre-sentar valor superior a 6 Ug/dl), seguida de medida de TSH quando o T4 inferior ao percentil 10.

    Aps os resultados positivos iniciais no Programa de Triagem Neonatal, deve sempre ser realizada adosagem de T4 (total e livre) e TSH em amostra de sangue venoso, obtida o mais cedo possvel, para quehaja confirmao diagnstica8. Agindo desta forma, a mdia de deteco dos casos suspeitos de aproxi-madamente 90%. Os 10% dos casos restantes so menos severamente afetados e no se tornam detect-veis por TSH at a idade de 2 a 6 semanas.

    Para que seja determinada a etiologia do processo, que na maioria das vezes (85%) tem origem naprpria glndula tireide, indicada a realizao de exames de ultra-sonografia da tireide ou cintilografiacom captao tireidea de iodo radioativo1,6. Quando a espera para a realizao destes exames vier aretardar o incio da terapia de reposio hormonal, os mesmos devem ser feitos somente aps os dois anosde vida da criana, quando se pode suspender a medicao para sua realizao. Nos casos mais raros deetiologia secundria ou terciria, indicam-se tambm os testes laboratoriais com estmulo de TRH8.

    4. CRITRIOS DE INCLUSOApresentar o diagnstico de hipotireoidismo congnito confirmado por exames laboratoriais (TSH e

    T4 total ou T4 livre).

    5. CRITRIOS DE EXCLUSOApresentar valores baixos de TBG (Thyroxine Binding Globulin), o que significa um resultado falso-

    positivo de hipotireoidismo, uma vez que a reduo da protena carreadora de T4 (TBG) leva a dosagensbaixas de T4 total no soro; nestes casos o diagnstico deve ser obrigatoriamente confirmado por T4 livre2.

    6. CENTRO DE REFERNCIAConforme j definido na Portaria GM/MS n 822, de 06 de junho de 2001, Servios de Referncia

    em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento de Doenas Congnitas Tipo I, II ou III onde seinclui o hipotireoidismo congnito so os responsveis pela realizao da triagem dos pacientes assimcomo seu tratamento e acompanhamento.

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    7. TRATAMENTO7.1. FrmacoLevotiroxina sdica: comprimidos de 25, 50, 75, 88, 100, 112, 125, 150, 175, 200 e 300g.

    7.2. Esquema de administraoA dose da levotiroxina varia de acordo com a idade do paciente e seu peso corporal, as

    crianas mais jovens necessitam de doses superiores s crianas maiores e aos adultos. Inicia-secom doses de 10-15 g/kg/dia, para o RN a termo, sendo a dose recalculada conforme o ganhoponderal da criana e os nveis de T4 e TSH observados nos controles laboratoriais subseqentes(ver Monitorizao). A dose inicialmente elevada objetiva levar os nveis de tiroxina para a faixasuperior da normalidade em 1-2 semanas4,8.

    A meia-vida da levotiroxina de 7 dias, sendo ento administrada somente uma vez aodia. Apresenta boa absoro por via oral, havendo raramente a necessidade de sua utilizao porvia parenteral (neste caso, utilizam-se 75% a 80% da dose preconizada por via oral)1,4.

    Tabela I - Doses de Reposio de Levotiroxina2

    Idade Dose (g/kg/dia)0 - 28 dias 10 15

    1 - 6 meses 8 107 - 11 meses 6 8

    1 - 5 anos 5 66 - 10 anos 3 411 - 20 anos 2 - 3

    Adultos 1 - 2

    7.3. Tempo de tratamento critrios de interrupoO tratamento preconizado dever ser mantido por toda a vida, exceto para os casos de

    hipotireoidismo congnito transitrio, nos quais o tratamento realizado at a idade de 48 meses.

    7.4. Benefcios esperados com o tratamentoPacientes submetidos a programas de triagem neonatal, com diagnstico e tratamento

    precoces apresentam preveno total da deficincia mental e demais danos provocados peladoena.

    Crianas com diagnstico e tratamento tardios (> 30 dias de vida) apresentam: melhora do desenvolvimento neuropsicomotor. Na ausncia de tratamento precoce, 40%

    dos indivduos afetados tm QI abaixo de 70 e 19% dos indivduos afetados tem QIabaixo de 55. A mdia geral do QI cerca de 80. Com tratamento, muito do prejuzointelectual recuperado, mas nunca restabelecido em nveis normais. possvel que,em algumas crianas, a falha no desenvolvimento intelectual possa no ser recuperadacom tratamento ps-natal2,5;

    recuperao do ritmo de ganho pndero-estatural; normalizao dos parmetros metablicos alterados, como a normalizao da freqncia

    cardaca, dos hbitos intestinais, dos hbitos de sono, da temperatura e umidade dapele.

    8. MONITORIZAOAs visitas de acompanhamento devem incluir avaliao hormonal, de crescimento e puber-

    dade e testes psicomtricos, cujos resultados devem estar dentro da variao normal. Tanto odesenvolvimento fsico como o neuro-psicomotor tambm orientam o manuseio das doses dereposio hormonal6,8.

    As reaes adversas ao medicamento esto, em geral, associadas prpria ao dohormnio tireoidiano, por superdosagem ou subdosagem teraputicas, sendo que a anlise clnica

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    criteriosa do paciente trar a suspeita de uma destas condies. Na superdosagem, observam-se sinais esintomas de hipertireoidismo: taquicardia, diarria, vmitos, tremores, sudorese, febre, alteraes no apetite,irritabilidade, insnia e balano pndero-estatural negativo. Doses subteraputicas traro quadro clnico dehipotireoidismo4.

    O tratamento monitorizado laboratorialmente por meio da determinao das concentraes plas-mticas de T4 total ou T4 livre, alm de TSH. Tais exames devem ser realizados:

    na segunda e quarta semanas de tratamento; a cada 1-2 meses at o primeiro ano; a cada 2-3 meses entre primeiro e terceiro anos; a cada 3-12 meses aps esse perodo; duas semanas aps cada ajuste de dose9.Como j mencionado, o RN a termo deve ser tratado com 10-15 g/kg/dia de L-tiroxina . Esta dose

    ser aumentada aps 2 semanas, se o nvel de T4 de repetio for inferior a 9 mg/dl. O T4 ento mantidoentre 10 e 16mg/dl durante o primeiro ano de vida. Em torno de 80% a 90% dos pacientes apresentam TSHnormal em 4 semanas. O nvel de TSH mantido abaixo de 5 mU/l (1).

    Crianas cujas mes foram tratadas durante a gravidez com drogas antitireoidianas ou iodetos(hipotireoidismo transitrio) so monitoradas at que os nveis de T4 e TSH tenham normalizado2,6.

    9. CONSENTIMENTO INFORMADO obrigatria a cientificao do paciente, ou de seu responsvel legal, dos potenciais riscos e

    benefcios da terapia preconizada neste Protocolo, que dever ser formalizada por meio da assinatura deTermo de Consentimento Informado.

    10. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS1. Greenspan FS. The thyroid gland. In: Greenspan and Strewlers Basic & Clin Endocrinol, 5th ed., Appleton and Lange (editors),

    1997.2. Dussault JH & Fisher DA. Hypothyroidism in infants and children. In: Werner and Ingbars The Thyroid, 6th ed. Braverman LE, Utiger,

    RD (editors) Lippincott, 1991.3. Dussault, JH. Neonatal screening for congenital hypothyroidism. Clin Lab Med. 1993 Sep;13:645-52.4. Goodman LS, Gilman AG, Rall TW, Murad F. As Bases Farmacolgicas da Teraputica, 10 ed. 2001, McGraw & Hill Company.5. Derksen-Lubsen G, Verkerk PH. Neuropsychologic development in early treated congenital hypothyroidism: analysis of literature

    data. Pediatr Res 1996 Mar;39:561-6.6. Fisher DA. Clinical review 19: Management of congenital hypothyroidism. J Clin Endocrinol Metab. 1991;72:523-97. Hackshaw AK, Wald NJ.Screening for Congenital Hypothyroidism. J Med Screen 2000; 7:2128. Newborn Screening Fact Sheets. Consensus of the American Academy of Pediatrics. In: Pediatrics 1996,1998; 473 -93.9. American Academy of Pediatrics. Newborn screening for congenital hypothyroidism: Recomended Guidelines. Pediatrics 1993;91:1203.

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