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1 Tópicos de correcção I 1) Comente: “O pensamento de Aristóteles sobre a pessoa humana é essencialmente uma antítese do modelo de Platão.” 1) Sobre Platão, v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.7, pgs. 77-81. Sobre ARISTÓTELES, v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.8, pgs. 81-87. O “modelo” a que a frase alude é naturalmente o da República, do qual, curiosamente, o próprio PLATÃO se veio a afastar (em parte) nos diálogos da velhice. Semelhanças: i) Superioridade do Estado (Cidade) em relação ao indivíduo; “o Estado está naturalmente sobre a família e sobre cada indivíduo, porque o todo é necessariamente superior à parte (ARISTÓTELES, A política, Livro I, Cap. I, pg. 25); ii) Ligação entre o Estado e a felicidade PLATÃO, República, IV, 420 b 421 b e ss.; ARISTÓTELES, Política, III, 6, 1279 a 17-21). (cfr. OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da Filosofia Política. 2, pg. 168) iii) a concepção ética da política (neste sentido, TRUYOL Y SERRA, História da Filosofia do Direito e do Estado. 1. Das origens, à Baixa Idade Média, pg. 138); iv) Admissibilidade de leis não escritas (na esteira de SÓCRATES). Indo ARISTÓTELES ao ponto de afirmar que “há leis fundadas nos costumes muito mais poderosas e importantes do que as leis escritas; (ARISTÓTELES, A política, Livro III, Cap. XI, pg. 181). v) A importância dada à educação (embora, em PLATÃO (República, 502 d)), se encontre expressamente circunscrita às classes superiores); v. ARISTÓTELES, A política, Livro V; vi) Ambos admitem a escravatura (no caso de ARISTÓTELES, explicitamente e defendendo-a; vii) defesa da idiopragia, ou seja, os homens, na sua diversidade, apenas deverão estar ocupados com a actividade que lhes é própria (PLATÃO República, IV, 433 a); ARISTÓTELES, A política, III, 4, 1276 b 39). Diferenças: PLATÃO ARISTÓTELES Método a abordagem idealista (frisando este aspecto, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Utiliza o método da observação empírica, realista 1 , procurando 1 O que é explicável, em parte, por razões biográficas: ARISTÓTELES era um “meteco”, ou seja, um estrangeiro, desprovido de direitos (cfr. OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da

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1

Tópicos de correcção

I

1) Comente: “O pensamento de Aristóteles sobre a pessoa humana é

essencialmente uma antítese do modelo de Platão.” 1) Sobre Platão, v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed.,

3.2.7, pgs. 77-81.

Sobre ARISTÓTELES, v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.8, pgs. 81-87.

O “modelo” a que a frase alude é naturalmente o da República, do qual, curiosamente, o próprio PLATÃO se veio a afastar (em parte) nos diálogos da velhice.

Semelhanças: i) Superioridade do Estado (Cidade) em relação ao indivíduo; “o Estado está naturalmente sobre a família e sobre cada indivíduo, porque o todo é

necessariamente superior à parte (ARISTÓTELES, A política, Livro I, Cap. I, pg. 25);

ii) Ligação entre o Estado e a felicidade PLATÃO, República, IV, 420 b 421 b e ss.; ARISTÓTELES, Política, III, 6, 1279 a 17-21). (cfr. OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da Filosofia Política. 2, pg. 168)

iii) a concepção ética da política (neste sentido, TRUYOL Y SERRA,

História da Filosofia do Direito e do Estado. 1. Das origens, à Baixa Idade Média, pg. 138); iv) Admissibilidade de leis não escritas (na esteira de SÓCRATES). Indo ARISTÓTELES ao ponto de afirmar que “há leis fundadas nos costumes muito mais

poderosas e importantes do que as leis escritas; (ARISTÓTELES, A política, Livro III, Cap. XI, pg. 181).

v) A importância dada à educação (embora, em PLATÃO (República, 502 d)), se encontre expressamente circunscrita às classes superiores); v. ARISTÓTELES, A política, Livro V;

vi) Ambos admitem a escravatura (no caso de ARISTÓTELES, explicitamente e defendendo-a;

vii) defesa da idiopragia, ou seja, os homens, na sua diversidade, apenas deverão estar ocupados com a actividade que lhes é própria (PLATÃO República, IV, 433 a); ARISTÓTELES, A política, III, 4, 1276 b 39).

Diferenças:

PLATÃO ARISTÓTELES Método a abordagem idealista

(frisando este aspecto, DIOGO FREITAS DO AMARAL,

Utiliza o método da observação empírica, realista1, procurando

1 O que é explicável, em parte, por razões biográficas: ARISTÓTELES era um “meteco”, ou

seja, um estrangeiro, desprovido de direitos (cfr. OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da

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2

História das Ideias Políticas, I, pg. 106) e dedutivista, isto é, tentando retirar as consequências a partir dos princípios considerados verdadeiros (cfr. DMITRI GEORGES LAVROFF, História das ideias

políticas, pg. 46).

também, a jusante, que os resultados a que chegue correspondam à realidade; sendo ainda defensor do equilibro e da moderação

Premissas

PLATÃO adere à teoria metafísica das ideias; separando o corpo da alma (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.7, pgs. 79-80) e pretendendo transpô-las, , por analogia, para a teorização da cidade ideal

ausência de premissas metafísicas (no que foi designado por PANTZIG como uma “ética sem metafísica” (v. OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da Filosofia Política. 2, pg.

116)

direitos

ausência de separação entre o homem, considerado individualmente, e a sociedade em que vive. (DMITRI GEORGES LAVROFF, História das ideias

políticas, pg. 31). ausência de direitos; absorção da pessoa no Estado (= Cidade), assumindo-se, assim, precursor do totalitarismo

Embora frisando a necessidade do Estado e a sua superioridade sobre o indivíduo, sem prejuízo de não chegar a teorizar direitos das pessoas2), nega a dissolução do indivíduo na comunidade política. (OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da Filosofia Política. 2, pg. 141)

Filosofia Política. 2, pgs. 112-113; TRUYOL Y SERRA, História da Filosofia do Direito e do Estado. 1. Das origens, à Baixa Idade Média, pg. 138.

Um exemplo deste género de análise, que nos chegou, pode ler-se em “A Constituição de Atenas”. 2 Contra: KARL POPPER, A sociedade abertas e os seus inimigos, I.

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3

Unidade do Estado defesa da maior unidade possível do Estado (República, II, 2, 12611 a 15 ss.)3

defende também a unidade, mas de forma bem mais moderada, criticando o excesso de unidade4;

defende as vantagens das relações pessoais: (OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da Filosofia Política.

2, pg. 141); formula a teoria da amizade; defende, em suma, aa heterogeneidade, do pluralismo social e político; precursor da ideia da sociedade civil (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.8,

pg. 84) Família PLATÃO tem uma

filosofia verdadeiramente anti-familiar: a) em relação ao casamento, parece admitir dois modelos diferentes: quer a “comunidade de mulheres”; quer o casamento (dos governantes) sujeito a

defesa da instituição familiar

3 No seio da elite dirigente, os guardiães – até as mulheres, as crianças e as propriedades são partilhadas. 4 ARISTÓTELES considera que o excesso de unificação destrói o Estado na sua essência (“natureza); porque faz dele uma “oikia”, uma comunidade familiar e doméstica – na realidade, levada artificialmente até ao gigantismo -, (Política, II, 2, 1261 a 18-2) (cfr. OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da Filosofia Política. 2, pg. 169). A crítica à unidade pretendida por PLATÃO, que seria como “a redução de uma sinfonia a uma homofogia ou a de um ritmo a uma só nota” (ARISTÓTELES, A política, Livro II, Cap. I, pg. 59).

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4

autorização ou tendo como limite o que for decidido pelos sábios (governantes) b) a formação e a educação das classes superiores não é prestada pelos pais (desconhecidos, aliás, dos filhos), mas pelo Estado.

igualdade entre homem e mulher

PLATÃO defende esta ideia no interior da classe dos guardiães (PLATÃO, A República, Livro V, 451e, pg. 214, a 457d, pg. 224)

ARISTÓTELES rejeita esta igualdade, não se distanciando do “status quo” então vivido na sociedade ateniense

propriedade privada abolida (no intuito de para eliminar o egoísmo pessoal das classes superiores)

defendida

concepção acerca da Justiça

formula um princípio geral de justiça: a melhor demonstração de bondade está em, podendo alguém abusar do seu poder, abster-se de o fazer relativamente a pessoas que lhe são mais débeis (PAULO OTERO, Instituições

políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.7, pg. 81)

Teorização acerca da Justiça5

Organização do poder político

5 legal (à qual é assimilada a justiça universal)

(cfr. OTFRIED HÖFFE, Aristóteles, in História da Filosofia Política. 2, pg. 145)

justiça { particular [distributiva

[correctiva (comutativa)

V. DIOGO FREITAS DO AMARAL, O princípio da justiça no artigo 266.º da Constituição, pgs. 689 ss.; PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.8, pg. 83.

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5

Posição em relação sistema da democracia ateniense

contra

favorável

O melhor governo governo dos homens governo das leis (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.8, pg. 84),

isento das paixões Limites ao poder político

ausência de limites ao poder político;

precursor da limitação do poder político

governo de elite, que foi designado por comunismo6 parcial Em virtude de ser limitado às classes superiores, isto é, para a classe dos guardas (e, eventualmente também, para a dos magistrados7, de inspiração política, não económica (ao contrário do comunismo marxista, e que, de resto, propugnava a abolição do Estado)

defesa de um modelo de governo misto (v. JORGE MIRANDA, Manual…, III; PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.8, pg. 84).

Contributo para o Direito Constitucional

PLATÃO “personifica a anticonstituição” (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.7, pg. 79).

ARISTÓTELES assume-se como o “fundador da ideia material do fenómeno

constitucional” (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.8, pg. 87)

6 DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg. 109; TRUYOL Y

SERRA, História da Filosofia do Direito e do Estado. 1. Das origens, à Baixa Idade Média, pg. 123; DMITRI GEORGES LAVROFF, História das ideias políticas, pg. 42; 7 Neste sentido, DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg. 95; TRUYOL Y SERRA, História da Filosofia do Direito e do Estado. 1. Das origens, à Baixa Idade Média, pg. 123.

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6

2) Quais os principais sectores ideológicos contrários ao modelo do Estado liberal do século XIX e quais as suas mais importantes críticas?

1) Pensamento contra-revolucionário: i) BURKE (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 5.2.1, pgs. 268-

272); ii) MAISTRE (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 5.2.2, pgs.

272-275; MARCEL PRÉLOT / GEORGES LESCUYER, História das Ideias Políticas..., II, n.º 344 ss., pgs. 158-163);

iii) Legitimação constitucional do princípio monárquico – o modelo da outorga da Carta Constitucional francesa de 1814 (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 5.2.3, pgs. 275-278; PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pgs. 83, 96 ss., 193) 2) Socialismo

Socialismo cristão de SAINT-SIMON Socialismo não marxista O socialismo marxista-leninista (PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 1.ª ed., pgs. 283-287; DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas (Apontamentos), II, pgs. 145-217)

3) Doutrina social da Igreja (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 5.4, pgs. 290 ss.; IDEM, Lições de Introdução ao Estudo do Direito. Ano lectivo de 1997/1998, I vol., 1.º tomo, Lisboa, 1998, pgs. 235-237

3) Comente: “O constitucionalismo moderno pecou, desde a sua génese, por ter esquecido os deveres do indivíduo, defeito que permaneceu no modelo de democracia ocidental.”

Sobre a matéria, consultar PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 10.3.2, pgs. 536-539; 564; 7.2.3, pg. 344.

- Teorizações pré-liberais: enunciando dever de solidariedade entre os indivíduos, de certo

modo, CÍCERO (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 4.2.1, pg.

92); e, mais claramente, v. g., MARSÍLIO DE PÁDUA (v. PAULO OTERO,

Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.3.6, pg. 116); THOMAS MORE; PUFENDORF (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 4.1.3, pg. 184);

- O “pecado original” na Assembleia Constituinte de 1789, que

aprovou a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, tendo sido omitido qualquer menção em relação aos deveres.

Comentário [MSOffice1]: não foi arredado

Comentário [MSOffice2]: KANT –direitos e deveres também , mas no âmbito da moralidade

Comentário [MSOffice3]: terá sido talvez um “pecado original” , no calor” da Rev. francesa

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7

Foi designadamente recusada a proposta de SINETY para uma “Declaração dos direitos e deveres do cidadão”8.

TARGET, em discurso de 1 de Agosto, havia notado que “o que tem direitos, tem, em contrapartida, o dever de respeitar esses aos outros”.

Cfr. GÉRARD COGNAC, L’élaboration de la déclaration des droits de l’homme et du citoyen, pgs. 21-24.

As Declarações de direitos, inseridas quer na Constituição de 1791 quer na do ano I, não

contém deveres9. A “Declaração dos direitos e deveres (…)” viria a ser prevista, como reacção ao

período do Terror jacobino, pela Constituição do ano III (1795); todavia não viria a frutificar (como é sabido, posteriormente, daria lugar ao cesarismo napoleónico, à Monarquia limitada; a tradição revolucionária viria a ser mantida na efémera Constituição republicana de 1848).

As Constituições do Estado Social, a despeito das transformações

ocorridas, mantiveram, no essencial, o paradigma advindo do Liberalismo. A ausência de enunciação dos deveres deve-se, pois, a uma tradição advinda dos

primórdios do constitucionalismo francês. Foi, assim, formulado o princípio da liberdade: no Direito privado,

no interior da sociedade civil, vigora um princípio geral de liberdade, apenas balizado pelos limites fixados por lei escrita10; o que não é proibido, entende-se permitido11 (com a crítica hodierna de que nem tudo o que é permitido é lícito12

); tendo como o corolário do reconhecimento da autonomia privada13.

8 V. este texto em STÉPHANE RIALS, La déclaration des droits…., pgs. 651-655. 9 Sem prejuízo de terem estado no pensamento de ROBESPIERRE – referindo-se aos “deveres de fraternidade que unem todos os homens e todas as nações, e o seu direito a uma assistência mútua.” (Séance du 24 avril 1793 (excerto), in Choix de rapports, opinions, et discours, XII, pg. 254), prevendo mesmo: "Os homens de todos os países são irmãos, e os diferentes povos devem entreajudar-se segundo o seu poder, como os cidadãos do mesmo Estado. (art.º 35.º, ibidem). 10 Cfr. PAULO OTERO, Lições de Introdução..., I vol., 1.º tomo, pg. 229. 11 Ao contrário da autonomia pública – cfr. MARCELLO CAETANO, Princípios fundamentais..., pg. 127; JORGE MIRANDA, Manual..., V, 3.ª ed., pg. 58; PAULO OTERO, Lições de Introdução..., I vol., 1.º tomo, pgs. 231-232; IDEM, Conceito e fundamento..., p. 90; IDEM, Vinculação e liberdade de conformação jurídica..., pg. 231; JESÚS GONZÁLEZ PÉREZ, La ética en la Administración pública, 2.ª ed., pg. 103.

Sobre a contraposição entre autonomia privada e autonomia pública, v., em especial, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, diss., Almedina, Coimbra, 1987, pgs. 429 ss., 465 ss.; e de PAULO OTERO, Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, diss., Coimbra Ed., 1992, pgs. 189 ss., 202 ss..

12 O que implica o seguinte: i) nem tudo o que não é punido é lícito; ii) nem tudo o que não é proibido é lícito; iii) nem tudo o que não é ilícito é eticamente fundado (OLIVEIRA ASCENSÃO; PAULO

OTERO, Personalidade e Identidade Pessoal e Genética do Ser Humano: Um perfil constitucional da bioética, Almedina, Coimbra, 1999, pg. 59; IDEM, Direito da Vida. Relatório sobre o Programa, Conteúdos e Métodos de Ensino, Almedina, Coimbra, 2004, pg. 26).

13 PAULO OTERO, Vinculação e liberdade de conformação jurídica..., pgs. 34-35, 37; IDEM, Lições de Introdução..., I vol., 1.º tomo, pgs. 229-230.

Comentário [MSOffice4]: No entanto, foi a segunda alternativa que prevaleceu – bastava declarar os direitos.

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8

Em sentido contrário, porém, a Doutrina Social da Igreja sublinha a

reciprocidade dos laços entre direitos e deveres (Encíclica Pacem in Terris , in Direitos do Homem..., GIORGIO FILIBECK, pg. 163);

a par de pensadores, como ORTEGA Y GASSET (v. PAULO OTERO,

Instituições políticas e constitucionais, I, 8.4.4, pg. 457), que retomam a ideia de solidariedade, e de SCOLA e REALE (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 8.4.4, pgs. 468-572).

PAULO OTERO, criticando o esquecimento por parte do Estado de direitos fundamentais, dos deveres fundamentais (PAULO OTERO, Instituições

políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 10.3.2, pg. 537), admite a possibilidade de os deveres fundamentais serem fundados, quer na dignidade da pessoa humana (PAULO

OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 11.1.3, pg. 564), quer na cláusula de bem-estar (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 7.2.3, pg. 344; peremptoriamente, JOSÉ CASALTA NABAIS, Dos deveres fundamentais, in IDEM, Por uma liberdade com responsabilidade – Estudos sobre direitos e deveres fundamentais, Coimbra, 2007, pp. 237, 309).

Verifica-se ainda que, noutras tradições jurídicas, como a indiana ou a chinesa, o papel dos deveres é bem maior do que na cultura ocidental.

Também o constitucionalismo soviético veio a prever deveres, embora em conexão com uma concepção funcionalizadora dos direitos.

O princípio da existência de deveres, embora sem os enunciar,

plasmado no art.º 29.º, n.º 1, da DUDH14, deve-se ao impulso de GHANDI, em carta dirigida a um órgão da Organização das Nações Unidas.

O alcance desta disposição não é claro; em todo o caso, parece colmatar, em parte, a omissão da Declaração de 1789, abrindo o caminho a uma concepção mais alargada dos deveres.

Note-se, porém, como a questão dos deveres é bem delicado, do

ponto de vista da Política legislativa, “de jure constituendo”. Basta relembrar as experiências jacobina e totalitárias, como a soviética. O não acolhimento de uma concepção de deveres (por várias vezes tentada)

Há, por isso, com vista a chegar a uma concepção constitucionalmente adequada, que ter em conta os “dois pratos da balança”:

i) A necessidade de uma visão mais solidária, por um lado; ii) A perigosidade da imposição de deveres, que redundam em

restrições sem fundamento ou, em alternativa, excessivas ou violando o conteúdo essencial da liberdade em causa.

14 Sobre os trabalhos preparatórios, cfr. PHILIPPE DE LA CHAPELLE, La Déclaration

Universelle des Droits de l’Homme…, pgs. 199-200.

Comentário [MSOffice5]: tendo acentuado os direitos e esquecido…

Comentário [MSOffice6]: fonte de deveres

Comentário [MSOffice7]: de forma incompleta

Comentário [MSOffice8]: violando o subprincípio da proibição do excesso)

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4) Como deve o modelo político-constitucional pluralista tratar os inimigos da democracia?

- O modelo político-constitucional pluralista (e as suas modalidades,

em particular da democracia representativa e da democracia participativa (cfr. art.º 2.º da CRP));

- Os “inimigos da democracia”: a intolerância, em particular, o

racismo, o fundamentalismo; o fanatismo, em particular, o terrorismo - Pluralismo e tolerância política; - o perigo para a democracia adveniente das concepções

fundamentalistas ou integralistas (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 8.6.1, pg. 475);

- Enquadramento filosófico da questão - as três formas de responder

a este problema15: a) não conceder liberdade aos inimigos da liberdade (pensamento

que remonta a SAINT-JUST – “Pas de liberté pour les ennemis de la liberté”; utilizado em formas de governo como a soviética);

b) pelo contrário, conceder toda a liberdade, numa postura de “ética de convicção”, alheia às consequências possivelmente nocivas e até catastróficas, como a ruptura constitucional (como sucedeu na República de Weimar - em nome do relativismo, a humanidade suportou o intolerante radicalismo de HITLER (FERNANDO JOSÉ BRONZE, A Metodonomologia..., pg. 264);

c) a “media via” de KARL POPPER e do “paradoxo da intolerância”16 (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, pg. 415).

Com efeito, bem pode dizer-se que o relativismo é, em última

análise, o “cavalo de Tróia” de todos os totalitarismos (FERNANDO JOSÉ

BRONZE, A Metodonomologia..., pg. 264)

neste sentido, embora, por via de regra, um Estado democrático deva procurar ser coerente consigno mesmo (JORGE MIRANDA, , Comissão Eventual

15 Cfr. Pas de liberté pour les ennemis de la liberté? Groupements liberticides et droit. Actes du

colloque du 14 février 2000 organisé à la Maison des parlamentaires par le Centre de Droit de la

Culture des Facultés universitaires Saint-Louis, la Conférence du Jeune Barreau de Bruxelles et la

Faculté de droit de l’Université Libre de Bruxelles, dir. de HUGUES DUMONT / PATRICKE MANDOUX / ALAIN STROWEL / FRANÇOIS TULKENS, Bruylant, Bruxelas, 2000. 16 “A tolerância ilimitada deve conduzir ao desaparecimento da tolerância. Se estendemos a tolerância ilimitada ainda àqueles que são intolerantes; se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra as tropelias dos intolerantes, o resultado será a destruição dos tolerantes e, com eles, da democracia.” (KARL POPPER, A sociedade aberta e os seus inimigos, nota 4 ao Cap. VII).

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10

para a Revisão Constitucional, 6 de Nov. de 1981, in Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 2.ª sessão legislativa (1981-1982), II Série, Suplemento ao n.º 10, pgs. 176-(41) e

pg. 176-(42)), na esteira de POPPER, julga-se mesmo possível existir, em nome da tolerância, “o direito de não tolerar o intolerante”.

Os instrumentos de blindagem da democracia e a respectiva

viabilidade: i) proibição de partidos políticos totalitários17; ii) limites materiais de revisão constitucional; iii) o Direito Penal político.

PAULO OTERO, A Democracia Totalitária..., pgs. 232; PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 8.4.4, pg. 659; v. ainda JOSÉ LUÍS NUNES, Sessão n.º 110, em 10 de Fevereiro de

1976, in Diários da Assembleia Constituinte, IV, pg. 3662. Sem prejuízo de se reconhecer que não existem “varinhas mágicas”

na defesa da Democracia (MIGUEL ESPARSA OROZ, La ilegalización de Batasuna, pg. 56),

o Direito Penal Político parece ser a via preferível. Entre nós, “de jure condendo”, o problema terá de ser visto à luz do

actual n.º 4 do art.º 46.º (bem como do )

II 1) Nicolau Maquiavel / Erasmo de Roterdão Enquadramento de ambos os Autores na Idade Moderna e na

contradição que lhe está subjacente em relação ao estatuto da pessoa humana (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.4, pgs. 133-143)

Sobre o primeiro, cfr. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais,

I, 1.ª ed., 3.4.3, pgs. 136-139; Direito da Vida, pg. 122. Sobre o segundo, PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª

ed., 3.4.4, pgs. 139-141.

Sem prejuízo de MAQUIAVEL (1469-1527) teoricamente situar o seu objecto de estudo no plano politológico, não no plano normativo (cfr. 17 Em sentido favorável, o art.º 9.º, n.º 2, da Constituição alemã: “São proibidos os agrupamentos cujos fins ou cujas actividades sejam contrárias às leis penais, à ordem constitucional ou ao entendimento entre os povos.” Veja-se as precauções contidas nas Directrizes para a “Proibição e dissolução dos partidos políticos”, aprovadas pela Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (Conselho da Europa), 10-11 de Dez. de 19999 “A proibição ou a dissolução de partidos apenas pode ser justificada no caso de partidos que promovam o uso da violência ou utilizem a violência como meio político para derrubar a ordem constitucional democrática, minando com isso os direitos garantidos pela Constituição. O mero facto de um partido promover a mudança pacífica da Constituição não pode ser suficiente para a sua proibição ou dissolução.”

Comentário [MSOffice9]: – a possibilidade (ou mesmo necessidade) de a “sociedade aberta” se defender;

Comentário [MSOffice10]: A viabilidade destes instrumentos: as vias discutíveis dos dois primeiros tipos de instrumentos.

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11

DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg. 201; MARCELO REBELO DE

SOUSA, Ciência Política, pg. 50), e de as opiniões sobre essa análise serem muito controvertidas (desde, aliás, a época em que a obra póstuma intitulada “O Príncipe” (1531) foi publicada (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias

Políticas, I, pg. 219; DMITRI GEORGES LAVROFF, História das ideias políticas, pgs. 138-139; MARCEL PRÉLOT / GEORGES LESCUYER, História das Ideias Políticas..., I, pgs. 194-195. Defendendo-o, LIPSIUS; ROUSSEAU, O Contrato Social, Livro III, cap. VI), o certo é que, a pretexto de descrever objectivamente como os governantes actuam no poder (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg.

220), conduz ao que pode ser qualificado como acentuada “ética da responsabilidade” (expressão cunhada pelo o sociólogo MAX WEBER), desvinculada de valores intrínsecos à pessoa humana, e, por seu turno, à prevalência da denominada “razão de Estado” (“ragione di Stato”, expressão de

GIOVANNI BOTERO, inspirada no legado maquiavélico); Julga-se, porém, que esta última apenas poderá servir de desculpa

aos tiranos (VOLTAIRE, Prémio, p. 73, apud PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 1.ª ed., 4.1.6, pg. 195).

MAQUIAVEL aconselha o príncipe a utilizar a propaganda (cfr.

DMITRI GEORGES LAVROFF, História das ideias políticas, pg. 135). Para a rejeição da prevalência da aparência em detrimento da essência, cfr. JOSÉ

ADELINO MALTEZ, Curso de Relações Internacionais, pg. 36. ERASMO DE ROTERDÃO (1466-1536), frade dos cónegos

regrantes de Santo Agostinho, foi o principal expoente, no Renascimento, do humanismo cristão (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I,

pg. 223). Em “Elogio da Loucura”, o “Príncipe do Renascimento” retrata os

vícios característicos dos governantes (designadamente o império obtido através do perjúrio e do parricídio - Elogio da Loucura, Guimarães Ed., pp. 106-107), num método realista que pode ser considerado próximo de Maquiavel, existem diferenças radicais que os separam:

i) a clara distinção entre o bem e o mal (A Educação do Príncipe Cristão, cap. I,

p. 148): ii) A posição jurídica e social do príncipe, ocupando este “um lugar

tal que a mínima falta de honestidade serve de exemplo a muitos homens prestes à corrupção”. (Elogio da Loucura, Guimarães Ed., pp. 106; DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg. 226; PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.4.4, pg. 139).

Por outro lado, embora haja “uma morte para todos – vagabundos e reis por igual”, o “julgamento depois da morte não é o mesmo para todos. Ninguém é tratado com mais severidade do que os poderosos.” (A Educação do

Comentário [MSOffice11]: diversas | díspares

Comentário [MSOffice12]:

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12

Príncipe Cristão, p. 154) (DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg. 231; PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.4.4, pg. 141).

iii) Por conseguinte, em sentido oposto ao de MAQUIAVEL, os governantes não estão dispensados das obrigações morais, antes as devem respeitar de forma muito especial (cfr. DMITRI GEORGES LAVROFF, História das ideias

políticas, pg. 142), no que pode ser considerado um retorno da moral à política. ERASMO não aceita, pois, os vícios detectados (e legitimados) por

MAQUIAVEL, antes os condena veementemente (neste sentido, cfr. DIOGO

FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pgs. 226, 227, 231), condenando frontalmente a tirania (in A Educação do Príncipe Cristão. Cfr. DIOGO FREITAS DO

AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg. 232). iv) Destarte, ERASMO traça os deveres do príncipe cristão (na obra “A

Educação do Príncipe Cristão”, obra pedagógica, redigida para o futuro Imperador CARLOS V, de quem

ERASMO foi preceptor) e o retrato do que deveria ser (“Elogio da Loucura”), exortando: i) “segue a justiça, não faças violências a ninguém, não roubes,

não vendas cargo público, não te deixes corromper de forma alguma” (ERASMO, The education…, p. 154; PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.4.4, pg. 139; DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I, pg. 231);

ii) o conhecimento e a obediência não só às próprias leis que emite (autolimites), mas também às leis de Cristo (funcionando como heterolimites ao poder político);

ii) a que a paz, a ordem e o bem-estar do povo, o bem da comunidade no seu conjunto” (ERASMO, The education…, p. 161), constituíssem os objectivos centrais da actuação do príncipe: Para o efeito, um príncipe cristão deveria obedecer a três regras: 1) não poderia ter negócios privados, uma vez que apenas deve

pensar nos negócios públicos; 2) Sendo autor ou executor das leis, não poderia delas se “afastar à

distância de um dedo”; 3) Teria ainda que “exigir a integridade de todos na administração e

na magistratura”. v) Nos antípodas de MAQUIAVEL (e do pensamento realista),

ERASMO elogia a paz e os seus benefícios; aduzindo, ironicamente, “Dulce bellum inexpertis” (“a guerra é doce

para quem não a faz”). (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, História das Ideias Políticas, I,

pg. 235)18. 2) Democracia asséptica / Democracia humana

18 E, para a guerra ser evitada, ERASMO preconiza o recurso a meios como à conciliação e à arbitragem.

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A democracia asséptica (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I,

1.ª ed., 8.6.1, pg. 473), meramente formal ou procedimental, retirando centralidade à pessoa humana (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, pgs. 34-45 e 417) e, em virtude do relativismo ético, tendo como consequência a ausência de conteúdo axiológico na actuação do poder político (v. pgs. 600, 473);

Exemplos: o modelo rawlsiano do consenso de sobreposição (cfr.

ibidem, pgs. 410-412); o modelo de “democracia deliberativa” de Habermas (cfr.

ibidem, pgs. 417-421); a democracia crítica de ZAGREBELSKY. A noção de democracia humana (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 8.2.6, pgs. 424-425, 599-601); A associação entre democracia e direitos humanos; as razões pela sua preferência.

3) Monarquia limitada / Monarquia orleanista O modelo da monarquia limitada tem a sua origem no Estado pré-

constitucional (ou pré-liberal), embora venha a mesclar-se com o Estado constitucional, representativo ou de Direito (neste sentido, o Professor PAULO OTERO engloba-o entre os sistemas de raiz pré-liberal), embora patenteie preferência pelo modelo passado.

É, pois, fruto do pensamento contra-revolucionário ou conservador (neste último sentido, cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pgs. 158, 159; cfr. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 5.2.3, pgs. 275-278; PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pgs. 83, 96 ss., 193).

, tal como o constitucionalismo de matriz germânica.

(neste sentido, PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pg. 96; em sentido contrário, diferenciando em relação ao modelo germânico, JORGE MIRANDA, Manual…, I).

Ideias nucleares: a) predomínio do princípio monárquico, quer na génese quer na aplicação

da Constituição: b) Com efeito, no rei reside a fonte do poder constituinte (PAULO OTERO,

Legalidade e Administração Pública, pg. 92 (nota 366)); assim, a Constituição – denominada “Carta Constitucional”, para ser

distinguida das “Constituições” (no caso francês, das primeiras Constituições, de 1791, 1793 e 1795), aprovadas por Assembleias constituintes – é objecto de outorga ou de um acto de graça do rei (neste último sentido, PAULO OTERO, Legalidade e

Administração Pública, pg. 77);

Comentário [MSOffice13]: desprovida

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14

de que constituem exemplos as Cartas Constitucionais francesa de 1814 (por LUÍS XVIII, em Junho de 181419), na sequência da Restauração, e a portuguesa20.

O exercício do poder constituinte redunda numa autolimitação do poder real.

c) O Rei goza de um estatuto de irresponsabilidade (como geralmente

sucede com Chefes de Estado), mas reforçado (cfr. art.º 13.º, 1.º período, da Carta Constitucional francesa de 1814: “A pessoa do rei é inviolável e sagrada”)

(acentuando este aspecto, referindo-se embora à Carta Constitucional de 1826, PAULO OTERO, O poder de substituição.., I, p. 181 (nota); em sentido contrário, desvalorizando a fórmula da Carta

Constitucional, JORGE MIRANDA, Manual..., I, 7.ª ed., pg. 277). d) Sem prejuízo da existência de outros órgãos, o Rei domina os restantes

poderes do Estado; ele adquire completa centralidade no modelo político-governativo (PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pg. 92 (nota 366); PAULO OTERO, As instituições políticas..., pg. 88; i.e., “a chave de toda a organização política” (expressão do art.º 71.º da Carta Constitucional):

i) o Poder executivo, em virtude de se tratar de um Executivo monista: “o poder executivo pertence apenas ao rei” (art.º 13.º, 3.º período, da Carta Constitucional francesa de 1814; art.º 75.º da Carta Constitucional portuguesa de 1826), a escolha (obrigatória) dos ministros (v. PAULO OTERO, O poder de substituição...,

I, pg. 328), a respectiva actuação e cessação de funções estavam totalmente dependentes do Rei; não tendo o sistema, em virtude da consequente ausência de responsabilidade política, natureza parlamentar21;

ii) o poder legislativo é detido conjuntamente pelo Rei e pelo Parlamento: uma vez que, por um lado, este assume estrutura bicameral

(Curiosamente, não sendo a Câmara dos Pares uma “segunda Câmara”, mas, bem ao invés, a

primeira – cfr. arts. 24.º a 34.º, 35.º a 53.º da Carta Constitucional francesa de 1814), e é o Rei que nomeava os titulares da Câmara dos Pares (art.º 27.º, 1.º período, da Carta

Constitucional francesa de 1814), em número por vezes ilimitado (art.º 27.º, 2.º período, da Carta Constitucional francesa de 1814), enquadrando institucionalmente, dessa

forma, as forças nobiliárquico-feudais, que haviam constituído o suporte sociológico do “Ancien Régime”22;

a competência do Parlamento era objecto de o princípio monárquico, interpretando restritiva, em virtude do princípio monárquico: apenas poderia exercer os poderes que expressamente e

19 Nas suas duas vigências, isto é, entre 1814 e 1815, interrompida pelo “Governo dos cem dias”

de NAPOLEÃO; e entre 1815 e a Revolução de Julho de 1830 (com a curiosidade de, em 1815, ter sido pensada uma revisão, por parte de uma assembleia constituinte para o efeito eleita, depurada dos bonapartistas, mas a iniciativa foi gorada).

Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Ciência Política..., I, 6.ª ed., pg. 101; JORGE MIRANDA, Teoria do Estado..., pg. 147.

20 Por D. PEDRO IV, em 1826, após o falecimento de D. JOÃO VI, no curto período em que terá sido Rei de Portugal (ao mesmo que já era Imperador do Brasil), antes de abdicar, condicionalmente, em favor de sua filha e de incumbir D. MIGUEL da regência.

21 Neste sentido, frisando a ausência de responsabilidade dos Ministros perante a Câmara dos Deputados, sem prejuízo da possibilidade de responsabilização a título criminal, v. arts. 55.º e 56.º da Carta Constitucional francesa de 1814. 22 Neste último sentido, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pg. 138.

Comentário [MSOffice14]: equivale a

Comentário [MSOffice15]: em virtude de ser idêntica .

Comentário [MSOffice16]: do modelo político-governativo

Comentário [MSOffice17]: uma completa centralidade no sistema governativo

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15

taxativamente o texto constitucional lhe conferisse (neste sentido, PAULO

OTERO, Legalidade e Administração Pública, pg. 76); limitações à soberania parlamentar e à própria soberania popular, com aquela estreitamente conexa23;

na Carta Constitucional francesa de 1814, era o Rei que detinha o monopólio da iniciativa legislativa (art.º 16.º e também 17.º da Carta Constitucional francesa de 1814);

ainda que assim não sucedesse, sempre ao Rei caberia a “palavra final” do processo legislativo, concedendo a sua “sanção” ao diploma aprovado pelo Parlamento24 (num “sistema dualista” ou procedimento de co-decisão25 – cfr. arts. 15.º, 24.º da Carta Constitucional francesa de 1814; art.º 62.º da Constituição prussiana de 1850); neste sentido, a lei sempre seria a expressão conjugada da vontade do parlamento e do rei (PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pgs. pgs. 75-76, 97;

O Rei era, pois, o verdadeiro “dominus” da função legislativa (neste sentido, cfr. PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pgs. 76, 77; diversamente, considerando que co-autoria não balanceava a favor do monarca, CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas..., pg. 46);

Ademais, o monarca poderia ainda dissolver a Câmara dos Deputados (art.º 50.º, 2.º período, da Carta Constitucional francesa de 1814); iii) os próprios tribunais26. e) Foi mesmo teorizado, por BENJAMIN CONSTANT, um quarto poder

– o chamado “poder real” (cfr. MARCELLO CAETANO, Constituições portuguesas, 7.ª ed., pg. 32; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pgs. 143-145; JORGE MIRANDA, Manual..., I, 7.ª ed., pg. 277; PAULO OTERO, Legalidade e Administração

Pública, pg. 117); o qual, entre nós, foi designado por D. PEDRO IV como “poder moderador” (arts. 11.º, 71.º, 74.º e 75.º da Carta Constitucional de 1826) (acusado por alguns de não ser senão uma duplicação do poder executivo que já detinha27), nele sendo integrados as referidas competências de a nomeação dos Pares, de sanção e de dissolução da Câmara dos Deputados;

23 Para uma demonstração da relação entre ambas, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pg. 156. 24 Julga-se que, não obstante as expressões utilizadas pelas Cartas Constitucionais (e, por vezes, mencionarem mesmo “sanciona e promulga” - art.º 22.º da Carta Constitucional francesa de 1814 (“Le roi seul sanctionne et promulgue les lois" ; cfr. art.º 58.º da Carta Constitucional portuguesa de 1826), se tratava de uma sanção, e não de um veto absoluto (com esta opinião, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pg. 153; MARGARIDA SALEMA, O direito de veto no Direito Constitucional português, Braga, 1980; em sentido contrário, não fazendo essa distinção, LOPES PRAÇA; CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas. As leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos, diss., Coimbra Ed., 1998, pg. 46. 25 CARLOS BLANCO DE MORAIS, As Leis reforçadas..., pg. 46. 26 “Toute justice émane du roi. Elle s'administre en son nom par des juges qu'il nomme et qu'il institue.” (art.º 57.º da Carta Constitucional francesa de 1814). 27 Com esta opinião, considerando-a uma construção artificial, na sequência de outros Autores (como JOSÉ TAVARES, O poder governamental no Direito Constitucional Português, 1909, pp. 7 ss.), GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pgs. 143, 144.

Comentário [MSOffice18]: , embora com a limitação de ter de convocar no prazo de três meses

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16

f) Regista-se a existência de presunção de competência residual do monarca: o que não estivesse confiado a outros órgãos na Constituição, era da competência do Rei (DIETRICH JESCH, Ley y Administración, p. 110; PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pg. 76);

g) Quer por esta quer por outra via, o Rei detinha ainda um poder regulamentar autónomo, podendo, ainda aqui, contrariar “a posteriori” as leis que tivesse sancionado (PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pg. 97;

LUÍS PEDRO PEREIRA COUTINHO, Regulamentos independentes do Governo, pg. 983); poder esse entendido como “praeter constitutionem” (neste sentido, LUÍS PEDRO

PEREIRA COUTINHO, Regulamentos independentes do Governo, pg. 984). Diversamente de uma forma de governo de Monarquia absoluta, verifica-

se a existência de uma Constituição escrita em sentido instrumental; o reconhecimento expresso de direitos fundamentais na Constituição; e, formalmente, a separação de poderes (PAULO OTERO).

A Monarquia orleanista, fruto da Carta Constitucional de 183028

(teoricamente, uma revisão à Carta Constitucional de 1830; na substância, porém, o exercício de poder constituinte originário), corresponde, de algum modo, a um desenvolvimento mas também, simultaneamente, ao fim da supremacia real, presente no modelo anterior:

i) a génese do texto constitucional diverge, uma vez que se trata de uma Constituição pactuada, aprovada por Assembleia, com a sanção do Rei29; existe, por isso, uma natureza compromissória, ao frisar esta dupla legitimidade (representativa e monárquica)30;

ii) o Executivo passa a ser dualista: a par do Rei, surge o Governo, enquanto órgão autónomo, exerce poder executivo, sendo chefiado pelo Presidente do Ministério (correspondente ao “Primeiro-Ministro”);

iii) o Governo é responsável politicamente perante o Rei e o Parlamento31 (o que contribui para a sua fragilização), num original modelo de parlamentarismo dualista (e diverso do sistema parlamentar britânico32).

28 Cfr. JORGE MIRANDA, Teoria do Estado..., pg. 147. 29 “aceite”, na expressão de LUÍS FILIPE DE ORLEÃES (que viria a ser utilizada também na fórmula de D. MARIA II a respeito da Constituição de 1838 – v. Acceitação e juramento da Rainha, in Collecção de Leis e Outros Documentos Officiaes. Publicados no anno de 1838, oitava série, Imprensa Nacional, Lisboa, 1838, pg. 187)). 30 Sobre esta origem pactícia, cfr., por exemplo, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria..., 7.ª ed., pgs. 147-148; JORGE MIRANDA, Manual..., II, 5.ª ed., pg. 112; CARLOS BLANCO DE MORAIS, As leis reforçadas, pg. 45 (e nota 93); PAULO OTERO. 31 Sem prejuízo de, curiosamente, em discrepância, ter sido mantido, no art.º 12.º, o 2.º e 3.º períodos, do anterior artigo 13.º (“Ses ministres sont responsables. Au roi seul appartient la puissance exécutive.”). No entanto, a responsabilidade já não se verifica apenas perante o Rei, mas perante o próprio Parlamento. 32 Em sentido diverso, considerando que o sistema francês de governo parlamentar apenas pretendeu ser um a imitação do sistema de governo britânico, JORGE MIRANDA, Notas para uma Introdução ao Direito constitucional comparado, separata de O Direito, 1970, números 2 e 3, 1970, pg. 83.

Comentário [MSOffice19]: (: ao rei pertencem todos os poderes que expressamente não lhe foram subtraídos)

Comentário [MSOffice20]: poder regulamentar independente de habilitação parlamentar

Comentário [MSOffice21]: considerado

Comentário [MSOffice22]: embora porventura a título formal

Comentário [MSOffice23]: em muito

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iv) O início do processo legislativo é bem menos clausurado, sendo

alargado o poder de iniciativa à Câmara dos Pares e à Câmara dos Deputados (art.º 15.º, 1.º período, da Carta Constitucional francesa de 1814); perdendo assim o Rei uma importante prerrogativa.

v) Mantêm-se, porém, os poderes reais de nomeação ilimitada de Pares (art.º 23.º da Carta Constitucional francesa de 1814), de sanção das leis (art.º 18.º da

Carta Constitucional francesa de 1814) e de dissolução da Câmara dos Deputados (art.º 42.º, 2.º período, da Carta Constitucional francesa de 1814).

O Rei continua a ser irresponsável, nos mesmos termos da Carta de

1814 (v. art.º 12.º, 1.º período, da Carta Constitucional francesa de 1830). No plano da administração da justiça, foi igualmente mantida a

fórmula anterior (art.º 48.º da Carta Constitucional francesa de 1830).

4) Federação / Confederação o Estado federal enquanto modalidade do Estado composto ou

complexo. Origem histórica: nasceu nos Estados Unidos da América, com a

Constituição de 1787 (cfr. JORGE MIRANDA, Manual..., III, 5.ª ed., pg. 283; PAULO OTERO, Federação, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 2.º Suplemento, Lisboa, 2001, pgs. 333-335). Caracterização da federação: Os Estados federados são Estados, dotados dos respectivos elementos: povo, território e poder político Existe dupla cidadania: cidadania primária do Estado federal (com capacidade internacional plena); cidadania secundária, vínculo a um Estado não soberano no plano internacional (no caso dos EUA, é a do Estado

33 ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, Direito Internacional Privado. Sumários, AAFDL,

1987 (reimpressão de 1999), pg. 94; LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, I, 1.ª ed., pg. 345; ANA MARIA MARTINS, As origens da Constituição norte-americana, pg. 100.

Comentário [MSOffice24]: admitindo-se

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federado do domicílio33) O Estado federal tem soberania na ordem externa e na ordem interna. Cada um dos Estados federados tem soberania na ordem interna e, consequentemente, uma Constituição própria. Consequente pluralidade de ordenamentos jurídicos (estrutura de sobreposição) Para a Constituição federal entrar em vigor, necessitou de ratificação de maioria qualificada dos Estados (art.º VII Constituição dos EUA). As alterações à Constituição federal carecem de ratificação por parte dos Estados (três quartos, no caso dos EUA (art.º V, 2.º período)). Em cada Estado federado, existem autoridades próprias de legislação, administração e jurisdição34 (possuindo, pois, cada Estado federado os seus tribunais) O Estado federal é sempre integral35 Existência de um estatuto de igualdade jurídica dos Estados federados. Um Estado federado não pode ser extinto pelo Estado federal.

Comparação entre ambas:

34 Cfr. MARIA LÚCIA AMARAL, A forma da República, 1.ª ed., pg. 335. 35 JORGE MIRANDA, Manual..., III, 5.ª ed., pg. 278.

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Federação Confederação Estado composto Não é um Estado,

mas uma associação de Estados

Origem Nasce do exercício do poder constituinte originário pelos Estados (ex., na Convenção de Filadélfia, de 1787, 13 Estados independentes, até aí unidos numa Confederação, foi aprovada a Constituição norte-americana, dando origem “ex novo” a esse novo Estado

Nasce do pacto confederativo (que é um tratado internacional (um acordo entre Estados soberanos, não uma Constituição

Perpetuidade do vínculo tendencialmente perpétuo não é perpétuo nem indissolúvel – existe a possibilidade de secessão (ou seja, de abandonar a aliança)

Soberania na ordem internacional

Os Estados que compõem a federação (i.e., federados) não têm soberania na ordem internacional, mas apenas na ordem interna

a personalidade internacional dos Estados é mantida (embora limitada pela confederação)

Poder político Em virtude de ser um Estado, detém este elemento, como atributo da soberania.

Não sendo um Estado, não há poder político com competência genérica (Kompetenz-Kompetenz) (v. JORGE MIRANDA, Manual..., III, 5.ª ed., pg. 285)

A federação assenta numa estrutura de sobreposição de ordens jurídicas; hierarquicamente acima dos Estados federados, o Estado federal tem detém o monopólio das competências externas; e ainda competências internas.

Existe uma transferência para órgãos comuns competências internacionais (variável)

Em regra, as decisões da autoridade não são aplicáveis directamente aos cidadãos dos Estados componentes; nem criam direitos (v. MARIA LÚCIA AMARAL, A forma da República, 1.ª ed., pg.

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341) tudo se passa no âmbito do Direito Internacional.

As falsas “confederações” (designadamente a “Confederação

Helvética”).

5) Positivismo jurídico / Constituição “não oficial” Sobre o primeiro, v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, pg.

624-626.

O termo “positivismo”, oriundo de AUGUSTO COMTE, aplicado ao Direito, poderá

desembocar no positivismo jurídico; que tem como origem remota THOMAS HOBBES, encontrando encontra representantes, no nosso tempo, em HANS KELSEN e NORBERTO BOBBIO.

o positivismo assume as seguintes características36: i) Uma concepção meramente formal da validade do Direito (formalismo) e a

consequente separação radical entre Direito e Moral ii) uma concepção voluntarista do Direito: a vontade criadora do Direito é a vontade do

soberano ou detentor do poder (estadualidade do Direito); dela decorrem, por um lado, a concepção da norma jurídica como comando

(imperativismo) e a definição do Direito em função da coacção (coactividade do Direito); iii) A redução do Direito à lei (rectius, a normas escritas), da qual passa, então, a

depender a validade das restantes fontes de Direito, que só enquanto por ela reconhecidas ou aceites serão relevantes (legalismo, espelhado, aliás, no art.º 1.º, n.º 1, do Código Civil de 1966);

iv) A concepção do ordenamento jurídico como algo dotado de coerência e plenitude; v) Uma visão mecanicista e meramente lógico-declarativa da interpretação jurídica e da

actividade judicial. Em termos metodológicos, o positivismo hipervalorizou as regras,

em detrimento dos princípios, relegados a desempenhar uma função meramente supletiva ou subsidiária.

Críticas: O positivismo jurídico abona porventura o valor da certeza jurídica,

mas conduz a um entendimento clausurado do Direito. Pensamento típico do Estado liberal oitocentista, diviniza o papel da

lei ordinária (espelhada na frase - aliás, crítica - de KIRCHMANN, em célebre conferência: “Três palavras correctivas do legislador e bibliotecas inteiras ficam reduzidas a papel de embrulhos1 (apud Manuel Domingues de Andrade,

Ensaio..., pgs. 24-25 (nota); BIGOTTE CHORÃO). O poder judicial emerge com mediador constitutivo do direito.

36 Seguindo ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Sentido e valor..., pg. 53.

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21

(para outras críticas, cfr. JOSÉ DE SOUSA E BRITO, Hermenêutica..., 1987; CASTANHEIRA NEVES, Método Jurídico..., pg. 3; FERNANDO JOSÉ BRONZE, Breves Considerações..., pg. 182

O privilegiar da dimensão da “validade” descura a “efectividade” das normas (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, pg. 624; IDEM, Legalidade e

Administração Pública, em particular, pgs. 418-419). A Constituição como lei, definida pela forma, seria independente de

qualquer conteúdo axiológico (JORGE MIRANDA, Teoria do Estado..., pg. 495; PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.3.1, pg. 625); desde que regularmente produzida em obediência à “norma fundamental” (conceito que, de resto, KELSEN não viria a explicitar

o que fosse), deveria ser obedecida, não havendo direito de desobediência. Os direitos fundamentais seriam “dádivas do Estado” (cfr. PAULO

OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.3.1, pg. 625). A “Constituição não oficial”, fruto do poder constituinte informal

(PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública: O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, Coimbra, 2003, pgs. pgs. 418 ss. (em particular, 418-430), 183; IDEM, As instituições políticas e a emergência de uma “Constituição não oficial”, in Anuário Português de Direito Constitucional, vol. II / 2002, pgs. 83-116; IDEM, A renúncia do Presidente da República..., pg. 141; cfr. já, em breve alusão, Sistema de governo e controlo da actividade regional: vantagens e defeitos das soluções em vigor, in Direito e Justiça, volume X, tomo 1, 1996, pgs. 83).

a) Elementos integrantes da Constituição “não oficial”: costumes,

usos, praxes; Classificações afins – Constituição em sentido formal / em sentido

instrumental / em sentido material: a Constituição em sentido instrumental pode ser aproximada, pelo

menos “grosso modo”, da Constituição “oficial”; ao invés, a Constituição material (com apoio largamente maioritário na Doutrina, embora se julgue que não é totalmente convincente) não corresponde à Constituição “oficial”, uma vez que aquela poderá ser escrita ou não escrita, englobando, por conseguinte Direito consuetudinário37.

Note-se que a Constituição histórica e predominantemente consuetudinária do Reino Unido, sem prejuízo de semelhanças de fundamentação, não poderá ser identificada com a Constituição “não oficial”, uma vez que, aí, não encontra nenhuma Constituição “oficial” à qual se possa contrapor.

b) O nascimento da norma “não oficial” (v. PAULO OTERO, Legalidade e

Administração Pública, pg. 421);

37 Neste sentido, HANS KELSEN, Teoria Pura do Direito, V, 35. a, pg. 310; Teoria Geral do Direito e do Estado, Primeira Parte, Cap. XI, B.a.1, pg. 183; KARL LOEWENSTEIN, Teoria de la Constitución, 1982, pg. 208; A Constituição em sentido formal, evidentemente, exclui o Direito consuetudinário (neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual…, II, 6.ª ed., n.º 7.I, pg. 36).

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c) a permeabilidade do Direito Constitucional à normatividade “não oficial”

as vertentes integrativa e subversiva da Constituição “oficial”; d) Exemplos e) Justificação da força da maioria das normas componentes da

Constituição “oficial” - a projecção democrática da ideia de nação (PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pg. 429-432; PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 9.4.2, pgs. 496 ss.)

e’) O problema dos direitos “contra constitutionem”: a nosso ver, a Constituição “não oficial” é susceptível de

fundamentar direitos fundamentais de matriz histórica ou direitos históricos inconstitucionais em face da Constituição “oficial”, sem prejuízo de serem subsumíveis na cláusula aberta do n.º 1 do art.º 16.º

Neste sentido (agora reforçado pela teorização da Constituição “não oficial”), PAULO OTERO, Direitos históricos e não tipicidade pretérita dos direitos fundamentais, pgs. 1087-1089.

Em sentido contrário, JORGE MIRANDA, Manual..., IV, 4.ª ed., n.º 46.IX, pg. 186; em sentido contrário à relevância do costume, ISABEL MOREIRA, Por uma leitura fechada e integrada da cláusula aberta…, pgs. 145-147; rejeitando o costume interno, JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, A

estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias…, II, pg. 383. f) Limites à Constituição “não oficial” – os princípios jurídicos

fundamentais decorrentes da centralidade da pessoa humana viva e concreta (PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, pgs. 433-434)

III (5 val.)

A) Desenvolva o seguinte tema: A desobediência à lei na História do

pensamento sobre a pessoa humana.

A desobediência à lei poderá assumir várias formas: 1) A revolução e a insurreição; 2) resistência à opressão; 3) desobediência criminal; 4) A desobediência civil; 5) objecção de consciência; 6) não resistência (isto é, não opor-se, mas, por sua vez, não ceder - v.

MARÍA JOSÉ FALCÓN Y TELLA, La desobediencia civil, pg. 85); 7) “Satyagraha” (termo cunhado por GANDHI; cfr. JORGE F. MALEM SEÑA, Concepto

y justificación de la desobediencia civil, pg. 54);

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8) Autotutela; 9) O direito de resistência clássico. (para efeitos de a resposta estar completa, teve-se em conta este

último aspecto).

9) Direito de resistência

Enquadramento no pensamento sobre a pessoa humana:

Períodos

Admitem Não admitem

Antiguidade Período greco-romano

A personagem Antígona, da tragédia de SÓFOCLES (v. PAULO OTERO, Instituições

políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.3, pgs. 67-69) SANTO AGOSTINHO afirma que a validade do Direito depende da justiça (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.3.3, pg. 103)

A desobediência à lei, em geral, não é compatível com “liberdade dos antigos” (na expressão de BENJAMIN CONSTANT; cfr. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.3, pg. 67). O exemplo de SÓCRATES (em relação à sentença injusta que o condenou) (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.3, pg. 67-68) V. g., no modelo de Esparta, XENOFONTE (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., pg. 76); PLATÃO, no seu pensamento tardio, vertido n’As leis PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., pg. 79)

Idade Média SÃO TOMÁS DE

AQUINO – face à lei injusta, embora exigindo uma relação

MARSÍLIO DE PÁDUA, no caso de as

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de proporcionalidade entre o dano decorrente da desobediência e o ganho resultante desse acto (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 1.ª ed., 3.2.3, pgs. 110-111; cfr. JORGE MIRANDA, Manual..., IV, 3.ª

ed., pg. 17)

leis serem efectivamente o produto da vontade popular (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 1.ª ed., 3.3.6, pg. 120)

Idade Moderna FRANCISCO DE VITÓRIA (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., pg. 126); FRANCISCO SUÁREZ (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., pgs. 129, 127) LUTERO (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., pg. 143)

Iluminismo HOBBES38

38 Uma vez que “do nosso acto de submissão fazem parte tanto a nossa obrigação como a nossa

liberdade” (THOMAS HOBBES, Leviatã..., Cap. XXI, pg. 179), “Ninguém tem a liberdade de resistir à espada do Estado, em defesa de outrem, seja culpado ou inocente. Porque essa liberdade priva a soberania dos meios de nos proteger, sendo portanto destrutiva da própria essência do Estado. Mas, caso um grande número de homens em conjunto tenha já resistido injustamente ao poder soberano, ou tenha cometido algum crime capital, pelo qual cada um deles pode esperar a morte, terão eles ou não a liberdade de se unirem e se ajudarem e defenderem uns aos outros? Certamente que a têm: porque se limitam a defender as suas vidas, o que tanto o culpado como o inocente podem fazer. Sem dúvida, havia injustiça na primeira falta ao seu dever; mas o acto de pegar em armas subsequente a essa primeira falta, embora seja para manter o que fizeram, não constitui um novo acto injusto. E se for apenas para defender as suas pessoas de modo algum será injusto. Mas a oferta de perdão tira àqueles a quem é feita o pretexto da defesa própria, e torna ilegítima a sua insistência em ajudar ou defender os restantes.” (THOMAS HOBBES, Leviatã..., Cap. XXI, pg. 181).

(…) Entende-se que a obrigação dos súbditos para com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto,

dura também o poder mediante o qual ele é capaz de os proteger. Porque o direito que por natureza os homens têm de se defenderem a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum. A soberania é a alma do Estado, e, uma vez separada do corpo, os membros deixam de receber dela o seu movimento. O fim da obediência é a protecção e seja onde for que um homem a veja, quer na sua própria espada quer na de um outro, a natureza manda que a ela obedeça e se esforce por a conservar. Embora a soberania seja imortal, na intenção daqueles que a criaram, não apenas ela se encontra, por sua própria natureza, sujeita à morte violenta através da guerra exterior, mas encerra também, em si mesma, devido à

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LOCKE, no âmbito de uma visão limitada da intervenção do Direito (PAULO OTERO, Instituições

políticas e constitucionais, I, 4.1.4, pg. 187; PAULO OTERO, Lições de Introdução..., I vol.,

1.º tomo, pg. 60), não podendo o poder legislativo ser arbitrário, mas antes estrita e teleologicamente direccionado. VOLTAIRE (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 4.1.6, pg. 195) DAVID HUME (em ocasiões extraordinárias) (v. PAULO OTERO, Instituições

políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 4.1.7, pg. 197)

BARUCH DE ESPINOSA (, Tratado…, Cap. III, par. 5; v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., ., 4.1.2, pg. 181) ROUSSEAU (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., pg. 201; 4.7.3, pg. 264) e KANT, em virtude de a vontade do legislador a expressão do assentimento do povo (KANT, Sobre a expressão..., p. 85) (v. PAULO OTERO, Instituições políticas e

constitucionais, I, 1.ª ed., 4.2.1, pg. 203)

Idade Contemporânea O direito de resistência encontrou alguma consagração no constitucionalismo liberal, desde a Declaração de 1789 (no constitucionalismo português, foi consagrado na efémera Constituição de 1838).

Século XX A consagração do ignorância e às paixões dos homens, a partir da própria instituição, grande número de sementes de mortalidade natural, através da discórdia intestina.” (THOMAS HOBBES, Leviatã..., Cap. XXI, pg. 182).

[A seguir, HOBBES enumera quatro casos: 1) cativeiro de um súbdito, designadamente como prisioneiro de guerra; renúncia do monarca à soberania, tanto para si mesmo como para os seus herdeiros; 3) banimento de um súbdito; 4) o caso de um monarca, após vencido na guerra, se fazer súbdito do vencedor].

Apenas nestes casos, de dissolução do corpo político (aludida de forma muito breve), HOBBES admite a desobediência (cfr. MICHAEL MALHERBE, Hobbes et la mort du Léviathan: opinion, sédition et dissolution, in Thomas Hobbes e la fondazione della politica moderna, a cura di GIUSEPPE SORGI, Giuffrè, Milão, 1999, pgs. 658, 659).

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direito de resistência foi alargada, por um lado, embora o seu âmbito de operatividade se encontre, na prática, diminuído, em Estados de Direito democráticos

B) Comente: “O totalitarismo é um fenómeno do passado,

circunscrito às páginas de livros ou às paredes de museus”. Contrariamente ao sentido talhante da frase, o totalitarismo não se

encontra ultrapassado, em virtude da sua extraordinária “capacidade de adaptação”39. Vejamos algumas manifestações:

a) Desde logo, a sobrevivência de regimes totalitários (PAULO OTERO,

Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.1.1, pg. 610) b) Mesmo nas democracias ocidentais, nada está garantido40. Não

existe um “fim da História” (cfr. a obra célebre de FRANCIS FUKUYAMA, a respeito do capitalismo. Em sentido contrário, defendendo que o progresso da consciência da liberdade é o sentido último da história universal, HEGEL, A razão na História, p. 59 - cfr. PAULO OTERO, Instituições

políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 4.2.3, pg. 220) em matéria de consagração e tutela de direitos humanos:

Existe mesmo, de acordo com PAULO OTERO, uma impregnação totalitária da democracia, ou, por outras palavras, uma “democracia totalitária” (PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.1.1, pgs. 610, 615 ss.; A Democracia Totalitária. Do Estado totalitário à sociedade totalitária. A influência do totalitarismo na democracia do século XXI).

(assim como, por vezes, movimentos políticos herdeiros do totalitarismo - PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.1.1, pg. 610)).

39 Cfr. PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.1.1, pg. 610. 40 Precisamente neste sentido, considerando que “nada se encontra definitivamente adquirido”,

não podendo “Nenhum Estado de direitos humanos pode descansar no nível de respeito já atingido”, PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.1.1, pgs. 610 e 609.

Comentário [MSOffice25]: É de discordar do sentido da frase:

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Por isso mesmo, a implementação de um “regime de Direito”, quer ao nível particular41 quer ao nível universal, é paulatina, gradual42, não se encontrando imune a de eventuais retrocessos.

41 Neste sentido, em relação ao Estado de direitos humanos, PAULO OTERO, Instituições

políticas e constitucionais, I, 1.ª ed., 12.1.1, pg. 609. 42 Reconhecendo esta lentidão, proclamação do Preâmbulo Declaração Universal dos Direitos do

Homem.

Comentário [MSOffice26]: sujeita a | susceptível de; isenta de