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HISTÓRIA DAS LUTAS SOCIAIS POR SAÚDE NO BRASIL Juliano de Carvalho Lima * O Brasil possui o maior sistema público de saúde do mundo em termos de cobertura populacional e de risco. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, tem sido analisada como a mais bem sucedida reforma da área social empreendida sob o novo regime democrático, tendo em vista o seu caráter universal e igualitário. A inclusão de vastas camadas da população anteriormente excluídas do acesso aos serviços e ações de saúde, não apenas básicos, mas também de média e alta complexidade, e o sucesso de alguns programas, como o de combate à AIDS, são exemplos concretos de avanços. No entanto, um rápido olhar para o cotidiano dos serviços de saúde é suficiente para identificar as deficiências desse Sistema. As perversas desigualdades no acesso e utilização dos serviços (com prejuízo dos mais pobres), o mal atendimento, as filas, a superlotação das emergências, a escassez de recursos nas unidades de saúde, a falta de leitos hospitalares e a demora para a marcação de exames são algumas das evidências da inadequação entre o proposto pelo arcabouço jurídico-legal do SUS e a realidade dos serviços. Assim, evidencia-se o caráter contraditório do sistema de saúde brasileiro que, ao mesmo tempo, é um dos poucos que possibilita a realização de transplantes de coração, acesso à hemodiálise, dispensação gratuita de medicamentos contra a AIDS, mas que, muitas vezes, não consegue garantir a distribuição de antibióticos ou a realização de consultas médicas básicas e que permite a milhares de pessoas, cotidianamente, amontoarem-se nas salas de espera das emergências sem atendimento adequado. No plano das práticas de saúde, é um sistema que traz como princípio a integralidade da atenção, mas que na realidade dos serviços traduz-se como um tratamento “desumanizado”, fragmentado e centrado nos procedimentos. Página 1 de 33 O Brasil possui o maior sistema público de saúde do mundo em termos de cobertura... 4/9/2008 file://C:\Documents and Settings\Administrador\Meus documentos\Minhas Webs\NED...

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HISTÓRIA DAS LUTAS SOCIAIS POR SAÚDE NO BRASIL

Juliano de Carvalho Lima *

O Brasil possui o maior sistema público de saúde do mundo em termos de cobertura populacional e de risco. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, tem sido analisada como a mais bem sucedida reforma da área social empreendida sob o novo regime democrático, tendo em vista o seu caráter universal e igualitário.

A inclusão de vastas camadas da população anteriormente excluídas do acesso aos serviços e ações de saúde, não apenas básicos, mas também de média e alta complexidade, e o sucesso de alguns programas, como o de combate à AIDS, são exemplos concretos de avanços.

No entanto, um rápido olhar para o cotidiano dos serviços de saúde é suficiente para identificar as deficiências desse Sistema. As perversas desigualdades no acesso e utilização dos serviços (com prejuízo dos mais pobres), o mal atendimento, as filas, a superlotação das emergências, a escassez de recursos nas unidades de saúde, a falta de leitos hospitalares e a demora para a marcação de exames são algumas das evidências da inadequação entre o proposto pelo arcabouço jurídico-legal do SUS e a realidade dos serviços.

Assim, evidencia-se o caráter contraditório do sistema de saúde brasileiro que, ao mesmo tempo, é um dos poucos que possibilita a realização de transplantes de coração, acesso à hemodiálise, dispensação gratuita de medicamentos contra a AIDS, mas que, muitas vezes, não consegue garantir a distribuição de antibióticos ou a realização de consultas médicas básicas e que permite a milhares de pessoas, cotidianamente, amontoarem-se nas salas de espera das emergências sem atendimento adequado. No plano das práticas de saúde, é um sistema que traz como princípio a integralidade da atenção, mas que na realidade dos serviços traduz-se como um tratamento “desumanizado”, fragmentado e centrado nos procedimentos.

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Este artigo tem como objetivo contribuir para a análise e compreensão da complexa realidade da saúde no Brasil por meio do desvelamento dos determinantes históricos envolvidos na construção desse setor, uma vez que este sofreu as influências e também influenciou todo o contexto político-social pelo qual o Brasil passou ao longo do tempo.

A análise desse processo histórico sob a perspectiva das lutas sociais por saúde parte dos pressupostos de que: (1) a história das políticas de saúde está relacionada diretamente à evolução político-social e econômica da sociedade brasileira, não sendo possível dissociá-las; (2) o setor saúde sofreu e sofre forte determinação do capitalismo nacional e internacional; (3) as lutas sociais por saúde no Brasil sofreram a influência dos movimentos e dos contextos sócio-político e econômico, mas também influenciaram, em vários momentos, a construção social e política do Estado Brasileiro.

Assim, realiza-se uma leitura das políticas governamentais de saúde enquanto resultantes das disputas de distintos projetos e forças sociais, que se dão no interior do Estado, mas também fora dele, procurando estabelecer os vínculos com as questões políticas mais amplas. A análise das lutas sociais por saúde no Brasil, em íntima relação com a história das políticas públicas de saúde, envolve, portanto, questões relacionadas à distribuição e redistribuição de poder, ao papel do conflito, aos processos de decisão e à repartição dos benefícios e dos custos sociais.

Mais que contar a história, busca-se identificar como se produziram os ideários ou matrizes de pensamento a respeito da questão saúde ao longo dos vários momentos por que passou esse campo de saberes e práticas. Por isso, atenção especial é dada aos discursos expressos de maneira organizada nos momentos-chave pelos quais passou a saúde enquanto objeto de disputa social.

As perspectivas acima apontadas visam à não limitar as análises às visões economicistas da ação política e do Estado, nas quais as políticas e ações sociais são vistas apenas como decorrência das exigências econômicas da acumulação do capital. Por outro lado, pretende não ocultar, mas evidenciar, as diferenças da estratificação social, evitando-se a interpretação de que os conflitos são apenas disputas de grupos de interesse isonômicos.

Assumindo uma visão não-linear, mas admitindo a necessidade de uma certa periodização desse processo histórico, optou-se por apresentar a história das lutas sociais por saúde no Brasil organizada em função de cinco idéias-força que caracterizam, em distintos momentos históricos do século XX no Brasil, a relação das lutas por saúde com o processo mais amplo da história da constituição do Estado e da sociedade. Saúde e Saneamento; Saúde e Cidadania Regulada; Saúde e Desenvolvimento; Saúde e Previdência; e Saúde e Democracia são as cinco idéias-força ao redor das quais organiza-se a presente exposição. Além dessas cinco idéias-força, que encontram uma certa correspondência

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com alguns marcos da história política brasileira, destaca-se ao final desse documento alguns movimentos recentes de defesa do direito à saúde, mais diretamente relacionados à defesa de alguns princípios e diretrizes do SUS, em função dos constrangimentos decorrentes do avanço das propostas neoliberais na América Latina, e no Brasil em particular, nos anos 1990.

A perspectiva das lutas sociais e a seleção dessas cinco idéias-força não são arbitrárias, pois, como se verá adiante, guardam coerente relação com a evolução político-social e econômica da sociedade brasileira. No entanto, este não é o único fio condutor possível. Outras perspectivas formariam um fio condutor diferente. Assume-se, portanto, a seleção aqui realizada apenas como uma das possíveis formas de organizar a análise da história das lutas sociais por saúde no Brasil.

Saúde e Saneamento: a ideologia da construção nacional

O início do século XX no Brasil foi marcado por um contundente movimento sanitarista que resultou no que pode ser considerada a primeira reforma sanitária brasileira. Esse movimento está intimamente relacionado à dinâmica do capitalismo nacional, baseado no modelo econômico agro-exportador, e teve importante participação na construção da autoridade estatal sobre o território e na conformação de uma ideologia de nacionalidade.

Com a Proclamação da República estabeleceu-se uma organização jurídico-política típica do Estado capitalista e fortemente assentada no domínio oligárquico. Essa organização acentuava o papel de dois atores políticos: os coronéis e os bacharéis. Os primeiros eram os artífices da prática política concreta em um sistema político no qual a competição eleitoral era praticamente ausente; e os bacharéis eram os protagonistas de uma espécie de salão literário da política efetivamente definida pelos primeiros. Já a economia brasileira estava dominada por um modelo agro-exportador fortemente baseado no café e outras monoculturas.

Algumas análises vêem o desenvolvimento das políticas de saúde nesse período como a pura e simples decorrência de estratégias das classes dominantes que exigiam do sistema de saúde uma política de saneamento dos espaços de circulação das mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle de doenças que poderiam prejudicar a exportação (Mendes, 1999).

Mas em que pesem as reais influências do modelo econômico sobre a conformação das políticas de saúde desse período e os interesses particulares das elites, estudos recentes vêm destacando essas políticas como partes constitutivas de um processo mais amplo e complexo, no qual “o Estado e as elites estatais têm especificidades que lhes fornecem autonomia em relação aos interesses societais, e têm objetivos também específicos, diversos e mesmo divergentes dos das elites societais” (Hochman, 1993, p.2).

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Assim, os movimentos em prol da saúde durante a República Oligárquica também podem ser considerados expressão dos projetos nacionalistas e de reforma social que se intensificaram a partir da Primeira Guerra Mundial, como será visto a seguir.

O Brasil caracterizado (denunciado) como um “vasto hospital” nas primeiras capas dos jornais da época revela a situação sanitária do Brasil nesse período (Santos, 1985). Várias doenças endêmicas e epidêmicas assolavam o País, incluindo a varíola, a malária, a peste e a febre amarela. No início do século XX a expectativa de vida de um brasileiro era de, em média, 32 anos. Além das conseqüências diretas sobre a vida da população, tal quadro comprometia também outros setores, como o comércio exterior. São vastas as citações da época referentes à recusa, por parte de navios estrangeiros, em atracar nos portos brasileiros em função da situação sanitária existente nessas cidades.

Em função dessa situação houve uma crescente conscientização por parte das elites políticas sobre os efeitos negativos do quadro sanitário existente no País. A eleição dos problemas de saúde pública e o modo de intervenção do setor público não eram independentes da forma de organização da sociedade oligárquica do período. Eles estão vinculados a um novo projeto de sociedade que alguns setores da elite brasileira pretendiam implementar nas principais cidades, integrado-as aos ventos da modernidade que sopravam também na Europa e nos Estados Unidos.

O cuidado para com as epidemias nas cidades, principalmente as portuárias como Santos e Rio de Janeiro, esteve na origem da criação das duas maiores instituições de pesquisa biomédica e de saúde no Brasil: O Instituto Soroterápico Federal (atual Fundação Oswaldo Cruz) no Rio de Janeiro e o Instituto Butantan em São Paulo. Nessas instituições, uma nova geração de médicos formados segundo o paradigma da bacteriologia e influenciados pela pesquisa científica praticada na França e na Alemanha, começaria a exercer forte influência nas concepções sobre as doenças transmissíveis e nas propostas de ações em saúde pública.

Os “higienistas/ sanitaristas” irão atuar tanto na produção de conhecimento quanto na constituição de um setor público que tinha como meta estratégica a intervenção no campo das ações coletivas, principalmente as relativas ao saneamento (Merhy, 1992)

Neste cenário destaca-se a figura do sanitarista Oswaldo Cruz. Baseado nas então recentes conclusões de pesquisadores norte-americanos sobre a transmissão da doença e em eficientes projetos de combate ao mosquito transmissor já implementados por Emílio Ribas no interior paulista, Oswaldo Cruz dirige um "grande cruzada" contra as doenças no Rio de Janeiro.

Ao mesmo tempo, o prefeito Pereira Passos inicia um conjunto de obras de urbanização,

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que inclui a construção de grandes avenidas e praças, além da eliminação de cortiços e locais denominados como insalubres. Centenas de casas são demolidas e seus moradores expulsos para construção das principais avenidas da cidade do Rio de Janeiro.

É nesse cenário que ocorre uma das mais conhecidas revoltas populares ocorridas no Brasil: a Revolta da Vacina, de 1904. Ao contrário do que se pode supor, esta não foi apenas uma revolta contra o caráter compulsório da vacinação. A Revolta se explica devido às precárias condições de vida da população e não foi especificamente contra a vacina: Foi uma revolta essencialmente contra a carestia, que teve uma série de elementos que levaram à sua eclosão, como as reformas urbanas de Pereira Passos e a vacinação obrigatória (Chiozzine, 2005). Embora houvesse a presença de operários socialistas, estudantes, comerciantes e militares, a grande maioria dos revoltosos era composta pela população pobre. Cabe ressaltar ainda que houve também a manipulação da população em geral por uma facção da elite que não estava ligada PRP, partido de Rodrigues Alves. Este, aliás, esteve na iminência de fugir às pressas do palácio do Catete, pois havia a suspeita de um possível golpe de Estado.

No entanto, nem a determinação econômica e nem o ímpeto dos cientistas da época explicam, por si só, a gênese do movimento de reforma sanitária da Primeira República. Além desses dois fatores a compreensão da gênese desse movimento é favorecida quando se identificam as afinidades que foram se estabelecendo entre uma comunidade de cientistas em formação, projetos intelectuais e políticos de cunho nacionalista e propostas de políticas de expansão da autoridade estatal no território e de redefinição do pacto federativo (Lima, Fonseca e Hochman, 2005).

As políticas de saúde, que tiveram início efetivo em fins da década de 1910, estavam associadas aos problemas de integração nacional e à consciência da interdependência gerada pelas doenças transmissíveis. São, segundo Hochman (1998), os resultados do encontro de um movimento sanitarista, organizado em torno de políticas de saúde e saneamento, com a crescente consciência por parte das elites quanto aos problemas de saúde, conforme dito alhures. É importante destacar ainda que as políticas de saúde e saneamento propostas pelos sanitaristas não eram viáveis sem o fortalecimento da autoridade Estatal e do papel do governo federal.

Se inicialmente as ações de saúde pública implementadas estiveram focadas nas grandes cidades, especialmente as portuárias, a partir de 1915 tem início um movimento pelo saneamento rural. A “descoberta dos sertões”, nos dizeres de Santos (1985).

Segundo Santos (1985, p.2), havia no período duas correntes de pensamento nacionalista. Uma via no crescimento e progresso das cidades os sinais da conquista civilizatória. Para esta corrente nacionalista um Brasil moderno significava um Brasil europeizado. “Só a

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imigração branca e européia poderia limpar os brasileiros da nódoa do passado escravocrata e dos efeitos perniciosos da miscigenação. O sangue novo – ‘sangue bom’ – permitiria ao brasileiro redimir-se e purificar-se da contaminação de raças supostamente inferiores”. Em 1916, por exemplo, o médico Gouvea de Barros, deputado federal por Pernambuco e ex-diretor do serviço sanitário de seu estado, proclamava na Câmara dos Deputados que o Brasil tinha “uma população fraca, sem resistência às doenças dos trópicos”.

A outra corrente, por sua vez, estava preocupada em recuperar no interior do País as raízes da nacionalidade, e buscava integrar o sertanejo ao projeto de construção nacional. A esta corrente do pensamento social da época afiliaram-se boa parte dos médicos sanitaristas, concorrendo para a mudança do modo de pensar o País e os problemas da população, especialmente as rurais. Tal mudança se dá a partir de uma revisão das teses que enfatizavam a inferioridade racial do brasileiro, colocando a ênfase no tema do abandono pelo poder público como principal obstáculo aos projetos civilizatórios.

Os Sertões, de Euclides da Cunha, causou um choque junto aos círculos intelectuais europeizados. Nos dizeres desse escritor, à medida que as elites brasileiras procuravam tomar uma civilização de empréstimo, fugiam às “exigências da nossa própria nacionalidade”. Além de Euclides da Cunha, tantas outras personalidades da época como Monteiro Lobato, Vicente Licínio Cardoso e Alberto Torres, se ocuparam da questão do isolamento e do atraso do sertanejo (Hochman, 1993).

No que diz respeito ao papel dos médicos sanitaristas na conformação desse pensamento, o ano de 1916 é emblemático. Nessa data é publicado, pelo Instituto Oswaldo Cruz, o caderno de viagem dos médicos Artur Neiva e Belisário Pena pelos estados do nordeste e de Goiás, denunciando as péssimas condições de vida no interior do País. O referido trabalho permitiu às elites urbanas uma visão contundente das condições médico-sanitárias e sociais no grande sertão. Além das questões estritamente sanitárias, denunciou vários aspectos da organização social dos sertões: a família não existia “legalmente” por falta de registro civil; os filhos “quase nunca são registrados”; o trabalho forçado em vastas áreas de maniçobais no Piauí e Bahia era prática corrente; aliciamento de mão-de-obra infantil nos vilarejos ao longo do São Francisco (Santos, 1985).

Outro documento importante destacado por Santos é a obra de Belisário Pena, denominada Saneamento do Brasil, onde a questão sanitária aparece como um tema essencialmente político. Segundo o documento, o Brasil cuidava apenas das suas capitais e de algumas cidades. Em função da importância desse documento enquanto expressão do pensamento sanitário da época, transcreve-se a seguir as observações de Santos (1985, p. 9) quanto ao conteúdo do documento de Belisário Pena:

“As populações rurais permaneciam no mais completo abandono. As estatísticas sobre as

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endemias rurais refletiam tal situação: o amarelão atacava 70% da população; 40% eram vítimas da malária; a doença de Chagas atingia 15% da população rural. Estas eram as endemias mais sérias em todo o País, às quais o governo central deveria dar combate através de uma política integrada de saneamento. Para Belisário, pouco poderia ser feito em favor das populações desassistidas sem que se unificassem e centralizassem os serviços de saúde pública. Só o poder central possuía os instrumentos necessários para sobrepor-se à inação ou à resistência oligárquica, e promover campanhas pelo saneamento em todo o território nacional. Entretanto, a mudança nas regras do jogo político era considerada por Belisário Pena uma condição necessária para que o governo central pudesse assumir o controle do sistema de saúde pública em todo o País”.

A ideologia sanitarista dos anos 1920 desempenhou um papel de mobilização política. Apesar de ser fundamentalmente um movimento de elite, o movimento sanitarista tomou grande impulso, atraindo setores das classes médias, formando correntes favoráveis às teses sanitaristas dentro do Congresso e agitando a imprensa. Em torno da idéia de saneamento do Brasil se deu a politização da questão sanitária durante o primeiro período republicano.

“Parece-me que o movimento sanitário representou um canal dos mais importantes na República Velha para o projeto ideológico de construção da nacionalidade. A ligação saúde pública e nacionalidade é talvez o traço mais distintivo do movimento sanitário brasileiro em relação ao europeu e norteamericano [...] Nosso atraso, diziam [os sanitaristas] se devia à doença, não ao determinismo biológico. A construção da nacionalidade exigia que as elites desviassem os olhos sempre postos na Europa para o interior do Brasil, para as grandes endemias dos sertões. A (re)integração dos sertões à civilização do litoral representava o grande desafio para o fortalecimento da nacionalidade, pois população doente = raça fraca = nação sem futuro” (Santos, 1985, p. 11).

A relevância do movimento sanitário nesse período esteve principalmente nos seus aspectos ideológicos, e não em suas realizações práticas, que não lograram a erradicação das endemias rurais. Mas, ainda que de pouco alcance e reduzida eficácia, a legislação e as políticas de saúde do período lançaram as bases para campanhas subseqüentes e romperam, aqui e ali, a inércia ou a resistência das oligarquias rurais (Santos, 1985).

Já Lima, Fonseca e Hochman (2005) destacam que houve resultados, com implicações institucionais imediatas e papel efetivo na expansão da autoridade estatal sobre o território, nos anos 1910 a 1920, ao mesmo tempo em que se criavam as bases para a formação da burocracia em saúde pública, algo que se tornou realidade após 1930. Entre as conquistas destaca-se a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1920, dirigido até 1926 por Carlos Chagas.

Assim, o período da Primeira República, caracterizado como a Era do Saneamento, foi um período de crescimento da consciência das elites em relação à situação sanitária do País e da percepção de que o Estado nacional deveria assumir a responsabilidade pelas questões relativas à saúde. Nesse período foram assentadas as bases para a criação de um incipiente sistema nacional de saúde, caracterizado pela concentração e verticalização no governo federal, que marcam o sistema de saúde até os dias de hoje.

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Saúde e Cidadania Regulada: O nascimento da previdência no Brasil

No período pós-30 o foco da construção nacional deslocou-se dos sertões para a fronteira, a oeste, e para as grandes cidades, a leste e sul do país. Os novos rumos do processo de nation-building prenunciaram o esvaziamento político do movimento sanitarista. Esse movimento inviabilizou-se sob o peso crescente da burocratização das atividades de saúde durante a vigência do “Estado Administrativo” de Vargas.

O primeiro governo Vargas representa um marco na configuração das políticas sociais no Brasil. Foram as mudanças institucionais ocorridas nesse período que moldaram a política pública brasileira e estabeleceram o arcabouço jurídico que estruturou o sistema de proteção social até um período recente. Essas mudanças encontram-se intimamente relacionadas ao projeto político de industrialização e modernização do País.

A nova elite governamental pós-1930 orientou-se pelo caminho da acumulação e diferenciação da estrutura econômica do País. Com a diversificação da economia surgiram novos interesses que pressionavam a ordem e a estrutura anterior de poder. A perda de vigor do setor cafeeiro contribuiu para acirrar as cisões regionais, levando a uma reformulação do esquema de alianças entre os grupos dominantes.

A ascensão dessa nova elite representou uma certa “renovação do equipamento ideológico” com que se enfrentava o problema da ordem econômica e social e, conseqüentemente, que se alterassem as normas que orientavam o processo de acumulação e as relações sociais que aí se davam. “O Estado deveria intervir na ordem da acumulação e reestruturá-la, criando as condições para que se processasse tão

rapidamente quanto a estrutura dos recursos permitisse” (Santos, 1998).

No novo cenário político que se desenhou após 1930, as alterações institucionais realizadas no campo da saúde pública apresentaram relação direta com os projetos políticos do governo em vigor, ao mesmo tempo em que dependiam diretamente das oscilações políticas e dos interesses em conflito. “A política social do governo Vargas fortaleceu o processo de construção do Estado Nacional, evidenciando as inter-relações das dimensões política, ideológica e institucional” (Lima, Fonseca e Hochman, 2005).

No entanto, a expansão das políticas sociais na Era Vargas teve feições particulares. Em que pese esse período seja marcado pela crescente ingerência do Estado no âmbito das relações de trabalho e, posteriormente, para a legislação previdenciária, é relevante também, para a compreensão dos movimentos ocorridos no campo da saúde nesse período, o aparecimento de um novo ator no cenário político nacional: o movimento sindical.

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Os imigrantes traziam consigo a história do movimento operário na Europa e dos direitos trabalhistas que já tinham sido conquistados pelos trabalhadores europeus. Influenciaram na mobilização e na organização da classe operária no Brasil na luta pela conquistas dos seus direitos, principalmente no âmbito da regulação do trabalho. No entanto, mais do que decorrência da ação exclusiva dos movimentos sindicais da época, são as particulares relações jurídicas entre o movimento sindical, o Estado e os empregadores que irão conformar uma nova agenda no âmbito das políticas sociais em geral e de saúde em particular.

Até 1930 a resposta estatal às demandas do movimento operário na esfera da produção foi lenta. Atribuía-se à infusão da experiência sindical européia na vida operária brasileira, via migração, a responsabilidade pela crescente mobilização da força de trabalho urbana que deveria, segundo os ideários laissez-fairianos, ser reprimida. Os poucos resultados alcançados, no entanto, levaram outros atores privados a reverem o papel da força de trabalho industrial e as normas que deviam dar estabilidade à ordem social.

Para Santos (1998, p.100), é desse reconhecimento que surgiram, em 1923, através da Lei proposta pelo paulista Eloy Chaves1 as iniciativas das caixas de aposentadorias e pensões “de índole remedial, isto é, compensando minimamente as deficiências na distribuição de benefícios, regulada estritamente que era pelo mercado na esfera acumulativa. E nesta esfera apenas o Estado poderia interferir, caso desejasse, o que, em absoluto, correspondia à orientação da elite”. “Assim, cria-se o descompasso entre a política social compensatória, iniciada em 1923, e a política social via regulação do processo acumulativo, que só se iniciará após a revolução de 1930”.

Por meio das caixas de aposentadorias e pensões instituía-se um fundo nas empresas, composto por contribuição dos empregadores, dos empregados e do Estado, com o objetivo de garantir parte do fluxo de renda normalmente auferida pelo empregado, no momento em que ele se desligasse da produção por velhice, invalidez ou por tempo de serviço, ou para custear despesas com assistência médica. Instaura-se então o seguro-saúde de base meritocrática, onde o direito ao acesso à assistência médica é decorrência de um compromisso privado (embora com participação do Estado) entre a empresa e seus empregados.

Segundo Santos (1998), ficavam claras e bem definidas as responsabilidades: ao Estado cabia zelar pela maior eficiência do processo de acumulação, enquanto que às instituições privadas competia assegurar, via mecanismos compensatórios, as desigualdades criadas por esse mesmo processo.

É o ano de 1933 que marca o início de uma inflexão no padrão de atuação estatal. Essa mudança terá como resultado a junção, sob a jurisdição do Estado, de duas ordens de

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problemas: o da acumulação e o da equidade2 (Santos, 1998). Neste ano cria-se o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM), seguindo-se o dos Comerciários (IAPC) e o dos Bancários (IAPB) em 1934, o dos Industriários (IAPI) em 1936, o dos Servidores do Estado (IPASE) e dos Trabalhadores dos Transportes e Cargas (IAPETEC) em 1938.

Mudança central é o esquema de financiamento tripartite, agregando-se o Estado como co-financiador juntamente com os empregados e empregadores. Outra inovação importante foi a reunião sob um mesmo regime previdenciário de todos os membros de uma categoria profissional. Em relação à assistência médica, colocou-se, inicialmente, como uma função provisória da incipiente Previdência.

A estruturação administrativa dos IAPs, com um presidente assistido por um conselho administrativo e secretariado por funcionário próprio do instituto, vai possibilitar o surgimento de um outro ator importante no âmbito das lutas por saúde no Brasil: a

burocracia estatal. Segundo Santos (1998, p. 90) “Fincava-se, aqui, uma das remotas raízes do poder da burocracia estatal em administração de instituições públicas”. Especificamente no que diz respeito às implicações para o campo da saúde, Mendes (1999, p. 21) destaca que “Neste período, instala-se, na Previdência Social, um seleto grupo de tecnocratas, os denominados cardeais do IAPI, portadores de uma teoria do seguro social e que viriam a dar os rumos do projeto de saúde hegemônico até o início dos anos 80”.

O conceito-chave para compreender a política econômico-social pós-30 é o conceito de cidadania regulada, cunhada por Wanderley Guilherme dos Santos. Por cidadania regulada o autor entende: “o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por normas legais”(Santos, 1998, p. 103).

Na prática esta verdadeira engenharia institucional dos IAPs significava que o acesso aos direitos de cidadania estava limitado apenas aos membros da comunidade localizados nas ocupações definidas em lei e que contribuíam para a Previdência. “A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos,

assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece” (Santos, 1998). Naquele momento eram pré-cidadãos os trabalhadores rurais e os trabalhadores urbanos cujas ocupações não estavam reguladas por lei, como é o caso, por exemplo, das empregadas domésticas.

A regulação das profissões, e conseqüentemente, de quem teria direitos sociais ou não era

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realizada pelo Executivo que, desse modo, mantinha o controle sobre a expansão desses direitos. Boa parte da expansão dos direitos previdenciários, especialmente a assistência médica se deu em função da capacidade de cada categoria profissional “fazer-se ouvir” pelo governo. Logo, as categorias mais fortes (leia-se de maior peso no processo produtivo) foram as que primeiro e mais facilmente alcançaram os benefícios proporcionados pelos IAPs. Além disso, foram as categorias profissionais mais bem aquinhoadas as que conseguiram melhores benefícios previdenciários e melhor assistência médica, configurando um sistema perverso de desigualdade no acesso aos direitos sociais.

Após 1933, boa parte das lutas por saúde serão, na verdade, lutas das categorias profissionais para acessar os benefícios previdenciários. Para isso, duas ordens de conflitos estão estabelecidas: 1) os diversos setores sociais (categorias profissionais) que vão sendo criados em função do processo de divisão social do trabalho buscam ingressar na arena de cidadania via reconhecimento ocupacional e profissional; 2) para os que já ingressaram nessa arena, o conflito está orientado para melhorar a posição na escala de distribuição dos recursos.

Assim, a política de atenção médica teve, como política nacional, um desenvolvimento institucional diretamente articulado aos interesses organizados do mundo do trabalho e das suas instituições de proteção social.

Neste processo desempenha papel importante o tipo de relação que se estabelece entre a burocracia sindical e o Estado, onde o primeiro passa a estar atrelado ao segundo. Em função dessa configuração institucional do sistema previdenciário, prevalecem disputas corporativas pelo acesso à assistência médica, em detrimento de lutas sociais por políticas de saúde universalizantes. Conforme aponta Santos (1998), a burocracia sindical brasileira submeteu-se ao Executivo a partir do momento em que a distribuição dos postos de mando do sistema previdenciário às lideranças sindicais passou a requerer, em contrapartida, a submissão política dessas lideranças ao Ministro do Trabalho.

A burocracia sindical encontrou nos recursos diferenciados da rede previdenciária a forma ótima de integrar-se ao sistema de cidadania regulada, pois a forma de obter recursos diferenciais de poder requeria a manutenção de um sistema estratificado de cidadania.

Assim, a partir da década de 1930 a cidadania regulada estará na base de tudo. Sem ela o sistema de controle sindical e de distribuição de benefícios previdenciários e de assistência médica, de caráter compensatórios, perdem em eficácia. O Estado regulava quase tudo, ou tudo, sempre que o conflito ameaçasse ultrapassar os limites que a elite considerasse apropriados (Santos, 1998). As lutas por saúde, de caráter corporativo, estarão atreladas a essa engenharia, onde a burocracia estatal e a burocracia sindical desempenham papel

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importante.

Saúde e Desenvolvimento

A partir de 1945, com a queda de Vargas, o Brasil inicia uma experiência de 19 anos de democracia. Ainda que com limites, os rumos da saúde pública e da assistência médica foram debatidos pela primeira vez em um ambiente mais democrático, com disputas político-partidárias, com eleições livres e funcionamento dos poderes republicanos.

Durante as décadas de 40 e 50 dois movimentos inter-relacionados vão marcar os embates no campo da saúde. O primeiro é uma aproximação da saúde com o tema do desenvolvimento econômico-social, que teve implicações principalmente no campo da saúde pública. O segundo é o aumento das tensões pela expansão dos benefícios previdenciários e de assistência médica.

Durante o período acima mencionado, ganha corpo e institui-se a idéia de que a saúde é um bem de valor econômico e de que investimentos em capital humano eram fundamentais para o desenvolvimento e progresso das nações, especialmente nos países subdesenvolvidos.

No bojo do espírito desenvolvimentista da época, com foco na industrialização, na modernização e na racionalidade do cálculo econômico, as discussões sobre as relações entre saúde e sub-desenvolvimento ganham força, ainda que a saúde não ocupe o mesmo lugar em um discurso civilizador que ocupara no início do século XX.

Ocorre nesse período (décadas de 1940 e 1950) um intenso debate sobre os custos econômicos das doenças como obstáculo ao desenvolvimento dos países. A expansão agrícola e a produtividade do trabalho seriam as áreas mais afetadas pelas doenças.

Esse movimento teve forte influência da reorientação da política norte-americana para a América Latina. Entre elas destacam-se o programa Ponto IV do Presidente Truman em 1949 e, mais tarde, a Aliança para o Progresso, já na década de 60.

Segundo Giovanella (1991) a Aliança para o Progresso, promovida pelos EUA considerava os problemas sociais e políticos como obstáculos internos ao desenvolvimento e entendia o subdesenvolvimento, pelos seus ingentes problemas sociais, como campo fértil para a proliferação de idéias socializantes.

Associado a essa visão da doença enquanto um limitante do desenvolvimento social, estava o que se convencionou chamar “otimismo sanitário” vigente no cenário internacional do pós-guerra. “Propugnava-se o poder da ciência e da medicina em combater e mesmo erradicar, mediante novos recursos tecnológicos e terapêuticos – especialmente os

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inseticidas de ação residual, como o DDT, e os antibióticos e antimaláricos – as doenças infectocontagiosas em todo o mundo” (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p.47).

Os autores acima referidos citam a mensagem do Presidente Eurico Gaspar Dutra enviada ao Congresso Nacional em 1949 para exemplificar a importância econômica da saúde e o seu significado nos projetos de desenvolvimento. Conforme o pronunciamento do então presidente,

“As condições sanitárias de um País circunscrevem-lhe rigidamente o desenvolvimento econômico-social. No caso do Brasil – onde talvez se processe, como já foi assinalado por inúmeros estudiosos, a maior experiência de adaptação da civilização européia a um ambiente tropical – a melhoria geral das condições sanitárias e o desenvolvimento econômico-social são, verdadeiramente, termos co-extensivos do mesmo problema, isto é, asseguração da possibilidade de progresso” (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p. 48).

Durante toda a década 1950 e início dos anos 1960, as ações de saúde pública, principalmente as de combate às endemias rurais, estiveram associadas aos projetos e às ideologias de desenvolvimento. Recuperação da força de trabalho no campo, modernização rural, ocupação territorial e incorporação dos espaços saneados à lógica da produção capitalista corresponderam à associação entre saúde e desenvolvimento, com a convicção de que a primeira era condição para a segunda. Prevalecia, então, a denominada abordagem restrita da relação saúde e desenvolvimento.

Os principais marcos institucionais desse período foram a criação do Ministério da Saúde em 1953, a reorganização dos serviços nacionais do Departamento Nacionais de Endemias Rurais (DNERu) em 1956 e a campanha nacional contra a hanseníase e outras doenças endêmicas. Esses eventos reforçam pontos importantes do sistema de saúde brasileiro.

Um dos referidos pontos é o reforço da separação entre saúde pública, vinculada ao Ministério da Saúde e com ênfase em ações verticais e centralizadas, voltadas para doenças específicas, e assistência médica, vinculada ao sistema corporativo-previdenciário e orientada para o atendimento médico individual aos contribuintes do sistema. A burocracia do Ministério da Saúde (a partir de 1953) e as organizações médicas foram obrigadas a interagir com a estrutura político-partidária em ambiente de competição democrática, embora não tenham assegurado suas principais reivindicações (como a proposta de que o titular do recém-criado Ministério da Saúde fosse um médico da saúde pública, isento dos interesses políticos).

Como visto acima, prevaleceu nas décadas de 1940, 1950 e início dos anos 60 uma abordagem restrita da relação entre saúde e desenvolvimento, presente nos pronunciamentos oficiais de presidentes e ministros. No entanto, no interior do movimento sanitarista havia divergências e conflitos no entendimento das relações causais e das estratégias políticas e institucionais de superação da doença e do subdesenvolvimento.

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“Era bem mais complexa e multifacetada a tensão entre aqueles que acreditavam que a doença era um obstáculo ao desenvolvimento e a saúde constituía um pré-requisito essencial para os

avanços sociais e econômicos no mundo em desenvolvimento, e os ‘desenvolvimentistas’, que compreendiam não ser suficiente o combate às doenças para a superação da pobreza” (Lima,

Fonseca e Hochman, 2005, p.49).

Os debates no interior desse “novo sanitarismo” representavam diferentes abordagens na análise das relações entre saúde e bem estar econômico. A primeira tensão era relativa à relação causal do sub-desenvolvimento, oscilando entre aqueles que acreditavam que o controle e/ou erradicação das doenças infecciosas eram um pré-requisito para o desenvolvimento (concepção hegemônica no período, como visto acima) e aqueles que propugnavam que, embora o controle das doenças fosse necessário, era o desenvolvimento econômico-social que era condição para a melhoria da saúde.

Essa “nova ala” do pensamento sanitarista propugnava que a doença e a miséria não seriam controladas por meio de maiores gastos em serviços de saúde, mas sim com maior desenvolvimento econômico que levasse à melhoria das suas condições de vida.

A segunda tensão diz respeito à forma de organização dos processos de controle das doenças, oscilando entre a concepção de campanhas dirigidas verticalmente contra cada doença específica e imposta de fora (concepção hegemônica) e uma outra compreensão de que as campanhas contra as doenças deveriam ser organizadas horizontalmente em relação ao conjunto das doenças e envolver a promoção de condições básicas de infra-estrutura sanitária.

A dinâmica da sociedade brasileira, principalmente na década de 50, possibilitou o desenvolvimento dessas visões distintas da relação saúde-desenvolvimento e a formulação de novas propostas de mudanças nas políticas de saúde, feitas pelos “sanitaristas desenvolvimentistas”. “Em discursos de 1955, por exemplo, o ministro da saúde do governo Café Filho, Aramys Athayde, já defendia abertamente a idéia da saúde como questão de superestrutura, isto é, não como causa do desenvolvimento econômico e social, mas uma conseqüência dele” (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p.54).

Exemplo de movimento em sentido contrário à abordagem hegemônica no âmbito da saúde pública foi a posição de médicos atuantes no SESP, como Marcolino Candau e Ernani Braga, que propugnavam durante do VII Congresso Brasileiro de Higiene de 1948 a posição de não separação entre ações preventivas e curativas nas ações de saúde. Servem como exemplos também as críticas à centralização das ações de saúde, e a defesa da ampliação dos municípios e a necessidade de melhor aparelhar os serviços sanitários, especialmente nas áreas rurais.

Apesar da hegemonia durante as décadas de 40 e 50, havia, ao final dos anos 50, uma disputa de projetos político-sanitários diversos, que se “acirra no final do período

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democrático com a radicalização das lutas por reformas sociais”. Lima, Fonseca e Hochman consideram a 3ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1963, um evento dramático e final da saúde na experiência democrática. O Plano Trienal do Governo Goulart e o XV Congresso Brasileiro de Higiene, de 1962 (quando os “sanitaristas desenvolvimentistas” conquistaram o comando da Sociedade Brasileira de Higiene), pautaram o evento, e conseguiram colocar em discussão questões como a rediscussão das responsabilidades dos entes federativos, a avaliação crítica da realidade sanitária do País e uma posição favorável à municipalização de ações (Labra, 2005).

O discurso de João Goulart na abertura da 3ªCNS é revelador das mudanças que se iniciavam:

“a política que o Ministério da Saúde deseja implementar na orientação das atividades médico-sanitárias do País se enquadra precisamente dentro da filosofia de que a saúde da população brasileira será uma conseqüência do processo de desenvolvimento econômico nacional, mas que para ajudar nesse processo o Ministério da Saúde deve dar uma grande contribuição, incorporando os municípios do País em uma rede básica de serviços médico-sanitários” (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p.54).

O parágrafo acima expressa bem a mudança de concepção e de estratégia política que se iniciava no âmbito da saúde pública, orientada pela descentralização, pela horizontalização das ações, pela integração das ações de saúde, pela ampliação dos serviços e pela articulação com reformas sociais.

No início dos anos 60 conformaram-se, então, pelo menos dois grandes campos no âmbito da saúde pública: um “conservador/ modernizador” e outro “transformador”. Como se sabe, o projeto proposto pelo segundo campo foi interrompido pelo golpe militar de 1964.

O setor previdenciário, cujo componente médico era secundário em comparação com os benefícios previdenciários propriamente ditos durante a década de 1930, experimentou, nos anos 1940 e 1950, como fruto da realidade social do país, um aumento significativo e progressivo da demanda por atenção médica que incidiu sobre todos os institutos. O maior desenvolvimento industrial, com a conseqüente aceleração da urbanização, e o assalariamento de parcelas crescentes da população, que ocorre maior pressão pela assistência médica via institutos.

Assim, conforme alerta Carvalho (s/d) esse período será marcado pela tensão entre a manutenção de uma estrutura de privilégios e a necessidade de extensão dos chamados direitos sociais. Essa tensão ocorreu não apenas entre as categorias profissionais privilegiadas – bancários, industriários, comerciários, funcionários públicos – que apresentavam marcantes diferenças entre si, mas também entre elas e o restante da população, os “pré-cidadãos”.

Em função dessa tensão, o debate em torno da necessidade ou não de se unificar os

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benefícios da previdência será constante pelo menos desde o início da década de 1940. Os movimentos pela unificação, gestados pela burocracia estatal, sofreram resistências por parte dos representantes da classe trabalhadoras privilegiadas e da própria burocracia dos IAPs, que já se constituíam em importantes feudos políticos e eleitorais.

Somente em 1960 é promulgada a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), versão bastante modificada do Projeto apresentado em 1947 pelo Deputado Aluísio Alves, e então são unificados os benefícios dos IAPs. A inovação foi mais sentida na qualidade dos serviços médicos que nos benefícios previdenciários. A Lei assegurava o mesmo regime de benefícios, independente da categoria profissional, a todos os trabalhadores regulados pela CLT.

Na interpretação de Wanderley Guilherme dos Santos, a política social fica mais explicitamente vinculada à política de acumulação. Ao seu ver todo o problema governamental consistia em conciliar uma política de acumulação que não exacerbasse as iniqüidades sociais a ponto de torná-las ameaçadoras, e uma política voltada para o ideal da equidade que não comprometesse e, se possível ajudasse, o esforço de acumulação.

Ainda segundo o autor em questão, é devido à essa estratégia que, mesmo com a LOPS, permanecem desassistidos de qualquer atenção pública tanto os trabalhadores rurais quanto, na área urbana, os autônomos e as empregadas domésticas, pois além da diferenciação social e do peso no processo acumulativo de uma categoria profissional, era necessário algum grau de mobilização organizada, que não era característica, naquele momento, de nenhum desses grupos (Santos, 1998).

Assim, tomando o campo da saúde no seu conjunto, os movimentos pela saúde nas décadas de 1940, 1950 e o início dos anos 1960 serão marcados pelo acirramento da pressão por expansão dos benefícios, em função do crescimento da massa de assalariados urbanos e da sua organização e força política, e pela tensão gerada em torno da isonomia de direitos dos beneficiários, as quais não foram plenamente equalizadas pelo governo.

Do ponto de vista institucional, importantes eventos marcaram esse período, como a criação do MS em 1953. No entanto, o fato mais significativo, com repercussões para o sistema de saúde até os dias de hoje, foi a prevalência de uma política de saúde que apontava uma dicotomia institucional entre assistência médica e saúde pública, com uma crescente inversão dos gastos em favor da primeira.

Saúde e Previdência: A política de “privilegiamento” do setor privado e a conformação do modelo médico-assistencial privatista

A derrota das propostas transformadoras geradas pelos sanitaristas desenvolvimentistas,

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que dentre outras coisas propunham o rompimento da dicotomia entre saúde pública e assistência curativa, abriu um outro capítulo que vingou na estruturação de um modelo de atenção à saúde centrado na assistência médica, comercializada, que passava pelo setor previdenciário, tendo a saúde pública como braço auxiliar.

“A ênfase na medicina previdenciária, de cunho individual e assistencialista, foi acompanhada por um franco menosprezo pelas medidas de saúde coletiva tanto as tradicionalmente executadas pelo Ministério da Saúde quanto as inovações propostas pelos sanitaristas identificados com o projeto nacional desenvolvimentista ... Prova mais evidente do descaso com a saúde coletiva é o decréscimo do orçamento do Ministério da Saúde neste período” (Oliveira e Teixeira, 1989, p.207).

As condições políticas para a hegemonização desse novo modelo de atenção à saúde serão dadas pela repressão exercida a partir do golpe militar de 1964, quando se amplia o papel regulador do Estado e os trabalhadores são excluídos do controle da Previdência Social.

A nova ordenação entre o Estado (capitalista) e o conjunto das classes sociais se deu no sentido de consolidar um bloco dirigente orgânico ao desenvolvimento capitalista (Merhy, 1997). As políticas econômicas da denominada coalizão internacional modernizadora pautaram-se pela associação entre o capital monipolista internacional, o grande capital nacional e o capital estatal, além da concentração de recursos no governo federal, do controle do déficit público e da criação de fundos específicos não tributários para dar suporte às políticas sociais.

Marco importante para a consolidação do modelo assistencial inicialmente apontado foi a centralização da Previdência Social, com a substituição dos IAPs pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966. Segundo Merhy (1997, p. 213), “logo após o Golpe de 64, no interior do Ministério da Saúde assumiram a direção do órgão profissionais como Raimundo de Brito, Borges Lagoa e Leonel Miranda, que imediatamente explicitaram um projeto privatizante e medicalizante”.

Para operacionalizar esse projeto desempenha um papel preponderante a tecnoburocracia estatal. Em conseqüência da repressão e do desmantelamento das organizações da população civil, o regime militar ocupou-se de criar uma tecnocracia, constituída de profissionais civis retirados da sociedade civil, e colocados sob a tutela do Estado, para repensar sob os dogmas e postulados do novo regime militar.

A unificação dos institutos insere-se na perspectiva de modernização da máquina estatal, aumentando o seu poder regulatório sobre a sociedade, além de significar um esforço de desmobilização das forças políticas estimuladas no período populista, para excluir a classe trabalhadora organizada como força política.

As décadas de 1960 e, principalmente, 1970 foram marcadas por uma ampliação

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constante da cobertura do sistema, com a inclusão de vários segmentos anteriormente não beneficiários do sistema previdenciário e principalmente da medicina previdenciária. Em 1971 instituiu-se o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Pró-Rural) e, em 1972 foram incluídos na Previdência as empregadas domésticas e os autônomos que contribuíssem. Em 1974 é lançado o Plano de Pronta Ação (PPA), que torna universal o direito de atendimento nas emergências.

Maior parte das análises sobre a expansão da cobertura do sistema previdenciário, tanto pela incorporação de novas categorias quanto pela extensão da oferta de serviços à população não previdenciária, destaca o papel desempenhado pela necessidade de legitimação do regime altamente repressivo como uma das principais motivações para tal expansão (Carvalho, s/d; Merhy, 1997). Independentemente disso, é mister reconhecer que “as mudanças na política de saúde pós-64 incorporaram massivamente a ‘comunidade nacional’ ao mercado consumidor de cuidado médico, rompendo com o modelo restrito do período corporativo” (Costa, 1998, p.94).

No entanto, é importante delinear o padrão pelo qual se deu essa expansão da assistência médica e tentar desvendar as concepções que estavam presentes para justificar as opções realizadas.

A expansão dos serviços médicos e hospitalares durante as décadas de 1960 e 1970 aprofundou a tendência de contratação de produtores privados de serviços de saúde como estratégia dominante e de sucateamento dos serviços hospitalares próprios. As ações do INPS se deram de forma a assegurar a ampla predominância da empresa privada. Segundo Braga e de Paula (1981), a solução adotada de expansão via setor privado, foi a solução que fez prevalecer os interesses capitalistas em geral e especificamente os interesses capitalistas ancorados no setor, em função da expansão da rede hospitalar privado-lucrativa já iniciado na década de 50. O discurso do regime militar, no entanto, dava essa opção como tecnicamente inexorável e se apoiava na expansão dos serviços como prova de que as medidas eram acertadas.

Em 1969 havia 74.543 leitos privados no País e, em 1984 esse número já era de 348.255 (Mendes, 1999, p.24). A expansão do número de unidades hospitalares com finalidade lucrativa, muitas vezes financiada com recursos públicos, aumenta de 14,4% em 1960 para 44% em 1971 e para 45,2% em 1975 (Mendes, 1999, p.110). Além disso, ocorre uma certa especialização entre hospitais oficiais e contratados (privados), determinada pela seleção feita pelos segundos. Aos hospitais públicos, em geral melhor equipados, cabia o atendimento dos casos mais graves, de tratamento mais longo e, conseqüentemente, mais custosos. Já o setor privado selecionava os casos mais simples, rápidos e baratos e, assim, mais lucrativos.

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Além disso, houve uma concentração de hospitais nos grandes centros, em função da maior mobilização de capital, o que ocasionou grandes desigualdades na distribuição geográfica dos serviços de saúde, com privilegiamento das áreas mais bem aquinhoadas. O vazio assistencial observado atualmente nas regiões norte e nordeste em comparação com o sul e sudeste, ou o observado nas zonas norte e oeste do Rio de Janeiro em comparação com o centro e zona sul são, em grande parte, decorrentes da política de expansão via setor privado durante o período previdenciário.

Com a situação de estabilidade autoritária, e pela ação solidária dos atores relevantes – a tecnoburocracia estatal, os produtores de serviços médico-hospitalares privados e a indústria farmacêutica e de equipamentos médico-hospitalares – aliançados em anéis burocráticos, concomitante à contínua expansão da clientela previdenciária, consolidou-se o que se convencionou chamar “modelo médico-assistencial privatista”. Assim, pode-se dizer que após a centralização dos institutos e do alijamento dos trabalhadores do processo decisório, foram os interesses empresariais, aliados aos interesses da tecnoburocracia, que moldaram a política de saúde.

As principais características desse modelo são sintetizadas por Mendes (1999):

Extensão da cobertura previdenciária à quase totalidade da população, incluindo a rural.

Privilegiamento da prática médica curativa, individual, tecnificada, especializada e centrada no atendimento hospitalar, em detrimento da saúde pública.

Conformação de um complexo médico-industrial.

Pagamento dos serviços contratados e conveniados por unidades de serviços.

Desenvolvimento de um padrão de organização da prática médica orientada em termos de lucratividade, proporcionando a capitalização da medicina.

A forma de organização da prática médica durante o período previdenciário, fortemente influenciada pela ancoragem dos interesses capitalistas no setor, aprofundou um modelo de atenção centrado nos procedimentos, ancoradas ainda em elementos ideológicos como o biologismo (crença na predominância biológica das doenças), no individualismo (escolha do indivíduo como objeto exclusivo da prática, excluindo os aspectos sociais) e no especialismo (aprofundamento do conhecimento específico em detrimento da globalidade inerente ao objeto) (Mendes, 1999).

Como conseqüência dessa política privatizante, corroeu-se a capacidade gestora do sistema e reforçou-se a sua irracionalidade. O pagamento por unidade de serviço tornou-se um cheque em branco para os prestadores de serviços, e a tendência à superprodução

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de procedimentos, principalmente os de alta complexidade, e às fraudes era crescente. O ato médico tecnificou-se e a incorporação de tecnologias sofisticadas sem critérios racionais fez com que os custos do sistema explodisse.

No final da década de 1970 o modelo médico-assistencial privatista já dava sinais de esgotamento. Além das dificuldades em conter os custos crescentes da assistência médica, o privilegiamento do mercado, embora tenha permitido a expansão da assistência médica para praticamente toda a população, manteve grandes desigualdades nas chances de acessar e utilizar os serviços de saúde. O quadro sanitário da população brasileira não apresentava melhoras e, por ter priorizado a medicina curativa, o modelo proposto foi incapaz de solucionar vários problemas de saúde coletiva, como as endemias e as epidemias.

O modelo que foi estruturado durante os três primeiros governos militares não deixou de ser criticado, apesar da repressão. Desde a década de 1960 já havia pessoas que defendiam o fim da comercialização no setor saúde e a unificação das ações. Carlos Gentile de Melo era uma dessas lideranças.

O Plano Nacional de Desenvolvimento de 1974, por exemplo, foi um marco para as políticas sociais, pois realizou um esforço para incorporação de uma dimensão social no seu projeto de desenvolvimento. Apresentou um diagnóstico que apontava para a necessidade de mudança do padrão discriminatório das políticas sociais.

A partir do final da década de 1970, no entanto, delinearam-se várias análises sobre o caráter da crise que se instalava na medicina previdenciária e diferentes posições foram

sendo assumidas pelos críticos do modelo. Segundo Merhy (1997), é possível identificar três frentes críticas que representavam projetos políticos diferentes para o setor e geravam perspectivas tecnológicas e assistenciais também diferentes.

A primeira frente, de caráter conservador, defendia a total privatização da assistência médica e atribuía ao Estado a responsabilidade pelas ações de saúde pública, de caráter residual e complementar à primeira. Defendiam uma lógica de mercado para a organização dos serviços de saúde, cujo eixo tecnológico central era a assistência médica. São representantes desse pensamento os grupos médicos que defendiam a organização liberal/ empresarial do produtor médico e alguns funcionários das instituições públicas, bem como instituições privadas empresariais que dependiam dos fundos públicos. No campo tecnológico, essa vertente assentava-se em modelos típicos de países centrais, com forte especialização médica e intensa absorção de insumos e equipamentos para a realização do ato médico. Para a saúde pública sobravam as tecnologias caudatárias da bacteriologia, de caráter centralizador e campanhista.

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A segunda frente caracterizada por Merhy (1997), definida como reformadora, centrava suas críticas na “irracionalidade” do sistema em termos de gastos e benefícios, e propunha reformas no sentido de torná-lo mais eficiente e adequado às necessidades da população. Procuravam romper com a dicotomia entre saúde pública e assistência médica e traz conceitos forjados principalmente no campo da administração e planejamento em saúde, como por exemplo questões como regionalização, descentralização, etc. O modelo tecno-assistencial não poderia abandonar os princípios básicos da visão sistêmica do modelo, na qual a base de controle fosse o planejamento único do conjunto das ações, independente da natureza jurídica das instituições (públicas ou privadas). Assim, a organização dos serviços de saúde não seria incompatível com o funcionamento, em determinados pontos do sistema, conforme um setor de mercado. O Plano CONASP, associado ao mote da racionalização do funcionamento da máquina estatal, foi significativamente influenciado por algumas dessas concepções.

Por fim, a terceira frente destacada por Merhy (1997) apresentava uma perspectiva transformadora, que ganhou força com a crise dos anos 1970. Esta frente tinha como lema a “Democratização do poder político e socialização dos benefícios”. Partia de uma leitura estrutural do momento e apontava a necessidade de mudanças mais radicais nas relações entre Estado/ classes no que se referia ao controle efetivo que a sociedade civil deveria ter sobre o primeiro. Esse movimento forneceu as bases do movimento pela reforma sanitária que se aprofundou nos anos 1980.

As políticas implementadas durante a década de 1970 e início dos anos 1980 serão, em parte, fruto das tensões entre essas três frentes. A criação do CONASP – Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária – em 1981, ligado ao INAMPS, por exemplo, pode ser analisada para além de uma medida racionalizadora para conter custos e combater fraudes. A criação do CONASP pode ser definida como um marco na transição do modelo centralizado do pós-64 para uma arena tipicamente de equilíbrio de poder, dentro do modelo de Lowi (1964) em que um grande número de pequenos interesses intensivamente organizados opera produzindo amplas coalizões por benefícios, apesar de divergências pontuais e circunstanciais (Costa, 1998).

Criado um espaço por onde passariam as decisões sobre a alocação de recursos no interior do sistema de saúde, nada mais esperado que esse espaço fosse objeto de ação de interesses organizados para influenciar na decisão alocativa.

A arena de poder estava mediada, pelos interesses organizados dos hospitais privados (Federação Brasileira de Hospitais – FBH – e Federação Nacional de Estabelecimentos e Serviços de Saúde - FENESS), por representantes da Medicina de Grupo (Associação Brasileira de Medicina de Grupo - ABRAMGE), pelos interesses da corporação médica, representados pela Associação Médica Brasileira - AMB, além dos interesses da indústria

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farmacêutica e empresas de equipamentos médicos. Em outro pólo aglutinavam-se os interesses dos reformistas e transformadores, onde se articulavam os sindicatos médicos vitoriosos no movimento de renovação médica, outros sindicatos de profissionais de saúde, os institutos e centros de pesquisa em saúde pública e medicina social, o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).

O CONASP absorveu em postos de importância alguns técnicos de caráter progressista, alinhados com o movimento sanitário, o que dá início à ruptura dos anéis burocráticos que dominaram o setor nos anos 1960 e 1970 e abre espaço para a colocação em disputa de projetos de cunho contra-hegemônico.

Segundo Mendes (1999), o plano elaborado pelo CONASP propõe a gradual reversão do modelo médico previdenciário, através de uma série de medidas para aumentar a produtividade e a qualidade do sistema, eliminar a capacidade ociosa do setor público, controlar as contas médicas para combater as fraudes, hierarquizar os equipamentos, revisar a forma de pagamento dos serviços prestados pelo setor privado, dentre outros.

O plano teve o apoio do movimento sanitário, mas enfrentou forte resistência da FBH, que via nas medidas propostas pelo CONASP a possibilidade de perda da sua hegemonia dentro do sistema.

Em 1983, ainda como decorrência das propostas do CONASP, foi criado o projeto Ações Integradas de Saúde - AIS -, um projeto interministerial (Previdência-Saúde-Educação), visando um novo modelo assistencial que incorporava o setor público, procurando integrar ações curativas-preventivas e educativas e descentralizar ações para estados e municípios, nas linhas propostas pelo movimento sanitário.

Este período coincidiu com o movimento de transição democrática, com eleição direta para governadores e vitória esmagadora de oposição em quase todos os estados nas primeiras eleições democráticas deste período (1982). Esse fato, associado à descentralização das ações de saúde, via AIS, favoreceu a entrada em jogo de um outro ator relevante no campo da saúde, que irá se alinhar com os preceitos colocados pelo movimento de reforma. Trata-se dos grupos de interesse subnacionais emergentes da conjuntura de transição, em especial os secretários municipais e estaduais de saúde.

O advento da Nova República, em 1985, representou a derrota da solução ortodoxa privatista para a crise da Previdência e o predomínio de uma visão publicista, comprometida com a reforma sanitária. O comando do INAMPS foi assumido pelo grupo progressista, que disseminou os convênios das AIS pelo Brasil, aprofundando seus aspectos inovadores. Estavam dadas as bases para o aprofundamento da proposta do

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movimento pela reforma sanitária brasileira, que irá desembocar na criação do SUS, na Assembléia Constituinte de 1988.

Saúde e Democracia: o movimento pela reforma sanitária brasileira

O documento intitulado “A Questão Democrática na Área da Saúde”, elaborado pela Diretoria Nacional do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e aprovado no 1º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, realizado na Câmara dos Deputados em outubro de 1979, dá o tom dos movimentos pela saúde durante os anos 1970 e 1980, ao caracterizar as políticas vigentes:

“Política que substitui a voz da população pela sabedoria dos tecnocratas e pelas pressões dos diversos setores empresariais; política de saúde que acompanha em seu traçado as linhas gerais do posicionamento sócio-econômico do governo – privatizante, empresarial e concentrada em renda, marginalizando cerca de 70% da população dos benefícios materiais e culturais do crescimento econômico (...) Política de saúde, enfim, que esquece as necessidades reais da população e se norteia exclusivamente pelos interesses da minoria constituída e confirmada pelos donos das empresas médicas e gestores da indústria da saúde em geral” (CEBES, 1997, p. 47).

Nesse trecho do documento, fica patente que a crítica ao sistema de saúde nesse período transcende os limites específicos desse setor e vai de encontro aos movimentos mais globais de contestação ao regime autoritário, relacionando-o com as conseqüências maléficas sobre a saúde da população brasileira.

Esse é o discurso de um ator político com intensa mobilização que emergiu no contexto de redemocratização do País e que foi determinante na implantação de uma das mais radicais reformas de política social realizadas. Trata-se do movimento sanitário brasileiro, composto por uma diversidade de atores, mas principalmente por intelectuais e trabalhadores da área da saúde e, posteriormente, por movimentos populares e secretários de saúde. Um conjunto organizado de pessoas e grupos partidários ou não, articulados ao redor de um projeto.

“O projeto da reforma sanitária portava um modelo de democracia cujas bases eram, fundamentalmente: a formulação de uma utopia igualitária; a garantia da saúde como direito individual e a construção de um poder local fortalecido pela gestão social democrática” (Fleury, 1997, p.33).

As bases do movimento sanitário encontram-se no processo ocorrido nas universidades e instituições de pesquisa durante os anos 1970, que definiram o marco referencial e também a constituição das bases institucionais do movimento, representadas na época pelos Departamentos de Medicina Preventiva (DMPs) (Escorel, 1998; Escorel, Nascimento e Edler, 2005)

Segundo Escorel (1998, p.176),

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“Neles [DMPs] o movimento preventivista liberal foi transformado em um projeto racionalizador devido ao próprio papel do Estado brasileiro no sistema de atenção à saúde. Posteriormente, pela atuação de certos intelectuais ao repensar o objeto da saúde pela ótica do materialismo dialético, construiu-se uma abordagem médico-social da saúde como objeto político de reflexão e ação superando as visões biológica e ecológica”.

Dois trabalhos merecem destaque dentre a literatura que problematizou os marcos teóricos da reforma sanitária brasileira: “O Dilema Preventivista”, de Sérgio Arouca e “Medicina e Sociedade”, de Cecília Donnangelo, ambos de 1975.

O ambiente de questionamento e novas proposições em torno da prática médica caracterizou-se pela crítica tanto ao modelo médico-assistencial privatista, quanto à teoria preventivista, até então hegemônica na análise teórica dos problemas de saúde. Aí delimita-se, então, o campo teórico da saúde coletiva, onde a análise do processo saúde-doença não teria mais como objeto o indivíduo isoladamente ou o seu somatório, mas sim a coletividade (classes sociais e suas frações) e a distribuição demográfica da saúde e da doença. “A ciência deixou de ser percebida como neutra e a teoria passou a ser vista como um instrumento de luta política, com a realidade sanitária como seu objeto de estudo e

intervenção política” (Escorel, 1998, p.64).

O conceito fundamental de saúde que emerge dessas críticas é o de determinação social das doenças. O entendimento de que a saúde e a doença na população são componentes dos processos de reprodução social determinados histórica e socialmente e, portanto, não podem ser explicados exclusivamente nas dimensões biológica e ecológica,permitiu um alargamento dos horizontes de análise e intervenção sobre a realidade (Paim, 1997).

Da confluência entre a Academia e a práxis, entre as críticas ao complexo médico-empresarial e o exercício de propostas de descentralização e municipalização, brotavam alternativas que se traduziam em novas atividades voltadas para a construção de um outro projeto para o setor (Cordeiro, 2004).

A formação do movimento sanitário caracteriza-se, enfim, pela construção de um saber, por um movimento ideológico e por uma prática política (Fleury, 1997). Pela construção de um saber entende-se a transformação de um produto ideológico em conhecimento teórico por meio de um trabalho conceitual determinado; por prática ideológica a transformação de uma consciência produzida por meio de uma consciência de si mesma; e por prática política a transformação das relações sociais produzidas por meio de instrumentos políticos.

É importante lembrar, antes de seguir adiante, que em um primeiro momento, o movimento não encontra o sujeito social a quem se destina, porque este sujeito está silenciado pelo regime autoritário.

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“O movimento sanitário, em sua conformação, falava de uma classe que não aparecia no cenário político nem geral nem setorial. Por ser um movimento e não um partido, e por falar de uma classe ausente, o discurso médico-social de transformação continha esse outro ponto de tensão: sem contar com a participação direta da classe trabalhadora, o discurso e a prática do movimento sanitário era feito para ela (em direção a ela) ou por ela (no lugar dela)” (Escorel, 1998).

Mas no momento em que eclodem os movimentos sociais, principalmente a partir da Nova República, o movimento sanitário encontra o seu referencial: as classes trabalhadoras e populares.

O movimento pela reforma sanitária foi capaz, ao mesmo tempo, de compor com outros movimentos sociais a luta pela democracia e articular vários desses mesmos movimentos em função da construção de uma nova política de saúde, de caráter universal e igualitário. Nas mudanças que foram sendo propostas se fariam presentes, dos mais diversos modos, os movimentos sociais.

Os movimentos sociais viriam ainda a participar ativamente da constituição de novos campos de conhecimento e de práticas até então inexistentes – como a saúde da mulher, a saúde mental ou a saúde do trabalhador – frutos de processos nos quais tiveram (e ainda têm) um papel decisivo o movimento feminista, a luta antimanicomial e a luta sindical, exemplos de um fenômeno mais amplo de participação da sociedade civil na formulação de propostas para a saúde, abrindo novas possibilidades, para além da medicina (Gouveia, 1999).

A VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) representa um dos mais importantes pontos de inflexão na luta pela saúde no Brasil em toda a história. Convocada pelo então Presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Sérgio Arouca, ela inaugura, sem base legal, o processo de participação civil nas deliberações sobre a política nacional de saúde. A VIII CNS reuniu cerca de quatro mil pessoas para discutir a reforma sanitária a ser implantada no governo democrático. Setores da sociedade civil, anteriormente marginalizados da tomada de decisão acerca das questões relativas à saúde, tais como sindicatos e organizações comunitárias, participaram em massa do evento.

Pode-se considerar a VIII CNS um marco para as várias vertentes do movimento sanitário – o CEBES, a ABRASCO e os profissionais de saúde – assim como um locus de constituição de novas vertentes, como os Movimentos Populares pela Saúde (MOPS) e os secretários estaduais e municipais de saúde.

A VIII CNS ratificou as teses estruturalistas formuladas nas universidades sobre as limitações e obstáculos da melhoria de saúde da população: “As desigualdades sociais e regionais existentes refletem estas condições estruturais ... A evolução histórica desta sociedade desigual ocorreu quase sempre na presença de um Estado autoritário que desenvolveu uma política social mais voltada para as classes dominantes, impedindo o

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estabelecimento de canais eficazes para as demandas sociais e a correção das distorções geradas pelo modelo econômico” (VIII CNS, 1986).

O Relatório desta Conferência, que contém as propostas que resultaram da discussão de todas as pessoas presentes, delegados ou não, constituiu o pilar fundamental do projeto de reforma sanitária e da criação do SUS, acentuando que a reforma necessária não se tratava de uma reforma administrativa e financeira, mas uma reforma profunda, com a ampliação do conceito de saúde e sua correspondente ação institucional.

É importante destacar que a VIII CNS legitimou socialmente um projeto de transformação

para o setor saúde que ainda lutava para ganhar hegemonia3 Dois anos antes da realização da Conferência, em 1984, foi realizado novo Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, promovido pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, marcado pela tentativa de estabelecer um consenso entre o movimento sanitário e as entidades de representação dos empresários da saúde. Conforme destaca Cordeiro, só houve acordo em um ponto: era necessário ampliar as dotações orçamentárias para a saúde (Cordeiro, 2004).

Outro aspecto importante do movimento sanitário, abordado de forma parcial anteriormente, diz respeito à estratégia utilizada, durante toda a década de 1980, de ocupar espaços institucionais com um pensamento contra-hegemônico. Na verdade, desde os anos Geisel abriram-se espaços institucionais para o movimento sanitário articular-se e ter contato com o aparelho setorial do Estado, embora sofresse, inicialmente, forte repressão por parte do SNI.

Escorel (1998), referindo-se à essa ocupação por parte de técnicos pertencentes ao movimento sanitário, denomina-a de “anéis burocráticos invertidos”, pois esses profissionais teriam utilizado o poder administrativo e técnico que detinham não para a mercantilização da saúde como os anéis burocráticos-empresariais da Previdência, mas para o fortalecimento da sociedade civil e para a extensão e publicização dos serviços de atenção à saúde.

Vários projetos que contribuíram para o avanço em direção a um sistema de saúde público e universal se devem à referida ocupação de cargos no interior do aparelho de Estado por esses profissionais. Dentre eles, além dos já citados, está a criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde –SUDS - em 1987, já em consonância com os princípios e diretrizes de universalização, eqüidade, descentralização e regionalização e participação comunitária oriundos da VIII CNS.

O SUDS, estágio evolutivo das AIS, ampliava as transferências de recursos para os estados, mediante convênio, não mais por prestação de serviços, mas em função de uma

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programação integrada. A idéia era a descentralização e integração dos serviços com responsabilização das secretarias estaduais de saúde.

As propostas explicitadas pelo movimento de reforma sanitária conformaram uma agenda de mudanças no equilíbrio de poder e nas culturas organizacionais. O alargamento de agenda proposto pelo movimento de reforma sanitária nos anos 1980 produziu uma base de identidade para vários grupos sociais incidirem sobre a arena de poder da saúde, em

especial a comunidade epistêmica4 dos sanitaristas e os representantes de interesses subnacionais (Costa, 1998).

A realização da VIII CNS, a implantação do SUDS como estratégia para reorientação da política de saúde já em consonância com os preceitos da VIII CNS, e a articulação de vários grupos de interesse em torno do projeto por meio dos Simpósios sobre Política Nacional de Saúde, realizados nas câmaras dos deputados, fizeram com que os princípios e diretrizes da reforma sanitária conquistasse na Assembléia Constituinte uma ampla base de sustentação, inclusive entre setores conservadores insatisfeitos com a situação de saúde da população.

Assim, em 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, cria-se o Sistema Único de Saúde (SUS) que reconhece a saúde como um direito de cidadania e dever do Estado.

A proposta de universalização do acesso a todos os níveis de atenção à saúde, independente do lugar ocupado pela pessoa no mercado de trabalho, confrontou, pela primeira vez na história do Brasil, o desenho histórico da cidadania regulada e sua expressão na política sanitária (Faveret e Oliveira, 1998).

O SUS reconhece a vinculação da saúde às condições econômicas e sociais e propugna que o direito à saúde implica na garantia, pelo Estado, não apenas de serviços de saúde, mas também de políticas econômicas e sociais que propiciem melhores condições de vida.

Baseado nos princípios de universalidade, eqüidade e integralidade5 e nas diretrizes de descentralização, regionalização e participação da comunidade, o SUS busca reafirmar a saúde como um valor e um direito humano fundamental.

No plano institucional consolida-se o papel do Ministério da Saúde como responsável pela política de saúde, tanto de caráter individual quanto coletiva, deixando o Ministério da Previdência apenas com suas atribuições específicas relacionadas aos benefícios previdenciários propriamente ditos.

O SUS no Contexto Neoliberal: movimentos recentes em defesa de um sistema público universal

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Como visto anteriormente, a criação do SUS resulta, dentre outros, de dois fatores fundamentais e interligados: a crise do sistema de saúde – com seu déficit crônico de recursos e sua incapacidade de dar respostas à crescente deterioração das condições de saúde da população – no contexto da crise econômica estrutural atravessada pelo País a partir do início da década de 1970, e o processo de lutas travado pelo movimento da reforma sanitária no contexto redemocratização da sociedade brasileira que ganhou força na primeira metade da década de 1980.

Apesar da conquista obtida com a criação do SUS e a conseqüente garantia da saúde enquanto um direito de cidadania e um dever do Estado, a sua implementação vem sendo marcada pelo enfrentamento de uma série de constrangimentos impostos principalmente pelo modelo econômico adotado no País na década de 1990, fortemente influenciado pelo receituário neoliberal.

As propostas de abertura comercial, desregulamentação da economia, privatização, diminuição do papel do Estado e primazia da remuneração do capital financeiro nos gastos públicos representam um vetor contrário ao processo de construção de um projeto de proteção social para o Brasil e à conseqüente defesa da saúde enquanto um direito universal a ser garantido pelo Estado.

Não cabe aqui descrever todas as medidas (ajuste fiscal, privatizações, redução do estado, etc) que foram adotadas durante a década de 1990 e que tiveram (e tem) implicações diretas sobre a possibilidade de implementação plena do projeto da reforma sanitária. Basta evidenciar as principais propostas para o setor saúde que vêm sendo veiculadas pelas agências multilaterais - Banco Mundial (BM), ou Banco Interamericano de Desenvolvimento e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) – durante os anos 1990 e início dos anos 2000.

Suas formulações têm forte apelo à articulação entre pobreza e a atenção à saúde, sugerindo a necessária focalização de recursos para atenuar as condições de miserabilidade e melhorar a qualidade de vida da população empobrecida. Daí decorre também as idéias de que o governo deve garantir uma “cesta básica” de doenças e procedimentos, composta por vacinas, atenção primária e saneamento e de que a gratuidade dos serviços deve ser repensada. Em outras palavras, uma saúde pobre para pobres. Além disso, na década de 1990 a OPAS inicia a defesa da redefinição do papel do Estado em busca do crescimento e da eqüidade para a América Latina e defende "embora de forma cautelosa, que os indivíduos e as famílias de maior renda contribuíssem no financiamento da saúde" (Nogueira e Pires, 2004).

Segundo Gouveia (1999), as teses defendidas pelas agências multilaterais afrontam, de uma só vez, quatro dos princípios constitucionais básicos do SUS: contra a universalidade,

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uma política focalista; contra a integralidade, uma "cesta básica"; contra a igualdade, o favor e a porta do fundo de alguns hospitais; contra o controle público, as leis do mercado.

Deste modo, é possível identificar, no decorrer dos anos 1990, pelo menos dois projetos polares em disputa, um orientado pelo paradigma da cidadania plena, no qual o direito à saúde é um valor universal, e o da cidadania social restrita, em que o direito à saúde é orientado pelo critério da eficiência e racionalidade econômica (Nogueira e Pires, 2004).

Embora a institucionalização constitucional do SUS tenha garantido uma certa proteção contra essas propostas, a força da política neoliberal na América Latina se fez sentir também no setor saúde brasileiro. A mais evidente das restrições feitas ao longo da década de 1990 tem sido a financeira, que vem reduzindo de forma sistemática o gasto público per capita em saúde no Brasil, cujo patamar permaneceu abaixo de países latino-americanos mais pobres.

Nesse sentido, durante a década de 1990 e nos anos 2000 o próprio processo de implementação do SUS esteve em cheque, reacendendo a necessidade de articulação dos diversos atores sociais que atuam na área no sentido de defender as conquistas de 1988.

A mobilização em torno da aprovação e, posteriormente, da regulamentação da Emenda Constitucional 29, que fixa compromissos orçamentários para a saúde nas três esferas de governo é um exemplo da necessidade articulação para a garantia dos direitos à saúde. A EC 29, após longo trâmite no Congresso, foi aprovada em 2000 e somente foi regulamentada em abril deste ano (2006), após intensa mobilização de setores ligados à saúde na Câmara dos Deputados. A demora para a sua aprovação e regulamentação é indicativa da disputa existente entre aqueles dois projetos acima descritos.

Em maio de 2005 foi realizado o 8º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, com o tema “SUS – o presente e o futuro: avaliação do seu processo de construção”, com mais de 800 representantes. Participaram do evento parlamentares, entidades representativas do setor, representantes dos governos federal, estaduais e municipais, do Ministério Publico e do Judiciário.

Nesse Simpósio foi aprovado o Manifesto “Reafirmando Compromissos pela Saúde dos Brasileiros”, lançado posteriormente em Brasília, no dia 23 de novembro de 2005, em ato público realizado na Câmara dos Deputados, com vistas a defesa da regulamentação da Emenda Constitucional 29 e contra o artigo da Medida Provisória 261, que propunha retirar R$ 1.2 bilhões do orçamento da saúde.

No referido Manifesto, lê-se: “O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - ABRASCO, a Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABRES, a Rede UNIDA e a Associação Nacional do

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Ministério Público de Defesa da Saúde – AMPASA, vêm manifestar-se em relação aos rumos que a Saúde vem tomando de forma crescente junto às Políticas Públicas para a sociedade e para a nação nos últimos 15 anos, assim como reafirmar compromissos e defender uma agenda renovada e ampliada de mobilização social, política e institucional pelos direitos fundamentais e pela Saúde dos brasileiros” (Simpósio Nacional de Políticas de Saúde, 2005).

Dentre as inúmeras reivindicações constantes no Manifesto, destacam-se:

“II. A Carta de Brasília, discutida e aprovada por unanimidade no Simpósio, ressaltou mais uma vez as insustentáveis desigualdades sociais e regionais, os elevadíssimos juros, o crescente superávit primário, e a financeirização dos orçamentos públicos, indicadores estes que incidem na situação de piora das condições de vida da sociedade e da nação nos últimos 15 anos, sem que se apresente qualquer política de Estado com perspectivas de reversão deste quadro.

X. O sub-financiamento do SUS não é fato isolado. Integra este quadro a “reforma de Estado” dos anos 90, que negligenciou a tal ponto a adoção de uma política de recursos humanos para o setor (...) O modelo econômico interveio sobre a política de saúde, compelindo a classe média assalariada a tornar-se consumidora de planos privados de saúde e obrigando o SUS a complementar a assistência desses consumidores (25% da população) com serviços especializados de maior custo, restando para a classe pobre (75% da população) a sub-oferta generalizada do “SUS pobre para os pobres”. As evidências acumuladas vêm comprovando que as forças internas do SUS, sociais e políticas, esgotaram sua capacidade de promover por si a ruptura com os procedimentos desvirtuados pelo atual paradigma das políticas de Estado. Horizontes mais amplos na abrangência da Seguridade Social e demais setores sociais certamente possuem o potencial necessário para, mobilizados e articulados, participarem das transformações nas políticas públicas de Estado, sem prejuízo das lutas, resistências e conquistas peculiares e parciais de cada setor. É premente a intensificação da realização da Reforma Sanitária Brasileira!”.

A Carta de Brasília, como ficou conhecido o Manifesto, permite evidenciar o caráter da disputa atualmente posta no âmbito da saúde no Brasil, girando principalmente em torno da defesa do SUS e de seus princípios, frente aos constrangimentos impostos pela adoção de políticas econômicas e sociais de cunho neoliberal durante a década de 1990 e início dos anos 2000.

Considerações Finais

Como afirma Konder (1992), o presente é contraditório e está sempre sobrecarregado de passado ao mesmo tempo em que está grávido de possibilidades futuras. Por isso, uma

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postura que se limita a interpretar passivamente o que está presente, de maneira imediata, não capacita o sujeito a distinguir os elementos que amarram as coisas e os elementos que empurram as coisas para frente.

As contradições apresentadas pelo sistema de saúde brasileiro são fruto das disputas de distintos e por vezes antagônicos projetos que se deram ao longo do tempo. A manutenção e a consolidação de um sistema de saúde universal, igualitário e de qualidade constitui-se em um processo de construção marcado por contradições, continuidades e rupturas. Este processo histórico conformou não apenas o atual sistema de saúde, mas também o legado com o qual teve de lidar. Este legado compreende, dentre outros, uma estrutura de ação verticalizada e centralizada no governo federal, um setor privado com forte influência na conformação das políticas públicas e predatório do estado e a fragmentação das ações de saúde, com privilégio das ações curativas. Além deste legado, o SUS enfrenta hoje os constrangimentos impostos por uma política econômica de corte neoliberal.

Por isso, é urgente a organização da sociedade em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e da efetivação dos seus princípios e diretrizes, reafirmando a saúde como um valor e um direito humano fundamental e contribuindo para a construção de um Brasil socialmente justo.

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VOLTA

(*) Mestre em Saúde Pública/ Fiocruz; Doutorando em Saúde Pública/ Fiocruz; Coordenador de Programação e Monitoramento/ Diretoria de Planejamento/ Fiocruz.

(1) Segundo Santos, a referida Lei foi inspirada por industriais com os quais Eloy Chaves mantinha contatos estreitos.

(2) A eqüidade pode ser entendida como o princípio que rege funções distributivas, as quais têm por objetivo compensar ou superar as desigualdades existentes, consideradas socialmente injustas, e deve ser considerada sob dois aspectos, horizontal e vertical, onde o primeiro está relacionado ao tratamento igual aos que são iguais em seus aspectos relevantes e o segundo ao tratamento desigual aos que são desiguais em seus aspectos relevantes.

(3) Assume-se aqui a noção gramsciana de hegemonia, que se contrapõe à idéia de dominação. O que estabelece a hegemonia é um complexo sistema de relações e mediações, de atividades culturais e ideológicas, das quais são protagonistas distintos atores, que organiza o consenso e permite o desenvolvimento de uma dada direção, e não a simples dominação de uma parte da sociedade sobre a outra.

(4) A comunidade epistêmica não é composta exclusivamente de cientistas, o que a diferencia da comunidade científica propriamente dita. Assemelha-se mais a coletivos de pensamento, grupos sociológicos com um estilo de pensamento comum que trabalham com um bem fundamental: o conhecimento como instrumento de implementação de políticas. Os membros de uma comunidade epistêmica compartilham valores e têm um projeto político fundado nesses valores. Compartilham, ainda, maneiras de conhecer, padrões de raciocínio e compromissos com a produção e aplicação do conhecimento (Carvalheiro, 1999).

(5) A integralidade aparece na Lei Orgânica da Saúde (8.080/90) entendida como “um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”. No entanto, trabalhos recentes (Pinheiro e Matos, 2001) têm discutido outros sentidos da integralidade.

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