Identidades Como Identificacoes

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    6479IDENTIDADE COMO IDENTIFICAES - DIFERENA COMO DEVIR

    Pablo Petit Passos [email protected]

    PPG em Arte e Cultura Visual FAV/UFG

    Resumoa partir de autores vinculados aos estudos culturais e ao ps-estruturalismo, este artigo prope uma reviso terica sobre conceitos importantes para a educao da cultura visual: identidade e diferena. inicialmente questiona a ideia de identidade estvel e pura. Discute o conceito de identificao e uma flexibilidade para o uso do conceito de diferena que poderia ser utilizado ora como uma identidade outra, desviante da norma hegemnica, mas tambm como devir. Palavras-chave: identidade, diferena, cultura.

    AbstractBased on authors that discuss issues about cultural studies and post-structuralism, this paper proposes a theoretical review of important concepts for visual culture education: identity and difference. At first, it questions the assumption of a pure and stable identity. Also, the paper discusses the concept of identification and more flexibility to use the concept of difference which sometimes could be articulated as a deviant identity from hegemonic norm, but at other moments, as devir.Key-words: identity, difference, culture.

    em artigo apresentado durante o iV Seminrio nacional de Pesquisa em arte e cultura Visual (MartinS & SrVio, 2011) discutimos uma busca por subverter uma compreenso do conceito de cultura faz presa noo de identidade e sua carga de essencialismo e unidade. naquela ocasio defendemos a concepo de canclini (2005) - cultura como processos sociais de produo, circulao e consumo da significao na vida social. Considerando conceitos como aculturao, hibridismo, cultural, culturao e hegemonia, argumentamos que estes significados so continuamente forjados e o so por todos ns, embora faamos isso a partir de negociaes conflituosas marcadas por relaes desiguais de poder.

    Dando continuidade quela discusso, gostaramos de propor uma reflexo a cerca das consequncias sobre a compreenso dos conceitos de identidade e diferena. Se cultura no tem unidade ou essncia, como pensar o termo identidade? o que pensar sobre a relao entre o que denominamos identidade nacional e cultura? e, ainda: seria til nos restringirmos a pensar a diferena

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    6479apenas como uma identidade outra, uma identidade no normativa? Propomos

    ento dois momentos de reflexo: 1) a identidade como essncia identificao mltipla e, 2) a diferena como identidade outra diferena como devir.

    Por serem dois conceitos importantes para a educao da cultura visual, esperamos que esta discusso traga, em alguma medida, uma contribuio para este campo de estudo. Esta reviso terica parte da pesquisa de mestrado cuja dissertao foi defendida em 2011 no Programa de Ps-Graduao em cultura Visual da Faculdade de artes Visuais da UFG.

    Da identidade essncia identificao mltiplaEsta jornada pelas controvrsias da identidade se iniciou atravs da leitura

    de Cultura brasileira e Identidade Nacional de Renato Ortiz (1985). Ortiz discute os interesses estabelecidos entre estado e intelectuais1 para definir algo que una a todos ns brasileiros. Segundo ele, se h consenso sobre a existncia de diferena cultural em relao a outros pases, j no h em relao ao que aproxima a todos ns brasileiros2. Logo, Ortiz defende que nada de fato nos une, a no ser um discurso que se sobrepe realidade social (1985, p. 138).

    Seria, ento, a identidade no um fato natural, mas uma forma cultural de construir o mundo? Poderamos pensar identidade a partir da ideia de apropriao de cultura como processo de significao? Respostas a estas perguntas exigiam uma prvia compreenso deste conceito.

    A palavra identidade parecia ter dois sentidos: aquele mago de um indivduo ou a particularidade de um grupo. Ou seja, aquilo que d unidade e distino ao indivduo ou ao grupo. No trabalho de Stuart Hall (2003) possvel encontrar classificaes para estes dois olhares: identidade do sujeito do iluminismo, tratando do nvel individual, e identidade do sujeito sociolgico, tratando do grupal. Segundo o autor, falamos do sujeito iluminista quando entendemos nosso eu a partir da ideologia de que somos sujeitos centrados, autnomos, racionais e, portanto, autoconscientes. O nvel mais amplo, do sujeito sociolgico, Hall sustenta que surge a partir do momento em que nos damos conta do quanto somos formados subjetivamente atravs de nossa participao nas relaes sociais. O sujeito ainda tem um ncleo ou essncia interior que o eu real, mas este formado e modificado num dilogo contnuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que esses mundos oferecem (HALL, 2003, p.11).

    1 Slvio Romero, Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Gilberto Freire, Mrio de Andrade, Sergio Buarque de Holanda so alguns dos intelectuais de que fala Renato Ortiz.

    2 Ortiz cita vrias respostas j dadas por diversos intelectuais para esta pergunta: Qual a identidade nacional? Dentre elas esto: a mistura racial, a cordialidade, a bondade, o carnavalesco e at a tristeza.

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    6479Podemos facilmente flagrar a fora e o papel poltico destas concepes

    para identidade. Porm, ao mesmo tempo em que elas perpetuam uma viso estvel da subjetividade, parecem pouco alinhadas com os conflitos evocados pela compreenso de cultura como processo. Em decorrncia, Hall (2003) explica que precisamos compreender seus limites tericos e argumenta:

    Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento at a morte apenas porque construmos uma cmoda estria sobre ns mesmos ou um confortadora narrativa do eu. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente uma fantasia. Ao invs disso, medida em que os sistemas de significao e representao cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possveis, com cada uma das quais poderamos nos identificar ao menos temporariamente (2003, p.13) (grifo meu).

    esta nova concepo Hall (2003) chama de identidade do sujeito ps-moderno. Nessa noo de sujeito no temos uma identidade plenamente estvel/unificada nem ao redor de um grupo, nem de um eu.

    Uma variao do conceito de identidade auxiliou a compreenso desta proposta. considerando este carter de construo contingente das identidades, Stuart Hall (2006b) prope o termo identificao para sublinhar seu carter de processo, no de essncia, ou seja, mltiplo, no unitrio. Por este vis estamos sempre sujeitos a nos reconhecermos em vrios papeis sociais, como uma inter-relao, por vezes conflitiva, entre vrias identificaes. Estas identificaes seriam lugares que o sujeito assume no discurso, uma costura de posio e contexto; de projeo, idealizao e interesses (2006a; 2006b; 2003).

    Para Shorat e Stam (2006, p. 452), nesta (...) perspectiva, estamos menos interessados na identidade como algo que se possui e muito mais na identificao baseada naquilo que se faz. proveitoso salientar que tal concepo, ao colocar em relevo a identidade como resultado de apropriaes que se fazem no presente, no nega a histria das identidades. Isso no significa negar que a identidade tenha um passado, mas reconhecer que, ao reivindic-la, ns a reconstrumos e que, alm disso, o passado sofre uma constante transformao (WooDWarD, 2006, p. 28). Ou seja, o que se nega no a histria, a identidade como uma unidade, uma essncia pura e eterna.

    Nesta linha de pensamento, a identidade no uma realidade objetiva porque resulta do modo como ns a construmos/representamos. As representaes sejam artefatos visuais ou discursos verbais e orais , portanto, tornam-se centrais para as prticas de produo das identidades: por meio dos significados produzidos pelas representaes que damos sentido nossa

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    6479experincia e quilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas

    simblicos tornam possvel aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar. (WooDWarD, 2006, p.17)

    As identidades so significados que construmos em prticas de representao para auxiliar-nos a responder a perguntas que as mobilizam. Tendo em vista esta abordagem, preciso ressalvar que, no contexto dos estudos culturais, de onde escreve Woodward, ao se falar em representao, descarta-se os pressupostos realistas e mimticos associados concepo filosfica clssica, como se o real emanasse transparentemente.das representaes. Por este novo vis, a representao como qualquer sistema de significao, uma forma de atribuio de sentido. como tal, a representao um sistema lingustico e cultural: arbitrrio, indeterminado e estritamente ligado a relaes de poder (SiLVa, 2006, p. 91). nesse sentido, de acordo com Silva (2006), se trataria de uma apropriao ps-estruturalista do termo.

    a vantagem da abordagem ps-estruturalista para a teoria da representao focar tanto nos processos que tentam fixar os significados quanto nas foras que impedem esta solidificao. Nesta linha, e baseando-se nos estudos do filsofo ps-estruturalista Jaques Derrida, Stuart Hall (2006b, p. 106) afirma que as identidades nunca so completamente determinadas no sentido de que se pode sempre ganh-las ou perd-las. O significado das representaes sempre escorrega, impossvel de ser controlado, determinado. Como explica Woodward (2006, p. 53), o significado produzido por meio de um processo de diferimento ou adiamento o qual Derrida chama de diffrance. o que parece determinado , pois, na verdade, fluido e inseguro, sem nenhum ponto de fechamento.

    Considerando as representaes como formas de atribuir significado, ou prticas culturais e no um reflexo da realidade, podemos afirmar que todas as identidades so construes culturais3. resguardada a importncia desta concluso, o fato de serem culturais deve nos alertar para a necessidade de pensarmos as identidades igualmente a partir de relaes de poder. atravs de relaes de poder, as prticas de representao sempre envolvem ideologias para estancar o fluxo dos significados nos pontos nos quais o jogo da diffrrance deve ser controlado e marcado (HALL, 2006a, p. 347-348). Pautadas por interesses, as ideologias4 sempre buscam determinar um ponto especfico de sutura para as identidades.

    3 Falar em identidade cultural soa tautolgico a partir desta concluso.

    4 Hall utiliza o termo ideologia no como sinnimo de ideias falsas, pois no acredita que existam ideias verdadeiras a serem escondidas. Para ele o termo aplica-se tarefa do homem de construir e fixar significados para o mundo social, uma necessidade, pois no existem anteriormente sua ao (HALL, 2006a, p.154).

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    6479A percepo do jogo cultural que orienta a naturalizao de certas posies

    identitrias como uma negociao, uma relao de poderes, deve fazer relembrar que, embora os conceitos de identificao e diffrance sirvam para pensarmos a identidade como um fazer constante, preciso considerar a existncia de foras que limitam este fazer. Como Storey (2003, p. 61) ressalta, ns fazemos cultura e ns somos feitos de cultura, existe agncia e existe estrutura. Por isso, este autor pe em relevo que embora todos ns possamos ser inventores de ns mesmos, as identidades so feitas em condies e circunstncias que raramente so resultado de nosso prprio fazer (STOREY, 2003, p.80).

    Toda prtica cultural que almeje superar ou subverter os repertrios culturais latentes, precisa antes tom-los como base. Esta lgica, prpria do jogo cultural, nos ajuda a compreender que falar em representao identitria como construo cultural no deve sugerir de forma alguma que as identidades podem ser moldadas individualmente e de qualquer forma, sem constrangimentos. erguemos nosso olhar sobre o mundo a partir de dimenses culturais encharcadas de relaes de poder sobre as quais nunca poderemos ter controle. tambm importante concluir que as identidades nos interpelam em papeis que no temos liberdade total para escolher ou construir. Por esta razo, as identidades nunca falam de ns como sujeitos isolados, elas sempre falam de ns a partir dos jogos sociais. tendo feito estas ressalvas, podemos inferir que aqueles grupos que vierem a exercer maior influncia nas instituies sociais (escolas, igrejas e meios de comunicao) tero maior poder de representar e, consequentemente, maior controle sobre as identidades.

    Para entender a natureza cultural das identidades necessrio compreender melhor como as representaes significam e como o poder atua por meio delas. As prticas de significao estabelecem nossa compreenso das identidades pela construo de sistemas de classificao. como argumenta Woodward (2006, p.46), nossa compreenso dos conceitos depende de nossa capacidade de v-los como fazendo parte de uma sequncia. Por exemplo, ao pensarmos a identidade negra constatamos que ela no significa de maneira isolada, mas apenas em sistemas que organizam as identidades de raa em cadeias (branca-negra-amarela-vermelha). Desse modo, ao referirem-se umas as outras, se tornam significativas.

    Para Derrida, segundo Silva (2006), a impossibilidade da plena presena de um conceito no signo o obriga a depender de um processo de diferenciao, de diferena. Isso quer dizer que um determinado signo s o que porque ele no um outro, nem aquele outro etc., ou seja, sua existncia marcada unicamente pela diferena que sobrevive em cada signo como trao, como fantasma e

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    6479assombrao (SiLVa, 2006, p. 79). isso implica, ainda de acordo com Hall,

    que a identidade requer aquilo que deixado de fora, seu exterior constitutivo (2006b, p. 110). Ou seja, as identidades so construdas por oposies e no fora delas. toda identidade depende da diferena, pois apenas por meio da marcao das diferenas que elas podem ser fabricadas e significadas.

    A identidade negra significa algo apenas na medida em que se refere outra, como a branca. Se atentarmos para o exemplo das identidades de raa poderemos observar, em contraposio dita centralidade de argumentos biolgicos para sua pertinncia, a centralidade de uma dimenso cultural neste sistema de classificao. Em primeiro lugar, dentre a imensidade de diferenas biolgicas que existem entre os seres humanos, a cor da pele apenas um critrio possvel. Resumindo o rico matiz de cores do mesmo modo que caracterizam a pele humana, o sistema corrente elenca apenas quatro: branca, amarela, negra e vermelha. Classificado assim, as ambiguidades que caracterizam o ser humano so, em grande medida, expurgadas em nome da construo de uma ordem. Mais do que isso! benfico compreender que esta classificao no se resume a dar ordem diferena atravs da compartimentao de poucas unidades e da diviso entre uma e outras. Na origem da construo desses sistemas de classificao, h sempre a presena de relaes de poder e mobilizao de interesses.

    A afirmao da identidade e a enunciao da diferena traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir o acesso privilegiado aos bens sociais. a identidade e a diferena esto, pois, em estreita conexo com relaes de poder. O poder de definir a identidade e de marcar a diferena no pode ser separado das relaes mais amplas de poder. a identidade e a diferena no so, nunca, inocentes (SILVA, 2006, p.81).

    Ocorre que estes sistemas de classificao no apenas criam unidades identitrias, mas, trazem consigo, o que primordial para as estruturas de poder: hierarquizaes entre as identidades, distintos valores para cada uma delas. Estes sistemas no expressam uma simples diviso do mundo em duas classes simtricas, em uma oposio binria, um dos termos sempre privilegiado, recebendo um valor positivo, enquanto o outro recebe uma carga negativa (SILVA, 2006, p. 82-83). Parte crucial desta hierarquizao a definio de identidades normativas segundo as quais as demais so sempre avaliadas e definidas como outros, como desviante ou de fora (WOODWARD, 2006, p.51)

    . A normalizao um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferena. Normalizar significa eleger arbitrariamente uma identidade especfica como o

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    6479parmetro em relao ao qual as outras identidades so avaliadas e

    hierarquizadas (...) A identidade normal natural, desejvel, nica. A fora da identidade normal tal que ela nem sequer vista como uma identidade, mas simplesmente como a identidade (SILVA, 2006, p.83).

    flagrante que identidades de gnero, raa e sexualidade, por exemplo, existem em nossa sociedade sob a gide de identidades normativas homem, branco e heterossexual, respectivamente que assumem o papel de representantes de toda a humanidade. como consequncia, identidades marcadas mulher, negro ou homossexual so qualificadas como no-norma, como desviantes, como diferentes.

    Por fim, como construo simblica, toda identidade cultural, como j argumentamos anteriormente, mas conveniente destacar que identidades, como a identidade nacional, no so uma mediao qualquer, de fato. um tipo de mediao que, se no dizemos a mais importante, sem dvida, est entre elas. No porque indique fatos, mas porque indicia, como aponta Ortiz (1985), ideologias, projetos polticos. As identidades falam de um jogo de foras entre o que queremos ser e aquilo que querem que sejamos. Desse modo, conclumos que identidades nacionais so formas interessadas de classificar e gerir uma ordem para as diferenas culturais. Por isso, valorizando certos grupos e estigmatizando outros modos de vida, como diz Cuche (1999, p. 176), identidades sempre podem manipular e at modificar uma cultura.

    Da diferena como identidade outra diferena como devir

    at este momento parece estar clara uma concepo de diferena como uma identidade outra, no-normativa, excluda, ou seja, as minorias. Contudo, tambm a concepo de diferena no sai ilesa reviso terica que transforma a viso sobre cultura e identidade. Destaca-se, aqui, o subsdio terico de Tomaz Tadeu da Silva e Jos Ronaldo Alonso Mathias, autores que repercutem o trabalho dos chamados filsofos da diferena - Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jaques Derrida filsofos ps-estruturalistas.

    Para Mathias (2006), o principal legado dos filsofos da diferena que no devemos igualar identidade e diferena, mas, sim, revelar a lgica que ope um conceito ao outro. Segundo Silva, Deleuze questionou a imagem clssica de pensamento como representao/reconhecimento de essncias/identidades. Em relao a esse pensamento, aquele autor explica:

    [o pensamento como representao] est estreitamente ligada noo de essncia, pergunta o que ?, quela metade do mundo feita de matria j formada. (...) No pensamento como representao, o que

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    6479conta a identidade, a coincidncia, a homogeneidade. isto aquilo

    - mas isto era j aquilo! O pensamento como representao uma simples confirmao. No pensamento como representao, o mundo no se move, nada se cria, no h inveno. nada difere, nem devm. no h diferena, nem devir. pura identidade (2004, p.54).

    a grande ausncia deste modelo de pensamento seria a incapacidade de notar e ressaltar os movimentos, devires e transformaes que agem nos significados promovendo sempre mltiplas possibilidades de sentidos. contra a ontologia das essncias, seria necessria uma ontologia que permitisse pensar devires sem recorrer noo de identidades. Ainda de acordo com Silva, e em sintonia com o pensamento de Deleuze, a diferena seria esta potncia. Segundo o autor:

    Sem diferenciao, no existe criao. Mas para que isso que salta, salte sem o auxlio de uma interveno externa, sem um elemento transcendental qualquer (um deus, um demiurgo, uma forma pr-existente), para que haja diferenciao sem que haja um diferenciador externo, preciso conceber algo que comande esse processo, por assim dizer, de dentro, de forma imanente. justamente a isso que, na rude e simplificada descrio aqui feita, Deleuze chama de diferena (2004, p.20).

    Assim, pautando-se em seus estudos sobre Deleuze, Silva (2002) nos alerta que pensar a diferena no o mesmo que pensar uma variedade de identidades. A diferena, diz ele, no uma relao entre o um e o outro, no uma questo de oposio entre sujeitos fixos. A diferena simplesmente um devir outro, devir que nos arrasta do atual ao virtual, multiplicidade, a um campo de infinitas possibilidades de sentidos (2002, p. 66). Enquanto a identidade apela para um mundo de essncias, a diferena, em contraposio seria a chave para pensar a historicidade da produo de significados para o mundo, para a transformao e o surgimento de novos sentidos.

    Por isso mesmo, a diferena no apenas o desvio da norma, mas a fora que faz as normas no existirem alm das ideologias provisrias. Ela uma pulso sem lei que age sub-repticiamente em todos ns. no precisa pedir tolerncia ou respeito, visto que a diferena fatalmente, desrespeitosamente, sempre adia a consolidao de qualquer sentido. enquanto a lgica da identidade predicativa, propositiva: x isso, a diferena experimental: o que fazer com x (2002, p. 66). Assim, pensando o que fazer com a nossa existncia, este sentido ps-estruturalista de diferena diz bastante sobre o fenmeno da culturao, ou, da cultura como processo.

    Os caminhos dos filsofos da diferena, embora distintos - Foucault questiona o sujeito moderno, Deleuze, a razo iluminista e Derrida, a lgica do significado confluem assim na interpretao da identidade como um dispositivo

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    6479contingente de controle da diferena. Para Foucault (apud MatHiaS, 2006), a

    identidade centrada, que em tempos modernos era vista como ideal emancipatrio toma a forma de uma estratgia de disciplinarizao da diferena que somos/carregamos, da heterogeneidade que nos marca. a identidade seria o modo pelo qual o poder busca controlar as diferenas e assim impor uma ordem ao mundo.

    Concluso

    Repensar a identidade significa conceber a diferena como uma pulso dentro de ns. a diferena, assim, est no outro alm da fronteira, mas est igualmente no vizinho, em nossa companheira(o), em nosso filho e em ns mesmos. em consonncia com esta compreenso, Braidotti (2000), autora que tambm repercute o trabalho de Deleuze, afirma que o multiculturalismo no nos traz muitas vantagens se o entendemos apenas como uma diferena entre culturas. Para ela, o conceito deve ser entendido mais como diferena dentro da mesma cultura, ou seja, dentro de cada um (p.43). Por isso, como diz jagodzinski (2005), o outro sempre conflitivo para ns, porque o Outro apresenta uma imagem fascinante de como, exatamente, as nossas prprias identidades esto fragmentadas, bem como a nossa prpria inabilidade de encontrar a identidade completa dentro de ns mesmos (p. 689).

    a noo de diferena, assim como a de cultura e identidade, chave para a educao da cultura visual. contudo, na medida em que estamos alertas para estas novas possibilidades de usos destes conceitos, deve pesar a responsabilidade de discutir em profundidade algumas questes. Afinal, a que nos referimos quando diariamente falamos de diferena, cultura e identidade?

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    MinicurrculoPablo Petit Passos Srvio bolsista capes no Programa de Ps-Graduao em arte e cultura Visual-Doutorado da Faculdade de artes Visuais da Universidade Federal de Gois, Mestre em cultura Visual pela Universidade Federal de Gois, especialista em teoria da comunicao da imagem pela Universidade Federal do cear e graduado em Comunicao Social (Publicidade e Propaganda) pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina, Piau.