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Ana Maria Magalhães Isabel Alçada ilustrações de Arlindo Fagundes UMA VISITA À CORTE DO REI D. DINIS 13. a edição

ilustrações de Arlindo Fagundes UMA VISITA À CORTE DO REI ...pdf.leya.com/2012/Jan/uma_visita_a_corte_do_rei_d_dinis_gubd.pdf · D. Dinis era um homem muito evoluído para o seu

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Ana Maria Magalhães Isabel Alçadailustrações de Arlindo Fagundes

UMA VISITAÀ CORTE

DO REI D. DINIS

13.aedição

Título: Uma Visita à Corte do Rei D. DinisAutoras: Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada © Editorial Caminho – 1986 Ilustrações: Arlindo Fagundes

Pré-Impressão: Leya13.a ediçãoTiragem: 3000 exemplares Impressão e acabamento: Mirandela – Artes Gráficas, SAData de impressão: Junho de 2010 Depósito legal n.o 273 586/08 ISBN 978-972-21-0079-3

Editorial Caminho, SAUma editora do grupo LeyaRua Cidade de Córdova, n.o 22610-038 Alfragide – Portugalwww.editorial-caminho.ptwww.leya.com

À minha mãe

Aos meus pais

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DA HISTORIA DE PORTUGAL

Quando o rei D. Dinis subiu ao trono, já tinham acabadoas lutas com os mouros. No reinado de seu pai, D. AfonsoIII, os portugueses conquistaram definitivamente o Algarve,que era a região mais a sul. Assim, D. Dinis pôde reinar empaz. Ficou até conhecido como O Lavrador, porque tomoumedidas para desenvolver a agricultura. Preocupou-se tam-bém com o desenvolvimento do comércio dentro do País,criando feiras, e desenvolveu o comércio entre Portugal e ou -tros países da Europa, protegendo muito os mercadores.

D. Dinis era um homem muito evoluído para o seu tem -po, porque recebeu uma educação bastante completa. Veioaté de França um mestre chamado Emerico D’Erbard, depropósito, para o ensinar quando ele era ainda um príncipe.Talvez por isso tomou o gosto pela cultura e pela línguaportuguesas. Foi ele quem ordenou que todos os documen-tos oficiais passassem a ser escritos em português e não

em latim como era costume. Fundou a primeira Uni ver -sidade Portuguesa. E na sua corte havia grande animação,pois o rei gostava de se ver rodeado de poetas e músicosque nessa época se chamavam jograis e trovadores. O pró-prio rei fazia versos muito bonitos, por isso alguns lhe cha-mam «O rei poeta».

Sua mulher, a rainha Santa Isabel, tornou-se célebrepela sua imensa bondade. Ocupava o tempo a fazer bem aquantos a rodeavam, visitando e tratando doentes, distri-buindo esmolas pelos pobres. Foi ela quem teve a ideia decriar um «Hospital de Meninos» em Santarém.

Conta a lenda que o rei, já irritado por ela andar sempremisturada com mendigos, a proibiu de dar mais esmolas.Mas certo dia, vendo-a sair furtivamente do palácio, foiatrás dela e perguntou o que levava escondido por baixo domanto.

Era pão. Mas ela, aflita por ter desobedecido ao rei, ex -clamou:

— São rosas, Senhor!— Rosas, em Janeiro? — duvidou ele.De olhos baixos, a rainha Santa Isabel abriu o regaço e

o pão tinha-se transformado em rosas, tão lindas comojamais se viram.

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I capítulo

Uma carta do Funchal

— Tenho uma surpresa para vocês os dois — anun-ciou o pai com um sorriso meio misterioso.

O João e a Ana levantaram os olhos do álbum defoto grafias e aguardaram, na expectativa. Seria algumacoisa relacionada com os presentes de Natal?

— Trata-se do Ano Novo — disse a mãe muito riso -nha, procurando prolongar o suspense.

— Do Ano Novo? — estranhou o João. — Mas vãodar-nos presentes de Ano Novo?

— Quem é que falou de presentes? É muito melhordo que isso. Tenho aqui um convite para irmos todos àMadeira.

Os pais fitaram-nos, radiantes, à espera das manifes-ta ções de regozijo. Mas a reacção deles não podia tersido mais desanimadora. A Ana balbuciou qualquercoisa ininteligível e pôs-se a folhear distraidamente oálbum.

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O João, por sua vez, nada disse. Mas via-se bem queficara consternado. Aquela proposta vinha-lhe estragarpor completo os planos!

— O que é que se passa? — perguntou a mãe, fran -zindo o sobrolho. — Não ficaram contentes?

— Então vocês que andam sempre a pedir para ircomigo à Madeira, agora ficam assim...

— Sim — continuou a mãe. — É um pedido queambos fazem há séculos!

— Há séculos... há séculos... séculos e séculos paratrás! — murmurou o João, com ar sonhador.

— O que é que estás a dizer? — perguntou-lhe opai.

— Eu? Nada!— Ninguém vos entende, palavra de honra! Nunca

ficam satisfeitos com nada!Com um gesto brusco, o pai abandonou uma carta

em cima do sofá e saiu da sala. Mas a mãe sentou-secom eles na camilha, procurando ir ao fundo da questão.

— O que é que há, hã? Tinham outros projectos?Pensaram que a surpresa era outra coisa?

Nenhum deles lhe respondeu.— Ouçam lá, vocês assim desconsolam-nos. O pai

ficou tão triste! Deve haver imensas crianças que fica-vam loucas de alegria com esta oportunidade.

Suspendeu a frase, à espera que eles dissessem algu-ma coisa. Mas em vão. Retomou então a palavra:

— O pai tem de ir ao Funchal em serviço, como decostume. E como vocês agora entram em férias de Natal,escreveu aos primos a saber se podíamos ir todos lá pas-sar o Ano Novo. Não pagando a estada, ficava mais

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barato. Mas mesmo assim as viagens são caras, é umsacrifício. Está ali a carta a convidar-nos para irmoslogo no dia 26 de Dezembro. O que é que acham?

— Achávamos que podia ir a mãe com o pai — res -pondeu finalmente a Ana.

— O quê? Mas que disparate é esse? Vocês nãopodem ficar sozinhos.

— Mas é que não ficávamos aqui! — explicou oJoão, subitamente animado. — Íamos para o Marão,para casa da tia Júlia. Ela disse que a gente podia irsempre que qui sesse! E os pais assim iam sozinhos.Divertiam-se muito mais sem nós, e escusavam de gas-tar dinheiro, porque como a tia vem cá passar o Natal aLisboa, depois vamos com ela. Já tínhamos combinadotudo.

— Pois é, mãe. Estava tudo combinado assim, parafazermos surpresa aos pais — concluiu a Ana.

A mãe encarou-os, francamente admirada. Não ha -via dúvida de que aquele projecto de férias os interessa-va bas tante mais do que uma viagem à Madeira. E omais estra nho é que, no Verão anterior, só lhes faltarachorar, para não irem para casa da tia Júlia!

— Bem, vamos lá ver isto com calma. É claro quenão queremos gastar dinheiro para vocês viajarem àforça. Mas se é por terem combinado tudo, não se preo-cupem. A tia Júlia há-de compreender!

— Não! — berraram os dois ao mesmo tempo. OJoão até se levantou. Estava congestionado, de olhosbrilhan tes, e parecia impaciente.

— Oh, mãe! Por favor, deixe-nos ir para o Marão.Nós queremos ir!

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A mãe encolheu os ombros e a conversa ficouassim, mal acabada. Nos dias que se seguiram, a famíliaparecia dividida em dois pequenos grupos. Os pais,vagamente cha teados, e eles sempre a cochicharempelos cantos.

No Verão anterior tinham ido para casa da tia Júlia defacto muito contrariados. E ao princípio aborreceram-sede morte porque a velha senhora os proibira de sair dojar dim. No entanto, eludindo a vigilância, acabaram porcon seguir subir à serra, onde entraram em contacto comum cientista que pertencia a uma organização secretainterna cional e cujas experiências lhe tinham valido famade bruxo, assustando muito as pessoas da região. Orlan -do! O incrí vel Orlando que, na sua máquina do tempo, oslevara na viagem mais extraordinária que imaginar sepossa: uma via gem ao tempo dos castelos!

No regresso, e que regresso bem agitado, tinhamcom binado logo que nas férias do Natal lá se apresenta-riam, pontualmente, para visitar a corte do rei D. Dinis.Não havia nenhum — outro programa que pudesse sermelhor do que aquele. Só que, já que não podiam dizeraos pais a ver dade, tornava-se difícil apresentar argu-mentos convincen tes. Ambos davam voltas à imagina-ção para descobrirem alguma coisa que justificassetanto interesse pela serra do Marão, levando os pais aaceitar que não se tratava de tei mosia.

— Se disséssemos que queremos ver neve? — pro-pu sera a Ana.

— Hum... é uma ideia.— Afinal de contas, a ilha da Madeira não vai desa-

pa recer. Podemos ir noutra altura.

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— O pior é que a neve também volta todos os anos...Desanimados, ficavam-se pela insistência, aparente-

mente tola, de que queriam ir para casa da tia. E tantoinsistiram, que os pais acabaram por abandonar o pro-jecto e deixaram -nos combinar tudo como pretendiam.

A partir daí, o ambiente desanuviara-se e tinha sidopossível voltar a conversar à mesa, normalmente.

— Não há dúvida de que tens razão, Céu! — disserao pai ao jantar, num tom de brincadeira. — Ainda bemque decidimos qualquer coisa. Andávamos todos paraaqui às turras sem necessidade. Mais vale uma má deci-são do que nenhuma, como tu costumas dizer!

— Mas não foi uma má decisão! Ao contrário! Foiuma decisão excelente. Os pais vão fazer uma segundalua-de -mel e nós vamos para a neve!

— Bom, está bem! As decisões são sempre boas,quando estão de acordo com a vossa vontade, não é?

A Ana riu-se.— Os pais são uns queridões!— Bom, e já agora queria fazer-lhes uma per gunta

— disse a mãe, enquanto descascava uma laranja comtodo o cuidado, pois gostava de voltar a enrolar a cascasem a partir. — Já que sabem tão bem aquilo que que-rem, têm alguma ideia sobre os presentes de Natal?

O João piscou o olho à irmã e sorriu. Era óbvio quetinham conspirado também nesse sentido.

— Então?— Se o pai adivinhasse? — propôs a Ana, mordis-

cando um gomo de tangerina para tirar o caroço.— Se são discos, tirem daí o sentido.— Não são discos.

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— Livros?— Isso só se for para a Ana, como presente suple-

men tar — declarou o João.— Ah! Se falas em presente suplementar, é porque

tens outra ideia para presente essencial...— Até que temos!E com um sorriso maroto o João lançou o seu pedi-

do inesperado:— Queremos roupa...— Roupa? — perguntaram os pais em coro. — Vo cês

nunca querem roupa!— Mas é uma roupa especialíssima.— Estou mesmo a ver qual é a especialidade! —

suspirou a mãe. — E o melhor é escolherem outracoisa.

— Aposto que a mãe não sabe o que é.— Sei, sim.— Então diga lá.— Roupas para a neve, não é?— Não!— Desembuchem! — ordenou o pai. — Já estou

morto de curiosidade.— A... é que...— Queríamos uns fatos de máscara.A mãe e o pai desataram a rir.— De máscara? Os nossos filhos estão doidinhos de

todo, Céu.E, virando-se para eles, inquiriu:— Já agora, máscaras de quê?— Fatos antigos. Roupas do tempo dos reis! Do rei

D. Dinis!

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E o João, escarlate, levantou-se e pendurou-se aopescoço da mãe.

— Oh, mãe! Sim! Sim! É o que a gente mais que ria!— Ó João, larga-me! Já basta de patetices!Mais uma vez levantaram-se da mesa com a sensa-

ção de conversa mal acabada. Só que sobre este assuntonão houve hipótese de convencer os pais.

— Foi pena, Ana! Já agora, quando partíssemos namáquina do tempo, íamos equipados. Só de me lembrardo risco que corremos quando os cavaleiros do condeArge miro nos descobriram... (1).

— Pois é, mas a culpa foi tua.— A culpa foi minha de quê? Era natural que eu

qui sesse ver o javali morto, não era?— Ora, não me fales disso. Eu agora estava a re fe -

rir -me à maneira como pediste os fatos. Parecia umacoisa bem parva...

— Como é que querias que eu pedisse?— Sei lá!— Bom, o que importa é que daqui a menos de um

mês já lá estamos. Vai ser sensacional!

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(1) Uma Viagem ao Tempo dos Castelos, n.o 1 desta colecção.

II capítulo

Notícias sobre falcões

O fim do período decorreu sem novidade. A Ana e oJoão lá foram tendo notas razoáveis nos pontos, masnão pareciam importar-se muito com isso. Fizeram aárvore de Natal sem grande entusiasmo, e mesmo a es -colha e compra de presentes foi quase por obrigação.

Mas na parede do quarto da Ana tinham pregado umenorme calendário. E todas as manhãs lá estavam, decaneta de feltro em punho, prontos a riscar o próprio dia.

— Menos um! — declarava o João invariavelmente.Os pais estranhavam aquelas atitudes, mas optaram

por nada dizer. Tanto mais que, da biblioteca da escola,vinham resmas de livros de História. Assim que aca -bavam os tra balhos de casa, atiravam-se a ler desvaira-damente tudo o que encontravam sobre o tempo dosprimeiros reis de Por tugal.

— A professora de História deve ser óptima! —disse-lhes a mãe. — Motiva muito os alunos!

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— Hum... Por acaso nem gosto muito dela.— Bom, seja lá como for, este vosso novo passa-

tempo é muito útil!— É, é! Sabe o que é que eu descobri, mãe? O rei

D. Dinis subiu ao trono com dezoito anos.— E eu descobri que a maior parte destes livros

sobre História têm gravuras muito lindas, mas não sepercebe nada do que lá está escrito... quer ouvir?

E o João, num tom empolado de troça, leu em vozalta:

— «Na conjuntura do primeiro quartel do séculoXIII, a caça reveste-se ainda de uma carga ritual, catali-sadora das tensões intragrupais...»

A mãe riu-se.— Afinal, o que é que isto quer dizer, mãe? Eu que-

ria saber como é que eles caçavam, e fiquei na mesma!— Isso de facto não te dá essa informação! — ironi -

zou a mãe. — Mas se calhar vocês trouxeram um livroque não é para a vossa idade! Deixa cá ver.

A mãe folheou o livro, para trás e para diante, cadavez mais perplexa. A capa, as ilustrações, tudo indicavaque o livro era para crianças, ou pelo menos para jovens.Mas a linguagem, francamente! Era uma linguagem paraadul tos que já soubessem bastante sobre o assunto.

— Isto é mesmo uma maneira de vos desinteressar— resmungou. — Sabem o que é que têm a fazer?Saltem as frases mais complicadas e leiam só o que per-ceberem bem. Ou vejam as imagens... olha aqui.

O livro ficou aberto, exibindo uma ilustração bastan-te grande, colorida, representando uma cena de treino defalcões.

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