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8/2/2019 Imagens Na Palavra - POMAR
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IMAGENS NA PALAVRA
Angela Philippini1
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RESUMO:
A autora aborda relaes entre imagem e palavra. Registra a possibilidade que
cada palavra tem de configurar campos simblicos, que podem ser posteriormentetransformados em formas. Ressalta a importncia das estratgias de escrita criativa emArteterapia para explicitar estas relaes e descreve a elaborao de livros feitos mo,no processo arteteraputico, como um produtivo instrumento de autoconhecimento.
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As atividades conhecidas genericamente por ESCRITA CRITIVA so
amplamente utilizadas no processo arteteraputico.
Neste artigo abordarei algumas destas estratgias, mas priorizando as
experimentaes imagticas em torno da palavra, nas quais a consideramos como umestmulo gerador para chegar a processos visuais e plsticos, sonoros e/ou corporais.
Assim abordarei a questo da utilizao da palavra, alm de sua importncia como
ponte para uma produo literria mais fluente; examinando a funo da palavra como
fonte geradora na produo de IMAGENS. E, nesse contexto, vou considerar cada
palavra como uma caixa de ressonncias e significados, em que cada uma das
experimentaes, seja com as sonoridades e/ou com seus significados simblicos, abrir
caminhos para a gerao de formas e configuraes de afetos, materializados namultiplicidade das modalidades expressivas e plsticas.
Uma forma habitual de utilizar a palavra no processo arteteraputico atravs de
processos de desbloqueio criativo, levando quem experimenta a uma condio
propiciatria para que suas palavras gerem mais palavras, sendo este caminho propcio
para a produo e criao de textos e escritas diversas. O que certamente um bom
exerccio criativo, pois esse tipo de escrita costuma resultar em benfico e silencioso
dilogo entre quem escreve e aspectos de sua vida psquica menos conscientes.
o menino aprendeua usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagenscom as palavras.
E comeou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vode um pssaro,
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde,botando uma chave nela.
O menino fazia prodgios.At fez uma pedra dar flor!
Manuel de Barros por Manuel de
Barros.
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Mas aqui vou preferir enfatizar a palavra como instrumento de produo de
imagens. Deste modo, uma sucesso de palavras, tendo ou no significados
reconhecidos, atravs de uma cadeia de associaes livres, poder gerar grupo de
imagens, que, por sua vez, geraro outras novas imagens. A prosdia, que a
musicalidade natural presente na linguagem verbal, j nos encaminha naturalmente para
esse tipo de associao e produo simblica. E tambm os tons, timbres e sonoridades
de cada voz que j so suficientes, se observados com cuidado e ateno, para facilitar
algumas dessas trilhas associativas.
Cruz e Souza, em sua poesia, nos deixou o legado saboroso do clebre verso:
...vozes veladas, veludosas vozes, e trechos como este podem mobilizar impresses a
partir de sua sonoridade e de sua prpria prosdia, constituda apenas da repetio de
quatro palavras. Mas... esta srie de quatro palavras, a quantos territrios simblicos
bastante interessantes pode nos levar?
Gosto de utilizar no processo arteteraputico o jogo simblico propiciado entre
eatravs, segmentos que compem palavras, como por exemplo: IN-AUGUR-AO,
palavra composta por trs significados distintos, que em seus trs segmentos nos d o
sentido geral de colocar dentro o augrio. Como na linguagem cotidiana nem
sempre paramos para examinar as palavras etimologicamente, deixamos de ter claro e
presente, seus reais significados e algumas de suas possibilidades simblicas no
aparentes primeira vista.
s vezes uma nica palavra pode estar grvida de significados. Assim, nos
processos de escrita criativa, costumo tambm, dependendo do contexto e campo
simblico abrangido, trabalhar os mltiplos significados e imagens de uma mesma
palavra, partindo da percepo de que uma palavra como uma caixa que contm
mltiplas potencialidades simblicas.
Estas possibilidades podem ser desveladas e exploradas aos poucos, e estasdescobertas so guiadas atravs da produo de imagens diversas, com a ajuda de
transposio de linguagens expressivas. Para propiciar este tipo de construo simblica
considero que algumas palavras so especialmente frteis tais como: encantamentos,
celebraes, caleidoscpios, memrias... E, naturalmente, cada arteterapeuta e cliente,
a partir de suas subjetividades, construiro sua prpria lista.
Outra estratgia que considero bastante produtiva terapeuticamente, alm desta
de convidar o cliente a visitar a palavra nas suas razes (etimologia), retornar sorigens ainda mais primordiais, a forma visual da palavra, sua configurao bsica, o
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desenho daquele som, presente desde tempos imemoriais, como atestam os registros
dos mitogramas, pictogramas, e, ainda hoje, em tempos contemporneos, nas
configuraes dos ideogramas da escrita oriental.
No filme O Dcimo Terceiro Guerreiro o ator Antonio Banderas, representa
um poeta muulmano que viajava terras distantes, consideradas brbaras pelo Califa a
quem servia e, sua funo, alm de escrever poesias, era transmitir notcias e fazer
negociaes comerciais. Em um dos trechos do filme h um dilogo bastante
significativo em que um dos Chefes Tribais, que no escrevia e considerado naquele
contexto como povo brbaro, aps um tempo de convivncia pergunta: Ento, voc
aquele que desenha os
sons?
Esta cena tem para mim um profundo significado, pois penso mesmo na escrita
como um desenho de sons, s vezes de sons externos, dos que se escuta e dos que nos
falam, mas, s vezes, uma escrita ou desenho de sons internos, afetos, impresses e
Codex de Dresden (abaixo) o mais importante, belo e
complexo dos livros maias. Cinco a oito escribasparticiparam da composio do livro. Os livrosproduzidos pela civilizao sul-americana maia mostrama sofisticao de sua cultura, e tm uma estreita relaocom o trabalho de pintores japoneses. Ao lado, opictograma HUN (livro, representando folhas de papelentre pele de jaguar, usado como capa dos livros.
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expresses difusas, capturadas e configuradas pela grafia. Como bem nos lembra
Clarice Lispector: A palavra uma isca para pegar aquilo que no-palavra e
quando conseguimos, a palavra cumpriu sua misso...
Habitualmente grafiteiros e pichadores fazem este mesmo trnsito entre palavra
e imagem, quando repetem sua rubrica. Seus grafismos so representados como um
registro de logomarca e essa marca funcionar como um pictograma ou um ex-libris
(cones representativos de propriedade de um determinado indivduo, para serem
carimbados ou colados em livros e outros pertences pessoais), s que no caso dele
carimbado nas paredes.
Roland Barthes
produziu uma mostra
individual de seu
processo criativo com
uma fase expressiva em
que ia gradualmente
desconstruindo a formada palavra, para
transform-la em
imagem, atravs da
mediao da cor, e ia
materializando sua
experincia por meio de
escritas diversas e degrafismos coloridos que
se transformavam
depois em manchas e
pingos.
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A palavra como imagem est particularmente
presente na cultura rabe onde a escrita forma de
manifestar devoo religiosa e temos a caligrafia,
palavra formada pelo segmento cali = belo e grafia =
escrita, como representao de uma expresso artstica
to aperfeioada que atravs dela se louva a Deus.
Considero que a escrita tem uma importante funo no processo arteteraputico:
escrever para compreender a si mesmo... Pois as palavras guardam em sua essncia
imagens diversas, que podem surgir em associaes livres, produtos da singularidade e
da subjetividade de cada um. E, neste contexto, palavras so fontes geradoras, fornecem
o fio de Ariadne para a sada de labirintos, e matria-prima para significativas mutaes
psquicas.
Para auxiliar estes processos de auto-descoberta, outra possibilidade que
considero extremamente produtiva usar os materiais expressivos e plsticos para
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concretizar um livro especial e precioso. Como cada palavra escrita tem sua sonoridade
e seu campo simblico, poder ser concretizada de formas diversas. Assim,
gradativamente, um livro vai surgindo pgina por pgina, at a confeco da capa, que
a fase final deste processo. Estes processos de escrita criativa para construo de livros
feitos mo so chamados de self-books.A construo desses livros nasce da mescla entre afetos, sonoridade (palavras e
melodias) e subjetividade, pela mediao da materialidade das formas dos recursos
plsticos e do colorido das imagens, sendo sua aplicao teraputica produtiva em
muitas situaes. O simbolismo no processo de construo num livro feito mo
muito rico e abrange desde o significado das imagens escolhidas, passando pelas
mensagens das legendas, at a escolhados tipos de materiais plsticos escolhidos para a
capa e para o interior do livro.
Os relatos surgidos nos processos arteteraputicos fornecem o contexto,
continente e alguns dos temas mais freqentes que vejo surgir so intitulados como:
Livro dos Prazeres;
Livro do Feminino;
Meu Mundo;
Meus Projetos;
Ah, se eu pudesse...!;
Quando eu crescer...!;
Eu gosto quando...;
Sabores da Infncia;
Memrias...
Em realidade, existe uma infinidade de outros temas, tantos quantos as
subjetividades necessitarem se expressar, mas, na minha prtica como Arteterapeuta
estes foram os temas que mais se repetiram.
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Concluindo, em Arteterapia, a codificao de emoes e afetos pela palavra
corresponde a mais uma, entre inmeras, possibilidades expressivas de acesso ao
inconsciente, oferecendo canal e continente para sentimentos difusos e muitas vezes
desconhecidos.
Um Livro feito a mo
uma delicada construo
artesanal, que requer
ateno, pacincia,
convidando a memria a
revisitar um tempo
ancestral em que livros
eram elaborados pgina por
pgina, manualmente.
Movimentam aspectos
arquetpicos em sua
construo e o material que
tenho visto causar mais
impacto positivo nos
clientes, para este tipo de
construo expressiva foi o
pano, talvez pelaspossibilidades da textura
dos tecidos ativar
sensorialidades e
reminiscncias vinculadas
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Deste modo, a Escrita Criativa em Arteterapia no representa exerccio de
gramtica e ortografia, mas apenas um produtivo recurso para ativao do processo
criador, e uma possibilidade de configurar novas informaes na conscincia. A escrita
oferece meios de estabelecer um efetivo dilogo silencioso do indivduo e fragmentos
seus muitas vezes sombrios e desconhecidos, que, em cada releitura destes textos
produzidos, tornam-se mais claros, pois, gradualmente os significados vo sendo
apreendidos pela conscincia. Assim, no processo arteteraputico a escrita estabelece as
pontes entre os processos primrios e secundrios de elaborao psquica, oferecendo
vias de acesso para que os contedos inconscientes aflorem conscincia.
Outras estratgias abrangidas pela escrita so: livre associao sobre imagens
plsticas produzidas e posterior codificao pela escrita, catalogao de imagens atravs
de ttulos e criao de textos, a partir desses escritos incidentais. Outras possibilidades
so desdobradas a partir da estimulao e desbloqueio do processo criador, atravs de
processos de imaginao ativa, elaborados a partir de textos, poemas, contos e fbulas,
desde que mantenham a conexo ao campo simblico presente no processo
arteteraputico, para que possam surgir novas imagens, que posteriormente geraro
outros textos prprios.
Outras alternativas vo apoiar-se na construo de histrias geradas, a partir de
imagens isoladas ou srie de imagens que, por sua vez, quando concludas podero ser
globalizadas em uma imagem sntese, que tambm poder gerar novas histrias em
processo alternado e cclico.
Os meios para combinar palavra e imagem so inmeros. E mesmo quando o
cliente atendido no puder fazer uso da escrita por ser analfabeto ou por ter perdido a
capacidade psicomotora da escrita, estes recursos sero utilizados com a ajuda do
arteterapeuta. No caso do cliente com necessidades especiais na rea visual podero ser
agregados materiais com texturas diversas e elementos sonoros e olfativos.
1- ANGELA PHILIPPINI psicloga CRP 05/1421, arteterapeuta, artista plstica, diretora da ClinicaPOMAR de Arteterapia, Master em Criatividade pela Universidade de Santiago de Compostela- Espanha,Coordenadora da Ps-graduao em Arteterapia do convnio POMAR/ISEPE, Coordenadora do
Conselho Editorial da Revista Imagens da Transformao e Vice-Presidente da Associao de Arteterapiado Rio de Janeiro.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:
NOVAES, Sylvia Caluby [ET Al]. Escrituras da imagem, So Paulo, Fapesp: Editora
da Universidade de So Paulo, 2004.
PHILIPPINI, Angela. Para entender Arteterapia Cartografias da coragem, Rio de
Janeiro, POMAR, 2000.
BARTHES, Roland. Um artista aprendiz, Rio de Janeiro, Editora CCBB, 2002.
1- ANGELA PHILIPPINI psicloga CRP 05/1421, arteterapeuta, artista plstica, diretora daClinica POMAR de Arteterapia, Master em Criatividade pela Universidade de Santiago deCompostela- Espanha, Coordenadora da Ps-graduao em Arteterapia do convnioPOMAR/ISEPE, Coordenadora do Conselho Editorial da Revista Imagens da Transformao eVice-Presidente da Associao de Arteterapia do Rio de Janeiro.
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