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VLT Uma grande ideia com grandes problemas conheça o projeto nas páginas 3 e 4 página 5 página 4 página 2 O que significa isso? Qual o impacto psicológico da desapropriação? MT-6 5428 A/B 10 estações 18 meses de obras Alternativa ao carro 12 comunidades com desapropriações Ar condicionado MT-6 5428 A/B Obras iniciadas Para dar lugar aos 12,7 quilômetros de linha férrea que devem transportar até 90 mil passageiros por dia, no mínimo 1.400 famílias terão de deixar suas casas Para esse líder comunitário que nasceu e se criou na Lauro Vieira Chaves, os VLTs são sigla para outra coisa: “veículo levando teus sonhos” página 11 Significa que a senhora Raimunda Chaves, líder comunitária pioneira no Lagamar, terá de deixar sua casa após 54 anos Metrofor abre frentes de trabalho em trechos onde não será necessária a desapropriação de imóveis O paraíso do Ivanildo IMPRESSOESTRILHOS Jornal Laboratório da Universidade Federal do Ceará ano 3 / número 15

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VLTUma grande ideia com

grandes problemas

conheça o projeto nas páginas 3 e 4

página 5 página 4 página 2

O quesignifica

isso?

Qual o impacto psicológico da desapropriação?

MT-65428A/B

10 estações

18 mesesde obras

Alternativaao carro

12 comunidadescom desapropriações

Ar condicionado

MT-65428A/B

Obras iniciadas

Para dar lugar aos 12,7 quilômetros de linha férrea que devem transportar até 90 mil passageiros por dia, no mínimo 1.400 famílias terão de deixar suas casas

Para esse líder comunitário que nasceu e se criou na Lauro Vieira Chaves, os VLTs são sigla para outra coisa: “veículo levando teus sonhos” página 11Significa que a senhora

Raimunda Chaves, líder comunitária pioneira no Lagamar, terá de deixar sua casa após 54 anos

Metrofor abre frentes de trabalho em trechos onde não será necessária a desapropriação de imóveis

O paraísodo Ivanildo

IMPRESSOESTRILHOSJornal Laboratório da Universidade Federal do Ceará

ano 3 / número 15

Page 2: Impressões Trilhos #1

A disciplina de Jornal Laboratório, do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, sofre de um complexo de identidade crônico. O jornal impresso, pensado como meio de comunicação, existe enquanto produto que tem uma linha edito-rial definida, a que se incorporam, grosso modo, um conteúdo planejado (editorias), um projeto gráfico e uma periodicidade. São esses elementos que condicionam a pretensa

fidelização do público leitor à publicação. Dito isso, o que se pode-ria esperar da disciplina de Jornal Laboratório?

Trabalhamos com duas orientações, que concretizam nossa visão didática da disciplina. Encaramos uma dupla acepção da palavra ‘laboratório’. Na primeira compreensão, entendemos que a disci-plina de Jornal Laboratório deva se orientar por tentar reproduzir, minimamente, o que o mercado desenvolve em termos de jornal-ismo impresso, ser um ‘laboratório’ para que os futuros profissio-nais jornalistas experimentem uma aproximação com a realidade. A segunda compreensão percebe a palavra ‘laboratório’ como um espaço propício a experimentações, um ‘é possível ir além’ do que o mercado está fazendo.

É da segunda percepção que advém nosso complexo de identi-dade! A cada semestre, quando recebemos uma nova turma, a ideia de laboratório enquanto espaço de experimentação ganha força! Outras cabeças, outras vontades, outros sonhos... E outros con-teúdos, outro projeto gráfico e outros ritmos de produção. Não

IMPRESSOESUniversidade Federal do CearáInstituto de Cultura e Arte Curso de Jornalismo

Professor orientador: Edgard PatrícioRepórteres: Amanda Souto, Ana Paula Lima, André Thé, Caroline Brito, Crissie Teixeira, Fernando Benevides, Hayanne Neves, Iane Parente, Isabela Bosi, Isadora Meneses, João V. Sales, Maurício Moreira, Juliana Diógenes, Laila Cavalcante, Nayana Siebra,

Raiana Carvalho, Raíssa Bastos, Ranniery Melo e Roberta Tavares. Edição: Carlos Mazza, João V. Cavalcante, Lardyanne Pimentel, Pedro Vasconcelos e Igor Gadelha.Projeto gráfico e diagramação: Liana Costa, Mariana Freire, Marina Mota, Renato Sousa e

Wanderley Neves.Impressão: Imprensa Universitária Tiragem: 3 mil exemplares

As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos seus autores

foi diferente nesse semestre. Da cobertura específica do Centro de Fortaleza (2011.1), passamos a reconstruir nossas visões acerca da orla de Fortaleza (2011.2) e chegamos até a percepção sobre as comunidades que são impactadas pelo projeto do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) Parangaba-Mucuripe (nesse semestre). E de um formato meio standard passamos a um formato meio tablóide, mais propício à leitura de beira de mar, e agora voltamos ao meio standard.

Pra não dizer que tudo mudou, algumas características do Im-pressões se mantiveram. Ainda nos pautamos por um Jornalismo que seja contextualizado, humanizado e investigativo. A adoção de um espaço para ser coberto ao longo do semestre, nesse caso as comunidades impactadas pelo VLT, favorece esse direcionamento, pela maior proximidade com o interesse público. A participação de representantes comunitários em nossas reuniões de pauta é outro procedimento que perseguimos.

Quem sabe não esteja aí o ensaio de nossa pretensa identidade?!

Você sabe com quem está

falando?

Editorial

O Brasil prova, a cada dia, ser de fato o país do futebol! E o fenômeno da copacracia ganhou fácil da discutível democ-racia que nos rege. Quem manda agora é a Copa do Mundo! A comemoração por conquistar a sede do evento fez jus ao que estava por vir: obras de infraestrutura, investimentos estrangeiros, visibilidade... Era o Brasil de 2020 da revista The Economist que começava a sair do papel. E nossos gestores ansiavam por serem protagonistas nessa guinada.

É irônico o fato de que tivemos que esperar pela Copa para prestar serviços à população, já desservida pela ineficiência do transporte coletivo de todo o país; pela impunidade e descaso em relação às torcidas marginalizadas; e, principal-mente, pelas obras que, de tão atrasadas, viraram lendas do imaginário popular. Em Fortaleza, é difícil encontrar quem não solte um gracejo quando o assunto é o metrô.

Veículo Leve sobre Trilhos - VLT, no entanto, fecha a cara de muita gente. Mais uma exigência do governo copacrático, o projeto põe seus próprios realizadores numa sinuca, já que precisam mediar os seus interesses de tornar Fortaleza a maior cidade do nordeste brasileiro e de manter a imagem de progresso social que construíram a duras penas. Desapro-priar 22 comunidades e remover o que pode chegar a 20 mil pessoas é um sabor amargo e anterior aos louros que se espera colher pela realização da Copa.

A população atingida tem, no entanto, uma tarefa ainda mais difícil: defender a sua voz – pois que tem interesses a ser levados em consideração na elaboração do projeto – em tempos de copacracia. Além das comunidades e do governo, existe ainda o restante da população de Fortaleza, que divide opiniões – quando as tem –, o que mostra um nível de debate ainda incipiente.

O pós-Copa segue uma incógnita. Não se sabe se teremos que criar elefantes brancos ou mesmo se toda essa infraes-trutura vai se erguer e se manter com os anos. O que se sabe é que responsabilidade social é um processo constante e coletivo, que deveria emergir das necessidades da sociedade ao longo do tempo.

Viva a Copacracia!Ana P. Lima

“Esse processo pode acarretar diversos traumas. Principalmente da forma impositiva, sem diálogo, que está sendo feito. Pessoas que moram há bastante tempo na comunidade constroem uma rede de relacionamentos que dá suporte a vida de-las: a vizinha que ajuda a cuidar do filho, o vizinho que leva ao médico. Uma rede de colaboração que faz com que a pessoa construa a própria história, cruzando com a história do local onde mora. A partir do momento em que você tira a pessoa desse local, você tem de fazê-la construir outra história, e muitas vezes é difícil. Essa ruptura acarreta um pro-cesso de falta de referenciais e desmobiliza a pessoa a participar no outro local onde ela for morar. Isso pode acarretar problemas psicológicos, como depressão, e até físicos, como problemas de pressão. Outro elemento forte é a marcação feita nas casas. Porque não é só marcar a casa, mas marcar a pessoa também, que já está identificada de que sairá dali. E isso, dependendo da estrutura psicológica de cada um, pode ter várias consequências. É importante analisar o aspecto individual. Qual o suporte que as políticas públicas estão dando a essas pessoas, psicologicamente e financeiramente? É preciso suporte para que essas pessoas não adoeçam.”

Verônica Morais Ximenes é psicóloga, professora doutora da Universidade Federal do Ceará (UFC). Direciona suas atividades acadêmicas em temas como psicologia comunitária, participação social, sentimento de comunidade e polítcas públicas. É coordenadora do Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom) da UFC.

“Nós não desencadeamos ainda a ação de contratar profissionais para lidar com o im-pacto psicológico dos moradores. Estou com ordem governamental e judicial de só iniciar a desapropriação quando tiverem prontos os apartamentos oferecidos às pessoas que vão ser removidas. Por isso, não tenho ação nenhuma nesse sentido ainda. Ao longo desse ano, provavelmente, as obras vão se concen-trar em áreas onde não existe necessidade de desapropriação. Vamos construir muitos viadutos, elevados, várias estações, que não precisam desapropriar ninguém. Só vamos trabalhar nas remoções após a construção dos conjuntos habitacionais. Nós começamos a travar um diálogo com os moradores, mas o Ministério Público recomendou que não conversássemos com as pessoas agora. Houve uma série de problemas nesse sentido. Por isso, esse trabalho de diálogo foi interrompido e, por enquanto, nossa preocupação está em trabalhar com obras que não precisem da remoção. Quando os conjuntos habitacionais estiverem prontos, vamos procurar manter ao máximo os relacionamentos de vizinhos que existem hoje. Evidentemente que, se alguém não desejar, pode ser atendida essa diretriz.”

Adail Fontenele é titular da Secretaria da Infraestrutura do Estado (Seinfra). A Seinfra é responsável pelas obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Quando estiver pronto, o VLT será administrado pelo Metrofor.

O que deveria ser feito e o que está sendo feito a esse respeito? A psicóloga Verônica Morais Ximenes e o Secretário da Infraestrutura do Estado, Adail Fon-tenele, comentam sobre o assunto

De que forma a ameaça de remoção pode afetar os moradores?

❝ ❝

impressõ[email protected]

Page 3: Impressões Trilhos #1

Caroline Brito

A implantação do Veículo Leve so-bre Trilhos (VLT) tem o objetivo de reestruturar o conceito de mobilida-de urbana da capital ao possibilitar a locomoção de aproximadamente 90 mil pessoas diariamente em Fortaleza. O projeto pretende ser uma alternati-va ao número crescente de carros que transitam todos os dias nas ruas e ave-nidas de Fortaleza.

De acordo com o assessor e ouvi-dor da Companhia Cearense de Trans-portes Metropolitanos (Metrofor), Fernando Mota, Fortaleza tem atual-mente cerca de 800 mil carros e a pre-visão é de que esse número chegue a 1 milhão daqui a três anos. “A população de Fortaleza vai ser beneficiada com esse ramal, que é fundamental para a mobilidade urbana da cidade. Se você não tiver uma alternativa sobre trilhos, você não tem onde colocar mais trans-porte sobre rodas”, explica Fernando.

A obra vai ligar a o terminal da Parangaba à Via Expressa por meio de uma conexão ferroviária de 12,7 quilômetros. Ao todo, serão 11,3 quilô-metros em superfície e 1,4 quilômetro em trechos elevados. A construção vai afetar diretamente 22 bairros da cida-de. São eles: Cais do Porto, Mucuripe, Vicente Pizón, Varjota, Papicu, Aldeo-ta, Meireles, Cocó, Dionísio Torres, Joaquim Távora, São João do Tauape,

Salinas, Alto da Balança, Fátima, Ae-roporto, Parreão, Vila União, Montese, Itaoca, Serrinha, Itaperi e Parangaba.

O projeto atual indica a construção de oito estações (Parangaba, Papicu, Montese, Vila União, Rodoviária, São João do Tauape, Pontes Vieira e Mu-curipe) e possibilita a implantação de mais três (Antonio Sales, Serviluz e Praia Mansa). As estações Parangaba e Papicu, no entanto, possuem projeto diferenciado, devido ao grande fluxo de pessoas e à integração com os ter-minais de ônibus.

Para viabilizar o fluxo de carros em determinados pontos da cidade, serão construídos túneis e elevados ao longo

do percurso do VLT. Os túneis serão construídos nas avenidas Borges de Melo, Padre Antônio Tomás, Santos Dumont e Alberto Sá. Já os elevados vão ser edificados nas avenidas Ger-mano Franck e Aguanambi.

DesapropriaçõesSegundo informações do Metrofor, as construções não devem afetar, nesse primeiro momento, nenhuma habi-tação. As desapropriações previstas ainda não foram realizadas. A previsão é de que elas sejam iniciadas somente quando as novas moradias já estiverem asseguradas à população.

O projeto inicial previa que 2.700

famílias tivessem que ser desapropria-das, porém, recentes alterações no conteúdo do plano reduziram esse nú-mero. Até o momento, a empresa res-ponsável afirma que pelo menos 1.400 famílias deverão ser desapropriadas e que esse número deve ficar entre 1.700 e 2.000 famílias. Essa diminuição é ocasionada por mudanças no projeto que alteraram o local da estação Rodo-viária e o traçado do trilho na altura do aeroporto, reduzindo assim a quanti-dade de casas que devem ser atingidas.

Atualmente, os imóveis garanti-dos às pessoas que tiverem suas casas desapropriadas estão sendo construídos em conjuntos habitacio

VLT promete reestruturar mobilidade em FortalezaNovo ramal ferroviário vai conectar o terminal de ônibus da Parangaba ao porto do Mucuripe através de uma ligação de 12,7 quilômetros

O QUE É O

VLT?A sigla significa Veículo Leve sobre Trilhos, que é um tipo de trem urbano já utilizado em Fortaleza na linha Oeste, que liga a estação João Felipe a Caucaia.

metros é o comprimento total dos quatro carros pu-xados por uma locomotiva a diesel. Foram adquiridas seis composições nes-se modelo para a linha Parangaba-Mucuripe.

passageiros é a capaci-dade de cada veículo. Eles são equipados com ar condicionado e são pro-duzidos em Barbalha pela empresa Bom Sinal.

minutos é o tempo que o VLT irá gastar para percor-rer os 12,7 quilômetros da linha. O intervalo entre os trens será de 15 minutos. Na linha oeste, ele pode passar de uma hora.

estações estão previstas para serem construídas ao longo da linha férrea: Parangaba, Montese, Vila União (Aeroporto), Rodoviária, São João do Tauape, Pontes Vieira e Mucuripe

km/h é a velocidade que o VLT deverá atingir. Para transformar o ramal em metrô seria necessária a compra de outro modelo de trem e a eletrificação da linha. Isso elevaria os custos da obra mas dimi-nuiria o tempo de viagem, já que o metrô pode ultra-passar os 100 km/h.

74

776

30

8

60

Praia Mansa

Mucuripe

Serviluz

Papicu

Pontes Vieira

Ant. Sales

São Joãodo TauapeRodoviária

Av. Aguanambi Caucaia

Pacatuba

Castelão

Av. SantosDumont

Av. PadreAntônio Tomás

Av. Alberto Sá

Av. Borges de Melo

Aeroporto

Rua Germano Franck

Vila UniãoMontese

Parangaba

Parangaba-MucuripeLinha

Assim deve ficar a plataforma da futura estação Papicu do VLT, integrada ao terminal de ônibus

Além da remodelação da linha férrea existente, o projeto prevê inter-venções na malha viária da cidade. O Governo do Estado espera que as obras sejam concluídas até o início do segundo semestre de 2013.

João FelipeXico da Silva

M

N

Distâncias fora de escalaTrajetos simplificados

WANDERLEY NEVESfonte: Metrofor e O Povo

Elevado

Túnel

Integração IntervençõesLinhas

Ônibus

Metrô

BRT

Parangaba-Mucuripe (implantação futura)

Parangaba-MucuripeSul (metrô)Oeste (trem/VLT)BRT (ônibus)

M

3IMPRESSOESTRILHOS

DESTAQUE

Page 4: Impressões Trilhos #1

as famílias poderão receber, além da indenização em dinheiro, um imóvel dentro do Programa Minha Casa Mi-nha Vida do Governo Federal.

Para estabelecer o diálogo com a comunidade, segundo Jannotti, a empresa Mosaico foi contratada para realizar cadastros sociais em paralelo com os cadastros financeiros (valor e tamanho do imóvel, por exemplo) juntamente com outra empresa, a Co-mol Geoconsult. Com as mudanças no projeto, houve um atraso na data das desapropriações. Com o decorrer das obras, o projeto ainda poderá so-frer alterações.

João Victor Sales

O projeto do ramal Parangaba-Mucu-ripe está inserido num amplo sistema de mobilidade urbana. As estações de VLT deverão funcionar integradas às vias e aos demais meios de transpor-te público. Isso acontecerá de forma mais intensa nas estações Parangaba e Papicu, onde os usuários terão acesso aos terminais de ônibus e às estações de metrô. Pela Parangaba passa a linha Sul do metrô e pelo Papicu deverá passar a linha Leste, cujas obras ainda não foram iniciadas.

Além disso, de acordo com o Me-trofor, está prevista uma integração do VLT com o Castelão por meio de BRT (Bus Rapid Transit). O BRT é um ônibus articulado que ligará a estação Montese ao estádio, num projeto do Transfor (Programa de Transporte Ur-bano de Fortaleza), órgão da Prefeitura responsável pela mobilidade urbana.

Outras obras de mobilidade de-verão ser executadas juntamente com o projeto de implantação do ramal ferroviário. As maiores intervenções serão as construções de cinco túneis, localizados nas avenidas Borges de Melo, Via Expressa, Padre Antonio Tomás, Santos Dumont e Alberto Sá. Dessas, apenas as duas primeiras serão de responsabilidade do Governo do Estado, enquanto as demais serão da Prefeitura.

Nas avenidas Borges de Melo, Padre Antonio Tomás e Santos Du-mont, os carros deverão passar por baixo dos trilhos, seguindo nas res-pectivas vias. Já o túnel da avenida Al-berto Sá ligará essa avenida à rua Ana Bilhar, atravessando a Via Expressa e demais ruas do bairro Varjota. O tú-nel na própria Via Expressa será cons-

truído na altura da comunidade Trilha do Senhor, onde hoje a avenida faz uma curva. A obra será necessária para que os carros que seguem na avenida pas-sem sob os trilhos.

Novas linhas

Ao longo de todo o trajeto, o atual trilho será substituído por três novas linhas. Dessas, uma continuará com o trem de carga e as outras duas serão para os VLTs. O ramal deverá contar ainda com a proteção de muros, can-celas e de grades na maior parte do trecho.

Como o espaço por onde passam os trens será fechado, passarelas se-rão construídas na Via Expressa para facilitar a passagem de pedestres. No projeto, já estão confirmadas três pas-sarelas, próximas às estações Pontes Vieira, Papicu e Mucuripe.

Já para os trechos que passam pe-los bairros São João do Tauape, Vila União e Itaoca, estão previstas algu-mas passagens de nível. De acordo com o engenheiro Bruno Jannotti, serão cerca de dez passagens, que constarão de cancelas e que não de-verão atrapalhar o trânsito por conta do pouco movimento nessas regiões. “Quando os VLTs passarem por esses trechos, obviamente eles terão a veloci-dade reduzida por questão de seguran-ça”, disse Jannotti.

Dos 12,7 km da via, dois trechos serão elevados, totalizando 1,4 km. O primeiro será entre a comunidade Al-daci Barbosa e a BR-116, atravessando a avenida Aguanambi. Já o segundo e maior trecho elevado será entre as estações Montese e Parangaba, cru-zando a rua Germano Franck. De acordo com Jannotti, a estrutura será construída em concreto pré-moldado

mil pessoas devem ser transportadas diariamente na linha Parangaba-Mucuripe.

milhões de reais é o custo esti-mado da linha, incluindo projeto, desapropriações e obras.

famílias, no mínimo, terão suas casas desapro-priadas. O Metrofor estima que o número fique entre 1.700 e 2.000 em 12 comunidades.90 262,5 1.400

Entorno do VLT também terá projetos de mobilidade

Após atraso, obras começam nas localidades que dispensam desapropriação

CONTINUAÇÃO nais do programa “Minha Casa, Minha Vida” nos bairros José Wal-ter e Messejana. A disponibiliza-ção das novas moradias foi oficia-lizada pela Lei 15.056, aprovada em dezembro do ano passado, a fim de normatizar as garantias legais da forma de indenização das habi-tações por onde as obras do VLT passarão.

A população de 12 comunida-des será diretamente afetada pelo empreendimento e deve passar por processo de realocação e indenização, conforme indica a lei. As desapropriações serão efetivadas para obedecer às diretrizes da Trasnordestina Logísticas S/A, segundo a qual deve haver um espaço de 16,85 metros entre trilhos e outras construções.

A previsão é de que as obras sejam concluídas em um prazo de 18 meses, ou seja, no início do segundo semestre de 2013. O engenheiro Bruno Jannotti, da MWH Brasil En-genharia e Projetos, empre-sa responsável pelo projeto, reforça que esse prazo será rigorosamente cumprido. “A nossa meta é que a obra este-ja concluída para a copa do mundo”, aponta.

O consórcio CPE-VLT For-taleza, composto pelas empre-sas Consbem Construções e Comércio Ltda, Construto-ra Passarelli ltda e Engexata Engenharia Ltda, é o respon-sável pelas obras, que custarão R$ 179.546.440,40.

VLT promete reestruturar mobilidade em Fortaleza

Das 10 estações do VLT, apenas Parangaba e Papicu não seguem o modelo acima

IMPRESSOESTRILHOS4

e servirá apenas ao VLT. “Os trens de carga não têm força suficiente para subir, por isso eles continua-rão passando pela superfície”, infor-mou o engenheiro.

Hayanne Narlla Neves

Após o atraso de aproximadamente quatro meses, as obras do VLT, reali-zadas nas localidades onde não serão necessárias as desapropriações, tive-ram início no dia 2 de abril deste ano. A assinatura da ordem de serviço para o início dos trabalhos aconteceu me-ses antes, em 27 de fevereiro.

Segundo a Secretaria de Infraes-trutura do Estado do Ceará (Sein-fra), na data foram iniciadas as obras em dois trechos: na Parangaba e no Bairro de Fátima. No primeiro tre-cho, entre a rua Germano Frank e a estação da Parangaba, começou a lim-

peza da faixa de domínio da linha de carga, para serem feitas as fundações do trecho elevado de 900 metros. Já no segundo, no Bairro de Fátima, está sendo construído um elevado sobre a avenida Aguanambi, entre a Rua Luciano Magalhães e o início do Re-sidencial Maravilha.

Ainda segundo a Seinfra, os proje-tos realizados após o início das ações citadas devem acontecer nos seguinte pontos da capital: Via Expressa (lim-peza e marcação para a construção do viaduto sobre a avenida Dom Luís); avenida Santos Dumont (início do des-vio ferroviário a partir da passagem de

nível que existe no local); avenida Pon-tes Vieira com Virgílio Távora (limpeza e marcação da construção do viaduto).

LicitaçõesA empresa responsável pela elabo-ração do projeto do VLT Parangaba--Mucuripe, assim como pelo reparo e alterações, é a MWH Brasil Engenha-ria, que também cuida das obras da Linha Sul do Metrô de Fortaleza. A homologação da licitação foi realizada em março de 2010. Em seguida, em no-vembro do mesmo ano, houve a assina-tura da ordem de serviço da MWH, que tinha ganho a licitação.

Segundo o engenheiro Bruno Jannotti, o atraso nas obras se deu por conta da homologação da licitação de obras, na qual outra empresa ganhou (Consbem Construções e Comércio LTDA, Construtora Passarelli lTDA e Engexata Engenharia LTDA – valor de R$ 179.546.499,60), e assinatura de ser-viço, nos dias 2 e 27 de fevereiro de 2012, respectivamente.

RemoçõesMesmo com a mudança do projeto, eliminando alguns pontos de desa-propriações, ainda muitas famílias se-rão atingidas. Pela Lei Estadual 15.056,

Ilustração: Divulgação Metrofor

Page 5: Impressões Trilhos #1

MarcadosPARA SAIR

Juliana Diógenes

No sangue, o espírito ainda pulsante de luta comunitária. Na mente, recor-dações vivas de quem presenciou o Lagamar nascer, no fim da década de 1950. Os laços históricos de Raimunda Chaves com a comunidade comple-taram bodas de ouro há quatro anos. Entretanto, estão com os dias contados. Uma das primeiras líderes comunitárias do Lagamar está na lista das casas mar-cadas para sair. Quando será removida, ninguém sabe.

A inscrição MT-6 5428 A|B indica que a residência terá de abrir passa-gem para o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) na linha férrea Parangaba-Mu-curipe.

No código, “MT” significa Metro-for, o número 6 refere-se à região do Lagamar em relação às outras comu-nidades, a sequência seguinte de nú-meros representa o cadastro da casa e, por fim, “A” significa alto e “B” quer dizer baixo, ou seja, a casa é duplex. Re-sidências apenas com térreo recebem o código “a” no fim.

A marcação, a que Raimunda pre-fere chamar de “pichação”, foi pintada na parede frontal da casa em dezembro de 2011 por técnicos da empresa Mo-saico, licitada e contratada pela cons-trutora Queiroz Galvão e Camargo

Corrêa. Desde então, ninguém mais apareceu para orientar a respeito dos passos seguintes. De acordo com nota do Metrofor, porém, “foram suspensas as marcações porque foi preciso adap-tar o projeto para ter o menor impac-to”.

A casa da moradora Nilde da Sil-va, 59, que reside desde os dois anos na comunidade, está localizada onde uma das estações do VLT será construí-da. “Eles [funcionários do governo] numeraram a casa e só. Falaram que depois viria um assistente social para falar com a gente e esclarecer. Mas não voltou mais”, recorda.

Durante o dia, Nilde trabalha no conselho fiscal da diretoria da Fren-te de Assistência à Criança Carente. O projeto trabalha com mais de mil crianças que recebem assistência de padrinhos com origem alemã. Em casa, Nilde faz trabalhos manuais com crochê e pintura.

Caso se mude para o conjunto habitacional no José Walter, anuncia-do pelo Metrofor, a preocupação da moradora está em não saber como vai

manter as ocupações diárias. “A comu-nidade está ansiosa porque não tem definição certa. Ninguém sabe o que vai acontecer. Só sabe que vai sair”, ob-serva.

Enquanto aguardam mais infor-mações, Raimunda engavetou o proje-to de subir a casa para transformar em duplex, e Nilde continua com o piso irregular, no qual, vez ou outra, o filho com deficiência física costuma topar. “Reformar para quê? A gente não sabe o dia de manhã”, justifica Nilde.

Apesar de nenhuma das duas fa-zer ideia de quanto valem os terrenos onde residem, elas consideram que, “dependendo do valor da indenização”, não teriam problema em sair de onde estão. A única exigência é que não se mudem para muito longe; isso porque, enquanto Nilde mora próxima à casa da mãe idosa, que depende de ajuda, Raimunda nunca residiu em outro lu-gar que não o Lagamar. Por enquanto, as duas moradoras e outras 298 famí-lias do Lagamar, marcadas para remo-ção, vivem com as incertezas de quem desconhece o dia de amanhã.

Apesar de os moradores do Lagamar ainda não saberem quando serão removidos pelo projeto do VLT Parangaba-Mucuripe, uma inscrição no muro das casas diante da linha férrea marca a certeza de remoção

O ano era 1958. Pescadores aguardavam pacientemente no riacho Tauape o mo-mento de fisgar o peixe que serviria para o almoço, quando a jovem amazonense Raimunda, vinda do interior, pisou pela primeira vez no local onde fixaria resi-dência. Os olhos da moça de 24 anos se encantaram com a terra limpa do bairro São João do Tauape.

A paisagem se exibia colorida de cajueiros, mangueiras e coqueiros. “Era muita água no rio, que era limpo e cheio de peixe”, rememora Raimunda, hoje com 78 anos, que assistiu à transição do antigo riacho no atual Canal do La-gamar. Do lugar onde fincou raízes, só reclama mesmo da carga negativa do nome. “A palavra Lagamar é muito des-criminada. Não gosto”, critica ela, que prefere chamar a comunidade de “Ria-cho do Tauape”.

O espaço foi ganhando corpo a par-tir das margens do rio, com a instalação das famílias fugidas da seca de 1958 que assolava o interior cearense. Se por um lado as primeiras casas eram feitas de taipa, as mais arrumadas se equipavam cobertas por lona. Encravada na travessa Progresso desde que chegou, na década de 1950, Raimunda acompanhou todas as etapas de evolução da comunidade. Ajudou a fundar a Associação de Mora-dores do Lagamar em 1983, quando assu-miu a função de tesoureira.

Foi ela quem incentivou e liderou manifestações na luta pelo revestimento de alvenaria das casas na época. “Fizemos abaixo assinado [ao governo do Estado na época] e coletamos 3.888 assinaturas para pedir [ao Tasso Jereissati] casas de tijolo”, lembra, com precisão nos dados. Pedido concedido [pelo então governa-dor Tasso]: hoje a comunidade tem um padrão de casas revestidas de alvenaria.

Da época em que o canal era riacho Tauape

Na frente da casa de Raimunda Chaves, há 54 anos no Lagamar, a inscrição que sinaliza os imóveis que terão de ser desapropriados pelo Governo do Estado

❝Ninguém sabe o que vai acontecer. Só sabe que vai sair”

Nilde da Silva moradora do Lagamar

MetroforRegião

A = térreoA/B = duplex

Cadastro do imóvel

5IMPRESSOESTRILHOS

Foto: Isabela Bosi

Incertezas

Page 6: Impressões Trilhos #1

SERVIÇO

Núcleo Central de Atendimento da Defensoria Pública Estadual

Endereço: Rua Caio Cid, 100 - Bairro Luciano Cavalcante

Telefone: 3101 3419

Uma luz em meio à escuridão

Entre às incertezas sobre o futuro das propriedades atingidas pelo traçado do VLT, moradores afetados têm auxílio na busca por direitos. Saiba quais são as opções de quem luta para permanecer no próprio lar

Nayana SiebraRaíssa Câmara

Para muitas comunidades de Fortaleza, a cor verde é sinônimo de angústia. A marcação na casa de mais de 1500 famílias significa uma possível demolição do imóvel. Os números e letras, pintados nas moradias, identificam aqueles que serão removidos pelo Go-verno do Estado por conta das obras do Veículo Leve sobre Tri-lhos (VLT). Mas as informações param por aí, e os moradores são obrigados a conviver com a dúvida. Dados do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) revelam que menos da metade das comunidades atingidas pelo VLT sequer ouviu falar do projeto.

Oswaldo Nogueira da Silva se mudou para o Conjunto Habi-tacional Aldaci Barbosa, no Bairro de Fátima, em 1964. Quarenta e oito anos depois, um dos moradores mais antigos da comunida-de teme ser obrigado a deixar o local onde construiu a família. O medo de Oswaldo é acompanhado pela incerteza: “Chegaram, marcaram (a casa) e não disseram nada”. De acordo com o coorde-nador do Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública do Estado do Ceará, Lino Fonteles, nenhuma lei estabelece prazo mínimo para que a remoção seja comunicada. “O ideal seria que as famílias já soubessem (da remoção) desde o início do projeto”, lamenta o defensor.

A situação dos moradores é agravada pela falta de documen-tos. A maioria das famílias não tem posse do imóvel onde vive. É o caso da aposentada Enedina Oliveira: “desde 1964 eu moro aqui. Não tenho direito de continuar mesmo sem o papel?”, questiona. A Medida Provisória 2220/2001 estabelece que aquele que morou por mais de cinco anos em um terreno sem posse, pertencente à União, até o ano de 2001 “tem direito à concessão de uso especial para fins de moradia (...)”. Já os habitantes que se estabeleceram por mais de cinco anos em terras privadas a partir de 2001 têm o direito de apelar ao usucapião.

Os moradores que são donos dos imóveis e têm toda a docu-mentação regularizada devem receber indenização do Governo

do Estado referente à posse do terreno, aos metros quadrados de terra, a tudo que foi construído na propriedade e ao que foi inves-tido em benfeitorias.

Além da indenização, todos os moradores removidos têm di-reito a uma unidade residencial do Programa Minha Casa Minha Vida. A Secretaria da Infraestrutura escolheu um condomínio no Conjunto Residencial Prefeito José Walter para ser o novo lar das famílias (mais informações no box). De acordo com Lino Fonteles, o principal questionamento das comunidades está relacionado à localização da futura moradia. Em alguns casos, a unidade habita-cional fica a 14 km de distância da comunidade. O defensor explica que, apesar da Lei Orgânica do Município prever que a nova mo-radia dos removidos fique próxima ao local de origem, a legislação não estabelece uma distância ideal.

Quando a remoção é parcial, as dúvidas são ainda maiores. A monitora Adriana Maria, que também vive no Conjunto Habi-tacional Aldaci Barbosa, pode perder apenas uma parte da casa. “Onde é que eu vou botar a escada?”, brinca a moradora. Se for ne-cessário demolir apenas alguns metros do imóvel, o proprietário pode ser indenizado por completo, caso a mudança comprometa o uso da casa. Mas, se for possível dar continuidade à moradia na-quele local, a indenização é apenas parcial.

O resultado mais comum no processo de remoções e desa-propriações é a insatisfação dos atingidos. Uma das opções para os moradores é recorrer à Defensoria Pública, órgão responsável pelo atendimento daqueles que não têm condições de pagar um advogado. A ajuda aos moradores atingidos pelo VLT vai desde o processo de negociação nas indenizações até o auxílio em ações na justiça contra o projeto. Apesar dos esforços dos defensores, Lino Fonteles acredita que o serviço ainda é insuficiente: “a nossa atua-ção é limitada (...). A gente sabe que o poder judiciário não tem essa visão de socorrer a comunidade”.

Qual a diferenca entre desapropriação e remoção?A desapropriação geralmente acontece quan-do uma pessoa é afetada por um processo de urbanização ou outro projeto do Governo Federal, Estadual ou Municipal. Nesse caso, as pessoas atingidas devem ser indenizadas. O Governo desapropria aquele imóvel, depo-sita o valor ou negocia diretamente com a parte interessada e fica com o terreno. Já na remoção, o órgão público, retira o morador ou comunidade do local onde está residindo e faz um reassentamento em um conjunto habita-cional, que o Governo do Estado, a União ou o Município vai construir.

Foto: Pedro Vasconcelos

Nem todos que vivem na comunidade Aldaci Barbosa conhecem a realidade da remoção

pelo VLT

IMPRESSOESTRILHOS6Serviço

Page 7: Impressões Trilhos #1

Os moradores que necessitam de esclarecimento sobre desapropria-ções e indenizações têm a opção de recorrer à Companhia Cearen-se de Transportes Metropolitanos, responsável pelo projeto. O Me-trofor presta atendimento àque-les que têm dúvidas em relação às consequências da construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) do Ramal Parangaba-Mucuripe.

De acordo com a advogada da Companhia, Mônica Damasce-no, cerca de 30 atendimentos são realizados todos os dias, seja por telefone ou pessoalmente. Por en-quanto, mesmo com a demanda, apenas uma pessoa é responsável pelo serviço. “Está sendo formada uma equipe multidisciplinar, com assistentes sociais, advogados, en-genheiros e outros técnicos, que vai prestar o suporte necessário à população atingida pelo VLT no momento em que as desocupações iniciarem”, afirma a advogada.

As dúvidas que chegam ao Metrofor com maior frequência dizem respeito às datas e aos valo-res das indenizações. Outro ponto que deixa os moradores apreensi-vos é a falta de informações mais claras. “A gente fica na expectativa. Será que vai sair ou não? Um co-menta uma coisa, outro comenta outra. A gente fica até doente, preocupada”, reclama a monitora Adriana de Oliveira, que vive no

Vida de repórter

Roberta Tavares

Saiba mais sobre a lei que autoriza as desapropriações e remoções

Para conhecer de verdadeMetrofor mantém setor para tirar dúvidas dos moradores afetados pelas remoções

Conjunto Habitacional Aldaci Barbosa, no Bairro de Fátima.

Mesmo com a aflição dos moradores, Mônica Damasceno afirma que nem todas as questões são esclarecidas. “Algumas não po-dem ser respondidas, pois estamos aguardando decisões do Governa-dor e dos Secretários de Estado en-volvidos”. De acordo com a advo-gada da Companhia, o projeto de engenharia da obra está passando por alterações solicitadas por Cid Gomes (PSB). Quando as deso-cupações forem iniciadas, cada pessoa que mora nos imóveis atin-gidos pelo projeto deve ser notifi-cada, por meio de correspondên-cia, e atendida individualmente.

Atendimento no Metrofor

Quando: terças e quintas-feiras

Horário: das 8h às 12 horas e das 13h às 17 horas

Endereço: rua 24 de Maio, 60 (Praça da Estação), Centro

Mais informações: Talita Capistrano - 3101 7159

Não é necessário agendar.

SERVIÇO

Acima, Enedina Oliveira, moradora do Conjunto Habitacional Aldaci Barbosa, segura os únicos documentos que possui da casa onde vive há mais de 40 anos.Abaixo, inscrições em verde marcam as casas que serão total ou parcialmente afetadas pela desapropriação do VLT. Na comunidade Aldaci Barbosa, 20 das 500 famílias serão atingidas, de acordo com a líder comunitária

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Foto: Pedro Vasconcelos

Uma das primeiras iniciativas da turma, após a decisão do tema que aborda-ríamos no Impressões deste semestre, foi ir às comunidades que devem ser afetadas pela implantação do VLT Mucuripe/Parangaba. Nos primeiros con-tatos, um dos aspectos que mais chamou a atenção de todos foi a incerteza da população sobre o futuro, se sua casa seria atingida e o que as marcações verdes representavam.

Na reunião de pauta isso foi debatido e saímos dela com a ideia de fazer uma matéria que esclarecesse sobre os direitos da população em relação à moradia. Em meio a todas as dúvidas, voltamos à comunidade e lá encon-tramos depoimentos instigadores. Moradores residentes há mais de quarenta anos, a família inteira junta e nenhuma ideia do que a lei lhes reservava.

Das dúvidas ao esclarecimento, buscamos conversar com todas as autori-dades que estavam envolvidas. As indagações eram muitas, afinal há diferença entre as casas, terrenos, entre os trechos e até mesmo em qual nomenclatura certa devemos retratar o que vai acontecer com as obras, se remoção ou desapropriação.

Das entrevistas, o aspecto que mais nos incomodou foi acerca da lei 2220/2001 que beneficia quem mora em um terreno sem posse, no mínimo cinco anos antes de 2001, com a Concessão Especial para Moradia. O áudio da entrevista foi ouvido diversas vezes e até na avaliação das matérias foi novamente questionado. Na recorreção ouvimos novamente, lemos a lei e conversando com mais profissionais acabamos entendo bem o que havia sido determinado pela legislação, que realmente concede benefício para terreno da união.

Embora tenhamos falado com as fontes responsáveis e cientes dos casos, buscamos fazer a reportagem mais clara possível, o que resta é saber se os direitos dos moradores serão realmente respeitados e se eles serão ouvidos.

Publicada no Diário Oficial da União no dia 12/12/2011, a Lei Nº 15.056 permite que poder exe-cutivo execute o programa de apoio às desapropriações, indenizações e remoções das famílias abrangidas pelo projeto do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) – Parangaba/ Mucuripe, do Governo Estadual.

Menos de 40 milOs proprietários dos imóveis residenciais ou mistos

avaliados em até R$ 40 mil e que morem no local, além da indenização correspondente, receberão uma unida-de residencial dentro do Programa Minha Casa Minha Vida, custeadas pelo Governo do Estado.

Mais de 40 milOs proprietários de imóveis avaliados acima de R$

40 mil receberão o valor correspondente à desapropria-ção em dinheiro. A unidade do Programa Minha Casa Minha Vida será entregue mediante o custeio das presta-ções pelo morador. As avaliações são realizadas levando em consideração o terreno e as benfeitoras.

PosseirosAqueles que são exclusivamente posseiros na forma

da legislação civil (ou seja, têm a posse da terra, mas não a documentação oficial e o registro em cartório) também têm alguns direitos previstos. Usando a data em que a Lei Nº 15.056 foi publicada como referência, quem mora na propriedade há, no mínimo, 12 meses também receberá um imóvel quitado pelo Governo do Estado. Já quem for posseiro há menos de 12 meses receberá o imóvel, mas terá que custear as prestações.

InquilinosOs inquilinos também poderão ser contemplados

com as unidades habitacionais, bastando comprovar que residem no local há pelo menos 12 meses. Nesse caso, é preciso se comprometer a pagar as prestações da nova propriedade.

Casos de aluguel socialEm relação ao imóvel residencial ou misto com ava-

liação inferior a R$ 16 mil, a Secretaria da Infraestrutura (Seinfra) se compromete a custear um aluguel social, no valor de R$ 200 por mês, para o proprietário da nova unidade residencial do Programa Minha Casa Minha ou outro financiamento. O benefício é válido até o recebi-mento do imóvel definitivo.

7IMPRESSOESTRILHOS

Page 8: Impressões Trilhos #1

Rodoviária

CastelãoAeroporto

ComunidadeLauro Vieira Chaves

ComunidadeAldaci Barbosa

ComunidadeLagamar

Vila UniãoMontese

ParangabaEstação da

M

Os trilhos do Mucuriperumam à ParangabaO projeto de mobilidade para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil prevê 6 projetos de ferrovia - os monotrilhos de Manaus e de São Pau-lo e os VLTs de Recife, Fortaleza, Cuiabá e Brasília. De início, seriam 5, mas o Governo do Mato Grosso decidiu por substituir seu projeto de um BRT (do inglês Bus Rapid Transit), sistema de ônibus de mé-dio porte com faixas exclusivas cujo maior exemplo brasileiro está na cidade de Curitiba, por um VLT.

O VLT de Fortaleza teve suas obras iniciadas em 30 de março de 2012 e a expectativa é de que esteja pronto no início do segundo se-mestre de 2013. Por ordem do governo, as obras iniciaram nos tre-chos sem necessidade de desapropriação e o projeto foi mudado para reduzir o número de famílias atingidas, que agora passaram de 2.500 para 1.700, na sua estimativa.

As obras já foram iniciadas na Parangaba, no Bairro de Fátima e no Papicu, respectivamente na linha férrea entre a rua Germano Fran-ck e a estação da Parangaba, entre a rua Luciano Magalhães e o início do residencial Maravilha e em três pontos ao longo da Via Expressa: no viaduto sobre a av. Dom Luís, na futura passagem de nível a 25 metros da Av. Santos Dumont e na limpeza e marcação para constru-ção do viaduto no final da via, no encontro com a Av. Virgílio Távora.

Av. Aguanambi

Rua Germano Franck

IMPRESSOESTRILHOS8Rumos

N

Distâncias fora de escalaTrajetos simplificados

WANDERLEY NEVESfonte: Metrofor e O Povo

Elevado

Túnel

Integração IntervençõesLinhas

Ônibus

Metrô

BRT

Parangaba-Mucuripe (implantação futura)

Parangaba-Mucuripe M

Av. Borges de Melo

Ivanildo

Elizabeth e Caio

Raimunda

Parangaba

Page 9: Impressões Trilhos #1

Praia Mansa

Mucuripe

Serviluz

Papicu

Pontes Vieira

São Joãodo Tauape

Rodoviária

BR 116

Condomínio Cidade Jardins

ComunidadeLagamar

ComunidadeJoão XXIII

ComunidadeTrilha do Senhor

Av. Aguanambi

Comunidades

22 comunidades afetadas pelo projeto incial do VLT

243m é a área de cada unidade

10km é a distância do Condomínio para a comunidade atingida mais próxima.

1700 famílias serão atingidas pelo projeto atual

1.920 unidades habitacionais serão destinadas às famílias removidas, no Condomínio CIdade Jardins, no José Walter

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VLT de Fortaleza

12,7 Km de extensão8 estações60 Km/h de velocidade média6 VLTs de 4 carros74 metros de extensão (cada VLT)

766 passageiros por VLT100 mil passageiros/dia

Diesel é o combustível utilizado

PRAZO 2 semestre de 2013o

9IMPRESSOESTRILHOS

Ant. Sales

Estação do

Av. Padre

Antônio Tomás

Av. Santos Dumont

Av. Alberto Sá

Alzira

Mucuripe

Maria Irene

Page 10: Impressões Trilhos #1

Terras Prometidas

problema de Fortaleza é que não existem áreas para se construir. Não é querer escolher um ter-reno, nem ter um terreno do lado do VLT, até porque esse terreno sairia caríssimo, não tem condições”, atesta Flávio Jucá.

Sobre isso, Samuel Queiroz contrapõe com a própria lei de desapropriação citada pelo gov-erno, segundo a qual um terreno pode ser deso-cupado se for de interesse público. “Por que eles não podem usar essa mesma lei para ocupar os terrenos (próximos ao VLT) que são caros? Se fosse para fazer o Acquario ele pagaria. Então por que o governo não pode gastar para dar moradia digna nos locais onde as comunidades residem? É isso que a gente não entende”, protesta.

Jardim Floreado

De acordo com a última atualização do pro-jeto do VLT – disponibilizada pela assessoria de comunicação do Metrofor em março de 2012 –, as famílias cujos imóveis forem comprometidos de maneira que impossibilite a permanência no local, receberão uma indenização a partir do lau-do de avaliação realizado pela própria instituição, bem como um apartamento no Condomínio Ci-

O futuro das famílias ameaçadas de remoção pelas obras do Veículo Leve sobre Tril-hos (VLT) Parangaba-Mucuripe é tão incerto quanto o local para onde elas poderão ser relocadas. Até o momento, há duas opções: o condomínio Cidade Jardim, nas proximidades do Conjunto José Walter, e o conjunto habitacional Ceave, em Messe-jana, ambos na região sul de Fortaleza.

A princípio, o que havia sido divulgado por representantes do Metrofor, da Sec-retaria de Infraestrutura (Seinfra) e da Secretaria de Cidades era a possibilidade de remoção para o projeto de habitação no José Walter. Os planos não eram pequenos: as casas recém-construídas fariam parte de condomínio com áreas destinadas à pos-sível construção de escola, lojas e até mesmo um shopping center.

“É como uma cidade”, resumiu o coordenador de habitação da Secretaria de Ci-dades, Flávio Jucá. Sob a responsabilidade da construtora Fujita, o plano do governo era destinar cerca de 2.500 casas do Cidade Jardim às famílias removidas. “Mas se elas vão para lá, a decisão é delas”, frisa o coordenador.

As obras do condomínio Cidade Jardim, porém, atrasaram devido à ocupação do terreno por membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Com a perspectiva de novos atrasos, o governo passou a analisar uma seg-unda possibilidade de empreendimento. O conjunto habitacional Ceave – também conhecido como Escritores –, em Messejana, que começou a ser construído há cerca de um ano e tem previsão de entrega para o final deste ano, de acordo com Carolina Silveira, administradora da construtora Época, responsável pela obra.

“São 1.920 unidades de apartamentos, que fazem parte do programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida”, explica Carolina. Os apartamentos são simples: 43m² divididos em sala, cozinha, banheiro e dois quartos. Carolina Silveira não sabe informar se o terreno estará equipado com estruturas que atendam as necessidades de uma comunidade, como creches e centros comerciais. Segundo ela, o governo demonstrou interesse em adquirir algumas dessas unidades, mas as negociações ainda não foram fechadas.

Raízes Firmes

As promessas são muitas, mas a crença das pessoas que estão na iminência de serem removidas de suas casas é tão pequena quanto a vontade de se mudar para essas áreas, tão distantes das comunidades em que moram. “O que a gente já conhece é que exis-tem famílias do MST lá no José Walter que há mais de dois anos o governo promete casas e nada foi feito. Será que agora vão fazer?”, questiona Samuel Queiroz, da co-munidade Lauro Vieira, situado no bairro Montese.

Uma das maiores reclamações dos moradores das comunidades que poderão ser afetadas pela remoção com relação às “terras prometidas” é a distância desses empreendimentos. “Eu moro no Montese e trabalho no Centro. Levo de 15 a 20 minutos para chegar de bicicleta. Se aqui eu não preciso pegar transporte, lá vou ter que pegar duas conduções. Aí vou chegar em casa tarde, estressado. É complicado”, aponta Queiroz.

Segundo o coordenador de habitação da Secretaria de Cidades, a localização dos terrenos não foi uma escolha do governo, mas uma oportunidade. “Hoje, o grande

A segurança da localização atual das comunidades é um dos principais motivos da resistência às desapropriações. Saiba quais são as promessas para as possíveis futuras moradias daqueles que precisarem se mudar em função do VLT

Ranniery MeloLaila Cavalcante

destino

❝“Hoje, o grande problema de Fortaleza é que não existem áreas para se construir”

Flávio Jucácoordenador de habitação da Secretaria de Cidades

IMPRESSOESTRILHOS10

Page 11: Impressões Trilhos #1

dade Jardim, no bairro José Walter. De acordo com a planta baixa cedida pelo

Metrofor, cada apartamento tem uma área aprox-imada de 45 metros quadrados, contando com sala de estar, cozinha, dois quartos e um banheiro.

Nas adjacências da área onde o condomínio será construído, existem 10 instituições educacio-nais, entre escolas municipais de ensino infantil, fundamental e médio, incluindo também uma creche comunitária e um Centro de Educação de Jovens e Adultos. A área conta ainda com o Hos-pital Distrital Gonzaga Mota e com a delegacia do 8º Distrito do José Walter.

Embora o condomínio ofereça alguns equipa-mentos de necessidade básica para os futuros mo-radores, o sentimento que acomete os possíveis afetados é o de insatisfação. A líder comunitária

da Comunidade Aldaci Barbosa, no Bairro de Fátima, Elizabeth Oliveira, aponta que o vínculo dos moradores com o local onde estão atualmente acontece princi-palmente pela posição privilegiada, próxima a pontos importantes da cidade. “Aqui estamos perto do Centro, do Instituto José Frota, de supermercados, escolas, igreja e várias outras coisas”, comenta Elizabeth.

Outro problema que não seria solucionado com a mudança para o novo con-domínio é o tamanho das famílias. De acordo com Elizabeth, as famílias da Aldaci Barbosa foram crescendo, mas permanecendo na mesma casa. A solução encontra-da pelos moradores nessa situação foi criar um terceiro andar nas casas para com-portar, algumas vezes, três gerações de uma mesma família. Elizabeth acredita que os apartamentos que serão construídos no José Walter não terão a capacidade para abrigar com conforto o número de pessoas de cada família.

Além disso, os laços formados entre a vizinhança fazem toda a diferença na vida dos moradores. “Aqui todo mundo se conhece e nós nos sentimos seguros. Se pre-cisamos ir ao Hospital Albert Sabin à noite, por exemplo, não nos sentimos ameaça-dos. A comunidade forma uma grande família e a maioria não quer se separar uns dos outros”, conclui Elizabeth.

O terreno destinado à construção dos conjunto

habitacional em Messejana, na altura do km 12 da

BR116, ainda não possui nenhuma obra erguida

❝“Porque o governo não pode gastar para dar moradia digna nos locais onde as comunidades residem? É isso que a gente não entende”

Samuel QueirozMorador da comunidade Lauro Vieira

11IMPRESSOESTRILHOS

Foto: Carlos Mazza

Page 12: Impressões Trilhos #1

Ivanildo, 46 anos, mora na Comunidade Lauro Vieira Chaves desde que nasceu. Depois do casamento, morou provisoriamente em vários bairros, mas voltou logo para a comunidade que o criou. Aposentado, hoje ele comple-menta a renda familiar com uma pequena lan house que criou na sala da própria casa. O amor pelo lar o fez entrar na luta para im-pedir que o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) destruísse o lugar onde morou durante toda a vida. Agora, ele só quer continuar onde está e junto com amigos que estão na mesma situ-ação, tenta solucionar o problema que tem tirado o seu sono. Quando a sua mãe veio morar aqui na Comunidade Lauro Vieira Chaves (LVC)?

A minha mãe chegou aqui em 1962. Quando ela chegou aqui, tinha pouca casa. Não existia o que hoje tem aqui. Então essa parte do Aeroporto que a gente chama de Base, que antigamente pertencia à Base [Aérea] e hoje à Infraero, era só um cercado. Tinha o trilho e o cercado. Depois é que o pessoal foi chegando de outros bairros, do interior e foi se alojando e constituindo a co-munidade.

O senhor passou a sua adolescência inteira aqui?

Nasci e me criei aqui. Brinquei. Hoje, onde tem muitas casas grandes, era só terreno baldio, mato, onde a gente brincava de esconde-esconde, de correr, de bola.

E alguma vez o senhor já teve vontade de sair daqui?

Nunca. Porque assim... cada dia que passa tem muito mais violência, em qualquer local. Mas a gente aqui tem um grande privilégio, porque o risco de criminalidade aqui na região da nossa comunidade é praticamente zero. Aqui você não vê polícia correndo atrás de bandido, aqui você não vê tiroteio. Assalto... muito pouco. Então a gente mora num local muito privilegiado. Aqui, 11 horas da noite, uma hora da manhã, o pessoal tá no meio da rua, tão sentados na calçada, coisa que poucos bairros têm esse privilégio e a gente tem.

Quando foi que o senhor ficou sabendo que a sua casa ia ser removida?

Eu acho que foi por volta do dia seis, dia cinco, por ai, de junho do ano passado.

Mas o senhor já tinha ouvido falar do VLT antes?

Não, nunca tinha ouvido falar em VLT. Não sabia nem o que era isso. A gente já teve muitas ameaças de sair daqui por causa do aeroporto, que ia ser ampliado, mas até hoje a gente per-manece no local. Então a gente briga pelo nosso local porque aqui é o paraíso, é inexplicável. Tudo é tranquilo, todo mundo é amigo, todo mundo é família, todo mundo sabe quem é quem. A maio-ria do pessoal que mora na comunidade nasceu aqui. Todo mundo cresceu junto, todo mundo ficou amigo. Às vezes a gente sai, deixa o portão só encostado aqui e não tem perigo nenhum. Os filhos da gente vão e voltam do colégio, porque tudo é perto, sem nenhum tipo de problema, porque é um lugar que dá segurança pra gente.

O senhor lembra qual o que sentiu quando soube que a sua casa era uma das que iriam ser desapropriadas devido ao VLT?

A gente briga pelo nosso local porque aqui é o paraíso

Ah!... Foi muito ruim. Eles vieram, tiraram fo-tos, fizeram medições e quando foi depois nós recebemos uma carta e a gente compareceu à reunião na Cagece. Foi lá que a gente ficou sa-bendo os valores. Veio saber quanto é que valia a nossa casa, quanto é que eles queriam pagar e pra que eles queriam. Então foi difícil, teve muita gente que passou mal, muitos senhores de idade que passaram mal porque foram ameaça-dos. Ai foi que a gente começou a abrir os olhos para aquilo que o Governo estava querendo fazer com a gente. Ai a gente partiu pra luta mesmo, pra reivindicar, pra ir atrás dos nossos

direitos. Porque a gente tem direito, tem uma grande arma, que é o Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica do Município. Se o Governo Fed-eral, Estadual ou Municipal precisar do local, tem que recolocar as pessoas no mesmo bairro, não há 18 quilômetros, como ele quer fazer. E eles dizem que essa Lei não dá direito porque a obra não é do município, é do estado. Mas ele tá esquecendo que a obra é do estado, mas é feita dentro do município. Então tem que prevalecer a Lei Orgânica.

Como tem sido o diálogo de vocês com o governo?

Muito fechado. A gente tá tendo mais liberdade hoje com a defensoria pública, que está nos aju-dando. Mas assim, pra ter contato direto com o governo, a gente só teve no dia oito de agosto do ano passado, quando fizemos um ato lá em frente o Palácio do Governo. [Quando] foram escolhidas seis pessoas para serem recebidas no gabinete dele. Depois, teve uma reunião com o pessoal e ele disse que ia fazer cinco audiências públicas e nessa reunião nós fomos escolhidos para ser a primeira comunidade a ser visitada. Ai eles pediram pra dar o horário e o dia para faz-erem a visita, mas tudo só enganação. Nós pas-

Entrevista

IMPRESSOESTRILHOS12

Iane ParenteCrissie Teixeira

Foto: Iane Parente

Page 13: Impressões Trilhos #1

samos vários e-mails [com opções] de horários e de dias, preparamos a igreja todinha pra eles virem, mas eles não compareceram. E depois disso ele mandou fechar a frente do palácio do Governo pra não ter mais nenhum tipo de ato, pra ninguém chegar mais perto. O contato com ele [o governador] é muito pouco. O contato que a gente tem é com o pessoal do Metrofor, com a Talita, que é a encarregada das remoções das comunidades.

O senhor acha que o VLT vai trazer algum beneficio para a comunidade?

Eu não acredito que VLT vá mudar alguma coi-sa na cidade. De jeito nenhum. Eu não sei onde eles arranjam esses estudos que dizem que esse VLT vai levar 90 mil pessoas por dia. De cinco e meia até as oito da manha os ônibus passam todos lotados, mas passou de oito e meia, não tem mais gente. Às vezes um ônibus passa aqui com dois passageiros dentro, às vezes passa só o motorista e o cobrador. Então, com o VLT vai ser a mesma coisa que o transporte [rodoviário]. A diferença é que vão deixar de andar mais no transporte para andar no VLT, mas os horários vão ser os mesmos. O VLT pra mim é só um vai e vem. Porque não leva a lugar nenhum. Pra você ter uma ideia, até a linha que ia para o Castelão eles tiraram. Eles refizeram o estudo e viram que depois da Copa do mundo aquela linha não ia servir de nada, vai ser um grande elefante branco. Aí vão ter que tirar dinheiro de saúde, de educação... vão ter que tirar dinheiro de algum canto pra manter o elefante branco. Como é que vão mante esse trem, o dia todinho, rodando sem ninguém? Vai ter dia que o VLT vai passar aí só com o maquinista assobiando para o tempo.

Vocês tem propostas alternativas ao VLT?

A gente sempre falou que tem alternativa. Mas eles dizem que não. Aí agora, de tanto a gente insistir, eles estão revendo o projeto e aquilo que a gente falou, eles estão reaproveitando. A gente consegue ver as coisas que eles não conseguem ver. Eles precisam de 22 metros nas curvas e precisam de 18 metros nas retas. Então, lá do Vila União até chegar na Parangaba o caminho é uma reta só. Nessa reta só precisa de 18 met-ros. Se tem casa que tem 75 metros, 80 metros de distancia, porque é que tem que tirar? Da minha casa para o trilho tem 38 metros e pouco. Só precisa de 18, então vai sobrar um bocado de metro. Então porque que ele vai tirar as comu-nidades? Para fazer higienização social, que é o que a gente sempre achou que ele queria fazer? Dizem que é para turista, mas eu num sei o que é que um turista vem fazer na Parangaba.A gente não é contra o VLT. A gente é contra as remoções. Que o VLT saia, mas que ele saia do jeito que é para sair, respeitando as pessoas, respeitando os direitos de moradia, respeitando que as pessoas permaneçam em seu local. Que eles [o governo] discutam, que conversem com as comunidades para escutar as alternativas que a gente tem. Talvez até, se eles tivessem em con-tato com a comunidade, até já tivessem começa-do essa obra, por que a gente já teria discutido, negociado. Mas ele quer fazer do jeito dele, aí fica difícil.

Como você acha que vai ficar a cidade depois da Copa?

A Copa vai embora, a Fifa vai levando o dinheiro e a dívida vai ficar aí. Eles não falam isso para a

Fotos da exposição “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”, que aconteceu em novembro de 2011, na capela da comunidade Trilha do Senhor. As fotos são resultado do projeto “De olho na cidade – educomunicação para o fortalecimento da luta em defesa do direito à terra urbana”, proposto pelo Comitê Popular da Copa, em parceria com o coletivo OlhoMágico, com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos. O ensaio foi realizado pelos moradores da Trilha do Senhor.

Sob os olhos de quem vive

comunidade, não falam isso na imprensa, não falam nada. Mas a gente, quando fala, a própria imprensa já corta. Por que só dá a palavra ao governo e não vê esse lado, que é a gente que vai pagar. E na África, que até hoje tem gente mo-rando no contenderes!? Aqui, se você não tiver cuidado, vai ser do mesmo jeito. Vai ser mais uma favela que o governo vai criar em algum canto da cidade para poder colocar todo esse povo. Quanto mais longe estiver do centro e das áreas mais valorizadas, melhor ainda. Porque tudo isso aí, a gente acha que é especulação imobiliária. Tira a gente daqui, paga 17 mil reais numa casa, tira todo mundo, depois faz um pré-dio comercial. O Governo vem tirar a gente para fazer o que? Só para valorizar o terreno? Para dar oportunidade a quem já tem, que são os empre-iteiros, as imobiliárias?

Como é que o pessoal da comunidade está reagindo ?

Aqui, como em todas as comunidades, há uma divisão. Tem gente que está triste, que não con-segue dormir direito. Por que foi proibido de fazer qualquer coisa [reforma] na casa. E tem também pessoas que acham até ruim a gente es-tar nessa luta porque querem sair.Com a nossa luta, a gente conseguiu barrar algu-mas coisas, e conseguimos adiar cada vez mais. Hoje, o tempo corre ao nosso favor.As pessoas mais novas na comunidade são as pessoas que mais reclamam. Acham que vão receber 17 mil e vão montar um comercio, com-prar um carro e vão viver feliz da vida. Esquecem que tem filho, esquece onde o filho estuda, o que o filho pode fazer dento de casa, o que o filho pode fazer na rua, para ir para um canto onde vai ter que viver trancada, nas grades.

13IMPRESSOESTRILHOS

Foto: Iane Parente

Page 14: Impressões Trilhos #1

A vontade de ficar Conheça os moradores de três comunidades que não querem arredar o pé do bairro e saiba por que eles têm se mobilizado contra as remoções do VLT

Raiana Carvalho

No Bairro de Fátima, em frente à Avenida Borges de Melo, seria construída uma estação do Veículo Leve sobre Trilhos, o que iria pro-vocar a remoção de casas. A comunidade Al-daci Barbosa, que fica na região, seria atingida, mas, depois de muita resistência por parte dos moradores, a estação mudou para o outro lado da rua, o que reduziu o número de 250 casas desapropriadas para 20.

Mas porque os moradores querem tanto ficar? Para a presidente da Associação de Moradores, Elizabeth Santos Oliveira, boa vizinhança e segurança contam. “Todo mundo aqui é conhecido. Acho que é por isso que não tem tanta violência”. Beth, como é conhecida, nasceu e se criou na comunidade, lugar de boa localização e fácil transporte. “Pra muitos lugares você pega só um transporte”.

A mãe de Beth, dona Francisca Vieira dos Santos, de 84 anos, mora do outro lado do trilho. “Só quero fazer minha viagem pra vida eterna”, responde quando questionada sobre a possibilidade de remoção. Há 53 anos na Aldaci Barbosa, foi morar na comunidade quando as casas ainda eram de taipa. A mora-dia de tijolos foi uma conquista que veio de-pois, com a ajuda dos filhos, que auxiliaram na construção. “Tá nas mãos de Deus. O terreno não é meu, mas a casa é minha”, diz Francisca encostada na grade de sua casa.

Mãe de cinco filhos, Francisca tem visto a família crescer com a comunidade. “É só nascendo bisneto, só esse ano foram três”, totalizando seis. “Eu já me acostumei aqui, aqui é calmo, todo mundo é meu amigo”. Ela teme que os laços de amizade construídos na comunidade não sejam mantidos em outro bairro. “Vai morar nesse meio de mundo, onde não conhece ninguém. Mais tarde faz amigo, mas é mais difícil”. E ressalta. “Me sinto bem em minha moradia. Acho minha vida maravilhosa”.

Maria Themes vive há 25 anos na comu-nidade e também não vê nada positivo nas remoções. “Minhas filhas estudam perto, eu trabalho dentro de casa... Ninguém tem inter-esse de sair daqui”. E reclama da indenização oferecida pelo do Governo do Estado. “Dê o valor justo pela casa. Prefiro isso que o aparta-mento. Onde é que vou arranjar uma casa de 40 mil?”. A moradora se refere ao condomínio prometido em Messejana e à indenização das casas no valor de até 40 mil reais.

A comissão de luta

Na comunidade Lauro Vieira Chaves, no bairro Vila União, há uma comissão contra a remoção das famílias, composta por nove moradores eleitos, entre eles Samuel Queiroz, José Maria, Ivanildo Teixeira e Pedro Barbosa. Quando nos receberam, os quatro demonstraram sentimento de revolta em relação às remoções, mas esperança, pois o projeto sofreu mudanças e reduziu o número de famílias atingidas.

“Devido à pressão das comunidades, revi-ram o projeto”, afirma o agente de endemias Samuel. Ele reclama que, ao propor as re-moções, o governo não fez um estudo apro-priado. “Fizeram estudos de imóveis e não de quantas famílias moram aqui, quantas creches e escolas têm na comunidade”, afirma. O grá-fico José Maria reforça: “Era pro governo estudar quais as raízes sociais, os anseios e a história da comunidade. Era para eles verem tudo que tem aqui pra poder oferecer o mes-mo pra gente em outro lugar”.

“Na realidade, eu gosto daqui”, resume o aposentado Pedro Barbosa, que viu a comu-

nidade se formar, sendo um de seus funda-dores. Além da boa localização e do trans-porte acessível, todos têm uma ligação afetiva com o bairro. A comissão diz não ser contra a construção do VLT, mas a favor do direito dos moradores. “Não queremos barrar o VLT, queremos nossos direitos. E que o progresso venha, mas venha pra gente também”, ressalta José Maria.

Outros trilhos de resistência

A comunidade Trilha do Senhor também se mobiliza contra as remoções. A estudante de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará, Cássia Sales, mais conhe-cida como Cassinha, participa do Movimento

de Luta em Defesa da Moradia (MLDM), do qual fazem parte 14 comunidades. “A gente já participou de reuniões e audiências, procura-mos o Ministério Público, a Defensoria Pública do Estado. Muita coisa já mudou por causa da resistência”, afirma Cássia.

Para o professor de história Manuel Francis-co da Silva Júnior, conhecido como Manukelé, remoções como essa não levam em conta as-pectos importantes para os moradores. “Tem que avaliar a vida em comunidade, os laços afe-tivos que já foram criados. A perda não é sim-plesmente material, é a perda da historicidade e da identidade da comunidade. Isso dinheiro não paga”, conclui.

Foto: Maurício Moreira

IMPRESSOESTRILHOS14MObILIZAÇÃO

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Que “tudo perto” é esse?

Comunidades centrais: Aldaci Barbosa e Lauro Vieira Chaves

Quem mora na comunidade Aldaci Barbosa pode levar uma vida tran-quila andando a pé. Do lado da comunidade, muro com muro, os mora-dores têm acesso ao posto de saúde Roberto Bruno e a creche do CSU, o Centro de Cidadania Presidente Médici. Também Perto da Aldaci, um perto de ir andando, fica a escola estadual Geni Gomes e a escola municipal Papa João XXIII. Mais próximo de quem mora na Lauro Vieira Chaves ficam as escolas estaduais de ensino fundamental e mé-dio Cel. Professor José Aurélio Câmara e Manoel Cordeiro Neto

E quem tem criança doente? Da Aldaci Barbosa pode ir andando ao Hospital Infantil Albert Sabin, no bairro Vila União. Quem mora na Lauro Vieira Chaves tem que pegar ônibus, mas vai descer rapidinho, pois fica no mesmo bairro. Próximo ao Albert Sabin fica o Centro de Atenção Psicossocial (CAPSs) Maria Ileuda Verçosa e o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).

E terminal de ônibus? Perto não tem. Mas pensa que isso é desvanta-gem? Para a comerciante e moradora da comunidade Aldaci Barbosa há 25 anos, Maria Themis, isso mostra o quanto o lugar onde mora é cen-tral. “Aqui ninguém precisa de terminal para ir pra lugar nenhum. Com um ônibus você chega aos lugares principais”. Para chegar ao Centro ou Aldeota, por exemplo, os moradores só precisam pegar um ônibus e o tempo para chegar nesses locais é bem reduzido quando comparado ao tempo que seria gasto se tivessem que sair do bairro José Walter ou Messejana, locais onde as comunidades serão levadas após as remoções.

Comunidade Trilha do Senhor, a área nobre

Ter sua comunidade localizada na Secretaria Executiva Regional (SER) II é sinal de morar em uma das áreas nobres de Fortaleza e de ter que conviver com o enorme desnível social daquela região. A comuni-dade Trilha do Senhor fica na Aldeota, entre à Avenida Santos Dumont e à Avenida Padre Antônio Tomás.

É nessa região que está localizado o terminal de ônibus do Papicu, a três quadras da comunidade, menos de dez minutos caminhando. A partir do Papicu a locomoção para o resto da cidade é bem mais fácil, tem ônibus para diversos pontos da cidade. Além do terminal pertinho, o Hospital Geral de Fortaleza (HGF) fica a menos de 20 minutos, no cruzamento da Avenida Desembargador Moreira com Avenida Padre Antônio Tomaz. Por ali também encontramos a Procuradoria Regional do Trabalho da 7ª Região e o Parque Municipal da Cidade.

As escolas estaduais e municipais não ficam próximas como na Al-daci Barbosa e Lauro Vieira Chaves, mas estão a uma distância razoável, em bairros vizinhos. Alguns dos colégios públicos próximos a comu-nidade são as escolas estaduais Renato Braga, na Aldeota, a 2,8 km de distância da comunidade e a escola Barbara de Alencar, a 2 km da Trilha do Senhor, na Varjota.

Metrofor e Seinfra

A assessoria do Metrofor (Companhia Cearense de Transportes Metro-politano) declarou que somente poderá afirmar algo definitivo sobre quais casas serão afetadas, o valor da indenização e o destino das famílias a partir de junho, deste ano, quando acontece à reunião da entidade,da Secretaria de Infraestrutura do Ceará (Seinfra) e a Secretaria das Cidades, também es-tadual.

Ainda de acordo com informações do Metrofor, os dois bairros residen-ciais, José Walter e Messejana, que receberiam as famílias, já contam com a infraestrutura necessária em termos serviços de saúde, áreas de lazer e esco-las. Além de garantir que outros equipamentos serão construídos por conta do grande número de imóveis que a iniciativa privada está planejando para a região. A assessoria declara que, apesar das limitações de mobilidade da área, o governo buscou a melhor forma de fazer as remoções, mas não foi possível encontrar uma área que oferecesse os mesmos serviços.

Será montada uma equipe envolvendo as três entidades citadas para prestar assistência social aos afetados pelas remoções. De acordo com a Seinfra, não haverá remoções até que as unidades residenciais para receber as famílias estejam construídas.

Ter “tudo perto de casa” foi um dos principais motivos apontados pelos moradores das três comunidades visitadas pela equipe do Impressões. Mas que tudo perto é esse? A nossa equipe aponta a seguir alguns equipamentos públicos que ficam no entorno dessas comunidades

Elisabeth e o neto, Caio Gabriel. Elisabeth ainda não sabe se sua família

será removida, mas está envolvida na luta para permanecer na

comunidade onde vive, a Aldacir Barbosa.

Dona Francisca mora no Aldaci Barbosa próxima de suas duas filhas. Ela teme que a casa das filhas seja

removida e a sua não.

Foto

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Isadora RodriguesMaurício Moreira

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HISTÓRIa

Conversas de beira de portaMoradores da comunidade Trilha do Senhor contam um pouco da história do lugar

Há 60 anos, era formado o embrião das comunidades ao longo da linha férrea Parangaba-Mucuripe

Amanda Souto Maior

Mais do que integrantes da história da cidade de Fortaleza, a comunida-de Trilha do Senhor também carrega consigo trajetória própria e maneira peculiar de se desenvolver. Contada não por fontes oficiais ou datas espe-cíficas, a história é narrada através das lembranças dos moradores mais an-tigos. O desenvolvimento do lugar é guardado pelos que por ali chegaram primeiro.

Esperança, expectativas, lutas e vitórias marcam a fala de todos que chegaram quando morar para essas “bandas” da cidade era uma aventura. Os rostos mais antigos são facilmente localizados pelos que moram na co-munidade. D. Alzira, D. Albertina, D. Maria Jorge e Seu Edivaldo. Figuras que estão por lá desde que a comuni-dade só tinha casas de taipa e se cons-

tituía em uma fila “única” de casas ao longo dos dois lados do trilho.

Dona Alzira Vasconcelos dos San-tos, tímida no início da conversa, abre o portão de casa e se “escora” na beira-da da porta. Começa a contar as lem-branças dos 76 anos de vida. “Quando cheguei aqui, só tinha os trilhos e o mato”, conta. Ao longo do tempo foi construindo a casa que mora hoje. No início, ela conta que a casa era de tai-pa, sustentada com varas e barro. Nos 52 anos em que mora na comunidade percebe as mudanças pelas quais a área passou.

Quando Dona Alzira chegou, Dona Maria Teixeira da Silva já es-tava por lá. A senhora de 83 anos é mais conhecida como Maria Jorge. Ela chegou em 58, vinda do interior de Itapipoca. “O ônibus que passa-

va só vinha até a Virgílio Távora. Da Virgílio Távora para cá só era mato”, lembra. Ela conta que água, luz, sa-neamento, a estrutura que a comuni-dade tem hoje só foi conseguida ao longo dos anos. Durante muito tem-po, a água usada no dia a dia precisava ser buscada lá embaixo na avenida, em um chafariz perto do parque do Cocó.

Seu Edivaldo Alves Maia é um dos mais conhecidos e antigos da comuni-dade, chegou por lá em 46. A fama se deve pelo fato de ter sido o primeiro a ter uma televisão na comunidade. Já Dona Albertina Ferreira dos Santos, de 80 anos veio de São Benedito. “Ti-nha raposa, tinha cobra, eu criava até galinha”, conta ao lembrar como era a comunidade quando chegou na déca-da de 60.

O cinema do Seu EdivaldoAndré Thé

A Maria Fumaça se aproxima anunciando o anoitecer. Nesse tempo, aqui na tal Fortaleza, ainda provinciana, tudo que existia era mato, casas de tai-pa e trilhos. Após a chegada da energia elétrica, em meados dos anos 60, logo ali, próximo à antiga Avenida Estados Unidos, os proprietários de uma pequena creche escola na comunidade Trilha do Senhor decidiram colocar a venda esse espaço, que tinha formato de salão e guardava em seu interior carteiras estudantis. Seu Edivaldo, que era marceneiro, pedreiro, bombeiro e dono de bodega, comprou essa propriedade. A intenção dele era utilizar o local para exibir filmes e arrecadar dinheiro com a população que vivia naquelas redondezas.

Após comprar o salão, seu Edivaldo pegou o ônibus Aldeota com o seguinte objetivo: ir ao centro da cidade comprar a primeira televisão da Trilha do Senhor. Orgulhoso, chegou à comunidade, exibindo para todos a máquina dos sonhos. Ele colocou-a no centro do salão e tornou isso um negócio rentável, conhecido por Cinema do Seu Edivaldo.

Toda noite, após a passagem do trem Maria Fumaça, ele divulgava seu cinema: “Vem meu povim, assistir o filme de hoje, vai ser bão, é bem baratim,vem assistir o filmizim, é só cinquenta milreizim, para ficar sen-tadim”. E ficava na porta, com uma lata na mão, vestido com uma calça de pescador e uma blusa sem mangas, para receber o dinheiro do povo que ia assistir o tal filme. Porém, o que passava na televisão eram capítulos de no-velas da época, exibidos pela TV Tupi e Excelsior. E, quem queria assistir as duas novelas, Direito de Nascer e Sangue do meu Sangue, tinha que pa-gar duas vezes. O seu Edivaldo passava novamente o caneco cobrando os cinquenta mil reis aos moradores que haviam assistido à “primeira sessão”.

Alguns vizinhos dele acreditam que até hoje ele tem esse dinheiro guardado, pois todos os dias, em média, 50 a 60 pessoas assistiam o cine-ma do seu Edivaldo. Ele ligava a televisão sem protocolos, o salão ficava com as luzes ligadas, as portas abertas e povo sentado na carteira escolar. Ele considerava isso uma estratégia para atrair mais gente. E em preto e branco, seu Edivaldo assistiu novelas ou “filmes”, reuniu pessoas, dormiu, ganhou dinheiro e ficou para a história da comunidade Trilha do Senhor, um tanto imprecisa pelas falhas da memória de um senhor de 96 anos.

A procura por um lugar para ficar

Fernando Benevides

Ainda na primeira metade do século XX, a concentração urbana de For-taleza se resumia, basicamente, ao perímetro das avenidas do Imperador, Duque de Caxias e Dom Manuel. Na década de 50, aumenta o número de migrantes vindos do interior para a capital. O motivo principal é a maior freqüência de secas, que ganham des-taque nos anos de 1951, 1955 e 1958, fazendo com que boa parte da popu-lação do interior venha procurar abri-go na capital. Os pesquisadores Car-los Augusto e Lúcio Flávio relatam no blog Fortaleza Antiga que, em 1955, foram 2.773 cearenses que emigraram

para a capital. Ainda segundo os pes-quisadores, entre as décadas de 50 e 60, a população fortalezense cresceu 66%, chegando a 514.818 morado-res. Dessa forma, a periferia da cida-de começa a crescer em ocupação, e esse crescimento, a partir dos anos 50, toma um rumo: a zona leste da cidade.

Contudo, essa região do municí-pio de Fortaleza que, hoje, é bastante conhecida por conta de sua ocupação imobiliária era uma verdadeira flores-ta, com matagal espesso, riachos, du-nas e uma fauna diversificada. A elite da cidade também procurava formas de fugir da densa concentração urba-na do centro. Dessa forma, na década de 50, a Praia de Iracema e a Avenida Santos Dumont, na época chamada de Nogueira Acioli, ganharam novas construções. O bairro Aldeota, anti-go Outeiro, passou a ser o preferido da elite. Onde hoje estão as avenidas Dom Luís e Desembargador Moreira,

se formaram favelas que foram sendo expulsas até a década de 70 pela nas-cente especulação imobiliária.

A população pobre, formada por muitos flagelados da seca, não tinha muitas opções de onde se estabelecer. A partir de então, a solução para várias famílias, como acontece historica-mente em diversas cidades, foi ocupar as margens das linhas ferroviárias por onde passavam, na época, as marias--fumaças. Desde 1941, foi construída uma estrada férrea ligando o Farol do Mucuripe ao, na época, distrito de Parangaba, que no século XIX era uma vila independente de Fortaleza. O motivo da expansão ferroviária era a importância da estação de trem Ar-ronches, onde partia a Estrada de Fer-ro de Baturité, construída entre 1865 e 1872 para escoar a produção de café. No século XX, essa estrada era uma das poucas ligações do interior com a capital. A estação data de 1873. Em

1944, ela passa a se chamar Parangaba, local onde está sendo montada uma estação do metrô de Fortaleza.

Para a construção da linha férrea do Mucuripe, foi necessário remover o matagal que estava no local do seu percurso. Anos depois, muitas famí-lias viram, nas margens dos trilhos, uma oportunidade de ter onde cons-truir suas casas. Assim, foi formado o embrião das atuais comunidades que se encontram ao longo da linha do trem. Essas pessoas viram o espa-ço como terras sem dono, pois não eram loteadas, e se apossaram do lu-gar. A princípio, no final dos anos 50 e começo dos anos 60, as casas dessas primeiras comunidades eram cons-truções de palha. O local, no meio do mato, não tinha instalações de água, esgoto e energia. Mesmo com essas dificuldades, os primeiros morado-res não encontravam outra opção de onde residir.

Da esquerda para a direita, dona Alzira, dona Albertina, seu

Edivaldo e dona Maria Jorge, moradores

antigos da comunidade Trilha do Senhor

Foto: André Thé

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