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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE CURSO: PSICOPEDAGOGIA
INDISCIPLINA: FATO OU CONSEQUÊNCIA?
Por: Sandra Botelho Lazari
Orientadora: Mary Sue Carvalho Pereira
RIO DE JANEIRO
JUNHO/2004
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE
INDISCIPLINA: FATO OU CONSEQUÊNCIA?
Sandra Botelho Lazari
Trabalho monográfico apresentado como
requisito parcial para obtenção do grau de
Especialista em Psicopedagogia no projeto A vez
do Mestre da Universidade Cândido Mendes,
orientada pela professora Mary Sue Carvalho
Pereira.
3
Agradeço a Deus por tudo que tenho
conquistado, a minha mãe, que é exemplo
fiel de dedicação e amor e a todos os
meus familiares por suportarem as horas de
pesquisa e me estimularem a seguir em
frente.
4
Dedico este trabalho de pesquisa a
aqueles que acreditam que o amor
e a dedicação são peças fundamentais
ao desenvolvimento humano.
6
RESUMO
A indisciplina é um dos principais problemas da escola atual e uma das maiores
dificuldades com que se confrontam os professores.
Tendo por bases consultas bibliográficas sobre o assunto, observações e
representações dos orientadores de estágio, professores, equipe técnico-pedagógica e
alunos, isto é, todo corpo que compõe a escola, pretende-se nesse trabalho, refletir sobre
as competências de gestão da sala de aula que consideram necessárias para prevenir e
lidar com situações de indisciplina, as concepções sobre a formação inicial de
professores e suas principais dificuldades neste domínio.
A partir dessas reflexões, tecemos considerações sobre indisciplina lançando mão
de questionamentos como: Quais razões determinam o aumento do número de alunos
com comportamento escolar desviante? Serão problemas familiares? Serão os
regulamentos disciplinares da escola não aplicados de forma adequada? Serão os
próprios professores incentivadores da indisciplina? Desta forma, para obtermos
respostas aos questionamentos acima, consideremos a seguinte hipótese: Em uma
sociedade violenta, devemos considerar a questão da indisciplina na sala de aula como
conseqüência de uma série de nefastas influências sociais.
7
METODOLOGIA
Trabalho desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica, onde foram estudados
diversos autores selecionadas algumas de suas conclusões, abrindo-se a necessidade de
difundir o uso do procedimento de profissionais da área de educação com crianças que
apresentam problemas de indisciplina.
8
SUMÁRIO
Introdução, 9
Capítulo I: Indisciplina, sua natureza e manifestações, 10
Capítulo II: Causas Quais Seriam?, 12
Capítulo III: A violência no contexto escolar: Indisciplina, depredação e pichação, 19
Capítulo IV: A Complexidade e os desafios da indisciplina em sala de aula, 27
Capítulo V: Idealização das alternativas, 31
Capítulo VI: A postura do professor diante dos alunos em relação à disciplina, 36
Conclusão, 40
Atividades Culturais, 42
Bibliografia, 43 Índice, 44 Folha de Avaliação, 46
9
INTRODUÇÃO
À indisciplina, associa-se diversas influências sociais, cujos resultados são
mostrados muitas vezes de forma grave e perturbadora, determinando confusão e
desordem em diferentes espaços de convívio coletivo, como por exemplo na escola.
No capítulo I, a indisciplina é apresentada a partir de sua terminologia e
múltiplas interpretações. Sua natureza, tipos e manifestações são levantados como
fatores relevantes e constantes dentro da escola, juntamente com as causas geradoras de
atitudes desviantes, que vão desde questões familiares a governamentais.
No capítulo que segue é comentada a violência e a indisciplina no contexto
escolar, a partir de considerações dos autores Michel Foucault e Áurea Maria
Guimarães, os quais apontam a escola como incentivadora de indisciplina e controladora
da sociedade.
O terceiro capítulo mostra os desafios da indisciplina na sala de aula, a queixa e a
complexidade da questão na visão de professores, os quais buscam entender e superar o
problema apesar de apresentarem-se por muitas vezes desanimados.
A postura do corpo discente diante dos alunos em relação à disciplina é o foco do
capítulo IV, que afirma ser a relação afetiva e o diálogo interpessoal como chaves para o
trabalho disciplinador. À medida que os alunos exprimem seus sentimentos, num
ambiente de amizade e compreensão com professores, estes conseguem, com sucesso,
estabelecer disciplina.
Para obter-se disciplina, cabe à escola estabelecer regras e regulamentos para que
o trabalho educativo seja realizado de forma organizada e coerente. Entretanto, o que
nos preocupa é como essas regras são elaboradas e aplicadas, pois observamos que as
regras quase sempre partem da instituição escolar, sem a participação dos alunos e,
muito menos sem levar em conta a realidade sócio-cultural que nela está inserida.
10
CAPÍTULO I
INDISCIPLINA
1.1) Terminologia
O conceito de indisciplina é susceptível a múltiplas interpretações. Um aluno ou
professor indisciplinado é, em princípio, alguém que possui um comportamento
desviante em relação a uma norma explícita ou implícita sancionada em termos
escolares e sociais. Estes desvios são, todavia, denominados de forma diferente
conforme se trate de alunos ou de professores. Os primeiros são apelidados de
indisciplinados, os segundos de incompetentes.
“ A questão disciplinar é, atualmente, uma das dificuldades fundamentais quanto
ao trabalho escolar. O ensino tem como um de seus obstáculos centrais a conduta
desordenada de elementos da comunidade escolar, traduzida em termos como: bagunça,
tumulto, falta de limite, mau comportamento, desrespeito às figuras de autoridade, etc.”
(Aquino, 1996, p.38)
Indisciplina ou violência? A indisciplina pode implicar violência, mas não é
necessário que esta ocorra. É neste sentido que alguns autores distinguem vários níveis
de indisciplina, tais como: perturbação que afeta o funcionamento das aulas ou mesmo
da escola; conflito que afeta as relações formais e informais entre os alunos, que pode
atingir agressividade e violência, envolvendo, por vezes, atos de extorsão, roubo,
vandalismo e etc.; conflito que afeta a relação professor / aluno e que, em geral, coloca
em causa a autoridade e o estatuto do docente; vandalismo contra a instituição escolar
que muitas vezes procura atingir tudo aquilo que ela significa.
As afirmativas dos autores levam-nos a contestar a hierarquia da escola, na
medida em que a mesma conduz à naturalização das formas mais elementares de
indisciplina, assumindo-as como inevitáveis.
11
1.2) Natureza
Os alunos são indisciplinados por natureza ou porque as circunstâncias os
estimulam a assumir comportamentos desviantes? A esse respeito, podemos distinguir
duas correntes teóricas fundamentais:
Uma afirma que a indisciplina é uma tendência natural de todo ser humano,
estando inscrita em seu código genético, cabendo ao Estado, à educação e à cultura
atuarem como freio de impulsos anti-sociais. Estamos perante a uma velha teoria que
serviu a Thomas Hobbes para fundamentar a necessidade de um Estado forte, a Charles
Darwin para explicar a origem das espécies e a supremacia dos mais fortes, a Nietzche
para reclamar o poder aos que estão além do bem e do mal.
Outra corrente sustenta que a natureza humana é uma espécie de recipiente vazio,
pronto a ser preenchido pelos estímulos que recebe do exterior. Conforme a natureza
desses estímulos, formam-se os indivíduos. As circunstâncias determinam aquilo que
cada homem é. A contrapartida dessa visão igualitarista, sustentada pela primeira vez
pelos sofistas, foi o aparecimento de uma multiplicidade de métodos e técnicas para dar
forma à natureza humana.
Entre uma e outra corrente, existe uma multiplicidade de teorias que procuram
articular o inato com o adquirido, o biológico com o social, nos fazendo hoje pensar na
indisciplina como forma de romper ordens estabelecidas, não sendo encarada apenas de
forma negativa, podendo assumir funções criativas e renovadoras de práticas instituídas.
1.3) Manifestações
As manifestações de indisciplina tornaram-se uma rotina para qualquer professor.
São exemplos freqüentes de casos de indisciplina nas aulas: apatia do grupo; cochichos;
troca de mensagens e papeizinhos; exibicionismo; perguntas feitas de forma a colocar
em causa o professor ou a desvalorizar o conteúdo das aulas; discussões freqüentes entre
alunos, de modo a provocar agitação geral; comentários despropositados; silêncios
ostensivos; entradas e saídas “justificadas”.
12
São exemplos excepcionais de casos de indisciplina: agressão entre alunos;
agressão a professores; roubos; provocações sexuais, racistas, etc.; vandalismo.
CAPÍTULO II
CAUSAS QUAIS SERIAM?
Não é fácil fazer o inventário das causas da indisciplina na escola, já que seu
número não pára de aumentar, quase sempre tendo como suporte sólidas argumentações
científicas.
2.1 - Família
As causas familiares de indisciplina são muito relevantes. É aí que os alunos
adquirem modelos de comportamento, exteriorizando-os nas aulas. Em outros tempos, a
pobreza, a violência doméstica e o alcoolismo eram apontados como os principais
problemas que minavam o ambiente familiar. Hoje, aponta-se também à desagregação
dos casais, às drogas, à ausência de valores, à permissividade, à omissão dos pais na
educação dos filhos, etc. Quase sempre, alunos com maiores problemas de indisciplina
provém de famílias onde limites não existem.
A novidade está, contudo, na participação direta dos pais na violência que ocorre
nas escolas. Impotentes para lidar com a violência dos próprios filhos, muitos pais
culpam professores de incentivar a indisciplina, acusando-os de não saberem
“domesticar” os alunos. Freqüentemente, responsáveis estimulam e legitimam a falta de
disciplina na escola. Alguns vão mais longe e agridem física e/ou verbalmente
professores e funcionários.
2.2 - Alunos
O que faz com que o aluno seja indisciplinado? É preciso dizer que, muitas vezes
as razões de fundo não são do foro da educação. Em muitos casos, trata-se de questões
13
que deveriam ser cuidadas no âmbito da saúde mental infantil e adolescente, da proteção
social ou até do foro jurídico. O grande problema é que, muitas vezes as escolas não
conseguem fazer essa triagem. Tentam resolver problemas para os quais não estão
preparadas ou que sequer são da sua competência.
Todos os alunos são potencialmente indisciplinados, pois a escola é sempre
sentida como uma imposição por parte do Estado ou da família. É por isso que as aulas
são locais de constrangimentos e de repressão de desejos. Freud e Foucault dissecaram
esse problema.
Nesta perspectiva, o que acaba por diferenciar os alunos entre si é a atitude que
assumem perante essas obrigações. Numa classificação de inspiração weberiana, são
distinguidos três tipos de alunos: os obrigados-satisfeitos, que representa uma minoria
conformada com o que a escola lhes impõe; os obrigados-resignados, que representa
uma maioria adaptada ao sistema, procurando tirar partido de situações para alcançar
dois principais objetivos supremos: “gozar a vida” e “passar de ano”; os obrigados-
revoltados, que representa uma minoria de inconformados (ou maioria, conforme as
circunstâncias socioeconômicas do meio). Da família à escola e desta à sociedade,
colocam tudo em causa: valores, normas estabelecidas, autoridade, etc.
Não é fácil explicar as razões que levam uns a assumirem-se como conformistas
e outros como revoltados. A “falta de afeto” ou a “vontade de poder” são, por exemplo,
duas destas motivações. Há quem aponte também às tendências próprias de cada idade,
que transformam uns em “revoltados” e outros em “conformistas”.
2.3 - Grupos e Turmas
O grupo, enquanto conjunto estruturado de pessoas, tem uma enorme
importância nos processos de socialização e de aprendizagem dos adolescentes. A sua
influência acaba por ser decisiva para explicar certos comportamentos que os jovens
demonstram e que são resultados de processos de imitação de outros membros do grupo.
Certas manifestações de indisciplina não passam, muitas vezes, de meras manifestações
públicas de identificação com modelos de comportamento característicos de certos
14
grupos. Através de tais manifestações, os jovens procuram obter a segurança e a força
que lhes é dada pelos respectivos grupos, adquirindo certo prestígio no seio da
comunidade escolar. Nada que o professor não conheça. A turma é também um grupo,
sem que, todavia, faça desaparecer todos os outros aos quais os alunos se encontram
ligados dentro e fora da escola.
Numa sociedade em que os grupos familiares estão desagregados, o espaço do
aluno é cada vez mais preenchido por estes grupos formados a partir de interesses e
motivações muito diversas.
2.4 - Ministério da Educação
O Ministério da Educação é, atualmente, um dos principais promotores da
indisciplina nas escolas. Não apenas através da regulamentação que produz sobre a
questão, mas também nas medidas avulsas que toma ou na morosidade dos processos
que aprecia. A ineficácia do sistema é, neste domínio, um poderoso estímulo à
generalização de práticas desviantes.
Porém, esta não é a única questão a considerar. As equipes que têm dirigido o
Ministério da Educação são também responsáveis pela promoção de uma cultura de
irresponsabilidades.
Um exemplo de irresponsabilidade são as sucessivas mudanças realizadas no
sistema educativo, que acontecem, em geral, de forma atribulada e inconseqüente. Como
é sabido, a máquina do Estado caracteriza-se há muito por ser ineficaz e ineficiente, sem
que se apurem responsabilidades pelo que quer que seja. O Ministério da educação não é
exceção, pelo contrário é um dos exemplos paradigmáticos desta situação. A imagem
que passa é a de uma casa em convulsão permanente. Cada novo ministro procura deixar
a sua marca numa nova reforma que nunca é concluída, nem sequer avaliada. A
mudança contínua de dirigentes, aliada à ausência de uma avaliação do seu desempenho
permite a mais completa impunidade e o constante improviso. Os serviços do próprio
Ministério não funcionam e dificilmente são reformáveis. Tudo isto acaba por veicular
nas escolas e na sociedade a idéia que a educação é um domínio pouco sério.
15
A prática corrente de um discurso que desresponsabiliza os dirigentes e os
serviços do Ministério, e que acaba sempre por imputar a responsabilidade pela pouca
eficácia do sistema aos professores é um outro exemplo de falta de compromisso do
Ministério com a educação. Ao escamotear-se, desta forma, outros atores do processo,
criam-se zonas cinzentas em todo o sistema. Desmotivam-se uns e fomenta-se a
impunidade de outros. O resultado final só pode ser o aumento da permissividade no
cumprimento de normas mais elementares.
2.5 - Escola
“A visão, hoje quase romanceada, da escola como lugar de florescimento das
potencialidades humanas parece ter sido substituída, às vezes pela imagem de um campo
de pequenas batalhas civis; pequenas, mas visíveis o suficiente para incomodar.”
(Aquino, 1996, p.42)
A organização escola está longe de ser um modelo de virtudes. Funciona, em
geral, de modo pouco eficaz e eficiente. A excessiva dependência do Ministério da
Educação tende a reduzir os que nela trabalham a meros executantes, sem capacidade de
resposta para a multiplicidade de problemas que enfrentam.
No passado, a contribuição dada pelas escolas para a indisciplina assentava-se na
questão da seleção que operavam. As escolas eram acusadas de discriminar os alunos à
entrada e na constituição das turmas. A fazê-lo, criavam focos de revolta por parte
daqueles que legitimamente se sentiam marginalizados. A questão é ainda colocada, mas
não com a acuidade que antes conheceu.
Há muito que a escola deixou de ter um papel integrador dos alunos. Embora seja
um espaço onde estes passam grande parte de seu tempo, nem sempre nela chegam a
perceber quais são os seus valores, regras de funcionamento, etc.
Na verdade, as escolas estão mal preparadas para enfrentar a complexidade dos
problemas atuais, nomeadamente os que se prendem com a gestão das suas tensões
internas. A crescente participação de alunos, pais, entidades públicas e privadas nas
16
decisões tomadas nas escolas tornou-se uma fonte de conflitos, que não raro acabam por
gerar climas propícios à indisciplina.
As Associações de Pais, quando funcionam, encaram muitas vezes os professores
como um bando de incompetentes que aproveitam todas as ocasiões para se furtarem às
aulas. Repetem-se por todo o país os casos de membros destas associações que, tirando
partido da sua posição, exercem pressão junto aos professores para beneficiar seus
filhos.
2.6 - Programas
A motivação é um dos fatores fundamentais para o sucesso da aprendizagem. E
para que a motivação exista nas escolas, é necessário que os programas sejam próximos
da realidade vivenciada pelos alunos e com temas agradáveis.
Qualquer programa escolar deverá ser bem empregado pelos profissionais
envolvidos. Caso isso não ocorra, poderá haver situações de frustração, desmotivação,
potencializando situações de crescente indisciplina.
2.7 - Regulamentos Disciplinares
“O que é disciplina? O que é sua negação, indisciplina? Não é tão simples. Se
entendermos por disciplina comportamentos rígidos por um conjunto de normas, a
indisciplina poderá se traduzir de duas formas: a revolta contra essas normas, o
desconhecimento delas.”
(Taille, 1990, p.104)
Um regulamento disciplinar é tudo e não é nada. Os professores imaginam-se
com ele a salvo de muitos problemas de disciplina, e por isso procuram torná-lo o mais
completo possível. O aumento de sua extensão cresce na mesma proporção direta de sua
inaplicabilidade. A questão é, todavia, meramente ilusória. Os professores partem do
pressuposto de que será acatado por seus alunos, dado que foi aprovado pelos
17
representantes, e que, desta maneira, se conformarão ao que nele estiver prescrito. Para
os alunos, contudo, o regulamento não existe. O que impera na escola é a vontade dos
professores e do Conselho Executivo. O regulamento será sempre mais um instrumento
do seu poder discricionário.
2.8 - Professores
“Disciplina evoca silenciamento, obediência, resignação. Porém, de acordo com
o trabalho do professor, pode provocar movimento, força afirmativa, vontade de transpor
obstáculos.”
(Lajonquière, 1993, p.17)
Há professores que provocam mais indisciplina que outros. As razões porque isso
acontece são variadas, mas quatro delas são freqüentemente citadas: a falta de
capacidade para motivar os alunos; o despreparo para lidar com situações de conflito; a
forma agressiva como tratam os alunos, estimulando reações violentas; a estigmatização
e a rotulagem dos alunos.
A estas razões, junta-se a crescente feminização do corpo docente, que se não
estimula, certamente não facilita a questão da indisciplina, afirmam os especialistas.
2.9 - Sociedade
Há séculos que se aponta uma série de nefastas influências sociais para explicar
certos comportamentos violentos dos jovens. As práticas de diversão estão, em geral, à
cabeça neste inventário das fontes de uma cultura de violência. No passado, referiam-se
aos combates e touradas. Mas o problema ultrapassa a diversão. As nossas cidades são
particularmente violentas. A única forma de sobreviver é assumindo esta cultura de
conturbações. E a tudo isto, junta-se um outro elemento de peso: o individualismo
hedonista. Obter o máximo prazer no mais curto espaço de tempo, não importando os
meios.
18
2.10 - Grupos Sociais Problemáticos
As escolas públicas, hoje, são freqüentadas por populações escolares muito
heterogêneas, contando, no seu seio, com um crescente número de alunos que provém de
grupos sociais onde subsistem, freqüentemente, graves problemas de integração social
(ciganos, negros, etc.).
Apesar da especificidade dos problemas destes alunos, a escola recusa-se, por
uma questão ideológica, a tratá-los de um modo diferenciado. A democratização do
tratamento não elimina os problemas de socialização. Resultado: os problemas são
transplantados para dentro da sala de aula.
2.11 - Ideologias
A abordagem da questão da violência não pode ser divorciada das ideologias
políticas.
As ideologias de direita sempre defenderam o primado da ordem e da
responsabilidade individual. O combate à indisciplina é uma bandeira que sempre lhes
foi cara. As ideologias de esquerda tendem a ser mais tolerantes com a questão da
indisciplina dos alunos. O problema é encarado como mero reflexo de questões de
natureza social, os alunos acabam por ser vistos como “vítimas” e não como
“responsáveis”. O resultado é a adoção de práticas “desculpabilizadoras”, “permissivas”,
etc. Trata-se de uma caricatura, mas como tal é largamente difundida.
19
CAPÍTULO III
A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR:
INDISCIPLINA, DEPREDAÇÃO E PICHAÇÃO
Michel Foucault, em seu livro “Vigiar e Punir”, que trata das instituições penais a
partir dos séculos XVII e XVIII, referindo-se ao esquadrinhamento disciplinar da
sociedade, contribuiu enormemente para o avanço da teoria da violência, ao elucidar a
política de coerção, de dominação, por meio de vigilância e punição sobre o intelecto,
sobre a vontade, sobre as disposições e sobre as paixões dos indivíduos. Já Áurea Maria
Guimarães, em sua obra “Vigilância”, punição e depredação escolar, aponta o fato de a
escola funcionar como prisão, esquecendo-se da tarefa de educar o cidadão. Aponta a
crise da educação, que é evidenciada no Brasil e, com base na obra de Foucault,
denuncia os regulamentos rígidos e opressivos que levam os alunos à evasão escolar e a
uma crescente depredação da escola.
A autora narra os atos de vandalismo que os prédios escolares sofrem. Em
resposta a esse vandalismo vem, como reação por parte da instituição, a vigilância, a
construção e ampliação de muros e do serviço de segurança, intensificação de rondas
policiais, etc.
Áurea Maria Guimarães, ao descrever a depredação de um prédio escolar, traz a
narrativa da associação da pobreza à periculosidade do bairro onde a escola está
inserida, onde há uma relação tácita entre depredação – marginalidade – pobreza.
Constam-se algumas semelhanças entre os processos de vigilância e punição
descritos por Foucault com relação ao século XIX e os que ocorrem nas escolas de hoje.
Dos estudos realizados por Guimarães, resultam algumas hipóteses levantadas a partir
dos enfoques analisados:
• “A escola possui em sua organização o germe do controle, onde
todos são vigiados e vigiam ao mesmo tempo;
• Neste sistema de vigiar, há uma relação entre vigilância, punição e
depredação escolar;
20
• O sucesso da escola depende diretamente da sua eficácia como
instituição normalizadora, controladora de comportamento. Em
virtude do currículo a ser cumprido na escola atender os objetivos
ideológicos das desigualdades sociais, esta nada tem a ver com as
expectativas e interesses dos alunos das classes subalternas;
• Vigiar e punir são conseqüências diretas das estruturas burocráticas
vigentes nas escolas;
• A escola estabelece diferenciação de comportamentos individuais,
apontando eficazmente quem é o marginal, o favelado, o
maloqueiro, colocando nestes a causa dos problemas disciplinares;
• Na escola, pune-se e vigia-se para padronizar comportamentos.”
(Guimarães, 1996, p. 73)
Na escola e na prisão, de acordo com Foucault e Guimarães, a disciplina é
recompensada pelos jogos das promoções, que permitem estabelecer hierarquias e
lugares. Pune-se, rebaixando e degradando. A penalidade, hierarquicamente tem dois
efeitos: distribuição dos alunos de acordo com suas aptidões e comportamentos; colocar
pressão constante sobre os alunos, para que se submetam ao mesmo modelo, à
subordinação, à docilidade, etc.
Nos desvios do modelo uniforme, da padronização do comportamento, aplica-se
o castigo disciplinar como corretivo, através de pequenas penalidades. Tais corretivos
para redução dos desvios versam sobre: desatenção, negligência, falta de zelo, maneira
de ser (grosseria ou desobediência), tagarelice, insolência, sujeira do corpo, gestos
desconformes, imodéstia e indecência na sexualidade, etc.
Foucault denomina de uma “anatomia política”, uma mecânica de poder em que
as disciplinas se constituem em métodos que permitem minucioso controle das
operações do corpo do aluno, e que lhe impõe uma relação servil de docilidade /
utilidade. Desta forma, os métodos de gratificação são: boas e más notas, bons e maus
pontos, etc. Assim, as disciplinas se constituem em técnicas que fabricam indivíduos
úteis ao sistema dominante na consecução de papéis ideológicos.
21
As técnicas de individualização dos sujeitos na escola abrem brecha para um tipo
de saber específico acerca do homem. Ao vigiar e ao conhecer cada aluno, a escola se
torna um local importante de observação para o sistema convencional. Anotar o
desempenho dos alunos em cadernetas ou boletins individuais, se constitui numa prática
que implica em mantê-los sob olhar permanente. Com isso, o ato de vigiar fica inserido
na essência da prática escolar. Documentar individualidades se traduz em um eficiente
meio de controle, de dominação. A vigilância se constitui no suporte básico das práticas
políticas disciplinares para formação dos domínios do saber.
A escola é um instrumento, também ideológico, que produz poder organizado por
intermédio da vigilância. Um poder múltiplo, anônimo e automático que atua sobre os
indivíduos, colocando em funcionamento uma rede de relações.
Guimarães nos ensina que a escola associa depredação com marginalidade, com
delinqüência, com mau aluno, com maloqueiro, etc., em razão do interesse dessa mesma
escola residir nos seus resultados enquanto instituição controladora da sociedade.
Foucault nos ensina que o poder de punir não é essencialmente diferente do de
educar. O bom aluno, por esta ótica, é aquele que é dócil, servil e não depreda a escola,
não faz pichação e nem outros atos vândalos. O controle dos desvios dos alunos,
enquanto indivíduos, é o que a escola visa.
A escola que a legislação diz existir é democrática, está aberta a todos, com
ensino obrigatório, onde o ponto de partida é igual para todos e o sucesso depende do
esforço e da inteligência de cada um. Mas, na escola real, constata-se que uma parte
somente é que é educada; a outra parte é excluída e marginalizada. O acesso à escola não
é igual para todos e, além de tudo isso, a escola convence que os que fracassam o fazem
porque são incompetentes, inferiores, etc.
A escola que aí existe trata de maneira igual alunos que são desiguais, por se
encontrarem em situação desigual. Não leva em conta o cotidiano destes, nem sua
contextualização marcada por indiferenças culturais e materiais gritantes, ditadas pela
injustiça social emergente da ordem econômica.
A escola dos dias atuais, fechada, protegida por muros, grades, vigilância e
punição, se constitui num mundo à parte, onde o acesso dos alunos é cuidadosamente
22
controlado, cujos papéis de cada um já estão mecanicamente pré-estabelecidos, já com
destinos traçados.
“A escola que aí está, a real, com professores desmotivados, com sua dignidade
ética, moral, econômica e social ameaçada pelos salários corroídos, descontentes com as
más condições de trabalho, mal preparados, cansados, frustrados, etc., se torna um lugar
do ‘faz de conta’, onde os alunos, pais de alunos, professores e comunidade em geral
aceitam, de forma majoritária, o sistema escolar da maneira como está, com suas práticas
e normas habituais, onde o funcionário faz de conta que trabalha, o aluno faz de conta
que aprende, o professor faz de conta que ensina, o coordenador faz de conta que
coordena, o diretor faz de conta que dirige, o supervisor faz de conta que está tudo certo,
o delegado homologa, o secretário de educação faz de conta que os profissionais de
educação estão contentes e o governo faz de conta que paga bons salários a todos, com
pisos reais e tetos maximizados.”
(Guimarães, 1996, op. cit, p.89)
Os conteúdos, aquilo que se ensina, não são programados em função de quem
aprende, mas sim com a intenção nítida de promover o mecanismo da seleção. Não
levam em consideração a realidade cultural dos alunos vitimados pela pior das
violências, que é a injustiça da desigualdade social. Desta forma, os conteúdos são
programados de maneira a atender as atividades intelectuais, o raciocínio abstrato, em
compartimentos rigidamente hierarquizados, priorizando a inteligência racional em
detrimento dos demais tipos de inteligências.
Deste modo, os alunos em exercícios de aprendizagem não conseguem perceber
o sentido ideológico e nem a utilidade do trabalho que lhes é imposto. Como suas
tarefas, os exercícios escolares, não trazem em seu bojo uma justificativa, resta a eles
apenas aceitar com passividade e temor, a sentença através do julgamento do professor,
para poderem formar um julgamento falso acerca deles mesmos.
A escola real, da forma que aí está, estruturada para a classe média, vitimiza o
aluno da classe pobre ao promover um ensino onde o aprendizado é adquirido através de
cada um por si, em apologia ao individualismo, em detrimento ao trabalho coletivo, da
23
cooperação e da solidariedade. Desta forma, estimula a competição, robustece o ego e o
germe da violência, contribuindo, assim, para tornar a sociedade violenta.
Nesta escola vitimizante, há a supervalorização do trabalho intelectual em
detrimento do manual, submissão, hierarquização de tarefas, etc. Nesta, só o professor é
detentor do saber e há um zelo profundo pela ordem estabelecida, onde a vigilância e
punição levam ao aluno o medo do conflito, do confronto, o temor de contradizer
alguém, de errar, etc.
Conclusivamente, deve-se dizer que o objetivo maior da escola deveria ser a
formação do cidadão ético, juntamente com a democratização. Porque sem homens
íntegros, éticos, não pode haver democracia. Entretanto, percebe-se que o objetivo da
escola vitimizadora tem sido o de formar uma minoria privilegiada, que ela entende ser
mais capaz de aprender, por ser mais esperta. Então, com base na meritocracia e nos
dons inatos, a escola dá à massa privilegiada a capacidade de pensar, planejar, dirigir,
dar ordens a outros, etc.
Os objetivos de formação do cidadão e da democratização do ensino, que
consistem em oferecer ao aluno, vindo do meio desprivilegiado, as mesmas
possibilidades de êxito, ficam prejudicados. Assim, a escola vitimizadora acaba, na
realidade, preparando para o Estado trabalhadores desqualificados, consumidores
descomedidos, clientes submissos, administradores ajustados aos fins do sistema, etc.
Porém, se a escola não é democrática na sua prática cotidiana, como poderá
formar um cidadão íntegro, ético, para compor uma sociedade verdadeiramente
democrática? Como poderemos atingir a plenitude democrática, se lá, no local onde
devemos aprender lições de democracia, há uma instituição que ideologicamente ceifa
aos pobres as oportunidades de participação nas tomadas de decisões, no destino do país,
ao excluí-los de suas fileiras, ao negar-lhes o saber elaborado?
As exigências do sistema econômico e produtivo determinam os conhecimentos e
aptidões que devem ser adquiridos em cada contexto sócio-cultural e quais valores e
modos de comportamento devem ser transmitidos à clientela escolar. A raiz do problema
está na função que a escola desempenha a serviço do sistema dominante. O problema
maior do fracasso escolar está fora da escola e a maioria de seus profissionais, de seus
24
alunos e da comunidade em geral não consegue perceber isso, por ausência de uma
consciência dialética, por ausência de senso filosófico, etc.
Apesar da função ideológica da escola vitimizadora, ela não é estática e nem
intocável. De repente, ela pode, se quiser, ensinar aos alunos de uma maneira
didaticamente construtiva, a andarem juntos, independente da classe social, manterem-se
juntos, trabalharem juntos de forma compartilhada e solidária, deixando de lado o rigor
competitivo que está calcado no individualismo egocêntrico.
Apesar de tudo, a escola, por não ser estática e nem intocável, vem mudando ao
longo dos tempos e assumindo a forma, em cada momento histórico, que os movimentos
de transformações sociais têm-lhe configurado. Ela tem sido sempre impulsionada por
tensões, conflitos e esperanças, sempre determinada por pressões dos grupos sociais, das
invocações científicas ou de necessidades econômicas, adaptando-se sempre aos novos
tempos.
Só que até hoje, esta escola que sempre mudou conforme as exigências de cada
época, atrelada ao poder dominante, nunca se qualificou, ao bem da verdade, para
transformar o homem e, conseqüentemente a humanidade, para um novo comportamento
de cooperação, de associativismo e solidariedade. Isto é, já no terceiro milênio, a escola
convencional não conseguiu ainda educar o homem, elevando-o a um grau maior de
humanização, de conscientização, de solidariedade universal, de libertação do
materialismo sistêmico, etc.
Para início de uma educação libertadora, rumo a uma sociedade humanamente
solidária, é preciso que haja uma profunda reflexão por todos os envolvidos no sistema
escolar acerca do papel do professorado, do lugar onde está inserido e de uma
modificação de sua conduta dentro da sala de aula, deixando de estar a serviço do
sistema, para sempre se colocar a serviço do ente social do sistema.
Este novo modelo de escola antiviolência, voltada para a construção da
emancipação do desvalido social, passa por uma crítica da instituição escolar, levando os
educadores ao interesse de outras dimensões do ensino, de uma pedagogia
revolucionária, mais participativa, mais criativa, democrática e libertária.
25
Em razão do atrelamento da escola aos interesses dos grupos que dominam a vida
social, cultural e econômica da nação, e por legitimar as diferenças sociais, o sistema
escolar não oferece educação e não forma ninguém.
Uma escola que quer educar deve refletir sobre o sistema de punição, verificar
que a penalidade não visa punir o que o aluno fez somente, e não tem por objeto a
revisão de atos que estejam prejudicando o seu desenvolvimento pessoal, mas o que se
procura é controlar o comportamento, neutralizando as possíveis disposições para
rebeldia, desordem, perigo, etc.
A escola que pretenda ser educativa deverá fazer uma profunda reflexão junto
com os seus alunos acerca das causas dos atos inconseqüentes destes, porque isso
acarreta do desenvolvimento da consciência crítica dos elementos que participam do
processo ensino-aprendizagem, envolvendo a escola enquanto instituição, e outros
órgãos a ela ligados.
Em educação, no sentido restrito da palavra, só tem sentido punições, em última
instância, como sendo aquelas que visam melhorar o relacionamento humano dentro da
escola, ampliar o esforço de grupo e a solidariedade. Portanto, é preciso desenvolver nas
escolas a prática da reflexão coletiva, da crítica construtiva, para se acercar das causas
dos riscos nos carros dos professores, das pichações, das depredações, do uso de drogas,
da violência generalizada, etc., perguntando aos estudantes: Por que as dependências da
escola são pichadas, depredadas, etc? Por que cresce o tráfico e o uso de drogas entre os
alunos? Por que tem aumentado a agressão e a violência entre os estudantes no interior
das unidades escolares?
Há necessidade urgente desse tipo de discussão para que se chegue à essência dos
fatos, partindo-se de sua aparência para o desvendamento da realidade, que
ideologicamente foi ofuscada. O carro riscado, o aluno problemático, o professor bravo,
os pais aborrecidos e o confronto das pessoas envolvidas podem representar o início de
uma ação para se saber quem é que está por detrás de tudo isto.
Não se pode erradicar a violência da sociedade, da forma como se tentou até
hoje, atacando-a no efeito. É preciso atacá-la no seu nascedouro, na origem, na causa. E,
para isso, precisamos saber onde ela nasce, coisa que a escola convencional não ensina
26
às crianças. Não ensina porque não sabe. E não saber porque não quer saber a
verdadeira, a crua realidade dos fatos.
Para acabar com a violência social, é preciso que a escola ensine aos alunos,
crianças e adolescentes, entre estes, aqueles que ainda não se tornaram demasiadamente
violentos, a maneira como não se prostituírem socialmente com a violência generalizada
do mundo adulto, a não se tornar violento como mais uma vítima do sistema. E, é
preciso ensinar a quem já se contaminou com o vírus da violência, com os “eus” da ira,
da ambição, da inveja, do orgulho, etc., a técnica de erradicação desses defeitos, por
intermédio do sistema de revolução da consciência, que começa com a prática da auto-
observação. É preciso ter a coragem de ensinar às crianças que a violência de concentrar
bens materiais, no modelo econômico injusto, é responsável pela violência escolar, pela
violência infanto-juvenil, pela violência senil, pela violência social, pela violência
familiar, racial, etc., e mostrar onde ela se inicia, no interior de cada um de nós, através
dos agentes componentes do ego.
Para se estancar a violência vigente, seria necessário promover a transformação
do modelo econômico que aí está. Mas, para transformar este modelo vigente, promotor
da violência pluridimensional, é preciso transformar o homem que o dirige. E, este não
se transforma sem a erradicação do ego de dentro de si.
27
CAPÍTULO IV
A COMPLEXIDADE E OS DESAFIOS DA
INDISCIPLINA EM SALA DE AULA
A queixa dos professores em relação à indisciplina tem sido muito forte.
Podemos citar, a título de ilustração, alguns depoimentos.
“A falta de interesse está muito grande. Os alunos estão dispersos, não respeitam
mais o professor, estão vivendo em outro mundo. A tecnologia avançou demais e o
professor infelizmente não acompanhou, ficou desinteressante para eles.
Os alunos estão acostumados a apertar o botão do videogame, do computador, a
ver televisão e aí aparece o professor com apagador e giz. O professor não está
conseguindo ter domínio, as aulas estão muito no passado, muito antigas. Os meios de
comunicação, ao invés de ajudar, estão atrapalhando. Não está existindo liberdade com
responsabilidade.
As crianças de hoje são mais espertas do que antigamente. A família não tem
cobrado, os alunos vêm sem limites de casa. Geralmente, há até conivência dos pais: o
professor nunca tem razão. Há muitos problemas familiares. A própria família não sabe
o que fazer; a mãe fala: o que eu faço com ele? Vou matar?
A indisciplina em sala de aula extrapola totalmente e aí não tem jeito, só se
bater, e bater não pode, afirmam alguns professores.
Por que se dá tanta regalia para os alunos e o professor é tão esfolado em sala de
aula? Como manter uma aula decente se não há material pedagógico, não há condições
de trabalho, não há nada? Tentar punir o aluno não pode porque a direção não deixa, o
Estado não permite, os pais não permitem... Há também a indisciplina social. Há muita
impunidade na sociedade: as pessoas fazem coisas e não acontece nada com elas. Falta
perspectiva ao jovem, que não sabe para que estudar.
Às vezes, muitos de nós, profissionais da área, ficamos desmotivados por não
ganharmos tão bem: ‘Ah, para que eu vou mudar? Para que fazer meu planejamento
assim? Uso o do ano passado!’ O que fazer quando o aluno desrespeita o professor e
depois diz: ‘não me amole que hoje já fumei maconha’? Como explicar que a classe é
disciplinada com determinado professor e não é com outro? É preciso ver os métodos
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que utilizam. Na verdade, continuamos com métodos elitistas e arcaicos. O que é para
nós disciplina? É a prática do silêncio?”
(Motta, 1999, p.18)
Podemos perceber alguns focos da queixa: o aluno, seu desinteresse decorrente
da tecnologia a que tem acesso fora da escola; os meios de comunicação e sua influência
negativa; a família e o não cumprimento de seu papel; a escola que não apóia o
professor; a sociedade e sua (des)organização; e, depois de um certo tempo, chega-se a
colocar em questão a própria relação pedagógica.
Só por este breve levantamento, podemos ver como o problema da disciplina está
ligado a uma série de outras questões. Não dá para falar de disciplina de uma forma
isolada em relação à realidade maior.
4.1) Complexidade
A questão da indisciplina pede, para seu enfrentamento, a ajuda de um conjunto
de áreas do conhecimento, como Sociologia, Antropologia, Psicanálise, Ética, Política,
Psicologia, Economia, História, Tecnologia, Comunicação Social, além dos próprios
saberes pedagógicos. Outro fato a ser considerado é que a disciplina é apenas um
aspecto do processo de educação escolar, que por sua vez também é extremamente
complexo e exigente.
Que outra atividade humana apresenta tal nível de complexidade? O problema do
professor é que ele é um sujeito concreto, não é anjo ou um ser abstrato, que trabalha
com alunos também concretos, numa realidade concreta. Se não fosse isto, tirando a
concretude do real, seria superfácil ser professor, em contrapartida não haveria
necessidade de sua existência.
Temos uma clareza: ser “doador” de aula, “tomador” de conta de aluno é fácil,
mas ser professor, no seu sentido radical, não é fácil não. Por isto o professor precisaria
ser muito bem formado e muito valorizado.
De certa forma, o professor “já sabe” o que deve fazer. Em algum momento de
sua vida já ouviu falar ou vislumbrou uma possibilidade de como deveria agir. No
29
entanto, muitas vezes não o faz. Por quê? Não acredita mais profundamente, não está
convencido da proposta em si (sem segurança de que seja o caminho correto), ou da
eficácia da proposta (achando que talvez seja muito pouco em relação ao tamanho do
problema, que não vai resolvê-lo); não sabe como fazer; não vê condições para fazer.
O fazer do sujeito depende do querer e do poder, que se relacionam
dialeticamente, já que, por exemplo, o não ver possibilidade acaba diminuindo o desejo
de fazer. O poder, por sua vez, tem uma base objetiva, que são as condições mínimas
para a ação; e uma base subjetiva, que é o saber fazer. Há também aqui uma relação
entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva pode ser alterada justamente pela
ação consciente do homem, portanto orientada pela base subjetiva.
Qual seria então o papel da reflexão? Procurar resgatar o professor como sujeito,
seu desejo, projeto, sentido, prazer; desmontar alguns mitos que funcionam como
obstáculos epistemológicos; apontar alguns caminhos, alternativas, que estejam ao seu
alcance, em termos tanto de processo quanto de propostas de ação.
O problema da indisciplina angustia cada dia mais os educadores em geral e os
professores em particular. A grande pergunta que está na cabeça de todos é: o que fazer?
Embora esta questão seja da maior importância e deva ser respondida, entendemos que,
antes, outras duas devem ser enfrentadas: o que está acontecendo? O que queremos? É
comum ouvirmos o seguinte: Já sabemos bem qual é o problema até porque sofremos na
pele. Queremos é solução! No entanto, o que temos observado é que padecemos, mas
não compreendemos o problema. Talvez, se praticássemos as idéias de José Sérgio de
Carvalho para trabalhar a disciplina, teríamos sucesso conquistando um passo em
direção à resolução do problema. Tais palavras dizem:
“O trabalho do professor não é o de fixar, através de certas receitas,
comportamentos invariáveis, mas o de criar, segundo seus objetivos e as características
daquilo que ensina, disciplinas e métodos de ação e pensamentos que consideramos
valiosos. Ter um método para transmitir disciplinas não é ter um discurso sobre a
disciplina, mas é criar uma maneira de trabalhar! Tal maneira será tanto mais eficaz
quanto mais o professor tiver clareza de objetivos e procedimentos dos conteúdos ou
áreas de conhecimento com os quais deseja trabalhar. Nesse sentido, o problema da
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disciplina escolar coloca-se do âmbito e da perspectiva moral e comportamental para
situar-se no âmbito da apropriação de práticas e linguagens públicas, em cuja difusão
reside a principal atividade das instituições escolares.”
(Carvalho, 1996, p.129)
4.2) Como entender a questão da indisciplina escolar?
Antes de mais nada, é preciso compreender que houve profundas mudanças na
escola, na sociedade e nas suas relações. Parece difícil aos educadores darem-se conta
disto. O saudosismo ou o espírito de acusação estão muito fortes no cotidiano da escola.
Agredidos, procuram inconscientemente algum alvo onde possam descarregar suas
mágoas, suas incompreensões.
Sempre que pensamos em disciplina, logo nos vêm à mente as idéias de limites
(restrição, frustração, interdição, proibição, etc.) e de objetivos (finalidades, sentido para
o limite colocado). A nosso ver, a crise da disciplina escolar hoje está associada
justamente à crise de objetivos e de limites que estamos vivenciando.
Do ponto de vista dos objetivos, há uma crise geral de projetos, de sentidos para
as coisas, em nível tanto mundial quanto nacional, tanto institucional quanto pessoal,
tanto ideológico quanto sóciopolítico-cultural. Na escola, essa crise se manifesta de
muitas formas, mas com certeza uma das mais difíceis de enfrentar é a absoluta falta de
sentido para o estudo por parte dos alunos. A pergunta “estudar para quê?” nunca esteve
tão forte na cabeça dos alunos como agora. A famosa resposta dada por séculos “estudar
para ser alguém na vida” chega a provocar risos nos alunos, ante a clara constatação de
inúmeras pessoas formadas, porém desempregadas ou muito mal remuneradas.
Este sentido extrínseco ao processo pedagógico, foi a tábua de salvação de
muitos professores: os alunos não viam sentido no que estavam fazendo, mas tinham em
mente a perspectiva de uma recompensa mais tarde. Este era o projeto educativo de
milhares de educadores. Hoje, os alunos continuam não vendo sentido nas práticas de
sala de aula, e não vislumbram mais um futuro promissor pela via do diploma. O
31
professor que baseava sua autoridade neste mito está perdido. E o que é pior, não tem
conseguido articular outro sentido para o conhecimento, a escola, o estudo.
A escola ficou protegida de suas contradições internas por muito tempo em
função de sua relação de parceria com o mercado de trabalho. Esta motivação extrínseca,
já que não estava ancorada na própria relação pedagógica, encobria e tornava suportável
o que lá acontecia, tendo em vista o prêmio posterior, isto é, o bom emprego. Estamos
diante do autêntico problema, que não é absolutamente novo, mas que agora, finalmente,
nos parece, tem de ser enfrentado. Esta situação em que vemos muitos professores
alienados, fazendo o que lhes mandam, não deveria nos surpreender, pois é justamente
isto que a escola vai ensinando desde cedo aos seus alunos: obedecer sem questionar. No
atual momento, quando os alunos passam a se rebelar, alguns professores parecem meio
indignados, traídos. Parece haver um sutil inveja do professor em relação ao seu aluno,
que agora contesta, questiona, busca o sentido das coisas.
Este estouro do problema disciplinar na escola é, com certeza, um sinal que
precisa ser decodificado, entendido.
Quando analisamos a posição dos educadores em relação ao problema
disciplinar, encontramos certas representações mentais, incorporadas mais ou menos
fortemente, mais ou menos conscientemente, que podem funcionar como obstáculos
epistemológicos e, se não forem levadas em conta, dificultarão muito a construção de
novas perspectivas de ações dos educadores. Vamos citar algumas que parecem muito
presentes atualmente.
CAPÍTULO V
IDEALIZAÇÃO DAS ALTERNATIVAS
Na busca de superação dos problemas, muitas vezes as alternativas encontradas
têm uma forte carga idealista, o que significa dizer que não levam em conta um conjunto
de determinantes da realidade concreta. É claro que toda proposta que vise à superação
tem uma carga de negação em relação à realidade atual, caso contrário, não seria
superadora. A distorção do idealismo é exacerbar as possibilidades em detrimento dos
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limites. Assim, por exemplo, afirma-se que, para evitar indisciplina, a aula do professor
deve ser interessante.
Até aí estamos de acordo. A questão surge quando vamos aprofundar tal proposta
e vemos que se espera que o professor sozinho interesse a todos os alunos, o tempo todo.
Ora, isto seria o ideal; contudo, sabemos que dificilmente ocorrem situações assim no
cotidiano escolar. Se a proposta fosse colocada em termos de se criar um clima
hegemônico e não de totalidade, de interesse, com a participação também dos alunos e
não só do professor, considerando ainda que o estudo é um trabalho, o que demanda
esforço, concentração, e não só mera fruição, estaria, nos parece, mais de acordo com a
realidade, sem perder seu caráter superador.
Outro exemplo: a questão da resolução dos problemas da escola através da
tecnologia. Há algum tempo cogita-se o computador como uma saída para a questão
indisciplinar. Porém, conclui-se que a saída não é o computador em si; não adianta
colocar a tecnologia se não vier ligada a um projeto político-pedagógico, que dará o
sentido e a direção do uso da informática na escola. Devemos estar muito atentos,
especialmente na Escola Pública, pois em função de sua carência em termos materiais,
não podemos ficar depositando nossa esperança em algumas soluções mágicas, como
esta do computador.
5.1 - Sensação de não-poder
A sensação de não-poder talvez seja um dos maiores obstáculos epistemológicos
a serem enfrentados. É impressionante como o professor acabou assimilando a idéia de
que não tem forças, de que não pode, de que a solução dos problemas está fora dele.
Muitas vezes, sente-se desgastado, traído, usado, acusado, desprezado,
humilhado, explorado. Neste contexto, colocar a culpa fora dele pode ser a saída
inconsciente de autoproteção, não por ser relapso, mas sim porque no fundo acha que
não pode, não tem força para mudar. Quando questionado sobre os problemas, vai logo
apontando: “É a família! É o sistema!”. Ao fazer isto, esvazia sua competência
profissional e existencial; perde o senso crítico, pois não consegue se situar diante do
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real; perde a autoridade, já que não é responsável por nada. Está marcado pelo
impossível, pelo não-poder. Freqüentemente, o colocado por ele como condição para
iniciar a caminhada é justamente o resultado de um processo de lutas e conquistas.
Nas reuniões pedagógicas, nos encontros de formação, quando perguntamos aos
professores sobre em qual segmento mais próximo poderia atuar, é muito comum
ouvirmos: o aluno! Isto pode revelar até uma certa esquizofrenia, por não conseguir se
perceber, por perder o contato consigo mesmo. O professor anula seu poder para
enfrentar a realidade, ficando em situação profundamente ambígua: de um lado, está
justificado, pois “não é com ele”, mas de outro, está absolutamente impotente.
De certa forma, este sentimento de impotência é aprendido no cotidiano social,
onde, num caldo cultural de colonialismo e paternalismo, parece que tudo só pode ser
resolvido pelos “grandes”; o cidadão comum nada pode. O professor, diante do
problema disciplinar achando que não pode fazer nada, parte para outra atitude extrema:
se livrar, expulsar o aluno.
Assume-se uma impotência na dimensão tanto cognitiva, incapacidade de fazer
aprender o aluno que apresenta dificuldade, quanto social, incapacidade de alterar a
condição de origem do aluno pobre.
Este não-poder pode ser real, fruto de determinantes objetivos colocados
historicamente, ou imaginário, fruto de representações, mitos, preconceitos. É claro que
ambos nos preocupam; porém, enquanto o primeiro é pauta de luta, o último acaba
negando as potencialidades transformadoras dos sujeitos.
A partir do exposto até aqui, fica claro que, um dos maiores desafios é o resgate
do professor como sujeito de transformação: acreditar que pode, que tem um papel a
desempenhar muito importante, embora limitado. Acreditar na possibilidade de mudança
do outro, de si e da realidade.
As classes dominantes tiram vantagem desta situação em termos imediatos, um
povo sem educação e cultura é mais facilmente manipulado, mas é um suicídio coletivo
a longo prazo. Estamos percebendo alguns sinais claros disto: a questão da violência está
emergindo com tanta força, que assusta a todos, até os próprios dominantes. Por trás
deste fato, há também, com certeza, um trabalho educacional mal feito, seja no sentido
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da negação da possibilidade do processo de humanização dos sujeitos, seja no sentido de
anulação do caráter transformador do conhecimento.
De onde vem o drama do professor? Em parte, da percepção de que está
incapacitado para dar conta de sua tarefa: o mundo mudou, o aluno mudou, mudou a
relação escola-sociedade e ele continua o mesmo. O que lhe foi ensinado? Transmitir o
conteúdo, cumprir o programa, controlar o comportamento do aluno através da nota.
Hoje, as exigências são outras. O que dizer de um profissional da Educação que, muitas
vezes, não sabe como se dá o conhecimento, não domina o próprio sentido do que
ensina, em alguns casos mais extremos nem ao menos domina o próprio conteúdo que
ministra ou, quando domina, ensina baseado na mera transmissão? Isto é doído,
sabemos; todavia, com certeza, não será “tampando o sol com a peneira” querendo
esconder nossas falhas e deficiências que iremos resolver os problemas. Insistimos que
não se trata de um julgamento moral, como se o professor fizesse isto porque quer,
porque escolheu conscientemente ser um mau profissional. Ele é vítima também de uma
lógica desumana e excludente.
Mesmo quem saiu dos melhores centros de formação sabe que tem uma séria
defasagem na sua capacitação, até porque a educação escolar, como vimos, é uma
atividade extremamente complexa, ainda mais a ser exercida nos dias de hoje.
Quando olhamos a escola brasileira, o que está produzindo? Fracasso em cima de
fracasso. Basta ver os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar, o
baixíssimo grau de aprendizagem dos alunos que tiveram “sucesso” revelado nos testes
nacionais e internacionais de conhecimentos mínimos. Esta sensação de fracasso começa
pela negação do próprio professor. E isto não é à toa. Precisamos reconhecer sua
delicada situação; de certa forma, nunca se pediu tanto ao professor como se pede hoje e
ao mesmo tempo, nunca se deu tão pouco.
É necessário superar também este processo de infantilização: a falta de
autonomia do professor. Amiúde, decisões superiores são simplesmente comunicadas
aos professores, que assumem algo em que não vêem o menor sentido. Se o professor
não começar a exercitar um pouco a sua dignidade, a sua cidadania, ter coragem de
perguntar: por quê?, para quê?, como?; se o professor não reagir, vai continuar
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imbecilizando-se. Muitos livros didáticos estão aí para isto também. Quer coisa mais
ofensiva que um livro do professor com resposta?
Enquanto os professores não tiverem coragem de enfrentar esta questão,
superando os escapismos e os sonhos de eventuais “salvadores da pátria”, não veremos
muita possibilidade de mudança.
É necessário resgatar o professor como sujeito de transformação. Não vai ser
mantendo-nos no estágio de heteronomia, onde não podemos pensar, onde tudo vem
pronto, que nos estaremos ajudando. Faz-se necessário sair um pouco do “piloto
automático”, daquele mecanicismo, formalismo, em que nos colocaram, e começar a
exercer uma das funções básicas de qualquer pessoa, de qualquer cidadão, contudo
muito importante para o professor, que é a autonomia responsável e cidadã.
5.2 - Respeito e Exigência
A situação é delicada, pois o professor precisa ser compreendido e, ao mesmo
tempo, deve ser chamado às suas responsabilidades, ter coragem de se ver, de assumir a
parte que lhe cabe, se quiser superar esta infantilização a que foi submetido. Um dos
critérios para se definir uma profissão é que os sujeitos que a abraçam possam ser
responsabilizados pelo seu exercício.
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CAPÍTULO VI
A POSTURA DO PROFESSOR DIANTE DAS SITUAÇÕES
DA INDISCIPLINA
Andamos até aqui a fotografar, de perto e de longe, a complexa realidade da
escola, para podermos prevenir as situações de indisciplina. Utilizemos agora um zoom,
para vermos o aluno ao pé de nós, ou mais distante, algures nos recantos da escola.
Se formos isentos, percebemos que a agressividade não é em si uma coisa má.
Foi a agressividade constitucional que permitiu ao ser humano definir o seu território e
diferenciar-se de outros seres. Para crescermos, temos de ter alguma agressividade – a
autonomia não se consegue sem luta. A própria criança necessita definir, desde muito
cedo, um espaço próprio, um território de segurança – e, para que essa zona seja sua,
precisa de um espaço de pesquisa e de um tempo de elaboração.
Nesse sentido, a criança não necessita ser reprimida para ficar quieta, se lhe
possibilitarmos um tempo e um espaço de descoberta. Só deste modo, estaremos a
contribuir para que o controle deixe de ser externo, para passar a auto-controle.
Quando pensamos na indisciplina e na adolescência na escola, objetos deste
estudo, vemos que é compreensível uma certa instabilidade dos alunos. A adolescência é
descoberta, experimentação, teste aos limites dos vários sistemas envolvidos, e a escola
não pode exigir que o seu modo de funcionar rígido e hierárquico seja aceito, sem
contestação, pelos jovens de hoje. Só o caminho de gestão participada ajuda à autonomia
que conduz à auto-disciplina.
Ademais, a conquista de uma disciplina verdadeira ( de dentro para fora ), passa
pela interiorização de uma série de regra, na família e na escola, só susceptíveis de terem
êxito se tiverem sido construídas de uma forma participada. E, é também importante
verificar que, a própria concepção de escolaridade obrigatória, provavelmente
necessária, não facilita o diálogo construtivo, pois coloca à partida constrangimentos
vários que dificultam o espaço de pesquisa e de elaboração.
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A escola não pode ser um local onde se vai gratuitamente, precisa ser um bem
que se cultiva e que se enriquece, participando da sua vida. Só o aluno interessado pode
ser aluno disciplinado. No mesmo sentido escreve Perrenoud:
“a motivação é uma palavra oca; o que interessa é o sentido do trabalho escolar,
que se constrói a partir de uma cultura, de um conjunto de valores e de representações
em situação, numa interação e numa relação(...). pelo diálogo constrói-se o sentido.”
(Perrenoud, 1988, p.115)
Este autor preocupa-se assim com o sentido do trabalho escolar, na perspectiva
do aluno. A questão é importante, porque se para os pais e professores a ida à escola é
para aprender coisas e mais tarde chegar a uma profissão, vimos atrás que os saberes dos
jovens se originam hoje em múltiplos contextos e estão longe de poderem caber num
manual escolar. Ironicamente, Perrenoud faz a seguinte analogia:
“o saber está para os alunos como o dinheiro está para os empregados bancários;
passa-lhes muito pelas mãos, mas no fim do dia enriqueceram?” (Perrenoud, op. cit.)
A única forma de enriquecimento é abrir a escola às novas culturas, integrar os
saberes novos aos conhecimentos clássicos, estabelecer pontes de diálogo permanentes
com os alunos, num sistema pedagógico tão organizado quanto possível.
Na escolha de tarefas e atividades na escola, os novos alunos precisam encontrar
novos ambientes. Nem todos os alunos realizam o trabalho do mesmo modo, pois
possuem diferentes desenvolvimentos cognitivos, mesmo quando provêm de famílias
semelhantes. Para conferir sentido e modernidade ao trabalho escolar, é preciso deixar
espaço ao improviso e à imaginação, assumir coletivamente alguns projetos da escola e
ligar o esforço necessário ao quotidiano dos seus atores.
Certamente que há muitos alunos na escola que terão dificuldade em seguir um
ritmo acelerado de descoberta e de inovação. Alguns são vítimas de problemas de ordem
física ou psicológica que necessitam de atenção especial. Com relação a abordagem de
algumas situações de doença psiquiátrica, como a depressão e a toxicodependência,
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interessa reter aqui, que a escola jamais poderá ser um consultório gigante, onde alunos
doentes encontrem rapidamente uma consulta. É necessário que os responsáveis
escolares se articulem com os serviços existentes, fazendo pressão se eles não existirem
ou funcionarem mal. Muitas vezes, um contato pessoal com um técnico de saúde permite
remover as barreiras burocráticas e solucionar o problema.
É essencial distinguir indisciplina e doença mental. É certo que, alguns sintomas
psicopatológicos podem se manifestar por comportamentos disruptivos no contexto
escolar: uma depressão adolescente pode surgir com agressividade descontrolada, maus
resultados escolares e excesso de consumo de álcool; as manifestações de ansiedade
juvenil podem aparecer como uma impossibilidade de permanecer longo tempo sentado
numa sala de aula; os abusos de álcool e drogas podem manifestar-se por
comportamento provocatório ou ações contra o material escolar.
Podem servir de guias as considerações seguintes: o comportamento doente é em
regra individual. O estudante é sentido como diferente e as suas iniciativas (ou apatia)
aparecem claramente diferenciadas das ações do grupo; os colegas habitualmente sabem
a diferença e, ou tomam uma atitude de solidariedade ativa, ou distanciam-se do
problema, são raras as atitudes de gozo ou de estímulo a estes comportamentos doentios;
a dimensão temporal é muito importante, rupturas marcadas face aos comportamentos
anteriores e a sua constância no tempo são preocupantes, as situações de indisciplina
estão mais ligadas ao contexto escolar, à experiência quotidiana e relacionadas com o
momento da turma e da escola; se o aluno provém de uma família desagregada, se vive
em situação difícil ou se existem doenças mentais na família, é mais provável a origem
psiquiátrica do comportamento desajustado, no entanto a desinformação sobre a família
do aluno pode paralisar a ação do professor. Em todas as circunstâncias é preciso
analisar o comportamento indisciplinado e descortinar as suas causas.
A relação afetiva com o aluno e o diálogo interpessoal são a chave essencial para
a distinção entre comportamento indisciplinado e a manifestação da doença. Se o aluno
puder de fato exprimir o que sente, numa atmosfera de compreensão e tolerância, o
professor não terá dificuldade em estabelecer programas de ação. Impressiona verificar
como alguns docentes ficam paralisados, afirmando nada saberem de drogas ou de
depressão. É preciso dizer urgentemente a estas pessoas que o primeiro passo a dar face
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a uma pessoa em dificuldades é criar proximidade com ela. Um professor que não
consiga de fato aproximar-se de um jovem e possibilitar-lhe um espaço confidencial de
diálogo não está a fazer grande coisa numa escola.
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CONCLUSÃO
O que encontramos na escola foge ou extrapola seus muros, pois os problemas de
indisciplina parecem não ter soluções. Muitos jovens revelam-se insubordinados, não
aceitando o que a escola propõe, ou seja, desconsideram qualquer tipo de regra, acordo,
contrato; outros oriundos de um ambiente familiar desequilibrado, onde seus pais os
maltratam, castigam e ameaçam, praticam, na escola, o que não fazem em casa. Suas
atitudes revelam uma espécie de autodefesa, cuja intenção é chamar a atenção de todos.
Eles estão sempre em evidência, ou melhor, destacam-se como “perturbadores”
da ordem. Mesmo aqueles que têm pais separados, desempregados, alcoólicos. Estes
desafiam a tudo e a todos com seus comportamentos subversivos, resistem à escola e a
tudo que ela solicita. Para eles, a escola não tem importância. Estudar passa a ser
monotonia ou até mesmo perda de tempo.
Desse modo, a escola vai convivendo com crianças e adolescentes que
transgridem as normas. A impressão que dá é de que os alunos estão cada vez mais
insatisfeitos com a escola. Diretores, coordenadores e professores se vêem ameaçados
com suas insatisfações. É daí que vimos constantemente acontecer a desordem, na
medida em que paredes são riscadas, bancas aparecem quebradas, prédios são
depredados, bombas e mais bombas explodem dentro de sala de aula, chutes, pontapés
nos cestos de lixo e nas portas e, principalmente, alunos que não respeitam professores.
Ninguém mais controla a indisciplina, pois suas origens tanto podem estar dentro
como fora do ambiente escolar. Quanto mais punição mais agressões irão acontecer,
visto que os alunos já não temem mais ao professor, nem ao coordenador e muito menos
ao diretor.
Nesse sentido, percebe-se a falta de sentido da escola. Cada vez mais, os
educadores se perguntam o que fazer diante de situações-problema difíceis de se lidar,
ou, até mesmo, de serem controladas. Porém, até aqui, pouco se tem feito para torná-la
atraente e criativa. A escola representa a chatice e a monotonia na proporção em que os
alunos se vêem obrigados a cumprirem tarefas sem sentido, a ficarem sentados do
primeiro ao quinto horário vendo “conteúdos” isolados e pouco interessantes. Muitas
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vezes, esses conteúdos, nem vão ajudar em nada no seu dia-a-dia, isto é, não vão
prepará-los para a vida. Outras vezes, o desestimulo é tanto que nenhum aluno aceita
mais a aula de quinto horário. Sendo capazes de expulsar professores da sala, fugir,
esconder-se nos banheiros, tudo isso para não assistirem às aulas.
Nesse sentido, procurar entender as causas que levam os jovens a praticarem
tanta insubordinação é condição primeira para que se compreendam as razões não
explícitas da indisciplina na escola. Por outro lado, a escola é desafiada a encontrar
caminhos que visem atrair os jovens a respeitarem o ambiente escolar. Uma coisa é
certa: uma vez estabelecida uma relação de confiança entre aluno/professor, pode-se
romper barreiras antes mesmo inatingíveis. No entanto, o problema da indisciplina não
se recupera apenas por uma relação de confiança. É preciso (re) significar o espaço
escolar, propondo atividades que, de fato, favoreçam a integração do jovem à escola. É
necessária uma mudança de postura em relação ao que chamamos de “educar”, pois de
nada adiantaria ensinar e ensinar, se nossos alunos ainda não aprenderam uma das coisas
básicas e fundamentais na vida de cada pessoa: o respeito ao outro. É urgente a
resignação do espaço escolar, mais urgente ainda é dar vida ao projeto político-
pedagógico. Sem o diálogo e com a falta de projetos, a escola não resolverá o problema
da indisciplina.
Portanto, a escola necessita estar aberta ao diálogo com os seus alunos e com a
comunidade; precisa sair do anonimato de suas ações, de seus projetos; enfim, precisa
ser mais incisiva quanto à sua real função. Caso contrário, estará exposta às críticas de
que é desinteressante e desorganizada. Mais ainda, de que seus alunos e professores se
sentem perdidos ou mesmo sem ideais.
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BIBLIOGRAFIA
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São Paulo: Summus, 1996.
BRITO, Leila Maria Tereza Torraca de. Responsabilidades: ações sócio-educativas e
políticas públicas para a infância e juventude no estado do Rio de Janeiro.Rio de
Janeiro: Eduerj, 2000.
COLLARES, Cecília A. L., MOYSÉS, M. Aparecida A. Preconceitos no cotidiano
escolar: ensino e medicalização. São Paulo: Cortez, 1996.
ESTRELA, Maria Teresa. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. 2ª ed.,
Porto: Porto, 1994.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 9ªed., Petrópolis: Vozes, 1991.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 2ªed., Rio de Janeiro: Graal, 1981.
GUIMARÃES, Áurea Maria. Vigilância, Punição e Depredação Escolar. Papirus
Editora, 1988.
PERRENOUD, Philippe. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto,
1995.
VASCONCELLOS, Celso S. Disciplina: construção da disciplina consciente e
interativa em sala de aula e na escola. 7ªed., São Paulo: Libertad, 1996.
VASCONCELLOS, Celso S. Para onde vai o professor: resgate do professor como
sujeito de transformação. 3ªed. São Paulo: Libertad, 1996.
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ÍNDICE
Folha de Rosto, 2
Agradecimentos, 3
Dedicatória, 4
Reflexão, 5
Resumo, 6
Metodologia, 7
Sumário, 8
Introdução, 9
Capítulo I: Indisciplina, 10
1.1 – Terminologia, 10
1.2 – Natureza, 11
1.3 – Manifestações, 11
Capítulo II: Causas Quais Seriam?, 12
2.1 - Família, 12
2.2 - Alunos, 12
2.3 - Grupos e turmas, 13
2.4 - Ministério da Educação, 14
2.5 - Escola, 15
2.6 - Programas, 16
2.7 - Regulamentos disciplinares, 16
2.8 - Professores, 17
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2.9 - Sociedade, 17
2.10 - Grupos sociais problemáticos, 18
2.11 - Ideologias, 18
Capítulo III: A violência no contexto escolar: Indisciplina, depredação e pichação, 19
Capítulo IV: A Complexidade e os desafios da indisciplina em sala de aula, 27
4.1 – Complexidade, 28
4.2 – Como entender a questão da indisciplina escolar?, 30
Capítulo V: Idealização das alternativas, 31
5.1 – Sensação de não-poder, 32
5.2 – Respeito e exigência, 35
Capítulo VI – A postura do professor diante das situações de indisciplina, 36
Conclusão, 40
Atividades Culturais, 42
Bibliografia, 43 Índice, 44 Folha de Avaliação, 46