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COMUNICAÇÃO INFLUÊNCIA CLIMÁTICA SOBRE A PLASTICIDADE FENOTÍPICA FLORAL DE Catasetum fimbriatum LINDLEY Climatic influence on the Catasetum fimbriatum Lindley floral phenotipic plasticity Cristiano Pedroso de Moraes 1 , Marcílio de Almeida 2 RESUMO Como tentativa de elucidar os fatores ambientais que controlam a plasticidade fenotípica floral de Catasetum fimbriatum Lindley, iniciaram-se estudos climáticos da espécie, com o acompanhamento de 45 indivíduos divididos em três tratamentos, com quinze indivíduos cada um. O primeiro tratamento foi instalado em casa-de-vegetação, onde pre- dominou intensa luminosidade (1300 a 1900 μmol/m 2 s), altas temperaturas (38 O C) e baixa umidade relativa do ar (35%). O segundo tratamento foi instalado em ripado e submetido à baixa intensidade luminosa (400 a 650 μmol/m 2 s), menor temperatura (17 O C) e a uma umidade relativa do ar mais elevada em relação ao primeiro (85%). O terceiro tra- tamento foi mantido nas condições ambientais naturais (intensidade luminosa entre 500 a 800 μmol/m 2 s, temperaturas de 23 o C e umidade relativa do ar de 65%). Ao final do experimento, pôde-se constatar a grande adaptabilidade da espé- cie aos diferenciados ambientes, mediante formação de ecótipos. Termos para indexação: Orquídeas, Catasetum, ecótipos, clima. ABSTRACT – As attempt of elucidating the environmental factors that they control the plasticity floral fenotipic of Catasetum fimbriatum Lindley, climatics studies of the species began, through of the accompaniment of 45 individuals divided in three installed treatments. The first fifteen individuals, they were conditioned at green house where intense brightness prevailed (1300 at 1900 μmol/m 2 s), high temperatures (38 O C) and it lowers relative humidity of the air (35%). Such treatment was entitled treatment 1. The other collected individuals that were put in the pot, and that they constituted the treatment 2, they were submitted the low luminous intensity (400 at 650 μmol/m 2 s), to a smaller temperature (17 O C) and a relative humidity of the highest air (85%). The last fifteen individuals, presented the natural conditions of survival of the species, and they constituted in that way, the treatment 3 (luminous intensity between 500 at 800 μmol/m 2 s, temperature of 23 o C and a relative humidity of the highest air of 65%). At the end of the experiment, the great adaptability could be verified of the species to the differentiated environments, through the ecotipes formation. Index terms: Orchid, Catasetum, Ecotipes and Climate (Recebido para publicação em 17 de março de 2003 e aprovado em 21 de fevereiro de 2004) O gênero Catasetum foi descrito em 1822 por L.C. Richard ex Kunth. Esse gênero já há várias décadas des- perta interesses em botânicos e zoólogos, em razão de sua incrível adaptação à entomofilia (HOEHNE, 1938) e ao ex- traordinário trimorfismo em suas flores, presente na série Orthocatasetum. Essas plantas vegetam em segmentos de troncos de árvores velhas, onde existe acúmulo de material orgânico em decomposição, expostos geralmente à grande radiação solar (HOEHNE, 1938; MACHADO, 1998). Os autores citam ainda a existência de pseudobulbos grossos e bem desenvolvidos, relacionados com o armazenamento de água, que permitem a sobrevivência da planta nos períodos de estiagem. Infelizmente a destruição contínua dos habitats naturais desse gênero põe em risco sua existência, justi- ficando-se, dessa forma, estudos mais detalhados sobre Catasetum fimbriatum Lindley. Além disso, em muitas áreas tropicais e sub- tropicais, a baixa quantidade de chuva reduz a dis- ponibilidade da umidade apenas com o aumento do déficit de saturação da atmosfera, irradiação e a temperatura da folha, resultando no aumento da de- manda de transpiração. O resultado da redução de umidade relativa do ar é um determinante primário do tipo de vegetação existente nessas áreas (MULKEY et al., 1996). 1. Mestre em Ciências pela Escola Superior de Agricultura “Luís de Queiroz” ESALQ/USP – Rua Dr. Amaral, 307 – Vila Bortoni – 13650-000 – Santa Cruz das Palmei- ras, SP, Área de Concentração: Fisiologia e Bioquímica de Plantas.

Influencia Climática Sobre a Plasticidade Fenotípica Floral de Catasetum Fimbriatum

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Catasetum

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  • COMUNICAO

    INFLUNCIA CLIMTICA SOBRE A PLASTICIDADE FENOTPICA FLORAL DE Catasetum fimbriatum LINDLEY

    Climatic influence on the Catasetum fimbriatum Lindley floral phenotipic plasticity

    Cristiano Pedroso de Moraes1, Marclio de Almeida2

    RESUMO

    Como tentativa de elucidar os fatores ambientais que controlam a plasticidade fenotpica floral de Catasetum fimbriatum Lindley, iniciaram-se estudos climticos da espcie, com o acompanhamento de 45 indivduos divididos em trs tratamentos, com quinze indivduos cada um. O primeiro tratamento foi instalado em casa-de-vegetao, onde pre-dominou intensa luminosidade (1300 a 1900 mmol/m2s), altas temperaturas (38OC) e baixa umidade relativa do ar (35%). O segundo tratamento foi instalado em ripado e submetido baixa intensidade luminosa (400 a 650 mmol/m2s), menor temperatura (17OC) e a uma umidade relativa do ar mais elevada em relao ao primeiro (85%). O terceiro tra-tamento foi mantido nas condies ambientais naturais (intensidade luminosa entre 500 a 800 mmol/m2s, temperaturas de 23oC e umidade relativa do ar de 65%). Ao final do experimento, pde-se constatar a grande adaptabilidade da esp-cie aos diferenciados ambientes, mediante formao de ectipos.

    Termos para indexao: Orqudeas, Catasetum, ectipos, clima.

    ABSTRACT As attempt of elucidating the environmental factors that they control the plasticity floral fenotipic of Catasetum fimbriatum Lindley, climatics studies of the species began, through of the accompaniment of 45 individuals divided in three installed treatments. The first fifteen individuals, they were conditioned at green house where intense brightness prevailed (1300 at 1900 mmol/m2s), high temperatures (38OC) and it lowers relative humidity of the air (35%). Such treatment was entitled treatment 1. The other collected individuals that were put in the pot, and that they constituted the treatment 2, they were submitted the low luminous intensity (400 at 650 mmol/m2s), to a smaller temperature (17OC) and a relative humidity of the highest air (85%). The last fifteen individuals, presented the natural conditions of survival of the species, and they constituted in that way, the treatment 3 (luminous intensity between 500 at 800 mmol/m2s, temperature of 23oC and a relative humidity of the highest air of 65%). At the end of the experiment, the great adaptability could be verified of the species to the differentiated environments, through the ecotipes formation.

    Index terms: Orchid, Catasetum, Ecotipes and Climate

    (Recebido para publicao em 17 de maro de 2003 e aprovado em 21 de fevereiro de 2004)

    O gnero Catasetum foi descrito em 1822 por L.C.

    Richard ex Kunth. Esse gnero j h vrias dcadas des-perta interesses em botnicos e zologos, em razo de sua incrvel adaptao entomofilia (HOEHNE, 1938) e ao ex-traordinrio trimorfismo em suas flores, presente na srie Orthocatasetum. Essas plantas vegetam em segmentos de troncos de rvores velhas, onde existe acmulo de material orgnico em decomposio, expostos geralmente grande radiao solar (HOEHNE, 1938; MACHADO, 1998). Os autores citam ainda a existncia de pseudobulbos grossos e bem desenvolvidos, relacionados com o armazenamento de gua, que permitem a sobrevivncia da planta nos perodos de estiagem.

    Infelizmente a destruio contnua dos habitats naturais desse gnero pe em risco sua existncia, justi-ficando-se, dessa forma, estudos mais detalhados sobre Catasetum fimbriatum Lindley.

    Alm disso, em muitas reas tropicais e sub-tropicais, a baixa quantidade de chuva reduz a dis-ponibilidade da umidade apenas com o aumento do dficit de saturao da atmosfera, irradiao e a temperatura da folha, resultando no aumento da de-manda de transpirao. O resultado da reduo de umidade relativa do ar um determinante primrio do tipo de vegetao existente nessas reas (MULKEY et al., 1996).

    1. Mestre em Cincias pela Escola Superior de Agricultura Lus de Queiroz ESALQ/USP Rua Dr. Amaral, 307 Vila Bortoni 13650-000 Santa Cruz das Palmei-

    ras, SP, rea de Concentrao: Fisiologia e Bioqumica de Plantas.

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    2. Professor-Doutor do Departamento de Cincias Biolgicas da Escola Superior de Agricultura Lus de Queiroz ESALQ/USP.

    A observao da ocorrncia de estresse hdrico nos tipos de vegetao existentes nas reas tropicais e subtropi-cais depende muito de cada espcie e de suas adaptaes para suportar a poca de estiagem. A perda de gua por transpirao pode ser menor pela reduo das reas folia-res e tambm pela diminuio da temperatura das folhas via reduo da quantidade de radiao absorvida. A gua, nesses casos, mantida com a absoro pela raiz, em que fatores, tais como tenso exercida pela coluna de gua de-vido transpirao e baixa resistncia imposta pelo xile-ma, somada a outros mecanismos que evitam a perda de gua, permitem um fluxo de gua contnuo e necessrio para a sobrevivncia da planta.

    Sem dvida, a luz um dos fatores ambientais mais importantes para o desencadeamento da maioria das rea-es fisiolgicas de uma planta, como, por exemplo, o crescimento e o florescimento (COSGROVE, 1987).

    So vrias as pesquisas referentes s diferencia-es estruturais e fisiolgicas (plasticidades fenotpicas) entre plantas desenvolvidas em ambientes com luz abundante, seja ela natural ou artificial, e aquelas ex-postas a ambientes sombreados (RAVEN et al., 1996).

    As plantas adaptam-se intensidade da luz, re-gulando a morfologia de suas folhas e flores, sua com-posio e estrutura e seu estado fisiolgico (principal-mente no que tange sua capacidade fotossintetizante), que como uma das conseqncias principais gera a al-terao de suas vias metablicas primrias e secund-rias, originando, dessa forma, as mais diferentes respostas no que diz respeito aos seus processos anablicos e catablicos, na tentativa de permitir por meio dessas regulaes o alcance de seu estado funcional mximo (GATES, 1981; NOBEL, 1991).

    Com o presente trabalho, objetivou-se o estudo da plasticidade fenotpica floral de indivduos maduros de Catasetum fimbriatum Lindley, sob a influncia de variaes quanto umidade relativa do ar, temperatura e, principalmente, quanto intensidade luminosa.

    Para a realizao deste estudo, o material bo-tnico (30 espcimes) em perodo de senescncia fo-liar foi coletado no municpio de Santa Cruz das Palmeiras (SP). Tambm foram utilizados os Catasetum fimbriatum encontrados em ambiente na-tural no Campus da Escola Superior de Agricultu-ra Luiz de Queirz ESALQ-USP, totalizando, as-sim, 45 espcimes.

    Durante a instalao do experimento, tomou-se o cuidado de se padronizar os indivduos utilizando

    somente plantas adultas (possuidoras de 5 pseudobul-bos), como recomendado por Endsfeldz (1999).

    As plantas foram plantadas e submetidas adu-bao com NPK, frmula 20-20-20, a cada 15 dias no vero e a cada 30 dias no inverno (com exceo das plantas em ambiente natural), de acordo com a reco-mendao para indivduos maduros e estabelecidos (ENDSFELDZ, 1999).

    As plantas nos trs tratamentos foram irrigadas a cada dois dias no vero e primavera, e esse procedi-mento deu-se ao entardecer, e a cada trs dias no outo-no e inverno; nesse perodo, sempre eram irrigadas pela manh, como aconselhado por Machado (1998) para a cultura do gnero Catasetum.

    As orqudeas foram dispostas de maneira que as extremidades de seus rizomas ficassem encostados nas bordas dos vasos, levando, assim, as extremidades-guias a ocuparem o centro. No obstante, tal estrutura tambm foi parcialmente recoberta, como indicado pela literatura orquidfila (ENDSFELDZ, 1999).

    Os 45 espcimes de Catasetum fimbriatum foram distribudos em 3 tratamentos contendo 15 plantas cada um. O primeiro tratamento foi intitulado de Alta Intensi-dade Luminosa (Tratamento 1), pois esses estiveram ex-postos intensa luminosidade na casa-de-vegetao, com-preendida entre 1300 a 1900 mmol/m2s. O segundo foi de-nominado de Baixa Intensidade Luminosa (Tratamento 2), em razo de esses indivduos estarem expostos a baixas intensidades luminosas (entre 400 a 650 mmol/m2s), por encontrarem-se em ripado, possuidor de espaamentos de 3 cm de largura entre as ripas; e o ltimo de Intensidade Luminosa Natural (Tratamento 3), entre 500 a 800 mmol/m2s, uma vez que esses estavam situados no estrato dossel das rvores. Portanto, apenas os 30 espcimes cole-tados no municpio de Santa Cruz das Palmeiras foram di-vididos nos dois primeiros tratamentos supracitados.

    Em todos os ambientes, os indivduos dos trs tra-tamentos estiveram expostos a diferentes intensidades lu-minosas, mensuradas uma vez por semana com um radi-metro (quantmetro) associado a um data-log (marca Li-Cor, modelo Li -1400) e denominados de acordo com o ambiente lumnico. Tambm efetuou-se o monitoramento dos valores mdios de intensidade luminosa, das taxas de temperatura e umidade relativa do ar nos tratamentos.

    Avaliaram-se ainda a quantidade de hastes flo-rais originadas pelas plantas, a quantidade de flores por haste e o tipo de flor obtida, isto , se foram diclinas masculinas, diclinas femininas ou monoclinas.

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    Pelos resultados das figuras de dados climticos (Figuras 1, 2 e 3), evidencia-se a alta capacidade de

    Catasetum fimbriatum Lindley de sobreviver em ambientes com condies climticas distintas.

    FIGURA 1 Grfico indicativo dos valores mdios de intensidade luminosa dos trs tratamentos instalados (tra-tamento 1 alta intensidade luminosa, tratamento 2 baixa intensidade luminosa, tratamento 3 intensidade lu-minosa natural).

    FIGURA 2 Grfico indicativo dos valores mdios de temperatura dos trs tratamentos instalados (trata-mento 1 alta intensidade luminosa, tratamento 2 baixa intensidade luminosa, tratamento 3 intensidade luminosa natural).

    Intensidade Luminosa (mol/m2 s) x 10

    45 65 85

    105 125 145 165 185

    Meses

    Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Jan. Fev.

    0 5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40 Temperatura (C)

    Tratamento 1 Tratamento 2 Tratamento 3

    Tratamento 1 Tratamento 2 Tratamento 3

    Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Jan. Fev. Meses

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    FIGURA 3 Grfico indicativo dos valores mdios de umidade dos trs tratamentos instalados (Tratamento 1 Alta Intensidade Luminosa, Tratamento 2 Baixa Intensidade Luminosa, Tratamento 3 Intensidade Luminosa Natural).

    A observao mais importante notada nessas fi-

    guras reside no fato de que o tratamento 2 (baixa inten-sidade luminosa) geralmente apresentou valores infe-riores, mas sempre muito prximos em relao inten-sidade luminosa e temperatura; porm, suplantou prati-camente em todos os momentos em relao umidade relativa do ar mdia observada para o tratamento 3 (figura 3), ocorrendo apenas exceo do ms de no-vembro de 2000, em que os ndices verificados foram iguais, e inferiores em dezembro de 2000, janeiro e fe-vereiro de 2001. Tal fato mostra-se relevante, pois se-gundo Zimermam (1991), o detrimento da umidade re-lativa do ar em relao intensidade luminosa pode vir acentuar um estresse hdrico, o qual possivelmente au-menta as chances da expresso de flores diclinas femi-ninas, devido ao aumento dos nveis endgenos de eti-leno.

    O tratamento 1, ao contrrio dos outros dois tra-tamentos, apresentou resultados de intensidade lumino-sa extremamente elevados (Figura 1), isso provavel-mente pelo fato de encontrarem-se dentro de casa-de-vegetao, onde comumente ocorre o fenmeno de re-flexo da luz solar, fenmeno esse capaz de aumentar a intensidade luminosa incidente sobre os indivduos em

    estudo. Ainda as mdias de temperatura desse ambiente conseqentemente prevaleceram como as mais elevadas em relao s medidas dos demais tratamentos, em vir-tude principalmente da alta exposio solar. A umida-de relativa do ar, por sua vez, apresentou-se sempre como a mais baixa entre os trs ambientes estuda-dos, em conseqncia de as caractersticas ambien-tais nas condies de estufa exibirem uma alta tem-peratura, a qual afeta diretamente essa varivel, tor-nando, assim, o local em questo mais seco, sem que haja necessariamente transpirao por parte das plantas.

    Pelos resultados referentes quantidade de has-tes florais e flores (Tabelas 1 e 2) verifica-se que os indivduos submetidos a uma intensidade prxima aos padres normais ambientais da espcie (tratamento 3) obtiveram um xito muito maior do que os indivduos dos demais tratamentos. Possivelmente, isso se deveu ao fato de que alguns indivduos possuam maior nme-ro de rgos em conseqncia do maior brotamento ocorrido durante o tratamento em relao aos demais e j se encontravam aclimatados s condies ambientais da rea. Sendo assim, em um melhor nvel de compara-o, deve-se utilizar como base os indivduos do trata-

    0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

    100

    Meses

    Umidade Relativa do Ar (%)

    Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Jan. Fev.

    Tratamento 1 Tratamento 1 Tratamento 1

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    mento 3, pelo fato de esses terem se desenvolvido em ambiente natural, permitindo, dessa forma, a ampla

    discusso sobre os indivduos submetidos a tratamentos sob condies artificiais (tratamentos 1 e 2).

    TABELA 1 Quantidade de hastes florais e flores formadas em funo dos tratamentos. Tratamento 1 (alta inten-sidade luminosa, entre 1300 a 1900 mmol/m2s), tratamento 2 (baixa intensidade luminosa, entre 400 a 650 mmol/m2s) e tratamento 3 (intensidade luminosa natural, entre 500 a 800 mmol/m2s) (dados simples sem base esta-tstica).

    Tratamento 1 Tratamento 2 Tratamento 3

    Nmero de hastes florais 01 02 19

    Nmero de flores 14 16 111

    TABELA 2 Correlao entre o nmero de hastes florais e flores formadas por indivduo nos trs tratamentos. Tratamento 1 (alta intensidade luminosa, entre 1300 a 1900 mmol/m2s), tratamento 2 (baixa intensidade luminosa, entre 400 a 650 mmol/m2s) e tratamento 3 (intensidade luminosa natural, entre 500 a 800 mmol/m2s). (dados sim-ples sem base estatstica).

    Tratamentos Indivduo Nmero de hastes florais por indivduo Nmero de flores por haste

    1 1o. 1 14

    1 2o.-15o. 0 0

    2 1o. 1 14

    2 2o. 1 2

    2 3o.-15o. 0 0

    3 1o. 4 32

    3 2o. 4 30

    3 3o. 4 27

    3 4o. 3 10

    3 5o. 1 4

    3 6o. 2 6

    3 7o. 1 2

    3 8o.-15o. 0 0

    Referindo-se aos tratamentos 1 e 2, comparati-

    vamente com o tratamento 3, pode-se verificar que ape-nas um dos dois indivduos alcanaram o florescimen-to. Esse fato possivelmente pode ser devido s plantas

    terem sido envasadas e submetidas ao experimento em um curto prazo de tempo, o que segundo Endsfeldz (1998) pode acarretar em um atraso de pelo menos dois anos no florescimento. Deve-se salientar que mesmo o

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    indivduo do tratamento 1 gerando apenas uma haste floral e o indivduo do tratamento 2 gerando duas, a quantidade de flores do segundo indivduo ultrapassou do primeiro em apenas duas unidades. Esse fato permi-te inferir que o florescimento em Catasetum fimbriatum Lindley positivamente influenciado por intensa lumi-nosidade, talvez pela associao dos mecanismos gen-ticos e fisiolgicos envolvidos com a adaptao da es-pcie a locais fisicamente estressados. Pode-se observar tambm que o comprimento da haste floral do indiv-duo submetido ao tratamento 1 foi maior em 4,2 cm, do que o comprimento mdio das hastes florais geradas pe-lo indivduo submetido ao tratamento 2.

    Em Catasetum fimbriatum Lindley, a ocorrncia de flores diclinas femininas se d, possivelmente, quando o nvel endgeno de etileno presente eleva-se em virtude das injrias e do estresse causado nos teci-dos vegetais pelo aumento da intensidade luminosa. Sendo assim, o fator preponderante para tal plasticida-de a intensidade luminosa, seguida pelos demais fato-res ambientais j mencionados.

    Nos experimentos instalados, provavelmente a no-ocorrncia desses tipos de flores deve principal-mente estar relacionada com as constantes variaes climticas ocorrentes em todos os ambientes do globo terrestre (MULKEY et al., 1996). Esse fenmeno tam-bm foi observado no perodo de estudo, durante o qual a sazonalidade no apresentou o mesmo padro do ano anterior. Isso pode ser estabelecido pelo fato de que mesmo no tratamento 1 (Figura 1), plantas que supos-tamente deveriam gerar flores diclinas femininas no o fizeram, pois a intensidade luminosa necessria para a ocorrncia de tal tipo de flor no se perpetuou pelo tempo mnimo necessrio para sua induo. Tal plasti-cidade fenotpica ocorre muito provavelmente em vir-tude da ao do etileno, sintetizado pelas respostas transmitidas principalmente pelas fotoconverses do fi-tocromo ao interagirem com variados estmulos am-

    bientais como disponibilidade hdrica, umidade rela-tiva do ar, nutrio e temperatura (TAIZ e ZEIGER, 1998).

    A no-perpetuao da intensidade luminosa necessria para a ocorrncia das flores diclinas fe-mininas pode ser explicada pela comparao dos da-dos climticos dos anos de 1999 e 2000 (Tabela 3), justamente na poca em que ocorre a florao dos indivduos submetidos intensa luminosidade, ca-racterizada do final do ms de outubro ao incio do ms de janeiro. Esse evento alcana maior expresso e maior nmero de indivduos que florescem nos meses de novembro e dezembro, seja em ambiente natural ou no tratamento instalado.

    Fatores como radiao total global, insolao e temperatura, os quais so capazes de propiciar um au-mento na sntese de etileno (Tabela 3) devido ao estres-se que geram, evidenciam pela comparao das mdias maior valor numrico no ano de 1999, em que se verifi-cou o aparecimento de flores diclinas femininas. No ano de 2000, fatores como precipitao e umidade rela-tiva do ar apresentaram um valor numrico mdio mais elevado que em relao ao ano de 1999, fato esse, pos-sivelmente responsvel pelo surgimento exclusivo de flores diclinas masculinas, uma vez que no houve condies estressantes e, portanto, provavelmente os nveis de etileno endgeno permaneceram inalterados, isto , sem qualquer acrscimo, o que corrobora as ob-servaes de Taiz e Zeiger (1998).

    Tambm o regime hdrico em 1999 foi menor que o verificado em relao a 2000, durante o qual o-correram apenas 13 e 14 dias de chuva, respectivamen-te, nos meses de novembro e dezembro, ao passo que no mesmo perodo de 2000, verificaram-se 16 e 19 dias de chuva, respectivamente, o que acarreta uma menor quantidade de radiao solar diria, alm de

    TABELA 3 Variveis climticas dos meses de novembro e dezembro dos anos de 1999 e 2000, dadas em valor mdio.

    Ms/Ano Radiao total

    Global (2 cal/cm)

    Insolao (h/d)

    Precipitao (mm)

    Umidade Relativa Ar

    (%)

    Temperatura Mxima

    (C)

    Dias de chuva

    Novembro de 1999

    480 7,0 1,7 72 29,5 13

    Dezembro de 1999

    508 7,2 8,7 78 30,6 14

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    Novembro de 2000

    465 6,8 8,0 77 29 16

    Dezembro de 2000

    448 5,6 6,3 82 29 19

    uma maior disponibilidade hdrica. Em suma, mesmo que a intensidade luminosa tenha atingido valores prxi-mos de 1900 mmol/m2s no tratamento 1 (Figura 1), esses valores no foram alcanados diariamente, no sendo sufi-ciente, portanto, para gerar o estmulo responsvel e fun-damental para a formao de flores diclinas femininas de Catasetum fimbriatum Lindley. Convm salientar que pelo fato de existirem orqudeas vivendo em ambiente natural no Campusda Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirz, ESALQ-USP, foi possvel um estudo com carac-tersticas ecolgicas distintas, sendo esse, portanto, o moti-vo de apenas medir-se a intensidade luminosa, e no con-trol-la artificialmente, buscando, assim, a compreenso dos fatores que controlam a plasticidade das flores de Catasetum fimbriatum na natureza.

    Com base nos resultados obtidos, possvel con-cluir que os ciclos vitais ocorridos nas plantas de Catasetum fimbriatum Lindley submetidas a diferentes condies climticas iniciaram-se em pocas distintas do ano, resultando em desuniformidade entre os indiv-duos em relao a esses fenmenos, e indicando a alta capacidade dessa espcie na formao de ectipos.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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