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INSPIRAÇÃO, REFLEXÃO E ÉTICA CONHECIMENTO E DINAMISMO 03 E D I Ç Ã O N Ú M E R O JANEIRO/ FEVEREIRO 2018 É possível trazer a inspiração para as decisões do dia a dia? ANO 1

INSPIRAÇÃO, REFLEXÃO E ÉTICA CONHECIMENTO E … · instável; o técnico e o engenheiro estão próximos do que é prag- mático, direto e concreto, do que eu posso ver. Eu não

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I N S P I R A Ç Ã O , R E F L E X Ã O E É T I C A

C O N H E C I M E N T O E D I N A M I S M O

03ED

ÃO

ME

RO JANEIRO/

FEVEREIRO 2018

É possível trazer a inspiração para as

decisões do dia a dia?

ANO

1

20 Recantos para inspiraçãoMainá Santana

26Uma dose salutar de pessimismo

Andrei Venturini Martins

0406

14

10

18

Editorial

RarefeitoMainá Santana

Inspirar para crescer

Respirar outros ares: inspiração e processos

coletivos nas práticas da mediação cultural

Stella Ramos

Voz e Inspiração: Daúde

sumáriosumário

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 3

Amigas e amigos leitores!hegamos à nossa terceira edição. Mas antes de falar sobre

ela, quero me desculpar pelo atraso da publicação e conse-

quente descumprimento da periodicidade bimestral. Talvez

as justificativas não deem conta do ocorrido, mas sinto-me

na obrigação de explicá-las para você que nos acompanha.

O ano de 2017 foi bem intenso, com muitas novidades e mudanças no

Espaço Ética e na INSPIRE-C. A primeira delas foi o lançamento do 1º En-

contro Espaço Ética, com o tema Ética nos Negócios. Esses encontros vie-

ram para ficar, de modo a proporcionarmos um espaço para reflexões sobre

ética. Acreditamos que esta é uma contribuição importante que podemos

dar à sociedade para nos inspirarmos rumo às mudanças positivas.

Outra novidade do Espaço Ética são os cursos em EAD que estão num

formato padronizado após experiências realizadas em 2016. Assim, lan-

çamos no ano passado o curso Ética em Tempos de Crise, ministrado pelo

professor doutor Andrei Martins. O curso conta com sete aulas distribuídas

entre tópicos como o conceito de ética, identidade, crise no contemporâ-

neo e cultura de massa. E ao longo de 2018 surgirão novos cursos.

Quanto à INSPIRE-C, mudanças significativas também aconteceram.

Criamos um espaço destinado aos jovens — em especial para os estu-

dantes do ensino médio da rede pública — que pretende incentivar a es-

crita e a leitura. Principalmente a escrita, pois com muita razão fala-se da

importância da leitura. Porém, percebemos que são poucos os espaços que

estimulam a escrita e quem escreve sabe que muitas vezes (no meu caso

é sempre) embates incríveis acontecem entre o que se pensa e o que de

fato se quer dizer. Como acreditamos que a prática, o exercício é o melhor

aprendizado, abrimos este espaço para que os jovens pratiquem e criem

entrosamento com as letras.

Que venham sem medo! Para aqueles mais receosos, gosto de citar uma

definição simples do que é uma boa escrita. É mais ou menos assim: “Toda

boa escrita é aquela em que o autor não precisa ir junto com o texto, ou

Cseja, o texto por si só basta”. O autor escreve e lança para o mundo (hoje

literalmente para o mundo mesmo) suas ideias, pensamentos, teses, refle-

xões etc. em condição autossuficiente de inteligibilidade. Dessa maneira,

este espaço permitirá que exercitem a escrita estimulados pela leitura de

artigos, textos, poemas e tudo mais que puder ajudar a se libertarem de

qualquer trava ou receio.

Também criamos um espaço com perguntas e respostas curtas para

uma interação mais sucinta com os entrevistados. Nesta edição, inauguram

este espaço a cantora Daúde, que fez uma performance impecável no 1º

Encontro Espaço Ética, e o presidente da FMC Indústria Química, meu xará,

Ronaldo. Ambos contam um pouco como a inspiração está presente em

seu trabalho, como lidam com ela em sua vida e concluem as entrevistas

com exemplos.

Sei que uma coisa não justifica a outra, mas tive de escolher entre as

novidades e mudanças que mencionei acima ou o cumprimento do prazo

da terceira edição. Optei pelas mudanças, pois apesar de termos apenas

duas edições publicadas, achei que era o momento de trazer novidades

para a consolidação da INSPIRE-C em 2018, quando a revista completará

um ano de existência.

Para assumir o desafio de incentivar os jovens a escreverem mais, con-

videi Mainá Santana dos Santos, que é graduada em Psicologia pela Uni-

versidade Federal de São Carlos, com especialização em Arte-Educação

pela Universidade de São Paulo e formada em Balé Clássico pela Escola de

Bailados Municipal de Santos. Além desse currículo extraordinário, o que

nela impressiona é a sensibilidade da escrita. Mainá tem por hábito escre-

ver poesias, artigos, crônicas e textos, e em todos eles é possível encontrar

uma delicadeza com as palavras e ao mesmo tempo muita força. Mainá,

seja muito bem-vinda e sucesso no seu novo desafio!

Após esta longa justificativa e o pedido de desculpa pelo atraso da ter-

ceira edição, finalmente chegamos a ela. O tema escolhido é inspiração e

para falar sobre ela, entrevistamos o head de marketing da 3M, Luiz Se-

rafim, o filósofo Luiz Pondé e as cantoras do grupo As Bahias e a Cozinha

Mineira. Também temos uma poesia da Mainá Santana, e Daúde e Ronaldo

Pereira respondem a quatro perguntas que fizemos a eles. Quanto aos dois

artigos, um deles é da educadora e pesquisadora Stella Ramos e o outro é

do professor doutor Andrei Martins.

No diagrama de constituição do homem, o escritor francês Antoine

Fabre d’Olivet coloca a inspiração no espírito, que é, segundo ele, o cen-

tro intelectual de todos nós. Na alma está a paixão e no corpo, o desejo.

Portanto, percebam que não é tão fácil falar da inspiração quando saímos

do senso comum. Quando alguém diz que tal coisa ou pessoa o inspira,

está falando muito pouco da verdadeira inspiração. Pois inspiração é muito

mais que qualquer cópia modificada e adaptada. Inspiração também não

é uma ideia! Ah, “vi algo que me inspirou”, ou seja, tive uma ideia. Não!

Inspiração é o centro intelectual e é superior à alma e ao corpo.

A inspiração é mística, é um dom divino que nos atende sem chamado

— ela simplesmente vem e vai. Não a controlamos, talvez porque não

nos pertença. Mas temos acesso a ela sem comando ou vontade, basta

estar sensível à vida. Como centro intelectual humano, ela leva energia à

imaginação e à criação, ao discernimento e à compreensão, à memória, à

reflexão, ao aprendizado, ou seja, é da vida espiritual que nasce a alma que

alimenta o corpo. Portanto, a inspiração nos mantém conectados com o

Divino, com nossas almas, corpos e toda e qualquer vida do Universo.

Desejo que curtam esta edição, que tenham um excelente 2018 e que,

conectados pela inspiração, possamos

construir uma sociedade melhor.

Um forte abraço!

Ronaldo Campos

editorial

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 54 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

expediente

Revista INSPIRE-CRevista Institucional do Espaço Ética – Serviços de Palestras, Ensino, Capacitação e Assessoria Sociedade Empresária Limita-da. (www.espacoetica.com.br)

INSPIRE-C é uma publicação bimestral da empresa Espaço Ética direcionada ao mundo corporativo articulando conhecimentos acadêmicos e empresariais, ligados principalmente à ética.

A INSPIRE-C não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados.

Editor responsávelRonaldo Assais Ribeiro Campos – [email protected]

Sub-editoria de culturaMainá Santana dos Santos – [email protected]

Diretores InstitucionaisKarina de Andrade MacieiraClóvis de Barros Filho

Design, Diagramação e Projeto GráficoAna Carolina Ermel de Araujo

Fotos: DepositPhotos.com

RevisãoHebe Ester Lucas

ColaboradoresMaria Cristina PoliSula VlashosRodrigo Leitão

Assinatura, sugestões e reclamaçõ[email protected](11) 3661 7532

Comercializaçã[email protected](11) 3661 7532

Rua Maranhão, 620 – Cj.141 – HigienópolisCidade: São Paulo, SPCEP: 01240-000Telefone: (11) 3661-7532

Foto

:Div

ulga

ção

R a r e f e i t o Mainá Santana

nspirar. Trazer o ar para dentro, inalar. Preencher

espaços internos com ar. Fornecer oxigênio para o

trabalho das células. Inspirar é prover matéria-prima

para a manutenção da vida.

Esses dias li nas mídias sociais que “brasileiro não precisa

de ar te, precisa de concreto e infraestrutura”, que “não precisa

de ar tistas, mas de engenheiros e técnicos”. Ao ler essas frases

imaginei um desenho animado em escala de cinza, homens sé-

rios de terno desfilando de cabeça baixa, ora com chuva, ora sob

o sol. Não há música, dança ou cinema. Não há teatro ou circo,

nem pinturas, esculturas, per formances ou exposições. Aper-

tando um pouco o pensamento, criei um cenário sem ourives,

alfaiates, sem pessoas que pensassem cor e forma, perspecti-

va, equilíbrio ou desequilíbrio e, sem esses elementos, também

não existiam engenheiros ou técnicos, tendo em vista que esses

também usam a estética como par te de sua prática. Os homens

sérios estavam nus, mas sem corpo, porque o corpo denuncia a

existência da pessoa; caminhavam sem pés para tocar o chão ou

cabeça para abaixar.

Há uma terrível confusão instaurada. Por não acreditarem na

potência da arte como linguagem e prática de trabalho, pessoas

discursam sobre o seu fim. A confusão, a mim curiosa e incômoda,

vem de pensamentos e posições filosóficas que separam, cate-

gorizam e hierarquizam o mundo para torná-lo mais digerível. A

arte está lá, longe, e pertence aos artistas, pessoas que produzem

algo imaterial, muitas vezes incompreensível e/ou contestador,

instável; o técnico e o engenheiro estão próximos do que é prag-

mático, direto e concreto, do que eu posso ver.

Eu não vejo o ar, mas sei que ele está lá. O vento é o ar em mo-

vimento, disse a professora da escola. O ar, 78% nitrogênio, 21%

oxigênio, menos por cento de água e outros gases, tanta vida se-

parada em invisíveis parcelas de respiração. Confesso que não te-

nho conhecimento profundo dos gases, dos números, do invisível

e, talvez, de nada. Sou uma generalista em assuntos da natureza

Independente do gosto do freguês, a arte traz elementos para a reflexão e experiências com mundos conhecidos e desconhecidos, muito similar à infância. Neste momento da vida, a criança descobre seu entorno por meio do corpo – sensações e percepções –, o mundo é material de inspiração para fazer algo novo, trazendo outros sentidos para as relações preestabelecidas do planeta adulto. Se toda a experiência tem o potencial de formar e transformar, variá-las é vital para ser sensível ao outro e a si mesmo.

I

inspiraçãoarte

corpoinfância

experiência

coluna coluna

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 76 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

ou à faculdade, ou ao mercado de trabalho, ou à aposentadoria.

Talvez a idade adulta nos devesse trazer a realidade de que não

se é para nada. Ser médica para descobrir a cura, ser astro-

nauta para descobrir outros planetas. Se nos preocupássemos

também em ser, poderíamos entender que o mundo não está

apenas para, está entre.

A arte e a brincadeira são motores de inspiração; o adulto que

se deixa levar apenas pelo pragmatismo do “para”, de suas tarefas

diárias, diminui sua capacidade de perceber o mundo, deixando

de ressignificar aquilo que apreende, ou seja, deixa de criar. A

experiência de sentir cheiros, gostos, toques diferentes nos retira

do maçante do dia a dia de trânsito, trabalho, rotina, academia. O

corpo percebe cor e forma, perspectiva, equilíbrio ou desequilí-

brio, seja em alimentos, danças ou prédios. Assim como a criança

pequena aprende de maneira sensorial, as pessoas, fazendo ou

fruindo arte, colocam o corpo entre experimentações e criações.

Isso tem a potência de construir um médico, um engenheiro, um

artista, mas sem essa necessidade ou finalidade: é consequência.

Se a arte e a brincadeira são os motores, o corpo, para além do

humana, expresso o que sinto

pelo meu corpo, narinas, pele

e olhos, e isso possivelmen-

te me torna uma falaciosa da

vida alheia. Do que me inspira,

gente estuda e descobre o que

está lá, por menos que eu veja

ou compreenda. Do que eu

estudo, gente se inspira e se

sente tocada, por menos que

vejam ou compreendam, o que

quer que eu ou “eles” estudem.

Ser capaz de inspirar, de criar

e de respirar é inerente ao ser

humano.

Criança, queria ser médica

para descobrir a “cura do cân-

cer”. Depois, astronauta para

visitar planetas novos. Reno-

mear passarinhos, ser muito

famosa pelas minhas teses sobre o mundo. Demoro-me a

entender sobre as fontes da minha inspiração infantil;

coabitavam a curiosidade e um desejo de grandeza

contrastante com a condição social que me cabia

e, por não ser esta condição a miséria, que este-

riliza as terras da imaginação,

ainda era possível brincar. As

crianças descobrem o mundo

pelos sentidos, têm um lindo

potencial de transformação

de realidades, ampliado por

suas experiências e pelo am-

biente no qual se desenvol-

vem. Um tecido vira mar, uma

caixa vira um barco, a terra

é uma boa tinta; brinquedos

desestruturados (sem formas

definidas) permitem que a

imaginação flua de acordo

com as interações.

No meu ambiente infantil,

como no de muitas crianças,

os valores eram cravejados

de funcionalidades e a ins-

piração trazia gostos não da

experiência em si — ser médica —, mas daquilo que

viria depois de ser — descobrir a cura do câncer.

Um pouco como ir para a pré-escola para che-

gar ao ensino fundamental ou ir para o ensino

fundamental para chegar ao ensino médio,

Assim como a criança pequena

aprende de maneira sensorial,

as pessoas, fazendo ou fruindo

arte, colocam o corpo entre

experimentações e criações.

erótico, é onde a inspiração pode se transformar em energia e isso

é o mote de interesse do artista.

O adulto pragmático deixa a inspiração encurtar na busca ex-

clusiva das porcentagens de nitrogênio e oxigênio presentes no

ar. O corpo desfalece, sem material suficiente para a produção

de energia, adormecendo-se em um vazio de percepções. Resis-

te: procura um horizonte ao alcance dos olhos, uma textura que

distraia as mãos e, na cadeira da resolução de tarefas, os pés des-

pretensiosamente escapam ao chão. Ao se perceber voar longe da

rotina rumo ao imaterial, o adulto prende-se à sua própria mesa,

se enterra na sala onde reside. O importante é ter âncora para

evitar procrastinação. Nada deixa fluir o que há em seu próprio

peito, mal sabe por que o peito sobe e desce, talvez seja como o

elevador, para cima e para baixo, feito para isso. O mundo precisa

apenas de engenheiros e técnicos.

Para crescer, a criança deixa o mar feito de tecido, o violão si-

lencioso no quarto, telas inacabadas, textos fragmentados, torna

o mundo uma janela fechada. Pouco ar no pulmão, pouco oxigê-

nio nas células, o corpo se esvai em escala de cinza.

coluna coluna

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 98 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

Respirar outros ares: inspiração e processos

coletivos nas práticas da mediação cultural

Stella Ramos

ohan Huizinga, nos

idos de 1938, refletiu

sobre o jogo como

parte formadora da

cultura. Em seu Homo ludens, bus-

ca encontrar indícios do que pode-

ria ser reunido como prática lúdi-

ca. Entre outras coisas, aponta que

para que se estabeleça uma espé-

cie de ‘estado de jogo’ é fundamen-

tal traçar um território, delimitar,

dar forma. O que antes existia de

modo um tanto disforme passa a

ser um lugar, mas não um lugar

qualquer. Um lugar diferente da luz

do dia, o lugar do poeta e do louco, espaço em que se podem sobrepor

existências, viver de modo cumulativo uma realidade concreta e uma

simbólica, ser outro sem deixar de

ser você. Essa linha tênue, ampli-

ficada pela sua potência, só pode

se estabelecer, curiosamente, gra-

ças à existência e consciência do

território delimitado. John Dewey,

uma das referências fundamentais

para o desenvolvimento de uma

série de linhas de pesquisa em

educação no Brasil, em seu Arte

como experiência, chama a aten-

ção para a necessidade deste con-

torno de uma linha temporal, para

que se possa identificar o que ele

chama de experiência significati-

va. Se o tempo não pudesse ser destacado pelo início e fim dessas

experiências, teríamos uma percepção difusa, colada à passagem do

J

Num jogo, as formas, regras e os limites são definidos com a especificidade de ser uma realidade outra, diferente da cotidiana. A linha que separa o que é e o que não é se estabelece justamente pela consciência do território do jogo e de suas qualidades temporais diferenciadas e previamente definidas. O mesmo ocorre no campo da representação simbólica, por exemplo, em Cezanne e Gormley. Quando estamos todos em um território de jogo, os repertórios, experiências, reflexões e dúvidas presentes em cada um passam a habitar este novo lugar construído dentro de fronteiras de tempo e espaço definidos, aéreos, circulantes: respiramos o mesmo ar, preenchido de expirações e ideias diversas.

Só percebemos o diverso pela identificação

de que não somos nós, em

sobreposição ao que somos.

jogo

arte

educação

experiências

mediação

artigo artigo

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 1110 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

tempo cotidiana, com todas as

suas nuanças. Só percebemos o

diverso pela identificação de que

não somos nós, em sobreposição

ao que somos.

No campo da representação

simbólica, vale olhar para como o

contorno na pintura, uma das be-

las revoluções pictóricas de Cézan-

ne [clique aqui para ver as obras e

ler sobre o artista na Wikipedia],

traz um indício metafórico da ten-

tativa herdada do Romantismo

de compreender o mundo como

denominação, desenhar as bordas

do que pode se definir como indi-

víduo. Isto é isto, isto não é aquilo,

isto não sou eu. Do mesmo modo,

c a m i n h a n d o

pelas fronteiras que nos definem,

Antony Gormley apresenta, no iní-

cio dos anos 80, um conjunto de

três esculturas de chumbo cons-

truídas com base no molde de seu

próprio corpo, um vestígio ressig-

nificado em que as figuras, ocas,

concentram sua comunicação com

o exterior a partir apenas de di-

ferentes orifícios, destacados um

em cada uma delas. Three Ways:

Mould, Hole and Passage [clique

aqui para ver a foto e a descrição

da obra no site da Tate Britain - em

inglês] também traça seu território

de reflexão sobre as remotas pos-

sibilidades de troca entre o mun-

do interior e o mundo exterior de

cada unidade humana existencial,

tendo o corpo como metáfora do que é indivisível.

A palavra inspiração traz já na sua formulação etimo-

lógica a ideia de circulação invisível entre este território

mapeado do corpo e o mundo exterior. Apresenta-se in-

dissociável do processo de troca entre corpo e mundo,

associado com o ar que insufla os pulmões trazendo vida

ao corpo. Historicamente foi vinculado a um sopro trans-

cendente, que de modo místico internaliza aspirações

divinas no indivíduo, tornando-o um veículo de algo

maior, mais leve que o ar. Embora as construções so-

ciais e religiosas tenham se transformado, a ideia de

que encontrar inspiração é ser tomado por algo maior

que nós mesmos ainda está bastante presente. Por ou-

tro viés, se dizemos que alguém nos inspira, reconhecemos

que algo que tal pessoa exala, por suas palavras, pensamentos ou

Stella Ramos é licenciada, bacharel e mestre em Artes Plásticas pela Unicamp. Atua

desde 1999 com educação e pesquisa em diversos museus, centros culturais e ongs.

Trabalha com formação de educadores e com o desenvolvimento de materiais educa-

tivos para instituições culturais, especialmente na produção de conteúdo e texto. Tem

especial apreço por trabalhar com equipes e com o desenvolvimento de propostas

que conjuguem e expandam os campos do jogo e da arte, como estratégia para

transformação. Acredita na potência do afeto e da delicadeza. É Pós Graduada em

Educação Lúdica pelo ISE - Vera Cruz (SP). Além do jogo tem interesse por literatura e

cinema. É integrante do coletivo Zebra5.

realizações, nos preenche com um material diverso do que somos,

trazendo novas perspectivas e possibilidades.

Tenho estado envolvida há quase duas décadas com mediação cultu-

ral, uma prática de educação não formal que está baseada nas conexões

que se estabelecem entre arte ou cultura e processos artísticos; no seu

diálogo com públicos diversos e nas proposições artísticas e seus es-

paços de circulação pública. Dentro dessa prática, encontramos lugares

híbridos, delimitações móveis e territórios em constante movimentação.

Conjugar encontros, criação e escuta, ser capaz de compreender que as

paisagens mobilizadas no outro a partir da convergência com arte são

em sua maioria inacessíveis aos olhos alheios são parte dos desafios e

delícias que compõem nossa pesquisa. É bastante comum, nas conver-

sas que estabelecem nosso trabalho, que algumas pessoas tragam a

demarcação deste lugar da criação artística a partir de um momento ins-

pirado, algo que torne o artista maior do que ele mesmo ao realizar uma

obra. Do mesmo modo, é comum a expectativa de que o educador de

arte traga explicações e revelações definitivas, vindas de seu repertório e

pesquisa sobre determinado artista ou período histórico. É possível esta-

belecer, entretanto, que a ideia da inspiração, presente frequentemente

em conversas sobre o universo da arte, se conecta de modo orgânico

com as intermitências propostas por Huizinga, muito mais baseadas na

ideia de troca entre os dois ambientes sugeridos pelo traçado da frontei-

ra. A circulação entre dentro e fora é mais interessante do que o foco no

sopro, unilateral e unívoco. O acesso ao transcendente, dentro dessa prá-

tica, tem uma via rica que trata da construção coletiva. Quando estamos

todos dentro de um mesmo território de jogo, os repertórios, experiên-

cias, reflexões e dúvidas presentes em cada um passam a habitar este

novo lugar construído dentro de fronteiras de tempo e espaço definidos,

aéreos, circulantes: respiramos o mesmo ar, preenchido de expirações

e ideias diversas. Tratar de inspiração é habitar esta área em constante

transformação, mas que só existe como tal enquanto os corpos ali pre-

sentes podem dispor de suas aspirações em conjunto.

A palavra inspiração traz já

na sua formulação etimológica a

ideia de circulação invisível entre este território mapeado

do corpo e o mundo exterior.

artigo artigo

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 1312 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

Entrevistamos o Vice-Presidente da FMC América Latina, Ronaldo Pereira, que conta como a empresa lida com a inspiração e quais são algumas das ações que tornaram a FMC a quinta maior empresa mundial do setor agroquímico.

Foto

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ção

A diferença entre criar e inspirar é, segundo definições

do dicionário Houaiss:

“Criar: fazer existir, dar origem, a partir do nada”. As-

sim, criação é um ato, um processo ou efeito de criar algo.

“Inspirar: introduzir ar nos pulmões; exercer ou sofrer in-

fluência animadora; entusiasmar-se”. Então, pergunto:

como é o processo de criação e inspiração no desenvolvi-

mento de novos produtos da FMC?

Nossa inspiração é o campo. O negócio agrícola é amplo e se

apoia em uma missão nobre por si só: produção de alimentos,

f ibras e energia sustentáveis. Ser um elo dessa cadeia e, por-

tanto, dessa missão, equivale a ser constantemente desafiado

a concil iar formas de aumentar a produção sem causar dese -

quilíbrios. Dessa missão vem nossa inspiração para criar novos

produtos: sabemos que o agricultor precisa produzir mais, na

mesma área plantada, controlando ao máximo os danos causa-

dos por pragas e doenças, contudo util izando tecnologias que

sejam cada vez menos agressivas ao ambiente, aos aplicadores

e aos consumidores. Enfrentar esse desafio é uma tremenda

fonte de inspiração que orienta e movimenta todo o nosso pro-

cesso de inovação.

No mundo atual, com todas as dificuldades econômicas,

sociais e ambientais, você acredita que existam matérias-

-primas (no sentido de entusiasmo) para inspiração?

Não tenho nenhuma dúvida disso. A maneira como vemos o

mundo é uma escolha, não um fato. Em outras palavras, podemos

ver o mundo atual como uma série crescente de dificuldades. Mas

também podemos pensar que, em vários aspectos, vivemos um

momento maravilhoso. Nunca tanta gente foi tirada do nível de

pobreza extrema, e a agricultura e o alimento barato têm muito a

ver com isso. A concentração excessiva de riqueza continua sendo

algo a ser combatido, mas a evolução da educação, o acesso ao

alimento e à informação e a conectividade têm nivelado as pes-

soas, ao menos nos aspectos mais básicos. O progresso tecnológi-

co tem sido mais rápido do que podemos acompanhar, ao mesmo

tempo que os desafios também crescem de maneira exponencial.

Veja o caso da agricultura: enquanto as demandas por qualida-

Inspirar para crescer

entrevista entrevista

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 1514 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

de, quantidade e sustentabilidade na produção agrícola cres-

cem a todo momento, também as tecnologias

não param de trazer novas ferramentas,

incluindo sementes modificadas, pro-

dutos biológicos para controle de pra-

gas e doenças, novas plataformas de

produtos químicos menos agressivos,

máquinas inovadoras de alto rendimento

e, mais recentemente, toda uma onda de

tecnologias e produtos relacionados com o

ambiente digital, causando um novo salto na

gestão das propriedades rurais. Essa dinâmi-

ca toda é altamente inspiradora e sempre há

aqueles que se propõem a abraçar esses tempos

e esses desafios.

A inovação é um dos valores da FMC e ino-

var é tornar novo, ou seja, renovar algo que

já existe. Então, entendo que antes de ino-

var é preciso que haja primeiro uma inspiração (no sen-

tido de influência animadora), depois uma criação e por

último a inovação. Você concorda? Poderia dar um exem-

plo em que a inspiração, a criação e a inovação acontece-

ram ou acontecem na FMC?

Concordo. As inovações são essenciais para que possamos evo-

luir e é um princípio básico de todo negócio. Buscamos a inspi-

ração em todos os níveis da corporação e sempre com a ótica no

que é foco para o nosso cliente. Em todo processo de inovação o

cliente deve estar no centro da discussão para que ele perceba o

valor de tudo o que estamos fazendo. Inovar é mandatório desde

o processo mais complexo, como da criação de uma nova molé-

cula ou formulação, ao mais simples, como em ajustes de siste-

mas e formas de atendimento. São inúmeros exem-

plos que desenvolvemos e continuaremos a

buscar ao longo da nossa vida. Temos

diversos casos para compartilhar —

vou me ater ao mercado de algodão,

um cultivo que tem uma longa história

com a FMC, e em relação ao qual nossa

estratégia sempre foi evidentemente ins-

pirada em nosso cliente: o cotonicultor.

Há 18 anos, num evento da FMC e com

um trabalho de apoio na estruturação,

nasceu a Abrapa (Associação Brasileira

dos Produtores de Algodão). A necessi-

dade naquele momento era unir o setor

para construir bases fortes e diálogo de

evolução conjunta. Há alguns anos, a produ-

tividade do algodão estava num crescente acele-

rado e chegou o momento de buscar mercados inter-

nacionais. Realizamos, então, o evento Brazilian Cotton

Lint, que trouxe os 20 maiores compradores de fibra

do algodão para o Brasil. Fomos, com essa comitiva, a

diversas fazendas para que esse intercâmbio não apenas criasse

uma relação comercial, mas que eles pudessem indicar os cami-

nhos de melhoria dos processos das fazendas que fortalecessem

nossos clientes e assim montassem um modelo sustentável de

exportação do algodão brasileiro. Passados alguns anos, vemos as

exportações crescendo com base em certificações como Better Co-

tton Iniciative, e nossos clientes nos olham e agradecem até hoje

por termos estado ao seu lado e percebido do que eles realmente

precisavam. Atualmente, o foco dos cotonicultores está voltado

à valorização do algodão no mercado nacional, unindo todos os

elos participantes da cadeia produtiva da fibra, desde o produtor,

passando pela fiação, tecelagem, malharia, confecção e varejo,

chegando ao consumidor. E a FMC novamente está lá apoiando,

participando ativamente do comitê estratégico do movimento

Sou de Algodão (www.soudealgodao.com.br), cuja ideia central

é ressaltar os atributos positivos de valor e sustentabilidade desta

matéria-prima entre os que produzem e consomem moda. Acre-

ditamos muito que semeando e cultivando, construiremos uma

história de vida única e importante para os nossos clientes e toda

a sociedade nacional.

O escritor nor te-americano Mark Twain (1835-1910)

dizia que a inspiração é fruto de um relâmpago e

que uma boa ideia é uma lâmpada acesa. Você con-

corda com essa ideia de inspiração como um momento

repentino?

Nunca pensei nisso sob esta luz e não sei se me qualifico

para discutir este assunto... Talvez a inspiração seja realmente

um momento repentino, mas há uma alimentação prévia que se

dá dia a dia, na obser vação da realidade e no mapeamento dos

problemas. Explicando: penso que são a vivência e o conheci-

mento do nosso setor que nos tornam aptos a ter um flash, um

instante de inspiração que resulte na criação de algo de valor

prático. Para resolver um problema é preciso conhecê-lo com

cer ta profundidade. Por isso, a proximidade com o cliente e o

conhecimento profundo de vários aspectos de sua atividade

são valores impor tantes para nós. É a vivência desses valores

que nos possibilita e nos habilita a continuar criando soluções

inovadoras que permitam a agricultores do mundo todo seguir

adiante na tarefa de alimentar o mundo com quantidade e qua-

lidade em todos os aspectos.

Em todo processo de inovação o

cliente deve estar no centro da

discussão para que ele perceba o valor

de tudo o que estamos fazendo.

entrevista entrevista

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 1716 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

Voz e Inspiração: Daúde

Fotos: Divulgação e Pantera Filmes

O escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910) dizia que a

inspiração é como se fosse um relâmpago e que uma boa ideia é

como se fosse uma lâmpada acesa. Você sente isso no seu traba-

lho? Quais são os relâmpagos e lâmpadas acesas em todos esses

anos como cantora?

Acredito que a inspiração caminha lado a lado com a

intuição e tem como complemento o inconsciente coleti-

vo. Várias vezes pensei em projetos que foram realizados

por outras pessoas, e isso nunca significou perda de reali-

zação, mas sim que eu estava no caminho certo. A inspira-

ção pode chegar, mas o trabalho focado para torná-la real

é a chave de tudo, e para mim a lâmpada ou o relâmpago

aparecem quando a inspiração se materializa.

Inspiração é uma palavra que remete à entrada de ar nos pul-

mões e também à capacidade criativa. Considerando essas duas

acepções, como ela está presente no seu trabalho?

A inspiração não está todo tempo em mim. Por vezes

me alimento do trabalho de outros artistas, admirando sua

força, coragem, beleza e assertividade. O outro também

será sempre uma fonte de inspiração para o meu caminho.

O Espaço Ética realizou em 24 de novembro de 2017, em São Paulo/SP, o 1º Encontro sobre Ética, cujo tema foi Ética nos Negócios.

Renomados palestrantes, executivos e acadêmicos deram vida à programação, e para abrilhantar e descontrair o evento, a cantora Daúde marcou presença com sua sonoridade ritmada e dançante.

Com 25 anos de carreira e muito sucesso, ela respondeu a três perguntas sobre inspiração, que você confere abaixo.

Vivemos um momento atual bem complicado. Você tem encontrado

inspiração para o seu trabalho? Como é esse processo?

Sim, por meio da constatação de que estamos todos no mesmo

barco, e o espírito de tribo é importante nesses momentos. Tenho en-

contrado muito meus colegas para discutir, questionar e criar... Tudo

isso nos fortalece!

... pong

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 19

ping...

18 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

Recantos para

inspiraçãoMainá Santana

ESPAÇO MULTIARTÍSTICO CAPITAL 35

Capital 35 é um espaço bastan-

te múltiplo. A casa, situada em

Perdizes, tem uma diversidade de

ambientes que contempla a gama

de ações artístico-culturais propostas pelos re-

sidentes e convidados. De espaço de coworking

artístico à Airbnb, a Capital 35 existe desde 2012

e é sede da Jorge Garcia Companhia de Dança,

dirigida pelo coreógrafo Jorge Garcia, e do Prego

Batido, escola de música e estúdio do percussio-

nista Eder “O” Rocha. Além das atividades realiza-

das por esses dois núcleos independentes, a casa

recebe regularmente outros colaboradores nacionais e internacio-

nais que ministram oficinas, workshops, realizam apresentações e

exposições temporárias.

Programas de formação em artes, exibições de vídeo, exposições tem-

porárias, programas de residência artística, bazares, festas e, às sextas e

sábados, espetáculos de dança, teatro, música e performance. O coletivo

Instituições são feitas por pessoas. Seus defeitos, qualidades, inseguranças, conceitos, preconceitos, aspirações, desejos, inspirações. Começando 2018 com o pé direito, a seção Culture-C vem dialogar com você, leitor, buscando trazer lugares novos e multiplicar experiências — as nossas e as suas.São Paulo é uma imensidão. Ao prezar pela nossa rotina, muito da cidade nos escapa e locais, espetáculos, livros, conversas e filmes escondidos podem trazer experiências novas e diferentes com o mundo. Aqui, neste Recanto, compartilharei com vocês um pouco daquilo que encontro pela cidade.Nesta edição, selecionei dois espaços multiartísticos, a Capital 35 e o Kasulo Espaço de Cultura e Arte.

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Culture-C

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 21

Culture-C

20 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

de artistas que gere a casa desenvolve uma série de ações públicas com

pensamentos ressonantes na economia criativa e na gestão colaborativa

de espaços autogeridos. E o lugar é agradável, aconchegante e intimista.

Para a equipe, a Capital 35 é um local de confluência de ideias e

desejos em relação à arte contemporânea. Um espaço afetivo que

abriga artistas com trajetórias diversas, uma profusão de pessoas que

compartilham o entendimento de que é na lida cotidiana, na prática

ao longo do tempo e nas trocas com o trabalho dos outros que novos

modos de produzir arte, fruir experiências e viver podem surgir. Ou

seja, um novo contexto de produção em arte contemporânea.

Além de atividades públicas com curadoria dos artistas residentes

da Capital 35, a casa possui um espaço cênico, salas de trabalho, espa-

ços de convivência internos e ao ar livre e uma cozinha compartilhada

que podem ser alugados, sendo alguns desses espaços acessíveis ape-

nas por escada. A casa ainda oferece Wi-Fi livre e cardápio com sopas,

petiscos, cervejas e vinhos nos dias de espetáculo.

SERVIÇO

Rua Capital Federal n° 35 – Perdizes, São Paulo. Próximo ao metrô

Sumaré e Av. Professor Alfonso Bovero.

Horário de funcionamento | De segunda a sexta, das 15h às 19h

E-mail | [email protected]

Telefone | (11) 3467-3524

facebook.com/capitalc35/

Aceita dinheiro e cartão de débito | $

KASULO ESPAÇO DE CULTURA E ARTE

Kasulo Espaço de Cultura e Arte é um interessante espa-

ço cênico situado na Barra Funda. Foi fundado em 2008

pelo coreógrafo Sandro Borelli inicialmente para ser a

sede de duas companhias, a Cia Carne Agonizante (da

qual é diretor e coreógrafo) e a Cia Fragmento de Dança. Ao longo

dos anos, o Kasulo passou a abrigar e desenvolver atividades artísticas

permanentes, como oficinas de dança clássica e contemporânea, ofi-

cinas de teatro e iluminação cênica, preparação corporal para atores,

discussões de políticas culturais, rodas de conversa com escolas públi-

cas e espetáculos de diversos grupos culturais da cidade.

Um bonito projeto realizado no Kasulo é a Terça Aberta. Uma ter-

ça-feira por mês a Cia Fragmento de Dança, dirigida por Vanessa

Macedo, abre as portas do local para novos e renomados criadores

apresentarem seus espetáculos em processo, sempre com uma roda

de conversa para ouvir a devolutiva do público.

O espaço é administrado pelos diretores das companhias e conta

com a colaboração dos artistas residentes para a produção e organi-

zação de suas atividades. Segundo Vanessa, o Kasulo atua como um

espaço de resistência diante da situação político-econômica enfren-

tada pela cultura na cidade, tendo seu sentido orientado à criação,

difusão e formação em dança, dialogando com diversos artistas e

suas produções.

A sala cênica fica no segundo andar e o acesso é feito apenas

por escadas. Apesar disso, o público encontra assentos agradáveis,

todos com boa visibilidade, e uma sala de espera, em geral, com

quitutes preparados pelos artistas.

SERVIÇO

Rua Souza Lima, 300 – Barra Funda, São Paulo. Próximo ao metrô

Marechal Deodoro, conta com estacionamento próximo.

Horário de funcionamento| segunda a sexta, das 9h às 22h. Aos fins

de semana, consultar programação

E-mail | [email protected]

Telefones| (11) 3666-7238 e (11) 96667-1312

facebook.com/Kasulo-Espaço-de-Cultura-e-Arte-267827213292082

Aceita apenas dinheiro | $

Aconteceu:

conteceu nos dias 16 e 17/12 no Centro Cultural Banco

do Brasil a Mostra de Primeiros Filmes na programação

Férias Para Todos. A proposta foi falar sobre as represen-

tações do corpo e reuniu curtas-metragens de jovens

artistas extremamente talentosos, alguns premiados e outros com in-

dicações a prêmios pelos seus trabalhos. Pude assistir e participar da

roda de conversa com os diretores e com o curador da Mostra, André

Fratti Costa, no primeiro dia do evento. Além da linha temática pro-

posta, o mediador Reinaldo Cardenuto agregou outras convergências,

como a relação entre espaço privado e espaço público e como os es-

paços modificam a nossa experiência com o mundo. No segundo dia

de Mostra, a mediação contou com a presença de Marta Nehring. Nem

todos os curtas estão disponíveis on-line porque ainda circulam em

festivais nacionais e internacionais, mas a lista é maravilhosa e vale a

pena ficar de olho!

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Culture-C Culture-C

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 2322 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

Ainda não, 21’, dir. Julia Leite

Sinopse: Nos dias que precedem seu aniversário, Marina recebe a vi-

sita de sua mãe.

Diva, 17’57’’, dir. Clara Bastos [https://vimeo.com/167755722] - trailer

Sinopse: Camila se aproxima das drag queens que habitam a pen-

são de Bella.

Enquanto calam-me os agudos, 18’24’’, dir. Laís Perini, Laysa Elias

e Letícia Bina

Sinopse: Por meio da colagem de imagens captadas na cidade de São

Paulo, junto a relatos de mulheres contemporâneas e de outrora sobre

como é habitar e resistir no meio urbano, Enquanto calam-me os agudos

apresenta uma constelação de vozes que ecoam o espírito de luta da

mulher que perfura o tempo.

O chá do general, 22’, dir. Bob Yang [https://vimeo.com/230065422]

– trailer

Sinopse: Huang, um general aposentado chinês, mora sozinho no

centro da cidade. Tradicional e conservador, quase não sai de casa. Um

dia, recebe a inesperada visita de seu neto.

Ouroboros, 17’, dir. Beatriz Pessoa e Guilherme Andrade [https://vi-

meo.com/226241138] – trailer

Sinopse: Um pai se torna selvagem em busca de vingança, mas des-

conhece que, em seu próprio habitat, ele também é um animal.

Sam, 8’29’’, dir. Miguel Moura [https://vimeo.com/229632109] - trailer

Sinopse: Julia quer implodir.

Seria melhor se você tivesse morrido, 19’52’’, dir. Clara Ferrer e

Marcella de Finis [https://vimeo.com/224860761] – trailer

Sinopse: Em meio aos dourados dias da adolescência, Ciça e Beca se

desconstroem, perdem suas bases, desabam. Quando se levantam no-

vamente, não são mais quem costumavam ser. De certa forma, é como

se aquelas meninas do passado tivessem morrido.

Translúcidos, 14’20’’, dir. Coletivo Gleba do Pêssego [https://vimeo.

com/216108296]

Sinopse: Translúcidos narra a vida de pacientes presos em uma clínica de

tratamento de disforia de gênero. Ali, transgêneros vivem à base de medi-

camentos e técnicas de aversão, fazendo um claro comentário sobre a pre-

sença de transgeneridade na Classificação Internacional de Doenças (CID).

A programação do Férias Para Todos, com a curadoria do coletivo ZE-

BRA5 – Jogo e Arte, contou com diversas outras atividades, todas gratuitas

e para todas as idades, como oficinas, espetáculos de música, cinema e

performances.

alforriaé palavra, som, sentidotocando meu eu sustenidoinsiste me fazer escreverdançar pelo rir e sofrer

artista, em tanto que sobrada crise à última obra,o que sou entreato e agora

e dói sentir muito assimfogo longínquo ardendo em mimimprimo a mordida no peitomantenho o quedar do fardo rarefeito

forma de vida sem fôrmaou lugar onde aperte e transbordemeu corpo transparece a desforra

que o sapato do calo é a artea mesma que a alma retomaafirmação do que falo e reflitoinfinitude instável na qual acredito

Gosta de escrever poesia? E de dançar, atuar, pintar? A partir das próximas edições, esta seção será exclusiva para textos dos nossos leitores! Envie material com o seu nome (ou pseudônimo, fique à vontade!) para que a gente publique e compartilhe na revista e em nossas mídias sociais. Todos têm arte fluindo nas veias, que tal mostrá-la para o mundo? Estamos a um clique de distância :) [email protected] te encorajar, eu começo:

Culture-C

24 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

Arte em vo-C

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 25

Atitudes equilibradas de pessimismo e otimismo são condições necessárias para atingimento das metas existentes no mercado. Porém, atitudes pessimistas parecem trazer mais resultados que atitudes otimistas.

economia de

pessimismoconfiança

Uma dose salutar de pessimismo

Andrei Venturini Martins

princípio mais importante em uma economia de

mercado é a confiança. A concessão de crédito de-

pende da estabilidade desse princípio: só há crédito

se o credor acredita que o

devedor tem responsabilidade finan-

ceira para saldar seu compromisso. Se

de um lado o devedor desfrutará de um

bem no presente com a promessa de

pagá-lo no futuro, de outro aquele que

custeia o crédito acredita que o tomador

irá produzir o bastante para saldar sua

dívida. Mas se formos prudentes nos

negócios a ponto de não nos esquecer

de que sem o homem não há economia

– e assim levarmos em consideração as

inúmeras contingências às quais o ho-

mem está sujeito, certamente os valores

morais que sustentam o mercado moderno – confiança e respon-

sabilidade – poderão dissolver-se no ar. Vejamos.

O homem é inconstante e inquieto, de modo que uma palavra

dada não é um testamento imutável. São inúmeras as fraquezas,

tentações, paixões, dissabores, reviravoltas e tendências imorais

que habitam o frágil coração humano,

levando-o, talvez, à irresponsabilida-

de perante seus compromissos. É certo

que a estrutura legislativa busca ofe-

recer algum amparo para que o crédi-

to confiado a um indivíduo, ou mesmo

a uma grande empresa, seja de algum

modo saldado; todavia, as leis que pa-

recem resguardar o credor são incapa-

zes de neutralizar todas as intempéries

a que o homem está sujeito – falência,

doenças, morte – as quais, por sua vez,

colocariam a certeza de pagamento em

xeque. É por este motivo que um pro-

fissional atento às tragédias que inviabilizariam um dado projeto

assume uma postura típica do pessimismo cuidadoso, que pode

mercado

O pessimismo é um modo de pensar permeado

pela prudência

O

... ponto

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 27

contra...

26 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

ser um ingrediente importante para uma

reflexão econômica que pretende integrar

em seus gráficos e números as misérias da

condição humana.

O pessimismo é um modo de pensar

permeado pela prudência, interessado em

detectar os l imites dos empreendimentos

antes mesmo de projetar estratégias para

vencer os obstáculos. Ele desconfia das

esperanças utópicas que não consideram

os possíveis erros que obliterariam o ca-

minho previa-

mente traçado, zela pelos valores

da tradição que nor tearam a ação

do homem até o presente, e ao to-

mar uma decisão que lhe outorga-

ria alguma vantagem, não se es-

quece de entrever os revesses: um

pessimista não deixa de considerar

o pior dos cenários. Em sua obra

As vantagens do pessimismo (Edi-

tora É Realizações), Roger Scru-

ton nega-se a conceder o título

de pessimista àquele que procura

agir dessa maneira, considerando-

-o um otimista cuidadoso, pois é

“alguém que mede a extensão de

um problema e consulta o estoque existente de conhecimento

e autoridade a fim de resolvê-lo”. Conhecimento das soluções

já testadas e auxíl io das autoridades que a tradição consagrou

são fundamentais para ponderar as futuras decisões. A exis-

tência está sujeita a inúmeros solavancos, de modo que

nenhuma abstração econômica ou legislativa é capaz

de prever todos os incidentes que nos espreitam – a

vida pulsa a ponto de sair do nosso controle. De al-

gum modo, f icamos à mercê do caos.

Isso significa que tanto nos negócios quanto na exis-

tência, há limitações que podemos reconhecer, mas a

imper fectibilidade humana não nos permite desvendar

tudo. Se é verdade que “a sabedoria raramente está em

uma única cabeça”, então a situação fica ainda mais

crítica quando não se tem uma equipe de pensadores

capazes de prever as possíveis reviravoltas de um

cer to empreendimento. Diante disso, caberia

aos líderes compor grupos de trabalho

que estejam permeados pelas men-

talidades mais variadas, pois só

assim serão avaliados

os pontos e contrapontos, consideradas as teses e as antíteses,

para que, enfim, a decisão verdadeiramente refletida seja to-

mada, promovendo uma ação mais prudente pelo embate das

divergentes cabeças pensantes.

Em um trabalho de equipe, o otimista poderá imprudente-

mente proporcionar riscos. Por um lado, sabe-se que os ris-

cos podem trazer em grande escala os benefícios previamente

postulados, mas, por outro, podem colocar tudo a perder. Uma

equipe composta só de otimistas é um tiro no escuro. Já o pes-

simista, radicalizando sua visão de mundo, cria um ambiente de

extrema prudência que amplifica o confor to das decisões ao di-

minuir os riscos. Porém, uma equipe só de pessimistas torna-se

cega quanto à possibilidade de alavancar números, deixando

muitas vezes dinheiro na mesa. Percebe-se, pois, que tanto o

De algum modo,

ficamos à mercê do

caos.

posicionamento demasiado otimista quanto o pessimista têm

seus pontos de estrangulamento. Buscando uma medida mais

equilibrada, vejo no funcionário que consegue mesclar em si

o otimismo do progresso e o pessimismo da prudência maior

completude, otimizando os lucros quando possível e galgando

voos mais modestos quando necessário.

Otimismo e pessimismo são temperamentos que não se

aprendem nos bancos escolares ou universitários. As experiên-

cias da vida modelam o caráter de cada indivíduo, influencian-

do de algum modo suas ações. Caberá ao gestor detectar as

características de cada funcionário e compor grupos de trabalho

cujas diferenças são fatores relevantes para o sucesso.

Curiosamente, o profissional pessimista está em falta no

mercado. O otimismo irresponsável venceu.

Andrei Venturini Martins é doutor e docente em Filosofia. É autor das obras A verdade é Insuportável e Do reino nefasto do amor-próprio. Realizou o comentário e tradução da

obra Discurso da reforma do homem interior, de Cornelius Jansenius.

contra... ... ponto

Janeiro/Fevereiro 2018 • Revista Inspire-c | 2928 | Revista Inspire-c • Janeiro/Fevereiro 2018

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