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Integridade no Direito segundo Ronald Dworkin - "O império do direito" e "Domínio da vida" Os resumos a seguir remetem a alguns trechos das obras "O império do direito" e "Domínio da vida", onde Ronald Dworkin aborda as questões de integridade no direito. No direito ambiental, essa discussão fornece subsídios para que seja possível pensar as legislações ambientais e políticas públicas de forma a hamonizar as necessidades sociais com a integridade dos sistemas jurídicos. Por vezes, pode parecer que certas políticas ambientais sejam contrárias à ordem jurídica vigente. No caso de programas como o bolsa família e pagamentos por serviços ambientais, por exemplo, nota-se que se constroem mecanismos para retribuir indivíduos por observar a lei. No caso do programa Bolsa-Família, os responsáveis pela criança possuem o dever de mantê-la na escola, sem que seja necessária uma retribuição por isso. De igual forma, nos pagamentos de serviços ambientais, em casos de área gravada pro uma obrigação legal (como as áreas de preservação permanente) pode haver mecanismos de retribuição por evitar o desmatamento: retribui-se pela manutenção de características naturais. Seria contrário à integridade do direito ou

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Integridade no Direito segundo Ronald Dworkin - "O império do direito" e "Domínio da vida"

Os resumos a seguir remetem a alguns trechos das obras "O império do direito" e "Domínio da vida", onde Ronald Dworkin aborda as questões de integridade no direito. No direito ambiental, essa discussão fornece subsídios para que seja possível pensar as legislações ambientais e políticas públicas de forma a hamonizar as necessidades sociais com a integridade dos sistemas jurídicos. Por vezes, pode parecer que certas políticas ambientais sejam contrárias à ordem jurídica vigente. No caso de programas como o bolsa família e pagamentos por serviços ambientais, por exemplo, nota-se que se constroem mecanismos para retribuir indivíduos por observar a lei. No caso do programa Bolsa-Família, os responsáveis pela criança possuem o dever de mantê-la na escola, sem que seja necessária uma retribuição por isso. De igual forma, nos pagamentos de serviços ambientais, em casos de área gravada pro uma obrigação legal (como as áreas de preservação permanente) pode haver mecanismos de retribuição por evitar o desmatamento: retribui-se pela manutenção de características naturais. Seria contrário à integridade do direito ou atentaria conta as instituições jurídicas instituir políticas dessa natureza? Dworkin ajuda a responder essas questões, sendo um autor que prevê inúmeras possibilidade para tornar possível a ordem jurídica.

RESUMO: O IMPÉRIO DO DIREITO

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

CAPÍTULO VI – INTEGRIDADE

A integridade se ajusta?

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O autor inicia sua abordagem afirmando a existência de dois princípios de integridade política. O primeiro seria a integridade legislativa, que seria observada pelos legisladores a fim da construção de um conjunto de leis moralmente coerente. O segundo, legislativo, demandaria que a lei fosse vista pelo magistrado através dessa ótica (moralmente coerente).

No entanto, cabe questionar se essa integridade é possível de ser ajustada às diversas situações sociais. O autor defende, nesse sentido, que a integridade é um ideal, mas que na realidade social é possível que haja situações em que se torne imperativo apoiar algo considerado “injusto”.

Sabe-se que por vezes (quando não frequentemente) a maioria deverá tomar decisões injustas sobre direitos individuais, mas isso não significa dizer que é necessário impedir que a maioria restrinja liberdades fundamentais.

Quando se busca proceder às conciliações internas dos mais diversos interesses, observam-se alguns pressupostos que não podem escapar à análise: todos aceitam que cada pessoa ou comunidade deve ter um controle mais ou menos igual sobre as decisões tomadas. Todos sabem que as pessoas têm diferentes opiniões. Parece correto a todos que a legislação sobre questões morais não deveria restringir-se à aplicação da vontade de uma maioria numérica. É possível aceitar que deveria haver negociações e acordos que permitissem uma representação proporcional de cada conjunto de opiniões num resultado final.

A partir desses pressupostos seria possível pensar um modelo salamônico, dividindo-se a aplicação de normas pautadas em distintas convicções morais, no entanto, essa aplicação acabaria se mostrando arbitrária. Assim, o autor questiona-se sobre o porquê da não consideração de instrumentos conciliatórios para a solução de situações em que a opinião da comunidade estiver dividida em face de um princípio. No entanto, ainda que isso seja observado haverá o risco da produção de situações injustas, pois, por exemplo,“quem acredita que o aborto é um assassinato pensará que a lei conciliatória que permite o aborto produz mais injustiça do que uma situação cabal (...) e quem acredita que as mulheres têm direito ao aborto vai inverter essas opiniões. Assim, os dois lados

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têm uma razão de justiça para preferir uma solução que não seja a conciliatória” (DWORKIN. 1999, p. 218-219).

No entanto, ainda que em algumas situações a solução conciliatória seja preferível, é possível questionar se essa solução é injusta, uma vez que trata pessoas diferentes de modo diferente sem boas razões para fazê-lo. Então, quando a justiça exige que casos semelhantes sejam tratados da mesma forma?

De qualquer modo, alguém poderia argumentar que em certos casos as soluções conciliatórias deveriam ser rejeitadas por simplesmente acreditar-se que seu uso poderia produzir novas injustiças. No entanto, Dworkin considera esse argumento tão absurdo quanto optar por beneficiar ninguém, quando se pode beneficiar um número maior de indivíduos afetados pela aplicação de um princípio, ainda que a escolha desses beneficiados acabe se mostrando arbitrária (mais por sorte do que por justiça). Considerando esses argumentos não há subsídios que excluam a adoção de soluções conciliatórias.

No entanto, o autor levanta a possibilidade da exclusão dessas soluções no fato de que talvez, a razão buscada não diga respeito ao número de casos de justiça ou injustiça, mas no fato de que ninguém deveria engajar-se na produção daquilo que considere injusto. Mesmo nesse caso, não parece ao autor justificável a rejeição da conciliação como um resultado que ela efetivamente representa.

Interessante, ainda, destacar, que nem todos condenariam qualquer solução conciliatória. É possível encontrar quem pense que é melhor que haja menos situações de injustiça, à existência de uma liberação da totalidade dessas injustiças. É mais aceitável a adoção de soluções conciliatórias pautadas na inclusão ou exclusão de situações de justiça ou injustiça à adoção de critérios arbitrários (exemplo da aceitação do aborto em caso de estupro e não de acordo à década de nascimento da mulher – p. 222).

No que tange à integridade do Estado, defende o autor que o “Estado carece de integridade porque deve endossar princípios que justifiquem uma parte dos seus atos, mas rejeitá-los para justificar o restante”. Esse argumento explicaria a lógica de quem se recusa a beneficiar uma parcela de pessoas e escolhe beneficiar

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ninguém. Se o Estado optasse por beneficiar alguns, escolhidos ao acaso, não teria violado nenhum princípio necessário à justificação de outros atos. Assim, o que a integridade condena é justamente essa incoerência de princípio entre os atos do Estado personificado.

Integridade e a constituiçãoNo exemplo norteamericano, a Constituição exige que os

Estados estendam a todos os cidadãos certos direitos e dá liberdade para que se reconheçam outros não constitucionais: se permite para alguns, deve permitir para todos. Essa questão acaba esbarrando na situação em que as condições internas acabariam negando a “igualdade perante a lei” e, por vezes, a “igualdade formal.

Outro aspecto importante no contexto do constitucionalismo norte-americano remete à questão de que se reconhecem os Estados como comunidades políticas distintas, dotadas de soberania sobre muitas situações de princípio. Assim, não há violação da integridade política na existência de delitos civis diferentes em cada Estado, por exemplo, pois essa estrutura considera as diferenças e legitima as divergências entre as legislações dos Estados. Ainda assim, permanece a questão: deixar certas decisões a cargo de cada Estado é coerente com o sistema constitucional norte-americano, que determina a aplicação e o alcance nacional de normas de igual importância?

A integridade é atraente?Ao considerar até onde vai a importância da integridade na

constituição política de um Estado, interessante pensar que na vida política, habitualmente, as análises se voltam para a discussão sobre instituições sociais e políticas, atacando-as ou defendendo-as, com base na noção individual de justiça e equidade. No entanto, há que se considerar que haverá situações em que a integridade colidirá com os ideais de equidade e justiça. Uma sociedade que aceita a integridade acaba por promover sua autoridade moral para assumir e mobilizar monopólio da força coercitiva.

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A integridade insiste em que cada cidadão deve aceitar as exigências que lhe são impostas e pode exigir dos outros que compartilham e ampliam as dimensões morais das decisões políticas explícitas. Essa idéia, portanto, irá determinar que a comunidade deve respeitar princípios necessários à justificativa de uma parte do direito, bem como do todo.

O enigma da legitimidadePara estabelecer uma relação direta entre integridade e

autoridade moral do direito é preciso voltar ao conceito de direito, que envolve a justificativa da coerção oficial.

A coerção oficial traz em si alguns problemas clássicos: o que pode conferir a alguém o poder autorizado sobre os governados? Por que a eleição pela maioria elege um regime específico que dá poder legítimo sobre os que votaram contra ele? Os cidadãos possuem obrigação moral genuína somente em virtude do direito, ainda que discordem da norma imposta? O fato é que “nenhuma política geral que tenha por fim manter o direito com mão de ferro poderia justificar-se se o direito não fosse, em termos gerais, uma fonte de obrigações genuínas” (p. 232).

Assim, defende o autor que um Estado que aceita a integridade tem um argumento melhor em favor de uma concepção do direito que considera a integridade fundamental: a integridade é mais fácil de ser legitimada.

O dever de ser justoRawls afirma que as pessoas deveriam reconhecer um

dever natural de apoiar instituições que sejam consideradas justas, que esse dever se estenderia às instituições não totalmente justas, mas cujas decisões são tomadas de forma imparcial e majoritária. Essa interpretação, no entanto, não fornece muitos subsídios para explicar a legitimidade, pois não apreende a essência do dever especial.

Jogo limpoO argumento mais popular para justificar a legitimidade

remete a que “se alguém recebeu benefícios na esfera de uma organização política estabelecida, tem então a obrigação de aceitar suas decisões políticas, tenha ou não solicitado esses benefícios ou consentido com o ônus de maneira mais ativa” (p.

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235). Esse argumento é contrário ao argumento do consentimento e da universalidade e poderia ser o mais forte rival da idéia de Dworkin – legitimidade com base na integralidade.

No entanto, o autor tece contra-argumentos para justificar sua tese:

1)      Não parece sensato que as pessoas possam adquirir obrigações simplesmente por receberem o que não buscavam e rejeitariam se pudessem;

2)      O argumento do jogo limpo é ambíguo, pois não se pode saber em que sentido se pressupõe que as pessoas se beneficiam da organização política e, portanto, tudo gira em torno do ponto de referência usado. Além disso, esse argumento não pressupõe que a condição dos indivíduos tenha melhorado por conta de uma organização social, mas que cada cidadão recebeu benefícios de tal organização (recebeu a parte que lhe cabe). Enfim, esse argumento não cabe, pois o fato de o indivíduo ser tratado com justiça por sua comunidade não implica assegurar-lhe qualquer vantagem material adicional por isso.

As obrigações da comunidadeCircunstâncias e condições

É comum pensar que as obrigações associativas ou comunitárias surgem apenas pelo pertencimento a grupos definidos pela prática social. Há uma opinião muito difundida de que as obrigações a que os indivíduos se submetem dependem de laços emocionais, o que se mostra falso no caso das grandes comunidades políticas.

No entanto, há alguns aspectos a serem levados em conta como o fato de que ninguém pode ter obrigações com outras pessoas, a não ser que as aceite. Os deveres contraídos, porém, só se sustentam quando satisfeitas certas condições, como a condição de reciprocidade.

Conflitos com a justiçaMesmo que sejam atendidos todos os requisitos para

obrigações comunitárias, tais obrigações ainda podem ser injustas em dois sentidos:

1)      Podem ser injustas para os membros do grupo – a concepção de interesse equitativo pode ser deficiente, ainda que sincera

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(esses grupos podem exigir que seus membros discriminem um ou outro);

2)      Essas obrigações também podem ser injustas para pessoas que não são membros do grupo. O grupo que aceita as obrigações pode exigir que seus membros discriminem as pessoas de fora do grupo.

O relato do autor sobre a obrigação associativa, então, possui argumentos de questões da prática social e questões de interpretação crítica. Assim, ainda que essas obrigações sejam genuínas (satisfazendo os requisitos propostos pelo autor) deve-se considerar se a injustiça é tão grave e profunda a ponto de anular essas obrigações (exemplo: práticas de pureza racial e discriminação). Isso não exclui a possibilidade de adoção de convenções injustas, desde que não excedam o moralmente aceitável, pois obrigações injustas criadas pela prática podem não ser totalmente extintas (exemplo: culturas em que os pais escolhem o cônjuge das filhas e não dos filhos, dependendo de como encaram esse costume).

Finalmente, ao se tratar a obrigação política como associativa, corroboram-se aspectos menos atraentes do nacionalismo, inclusive sua veemente aprovação da guerra em nome do interesse nacional. A esse respeito, defende o autor que quando houver conflito de interesses entre o nacionalismo militante e os padrões de justiça, são esses últimos que deverão prevalecer.

Fraternidade e comunidade políticaA melhor defesa da legitimidade política (o direito de uma

comunidade política impor obrigações aos seus membros em virtude de decisões coletivas da comunidade), para o autor, será encontrada nos âmbitos da fraternidade, da comunidade e de suas correspondentes obrigações e não onde os filósofos esperavam encontrar (nos contratos, deveres de justiça, jogo limpo e etc)<solidariedade>. Assim, as pessoas que pertencem a comunidades políticas básicas têm obrigações políticas, desde que atendidas outras condições necessárias às obrigações de fraternidade, o que leva o autor a indagar qual descrição dessas

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condições é apropriada a uma comunidade política: a obrigação central, para o autor, seria a da fidelidade geral ao direito.Três modelos de comunidade

Dworkin procura demonstrar que tratamos as comunidades políticas como verdadeiras comunidades associativas e que a questão mais importante não se refere às questões empíricas das atitudes institucionais, mas sim ao problema da interpretação da natureza do interesse e das responsabilidades mútuas que nossas práticas políticas devem expressar para justificar a pretensão que a comunidade possui.

Assim, passa-se a descrever os três tipos gerais de comunidade:

1.      Primeiro tipo: associação seria circunstancial, determinada por algum elemento do tempo ou do espaço. As relações nesse tipo de sociedade seriam embasadas pela noção de estratégia;

2.      Segundo tipo: Dworkin o denomina como modelo “das regras”, onde os membros da comunidade aceitam o compromisso geral por uma questão de obrigação e não de mera estratégia. Segundo esta concepção, as pessoas promovem sua concepção de equidade e justiça por meio da negociação e do acordo, sendo utilizado o argumento do jogo limpo de forma apropriada, já que esta concepção vê a comunidade como um jogo (esclareça-se, no entanto, que essa concepção é a mais vulnerável a todas as objeções sinalizadas).

3.      Terceiro tipo: seria aquele baseado na idéia de princípio, que concorda com o modelo de regras, mas mantém sua compreensão mais abrangente. As pessoas, nessa concepção, aceitam que são governadas por princípios comuns e não apenas por regras criadas em acordos políticos. Os membros dessa comunidade admitem que seus direitos e deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares e aceitam direitos e deveres, ainda que nunca tenham sido formalmente identificados ou declarados.

Analisando esses modelos, mostra-se que nos dois primeiros, prescinde-se da noção de integridade (argumento utilizado pelo autor para opor-se aos acordos conciliatórios). Já no terceiro modelo, cada uma aceita a integridade política como um ideal e busca aceitar esse ideal.

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Cada um desses modelos, portanto descreve uma atitude geral que seus membros adotarão em suas relações e admite tanto a existência de interesses puramente egoístas nessas relações, quanto interesses de construção de justiça e equidade. Para Dworkin, o terceiro modelo é o que satisfaz todas as condições necessárias a seu modo de vista:

1.      Torna específicas as responsabilidades da cidadania – respeitar os princípios;

2.      Torna as responsabilidades inteiramente pessoais – ninguém é excluído, onerado demasiadamente ou sacrificado, o que é reforçado pela idéia de integridade;

3.      Expressa um interesse não superficial;4.      É mantido pela legislação que rege a prestação jurisdicional e

sua aplicação. 

Uma comunidade de princípios, na visão do autor, aceita a integridade e condena leis conciliatórias e as violações menos clamorosas, refletindo a promessa de que o direito será escolhido, alterado, desenvolvido e interpretado de um modo global, fundado em princípios e suas decisões coletivas são questões de obrigação e não apenas de poder, em nome da fraternidade (o que não se observa nas outras formas de comunidade). Essa concepção vê, portanto, a integridade como parte fundamental de sua política, apresenta uma melhor defesa da legitimidade política do que outros modelos e, por este motivo, é o modelo que, para o autor, garante a contemplação da complexidade da vida, que vai muito além do tratamento das pessoas pelo mero interesse.

Notas desordenadas ao fim de um capítuloNos próximos capítulos o autor de dedica a um objetivo

específico: mostrar que a integridade é a chave para a melhor interpretação construtiva das práticas jurídicas. Para tanto, é necessário apresentar algumas observações, descritas a seguir.

Legislação de deliberação judicialO autor observa duas formas de integridade ao demonstrar

dois princípios:

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1.      Integridade na legislação: restringe a expansão ou alteração de normas;

2.      Integridade na deliberação judicial: que os juízes decidam de forma a entender o sistema de normas como um conjunto coerente de princípios.

A integridade, guiando o legislativo, portanto, deve justificar o porquê da não adequação de leis conciliatórias, que a violam flagrantemente. A integridade condena o resultado, mas a justiça prefere isso a nenhum avanço: “antes pouco do que nada” (1999, p. 262).Integridade e coerência

Integridade seria coerência (decisões de casos semelhantes à mesma maneira)? A integridade exige que as normas públicas da comunidade sejam criadas e vistas, na medida do possível, expressando um sistema único e coerente de justiça e equidade na correta proporção. Ainda assim, isso não deve ser confundido com o impedimento ao avanço no reconhecimento de direitos ou na sua exclusão <como pode haver novidade nas decisões de forma legítima, mas sem comprometer o sistema> (exemplo do tratamento especial dispensado aos advogados), conforme a adoção de determinados princípios. A integridade, portanto, diz respeito a princípios e não exige nenhuma forma simples de coerência em termos políticos.

CAPÍTULO VII – INTEGRIDADE NO DIREITOIntegridade e interpretação

O princípio judiciário da integridade parte do pressuposto de que todos os direitos e deveres legais foram criados pelo mesmo autor (a comunidade personificada). Segundo a idéia de direito como integridade, as proposições jurídicas são verdadeiras se constam ou se derivam dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade, sendo mais interpretativo do que o convencionalismo ou o pragmatismo.Integridade e história

A integridade não exige coerência de princípio em todas as etapas históricas do direito de uma comunidade (prevê as situações de desuso). Essa concepção somente se voltará ao

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passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim o determine e o reconhecimento da existência de um princípio não reflita a intenção do passado.

A cadeia do direitoO romance em cadeia

Dworkin utiliza a idéia de romance em cadeia para estabelecer um paralelo em face da integridade no direito. O romance em cadeia corresponderia a uma forma de produção literária em que um grupo de romancistas escreve um romance em série, cada romancista interpreta o capítulo anterior para escrever o próximo e assim por diante. Cada um deles deveria tentar criar o melhor romance possível como se fosse obra de um único autor e não como produto de diferentes mãos. Os romancistas deverão adotar um ponto de vista que permita decidir o que corresponde à continuidade e não a um novo começo e deverão lidar com as questões de modo complicado e multifacetado, pois o valor do bom romance não pode depreender-se de uma única perspectiva.

Ainda que cada um dos romancistas anteriores da cadeia assumisse suas responsabilidades de maneira séria, o texto ainda assim demonstraria as marcas de sua história e seria necessário, portanto, adaptar seu estilo de interpretação a essa circunstância. Essa “fantasia” do romance em cadeia será útil para fundamentar alguns argumentos do autor.Uma objeção enganosa

O romancista em cadeia não tem nada no qual possa afastar-se ou apegar-se enquanto não elaborar um romance em execução a partir do texto. Surge a dúvida a respeito do limite que deve observar o novo romancista para respeitar o texto anterior e quanto deve ser livre para escrever o próximo.

Direito: a questão dos danos moraisDworkin explica que o veredito do juiz deve ser extraído

de uma interpretação que ao mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e os justifique, até onde isso seja possível. Para explicar as questões envolvidas nessa questão de interpretação, utiliza um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas e que

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aceita o direito como integridade, a quem chama de juiz “Hércules”.Seis interpretações

Para resolver casos complicados, como o caso McLoughlin, onde as duas partes citam precedentes, Hércules deve se manifestar, primeiramente, colecionando as mais diversas hipóteses possíveis. Dependendo da hipótese, dará preferência a um princípio em detrimento de outro, tendo como conseqüência a possibilidade de diferentes resultados.

A escolha entre todas as hipóteses possíveis deverá levar em conta que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre justiça, equidade e devido processo legal adjetivo.

Algumas objeções conhecidasHércules conclui, no caso McLoughlin, que a melhor

interpretação aplicável, dentre todas as que foram levantadas, seria a que o direito permite indenização por qualquer dano moral diretamente causado por um motorista negligente, que poderia ter previsto o acidente se fosse razoavelmente sensato. No entanto, essa opinião é um tanto polêmica, pois não é compartilhada por todos os juízes. É possível interpretar essa objeção de duas formas diferentes:

1. A opinião poderia significar que Hércules estava errado ao justificar sua interpretação com base na equidade, pois ela nem mesmo sobrevive ao exame preliminar da adequação. Mesmo assim, não se pode pressupor que Hércules esteja errado, somente sendo possível que tenha agido com um pouco mais de descuido;

2. A segunda afirma que um juiz não pode confiar-se somente em suas convicções pessoais sobre equidade e justiça do modo como Hércules fez nesse caso. O crítico argumentaria que a correta interpretação deveria vir da neutralidade, baseando-se nos princípios que os juízes utilizaram para tomar decisões, o que corresponde a uma questão de fato histórico. No entanto, Dworkin demonstra que essa objeção, que substituiu a interpretação correta do direito anterior por convicções políticas, é um emaranhado de confusões.

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Hércules é um impostor?Essa objeção argumenta que é um absurdo que exista uma

única interpretação correta dos casos de danos morais. A escolha de Hércules, nesse caso, foi claramente política e, por isso, ele acabou criando um novo direito em consonância com sua escolha e que, portanto, este não é o conteúdo exato do direito. Seria esta uma objeção fundada? Mais uma vez observam-se duas respostas:

1.      A primeira remete ao fato de que pode haver uma resposta certa à questão da interpretação, uma opção pode ser mais justa e equitativa que outra;

2.      A segunda informa que Hércules é uma fraude por pretender haver descoberto o que é o direito, mas só descobriu o que este deveria ser.

No entanto, deve-se ponderar que caso Hércules tomasse uma decisão diferente, o espírito de integridade, que situamos na fraternidade, seria violado se não fosse a escolha do que lhe pareceu melhor do ponto de vista da moral política como um todo. Enfim, sua escolha final foi a que ele considerou como mais bem fundada em sua totalidade e isso decorre do seu compromisso com a integridade.

O ceticismo no direitoO desafio do ceticismo interior

A recusa em aceitar a opinião popular de que não existem respostas exclusivamente certas nos casos difíceis de direito tem sido mal compreendida enquanto aspecto do direito como integridade e isso tem refletido na divergência entre os juízes sobre qual das saídas será mais equitativa ou justa. Assim, observa-se um impasse, pois não existem padrões neutros que possam ser utilizados de forma que Hércules é um impostor porque finge que suas opiniões subjetivas são melhores que as outras. Seria mais honesto, portanto, admitir que seus fundamentos correspondem as suas preferências pessoais.Estudos jurídicos críticos

O cético poderia argumentar que os princípios são mais profundamente antagônicos, sofrendo-se uma profunda esquizofrenia doutrinária. Onde Hércules vê um sistema, os céticos só vêem contradições filosóficas. Na tentativa de provar

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seu posicionamento, Hércules empreende “estudos jurídicos críticos”. O problema desses estudos jurídicos críticos é que eles mais anunciam do que defendem as teses, como se por si mesmas já fossem evidentes o que esbarra na questão de que o argumento deve ser interpretativo e não histórico.

CAPÍTULO X – A CONSTITUIÇÃOO direito constitucional estaria baseado em um erro?

Um dos debates mais acalorados nos Estados Unidos refere-se aos juízes da Suprema Corte em casos em que se questiona se o Congresso, algum estado ou o presidente têm o poder legal de fazer algo que um ou outro tentou fazer. Assim, a questão crucial não é saber que poder tem a Corte Suprema, mas como deve ser exercido seu vasto poder.Liberais e conservadores

A imaginação popular considera alguns juízes “liberais” e outros “conservadores”, parecendo dar preferência a esses últimos. Essas duas categorias de juízes, no entanto, estão de acordo quanto o texto pré-interpretativo da Constituição, mas divergem enquanto direito pós-interpretativo. Dworkin demonstra, ainda, que essa divisão é um tanto inútil, pois é possível observar que juízes liberais quando nomeados, tornaram-se conservadores ao longo do tempo e vice-versa. Assim, seria mais interessante um novo esquema classificatório menos rígido.HistoricismoA intenção do fundador como intenção do locutor

Na academia passou-se a distinguir os juízes da seguinte forma: os interpretativos e os não-interpretativos. Essa distinção também é perigosa, pois sugere que as decisões constitucionais devem basear-se, principalmente, na interpretação da própria Constituição. Portanto, os grandes debates sobre o método constitucional ocorrem no âmbito da interpretação e não no âmbito de sua importância.

Ainda assim, mostra-se que podemos utilizar o termo “historicista” para designar o interpretativista, que limita as interpretações aceitáveis da Constituição aos princípios que exprimem as intenções históricas dos fundadores – o juiz filiado a esta corrente só aceitará que a cláusula de igualdade perante a lei

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torne possível ou impossível a segregação imposta pelo Estado se acreditar que os fundadores da Constituição assim pensavam. Essa visão torna, portanto, imprescindível conhecer o estado de espírito dos fundadores para que seja possível uma interpretação histórica. A interpretação, assim, somente seria possível ao combinarem-se as convicções reestruturadas de diferentes legisladores individuais num sistema geral de convicções institucionais. O historicista precisa recuperar suas convicções mais abstratas perguntando-se que concepção de igualdade se deve entender que foram estabelecidas.Justiça, equidade e governo da maioria

A prática constitucional seria interessante se as vedações constitucionais fossem mais estritas, permitindo que os legislativos fizessem praticamente tudo o que a maioria quer? Para ajudar a responder a pergunta, Dworkin lembra que, nos capítulos anteriores, abordou-se o reconhecimento de virtudes políticas diferentes, que podem competir entre si para comporem a justificação de determinada decisão. A Constituição seria mais justa se as restrições ao governo da maioria fossem mínimas?

O autor busca demonstrar essa possibilidade com base em dois fundamentos:

1.      A Constituição é melhor se não impõe restrições à maioria (passivismo);

2.      Qualquer restrição deve destinar-se a proteger o caráter democrático do processo legislativo e não a verificar o desejo da maioria. Esse argumento não nega que os indivíduos possuam algum direito contra a maioria.

Os passivistas que recorrerem à idéia de equidade deverão defender duas afirmações dúbias: uma é a de que a equidade exige que a maioria dos votantes de qualquer jurisdição legislativa só seja restringida naquilo que uma maioria pode fazer. Em segundo lugar, devem sustentar que a equidade política assim entendida é de importância fundamental no contexto constitucional. Dworkin, portanto, mostra sua argumentação contra o historicismo e o passivismo enquanto interpretações gerais da prática constitucional norte-americana.

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A decisão do caso BrownQual a teoria da constituição?

Dworkin demonstra, a partir do caso Brown, como a falta de argumentação adequada leva à necessidade de desenvolver sua teoria funcional da jurisdição constitucional (quem era a favor da segregação argumentava a vontade de Deus, por exemplo).

Hércules, nesse caso está pronto para decidir contra o Estado, reconhecendo a inconstitucionalidade da segregação racial imposta pelo Estado, pois, sob nenhuma interpretação as escolas públicas tratam os negros como iguais nas escolas públicas segregadas.Remédios e direitos

Dworkin questiona sobre a velocidade da implementação de direitos recém-reconhecidos, como no caso Brown. Seria mais interessante acabar imediatamente com a segregação ou fazê-lo gradativamente? Assim, tece argumentos em favor dos prazos para que isso não seja realizado de forma brusca, ou seja, apesar de que a lei exija o desmantelamento do sistema escolar de segregação, razões de ordem política desaconselham tal conduta. Decidir entre uma ou outra interpretação deve levar em conta a complexidade em tratar tanto o remédio quanto a substância. Hércules deve decidir, como uma questão liminar geral, se a melhor interpretação das práticas remediadoras dos tribunais em geral e da Suprema Corte em particular exigem que os direitos das pessoas ao remédio sejam sensíveis às consequências, visando assegurar a possibilidade de tal direito no interesse daquele que o detém.

Como conseqüência dessa decisão, observou-se uma expressiva mobilização do aparelho estatal para tornar possível o direito a “não-segregação” (exemplo do transporte de crianças entre os bairros e etc.). No entanto, de acordo com o direito como integridade, essa intrusão judicial nas funções administrativas é apenas a conseqüência, em circunstancias extremamente especiais e conturbadas. Diante desse fato, a tese se Hércules se mostra plausível: os juízes tem a obrigação de fazer cumprir os direitos constitucionais até o ponto em que o cumprimento deixa de ocorrer no interesse daqueles que os direitos deveriam proteger.

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A decisão do caso BakkeO caso Bakke decorre das divergências ocorridas por conta

dos programas de ações afirmativas (ou discriminação inversa) instituídos nos Estados Unidos. O exemplo trazido pelo autor é do sistema de cotas raciais instituído na Universidade da Califórnia onde uma cota foi separada para candidatos pertencentes a uma minoria.

Bakke afirmou que esse sistema era ilegal porque não dispensava igual tratamento na disputa por vagas. Dworkin procura demonstrar como o juiz Hércules encararia esse caso: seria necessário analisar a pertinência entre as teorias das categorias banidas ou das fontes banidas. Hércules, portanto, ao analisá-las dará preferência à teoria das fontes banidas. Na defesa de Bakke, seus advogados poderiam invocar a teoria das categorias banidas, mesmo que essa defesa não esteja amparada por nenhum princípio.

Hércules é um tirano?Dworkin, sobre a natureza de Hércules procura demonstrar

o quanto tenta fugir das classificações convencionais dos juízes: não é historicista, aventureiro adepto ao direito natural, nem passivista, nem ativista. Se não fugisse a essas classificações não seria Hércules.

De forma resumida, Dworkin o defende, argumentando que as críticas dirigidas por alguns juristas a Hércules são injustas. Hércules não é um usurpador do poder democrático pois, quando intervém no processo do governo ao declarar alguma lei inconstitucional ele o faz baseado em seu julgamento sobre o que sejam a democracia e a Constituição.

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DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais.Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

O DRAMA CONSTITUCIONALO autor inicia o texto questionando-se a respeito da questão

do aborto, afirmando como positivas as respostas para as seguintes perguntas: A Constituição dos Estados Unidos menciona o direito ao aborto? Os homens que a redigiram pretendiam criar tal direito? Para Dworkin sim, e isso se explicaria não apenas por fatos lingüísticos e históricos, mas por uma questão política mais geral: a forma republicana de governo e sua disciplina exercida por meio do controle e da ponderação.

Nesta visão, destaca-se uma das características mais marcantes de sua Constituição: os limites impostos às instituições (direitos fundamentais descritos na Declaração de Direitos e Garantidas da Constituição). Quanto a esta Declaração, mostra-se que é possível criar duas visões de Constituição a partir delas:

1.      Encarar a Constituição como ordens abstratas que exigem o respeito aos princípios mais fundamentais de liberdade e decência política, mas deixando a cargo dos estadistas e juízes decidir como isso deve ser aplicado concretamente. A conseqüência seria que, nos casos difíceis, os juízes deverão responder a questões que os filósofos têm debatido há séculos, sem chegar a uma perspectiva de consenso. Essa forma de consenso concederia um grande poder aos juízes, o que para muitos americanos parece errado e perigoso, levando-os a preferir o segundo modelo.

2.      O segundo modelo, por sua vez, consiste em interpretar essa previsão de direitos e garantias como expectativas muito específicas e concretas (criar uma Constituição extremamente detalhada). Segundo este prisma, a Primeira, a Quinta e a Décima Quarta Emendas só incluem aquilo que estava previsto como liberdade de expressão ou liberdade fundamental à época, não sendo possível utilizá-las para novas situações (como por exemplo, o direito a produzir e publicar pornografia ou o direito ao aborto, restringindo-se a questão à intenção do constituinte

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sobre esses temas quando elaboraram a Constituição). Esta visão seria menos nobre que a primeira de forma a ser vista, inclusive, como limitada. Ainda assim, ela poderia mostrar-se mais segura que a primeira.

Como melhor resposta a ser adotada entre as duas opções, Dworkin defende a primeira, contanto que a interpretação do juiz seja pautada em princípios, ao invés de nos detalhes e pergunta-se: que tipo de constituição temos? Assim, ele pondera que o público se preocupa mais com a questão política do tipo de Constituição que deveríamos ter do que com argumentos técnico-jurídicos sobre a que já temos. Assim, se a interpretação seguir no sentido de que se aceite uma Constituição de princípios, deverá haver liberdade para que os juízes considerem princípios fundamentais de justiça e decência de forma independente sem que isso redunde em anti-democracia. Dworkin atribui o sucesso da democracia construída nos Estados Unidos a sua inovação consistente na idéia de que o governo seja regido não por homens e mulheres, mas por princípios.

Assim, na visão do autor, seria possível por meio dessa via (justificação das sentenças por argumentos de princípio e de equidade) assegurar restrições genuínas ao poder do juiz.

Geralmente, quem está contra a decisão Roe contra Wade também está contra a Constituição baseada em princípios, pois ela daria muito mais subsídio à fundamentação utilizada na decisão, como se a questão do aborto estivesse movendo o debate em torno da teoria constitucional, e não o contrário: “deveríamos usar o raciocínio inverso: decidir o que a nossa Constituição diz sobre o aborto somente depois de termos decidido como a Constituição de uma sociedade justa protege a liberdade e dignidade individuais” (2003, p. 174).

Muitas das decisões tomadas posteriormente à segunda guerra mundial tenderam para a satisfação dos mais liberais: muitos juízes considerados conservadores, passaram não só a atuar de forma mais liberal, como se tornaram defensores da Constituição de princípios. Não obstante, ao mesmo tempo, observa-se também juízes que denunciam enfaticamente a Constituição de princípios como uma invenção perigosa.

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Diante das divergências sobre o tema, Dworkin cita o exemplo das cláusulas mais importantes da Quinta, Décima e Quarta emenda, que trazem preceitos abstratos como a proibição de que o governo interfira sobre a vida, a liberdade e a propriedade sem o devido processo legal, sem estabelecer se esse direito pressupõe o direito a um advogado providenciado pelo Estado. De qualquer modo, tendo em vista que a liberdade e a igualdade se sobrepõem em grande parte às cláusulas constitucionais, é considerada em si mesma, abrangente no mesmo sentido, devendo, portanto, reger essa discussão.

Dworkin demonstra, ainda, a questão dos direitos enumerados e não enumerados: chegou-se a argumentar que o direito à privacidade, reconhecido no caso Griswold e em outros casos envolvendo contraceptivos, do qual derivou o direito ao aborto em Roe contra Wade não é mencionado na Constituição. É certo que essa distinção possa não fazer sentido quando aplicada às cláusulas abstratas de igual proteção, mas faz sentido em algumas circunstâncias: proibir pistolas, granadas, facas ou explosivos em avião não quer dizer que a proibição se estenda ao gás lacrimogêneo. No entanto, essa distinção seria simplesmente irrelevante, pois ninguém acredita que as palavras “liberdade de expressão” ou “igual proteção” não se traduzem especificamente em “americanos tem o direito de queimar bandeiras” ou “leis que excluem mulheres de certos cargos são inconstitucionais”. Entretanto, a força dos argumentos para fazer a associação entre o escrito e o não escrito se resume na teoria moral substantiva que pressupõe; porque sua afirmação central é bem fundada ou porque reúnem condições essenciais para uma sociedade verdadeiramente livre, afinal, nem o direito de queimar a bandeira, nem de não discriminar as mulheres nas relações de trabalho e nem o direito ao aborto estão expressos na Constituição e, portanto, nenhum deles pode estar mais próximo ou mais distante que outros: essa distinção é inútil.

Assim, ao analisar o problema em torno do originalismo, questionando-se sobre a observação ou não das intenções dos legisladores, o autor destaca que se ignora a seguinte questão: há uma distinção entre o que as pessoas querem dizer com aquilo que pretendem, ou melhor, com aquilo que esperam que venha a

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surgir como resultado do que disseram. A Constituição não diz somente o que os pretendiam seus idealizadores (isso seria uma concepção pouco verdadeira ou, por vezes, absolutamente falsa). Isso tornaria a Constituição um documento detalhado e concreto, que os revisionistas preferem ao invés de ser efetivamente a afirmação abstrata de princípios que é. Além disso, um mandamento pode gerar entendimentos diversos sobre uma norma, alterando a percepção sobre o que se diz em contraposição ao que se pretendia (exemplo do sanduíche saudável, p. 187 ou das “punições cruéis e incomuns” p. 188-189).

Como conclusão a respeito do originalismo, Dworkin considera que ele não seria nem controverso e nem importante se apenas levasse os juízes a interpretar a Constituição de acordo com o que seus autores queriam dizer. O originalismo, portanto, diz aos juízes que fiquem atentos não ao querem dizer os legisladores, mas ao que pretendiam alcançar. Por outro lado, isso pode ser ainda totalmente inútil, pois pressuporia que fossem provadas as intenções dos autores e como os juízes deveriam torná-las decisivas. Dentre as intenções, é preciso decidir seguir as mais abstratas ou as mais detalhadas no caso em que pareçam conflitantes (exemplo do ensinamento da mãe sobre negócios. P. 190). Assim, parece não haver dúvidas de que o desejo mais geral deveria ser respeitado, ainda que para que isso fosse concretizado e fosse necessário agir de acordo com as próprias convicções do estaria enquadrado nesse ideal geral.

Portanto, as intenções dos autores eram honradas e não cínicas. Eles pretendiam comprometer a nação com princípios abstratos de moral política sobre valores como: liberdade de expressão, processo legal justo, punição apropriada e igualdade, por exemplo. Eles mesmos tinham divergências quanto à efetiva aplicação, tarefa que, hoje, incumbe aos juízes. Sem argumentar sua escolha, os originalistas defendem que os juízes devam dedicar-se mais às convicções mais concretas dos legisladores do que a seus ideais mais abstratos.

Em resumo: “tudo o que um juiz comprometido com a interpretação original exige é que o texto, a estrutura e a história da Constituição lhe ofereçam não uma conclusão, mas uma premissa maior. Essa premissa é um princípio (...)” (2003, p.

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198). Diante desse fato, a interpretação mais natural da Declaração de Direitos e Garantias parece dar aos juízes um poder assustador e, por este motivo, é compreensível que se tente atenuar a Declaração, instituindo-se o que Dworkin chamou de Constituição de selos. No entanto, esses esforços tendem sempre ao fracasso, pois seus fundamentos são espúrios.

Assim, ao retomar a abordagem sobre a integridade constitucional, o autor defende que o originalismo não pode nos salvar do poder judicial. A Constituição insiste que os juízes busquem elaborar, reinspecionar e revisar a estrutura das liberdades e de igual consideração, dando o melhor de si, abandonando buscas inúteis de restrições mecânicas e semânticas e procurando restrições genuínas com base na boa argumentação. Para tanto, o autor defende que a comunidade norte-americana deve insistir no alto nível intelectual de seus juízes, pois, o vício das más decisões são as argumentações e as convicções equivocadas. Ainda assim, nem mesmo a mais escrupulosa atenção à integridade será capaz de tornar as sentenças uniformes. O ponto central da integridade, portanto, é o princípio, não a uniformidade. 

* Resumos apresentados na diciplina "Teoria Geral do Direito Constituciona", ministrada pela profs. Dra. Vera Karam de Chueiri, na Universidade Federal do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. 24/05/2011Publicado por Danielle de Ouro Mamed en 12:52Enviar por correo electrónico Escribe un blog Compartir con Twitter Compartir con Facebook 0 comentarios:Publicar un comentario en la entrada