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1
SOCIEDADE DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA COMUNICAÇÃO
INTERCOM 1997 - SANTOS, SP
“20 ANOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO - COM DESTAQUE PARA HQ”
GRUPO DE TRABALHO DE HUMOR E QUADRINHOS
EXPRESSIONISMO CARICATURADO
U m a C o m p a r a ç ã o
A Charge e a Caricatura nos dias atuais
substituindo o Expressionismo na interpretação dos
sentimentos humanos e das circunstâncias sociais.
por
Márcia Salles Okida
2
“...meu grande desejo é aprender a fazer tais incorreções,
tais anomalias, tais modificações, tais mudanças da
realidade, de forma que resultem, sim, mentiras, se lhe
apraz, mas mais verdadeiras que a verdade literal.”
Vincent van Gogh
3
Márcia Salles Okida
Designer em Comunicação Visual;
Profª de Informática aplicada na
Produção Gráfica da Faculdade de Artes e
Comunicação Social nos Cursos de Jornalismo
e Publicidade da UNISANTA;
Profª de Planejamento Gráfico em Jornalismo
da Faculdade de Comunicação Social no curso
de Jornalismo da Facudades AELIS.
4
Agradecimentos à:
Alexandre Valença Alves Barbosa
Deborah Salles Okida
Rogério do Nascimento Godinho
5
ÍNDICE
Resumo ............................................................................................................. 6
Apresentação .................................................................................................... 7
Introdução ......................................................................................................... 8
Definições ......................................................................................................... 9
Histórico ........................................................................................................... 10
Breve histórico Expressionista.............................................................. 10
Breve histórico das Charges e Caricaturas ............................................ 11
Os Artistas ........................................................................................................ 13
Goya ...................................................................................................... 13
Munch ................................................................................................... 14
van Gogh ............................................................................................... 15
Metodologia ...................................................................................................... 18
Transformação ...................................................................................... 18
As Obras ............................................................................................... 19
Conclusão ......................................................................................................... 25
Bibliografia ....................................................................................................... 26
Fontes de Apoio ................................................................................................ 27
6
.
RESUMO
O texto que se apresenta busca a aproximação entre o movimento artístico Expressionista e
os estilos de desenho conhecidos como Charge e Caricatura. Estes substituiriam aquele na
interpretação dos sentimentos humanos e das circunstâncias sociais. Para uma melhor
análise das semelhanças e diferenças, solicitou-se a um ilustrador que transformasse obras
clássicas expressionistas em charges ou caricaturas.
7
APRESENTAÇÃO
aricaturar a arte, esta é a essência deste trabalho.
O Expressionismo Caricaturado são as charges e caricaturas que vemos hoje e que
tem como seu conteúdo principal, a emoção, o interior das pessoas, suas preocupações,
frustrações e problemas sociais.
Essa transformação, que será feita depois de uma análise de cada meio artístico — a
arte expressionista, as charges e caricaturas — é a principal abordagem deste trabalho. As
obras de arte de Vincent van Gogh, seu estilo de vida e o modo como transportava a vida
para as suas telas serão a base de todo este estudo.
Seus trabalhos, que serão caricaturados ou chargeados no decorrer do texto, servem
para que possamos notar que a arte expressionista continua viva e sempre esteve presente
dentro do nosso meio. O significado psicológico existente em praticamente todos os seus
quadros pode ser comparado aos traços rápidos e objetivos dos ilustradores de hoje que
transformam problemas sociais, algumas vezes de difícil compreensão para a maioria da
população, em desenhos simples de rápido entendimento para todos os níveis sociais.
A aproximação do público da arte da caricatura e a similaridade com obras de um
século passado retratadas nas obras de um pintor que, em sua época, sempre foi tão envolto
em sombras sobre a sua personalidade e senso artístico, só nos faz compreender e aceitar
que a arte, seja qual for o seu modo de representação, sempre servirá para mostrar às
gerações atuais e futuras o modo de vida de uma sociedade e os problemas que à aflige.
A caricatura, por ser uma arte mais abrangente e que atinge todas as camadas sociais,
e faixas etárias, facilita a compreensão dos problemas de uma geração. Pode-se dizer que
caricaturar as obras expressionistas é um meio de entender mais facilmente como foi a vida
de uma época, e como ela pode influenciar as pessoas.
Em cada traço está representada uma emoção, em cada cor um sentimento e em cada
método de organização formal um apelo social. Assim é a arte expressionista, as charges e
assim é o Expressionismo Caricaturado.
C
8
INTRODUÇÃO
elacionar o Expressionismo de pintores como Francisco Goya, Vincent van Gogh ou
Edward Munch com as Charges e Caricaturas dos dias atuais, pode parecer um
objetivo um tanto incomum, ou melhor, sem sentido. Mas, se buscarmos as raízes desse
movimento que vem a tona, desaparece por uns tempos, ressurgindo com novas formas e
características próprias, perceberemos que o Expressionismo é um tipo de movimento
artístico que não se caracteriza em uma época definida, mas sim, se desenvolve ao longo
dos anos, e porque não, séculos, sempre com a mesma intensidade e com os mesmos
objetivos.
Política, angústia, solidão, crítica social, repressão, obsessão, tristeza, amargura,
poder e submissão, escuridão, luz e sombras... são assuntos constantes do Expressionismo.
Temas transmitidos através dos desenhos e pinturas com uma força tal, capaz de
movimentar a alma humana e provocar revoluções inconscientes, trazendo novos
pensamentos de uma forma forte e assustadora sobre coisas que fazem parte de nossa
natureza e que no fundo parecem relegadas ao desprezo e esquecimento.
Essa obsessão e frustração quanto aos sentidos da vida e aos “porquês” de certas
atitudes sociais e humanas são a mola mestra desse movimento. Esses “porquês” do
expressionismo são uma constante em nosso cotidiano, estão sempre presentes em uma
forma de arte bastante comum e livre mostrando sua garra e força para toda uma sociedade,
visando com isso, abrir os olhos para a realidade em que vivemos. Essas artes comuns e
livres que são a Charge e a Caricatura mostram, através da força de um traço ou cor, todo
um questionamento de uma época, a angústia de um povo ou sua revolta, de maneira
simples e geralmente cômica.
Usando temas sociais e políticos como fonte de inspiração, a Charge e a Caricatura
expressam um modo de vida e os problemas de uma sociedade. Transmitem às pessoas toda
uma gama de informações sociais.
Esses artistas de hoje fazem a crítica social sobre um determinado modo de vida,
demonstrando consideração ao povo, destacando detalhes que muitas vezes passariam
R
9
desapercebidos não fosse a força de seus traços, nos fazendo lembrar do vigor dos pincéis
de Vincent van Gogh, que transmitiu todo respeito ao esforço do trabalhador e a sua luta
por uma vida melhor e digna.
DEFINIÇÕES
Expressionismo:
• do latim expressione + ismo, significa expressão. Arte que tende a deformar ou
exagerar as realidades por meios que expressem os sentimentos e a percepção individual ou
social de maneira intensa e direta.
Caricatura:
• do latim caregare, carregar, desenho que pelo traço, pela escolha de detalhes,
acentua certos aspectos caricatos de uma pessoa ou fato. Reprodução deformada de algo.
Charge:
• representação pictórica de caráter burlesco e caricatural em que satiriza ou critica
um fato específico. Geralmente de caráter político e social.
Podemos observar que nas três definições temos como pontos em comum: crítica,
fator social, deformação de expressão, emoção, preocupação em retratar a realidade. Esses
fatores são, para cada um dos termos definidos acima, fundamentais em cada tipo de
representação artística.
É exatamente através destas similaridades que será traçado um comparativo entre o
Expressionismo, mais especificamente das obras de Vincent van Gogh, e as Charges e
Caricaturas dos dias atuais.
10
HISTÓRICO
Breve histórico expressionista
entro da História da Arte, existem movimentos artísticos que não tem uma época
histórica bem definida. Estes, são constantes em nossas civilizações, como por
exemplo, o Barroco e o Realismo. Assim é, também, o Expressionismo, que aparece como
um furacão, trazendo toda a sua força e ferocidade, mudando as coisas dos seus lugares para
que depois tudo comece novamente a se movimentar e crescer a sua volta.
Por onde passa o Expressionismo, vão emoções desenfreadas, opiniões caracterizadas
em telas e desenhos, realidades em formas de traços e cores. Por onde passa, uma força
emocional traduz-se nas mais belas obras de uma época. A geração expressionista dá à luz a
um tipo de arte que é símbolo de um novo ser humano embasado na crença de um mundo
belo, estranho, misterioso e terrível. Todos os artistas da época são possessos, na busca
pessoal pela real expressão de seus sentimentos. Todos os lugares por onde vagueiam esses
artistas respira-se expressionismo, iniciando-se, então, uma nova busca pela realidade
transfigurada na arte.
As principais características das obras expressionistas são as circunstâncias dolorosas,
a preocupação com os fatores sociais e o sentimento trágico da existência. Essas
características, essa preocupação com a vida, podem ser encontradas desde o período
Românico, passando pelo Gótico, entrando no Renascimento, onde Michelangelo já então
parecia querer desencadeá-lo no seu Julgamento Final da Capela Sixtina, com toda uma
paixão e força pela vida. No século XVIII temos Goya, que além de neoclássico foi típico
do período Romântico e percurssor da pintura moderna, e no final do século XIX, Vincent
van Gogh, ou apenas, Vincent 1, vindo da divisão Impressionista, localizado por alguns
como Pós-Impressionista e por outros como um legítimo precursor do Expressionismo. No
século XX, será abordado brevemente Edward Munch.
1 Será usado o nome Vincent, em vez de van Gogh, pois assim é que ele é tratado nas maiorias das
biografias feitas em seu nome como também, ele próprio preferia ser chamado dessa maneira, como dizia: “ninguém saberia pronunciar van Gogh”.
D
11
Breve histórico da Caricatura e Charge
Expressar os fatores sociais e suas influências fazendo uma análise político/social e
servindo como elemento de estudo para a História e Sociologia, faz da caricatura uma arte
cada vez mais autêntica.
Caricatura é a arte de caracterizar, de sublimar um gesto, de notar um jogo de
fisionomia, unindo os aspectos mais inesperados, de um mesmo modo, formando assim
uma nova, única e inédita visão, transportada para o papel pelos artistas da caricatura e das
charges.
A arte da caricatura “... é empregada com maior êxito em vingar as virtudes e as
dignidades ultrajadas, apontando ao público, único tribunal a que eles não podem fugir; e
fazendo tremer a simples idéia de ver suas loucuras, seus vícios, expostos à ponta acerada
do ridículo, aqueles mesmos que enfrentariam com desdém censuras atrozes” 2.
Caricaturar para caracterizar. A caricatura é uma arte tão antiga quanto a existência do
próprio homem, e por que não dizer, mais antiga do que o homem.
Levando em consideração que Deus criou o Diabo através da caricatura de um Anjo,
com asas de morcego, nariz de águia, chifres de touro, língua de serpente, pés de cabra,
garras de macaco e rabo de leão 3, é essa a primeira caricatura existente e com isso
podemos afirmar que a caricatura tem a idade do tempo e vem sempre acompanhando o
homem insatisfeito e oprimido. Fazendo uma comparação, nas charges e caricaturas, os
artistas criam defeitos, distorções, desvios, que exprimem os vícios e atitudes sociais
ridículas e as vezes até condenáveis pela sociedade.
Quando o termo caricatura apareceu no século XVII era sempre associado com
brincadeira. Já no século XVIII, o conceito aproxima-se mais do cômico, mas também se
reconheceu o motivo original da caricatura que consistia na sagacidade de caracterizar as
expressões humanas. A caricatura passou a ser um meio de chegar a certos fins morais e
políticos.
2 Afirmação extraída do livro Rulers for Drawing Caricatures, with an Essay on Comic Painting — Londres,
1788 do seu autor, capitão Francis Grose. Presume-se que seja a primeira obra dedicada aos estudos dos quadrinhos e caricaturas 3 LIMA, Hermam. História da Caricatura no Brasil. p.33
12
“Admitamos que num retrato um grande pintor tenha descoberto e traduzido a
expressão mais completa de que um homem seja capaz, o que se possa chamar de o
instante-tipo desse homem. Se mais tarde o pintor encontrar seu modelo, quase sempre
pensará estar vendo uma caricatura.” 4
“...quando se tem de representar certas personagens pela imitação, deve-se
necessariamente pintá-las melhores ou piores do que são.” 5
Essas duas afirmações exemplificam bem a relação existente entre a caricatura e o
artista que a faz. Os artistas da caricatura e das charges são uma espécie de profetas da arte.
Eles colocam na ponta do lápis, um determinado ângulo dos acontecimentos e das
personalidades até então desconhecidas pela sociedade, podendo até prever algumas
situações futuras.
A arma dos caricaturistas e chargistas dos tempos modernos é tão poderosa que
dispensa a distorção exagerada. Ela exprime a verdade, representa os fatos, fazendo com
que o espelho que é sua arte mostre a vida com suas ridículas e infames situações servindo
de exemplo para o amanhã. Vale lembrar, que não é a caricatura ou a charge que torna as
pessoas e os acontecimentos ridículos. Eles são ridículos por si mesmos e cabe ao artista
deixar isto transparecer de uma maneira suave, no entanto direta.
A arte da caricatura e da charge é de fundo plenamente instintivo. Seu poder de
síntese é o traço definidor de um caráter ou de uma situação, assim como, a sensibilidade e
o cuidado na observação, são fatores de extrema importância para que se tenha uma boa
receptividade do observador.
Na caricatura e na charge, todos os elementos de criação são resultado de uma atenta
observação do caráter físico, moral e social das pessoas e acontecimentos. Isso faz com que
exista caráter na caricatura e na charge.
Essa arte é capaz de igualar todas as classes sociais contribuindo para educar
artisticamente toda uma população e informar toda uma geração das linhas político/sociais
de uma época. Com isso podemos afirmar que a caricatura e a charge são artes simultâneas
de análise e da intenção.
4 Afirmação de Nietzsche. LIMA, Hermam. História da Caricatura no Brasil. p.6
5 Afirmação de Aristóteles. LIMA, Hermam. História da Caricatura no Brasil. p.7
13
Todas essas características fazem com que seja possível traçar um parâmetro entre a
relação da Arte Expressionista e as Caricaturas e Charges. Todos esses tipos de arte têm, em
suas existências, princípios: o instinto, a intuição, a observação e a intenção.
As obras de Vincent têm um grande peso de caricatura e charge, assim como o seu
estilo de pintura tem muito em comum com o estilo gráfico de composição das caricaturas.
Ambos os estilos se preocupam com o social, sendo fortes e marcantes nos seus modos de
apresentação, além de possuir cor, o que é de fundamental importância para que se obtenha
um resultado satisfatório.
Essas semelhanças entre a caricatura, a charge e o expressionismo serão a base da
transformação das obras de Vincent em charges e caricaturas atuais.
OS ARTISTAS
Goya
Francisco de Paula José Goya y Lucientes • 1746 - 1828
odemos definir Goya como um inquestionável realizador do primeiro expressionismo
da contemporaneidade, fator este, que pode ser observado através de suas Pinturas
Negras e sua série de Gravados.
“O sonho da razão concerne os monstros”. Essa frase, título de um de seus
Gravados, contém a característica de uma série de suas obras onde, perfeitamente, pode-se
compará-las às charges e caricaturas de hoje.
Obras essencialmente expressionistas com traços de crítica social bastante fortes,
mostram tudo o que Goya, praticamente sozinho, sentia naquela época onde a aterradora
Revolução Francesa e os seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade
transformaram o Homem Livre em um Homem Acorrentado.
Completamente fora da santa razão do século XVIII, Goya retratou, divulgou e
transformou em belas ilustrações todos os horrores da guerra que viu nas baionetas de
P
14
Napoleão. Informou a humanidade sobre as desgraças, mostrou o homem esquartejado e
barbarizado.
De seus Gravados, repletos de uma intensa preocupação social, podemos registrar as
quatro séries, onde, em todas as obras notam-se essas preocupações. São elas:
“Os Caprichos”: que em 1799 foi retirado de circulação pela Santa Inquisição;
“Tauromaquias”; Os Disparates” e “Os Desastres da Guerra”: este último datado de
1810, onde ele mostrou toda indignação pelos estupros, matanças e emboscadas da Guerra.
Em todas essas quatro séries a sátira e a crítica social é sempre nítida e constante.
Além dos seus gravados podemos observar, com especial atenção, uma obra
denominada “As Velhas”, datada entre 1810 e 1812. Um óleo sobre tela onde em uma
primeira observação do primeiro plano aparece a figura de uma senhora, que faz parte da
alta sociedade da época, (dado que se percebe através de suas roupas e jóias que esta
usando), admirando-se em um espelho segurado por uma outra senhora, de cor negra, ao
seu lado que também está observando a imagem refletida. No segundo plano, temos a figura
de um senhor observando as duas. Esta obra pode ser vista como uma perfeita Charge sobre
a velhice, a morte e a fome, o que será demonstrado no capítulo referente a Transformação
(ver p. 18).
Munch
Edward Munch • 1863 - 1944
Munch conheceu o impressionismo e a sua divisão em 1885, recebendo
imediatamente o impacto de Vincent e sua obra, sendo altamente influenciado pelo seu
trabalho. Sua pintura de sombras mostra a sua obsessão pelo social, pela solidão humana,
pelo mistério da vida, pela morte e pela dor. Se tivéssemos que analisar Munch somente
através de uma das suas obras, com certeza essa obra seria “O Grito” - 1893, que será
chargeada mais adiante, uma pintura social correspondente ao final do século XIX. A
mesma visão social que atormentou Vincent durante toda a sua existência, transparece em
15
várias de sua obras. Para Munch, suas obras eram “um poema da vida, e o amor e a morte”
6 .
van Gogh
Vincent Willem van Gogh • 1853 - 1890
Um expressionista à frente de todo Expressionismo europeu, assim podemos definir
Vincent van Gogh e suas obras.
No final do século XIX, Vincent, ícone desta época, vindo da divisão do
Impressionismo, o Pós-Impressionismo, gostava de reproduzir as angústias humanas. Com
sua pintura alucinada e extremamente forte ele procurava a verdade, demonstrando uma
paixão enorme pela realidade de pessoas simples, como trabalhadores, infelizes,
abandonados e transviados.
Através de uma total abnegação de sua própria vida, fazia dos seus pincéis a
ferramenta em busca da verdade, para sempre ir mais além na busca de si mesmo e do
mundo em que vivia. Vincent reproduziu numerosas cenas populares como, por exemplo,
miseráveis aguardando por um prato de sopa de noite à porta de uma casa chamada sopa
dos pobres. Desenhava homens empurrando carros, depósitos de lixos, pessoas
abandonadas, sempre colocando a sua crítica pessoal ao modo de vida que a sociedade os
obrigava a ter. Vincent se angustiava com as coisas humanas e como elas não iam bem e
era através de suas obras que ele tentava amenizar suas angústias.
Seu estilo de pintura e de representação fez com que ele mesmo percebesse que sua
pintura não estava dentro dos padrões impressionistas da época, e sobre isso escreveu:
“...estou começando a buscar uma técnica simples, que talvez não seja impressionista.
Gostaria de pintar de maneira que, a rigor, qualquer pessoa que tenha olhos possa ver
claro” 7 .
6 PRADO, Ediciones del. História Geral da Arte - Pintura V. p. 86
7 Trecho da carta nº 526, para seu irmão Théo, de 15 de agosto de 1888
16
Vincent, que morreu precocemente aos 37 anos, não chegaria aos novecentos do
século XX, mas sua dramática existência faz com que coloquemos suas obras dentro dessa
época. “A doença de produzir quadros terá tomado toda minha vida, e me parecerá não ter
vivido” 8 . Assim era o expressionismo de Vincent, o Expressionismo da hipertensão e do
amor ao vivo e visível.
Seu dramático cantar e sua personalidade intrigante, terrível e forte, fez com que fosse
visto como louco. Tinha uma imensa fome de dar-se totalmente aos outros e de transmitir
essa fome e força através de seus quadros.
No início de suas obras predominavam os tons terrosos e escuros, descobrindo depois
que com a força do uso das cores, principalmente no uso das opostas, como a junção dos
verdes e vermelhos, poderia exprimir as grandes paixões e desgraças humanas, fazendo
disso um marco de seu trabalho. Sua imensa necessidade de transmitir às pessoas seus
sentimentos, assim como, mostrar os pensamentos de um determinado modelo que estivesse
pintando, ficava clara em sua obras. Ele desejava “...exprimir o pensamento de uma cabeça
pela irradiação de um tom claro num fundo escuro” 9 .
Vincent possui uma forte diferença em relação a Goya: as cores que começou a usar
incansavelmente. Sua pintura cheia de amarelos, laranjas, azuis, verdes e tantos outros tons,
que eram empregados, geralmente, no casamento das cores opostas. Suas pinceladas
rápidas, desenfreadas e exaltadas, curtas e longas enchiam o quadro de movimento, fazendo
com que rapidamente uma simples idéia se transformasse em um belo quadro.
Rapidez, objetividade, preocupação com o homem e sua vida, são itens sempre
marcantes nas suas obras. Desde o início, quando desenhava ainda a lápis e papel,
demonstrava esse sentimento pelos miseráveis. Sua preocupação com as pessoas e como
retratá-las de uma forma original, sempre esteve presente. Mostrar o homem, suas angústias
com a vida e o meio em que vive foram alguns dos seus temas, “...a arte é o homem
acrescentado à natureza; à natureza, à verdade, mas com um significado, com uma
concepção, com um caráter, que o artista ressalta e aos quais dá expressão, ‘resgata’,
distingue, liberta, ilumina” 10
..
8 Trecho da carta nº 557, para seu irmão Théo, datada de outubro de 1888
9 . Trecho da carta de nº 531, para o seu irmão Théo, datada de 1º de setembro de 1888
10 Trecho da carta nº 130, para seu irmão Théo, datada de junho de 1879
17
Retratar fisionomias, procurar rostos diferentes para transformá-los em telas era uma
tarefa que o atraia. “Não renuncio à idéia que tenho sobre retrato, pois é uma boa coisa
lutar por isto, e mostrar às pessoas que existe nelas algo além do que um fotógrafo com
sua máquina pode revelar” 11
. Revelar a alma humana e os sentimentos que existiam por
trás daquelas pessoas, suas verdadeiras vidas, seus sofrimentos, esse era o desejo de
Vincent.
O seu gosto pela pintura de retratos sempre esteve relacionado ao seu forte desejo de
expressar personalidades. Dessa forma, fazer algumas incorreções para ressaltar detalhes
das personalidades e usar as cores para que esses traços ficassem mais fortes, mais
marcantes eram artifícios usados com perfeição. Suas pinturas, com traços sempre firmes e
bem definidos, sua rapidez na execução de suas obras e essas anomalias da forma lembram
características de execução das charges e caricaturas. Quanto a esses aspectos de suas obras,
Vincent lembrava “...trabalhar depressa não é trabalhar menos seriamente, isto depende
da firmeza que se tenha e da experiência...” 12
. E reforçava: “meu grande desejo é
aprender a fazer tais incorreções, tais anomalias, tais modificações, tais mudanças da
realidade, de forma que resultem, sim, mentiras, se lhe apraz, mas mais verdadeiras que a
verdade literal.”13
.
Vincent, até o final de sua vida, expressou com grande profundidade a paixão por
essas coisas humanas, seus medos e suas angústias. Seus retratos expressavam a
personalidade escondida das pessoas retratadas, exprimiam seus desejos, angústias e
vontades, tudo isso representado pelo uso das cores e pela ferocidade de seus traços. Até
mesmo em seus auto-retratos se podiam notar diferenças, reflexos de alterações em seu
estado de espírito e dos momentos pelos quais estava passando.
Uma transformação em caricatura de um dos seus auto-retratos, que será vista mais
adiante, seria capaz de nos mostrar toda essa angústia e como seu modo de representação
pode ser similar ao estilo gráfico das charges e caricaturas de hoje.
11
Trecho da carta nº439, para o seu irmão Théo, datada entre novembro de 1885 e fevereiro de 1886 12
Trecho da carta nº 503, para o seu irmão Théo, datada de junho de 1888 13
Trecho da carta nº 418, para o seu irmão Théo, escrita no segundo semestre de 1885, em relação a crítica de Charles Emmanuel Serret sobre o seu quadro Comedores de Batatas. Para Vincent, essa obra era mais que um retrato da vida camponesa, era um hino ao mundo subterrâneo, ao amor aos trabalhadores e a terra
18
METODOLOGIA
A Transformação
ransformar as obras de Vincent em charges e caricaturas com as características
gráficas atuais é a essência desse trabalho.
Através da seleção de algumas obras que têm como seu foco principal a preocupação
social e a personalidade das pessoas, foi feita a transformação de quadros expressionistas
em charge ou caricatura. A base para o início dessa mudança foi a similaridade existente
entre esses estilos de representação artística, o que determinou os aspectos fundamentais de
cada obra transformada que, juntas, resultam em uma nova visão para a arte expressionista
e para as charges e caricaturas. É o que podemos chamar de O Expressionismo
Caricaturado.
As obras selecionadas tiveram seu conteúdo social ou as personalidades nelas
contidas, analisados tendo, posteriormente, sua forma artística transferida para os traços
ilustrativos das charges e/ou caricaturas, através do chargista do jornal diário santista A
TRIBUNA, Alexandre Valença Alves Barbosa - “Bar”. Essas obras, após sua
transformação, podem ser usadas hoje de maneira que mantém a atualidade do tema,
servindo como ilustração para qualquer situação onde as preocupações sociais são as
mesmas.
A descrição de cada obra pretende mostrar o envolvimento social e psicológico do
artista, fazendo com que ele retratasse o seu mundo sob um ponto de vista onde o mais
importante era a verdade das situações e suas conseqüências.
T
19
O uso conjunto dessas duas formas de arte, O Expressionismo e a Caricatura e/ou
Charge, pela transformação das imagens expressionistas originais fez com que todas as
obras tivessem, em seu resultado final, um tom de humor.
“As duas são fundamentalmente sociais, situadas em seu tempo. Porém, a
charge/caricatura tem a tendência de positivar o ambiente em termos de humor” 14
. Esse
traço que acabou se traduzindo nas obras expressionistas transformadas, fez com que a
relação arte/intenção de cada artista da época, no caso Vincent, se torne mais popular e de
mais fácil compreensão. O humor aproxima as classes sociais, por ser um meio de
representação artística sempre próximo das pessoas, com seus traços simples e claros
deixando revelar a realidade dos problemas e/ou das personalidades. Transformar tais obras
em charges é traduzir o artista para uma linguagem tão universal quanto a da pintura: a
linguagem do humor.
A transformação das obras em charges e caricaturas pode ser vista nas reproduções
contidas em anexos impressos que acompanham este trabalho. Os textos abaixo dissertam
acerca das características que aproximam as imagens produzidas e seus originais.
Obra 1 • “Os Comedores de Batatas” • Vincent van Gogh • 1885 • Rijksmuseum
Vincent van Gogh, Amsterdam • Transformado em Charge.
Os Comedores de Batatas é uma composição onde Vincent exprime todo o seu amor
pela terra e pelos homens que nela trabalham. Segundo a descrição do próprio Vincent
“...essas pessoas, que comem suas batatas à luz da lamparina, lavraram a terra com as
próprias mãos que enfiam no prato, e assim elas falam do trabalho manual e de como
ganharam honestamente seu alimento”. 15
Esse amor pelos trabalhadores chega a ser uma
constante em certa época da vida de Vincent, o trabalho árduo, honesto, sempre o
apaixonou e ele retratou isso nessa obra. Para passar uma sensação que causasse um tipo de
claustrofobia no espectador ele usou de uma perspectiva invertida e cores terrivelmente
escuras, o que foi uma característica do início de suas pinturas. Os personagens, desenhados
de forma profundamente caricata, possuem feições grosseiras e mãos nodosas, o que fez
com que recebesse uma crítica desagradável de um marchand da época (ver p. 17).
14
Afirmação de “Seri”, chargista do jornal diário santista A TRIBUNA, ao ser entrevistado sobre o tema 15
Sweetman, David. Vincent van Gogh - Uma Biografia - p.153
20
“Os Comedores de Batata foram para van Gogh o que são hoje os nossos bóias-frias
ou os sem-terras, uma parte esquecida da sociedade, sem direitos e que sempre está
presente nas charges dos jornais de todo o país”. 16
Obra 2 • “Retrato do Dr. Gachet” • Vincent van Gogh • 1890 • Musée d’ Orsay,
Paris • Transformado em Caricatura.
Retrato onde as pinceladas fortes e curtas da expressão profunda e a anatomia
disforme, dividem o mesmo espaço. Bem no estilo ilustrativo, Vincent procurou passar a
personalidade melancólica e gentil do personagem assim como sua fadiga em relação à
vida. Dr. Gachet, que foi seu médico no seus últimos anos de vida era muito inteligente e
estimado. Sobre esse quadro Vincent disse que “...poderia parecer uma careta para muita
gente que visse a tela” 17
, e que “...gostaria de pintar retratos que daqui a 100 anos
parecessem fantasmas para quem os visse” 18
.
Realmente conseguiu. Com traços caricatos e simples em conjunto com as cores dessa
obra, onde um fundo azul intenso faz sobressair a fisionomia cansada e melancólica, essa
Caricatura de sua pintura serviria perfeitamente para representar a exaustão, a melancolia e
os pensamentos distantes que fazem parte do fim de um dia de trabalho. Podemos perceber
tudo isso no peso e simplicidade das linhas desse quadro caricaturado.
Obra 3 • “Le Café de Nuit” • Vincent van Gogh • 1888 • Yale University Art
Gallerym legado de Stephen Carlton Clark, New Haven. • Transformado em Charge.
Nesta obra, Vincent quis exprimir como o homem pode se arruinar na vida noturna
dos bares e cafés. Ele transmite os problemas e as angústias que o homem tenta resolver
atrás da mesa de um bar, ou de uma mesa de bilhar, como ele mesmo o fazia. Ele descreveu
assim esta obra: “Procurei exprimir com o vermelho e o verde as terríveis paixões
humanas. A sala é vermelho sangue e amarelo surdo, um bilhar verde ao meio, 4 lâmpadas
amarelo-limão com brilho laranja e verde. Em todos os lugares um combate e uma antítese
entre os mais diversos verdes e vermelhos, nos personagens dos pequenos vadios
16
Afirmação de Alexandre Valença Alves Barbosa, “Bar”, ao ser entrevistado sobre o tema 17
Anderson, Janice. Vida e Obra de Vincent van Gogh. p.153 18
Coleção de Arte. Editora Globo. Vincent van Gogh. p.15
21
dormindo; na sala vazia e triste, o violeta e o azul. O vermelho-sangue e o verde-amarelo
do bilhar, por exemplo, contrastam com o verdinho tênue Luiz XV do balcão, onde há um
ramalhete rosa. As roupas brancas do patrão velando um canto desta fornalha, tornam-se
amarelo-limão, verde pálido e luminoso...” 19
.
Essa característica da obra onde a luta pela vida está dentro de um bar pode ser muito
vista ainda hoje. Quando ele diz que Le Café de Nuit é um lugar onde o homem pode
arruinar-se, enlouquecer e até cometer um crime está mencionando algo extremamente
atual, tudo pode acontecer dentro de um bar, pode-se viver ou morrer, “...é um tema muito
utilizado pelos chargistas, haja visto a quantidade de piadas que Angeli faz com seus
personagens em bares” 20
.
Obra 4 • “Auto-Retrato” • Vincent van Gogh • 1890 • Musée d’ Orsay, Paris. •
Transformado em Caricatura.
“Exprimir o pensamento de uma cabeça pela irradiação de um tom claro num fundo
escuro” 21
.
Como um cenário mental do personagem, era assim que ele retratava as pessoas, e foi
assim que ele retratou a si mesmo. Seus auto-retratos funcionam como um termômetro de
seu estado de espírito. Este, o último pintado por ele, transmite toda a angústia pela qual
estava passando. Sempre com linhas marcantes e fortes ele conseguiu transmitir o
nervosismo e a instabilidade de seus pensamentos.
O olhar, marcado, simples e profundo, continua forte e angustiante mesmo quando
caricaturado. O fundo desse quadro, que ajuda na conclusão psicológica de sua obra, é uma
ferramenta valiosa, não só nesta mas como em todo o seu conjunto de trabalho artístico,
traços curvos, espirais, padrões desencontrados de linhas tornam o quadro mais angustiante.
Esse tipo de uso de figura-fundo é uma ferramenta valiosa também para as charges e
caricaturas, eles podem indicar idéias invisíveis, principalmente quando relacionadas ao
mundo das emoções.
19
Trecho da carta nº 534, para o seu irmão Théo, datada de 8 de setembro de 1888. 20
Afirmação de Alexandre Valença Alves Barbosa, “Bar”, ao ser entrevistado sobre o tema. 21
Trecho da carta de nº 531, para o seu irmão Théo, datada de 1º de setembro de 1888.
22
Obra 5 • “O Pátio de Exercícios” • Vincent van Gogh • 1889 • Musée d’ Orsay,
Paris. • Transformado em Charge.
Pintado a partir de uma gravura que mostrava uma prisão de Londres, essa obra revela
o que ele, Vincent, sentia enquanto esteve no hospício de St. Remy, o quanto ele se sentia
chocado e o quanto a vizinhança o pesava.
Os tons escuros, melancólicos, as pessoas desenhadas nas sombras, a monotonia da
obra nos faz lembrar de problemas de hoje em relação aos sanatórios e asilos de inválidos.
É possível notar a presença dele próprio nessa obra, ao centro, com maior intensidade de
luz, como se estivesse perdido em busca de liberdade, como ele mesmo narrou a seu irmão:
“...há mais de um ano sou um dos pacientes daqui... não posso continuar, minha paciência
acabou, meu querido irmão, não suporto mais. Preciso fazer alguma coisa diferente — nem
que seja algo desesperador” 22
.
O tema dessa obra de Vincent, se torna atual quando pensamos no descaso que existe
em relação ao tratamento de pessoas com problemas mentais que ficam relegadas ao
segundo plano, tanto por seus familiares como pela saúde pública. O tormento pelo qual
elas passam, os olhares vigilantes dos carcereiros de hospitais, ficam retratados aqui. A
charge, em que se transformou esse quadro, serve para ilustrar problemas atuais
relacionados tanto à saúde como às prisões públicas. Esse quadro forma um conjunto com a
obra descrita a seguir.
Obra 6 • “Sala do Hospital em Arles” • Vincent van Gogh • 1889 • Museu Stedelijk,
Amsterdam. • Transformado em Charge.
Com um tema bastante relacionado ao da obra anterior, esse quadro mostra com mais
intensidade a solidão humana existente dentro dos hospitais em que Vincent esteve
recolhido, os tons escuros e as pessoas nas sombras também são um marco dessa pintura.
Mais ligado diretamente ao problema da condição humana nos hospitais, esse tema se torna
perfeitamente atual quando nos lembramos dos terríveis problemas que vem enfrentando a
saúde, com descaso nos tratamentos com emodiálise, vacinas estragadas que comprometem
a saúde das crianças, soros que serveriam para curar e estão contaminados... enfim, um
22
Anderson, Janice. Vida e Obra de Vincent van Gogh. p.67).
23
descaso total nos hospitais fazendo com que a angústia que Vincent sentia em sua época se
torna-se um sentimento igual ao das pessoas de hoje.
Obra 7 • “Sorrow” • Vincent van Gogh • 1882 • Museu Stedelijk, Amsterdam. •
Transformado em Caricatura.
Dessa lista de obras, este é o único desenho relacionado.
Desenho que fez de Sien, mulher com quem conviveu durante algum tempo e que
conheceu nas ruas, bêbada, grávida, três anos mais velha e com um filho de 5 anos. Ela
atraiu Vincent justamente pela sua condição miserável e por seus traços marcados e
endurecidos pelo tempo.
Era reconhecida por ele como sua melhor modelo. Vincent a retratou nua, sentada ao
ar livre, cabeça apoiada nos braços cruzados sobre as pernas, onde se vê os seios caídos
sobre a enorme barriga grávida. Considerou esse, como um de seus melhores desenhos.
Quando terminou escreveu abaixo a palavra Sorrow, Tristeza.
Essa transformação em caricatura de uma mulher abandonada nos remete aos
problemas em relação a quantidade de mulheres que vivem nas ruas e que, muitas vezes por
falta de informação adequada, acabam tendo muitos filhos, sem contar com o controle de
natalidade. Essas mulheres abandonadas, assim como as menores prostituídas e até
comercializadas, podem ser reconhecidas nessa obra de Vincent. Sua transformação em
caricatura faz com que esse aspecto social e humano seja compreendido mais facilmente e
de uma maneira menos trágica.
Obra 8 • “As Velhas” • Francisco Goya • 1812 • Musée des Beaux-Arts, Lille. •
Transformado em Charge.
Considerada pelo próprio Goya como uma charge, essa obra de arte, que não foi feita
sob encomenda mas sim para satisfazer a si mesmo, tem os traços bem marcados e
definidos, os olhos, a boca, as marcas de expressão, são todos exageradamente demarcados
e pincelados como se fossem rasgos na pele dos personagens, características estas que
fazem com que essa obra seja extremamente semelhante às charges. As cores usadas de um
24
modo puro, como o carmim, o amarelo, o azul e o ocre, só aparecem em elementos onde
existe a necessidade marcada na força dos traços, reforçando o exagero da obra.
Uma frase, existente neste quadro, reforça a idéia tragicômica da obra, como
normalmente existem nas charges. Uma das velhas senhoras, a criada, segura um espelho na
frente de sua senhora onde na parte de trás, podemos encontrar a inscrição “Que tal”, como
se a obra estivesse perguntando ao espectador o que acham dela e do que a sociedade fez
com que se tornasse.
Além disso, existe uma associação com bruxaria. A imagem dessas senhoras nos
remete a lembrança de velhas bruxas, assim como, um senhor representado por uma figura
alegórica alada que está posicionada em segundo plano, representa o tempo, possuindo em
suas mãos uma vassoura, reforçando assim a associação com a bruxaria.
Essa Charge de Goya, representa uma fábula sobre a vaidade e o poder, temas estes
também atuais, já que ambos são duas constantes em nossa sociedade. Essa senhora
retratada por Goya era, em sua juventude, uma bela mulher extremamente vaidosa, que se
deixando dominar pelo poder se tornou uma mulher estragada pelo tempo. E é esse estrago
que Goya quis retratar nessa obra.
Obra 8 • “O Grito” • Edward Munch • 1893 • Nasjonalgalleriet, Oslo •
Transformado em Charge.
Uma obra de arte que pode ser vista como um marco do expressionismo. Autêntico
expressionista, Munch identificou-se com o estilo de van Gogh, fato este que podemos
notar em alguns itens dessa sua obra.
Nessa pintura, Munch traduziu com simplicidade e objetividade todo o desespero
humano e todas as coisas que afligem uma pessoa.
Qualquer pessoa, que um dia se posicionar em frente a essa obra, pode ver ali
retratada todo seu desespero pessoal, marcado na força de seus traços e cores.
Com uma forma bastante intensa, Munch, conseguiu uma obra que transcende o
tempo, não só por ser uma bela obra de arte, mas também, por se tratar de um tema que
sempre será atual. Qual a sociedade que não tem seus medos e desesperos. Sua
25
transformação em charge, nos mostra um desespero, praticamente constante à toda a
sociedade.
26
CONCLUSÃO
arte expressionista de Vincent foi um marco na História da Arte.
Suas cores fortes e contrastantes, seus traços intensos e marcantes, sua
expressividade impulsiva, mostram um enorme conjunto de idéias, emoções e pensamentos.
Depois do surgimento de sua obra, podemos dizer que a representação pictórica das artes
em geral, sofreu uma grande transformação, incluindo as caricaturas, charges e histórias em
quadrinhos. O descobrimento do uso das cores de uma forma mais pura e com o contraste
das opostas fez com que os artistas, de um modo geral, mesmo que indiretamente fossem
absorvendo essa nova visão.
Este comparativo teve a intenção de mostrar, o quanto esse estilo gráfico de representação
pode influenciar as mais diferentes formas de arte e expressão. Como uma charge atual pode ser
percebida em obras de outro século com o mesmo apelo social e político.
Muitas das obras de Vincent, que foram chargeadas aqui, poderiam ter sido
claramente feitas nos dias de hoje descrevendo situações de nossa época. Nas obras de
Vincent e de muitos caricaturistas de hoje, o traço é um elemento estrutural e independente
capaz de reproduzir as mais diversas, particulares e reais condições humanas. A relação
figura-fundo é um marco de suas obras e das obras expressionistas em geral e quando é
usada nas charges e caricaturas se torna uma arma de representação gráfica de grande
importância podendo causar as mais variadas sensações no expectador.
Finalizando essa relação entre as charges, caricaturas e as obras de Vincent, mais uma vez
suas palavras vem à mente:“Quero fazer desenhos que choquem...” 23
. “O que é desenhar? Como
é que se consegue? É a ação de romper uma passagem, em um muro de ferro invisível que parece
encontrar-se entre o que se sente e o que é possível. Na minha opinião, devemos atravessar este
muro limando-o e desgastando-o, porque de nada serve bater nele com força.” 24
.
O Muro: O Expressionismo.
A Lima: As Charges e Caricaturas.
O Resultado: O Expressionismo Caricaturado.
23
Carta a Théo, sem data , provavelmente entre maio e junho de 1882 24
Carta a Théo, sem data, provavelmente entre setembro e outubro de 1882.)
A
27
BIBLIOGRAFIA
• ANDERSON, Janice. Vida e Obra de Vincent van Gogh. Trad. RODRIGUES, Talita
M. The Life and works of van Gogh. Ediouro : RJ, 1995.
• CABANNE, Pierre. Van Gogh. Editora Verbo : SP, 1971.
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• IANNONE, Leila Rentroia e IANNONE, Roberto Antonio. O Mundo das Histórias em
Quadrinhos. Editora Moderna : SP, 1994.
• LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil. Livraria José Olympio Editora :
RJ, 1963. V. I
• MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. Makron Books : SP, 1995.
• MYERS, B.L. The Colour Library of Art - Goya. The Hamlyn Publishing Group
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• PRADO, Ediciones del. História Geral da Arte - Dicionário Biográfico de Artistas I.
Ediciones del Prado : Espanha. 1996.
• PRADO, Ediciones del. História Geral da Arte - Dicionário Biográfico de Artistas II.
Ediciones del Prado : Espanha. 1996.
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• PRADO, Ediciones del. História Geral da Arte - Pintura V. Ediciones del Prado :
Espanha, 1996.
• PRADO, Ediciones del. História Geral da Arte - Sinopse da Arte Universal.
Ediciones del Prado : Espanha. 1996.
• SALVAT, Biblioteca de Grandes Temas. O Humorismo. Editora Salvat do Brasil : SP,
1980.
• SWEETMAN, David. Vincent van Gogh - Uma Biografia. Trad. BORGES, Maria
Luiza X. de A. The love of many things: A life of Vincent van Gogh. Jorge Zahar
Editor : RJ, 1993.
28
FONTES DE APOIO
• Vídeos:
História Geral da Arte - Vincent van Gogh
História Geral da Arte - Goya
• Entrevistas com os Chargistas de A Tribuna:
“Bar” - Alexandre Valença Alves Barbosa
“Seri” - Sérgio Ribeiro Lemos