Upload
andrea-carolina-benites
View
212
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Monografia apresentada a Pós-Graduação em Psicoterapia Breve, do Instituto Ampliatta de Psicologia e Saúde.
Citation preview
AMPLIATTA – INSTITUTO DE PSICOLOGIA E SAÚDE
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOTERAPIA BREVE
Andréa Carolina Benites
INTERVENÇÕES BREVES EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS: UM
ESTUDO CLÍNICO DE CASO
BAURU
2013
2
ANDRÉA CAROLINA BENITES
INTERVENÇÕES BREVES EM CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS: UM
ESTUDO CLÍNICO DE CASO
Monografia apresentada como requisito para
obtenção do título de Especialização em
Psicoterapia Breve pelo Ampliatta – Instituto de
Psicologia e Saúde, sob a orientação da Profa.
Dra. Carmen Maria Bueno Neme, e Ms. Cristiane
A. Dameto.
BAURU
2013
3
“A Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que fala com voz
branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria
de viver [...]. Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre fala sobre aquilo
que estamos fazendo com a própria vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos
que não tomamos, os suicídios lentos que perpetuamos [...]. Acho que para recuperarmos a
sabedoria de viver seria preciso que nos tornássemos discípulos e não inimigos da Morte.
Mas para isso seria preciso abrir espaços em nossas vidas para ouvir a sua voz. Seria preciso
que voltássemos a ouvir os poetas...”.
Rubem Alves (1991)
4
DEDICATÓRIA
Às queridas professoras, Carmen Maria Bueno Neme (Pilé), que me possibilitou a realizar
meus primeiros passos na área da psico-oncologia e me acolheu proporcionando
aprendizagens profissionais e para a vida; e Cristiane Araújo Dameto pelo acompanhamento
do meu percurso profissional e compartilhamento dos momentos de alegria e conquistas.
Aos professores que passaram pelo curso e proporcionaram aprendizados e reflexões a
respeito das peculiaridades do ser humano e seu sofrimento psíquico.
À meu pai Geraldo, avó Maria e membros consanguíneos e não consanguíneos, os quais se
constituem enquanto uma família no meu modo de ver e viver.
Ao meu companheiro da vida (Vinícius) pela paciência e companheirismo sem os quais não
conseguiria finalizar esta etapa da jornada da vida.
Aos amigos que me fortaleceram a cada etapa, mudanças e desafios com momentos de
risadas, convivência e compartilhamento de angústias.
Aos pacientes por compartilharem de seus momentos de sofrimento, tristeza e ressignificação
da vida.
5
SUMÁRIO
RESUMO....................................................................................................................................6
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................7
2 INTERVENÇOES BREVES E PSICO-ONCOLOGIA........................................................13
3 OBJETIVO.............................................................................................................................19
4 MÉTODO...............................................................................................................................20
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO...........................................................................................22
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................29
7 REFERÊNCIAS.....................................................................................................................31
6
RESUMO
O câncer é considerado problema de saúde pública no mundo todo. Apesar dos avanços
científicos e tecnológicos, a doença ainda é representada como uma ameaça e remete à
possibilidade de morte, sendo seu diagnóstico e tratamento vivenciado com grande impacto
para o paciente e família. Embora a medicina venha alcançando avanços constantes na
assistência ao paciente com câncer, e até mesmo com a realização do diagnóstico precoce e
tratamento, existem os casos em que a cura não é possível e se alcança o estágio avançado da
doença, sendo necessário um trabalho de controle da mesma e promoção da qualidade de vida
mesmo quando não existem possibilidades terapêuticas médicas. Neste contexto, considera-se
o paciente como “fora de possibilidades terapêuticas médicas” e o câncer como doença
terminal, iniciando-se ou intensificando-se os cuidados paliativos. Estudos tem apontado a
importância de intervenções breves visando a melhora da qualidade de vida e na mediação do
enfrentamento do processo de adoecimento por câncer e possibilidade de morte. Este estudo
teve por objetivo apresentar um estudo clínico de caso sobre intervenções breves em cuidados
paliativos oncológicos. Destaca-se a importância de intervenções breves que possibilitem a
elaboração das vivencias de sofrimento e momentos para que o paciente possa ressignificar o
processo de adoecimento e de morrer, bem como sua própria vida.
PALAVRAS-CHAVE: psicoterapia breve; psico-oncologia; cuidados paliativos.
7
1. INTRODUÇÃO
Devido ao impacto global que representa e por ter mais do que dobrado em 30 anos, o
câncer é considerado problema de saúde pública no mundo todo. No Brasil, as estimativas
apontam para o ano de 2012 e 2013 a ocorrência de um número aproximado de 518.510 casos
novos de câncer no país. Para o sexo feminino, os cânceres mais incidentes serão os de pele
não melanoma, mama, colo do útero, cólon e reto e glândula tireóide; e para o sexo
masculino, os cânceres de pele não melanoma, próstata, pulmão, cólon e reto e estômago
(INCA, 2012).
Apesar dos avanços científicos e tecnológicos, o câncer ainda é uma ameaça e remete
à possibilidade de morte e sofrimento, sendo seu diagnóstico vivenciado com grande impacto
para o paciente e família. Segundo Veit e Carvalho (2008), receber um diagnóstico de câncer
provoca a emersão de sentimentos e conflitos específicos. Há alguns anos atrás o câncer era
representado por diversos estigmas, bem como explicações equivocadas a respeito de sua
etiologia, sendo sua origem, muitas vezes, associada à falta de higiene, remetendo à
possibilidade de contágio e à promiscuidade sexual. Porém, tais concepções têm sido
superadas e abolidas no contexto atual.
O câncer é uma doença que têm sua origem nos genes de uma única célula, as quais
são capazes de se proliferar no local e a distância formando uma massa tumoral. Essas células
podem se dividir rapidamente e formar tumores ou neoplasias malignas manifestando a
tendência agressiva e incontrolável das mesmas (CARVALHO, 1994; CAPONERO, 2008).
Diferentemente dos tumores benignos que se multiplicam lentamente e não são invasivos, as
neoplasias malignas competem por nutrientes com os tecidos vizinhos e remetem células
cancerosas a partes distantes do corpo.
As doenças oncológicas podem se desenvolver em qualquer parte do corpo, mas
alguns órgãos são mais afetados que outros. A classificação dos diferentes tipos de câncer
8
envolve o tecido afetado, as características das células de origem, o tamanho e a localização
dos tumores, o qual irá definir sua gravidade e estádio (NEUBER, NEME, UEMURA, 2010).
O tratamento pode ser realizado por meio de uma ou várias modalidades em conjunto, sendo a
principal a cirurgia, podendo ser empregada em conjunto com a radioterapia e/ou
quimioterapia. Os fatores responsáveis pelo desenvolvimento dos diversos tipos de câncer são
múltiplos, como hereditariedade, fatores hormonais, contágios por determinados vírus, uso de
cigarro e álcool, ingestão de substâncias cancerígenas, imunodepressões acarretadas por
estresse, reprodução e entre outras (GASPAR, 2010).
Estudos na área do estresse e em psiconeuroimunologia indicam a contribuição dos
aspectos psicológicos e sociais, incluindo os fatores psíquicos e de personalidade, no
desenvolvimento dos variados tipos de cânceres (NEME, BREDARIOLLI, 2010; NEME;
LIPP, 2010; NEME, 2005; NEME, SOLIVA E RIBEIRO, 2003). Esses estudos têm
demonstrado a inter-relação de um amplo e complexo conjunto de variáveis que concorrem
para a emergência de doenças, bem como dos diferentes tipos de câncer.
Diferentes formas de reações emocionais podem surgir diante do diagnóstico,
tratamento, estado avançado da doença e cuidados paliativos. Neste contexto, a pessoa com
câncer passa por muitos processos de estresse, decorrente da doença e dos tratamentos, o que
a leva a se deparar com a necessidade de mobilizar recursos psicossociais próprios e
ambientais para lidar com o adoecimento e o seguimento do tratamento (PEÇANHA, 2008).
Rossi e Santos (2003), investigaram as repercussões psicológicas associadas ao
adoecer em mulheres com câncer de mama que foram submetidas à mastectomia, radioterapia
e quimioterapia, identificando as vivências em diferentes estágios do tratamento (momento
pré-diagnóstico, etapa do diagnóstico, etapa do tratamento e momento pós-tratamento). A
partir dos resultados dos estudos, os autores concluíram que cada etapa da doença e seu
tratamento possuem suas peculiaridades e respectivas repercussões psicológicas, sendo
9
necessária a identificação dessas repercussões para o planejamento de intervenções em cada
fase do adoecimento.
Apesar dos avanços das ciências médicas na assistência ao paciente, e mesmo
realizando o diagnóstico precoce e tratamento do câncer, existem os casos em que a cura não
é possível e o controle da doença torna-se inevitável alcançando assim o estágio avançado.
Neste contexto, considera-se o paciente como “fora de possibilidades terapêuticas” e o câncer
como doença terminal, iniciando-se ou intensificando-se os cuidados paliativos (ROSSI,
2012).
Cuidados Paliativos
O movimento dos cuidados paliativos começou na Inglaterra na década de 70 do
século passado, através de Cicely Saunders, a qual fundou o primeiro “hospice” em Londres
(Saint Christopher’s Hospice), instituição que proporcionava um novo modelo de assistência
aos doentes terminais. Os cuidados relacionados ao “hospice” são realizados em domicílios ou
em instituições especialmente preparadas para o cuidado a pacientes em fim de vida. Já os
cuidados paliativos são conceitualmente mais abrangentes que os cuidados realizados no
hospice (KRUSE et al, 2007).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2007), o conceito atual de cuidados
paliativos abrange o oferecimento de programas efetivos de cuidado paliativo durante todo o
curso da doença referindo-se desde a fase do diagnóstico até a fase final da vida do paciente e
pós-morte, englobando o atendimento no processo de luto dos familiares. O serviço de
cuidados paliativos funciona num contínuo (diagnóstico – fase final de vida), intensificando o
provimento do cuidado paliativo à medida que o paciente progride para o fim da vida.
Posterior a Saunders, no início da década de 1970, Elisabeth Kubler-Ross publica seu
livro “Sobre a morte e o morrer”, no qual relata seu trabalho realizado com pacientes
10
terminais nos EUA, de modo que a autora expõe em sua obra as preocupações dos pacientes
que estavam gravemente enfermos e em fase terminal. A partir de seu estudo a autora
descreve estágios que os pacientes terminais enfrentam em aspectos psicológicos,
categorizando os mesmos como negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Além disto, proporcionou uma discussão sobre questões de vida e morte com os profissionais
da saúde, ressaltando que os pacientes sentiam a necessidade de discutir a respeito de questões
relacionadas ao processo de morrer. (KUBLER-ROSS, 1998)
Kovács (2009) aponta a existência de dificuldades na realização de estudos
quantitativos com pacientes gravemente enfermos por necessitarem de grande número de
pacientes com características semelhantes, e exalta os benefícios dos estudos qualitativos
defendendo o uso de histórias de vida e depoimentos que possibilitam o aprofundamento da
percepção das pessoas que estão vivenciando a finitude.
Trincaus e Côrrea (2007), em um estudo que teve o objetivo de compreender como os
pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico por ocorrência de metástase
vivenciavam a possibilidade da morte, identificou que a morte se desvelou para os pacientes
entrevistados de maneira implícita, vivida na impessoalidade; e como fenômeno que faz parte
da existência, reconhecendo-se como seres finitos.
Rossi (2012) realizou um estudo com o objetivo de apreender os significados
atribuídos pela mãe de uma adolescente com câncer, em cuidados paliativos, ao cuidado
prestado pela equipe interdisciplinar durante a fase de terminalidade, utilizando-se para tanto
do método fenomenológico. A autora constatou que a relação estabelecida entre profissionais,
mãe e filha deste estudo favoreceu a autenticidade do poder-ser dos envolvidos, de modo que
ambos tinham espaço para expor sua fala e participar de decisões concernentes à
terminalidade.
11
Embora seja uma experiência extremamente impactante e adversa, a vivência do
adoecimento por câncer nas diversas fases da doença também propicia a busca e o
desenvolvimento de diferentes recursos de enfrentamento, muito frequentemente,
relacionados a aspectos espirituais e existenciais (NEME, 2005). Forgerini (2010) estudou a
vivência de mulheres com câncer de mama que estavam fora de tratamento, e constatou que,
embora as participantes tenham vivenciado longa trajetória de sofrimento devido ao
adoecimento por câncer, mostravam-se existencialmente saudáveis. Ou seja, as mulheres com
câncer de mama aceitaram e se envolveram ativamente com o tratamento e a busca de cura, a
despeito do sofrimento e das perdas que tiveram. Ao enfrentarem sua doença e buscarem
compreender suas vivências, as mulheres puderam se abrir às possibilidades existenciais
atribuindo um novo sentido para a vida.
Frankl (1997, apud Liberato; Macieira, 2008), aborda que o estabelecimento de um
sentido de vida envolve o encontro de pleno sentido de significância e propósito nas
circunstâncias vivenciadas, de modo que esse sentido de vida se expressa por meio de
experiências e atitudes de valor e do pensamento criativo.
Frente ao contexto de adoecimento por câncer e que demanda a utilização de diversos
recursos de enfrentamento, a espiritualidade se evidencia como uma dimensão que propicia
aos pacientes o desenvolvimento da esperança, significado para a doença e um sentido para a
vida favorecendo o amadurecimento pessoal, integridade e enfrentamento da situação
vivenciada (LIBERATO; MACIEIRA, 2008; MACIEIRA, 2009).
Horta, Neme, Capote e Gibran (2003) realizaram um estudo com o objetivo de
averiguar o papel da fé no enfrentamento do câncer, verificando os conteúdos psicoafetivos
relacionados à fé e os conteúdos psicoafetivos relacionados à doença. Os resultados do estudo
demonstraram que a fé possibilitou que os pacientes reagissem com esperança diante do
diagnóstico, auxiliando-os a aderirem ao tratamento, buscando a cura ou a melhora, bem
12
como a manter a confiança na equipe de saúde, superando as demandas negativas da doença e
do tratamento e encarando a vida de forma positiva.
Guerrero, Zago, Sawada e Pinto (2011), demonstraram, por meio de seus estudos, que
a espiritualidade pode representar uma forma de enfrentamento efetiva do paciente perante o
câncer, possibilitando que o próprio paciente atribua significado ao seu processo saúde-
doença e que lute pela sobrevivência. O apego à fé diminui seu sofrimento, pois confere um
senso de controle e reforça a manutenção da esperança.
Ao abordarem o enfrentamento do câncer, Horta, Neme, Capote e Gibran (2003);
Neme (2005); Neme e Lipp (2010); Forgerini (2010) mostram que a espiritualidade se
constitui um importante recurso de enfrentamento em face do adoecimento, bem como
propicia a ressignificação da vivência de sofrimento, dos projetos existenciais e da vida.
Evidencia-se a importância de se conhecer os significados do adoecer e do morrer dos
pacientes e seus familiares para o planejamento de intervenções possíveis e o uso de recursos
terapêuticos a fim de proporcionar melhor qualidade de vida e ressignificação do processo de
morrer para pacientes neste contexto de atendimento.
13
2. INTERVENÇÕES BREVES E PSICO-ONCOLOGIA
A psico-oncologia como campo de estudo e intervenções vêm se constituindo por
meio da necessidade da ligação entre os conhecimentos da área da psicologia com a oncologia
(GIMENES, 1994). Em seu campo de investigação e intervenção, a psico-oncologia busca
transcender o modelo biomédico tradicional, esclarecendo os fatores biológicos e sociais
envolvidos na gênese e nos tratamentos do câncer, bem como salientando os aspectos
psicológicos relacionados à doença, a remissão ou recidiva e no impacto da doença na família
e profissional de saúde (NEME, 2010). A psico-oncologia tem como objeto de estudo o
paciente com câncer, investigando suas dificuldades, necessidades e problemas, bem como
facilitando um melhor enfrentamento da doença e permitindo uma convivência mais
adaptativa com ela (CARVALHO, 2002).
Em sua descrição a respeito de um serviço de psico-oncologia criado em uma cidade
do interior paulista, Neme (2010) salienta a efetividade do uso de psicoterapia e intervenções
breves em serviços de psico-oncologia, caracterizando os atendimentos tanto em enfermarias
quanto em ambulatórios e atendimento grupais. Sobre a atuação em enfermarias, salienta o
uso de entrevistas clínicas interventivas, e em atendimentos mais prolongados o processo de
psicoterapia breve. O modelo de atendimento focado na psicoterapia breve caracteriza-se
como “tratamento psicológico de pacientes oncológicos (familiares), com objetivos limitados,
realizado em tempo breve, brevíssimo ou possível, em que o foco terapêutico é, em parte,
definido pela condição atual de “ser doente” dos pacientes atendidos, e em parte configurado
pela problemática central apresentada ou identificada” (NEME, 2010, p. 42).
Neme (2010) aponta que a relação terapêutica envolve o contato empático, permissivo,
caloroso, discreto e não invasivo, aberto, sendo o paciente ativo no processo, focando seu
momento vivencial atual. Além das intervenções breves utilizadas, postula-se também o uso
14
de recursos terapêuticos ecléticos, como as técnicas de relaxamento e visualização e demais
recursos.
As psicoterapias e intervenções breves têm se consolidado amplamente nos últimos
anos como um modo de atendimento psicoterápico abrangendo contextos institucionais,
principalmente em hospitais, serviços de saúde mental e consultórios particulares. Através de
uma abordagem psicoterapêutica mais dinâmica e flexível e com o uso da técnica focal, os
objetivos terapêuticos da psicoterapia breve são delimitados e não se busca atingir todos os
aspectos de mudanças estruturais do paciente, mas se trata de investir em mudanças em
determinadas áreas da vida do paciente que poderão conduzir a alterações em outras áreas do
comportamento, o chamado “efeito carambola” (NETO, 2000). Assim, a psicoterapia breve
dividida em: psicoterapia breve mobilizadora (onde a ansiedade contida em processos
mórbidos apresentados pelo paciente é evidenciada e há mobilização para submissão do
paciente a psicoterapia), psicoterapia breve de apoio (diminuir ansiedade de pacientes que
estejam sofrendo dificuldades emocionais) e psicoterapia breve resolutiva (que procura
evidenciar a origem intrapsíquica que ocasionou a situação de crise e a resolução
propriamente dita do problema), atinge seus objetivos num curto espaço de tempo produzindo
mudanças legítimas na vida das pessoas. Segundo Yoshida (1999), a psicoterapia
psicodinâmica breve se refere a uma maneira de auxiliar pessoas que enfrentam situações de
conflito, muitas vezes de natureza relacional, em um curto espaço de tempo, promovendo
mudanças de atitudes e de padrões relacionais adaptativos que propiciem melhor qualidade de
vida ao paciente.
No atendimento de pacientes oncológicos muitas vezes não estão implicadas uma alta
motivação e o reconhecimento da dimensão psíquica de seu sofrimento. No entanto, por meio
de uma pesquisa, Cítero, Andreoli, Martins e Lourenço (2000) evidenciam que quase 50% dos
pacientes com câncer desenvolvem algum transtorno psiquiátrico, principalmente depressivo
15
e de ajustamento. Esses pacientes convivem com a dor, com alterações na rotina de vida e nos
papéis sociais, com temor ou proximidade da morte, além de terem de suportar os efeitos
colaterais da quimioterapia e as mudanças que atingem também suas famílias. Dessa maneira,
o setting terapêutico demanda o uso de modelos de atendimento diferenciados. O paciente
oncológico e sua família devem ser acompanhados por uma equipe multiprofissional que os
auxiliem a diminuir a dor e os danos produzidos pelo estresse desde o momento do
diagnóstico e em toda trajetória do tratamento, e requer um olhar diferenciado que enxergue o
paciente na sua totalidade. Atender um paciente oncológico envolve a consideração da faixa
etária, tipo de diagnóstico, gravidade da doença, cirurgias e tratamento realizados, efeitos do
tratamento, limites e condições psicofisiológicas do paciente em cada etapa do tratamento,
participação da família e redes de apoio social (NEME, 2005).
Frente a este contexto, a psicoterapia breve de apoio que visa dar suporte emocional ao
paciente, tranqüilizando, confortando, esclarecendo, acolhendo, diminuindo a ansiedade e
aumentando os recursos saudáveis mostram-se efetivas na atuação junto a pacientes
oncológicos e traz benefícios importantes para a melhoria das condições psicofisiológicas do
paciente, recuperação, controle da doença e da qualidade de vida. (RAMOS; NEME;
DAMETO, 2008). Quanto a isso, Neme (2005, p. 35) postula algumas funções das
intervenções breves:
a) compreensão diagnóstica aproximativa e panorâmica inicial; b)
prevenção de maiores e mais profundos sofrimentos, crises ou
desadaptações; c) motivação para participação ativa do paciente em
seu tratamento, recuperação ou melhoria de condições externas e/ou
internas atuais; d) fortalecimento de suas forças saudáveis de luta e
enfrentamento; c) espaço para concretização e organização de sua
experiência e vivencias, incluindo o reconhecimento de suas dores,
expectativas e recursos positivos. F) resolução de questões
conflitivas ou geradoras de maiores níveis de estresse e ansiedade,
auxiliando o paciente a lidar melhor ou de forma diferente com suas
aflições; g) manutenção, recuperação ou adequação de suas
esperanças e expectativas; h) reformulação de crenças disfuncionais;
i) oferecimento de sugestões, indicações diretivas ou orientações
sobre questões concretas, envolvendo tomadas de decisões, situações
familiares, sociais ou decorrentes da hospitalização.
16
As intervenções breves também trazem ganhos terapêuticos e melhora do bem-estar
para pacientes “fora de possibilidades de cura”. Neme (2005; 2010) relata que muitos
pacientes em estágio terminal referiram benefícios em seus atendimentos psicológicos,
relacionados à possibilidade de falar com alguém sobre seu sofrimento e sobre a possibilidade
da morte, pois sentiam dificuldade e falta de abertura para tratar desse assunto com a família
ou outros profissionais.
Oliveira, Santos e Mastroprieto (2010) relatam o acompanhamento psicoterapêutico de
um caso clínico atendido no serviço de hematologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da USP. Através do acompanhamento realizado desde o
diagnóstico até o processo de terminalidade, os autores apontam que emergiram conteúdos
simbólicos relacionados ao processo de transformação e libertação do paciente, que
anunciavam também sua morte. Além disso, o acompanhamento do psicólogo possibilitou
que os momentos de sofrimento psíquico, solidão e derrota pudessem ser compartilhados e
divididos com o outro, vivenciando também em conjunto momentos de cumplicidade e
intimidade. Os autores salientam a importância da assistência psicológica aos pacientes
oncológicos desde o diagnóstico até o momento em que não há possibilidades terapêuticas
médicas
Araújo e Silva (2007), em um estudo que buscou identificar as expectativas de
pacientes que vivenciam os cuidados paliativos relacionados à comunicação com a equipe de
enfermagem, constatou-se que os pacientes consideram um subsídio importante para o
cuidado em cuidados paliativos: a empatia e a compaixão, o olhar nos olhos que expressa a
preocupação com o que os pacientes estão sentindo, o bom humor e a alegria tirando aspectos
positivos das dificuldades enfrentadas, o estar junto, os momentos de sofrimentos
compartilhados com os profissionais, se caracterizando pela companhia que consola e
conforta.
17
Diante da importância de se considerar a dimensão espiritual na intervenção junto a
pacientes oncológicos, Elias (2001) desenvolveu um estudo em que integrou técnicas de
relaxamento mental e visualização de imagens mentais com o conceito de espiritualidade para
re-significar a dor simbólica da morte (dor psíquica e dor espiritual) de pacientes terminais.
Por meio da realização desta técnica, a autora observou que a associação entre relaxamento
mental e a visualização de imagens mentais mostrou-se como uma forma de intervenção
psicoterapêutica eficaz para ressignificar a “Dor simbólica da morte”, proporcionando
qualidade de vida no processo de morrer e morte serena, além de favorecer mudanças de
atitudes e pensamentos frente às experiências atuais de sofrimento. Em continuidade aos seus
estudos, em seu doutorado, Elias (2005) criou um curso de Capacitação sobre a intervenção
RIME (Relaxamento, Imagens Mentais e Espiritualidade) para profissionais da saúde, e
analisou a experiência dos mesmos e as vivências dos pacientes na ressignificação de seu
sofrimento por meio desta intervenção. A partir de uma análise qualitativa e quantitativa dos
dados coletados, a autora concluiu que a intervenção RIME promoveu qualidade de vida no
processo de morrer, bem como serenidade e dignidade frente à morte.
O uso de intervenções psicoterapêuticas breves expressivas propiciam a interação com
o outro, o desenvolvimento da capacidade de expressão, significação e ressignificação do
vivido através do contato com o próprio potencial criativo e da aquisição de uma postura mais
ativa do paciente oncológico para enfrentar as dificuldades da vida (SIMÕES, 2008).
Especificamente no trabalho com grupos, a intervenção terapêutica sociodramática, por meio
de uma atitude facilitadora do terapeuta-pesquisador, promove um espaço com que o grupo
tenha condições de legitimar suas subjetividades e verdades na compreensão do câncer,
ampliando através desta técnica, suas visões, percepções, sentimentos e atitudes
(NEUBER,2010).
18
Vasconcellos e Giglio (2007), destacam aspectos positivos do uso de intervenções
psicoterapêuticas breves com o paciente oncológico, devido ao fato de proporcionar
estratégias de enfrentamento, esclarecimentos, melhoras na capacidade de expressão
emocional e de habilidades de comunicação, ampliação da compreensão, desenvolvimento
simbólico e ressignificações. Todos esses múltiplos aspectos apresentaram melhoras
refletindo diretamente na qualidade de vida do paciente oncológico e familiares envolvidos no
processo de saúde-doença. Também há de se destacar a melhora das relações entre o paciente
e a equipe multiprofissional, já que tais intervenções refletiram na melhora da compreensão e
habilidade de comunicação referente ao processo (SOUZA, ARAÚJO, 2010).
Diante da importância do uso da psicoterapia breve em serviços de psico-oncologia e
das peculiaridades do atendimento psicológico necessário em cuidados paliativos, o presente
estudo tem por objetivo descrever, por meio de um estudo clínico de caso, intervenções
breves para uma paciente internada numa enfermaria de cuidados paliativos e para seu
cuidador/familiares.
19
3. OBJETIVO
Descrever, por meio de um estudo clínico de caso, intervenções breves realizadas com
uma paciente internada numa enfermaria de Cuidados Paliativos/Dor e seus familiares.
20
4. MÉTODO
Trata-se de um estudo clínico de caso de uma mulher em cuidados paliativos
oncológicos internada na Unidade de Cuidados Paliativos/Dor do Hospital do Câncer de
Barretos. As informações referentes ao caso clínico foram retiradas da entrevista da pesquisa
de mestrado da autora com o título: “Vivências de pacientes com câncer em cuidados
paliativos e o significado da espiritualidade nesse momento vivencial”, a qual está em
andamento. A pesquisadora utilizou questões norteadoras que buscassem estimular o relato
dos colaboradores no sentido de se compreender os significados do adoecimento frente à
possibilidade de morte e o papel da espiritualidade no momento vivenciado. Por se tratar de
entrevista baseada na abordagem fenomenológica, possibilita a compreensão da realidade
vivida pelo colaborador, seus sentidos e significados diante do fenômeno vivido. Apesar de
ter se tratado de uma única entrevista, a psicóloga-pesquisadora pode acompanhar a trajetória
da paciente na unidade de internação por fazer parte do serviço de Psicologia Hospitalar do
setor, acompanhando-a assim desde seu primeiro dia de internação, perpassando seu processo
de morrer e sua morte.
Local
A entrevista e o acompanhamento psicológico ocorreram na enfermaria da Unidade
de Cuidados Paliativos/Dor do Hospital de Câncer de Barretos, instituição que é referência no
atendimento oncológico, e principalmente no serviço de Cuidados Paliativos.
Procedimentos
A paciente foi colaboradora da pesquisa de mestrado da autora, conforme descrição
acima, e recebeu o acompanhamento psicológico desde sua chegada à internação na Unidade.
O planejamento das intervenções foi facilitado pela avaliação psicológica realizada em seu
21
primeiro atendimento, e aprimorado pela realização da entrevista para o estudo. Após a
entrevista, a paciente recebeu o acompanhamento psicológico da psicóloga-pesquisadora que
planejou as intervenções breves a partir do que foi observado na avaliação psicológica e
relatos da entrevista, destacando-se os significados do adoecer e do processo de morrer, bem
como os recursos de apoio facilitadores para a adaptação e ressignificação da vivência atual.
A paciente foi informada quanto aos aspectos éticos da participação no estudo, e que
poderia retirar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE; Anexo B) e desistir de
participar da entrevista individual a qualquer momento. Não foi mencionado no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido que os colaboradores do estudo são pacientes em estado
avançado de câncer e/ou em cuidados paliativos, por questões humanitárias de respeito à
intimidade e ao sofrimento da pessoa e para a preservação de possíveis esperanças de melhora
da doença que ainda possam existir. No entanto, o documento é claro em todos os itens em
que foi conhecido pela colaboradora.
22
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Serão relatados abaixo os dados sócios demográficos e clínicos da colaboradora, bem
como a descrição do acompanhamento psicológico da paciente até sua morte.
Caso Clínico
Sofia: 50 anos, casada, dois filhos, Ensino Superior, Orientadora Educacional,
católica; Glioblastoma multiforme.
Recebeu o diagnóstico há quatro meses no momento da entrevista e neste período
realizou neurocirurgia e passou por aproximadamente quarenta sessões de radioterapia.
Morava a quilômetros de distância do hospital, e a fim de buscar um tratamento efetivo,
mudou de moradia, estabelecendo-se em Barretos com o marido e a filha e recebendo, neste
período, o auxílio de uma cunhada com a qual tinha um vínculo afetivo significativo. Logo
que chegou à Unidade de Cuidados Paliativos/Dor foi comunicada novamente sobre a
progressão da doença e resultados não satisfatórios de todo o tratamento pelo qual passou. Foi
informada de que os mesmos seriam interrompidos devido à ocorrência de malefícios à sua
saúde, mas que seriam tomadas medidas de conforto e preservação de sua qualidade de vida,
apesar da progressão de sua doença.
Nos primeiros dias de sua internação, Sofia estava acompanhada do marido, filha (17
anos) e cunhada, e durante este processo recebeu a visita do filho mais velho que morava na
cidade de origem. Todos estavam entristecidos devido ao prognóstico reservado e às possíveis
repercussões da evolução da doença. Uma semana após a entrevista, as limitações de Sofia se
agravaram e a comunicação com a equipe e familiares ficou restrita a comandos gestuais e
fala lentificada quando estava em estado de vigília. Devido ao tipo de câncer (glioblastoma
multiforme) com irradiação no tronco cerebral, o avanço das limitações de Sofia foi rápido e
incapacitante, e as crises convulsivas foram frequentes até ser encontrada a medicação
23
adequada para sua contenção. Mesmo com a contenção das crises o risco de óbito era
iminente.
Por meio do acompanhamento psicológico e entrevista (que se realizou após oito dias
de internação), evidenciou-se que Sofia oscilava a todo o momento entre a constatação da
irreversibilidade de seu quadro clínico e a esperança de melhora e retomada da vida. Frente à
progressão da doença e limitações que desencadearam sua perda de autonomia e interrupção
de seu projeto existencial, ora vivenciava intensa tristeza pela perda de controle sobre sua vida
e medo de deixar os familiares, e ora utilizava os recursos de enfrentamento disponíveis para
ressignificar a experiência vivida, como o apoio e carinho propiciado pelos familiares, a
esperança e a espiritualidade. A perda da autonomia foi muito sofrida para Sofia, algo de
difícil aceitação, tendo em vista que sempre fora uma pessoa muito ativa e dinâmica nos
cuidados com os filhos e determinada nos objetivos e atividades profissionais. A rotina de
Sofia era intensiva, conciliando o trabalho, os cuidados com a casa e com os filhos, além de
exercer um papel mediador na relação dos filhos com o pai e no cumprimento das regras
familiares, ocupando um papel fundamental na educação dos filhos e na dinâmica familiar.
Por meio do acompanhamento psicológico, retomou aspectos significativos de sua
história de vida, destacando-se como uma guerreira, alguém que lutou por suas conquistas no
âmbito profissional e familiar, o que fez com que ressaltasse, para os filhos, valores quanto à
importância da educação para se alcançar o que almeja, pautando a educação deles de acordo
com sua experiência de vida. Diante desta questão, a vivência da incurabilidade do câncer, da
progressão da doença e limitações proporcionou-lhe momentos de ressignificação de sua vida
e de valores, ora se entristecendo com toda a luta vivida “como se fosse em vão” e ora
atribuindo novos sentidos para a sua experiência. Valorizou a educação propiciada aos filhos
e o orgulho pelo que alcançou até o momento. Mostrou esperança de alcançar uma melhora
para continuar a ver os filhos crescerem e compartilhar de suas conquistas. Mencionou as
24
novas maneiras de se relacionar com os familiares após a doença e a experiência de ser
cuidada em vez de cuidar: “as coisas aconteceram, mas talvez fosse... pra melhor (se
emociona). Mas o que me dá mais força são os filhos. Eu quero vê-los ainda bem grandes
ainda... formados... se Deus quiser...”.
Diante dos paradoxos evidenciados na luta pela vida diante da possibilidade de morte,
revelou-se que a espiritualidade, desde o diagnóstico, fortaleceu-a e propiciou a busca por
sentidos para a vida, sentindo-se amparada por uma força divina e se apoiando em sua história
espiritual pregressa para ter esperança, vivenciar o momento presente e o desconhecido que
estava por vir: “eu ia até à missa, participava, sabe, e me sentia aliviada... é o que tem me
mantido em pé... a fé em Deus (se emociona)... de que uma hora as coisas vão melhorar... que
a tempestade vai passar... [...] acreditar mais em Deus e ter fé, esperança de que as coisas
vão melhorar [...] pedi muito a Deus para me dar força pra não ficar desesperada na frente
deles (filhos)”. Evidenciou-se também que sua espiritualidade se relaciona a um sentido para
o viver, apesar das intempéries vividas e a constatação da progressão da doença: “hoje ela (fé
em Deus) me mantém viva... apesar de saber tudo o que eu soube (prognóstico)... mas é ela
que me mantém viva pra poder... ter certeza que eu vou me curar e voltar a minha vida
normal”. Desvelou-se que a oscilação entre constatar a incurabilidade de sua doença e a
esperança de cura se configurou como um processo adaptativo de elaboração do momento
vivido, porém, se caracterizando enquanto uma negação parcial da realidade. A espera de uma
melhora é o que proporciona sentido para a continuidade da luta pela vida. Ressalta-se a
ressignificação dos seus valores de vida e o fortalecimento dos vínculos familiares que
ocorreu durante o processo de terminalidade.
Apesar da iminência da morte, identificou-se que Sofia lutava a todo instante
surpreendendo muitas vezes a equipe e seus familiares, pois seu quadro clínico oscilou por
todo o período de 59 dias de internação. Neste percurso, a relação com a paciente foi empática
25
e fluiu desde o primeiro atendimento psicológico, aprofundando-se na entrevista para o estudo
e no decorrer dos demais contatos para seu acompanhamento psicológico, bem como no de
seus familiares. Na sua última semana na enfermaria, Sofia entrou em fase final de vida e
morreu de forma serena, com os sintomas controlados e com o marido e a cunhada ao seu
lado. A pesquisadora-psicóloga pode se despedir da colaboradora-paciente no momento de
sua partida e propiciar suporte psicológico para seus familiares no luto.
Mostra-se a importância de também apontar o mundo vivido dos familiares envolvidos
no processo. Foram realizados quinze atendimentos psicológicos intercalando entre paciente e
seus familiares (filhos, marido e cunhada) no período de 59 dias de internação até sua morte.
Desvelou-se que a vivência inicial da constatação da irrersibilidade da doença e progressão
inevitável até sua morte foi profundamente impactante para os familiares, principalmente para
os filhos, os quais se encontravam em processo de desenvolvimento e início da idade adulta e
suas repercussões (17 e 21 anos). Durante os atendimentos, foi oferecido suporte psicológico
focando a elaboração do luto antecipatório e a ressignificação de suas representações de morte
e das vivências significativas junto à mãe, bem como exaltada a importância do
compartilhamento dos sentimentos com a paciente, e de vivenciar um dia de cada vez
valorizando os momentos significativos junto a paciente, apesar da piora de sua função
cognitiva. Observou-se que a família também vivenciou um processo de elaboração particular
e único para cada um deles, de maneira que a cada piora e oscilação do quadro clínico e
cognitivo da mãe os familiares vivenciavam um processo contínuo de aceitação das perdas
atuais, simbólicas e reais referentes à paciente. Além disso, de acordo com o processo de cada
um, revelou-se que efetuaram a reorganização da vida atual e futura demonstrando aceitação
diante da possibilidade da não existência da mãe em seu cotidiano, identificando-se
consecutivamente uma elaboração adaptativa do luto, propiciando morte serena para a
paciente.
26
Foco e objetivos terapêuticos
A possibilidade de elaborar um plano terapêutico destaca a psicoterapia breve das
demais técnicas psicológicas. O plano terapêutico é peculiar ao paciente atendido, a suas
problemáticas e recursos egóicos identificados, não sendo possível padronizar um modelo
para todos. No caso em questão, observa-se que o foco trabalhado envolveu os significados do
processo de adoecer e morrer para a paciente e seus familiares e suas repercussões.
Delimitado o foco, se iniciou o planejamento dos objetivos terapêuticos, ou seja,
questões pontuais que foram trabalhadas no decorrer do processo terapêutico. Por se tratar de
intervenções breves em contexto hospitalar, pode-se dizer que os objetivos foram pontuais de
acordo com a evolução do quadro clínico da paciente, dirigindo-se mais à remoção ou
melhora dos sintomas e não à completa reestruturação da personalidade, não sendo
desprezadas, porém, a possibilidade de alterações mais profundas e significativas resultantes
do processo terapêutico. Buscou-se o restabelecimento de um nível de funcionamento anterior
às manifestações atuais de sofrimento, substituindo defesas mais regressivas por outras mais
adaptativas e que possibilite o aumento da auto-estima e perspectivas pessoais (Azevedo,
2004; Knobel, 1986); buscando-se assim melhorar a qualidade de vida da paciente,
ressignificando-a, apesar da iminência de morte.
É importante evidenciar que no caso clínico em questão, por se tratar de uma
intervenção no âmbito hospitalar e em cuidados paliativos, os objetivos terapêuticos exigem
certa flexibilidade a todo o momento, devido ao próprio processo de adoecimento e as
limitações vivenciadas pelo paciente e ao risco de óbito a qualquer momento. O profissional
que atua na área precisa ter considerável tolerância à frustração, pois pode ocorrer de nem
sempre se atingir os objetivos terapêuticos previamente delimitados. Devido a este contexto,
os objetivos terapêuticos precisam ser amplos e flexíveis, visando à busca da qualidade de
vida e bem-estar do paciente, apesar do agravamento da doença e risco de óbito.
27
No caso clínico citado, destacam-se os seguintes objetivos terapêuticos e recursos
ecléticos que puderam ser utilizados para tal finalidade: avaliação psicológica do
cuidador/familiares envolvido no processo de cuidar; oferecimento de espaço para expressão e
ressignificação de sentimentos, medos e preocupações do paciente e seu cuidador por meio da
escuta ativa, esclarecimentos e postura empática por meio da relação entre paciente/familiares
e psicóloga-pesquisadora; propiciar a ressignificação da vida e do morrer; desmistificar
crenças inadequadas acerca da unidade hospitalar em questão; levantamento e fortalecimento
de recursos saudáveis de enfrentamento do paciente e seu cuidador; investigação da
ocorrência do processo de dor total; realização de técnica de relaxamento e imaginação
dirigida para controle da dor e melhora do bem-estar do paciente, bem como elaboração do
medo da morte e conflitos que envolvam a dimensão espiritual; oferecimento de suporte
psicológico perante a vivência de luto antecipatório; fortalecimento do compartilhamento das
vivências entre paciente e seus familiares envolvidos; oferecimento de suporte psicológico
durante o pré-óbito, óbito e pós-óbito para o cuidador/familiares do paciente.
Os ganhos terapêuticos e a relação paciente-psicóloga no processo
Tendo estabelecido os objetivos, os mesmos foram discutidos com paciente e seus
familiares no decorrer do acompanhamento psicológico, porém, não foi estabelecido
previamente um tempo de duração do tratamento devido ao setting da intervenção tratando-se
de instituição hospitalar e de um serviço de Cuidados Paliativos. Foi combinado junto ao
paciente e seu cuidador que o processo terapêutico iria ocorrer de forma intercalada (paciente
e familiares) duas vezes na semana durante o período de internação da paciente na Unidade de
Cuidados Paliativos/Dor, e que a necessidade de continuação de atendimento seria reavaliada
caso a paciente obtivesse alta hospitalar. Neste caso, se fosse constatado a necessidade de
acompanhamento psicológico, se houvesse interesse e o paciente tivesse condições, seria
28
oferecido acompanhamento ambulatorial semanal na instituição. Se o paciente manifestasse
interesse, mas não tivesse condições de retornar semanalmente poderia retornar para
atendimento psicológico na data de retorno com o médico responsável no ambulatório.
Inicialmente, foi realizado atendimento duas vezes na semana, intercalando entre o
paciente e seu familiares, visando possibilitar a adaptação à internação, estabelecimento de
vinculo e suporte psicológico inicial perante o recebimento de má notícia, nos quais foram
utilizados recursos terapêuticos ecléticos além das intervenções verbais, conforme descrito
por Fiorini (1998).
Posteriormente, a frequência das sessões foi reorganizada conforme a evolução do
processo de adoecimento e demandas apresentadas. Não foram realizadas sessões de follow-
up devido à especificidade da demanda em questão e a imprevisibilidade do processo de
finitude. Os ganhos terapêuticos foram avaliados durante o processo terapêutico que se
constituiu enquanto intervenções breves de apoio para paciente e seus familiares, totalizando
15 atendimentos psicológicos no período de 59 dias de internação.
Avaliou-se que o acompanhamento psicológico propiciado a unidade de cuidado
(paciente e família) foi satisfatória e propiciadora de acolhimento, e momentos de
ressignificação da vida e do processo de morrer tanto da paciente quanto de sua família. Por
meio de seus relatos, evidenciou-se que o oferecimento da escuta ativa e postura empática
facilitou a legitimidade de seus sofrimentos e a possibilidade de reflexão dos significados da
experiência vivida durante todo o processo até a morte da paciente.
29
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa em psicoterapia breve e intervenções psicoterapêuticas breves não é um
empreendimento fácil, dado o número e variabilidade de aspectos e fatores que interferem no
processo e em seus resultados. Para além das características individuais dos estudos, percebe-
se que o campos das psicoterapias e intervenções breves, não obstante todo o seu crescimento
e demandas em vários contextos e espaços de saúde, também têm se desenvolvido e
disseminado enquanto técnica utilizada na área da psico-oncologia, a qual se fortalece e
amplia sua importância enquanto inserção do psicólogo voltado para a promoção da saúde de
pacientes oncológicos. Em corroboração, as intervenções psicoterapêuticas breves encontram
terreno fértil na psico-oncologia, dado os contextos que requerem esses tipos de intervenção,
pois diante das mudanças do tratamento médico, as transferências entre hospitais e serviços, a
rotina hospitalar, além da equipe multiprofissional, que tornam inviável as configurações de
setting e enquadres psicológicos mais tradicionais exigem certa flexibilidade do
psicoterapeuta frente às alterações do setting tradicional (NEME, 2005).
Nesse contexto, é relevante a tendência para a utilização de intervenções
psicoterapêuticas breves no atendimento ao paciente oncológico, sendo de fundamental
importância, apesar do crescimento verificado na área, a expansão de estudos que ampliem
essas experiências interventivas utilizadas nos mais diversos espaços. Tais estudos devem
visar o desenvolvimento de estratégias terapêuticas voltadas para a promoção da saúde de
pacientes oncológicos, bem como nos casos em que não há mais possibilidade de cura.
Portanto, destaca-se a importância de possibilitar ao paciente “sem possibilidades de
cura” e seus familiares uma escuta e espaço para expressar seus sentimentos, suas angústias e
compartilhar suas vivências de sofrimento durante o processo de terminalidade. O
atendimento aos familiares durante o processo de terminalidade do ente querido e no pós-
óbito podem possibilitar aos envolvidos a expressão de seus medos, da dor da perda, da
30
saudade e possibilidades de reflexão acerca da reorganização da vida após a perda. O
acompanhamento psicológico propicia também a atuação em nível preventivo no processo de
enlutamento e identificação de morbidades.
31
REFERÊNCIAS
ALVES, R. A morte como conselheira. Prefácio. In: CASSORLA, R. M. S. (Org.) Da morte:
estudos brasileiros. Campinas: Papirus, 1991, p. 11-15.
ARAUJO, M., M. T.; SILVA, M. J. P. A comunicação com o paciente em cuidados
paliativos: valorizando a alegria e o otimismo. Rev. Esc Enferm USP, n. 4, v. 41, p. 668-74,
2007.
CARVALHO, M.M.M. (2002). Psico-oncologia: história, características e desafios.
Psicologia USP, 13(1), 151-166
CARVALHO, M. M. J. Introdução à psiconcologia. Campinas: Editorial Psy II, 1994.
CAPONERO, R. Biologia do câncer. In: CARVALHO, V. A; FRANCO, M. H. P; KOVÁCS,
M. J; LIBERATO, R; MACIEIRA, R. C;VEIT, M. T; GOMES, M. J. B; HOLTZ, L. (orgs).
Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus, 2008, p. 32-39
CÍTERO, VA.; ANDREOLI, SB.; NOGUEIRA-MARTINS, LA. et al. Interconsulta
Psiquiátrica e Oncologia: interface em revisão. Psiquiatria na Prática Médica, 2000.
Disponível em: http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/especial01.htm#inicio
ELIAS, A. C. A. Relaxamento Mental, Imagens Mentais e Espiritualidade na re-
significação da dor simbólica da morte de pacientes terminais. Dissertação (Mestrado)
Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Ciências Médicas, 2001.
ELIAS, A. C. A. Programa de treinamento sobre a intervenção terapêutica Relaxamento,
Imagens Mentais e Espiritualidade (RIME) para resignificar a dor espiritual de
pacientes terminais. Tese (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de
Ciências Médicas, 2005.
FORGERINI, M. Sobreviver ao câncer de mama: vivências de mulheres fora de tratamento
e o fenômeno da resiliência. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Bauru, 2010.
KNOBEL, M. Psicoterapia Breve. São Paulo: EPU, 1986.
GASPAR, K. C. Psicologia hospitalar e a oncologia. In: ANGERAMI-CAMON, V. A. (Org).
Psicologia da saúde: um novo significado para a prática clínica. São Paulo: Cengage
Learning, 2011, p. 79-126.
GUERRERO, G. P., ZAGO, M. M. F., SAWADA, N. O., PINTO, M. H. Relação entre
espiritualidade e câncer: perspectiva do paciente. Revista Bras. Enferm. Brasília, Jan-Fev, v.
64, n. 1, 2011, p. 53-59.
HORTA, C. R., NEME, C. M. B., CAPOTE, P. S. O., GIBRAN, V. M. O papel da fé no
enfrentamento do câncer. . In: NEME, C. M. B.; RODRIGUES, O. M. P. R. (Org.).
Psicologia da saúde: perspectivas interdisciplinares. São Carlos: Rima, 2003, p. 149-172.
INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER – INCA. Estimativa 2012: incidência de câncer no
Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, INCA, 2012.
32
KOVÁCS, M. J. Pesquisa com pacientes gravemente enfermos: autonomia, riscos, benefícios
e dignidade. Revista Bioética, n. 17, v. 2, 2009, p. 309-318.
KRUSE, M. H. L. et al. Cuidados paliativos: uma experiência. Rev. HCPA. Porto Alegre, v.
27, n. 2, 2007, p. 49-52.
KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins fontes, 1998.
LIBERATO, R. P., MACIEIRA, R. C. Espiritualidade no enfrentamento do câncer. In:
CARVALHO, V. A; FRANCO, M. H. P; KOVÁCS, M. J; LIBERATO, R; MACIEIRA, R.
C;VEIT, M. T; GOMES, M. J. B; HOLTZ, L. (orgs). Temas em psico-oncologia. São Paulo:
Summus, 2008, p. 414 – 431.
MACIEIRA, R. C. Enfrentamento do câncer e espiritualidade. In: SANTOS, F. S. (Org). A
arte de morrer: visões plurais (volume 2). Bragança Paulista, SP: Editora Comenius, 2009.
NEME, C. M. B; SOLIVA, S. N; RIBEIRO, E. J. História prévia de eventos de estresse e
câncer de mama, útero e ovários. In: NEME, C. M. B.; RODRIGUES, O. M. P. R. (Org.).
Psicologia da saúde: perspectivas interdisciplinares. São Carlos: Rima, 2003, p. 95-123.
NEME, C. M. B. Ganhos terapêuticos com psicoterapia breve em serviço de psico-oncologia
hospitalar. In: SIMON C.P.; MELO-SILVA, L.L.; SANTOS, M.A. e cols. Formação em
Psicologia: Desafios da diversidade na pesquisa e na prática. São Paulo: Vetor, 2005, p.39-68.
NEME, C. M. B., LIPP, M. E. N. Estresse psicológico e enfrentamento em mulheres com e
sem câncer. Psicologia: teoria e pesquisa, Jul-Set, v. 26, n. 3, 2010, p. 475-483.
NETO, F. B., Psicoterapia Breve, SPOB, RJ. 2000
NEUBER, L. M. B., NEME, C. M. B., UEMURA, G. A mulher e o câncer de mama: estresse
e conjugalidade. In: NEME, C. M. B. (org). Psico-oncologia: caminhos e perspectivas. São
Paulo: Summus, 2010, p. 149-168.
OLIVEIRA, E. A; SANTOS, M. A; MASTROPIETRO, A. P. Apoio psicológico na
terminalidade: ensinamentos para a vida. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 2, p. 235-
244, abr/jun, 2010.
PEÇANHA, D. L. N. Câncer: recursos de enfrentamento na trajetória da doença. In:
CARVALHO, V. A; FRANCO, M. H. P; KOVÁCS, M. J; LIBERATO, R; MACIEIRA, R.
C;VEIT, M. T; GOMES, M. J. B; HOLTZ, L. (orgs). Temas em psico-oncologia. São Paulo:
Summus, 2008, 209-217.
RAMOS, F.N.N..; NEME, C.M.B; DAMETO, C.A. Relato de caso clínico: Psicoterapia
Breve de Paciente Oncológico, 2008. Disponível em:
http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php
ROSSI, L; SANTOS, M. A. Repercussões psicológicas do adoecimento e tratamento em
mulheres acometidas pelo câncer de mama. Psicologia Ciência e Profissão, n. 23, v. 4, 2003,
p. 32-41.
33
ROSSI, L. O cuidado prestado pela equipe de saúde à terminalidade de uma adolescente
com câncer em cuidados paliativos: uma análise existencial das vivências da mãe à luz
da ontologia fundamental de Martin Heidegger. Tese (Doutorado) – Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2012.
SOUZA, Juciléia Rezende; ARAUJO, Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de. Eficácia
terapêutica de intervenção em grupo psicoeducacional: um estudo exploratório em oncologia.
Estud. psicol. (Campinas), Campinas, v. 27, n. 2, 2010.
TRINCAUS, M. R; CÔRREA, A. K. A dualidade vida-morte na vivência dos pacientes com
metástase. Rev. Esc. Enferm. USP, n. 41, v. 1, 2007, p. 44-51.
VASCONCELLOS, Erika Antunes; GIGLIO, Joel Sales. Introdução da arte na psicoterapia:
enfoque clínico e hospitalar. Estud. psicol. (Campinas), Campinas, v. 24, n. 3, Sept. 2007
VEIT, M. T.; CARVALHO, V. C. Psico-oncologia: definições e área de atuação. In:
CARVALHO, V. A; FRANCO, M. H. P; KOVÁCS, M. J; LIBERATO, R; MACIEIRA, R.
C;VEIT, M. T; GOMES, M. J. B; HOLTZ, L. (orgs). Temas em psico-oncologia. São Paulo:
Summus, 2008, p. 15-19.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Cancer control: knowledge into action. WHO guide
for effective programmes. Module 5: Palliative Care. Genebra, 2007.
.