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Seminário Intervir em construções existentes de madeira 101
P.B. Lourenço, J.M. Branco e H.S. Sousa (eds.) 2014
Intervenções no património edificado – Castelo dos Mouros, Sintra
Ricardo Miranda
UBIQUIDADE – Arquitectura e Multimédia, Lda. Lisboa
SUMÁRIO
Estudo de caso sobre a metodologia de abordagem ao nível do projecto de arquitectura da
intervenção efectuada no Castelo dos Mouros em Sintra. Trata-se da instalação de um
centro de apoio ao visitante no interior do cerco de muralhas no lugar das antigas
cavalariças, que tem como principais características a utilização de madeira na sua
construção, particularmente a madeira de acácia, e a preservação do património
arquitectónico e arqueológico.
PALAVRAS-CHAVE: INTERVENÇÕES, PATRIMÓNIO, CASTELO, MOUROS
1. INTERVENÇÕES NO PATRIMÓNIO EDIFICADO - CASTELO DOS
MOUROS, SINTRA
Figura 1 – Centro de Apoio ao Visitante do Castelo dos Mouros – Parques de Sintra Monte
da Lua.
A criação do núcleo de apoio ao visitante decorreu da inexistência de qualquer estrutura de
apoio no interior do castelo e à necessidade da musealização do conjunto de modo a
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proporcionar uma experiência de visita mais completa, que se limitava à utilização do
castelo como miradouro, ignorando todo o potencial histórico, arqueológico e
arquitectónico.
A intervenção tem como premissas a preservação do património construído e arqueológico,
a acessibilidade e a sustentabilidade, mas marcada por um carácter próprio e
contemporâneo e que seja uma mais valia na experiência da visita ao Castelo dos Mouros.
Tendo em conta a importância patrimonial, arqueológica e ambiental do recinto, optou-se
por criar uma solução de total reversibilidade, sendo as opções formais e materiais reflexo
dessa intenção, sobretudo através da utilização de madeira local, proveniente de abates de
limpeza das matas dos Parques de Sintra. A criação de construções sobrelevadas procura
reduzir a pegada no solo e permitir a fruição e utilização dos espaços das ruínas. Procurou-
se ainda a utilização de materiais não agressivos com o ambiente e soluções construtivas
que procuram não interferir com as estruturas existentes (Figura 1).
1.1. O Castelo dos Mouros [1]
O Castelo dos Mouros, construído no topo de um dos cumes rochosos mais altos da Serra
de Sintra, localiza-se no interior da Paisagem Cultural de Sintra, classificada pela
UNESCO como Património Mundial (1995), e é um dos símbolos mais significativos da
ocupação muçulmana da Península Ibérica. Figura 2.
Figura 2 – Vista aérea sobre o castelo dos mouros.
Classificado como monumento nacional em 1910, foi sempre um dos locais mais visitados
da região de Lisboa, devido à sua relação simbólica com o passado histórico da região e
pelo sítio, de onde é possível admirar uma espectacular vista panorâmica da costa, da vila
de Sintra e até Mafra.
O Castelo, construído no século X, foi considerado uma das principais estruturas militares
do Gharb al-Andalus, funcionando como defesa da Costa Atlântica e do acesso marítimo à
cidade de Lisboa.
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Apresenta duas cinturas irregulares de muralhas em alvenaria de granito, sendo a interior
constituída por cinco torres principais e várias pequenas torres de forma quadrada ou
circular, encimadas por caminhos de ronda e ameias. Figura 3.
Figura 3 – Infografia: Anyforms Design.
Integra uma Alcáçova, que alberga a Torre de Menagem, ruínas de dois edifícios antigos
adjacentes às muralhas comumente identificados como Antigas Cavalariças uma Cisterna
com 100m2 e encimada por duas clarabóias de pedra, e agrega ainda, entre as duas cinturas
de muralhas, as ruínas da Igreja de S. Pedro de Canaferrim (século XII). Figura 4.
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(a) (b)
(c) (d)
Figura 4 – (a) Alcáçova; (b) Antigas cavalariças; (c) Cisterna; (d) Igreja S. Pedro
Canaferrim.
Na muralha exterior existem duas portas: a que permite o acesso através da Calçada da
Pena e a que dá acesso para quem vem a pé da vila de Sintra por Santa Maria.
1.2. O desafio arquitectónico do projecto do castelo dos Mouros
O desenvolvimento de um projecto de arquitectura é a busca da resolução de um conjunto
alargado e variado de problemas (técnicos, estéticos, económicos, financeiros, emocionais,
entre muitos outros) e a sua descodificação num objecto formal/espacial. Na elaboração do
núcleo de acolhimento ao visitante do Castelo dos Mouros essa teia de questões tornou-se
ainda mais complexa pela delicadeza da envolvente patrimonial histórica e natural,
precisamente o objecto da missão da Parques de Sintra – Monte da Lua, S.A. responsável
pela gestão, recuperação e conservação do património histórico e natural da Paisagem
Cultural de Sintra, classificada como Património da Humanidade pela Unesco.
A abordagem a este local único e tão imbuído de carga histórica e simbólica determinaram
a singularidade desta projecto onde se pretendia a preservação do património, mas ao
mesmo tempo criar um objecto arquitectónico marcado por um carácter próprio e
contemporâneo.
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Num contexto de intervenção em estruturas já existentes é sempre adicionado um elevado
grau de incerteza ao projecto, as soluções apresentadas buscaram integrar em si mesmas
um factor de elasticidade de modo a puderem enfrentar os imponderáveis próprios da
incerteza tomar parte em algo que à partida não se consegue determinar, ao contrário das
situações típicas de construção onde o processo ocorre de forma linear (a envolvente é
perfeitamente determinada e se trabalha “do chão para cima”), no campo da reabilitação, e
por diversos motivos, é normalmente impossível proceder às escavações e demolições
numa fase anterior ao desenvolvimento do projecto.
A descoberta do conjunto de vestígios e objectos na zona de implantação das construções a
erigir e a sua importância obrigaram a rever todo o projecto desde a sua fase mais inicial –
o programa base -, obviamente com implicações e alterações nas fases subsequentes, mas a
agilidade da abordagem permitiu encontrar soluções no seio do próprio projecto e resolver
o novo programa sem comprometer a abordagem e o desenho desenvolvidos até aí.
1.3. O projecto
A criação núcleo de acolhimento ao visitante decorre da inexistência de qualquer estrutura
de apoio ao visitante no interior do castelo e à necessidade da musealização do conjunto de
modo a proporcionar uma experiência de visita mais completa, que se limita actualmente à
utilização do castelo como miradouro, ignorando todo o potencial histórico, arqueológico e
arquitectónico. A análise à experiência de visitação do castelo revelou que esta estrutura
tinha um poder de atracão enorme sobretudo pela localização acima da Vila e era
demonstrada nos números de visitantes.
A recuperação dos caminhos pedonais de acesso ao castelo, sobretudo o acesso por Santa
Maria, reforçaram a ligação directa entre a vila e o castelo. A chegada de visitantes não se
restringia agora apenas a um único ponto de acesso como anteriormente e o esquema de
funcionamento das bilheteiras do Castelo tornara-se ineficaz.
Existia uma grande deficiência na informação ao público sobre as estruturas construídas e
naturais, sobre a história do local e dos seus ocupantes, quer por ausência de meios físicos
de informação quer porque simplesmente ainda não haviam sido estudados.
Era necessário criar um núcleo de acolhimento no interior da muralha do Castelo dos
Mouros, que contivesse os serviços de recepção, bilheteira, loja, cafetaria e áreas de apoio
às diversas actividades a desenvolver, nomeadamente a possível utilização da praça de
armas como recinto para eventos.
O local escolhido é o das duas antigas cavalariças dentro do perímetro da Cerca Interior da
Muralha, junto à sua entrada, delimitado pela Muralha do Castelo e pelos paramentos das
ruínas das cavalariças.
O desafio principal deste projecto foi o contacto entre as novas estruturas e o património
edificado, a ligação entre o antigo e o novo e modo como essa relação seria estabelecida.
Como garantir a preservação de uma herança patrimonial milenar ao introduzir elementos e
programas contemporâneos? Em resposta a esta questão procuramos uma solução holística
que definisse a nossa abordagem. Esta atitude deveria ver-se reflectida em todas as
vertentes da intervenção.
A palavra chave foi assim a reversibilidade, que se tornou numa premissa básica ao longo
de todo o processo de desenvolvimento do projecto.
Quer ao nível da abordagem ao património edificado, quer ao natural ou ambiental a
escolha foi a de um respeito pelo existente e a busca pela criação de uma construção
transitória no tempo.
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Obviamente o conceito de transitório é alterado por uma visão mais alargada do tempo, ou
por um entendimento não relacionado com a escala humana desse mesmo tempo. A
realidade ou o tempo correm em ritmos diferentes, esta percepção leva-nos a entender que
o tempo do programa definido para este espaço funciona num ciclo temporal que embora
se considere longo em termos humanos será muito breve quando comparado com o tempo
de vida do castelo, ou com os ciclos naturais mais longos.
Esta ideia de transitório foi materializada pela utilização de componentes e métodos
construtivos que não agredissem a envolvente e que fossem passíveis de remoção e
reciclagem. A procura de minimizar ao máximo os pontos de contacto foi também um
factor importante.
A opção tomada foi a de criar um conjunto de edificações sobrelevadas sobre estacas e
interligadas por passadiços acima do solo, constituídos sobretudo por rampas de modo a
permitir a acessibilidade de um modo mais abrangente e fluído.
A ideia da utilização na construção de madeira proveniente dos abates de limpeza das
matas dos Parques de Sintra surgiu numa das visitas ao local quando se procedia a esse
trabalho e veio reforçar conceptualmente e materialmente a ligação ao local que se
pretendia. A materialidade dos objectos construídos seria uma reinterpretação da
envolvente natural.
Um momento em particular revelou-se crítico neste processo e pôs à prova todas as nossas
opções. Foi, curiosamente, na data combinada para a entrega do projecto de execução que
fomos informados dos achados nas escavações arqueológicas. Entre eles encontravam-se
os silos e o paramento de alvenaria de pedra que nos “retiravam o chão” na zona da
cavalariça Norte.
Surgia no entanto a oportunidade perfeita para dar ao visitante um local onde se pudesse
assistir à génese da existência do Castelo, onde as diferentes camadas que o compõem e
que mostram as distintas ocupações ao longo dos tempos eram visíveis, uma câmara onde
se viajasse no tempo e onde o visitante poderia vislumbrar a História.
A primeira consequência foi a que o conjunto de estruturas situadas na cavalariça Norte
perdia a localização dos pilares que as sustentavam porque conflituava com a localização
dos achados, a segunda foi que a fragilidade da rocha onde se situavam os silos obrigava a
que o local fosse abrigado dos elementos, sobretudo das águas pluviais que poderiam levar
à completa desagregação dos silos.
Perante este cenário vimo-nos obrigados a fazer desaparecer todos os elementos que
constituíam o piso 0 da cavalariça norte para dar lugar ao novo espaço expositivo. A
solução encontrada foi a de – literalmente – seccionar esta zona e introduzir uma
plataforma que servisse de cobertura a essa área. Por baixo correria um passadiço que
permitiria a visitação a este novo espaço.
Estes achados colocaram ainda um outro desafio que até agora tinha sido evitado, a criação
de uma cobertura completa numa das áreas da intervenção, que implicava um contacto
linear continuo com a muralha para a recolha das águas da chuva. Esse contacto tinha
ficado limitado até então a um único ponto. A solução encontrada passa pela introdução
um rufo de zinco inserido nas juntas dos blocos de pedra que constituem as muralhas
evitando qualquer dano permanente às alvenarias, sendo que as massas das juntas também
irão passar por um processo de reabilitação. Esta abordagem quase cirúrgica foi a forma
encontrada de garantir que as muralhas não seriam perfuradas.
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1.4. Considerações finais
As premissas consideradas de raiz estiveram presentes ao longo do projecto e também na
resolução desta alteração. Tomar a sustentabilidade e de um modo mais específico a
reversibilidade como estratégia de abordagem às preexistências históricas e naturais
revelou-se uma estratégia muito preciosa no projecto do núcleo de acolhimento ao visitante
do Castelo dos Mouros pois permitiu fazer face a todas as demandas que surgiram ao longo
do processo e integrar na construção (de diversas formas) partes desse próprio património.
Acreditamos que as opções tomadas serão uma mais valia e que o núcleo de acolhimento
ao visitante irá potenciar a experiência da visita ao Castelo dos Mouros. Figura 5.
(a)
(b) (c)
(d) (e)
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(f) (g)
Figura 5 – (a) Centro de apoio ao visitante – vista geral; (b) Acolhimento e loja;
(c) Passadiços e volumes; (d) Vista geral; (e) Antigas cavalariças; (f) Igreja S. Pedro
Canaferrim – vista geral; (g) Interior.
2. AGRADECIMENTOS
Um agradecimento particular ao Prof. António Lamas.
Muito agradeço ao Engº Jorge Branco pelo convite a participar no seminário.
Quero agradecer a toda a equipa que participou na intervenção:
- Proprietário do imóvel
Parques de Sintra – Monte da Lua, S.A.
- Gestão / coordenação da intervenção
Eng. Daniel Silva, PSML
Eng.ª Vanessa Ferreira, PSML
Dr.ª Maria João Sousa (Responsável Arqueologia), PSML
- Financiamento
Parques de Sintra – Monte da Lua, S.A. (2,6 milhões de euros)
PIT - Programa de Intervenção do Turismo (600 mil euros)
- Empresa de construção
AOF
Eng. Filipe Ferreira
Eng. Pedro Santos
Eng. Pedro Sarmento
Apoio na execução de estruturas em madeira lamelada
PORTILAME
Apoio na recuperação e restauro de muralhas
IN SITU
HENUTAL
SOTECNOGAIO
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Serração e Tratamento de madeira de acácia
MARTO E OLIVEIRA
FRANCISCO SARAIVA
Enquadramento paisagístico
IDEALJARDINS
Grua-teleférico de carga
LEDESCHER CABLECRANE SYSTEMS
SOVEPER
- Arquitetura
Arq. Ricardo Miranda
Arq. Miguel Fevereiro (Anteprojecto, Execução e 3D)
UBIQUIDADE
- Paisagismo
Nuno Oliveira – Diretor Técnico para o Património Natural da Parques de Sintra – Monte
da Lua SA
Inês Castro Caldas – Arquiteta Paisagista da Parques de Sintra – Monte da Lua SA
- Projecto de Engenharia
Estruturas de Madeira
Prof. Aníbal Costa
Eng. Tiago Ilharco
Eng. Walter Lopes
FEUP / NCREP
Estruturas Metálicas
Prof. Augusto Gomes
Prof. Francisco Virtuoso
Eng. André Silva
CIVILSER
Especialidades
Eng. Luís Ribeiro (IE e Iluminação Cénica)
Eng. Paulo Sampaio (IE)
Eng. António Dias (IM)
Eng. Vítor Ribeiro (IH)
ECA PROJECTOS
Parceiros do Projecto
IST – Instituto Superior Técnico
UNL – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
3. REFERÊNCIAS
[1] Sousa M.J., Castelo dos Mouros, Revista Património, n.º 2, 2014.
110 Intervenções no património edificado - Castelo dos Mouros, Sintra
P.B. Lourenço, J.M. Branco e H.S. Sousa (eds.) 2014