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**Departamento de Biologia, Universidade de Évora; Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) *Câmara Municipal de Sintra Intervenção Arqueológica no Projecto de “Recuperação e Valorização da Anta Do Carrascal” (Agualva, Sintra) Patrícia Jordão*, Pedro Mendes* e Cláudia Relvado** A Anta do Carrascal, também conhecida por Anta de Agualva - Sintra (Fig.1), Monumento Nacional desde 1910), foi alvo de um projecto de recuperação e valorização desenvolvido pela Câmara Municipal de Sintra. Na sua vertentente arqueológica, preteudeu-se esclarecer as suas características arquitectónicas, mamoa, corredor e a câmara escavando os alvéolos de implantação dos seus esteios para reconstituir de forma verosímil este monumento. Fig.1-Localização da Anta do Carrascal (WGS-84) N38º 46’ 24” W9º 17’ 13”. Fig. 2 - Plantas da Anta do Carrascal: A - Ribeiro (1880); B - V. Leisner (1965); C - Vista de SSE (C. Ribeiro, 1880, p. 68); D - Corte de V. Leisner (1965 taf. 52:2); E - Planta actual antes da intervenção de 2016; F - Planta actual após intervenção intervenção arqueológica e de conservação e restauro de 2016. O monumento encontra-se implantado a 158m de altitude, junto a um afluente da Ribeira da Jarda, na base da vertente suave de uma pequena elevação virada a Sul. Afloram na área envolvente principalmente rochas sedimentares, calcários e mar- gas do Aliano-Cenomaniano inferior e médio (Ramalho et al., 1993) intercalados por filões associados quer à instalação do diapiro de Sintra quer ao Complexo Vulcânico de Lisboa (Fig. 3). Fig. 3- Carta Geológica de Portugal na escala de 1/50.000 – 34-A. Identificada e escavada por Carlos Ribeiro em 1880, está enquadrada no megalitismo da região de Lisboa do 4º-3º milénio a.n.e.. Composta por uma câmara de sete esteios coberta por uma laje de cobertura, actualmen- te inexistente, e um corredor curto de dois esteios de cada um dos lados, é semelhante às vizinhas Anta da Pedra dos Mouros, do Monte Abraão e da Estria. Apesar de bastante destruída pelo tempo o autor registou a sua planta em secção, um alçado lateral e a fachada (Fig. 2). Ao tempo o grau de destruição era já evidente - ausência de cobertura e despojamento da câmara evidenciado que “outros exploradores se tinham anteci- pado” (Ribeiro,1880, p.69). Nos trabalhos de campo de então foram recolhidos “raros fragmentos de sílex, va- sos de barro, dentes e fragmentos pequenos de ossos humanos” (Idem). Em 1944, Vera Leisner faz um novo registo gráfico de (planta e alçado) e fotográfico (Leisner, 1965). GEOMORFOLOGIA E GEOLOGIA INTRODUÇÃO E SÍNTESE HISTÓRICA De acordo com os objectivos estipulados foi feita a limpeza e corte da vegetação na área a estudar prosse- guindo com a escavação arqueológica: corredor, segmento da mamoa adjacente a Oeste, a câmara funerária e as estruturas pétreas de contenção exteriores dos esteios a reposionar. Fig.3 - Área da câmara e alvéolos escavados na rocha. Fig.4 - Alçados com restos da mamoa e os cortes feitos na rocha. OS TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS: estratigrafia e estruturas Observámos que a Anta era constituída pelo conjunto da ossatura pétrea da câmara e da metade Sul do corredor, juntamente com uma cobertura de sedimento, eventuais vestígios da mamoa. Ao longo da escavação constatou-se que a estratigrafia estava afectada por bioturbação provocados pelo carrasco (Quercus coccifera) que em certos pontos chegou ao substrato rochoso mais coeso alavancando alguns dos esteios e basculando-os para o interior da câmara. Dos sete esteios, dois eram “calçados” na sua parte externa, com blocos e lajes calcárias enchendo a “caixa” formada entre os ortóstatos a mamoa e a rocha base escavada quer em profundidade quer na forma exagonal da planta da estru- tura. A base da mamoa encontrava-se a mais de metade da altura dos esteios e servia para poten- ciar a altura do monumento. Esta era composta por um sedimento de matriz argilosa com pedras e blocos de calcário com presença ocasional de seixos de quartzito e quartzo, e ainda exíguo material arqueológico e osteológico.Por outro lado, foram individualiza dos na base da estratigrafia no interior da câmara, os alvéolos de implantação dos ortóstatos, também estes escavados no substrato geológico, cujo enchimento era feito com Uma vez detectados os alvéolos na sua posição original, estes foram reposicionados, em estreita articu- lação com os técnicos de conser- vação e restauro e reforçada essa estrutura com argamassas mistas e feito um chão com pendente de forma a escoar águas. pedras e blocos de calcário que serviam de calços. OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS Fig. 5 -Após o reposicionamento dos esteios. Foram apenas encontrados material lítico a mamoa recolhendo-se: 1 frag- mento de núcleo, 5 lascas, 1 delas com retoque parcial semi-abrupto paralelo, tornando-o o bordo distal recto, outra sem retoque, (Fig. 6A) e as restantes 3 sob a forma de fragmentos mesial. distal e fractura longitudinal queimada e ainda 4 inclassificáveis queimados (Fig. 6B). O facto de estarem muito frag- mentados não nos autoriza a associá-los a um contexto ou mesmo a uma cro- nologia particular. Também foram recolhidos 3 pequenos fragmentos de xisto polido perten- centes a uma(s) placa(s) de xisto sendo num deles observar linhas incisas não se percebendo, porém, os motivos decorativos (Fig. 6 C e D). Fig. 6 - Materiais líticos encontrados na mamoa. Fig. 7 - A; B; C e D. Vestígios odontológicos e osteológico. OS MATERIAIS OSTEOLÓGICOS E ODONTOLÓGICOS Foram igualmente recuperados na estrutura da mamoa 3 dentes permanentes e 1 fragmento de de crânio de um indivíduo adulto (Fig.7D). O material odontológico encontrado foi um 2º pré-molar inferior esquerdo (Fig. 7 A), um 2º pré-molar superior esquerdo (Fig. 7 B) e um 2º molar superior direito. Os dentes apresentavam um desgaste ligeiro, com os pré-molares a apresentarem um desgaste de grau 1 e o 2º molar um desgaste de grau 2, de acordo com o esquema de Smith (1984). Não foi observado qualquer indício patológico, tanto nos dentes como no fragmento de crânio. O desgaste dentário é a perda progressiva de tecido dentário que ocorre com a vida do indivíduo (Cruwys, 1989 in Wasterlain, 2006) logo, esta amostra sugere que o(s) indivíduo(s) era(m) jovem(jovens) aquando a sua morte. Também a ausência de cáries e de tártaro podem estar relaçionados com a dieta ou com a(s) sua(s) morte(s) precoce(s). Foi exactamente sobre amostras osteológicas existentes nos Serviços Geológicos que foram feitas datações com resultados (Beta-225167) 3620-3350 cal BCE e outra (Beta-228577) 3650-3350 cal BCE (Boaventura, 2009, p.336), que apontam para o terceiro quartel do 4º milénio a.n.e. e evidenciandouma datação antiga para este tipo de solução arquitectónica. DISCUSSÃO DE MATERIAIS E ESTRUTURAS Todos os vestígios de materiais arqueológicos e osteológicos foram encontrados nas unidades superficiais da mamoa pelo que entendemos que resultam da acção antrópica recente nomeadamente aos primeiros escavadores da Anta que ao removerem as terras do interior da câmara para o exterior “contaminaram” a mamoa. Esta é uma estrutura que, pela sua própria funcionalidade de cobrir a estrutura ortostática, não serve como local de inumações megalíticas. Os dentes e alguns artefactos líticos encontravam-se junto ao corredor, do lado sul e norte local onde, provavelmente, os primeiros escavadores (ou os escavadores de Carlos Ribeiro) atiraram as terras do interior da câmara. Estes materiais residuais ficaram a “contaminar” a mamoa, perdendo-se a sua conexão com os enterramentos da câmara funerária. Do escasso espólio encontrado (*) destacamos os fragmentos de placa(s) de xisto desconhecidas nesta Anta. Estas com valor mágico-religioso, associadas ao culto da Deusa-Mãe, protectora da Vida e da Morte (Gonçalves, 1992) ou, como defende Katina Lillios, com um significado particularde caracterização geneológica individual ou de clã (2008), os artefactos em xisto apresentam um conjunto de decorações geométri- cas, antropomórficas ou zoomórficas. Na Península de Lisboa, surgem não só na câmara mas também na àrea de acesso (ex: Monte Abraão). A ocorrência de báculos de xisto é rara, só ocorrendo na Anta da estria (Boaventura, 2009, p.273). A presente intervenção permitiu registar o modo de construção da anta do Carrascal, expressa na U.E. 12, justamente o interface negativo da escavação na rocha de base para a implantação da sepultura. Já o primeiro escavador, tinha observado: “Parece que aqui, assim como no solo onde estão construídos os dolmens da Estria e da Pedra dos Mouros, se buscou um solo brando atacável aos utensílios de pedra, para ali abrir não só a praça, mas os caboucos para o accomodamento e construcção d’estes monumentos. Effectivamente àquela pequena eminência corresponde uma alteração profunda no calcareo duro da locali- dade […] convertendo-a em […] calcareo terroso e mole. A situação pois, e a orientação d’este dolmen estão subordinadas à disposição d’este accidente petrographico.” (Ribeiro, 1880, pp. 67-68). Tal como verificá- mos para as grutas artificiais da Estremadura, para além dos condicionalismos morfológicos dos afloramentos, outros factores teriam pesado na decisão da escolha de um local para construir uma gruta artificial, nomeadamente, o tipo e as características estruturais das rochas. Observamos que alguns dos monumentos estão implantados exactamente no sítio onde essas descontinuidades existem levando-nos a concluir que, estas seriam escolhidas para facilitar o processo de escavação das grutas. Este facto terá sido um dos critérios de escolha do local. Assim, da cuidada observação dos afloramentos rochosos seriam escolhidos aqueles que apresentassem características que simplificassem o início e o decurso da escavação da rocha (Jordão & Mendes, 2006-2007, p. 51). Na Baixa Estremadura existe uma diversidade de soluções estruturais no que respeita às sepulturas na Pré-história recente. Sendo as antas apenas uma delas, podem também encerrar em si uma diversidade con- strutiva e arquitectónica. Na Anta do Carrascal confirmou-se que esta pertence ao pequeno grupo cujo chão é rebaixado através da escavação do substrato geológico.A Anta do Carrascal terá sido condicionada por dois factores: alteração da rocha e a descontinuidade estrutural do substrato. Aqui, o rególito foi rebaixado cerca de 1 m junto ao esteio de cabeceira, diminuindo de profundidade para os 50 cm ao acompanhar a inclinação natural do terreno (Fig. 8). Ao mesmo tempo, foi provavelmente aproveitada a orientação do diaclasamento de modo a facilitar a sua escavação. Rui Boaventura corrobora esta ideia quanto às antas de Lisboa, notando que “este afundamento parcial do espaço interno tornava-se possível pois, aparentemente, eram escolhidas zonas alteradas do substrato rochoso [...] como parece evidente na anta do Carrascal, mas também em Monte Abraão e Estria. ” (2009, p. 190). A intervenção na anta do Carrascal permitiu confirmar o seu enquadramento num pequeno grupo de sepulcros característicos da Península de Lisboa, cujo chão é rebaixado.O rebaixamento do chão em algumas das antas desta área foi associado a monumentos mais tardios porém, a Anta do Carrrascal, contradiz essa possibilidade atendendo às datações atrás referi- das que apontam para o terceiro quartel do 4º milénio a.n.e., evidenciando uma datação antiga para este tipo de solução arquitectónica. De facto, em alguns casos o diaclasamento do substrato, pode condicionar a orientação estrutural de uma sepultura escavada na rocha, comprometendo a “tradicional” orientação a Nascente. No caso da Anta do Carrascal as descontinuidades naturais (NNW-SSE e SSW-NNE) são favoráveis a uma orientação típica das antas viradas a nascente no segundo quadrante. INTERPRETAÇÕES DA ARQUITECTURA DA ANTA DO CARRASCAL BIBLIOGRAFIA: BOAVENTURA, R. (2009) – As antas e o Megalitismo da região de Lisboa. 1 vol. Dissertação de Doutoramento em Pré-História. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ficheiro PDF.- JORDÃO, P.; MENDES, P. (2006-2007) - As grutas artificiais da Estremadura portuguesa: uma leitura crítica das arquitecturas. Arqueologia & História. Associação dos Arqueólogos Portugueses. 58-59 (2006-2007), pp. 43-79.RIBEIRO, C. (1880) - Estudos pré-histórícos em Portugal. Notícia de algumas estações e monumentos pré-histórícos. II Monumentos da vizinhança de Belas. Lisboa: Academia Real das Sciencias. SMITH, H (1984) – Patterns of molar wear in hunter-gatherers and agriculturalists. American Journal of Physical Anthropology, 63, pp. 39-56. *Nota: Infelizmente, já após a entrega deste trabalho, encontrámos no Museu de Odrinhas um conjunto de materiais arqueológicos oriundos de uma escavação clandestina feita nos anos 90 dos quais fazem parte: 1 dente incisivo, 1 pré-molar e um molar, vários fragmentos de ossos longos e planos e dezenas de esquírolas que não foram estudados. Para além destes, constam ainda alguna materiais de pedra lascada. Todos foram encontrados no topo da vertente Oeste da mamoa, corroborando a nossa interpretação. Fig. 8 - A- Anta do Carrascal pós limpeza; B- Anta da Estria (inédito de autor desconhecido); C- Anta do Carrascal após o restauro.

Intervenção Arqueológica no Projecto de “Recuperação … Anta que ao removerem as terras do interior da câmara para o exterior “contaminaram” a mamoa. Esta é uma estrutura

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**Departamento de Biologia, Universidade de Évora; Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS)*Câmara Municipal de Sintra

Intervenção Arqueológica no Projecto de “Recuperação e Valorização da Anta Do Carrascal” (Agualva, Sintra)Patrícia Jordão*, Pedro Mendes* e Cláudia Relvado**

A Anta do Carrascal, também conhecida por Anta de Agualva - Sintra (Fig.1), Monumento Nacional desde1910), foi alvo de um projecto de recuperação e valorização desenvolvido pela Câmara Municipal de Sintra.Na sua vertentente arqueológica, preteudeu-se esclarecer as suas características arquitectónicas, mamoa,corredor e a câmara escavando os alvéolos de implantação dos seus esteios para reconstituir de forma verosímil este monumento.

Fig.1-Localização da Anta do Carrascal (WGS-84) N38º 46’ 24” W9º 17’ 13”.

Fig. 2 - Plantas da Anta doCarrascal: A - Ribeiro (1880);B - V. Leisner (1965);C - Vista de SSE (C. Ribeiro,1880, p. 68);D - Corte de V. Leisner (1965taf. 52:2);E - Planta actual antes da intervenção de 2016;F - Planta actual após intervenção intervenção arqueológica e de conservação e restauro de 2016.

O monumento encontra-se implantado a 158m de altitude, junto a um afluente daRibeira da Jarda, na base da vertente suave de uma pequena elevação virada a Sul.Afloram na área envolvente principalmente rochas sedimentares, calcários e mar-gas do Aliano-Cenomaniano inferior e médio (Ramalho et al., 1993) intercalados porfilões associados quer à instalação do diapiro de Sintra quer ao Complexo Vulcânicode Lisboa (Fig. 3).

Fig. 3- Carta Geológica de Portugal na escala de 1/50.000 – 34-A.

Identificada e escavada por Carlos Ribeiro em 1880, está enquadrada no megalitismo da região de Lisboa do4º-3º milénio a.n.e.. Composta por uma câmara de sete esteios coberta por uma laje de cobertura, actualmen-te inexistente, e um corredor curto de dois esteios de cada um dos lados, é semelhante às vizinhas Anta daPedra dos Mouros, do Monte Abraão e da Estria. Apesar de bastante destruída pelo tempo o autor registoua sua planta em secção, um alçado lateral e a fachada (Fig. 2). Ao tempo o grau de destruição era já evidente- ausência de cobertura e despojamento da câmara evidenciado que “outros exploradores se tinham anteci-pado” (Ribeiro,1880, p.69). Nos trabalhos de campo de então foram recolhidos “raros fragmentos de sílex, va-sos de barro, dentes e fragmentos pequenos de ossos humanos” (Idem). Em 1944, Vera Leisner faz um novoregisto gráfico de (planta e alçado) e fotográfico (Leisner, 1965).

GEOMORFOLOGIA E GEOLOGIAINTRODUÇÃO E SÍNTESE HISTÓRICA

De acordo com os objectivos estipulados foi feita a limpeza e corte da vegetação na área a estudar prosse-guindo com a escavação arqueológica: corredor, segmento da mamoa adjacente a Oeste, a câmara funerária e as estruturas pétreas de contenção exteriores dos esteios a reposionar.

Fig.3 - Área da câmara e alvéolos escavados na rocha. Fig.4 - Alçados com restos da mamoa e os cortes feitos na rocha.

OS TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS: estratigrafia e estruturas

Observámos que a Anta era constituída pelo conjunto da ossatura pétrea da câmara e da metadeSul do corredor, juntamente com uma cobertura de sedimento, eventuais vestígios da mamoa. Ao longo da escavação constatou-se que a estratigrafia estava afectada por bioturbação provocados pelo carrasco (Quercus coccifera) que em certos pontos chegou ao substrato rochoso mais coeso alavancandoalguns dos esteios e basculando-os para o interior da câmara. Dos sete esteios, dois eram “calçados”na sua parte externa, com blocos e lajes calcárias enchendo a “caixa” formada entre os ortóstatos amamoa e a rocha base escavada quer em profundidade quer na forma exagonal da planta da estru-tura. A base da mamoa encontrava-se a mais de metade da altura dos esteios e servia para poten-ciar a altura do monumento. Esta era composta por um sedimento de matriz argilosa com pedras eblocos de calcário com presença ocasional de seixos de quartzito e quartzo, e ainda exíguo material arqueológico e osteológico.Por outro lado, foram individualiza dos na base da estratigrafia no interior da câmara, os alvéolos de implantação dos ortóstatos, também estes escavados no substrato geológico, cujo enchimento era feito com

Uma vez detectados os alvéolos na sua posição original, estes foram reposicionados, em estreita articu-lação com os técnicos de conser-vação e restauro e reforçada essa estrutura com argamassas mistas e feito um chão com pendente de forma a escoar águas.

pedras e blocos de calcário que serviam de calços.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS

Fig. 5 -Após o reposicionamento dos esteios.

Foram apenas encontrados material lítico a mamoa recolhendo-se: 1 frag-mento de núcleo, 5 lascas, 1 delas com retoque parcial semi-abrupto paralelo, tornando-o o bordo distal recto, outra sem retoque, (Fig. 6A) e as restantes 3 sob a forma de fragmentos mesial. distal e fractura longitudinal queimada e ainda 4 inclassificáveis queimados (Fig. 6B). O facto de estarem muito frag-mentados não nos autoriza a associá-los a um contexto ou mesmo a uma cro-nologia particular.Também foram recolhidos 3 pequenos fragmentos de xisto polido perten-centes a uma(s) placa(s) de xisto sendo num deles observar linhas incisas não se percebendo, porém, os motivos decorativos (Fig. 6 C e D).

Fig. 6 - Materiais líticos encontrados na mamoa.

Fig. 7 - A; B; C e D. Vestígios odontológicos e osteológico.

OS MATERIAIS OSTEOLÓGICOS E ODONTOLÓGICOS

Foram igualmente recuperados na estrutura da mamoa 3 dentes permanentes e 1 fragmento de de crânio de um indivíduo adulto (Fig.7D). O material odontológico encontrado foi um 2º pré-molar inferior esquerdo (Fig. 7 A), um 2º pré-molar superior esquerdo (Fig. 7 B) e um 2º molar superior direito. Os dentes apresentavam um desgaste ligeiro, com os pré-molares a apresentarem um desgaste de grau 1 e o 2º molar um desgaste de grau 2, de acordo com o esquema de Smith (1984). Não foi observado qualquer indício patológico, tanto nos dentes como no fragmento de crânio. O desgaste dentário é a perda progressiva de tecido dentário que ocorre com a vida do indivíduo (Cruwys, 1989 in Wasterlain, 2006) logo, esta amostra sugere que o(s) indivíduo(s) era(m) jovem(jovens) aquando a sua morte. Também a ausência de cáries e de tártaro podem estar relaçionados com a dieta ou com a(s) sua(s) morte(s) precoce(s).Foi exactamente sobre amostras osteológicas existentes nos Serviços Geológicos que foram feitas datações com resultados (Beta-225167) 3620-3350 cal BCE e outra (Beta-228577) 3650-3350 cal BCE (Boaventura, 2009, p.336), que apontam para o terceiro quartel do 4º milénio a.n.e. e evidenciandouma datação antiga para este tipo de solução arquitectónica.

DISCUSSÃO DE MATERIAIS E ESTRUTURASTodos os vestígios de materiais arqueológicos e osteológicos foram encontrados nas unidades superficiais da mamoa pelo que entendemos que resultam da acção antrópica recente nomeadamente aos primeiros escavadores da Anta que ao removerem as terras do interior da câmara para o exterior “contaminaram” a mamoa. Esta é uma estrutura que, pela sua própria funcionalidade de cobrir a estrutura ortostática, não serve como local de inumações megalíticas. Os dentes e alguns artefactos líticos encontravam-se junto ao corredor, do lado sul e norte local onde, provavelmente, os primeiros escavadores (ou os escavadores de Carlos Ribeiro) atiraram as terras do interior da câmara. Estes materiais residuais ficaram a “contaminar” a mamoa, perdendo-se a sua conexão com os enterramentos da câmara funerária. Do escasso espólio encontrado (*) destacamos os fragmentos de placa(s) de xisto desconhecidas nesta Anta. Estas com valor mágico-religioso, associadas ao culto da Deusa-Mãe, protectora da Vida e da Morte (Gonçalves, 1992) ou, como defende Katina Lillios, com um significado particularde caracterização geneológica individual ou de clã (2008), os artefactos em xisto apresentam um conjunto de decorações geométri-cas, antropomórficas ou zoomórficas. Na Península de Lisboa, surgem não só na câmara mas também na àrea de acesso (ex: Monte Abraão). A ocorrência de báculos de xisto é rara, só ocorrendo na Anta da estria (Boaventura, 2009, p.273).A presente intervenção permitiu registar o modo de construção da anta do Carrascal, expressa na U.E. 12, justamente o interface negativo da escavação na rocha de base para a implantação da sepultura. Já o primeiro escavador, tinha observado: “Parece que aqui, assim como no solo onde estão construídos os dolmens da Estria e da Pedra dos Mouros, se buscou um solo brando atacável aos utensílios de pedra, para ali abrir não só a praça, mas os caboucos para o accomodamento e construcção d’estes monumentos. Effectivamente àquela pequena eminência corresponde uma alteração profunda no calcareo duro da locali-dade […] convertendo-a em […] calcareo terroso e mole. A situação pois, e a orientação d’este dolmen estão subordinadas à disposição d’este accidente petrographico.” (Ribeiro, 1880, pp. 67-68). Tal como verificá-mos para as grutas artificiais da Estremadura, para além dos condicionalismos morfológicos dos afloramentos, outros factores teriam pesado na decisão da escolha de um local para construir uma gruta artificial, nomeadamente, o tipo e as características estruturais das rochas. Observamos que alguns dos monumentos estão implantados exactamente no sítio onde essas descontinuidades existem levando-nos a concluir que, estas seriam escolhidas para facilitar o processo de escavação das grutas. Este facto terá sido um dos critérios de escolha do local. Assim, da cuidada observação dos afloramentos rochosos seriam escolhidos aqueles que apresentassem características que simplificassem o início e o decurso da escavação da rocha (Jordão & Mendes, 2006-2007, p. 51).

Na Baixa Estremadura existe uma diversidade de soluções estruturais no que respeita às sepulturas na Pré-história recente. Sendo as antas apenas uma delas, podem também encerrar em si uma diversidade con-strutiva e arquitectónica. Na Anta do Carrascal confirmou-se que esta pertence ao pequeno grupo cujo chão é rebaixado através da escavação do substrato geológico.A Anta do Carrascal terá sido condicionada por dois factores: alteração da rocha e a descontinuidade estrutural do substrato. Aqui, o rególito foi rebaixado cerca de 1 m junto ao esteio de cabeceira, diminuindo de profundidade para os 50 cm ao acompanhar a inclinação natural do terreno (Fig. 8). Ao mesmo tempo, foi provavelmente aproveitada a orientação do diaclasamento de modo a facilitar a sua escavação. Rui Boaventura corrobora esta ideia quanto às antas de Lisboa, notando que “este afundamento parcial do espaço interno tornava-se possível pois, aparentemente, eram escolhidas zonas alteradas do substrato rochoso [...] como parece evidente na anta do Carrascal, mas também em Monte Abraão e Estria. ” (2009, p. 190). A intervenção na anta do Carrascal permitiu confirmar o seu enquadramento num pequeno grupo de sepulcros característicos da Península de Lisboa, cujo chão é rebaixado.O rebaixamento do chão em algumas das antas desta área foi associado a monumentos mais tardios porém, a Anta do Carrrascal, contradiz essa possibilidade atendendo às datações atrás referi-das que apontam para o terceiro quartel do 4º milénio a.n.e., evidenciando uma datação antiga para este tipo de solução arquitectónica. De facto, em alguns casos o diaclasamento do substrato, pode condicionar a orientação estrutural de uma sepultura escavada na rocha, comprometendo a “tradicional” orientação a Nascente. No caso da Anta do Carrascal as descontinuidades naturais (NNW-SSE e SSW-NNE) são favoráveis a uma orientação típica das antas viradas a nascente no segundo quadrante.

INTERPRETAÇÕES DA ARQUITECTURA DA ANTA DO CARRASCAL

BIBLIOGRAFIA: BOAVENTURA, R. (2009) – As antas e o Megalitismo da região de Lisboa. 1 vol. Dissertação de Doutoramento em Pré-História. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ficheiro PDF.-JORDÃO, P.; MENDES, P. (2006-2007) - As grutas artificiais da Estremadura portuguesa: uma leitura crítica das arquitecturas. Arqueologia & História. Associação dos Arqueólogos Portugueses. 58-59 (2006-2007), pp. 43-79.RIBEIRO, C. (1880) - Estudos pré-histórícos em Portugal. Notícia de algumas estações e monumentos pré-histórícos. II Monumentos da vizinhança de Belas. Lisboa: Academia Real das Sciencias. SMITH, H (1984) – Patterns of molar wear in hunter-gatherers and agriculturalists. American Journal of Physical Anthropology, 63, pp. 39-56.

*Nota: Infelizmente, já após a entrega deste trabalho, encontrámos no Museu de Odrinhas um conjunto de materiais arqueológicos oriundos de uma escavação clandestina feita nos anos 90 dos quais fazem parte: 1 dente incisivo, 1 pré-molar e um molar, vários fragmentos de ossos longos e planos e dezenas de esquírolas que não foram estudados. Para além destes, constam ainda alguna materiais de pedra lascada. Todos foram encontrados no topo da vertente Oeste da mamoa, corroborando a nossa interpretação.

Fig. 8 - A- Anta do Carrascal pós limpeza; B- Anta da Estria (inédito de autor desconhecido); C- Anta do Carrascal após o restauro.