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O Lugar DesconhecidoÁlvaro Magalhães

Cristina Valadas

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índice

– A intempestade – O Amor está no ar (e no chão também) – O Amor é uma coisa que se apanha – O Lugar Desconhecido – Aquilo que nos faz soar – Será ela? Será ela? – O Amor e uma jangada mal acabada

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A intempestade

O Ouriço saiu de casa, de manhã, muito bem-disposto, preparado para ouriçar ao sol de barriga para o ar durante todo o dia. Mas um vento agreste eriçou-lhe os picos. Estava frio. E quando ele chegou ao centro do Largo, começou a chover. Dizia o calendário, na casa da Toupeira, que já era Primavera, mas quem é que a via? Só chovia, chovia.

Passou o Coelho, a correr.– Vou para casa da Toupeira.– Também vou. Espera aí – respondeu o Ouriço, e seguiu o Coelho apressadamente. Era na casa da Toupeira que eles se reuniam naqueles dias. Estava mais quentinho e ela

lia-lhes livros que começavam assim: «É Primavera. Por todo o lado se ouve o chilrear dos pássaros e as flores mostram os seus rebentos.»

«Ah, a Primavera!», suspirava este e aquele, tentando lembrar-se de outras Primaveras passa-das, em que tudo luzia sob a luz do Sol, como nos livros. Diziam coisas assim, sem importância, como «Ah, a Primavera!», ou então «O tempo já não é o que era», só para se ouvirem uns aos outros durante algum tempo. Depois, deixavam de se ouvir e adormeciam encostados uns aos outros.

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Todos menos o Coelho, que não parava descansado.– Vou ouvir o que diz a Águia que Adivinha o Tempo. Quem vem comigo?Ninguém respondeu, mas todos se voltaram para o outro lado, dispostos a adormecer.

E aquilo também era uma resposta. O que interessava saber se amanhã ia ou não chover?! Pois bem, se estivesse bom tempo, eles haviam de saber. E se não estivesse, também.

O Coelho saiu e foi sozinho, a resmungar, até à Clareira das Duas Aroeiras, mais adiante, onde a Águia que Adivinha o Tempo dava as suas consultas todas as quintas-feiras.

O caminho estava enlameado, escorregadio, e quando lá chegou já por lá andava uma mul-tidão (sapos, ginetes, ratos, grilos, corujas, borboletas, lebres, raposas, toirões, cucos, pica-paus, piscos, perdizes, rãs, lagartixas). Todos queriam saber quando chegava a Primavera. Quando era, quando era...

– Pouco barulho, por favor! – gritava o Mocho galego, que organizava aquelas sessões e estava empoleirado num ramo baixo de um pinheiro.

Quanto à Aguia, já estava no ar, voando em círculos, cada vez mais largos e mais altos. Às vezes, desaparecia no interior de uma nuvem e talvez escutasse a sua respiração, ou o que ela tinha para lhe dizer. Tudo isso ela fazia, enquanto, cá em baixo, os outros a observavam com os focinhos espetados no ar.

Por fim, a Águia pousou ao lado do Mocho e ficou à espera que todos se calassem. Enquan-to houve um murmúrio, ela não disse nada.

– Silêncio, por favor! – pediu o Mocho. Quando todos se calaram, a Águia falou e disse:– Hoje vai chover.– Isso vejo eu – comentou o Coelho. E logo o Mocho lhe lançou um olhar reprovador, en-

quanto dizia: – Parece impossível!Era uma falta de respeito interromper a Águia que Adivinha o Tempo. Podia aborrecer-se

e não dizer mais nada, e eles não sabiam se haviam de fazer as suas viagens, construir os seus abrigos, etc.

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Mas a Águia estava bem-disposta naquele dia e continuou:– Hoje vai chover durante todo o dia, mas amanhã, logo de manhã, chega a Primavera! Sol e

calor! Sim, é ela! É como se já estivesse aqui na ponta das minhas penas, que a sentiram ao longe.Todos começaram a saltar e a dar vivas. E, a cantar e a rir, foram saindo dali. – Mas não é tudo! – disse a Águia. – Esperem aí! – gritou o Mocho. – A Águia que Adivinha o Tempo ainda não acabou.Ninguém o ouviu. Desandaram todos, numa grande algazarra. Já sabiam o que queriam

saber. Não precisavam de saber mais nada.O Coelho deixou-se estar. Sabia que ainda faltava a má notícia.– E então? – perguntou ele a olhar para a Águia.Ela respirou fundo antes de dizer: – Sabes que as minhas penas, por vezes, me enganam. Digo que vai chover e vem um dia

de sol. Acontece. O tempo muda depressa. E já não é o que era. É o que é.– E então? – repetiu o Coelho, a tentar apressá-la. Não estava para ouvir discursos. Queria

só saber o que ia acontecer. Quando havia discurso antes era sempre grave. Por isso, pergun-tou logo a seguir:

– É grave?A Águia baixou a cabeça e disse, muito pesarosa: – As minhas penas detectaram uma

grande intempestade.– Não será uma tempestade? – corrigiu o Coelho.– Sem dúvida que é. Mas chega quando não se espera e de repente. Intempestivamente,

como se diz. Logo, é uma intempestade.Ora, ora. Uma tempestade continuava a ser uma tempestade, mesmo que chegasse de re-

pente, pensou o Coelho. Mas não quis contrariar a Águia, que era muito sensível. – E isso, uma intempestade, é melhor ou pior do que uma tempestade? – perguntou.– Pior – respondeu a Águia. – E esta então... Pode ser um ciclone, um furacão ou mesmo um

tornado. Uma coisa assim. Depende do sítio para onde o Tempo estiver virado.

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– Na Primavera? – admirou-se o Coelho. – Por isso é que é uma intempestade. Vem fora do tempo. Também a Águia que Adivinha o Tempo já não era o que era, pensou o Coelho. Uma tem-

pestade que era uma intempestade e podia ser um ciclone, um furacão ou um tornado a meio da Primavera? Não podia ser! Por outro lado...

– E quando será isso? – perguntou ele, pelo sim pelo não. – No dia em que a noite chega de repente a meio do dia. Pode ser amanhã ou daqui a uma

semana – respondeu a Águia. Depois, pôs-se a cheirar o ar e acrescentou: – Mas não deve tar-dar. Vai haver chuva torrencial, relâmpagos, trovoada. Ai de quem estiver à frente do vento quando ele passar.

– E o mar? Vai inundar a Mata? – perguntou o Coelho, ansioso.– Não – disse a Águia a abrir as asas e preparando-se para levantar voo. – Mas vai chover

tanto que a mata vai ser um novo mar.Aí estava a desgraça que o Coelho sempre temera.– O que havemos de fazer? – perguntou, aflito. – Um colete salva-vidas não deve chegar para

uma intempestade que tanto pode ser um tornado, como um ciclone ou um furacão. Pois não?– Não – respondeu a Águia que Adivinha o Tempo antes de abrir as asas e voar para o céu. Tinha acabado a sessão. O Coelho acenou-lhe e também se apressou a sair dali.– Volta sempre – disse o Mocho galego que tratava da organização.O Coelho nem o ouviu. Correu para o Largo do Pinheiro Grande e, pouco depois, entrava de

rompante na casa da Toupeira, onde os outros continuavam a dormitar.– Reunião! Reunião! – gritou ele muito alto.– Já estamos reunidos, só faltava haver uma reunião – disse o Caracol, que foi o primeiro

a acordar. – Ah, e falta eu dizer: «Está aberta a reunião.» – Então diz lá isso, depressa! – pediu o Coelho a arfar.– Está aberta a reunião – disse o Caracol.– Vem aí o mar? – perguntou a Toupeira a bocejar.

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– Pior – respondeu o Coelho. – A Mata vai ser outro mar. Foi o que disse a Águia que Adivinha o Tempo.

– De vez em quando – disse o Caracol.– De vez em quando o quê? – quis saber o Coelho. – A Águia que Adivinha o Tempo só adivinha o tempo de vez em quando. Era assim que

ela se chamava antigamente: A Águia que Adivinha o Tempo de Vez em Quando. – Agora adivinha sempre – garantiu o Coelho, empolgado. – E ela diz que a Mata vai tor-

nar-se num rio e depois, como é tudo água, vai misturar-se com o mar.Fez-se um certo silêncio. O Ouriço foi o último a acordar e a Toupeira explicou-lhe, baixi-

nho, o que se estava a passar.– Se a Mata vai ficar inundada, o melhor é fazer um abrigo no ramo mais alto do Pinheiro

Grande. Ao lado da minha casa. É um sítio bom – disse o Chapim. – Ou então usamos a tua casa, se não tivermos tempo de fazer o abrigo – acrescentou o Coelho.– E como é que chegamos lá acima? – perguntou o Caracol, preocupado.– É fácil, basta usar uma escada. Vi uma abandonada ao pé dos caixotes do lixo – esclare-

ceu o Coelho. – O que é uma escada? – perguntou o Ouriço, que ainda continuava ensonado. – É uma coisa para se subir – respondeu o Coelho. – O que havia de ser?– Então e depois, para descer? – quis saber o Ouriço.– Também é pela escada.– Por outra escada? – Pela mesma. Serve para subir e também para descer. Se não fizermos as duas coisas ao

mesmo tempo, evidentemente. – Subir e descer, subir e descer... – queixou-se o Caracol, que sofria de vertigens. Por isso

viajava sempre em frente e não para cima.– Realmente... – aproveitou a Toupeira, que também não era amiga das alturas. Por alguma

razão fazia túneis na terra e não no ar.

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– Uma coisa para subir e descer... – recapitulou o Ouriço, que ainda não tinha percebido lá muito bem o que era uma escada.

E o Coelho fez questão de se explicar.– Como é que fazes quando estás em casa e queres chegar à prateleira mais alta para apa-

nhar alguma comida? – perguntou ele ao Ouriço. – Tenho a comida na prateleira mais baixa – respondeu ele. – E na mais alta? O que tens? – perguntou o Coelho.– Não tenho nada. Não chego lá. – Mas se precisasses de lá chegar, o que é que fazias? – insistiu o Coelho, já a perder a

paciência.O Ouriço pensou no assunto durante algum tempo. Por fim, disse:– Acho que me punha em cima de um Livro Muito Útil que lá tenho e que também é uma

mesa de jantar ou uma mesinha de cabeceira ou uma cadeira. – Aí está – interrompeu o Coelho. – Uma escada é assim, mas com muitos livros em cima

uns dos outros.– São degraus. As escadas têm degraus, não têm livros uns em cima dos outros – escla-

receu a Toupeira, com mau modo. Andava irritadiça, impaciente e também um bocadinho impertinente.

– E se formos daqui para mais longe? – sugeriu o Caracol. – Podemos ir para Norte. Ou então para Sul.

O Coelho abanou a cabeça a dizer que não. – Não vale a pena fugir – disse ele. – Mas eu digo-lhes o que vale a pena. Querem ouvir?

Todos os dias vou ver o mar e, lá ao fundo, passam os grandes barcos e navios… – Vai directo ao assunto – pediu a Toupeira.– É este o assunto, Toupeira! Barcos, navios – respondeu o Coelho. – Barcos, navios? O que temos nós a ver com isso?– É uma pergunta que eu tenho para fazer – esclareceu o Coelho. – Como acham vocês que

aqueles barcos enormes andam à tona da água e não vão ao fundo?