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ANAIS DA V JORNADASETECENTISTA
Curitiba, 26 a 28 de novembro de 2003
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As associaes leigas no Setecentos: solidariedades e mobilidade social
Juliana de Mello Moraes
Uma caracterstica marcante da religiosidade popular lusitana se encontra nas
associaes leigas. Essas instituies formadas espontaneamente congregavam homens
com interesses comuns. Criadas com a finalidade de cultuar um orago, tm sua origem na
Europa durante a Idade Mdia. Como formas organizacionais voluntrias, surgiram para
atender a seus scios dando-lhes as benesses e a segurana indispensveis para os tempos
de doena e invalidez e, no extremo, garantia seu prprio sepultamento. 1
Em Portugal, a origem das associaes leigas data de muito tempo. Sabe-se que no
sculo XIII havia confrarias 2 lusitanas que prestavam auxlio mtuo. 3
Com a expanso martima, que propiciou a criao do Imprio ultramarino
portugus, ocorreu a difuso da religio e das formas de organizao ibricas pelos quatro
cantos do mundo. Dessa forma, na Amrica, portugueses implantaram seu sistema de
governo e organizao administrativa e, conseqentemente, transladaram tambm suas
associaes leigas. Em terras coloniais, a instituio do Padroado tornou lenta e precria a
implantao do aparato religioso. Tal situao favoreceu a criao intensa de associaes
leigas, pois homens comuns tomaram para si muitas das funes que deveriam
desempenhar o Estado portugus e a Igreja. Eram as confrarias as principais responsveis
por zelar pelos atos litrgicos, por difundir as devoes e por atender espiritualmente os
fiis. Homens congregados que, no quadro da vida religiosa da poca, no poderiam
1 BOSCHI, Caio Csar. Os leigos e o poder: irmandades leigas e poltica colonizadora em Minas Gerais. SoPaulo: tica, 1986. p. 13.2 As associaes leigas possuam diferenas entre si dependendo da nomenclatura (Ordem Terceira, SantaCasa de Misericrdia, Irmandade) e dos estatutos que as regiam, porm se usar o termo confrarias comosinnimo de associaes leigas de modo geral.3 RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericrdia da Bahia (1550-1755).Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1981. p. 9-10. Segundo o autor, existem relatos sobre a existnciade irmandades dedicadas Santa Maria da Misericrdia, datados de 1230. A fundao da Confraria dosHomens Bons se deu em 1297, enquanto a Irmandade da Imaculada Conceio de Sintra nasceu em 1346.
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sobreviver num mundo sem a presena do divino e que encontraram nas associaes leigas
uma forma de perpetuar suas crenas.
Mesmo que o empenho em atender o rebanho cristo no Novo Mundo, por parte da
Coroa, tenha sido irrisrio, os leigos organizaram e edificaram sua f. Ao construir igrejas,
financiar clrigos e difundir o catolicismo, os homens buscavam cobrir as brechas deixadas
pelo Padroado e, ao mesmo tempo, garantir o suporte espiritual de que tanto necessitavam.
E, assim, as associaes leigas tiveram um papel fundamental, uma vez que para realizar
tais empreendimentos com sucesso o esforo mtuo se tornava a nica sada. Eram as
confrarias que construram igrejas, pagavam sacerdotes e cobravam de seus associados a
freqncia aos atos litrgicos, s procisses e s festas religiosas.
Dessa maneira, durante o perodo colonial, a Igreja do Brasil teve um carter
predominantemente leigo, por fora da instituio do Padroado. Os leigos participavam
ativamente na construo das igrejas, nos atos do culto e na promoo das devoes. 4
Como instituies necessrias no cotidiano dos homens do passado, paralelo
criao dos primeiros ncleos urbanos, formavam-se confrarias, destacando-se inicialmente
as Santas Casas de Misericrdia 5 seguidas posteriormente pelas irmandades dedicadas aos
mais diversos oragos, como: Nossa Senhora do Rosrio, Santssimo Sacramento, So
Benedito, Nossa Senhora da Luz, entre outras.
Ao se associar a uma confraria, os homens de antanho buscavam ampliar seus
laos de sociabilidades para fora do mbito familiar. Tal necessidade, em vista das
dificuldades tanto materiais quanto espirituais que enfrentavam, revelava-se principalmente
nos ermos coloniais. As solidariedades eram constitudas, sobretudo, atravs das
associaes leigas.
4 HOORNAERT, E.; AZZI, R.; GRIJP, K. V. D.; BROD, B. Histria da Igreja no Brasil: ensaio deinterpretao a partir do povo. Rio de Janeiro: Vozes, 1979. t. 2, p. 234.5 As Santas Casas de Misericrdia, originadas em Lisboa, possuam uma srie de benefcios concedidos pelaCoroa, entre eles o monoplio da arrecadao de esmolas na capital portuguesa. Em contrapartida, ofereciamuma srie de servios para a sociedade. Entre as atividades desenvolvidas pela Santa Casa, esto: visitarprisioneiros, tratar de doentes, sepultar os mortos, alimentar famintos, entre outros. RUSSELL-WOOD, A. J.R. Fidalgos e Filantropos..., p. 13-15.
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As formas de solidariedade gestadas nas associaes do Novo Mundo, com suas
especificidades, conservavam alguns elementos similares a agremiaes, na mesma poca,
de outros lugares. Para compreender melhor como se davam esses laos de auxlio mtuo,
convm conhec-los em realidades distintas da Amrica portuguesa.
Um autor que dedicou um captulo ao estudo das comunidades de artes e ofcio da
Frana, conhecidas como corporaes, foi Revel. Ele constata em seu estudo que os
homens do Antigo Regime, por meio das atividades religiosas e culturais de uma confraria,
associavam-se a uma comunidade moral... constitutiva de uma forma de sociabilidade
poderosa e visvel em toda a sociedade 6 da poca. Essas associaes auxiliavam no
cotidiano desses homens, pois elas no eram imutveis, mas utilizavam estratgias de
expanso ou de defesa nas quais a corporao no um fim, mas um meio. 7 Ao ajudarem
os homens a enfrentarem as agruras do cotidiano, essas associaes se tornavam um
expediente para alcanar certos objetivos, sejam econmicos, sejam sociais, pois a forma
corporativa como tal garantiria a socializao das vontades individuais. 8 Nesse sentido,
Revel nos traz uma nova forma de compreender as associaes leigas, pois, antes de ser
somente uma forma associativa desvinculada dos problemas postos durante sua existncia,
elas respondem e se remodelam para atender s expectativas de seus associados.
Pensando nessa premissa dada por Revel, as irmandades da Amrica portuguesa
podem ser observadas como entidades capazes de mudana e de elaborao de estratgias
de sobrevivncia e resposta s mudanas no contexto em que se inserem. Em resposta ao
meio social no qual so erigidas, possibilitam aos seus membros, por meio da
solidariedade, atingir certos desejos.
As confrarias de toda a Amrica portuguesa nos provam que, como afirma Revel,
os homens s existem no seio de coletividades orgnicas 9 que possam lhes prover certas
garantias, tanto sociais quanto econmicas. Tal fato vem a reforar a sugesto de Lima,
6 REVEL, Jacques. A inveno da sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. p. 191.7 Ibdem, p. 193.8 Idem, p. 1919 Idem, p. 185.
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anteriormente citada, que pertencer a um grupo era fundamental para ter acesso a
atividades e bens econmicos. 10
As irmandades faziam parte da construo social daquele momento, pois atravs
de seu compromisso estipulavam quais eram os membros ideais, ao especificar os nveis de
riqueza e qual a origem desejada. Tanto escravos e forros quanto afortunados portugueses
possuam suas associaes religiosas. Dessa forma, os corpos so ... uma maneira de
organizar e de construir o social. 11
Nessa perspectiva, para fazer parte de uma irmandade, os homens deveriam estar
de acordo com as especificaes firmadas nos compromissos. Possuir fortuna compatvel
com o valor da anuidade, ser da condio social exigida, entre outras disposies, tal como
se observa no caso das venerveis Ordens Terceiras de So Francisco.
As associaes leigas vinculadas Ordem franciscana carregavam como marca o
peso de suas exigncias e o detalhamento em seus processos para admitir um novo irmo.
Essa agremiao exclua aqueles que no tivessem a pureza de sangue. Com isso, cristos-
novos estavam entre os principais impedidos de participar da instituio. Oficiais
mecnicos e pequenos comerciantes tambm no preenchiam as condies exigidas, pois
carregavam o defeito mecnico. 12 Essa imposio, porm, muitas vezes no parecia ser
seguida risca.
Por volta de 1800, Antnio Francisco Lemos vivia de maneira simples na vila de
Curitiba. Nascido numa das Ilhas Atlnticas, provavelmente a de Aores, ainda jovem veio
para a Capitania de So Paulo na esperana de mudar sua vida. 13 Ele sobrevivia praticando
10 LIMA, Carlos Alberto Medeiros. Trabalho, negcios e escravido. Artfices no Rio de Janeiro: 1790-1808. Dissertao de mestrado.UFRJ: Rio de Janeiro, 1993, p. 268.11 Ibdem, p. 18612 O defeito mecnico: impedimento que inabilitava para certos cargos os descendentes de artesos e mesmomercadores. Em razo disso, os portadores do tal defeito no podiam ser qualificados como homens bons,sendo impedidos de ocupar os cargos municipais, de ser nomeados como oficiais de milcias ou de receberttulos honorficos. As reformas pombalinas (1755-77), empenhadas em modernizar o reino, atenuaram odefeito mecnico (...) Nem por isso se atenuaram os estigmas que marcavam os ofcios mecnicos nasociedade colonial. VAINFAS, R. (Dir.). Dicionrio do Brasil colonial. (1500-1808) Rio de Janeiro:Objetiva, 2000, p. 434.13 ARQUIVO DA CATEDRAL METROPOLITANA DE CURITIBA. Livro de bitos 02. f. 75
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os ofcios de pedreiro e de carpinteiro. Em 1784, Lemos retirou licena na Cmara da vila
para exercer o ofcio de pedreiro. 14
Lemos morava sozinho, no tinha filhos nem esposa nas terras do Novo Mundo. Sua
casa era alugada, sendo o pagamento mensal dirigido ao proprietrio Manuel da Costa
Rosa. 15 Sabe-se que, em 1787, Antonio Francisco Lemos possua um escravo 16 que,
provavelmente, o auxiliava nas empreitadas, trabalhando ao seu lado. A maneira simples de
viver de Antonio Francisco Lemos pode ser percebida igualmente nas suas poucas posses
inventariadas: uma prateleira de tbuas, poucas peas de roupa e ferramentas de trabalho.
Esse homem, na sua simplicidade, ao morrer, deixou atrs de si uma srie de
credores vidos. Ao mesmo tempo, constitui um fato que Lemos morreu, em 1803, sem
testamento. Isso indica que ele no esperava a morte, pois, ao sinal de alguma doena ou
outros problemas fsicos, era comum logo se encomendar o destino da alma
confeccionando o testamento. A falta de preparao para a morte nos mostra que esta foi
repentina: ele foi encontrado morto em sua casa. Desse modo, Lemos morreu como a
maioria dos homens daquele tempo temia: sem testamento, sem receber os ltimos
sacramentos, sem a companhia da famlia, dos amigos e de outros transeuntes que poderiam
adentrar na casa do moribundo, auxiliando nas rezas em favor de sua alma.
Essa falta de preparao para o momento da morte camufla outras aes realizadas
por Lemos durante sua vida. Pode-se dizer que ele preocupou-se, e muito, com o seu fim.
Em primeiro lugar era irmo da metade das irmandades curitibanas. Entre elas, a Ordem
Terceira de So Francisco e as irmandades de So Miguel e Almas e do Santssimo
Sacramento. As trs associaes tinham Antonio Francisco Lemos como associado, porm
sua inumao foi realizada na igreja matriz.
14 ARQUIVO DA CMARA MUNICIPAL DE CURITIBA. Livro de Alvars e Licenas e Termos deFiana. (1773-1785), f. 127 e 129. Documento gentilmente cedido por Mara F. Barbosa.15 ARQUIVO PBLICO DO PARAN. PROCESSOS JUDICIAIS. cx. 7616 CEDOPE. Lista Nominativa de Habitantes da vila de Curitiba. 1787.
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Antonio Francisco Lemos adentrou nas irmandades disponveis na vila curitibana
selecionando as duas ento reservadas elite: a irmandade do Santssimo Sacramento e a
Ordem Terceira de So Francisco.
Essa integrao de Lemos em irmandades dedicadas elite traz questes referentes
insero desses homens na sociedade da poca. Como oficial mecnico, Lemos deveria,
em princpio, ser mal visto por aqueles que viviam ao seu entorno. Trabalhar com as mos
era sinnimo de pobreza e denotava ao oficial o estigma de defeito mecnico. Essa
situao fazia com que a maioria da populao evitasse exercer esse tipo de atividade, que,
segundo crena da poca, a aproximava dos escravos. 17
Essa viso degenerativa dos oficiais mecnicos muitas vezes esconde certos
aspectos referentes sua insero e aos modos como ocorria a mobilidade desses homens
que, trabalhando com as mos, por vezes, conseguiam conviver com aqueles que possuam
patrimnio maior que grande parte da populao.
Antonio Francisco Lemos, como j indicado, no tinha famlia nem parentes
prximos na regio curitibana. Assim sendo, tentar compreender sua insero em
importantes instituies leigas locais por meio de relaes familiares torna-se invivel. Ele
vivia sozinho tendo como lugar de sociabilidade e solidariedade as irmandades s quais era
filiado. Associaes destaca-se que pertenciam elite. Como sugere Boschi a esse
respeito,
ser admitido numa ordem terceira significava pertencer elite social e ser de origem racial brancae catlica incontestvel. Ser aceito numa delas demonstrava prestgio e a obteno dereconhecimento pblico de xito pessoal e, assim, ser reconhecido socialmente; ter acesso a todasorte de facilidades e benefcios, como ocorreu ao desaventurado Irmo Loureno, o criador doCaraa, que fez de sua admisso na Ordem Terceira da Penitncia (So Francisco de Assis), doArraial do Tejuco, no apenas uma verdadeira carta de crdito para poder entrar nos crculos
17 Sobre essa concepo de oficiais mecnicos, ver: ARAJO, Emanuel. O teatro dos vcios: transgresso etransigncia na sociedade urbana colonial. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1997. p. 85-86.
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econmicos e financeiros locais, como tambm dela teria se servido para ali se homiziar e estarprotegido das perseguies que lhe moviam. 18
Como no caso acima citado, a aproximao proporcionada pelas irmandades com o
grupo privilegiado na regio possibilitou a Antonio Lemos sua integrao e deve ter
facilitado a conquista de crdito.
Pela leitura de seu inventrio, sabe-se que ele possua crdito suficiente para morrer
devendo duas vezes mais que o total de seu patrimnio. Essas dvidas incluem as mesadas
das irmandades e tambm emprstimos feitos por diversas pessoas, destacando-se entre elas
um dos mais influentes e ricos homens da regio, o capito-mor Francisco Xavier Pinto, 19
tambm um imigrante portugus. Na vila curitibana, o capito-mor rapidamente angariou
prestgio social, e na Ordem Terceira exerceu o cargo de sndico por vrios anos. 20
Fazendeiro, Francisco Xavier possua 17 escravos em 1782 21, ou seja, era um homem de
status social elevado e com cabedal considervel para a regio curitibana.
Nota-se que entre os credores de Lemos havia homens que faziam parte do grupo
dos maiores fazendeiros locais, demonstrando sociabilidades entre estes. Essas relaes
podem ter sido construdas anteriormente entrada do arteso nas irmandades ou aps sua
ligao a essas associaes. A ordem dos laos estabelecidos no decorrer da vivncia do
pedreiro no faz muita diferena para perceber que, independente de sua ocupao, Lemos
conseguiu incluso em um universo distinto na sociedade curitibana.
Como anteriormente sugerido, os modos de solidariedade numa sociedade
caracterstica do Antigo Regime se davam por meio de corporaes. Estas se formavam
para alcanar objetivos comuns e ao mesmo tempo propiciar proteo material e espiritual a
seus agregados.
18 BOSCHI, C. C. Os leigos e o poder... p. 162.19 ARQUIVO PBLICO DO PARAN. Processos Judiciais. cx. 77.20 ARQUIVO DA CRIA METROPILITANA DE SO PAULO. Livro de irmandades: mesadasperptuas f. 12-17. O nome de Francisco Xavier Pinto aparece no cargo de sndico em 1790, 1791, 1793,1794, 1796, 1800 e 1801.21 CEDOPE. Lista Nominativa de Habitantes da vila de Curitiba. 1782.
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Pertencer a grupos era fundamental para ascenso e notoriedade na sociedade do
Oitocentos. Formar solidariedades que extrapolassem o mbito familiar se fazia
fundamental para a boa vivncia.
No caso especfico de Lemos, necessrio compreender sua insero em
irmandades como sendo quesito bsico na sua experincia terrena. Homem celibatrio,
Antonio Lemos optou por se filiar a diferentes instituies garantindo, dessa forma,
segurana em vida e na morte. A grande questo que surge a condio desse homem.
Como pedreiro e carpinteiro, por mais que realizasse servios fundamentais para a
comunidade, ele ainda era um oficial mecnico, a princpio desprovido de prestgio na
sociedade. Ainda assim, conseguiu adentrar no seleto grupo dos irmos terceiros. Seleto?
Essa questo implica repensar os critrios de entrada das instituies dedicadas a agrupar a
elite em pequenos ncleos urbanos e, ao mesmo tempo, reavaliar as condies de insero
dos artesos nesses contextos. Ao vislumbrar os documentos referentes morte de Lemos,
notrio que ele conseguiu crdito com pessoas abastadas da regio e que estava prximo
da elite local devido sua participao em agremiaes leigas.
Num meio urbano incipiente, no qual a populao era escassa, provavelmente os
crculos de sociabilidade estreitavam. A existncia de poucos homens com condies
propcias para angariar prestgio, sendo a maioria homens livres pobres, deve ter
colaborado para que o arteso conseguisse estabelecer seus laos sociais por meio de sua
atividade, considerada vital para o funcionamento da vila. Como hiptese, essa afirmao
traz consigo outras possibilidades para a compreenso dos pequenos ncleos urbanos na
Amrica portuguesa. Em sua realidade distinta, esses locais trouxeram especificidades nas
relaes sociais pautadas na necessidade de sobrevivncia e na estreiteza dos crculos
sociais vigentes.
Esses dados nos mostram que analisar a estrutura da sociedade colonial como
extremamente hierarquizada e rgida traz conseqncias enganosas e acabam por criar uma
viso deformada de certos grupos sociais e de suas fronteiras. A mobilidade tanto espacial
quanto social estava presente no cotidiano dessas populaes que, em busca da
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sobrevivncia, uniam-se em prol de objetivos comuns. Essas unies, que se davam no
mbito religioso, as nicas permitidas aos colonos, muitas vezes desprezavam aspectos
referentes riqueza, limpeza de sangue e ao defeito mecnico. Portanto, em sociedades
marcadas pela pobreza, critrios de seleo para a entrada em agremiaes se esfumaavam
diante da realidade circundante.
O carter rigoroso de entrada das Ordens Terceiras deve ser revisto, pois elas
proliferaram por toda Amrica portuguesa e, possivelmente, no havia homens puros o
suficiente para formar numericamente essas instituies. Essa premissa sustenta a hiptese
de que o rigor de entrada se esfumaasse ante as adversidades e as sociabilidades que
surgiam durante a existncia dessas associaes. A precariedade reinante na maioria dos
povoados tambm contribua para amenizar a hierarquizao social entre homens que,
afastados dos grandes ncleos administrativos, tinham como principal obstculo prpria
sobrevivncia.
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