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Direito Público ANO 14 – Nº 76 – JUL-AGO 2017 INDEXADA POR Diretório de Revistas Brasileiras em SEER, Diadorim – Diretório de Política de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras, Portal de Periódicos da CAPES, Latindex, Index Copernicus Internacional, Directory of Open Access Journal – DOAJ REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato – Dalide Correa EDITOR-CHEFE Gilmar Ferreira Mendes EDITORA-ADJUNTA Débora Costa Ferreira CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos – Doutora (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz – Doutor (PUC/MG), Alvaro Sanchez Bravo – Doutor (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos – Pós‑Doutora (UERJ), Anderson Vichinkeski Teixeira – Doutor (Unisinos/RS), André Karam Trindade – Doutor (PPGD/IMED/RS), André Saddy – Pós‑Doutor (UFF/RJ, Anna Silvia Bruno – Pós‑Doutora (Unisalento/Itália), Augusto Aguilar Calohrro – Doutor (Univ. de Granada‑ES), Celso Antonio Pacheco Fiorillo – Doutor (Centro Universitário das Faculdades Metroolitanas Unidas), Daniel Antonio de Moraes Sarmento – Pós‑Doutor (UERJ), Daniel Hachem – Doutor (UFPR/PR), Ederson Garin Porto – Doutor (Unisinos/RS), Emerson Ademir Borges de Oliveira – Doutor (Universidade de Marília/SP), Emílio Peluso Neder Meyer – Doutor (UFMG/MG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal – Doutor (FGV‑Escola de Direito do Rio de Janeiro/RJ), Fernando Araújo – Doutor (Univ. de Lisboa‑PT), Fernando de Brito Alves – Pós‑Doutor (UENP/PR), Fernando Rodrigues Martins – Doutor (UFU/MG), Francisco Balaguer Callejón – Doutor (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado – Doutor (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes – Doutor (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller – Doutora (PUC/SP), Gustavo José Mendes Tepedino – Doutor (UFRJ), Gustavo Oliveira Vieira – Doutor (Unila/PR), Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Pós‑Doutor (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang Sarlet – Doutor (PUC/RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior – Doutor (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo/SP), Joaquim Brage Camazano – Doutor (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão – Doutor (USP), Julia Maurmann Ximenes – Doutora (IDP/DF), Juliana Diniz Campos – Doutora (UFC/CE), Juarez Freitas – Pós‑Doutor (PUC/RS), Lauro Gama Jr. – Doutor (PUC/RJ), Luciano Mariz Maia – Doutor (UFPB), Luiz Gonzaga Adolfo – Doutor (Unisc/SC), Marco Jobim – Doutor (PUC/RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza – Doutora (Univali/SC), Marinella Araujo – Doutora (PUC/MG), Pierdomenico Logroscino – Doutor (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas – Doutor (Uninove/SP), Rubens Beçak – Doutor (USP), Salete Oro Boff – Pós‑Doutora (IMED – Faculdade Meridional)/RS), Sofia Ciuffoletti – Doutora (University of Florence/Itália), Têmis Limberger – Pós‑Doutora (Unisinos/RS), Valerio de Oliveira Mazzuoli – Pós‑Doutor (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira – Pós‑Doutor (PUC/SP), Wilson Engelmann – Doutor (Unisinos/RS) CONSELHO TÉCNICO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Ana Paula Barcelos (UERJ), Anderson Teixeira (Unisinos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Ederson Porto (Unisinos), Emerson Ademir Borges de Oliveira (Universidade de Marília), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal (FGV – Escola de Direito do Rio de Janeiro), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando de Brito Alves (Universidade Estadual do Norte do Paraná), Fernando Rodrigues Martins (UFU), Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP), Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo José Mendes Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang Sarlet (PUC‑RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade Federal da Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza (Univali), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Rubens Beçak (USP), Salete Oro Boff (IMED Faculdade Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger (Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP), Wilson Engelmann (Unisinos) PARECERISTAS QUE CONTRIBUÍRAM COM A EDIÇÃO Cristina Veloso de Castro, Fábio Túlio Barroso, Hélio Silvio Ourém Campos COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Anna Silvia Bruno, Danielle Anne Pamplona, Danielle Annoni, Emanuel Andrade Linhares, Fernando Sérgio Amorim, Frederico Retes Lima, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Jadson Correia de Oliveira, João Trindade Cavalcante Filho, Poul F. Kjaer ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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Direito PúblicoAno 14 – nº 76 – Jul-Ago 2017

IndexAdA porDiretório de Revistas Brasileiras em SEER, Diadorim – Diretório de Política de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras,

Portal de Periódicos da CAPES, Latindex, Index Copernicus Internacional, Directory of Open Access Journal – DOAJ

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato – Dalide Correa

edItor-chefeGilmar Ferreira Mendes

edItorA-AdJuntADébora Costa Ferreira

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos – Doutora (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz – Doutor (PUC/MG), Alvaro Sanchez Bravo – Doutor (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos – Pós‑Doutora (UERJ), Anderson Vichinkeski Teixeira – Doutor (Unisinos/RS), André Karam Trindade – Doutor (PPGD/IMED/RS), André Saddy – Pós‑Doutor (UFF/RJ, Anna Silvia Bruno – Pós‑Doutora (Unisalento/Itália), Augusto Aguilar Calohrro – Doutor (Univ. de Granada‑ES),

Celso Antonio Pacheco Fiorillo – Doutor (Centro Universitário das Faculdades Metroolitanas Unidas), Daniel Antonio de Moraes Sarmento – Pós‑Doutor (UERJ), Daniel Hachem – Doutor (UFPR/PR), Ederson Garin Porto – Doutor (Unisinos/RS), Emerson Ademir Borges de Oliveira – Doutor (Universidade de Marília/SP),

Emílio Peluso Neder Meyer – Doutor (UFMG/MG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal – Doutor (FGV‑Escola de Direito do Rio de Janeiro/RJ), Fernando Araújo – Doutor (Univ. de Lisboa‑PT), Fernando de Brito Alves – Pós‑Doutor (UENP/PR), Fernando Rodrigues Martins – Doutor (UFU/MG), Francisco Balaguer Callejón – Doutor (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado – Doutor (Universidad Complutense de Madrid),

Gilmar Ferreira Mendes – Doutor (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller – Doutora (PUC/SP), Gustavo José Mendes Tepedino – Doutor (UFRJ), Gustavo Oliveira Vieira – Doutor (Unila/PR), Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Pós‑Doutor (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang

Sarlet – Doutor (PUC/RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior – Doutor (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo/SP), Joaquim Brage Camazano – Doutor (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão – Doutor (USP), Julia Maurmann Ximenes – Doutora (IDP/DF), Juliana Diniz Campos – Doutora

(UFC/CE), Juarez Freitas – Pós‑Doutor (PUC/RS), Lauro Gama Jr. – Doutor (PUC/RJ), Luciano Mariz Maia – Doutor (UFPB), Luiz Gonzaga Adolfo – Doutor (Unisc/SC), Marco Jobim – Doutor (PUC/RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza – Doutora (Univali/SC), Marinella Araujo – Doutora (PUC/MG), Pierdomenico Logroscino – Doutor (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas – Doutor (Uninove/SP), Rubens Beçak – Doutor (USP), Salete Oro Boff – Pós‑Doutora

(IMED – Faculdade Meridional)/RS), Sofia Ciuffoletti – Doutora (University of Florence/Itália), Têmis Limberger – Pós‑Doutora (Unisinos/RS), Valerio de Oliveira Mazzuoli – Pós‑Doutor (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira – Pós‑Doutor (PUC/SP), Wilson Engelmann – Doutor (Unisinos/RS)

conselho técnIco edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Ana Paula Barcelos (UERJ),

Anderson Teixeira (Unisinos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Ederson Porto (Unisinos), Emerson Ademir Borges de Oliveira (Universidade de Marília), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal (FGV – Escola de Direito do Rio de Janeiro), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando de Brito Alves (Universidade Estadual do Norte do Paraná), Fernando Rodrigues Martins (UFU), Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes

Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP), Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo José Mendes Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang Sarlet (PUC‑RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade Federal da Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza (Univali), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Rubens Beçak (USP), Salete Oro Boff (IMED Faculdade Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger (Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da

Silveira (PUC‑SP), Wilson Engelmann (Unisinos)

pArecerIstAs que contrIbuírAm com A edIçãoCristina Veloso de Castro, Fábio Túlio Barroso, Hélio Silvio Ourém Campos

colAborAdores destA edIçãoAnna Silvia Bruno, Danielle Anne Pamplona, Danielle Annoni, Emanuel Andrade Linhares, Fernando Sérgio Amorim, Frederico Retes Lima,

Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Jadson Correia de Oliveira, João Trindade Cavalcante Filho, Poul F. Kjaer

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Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 14, n. 76; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70766‑090 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

Solicita‑se permuta.Pídese canje.

On demande l’échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.

Wir bitten um austausch.

Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Já há tempos que as dinâmicas sociais que desvelam problemas constitu-cionais transpuseram as fronteiras do Estado nacional. Não é por outro motivo que a noção de unidade da Constituição não se mostra mais suficientemente capaz de lidar com a complexidade das violações a direitos fundamentais que se observa atualmente1. Nesse sentido, o processo de constitucionalização a ní-vel transnacional – e a estruturação de mecanismos constitucionais de controle e coibição das referidas violações – se revela ponto de especial atenção para a academia jurídica.

Dentre as recentes contribuições acadêmicas em destaque sobre o tema no âmbito internacional, destacam-se os artigos dos teóricos Poul F. Kjaer e de Anna Silvia Bruno, os quais a revista Direito Público tem a honra de publicar nessa edição. Poul Kjaer traça diretrizes básicas para a estruturação de ordens normativas transnacionais, distinguindo suas dimensões internas e externas. No mesmo contexto de descentralização da soberania e da multiplicidade de cen-tros de autoridade constitucional, Anna Silvia Bruno reflete sobre os desafios e perigos antidemocráticos do processo de alteração constitucional, diante da fragmentação da noção de poder constituinte.

Boa leitura!

Débora Costa

Editora-adjunta

1 TEUBNER, Gunther. Fragmentos constitucionais: constitucionalismo social na globalização. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 24.

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Direito transnacional

Doutrinas

1. How do Supranational Processes Anesthetize National Political Powers?Anna Silvia Bruno ......................................................................................9

2. Transnational Normative Orders: The Constitutionalism of Intra- and Trans-Normative LawPoul F. Kjaer .............................................................................................26

Parte GeralDoutrinas

1. Com Quem a Corte Constitucional Brasileira Dialoga? Análise dos Argumentos dos Magistrados do Supremo Tribunal Federal no Brasil Quanto à Incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos HumanosDanielle Anne Pamplona e Danielle Annoni ............................................50

2. O Resgate da Legitimidade da Jurisdição Constitucional Objetiva pela Valorização do ProcedimentoFernando Sérgio Amorim e Jadson Correia de Oliveira .............................78

JurispruDência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................100

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................117

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................121

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................139

5. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................142

ementário

1. Administrativo ........................................................................................146

2. Ambiental ..............................................................................................150

3. Constitucional ........................................................................................156

4. Penal/Processo Penal..............................................................................158

5. Processo Civil e Civil ..............................................................................163

6. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................166

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7. Tributário ...............................................................................................171

Seção EspecialestuDos JuríDicos

1. Foro, Prerrogativa e Privilégio: Quais e Quantas Autoridades Têm Foro no Brasil?João Trindade Cavalcante Filho e Frederico Retes Lima .........................176

2. Crítica à Supremacia do Interesse Público como Postulado de Interpretação do Direito AdministrativoEmanuel Andrade Linhares .....................................................................198

3. Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e Cadastro de Empregadores: Dignidade Humana e Direito à InformaçãoGustavo Filipe Barbosa Garcia ...............................................................220

Clipping Jurídico ..............................................................................................237

Resenha Legislativa ..........................................................................................243

Bibliografia Complementar .................................................................................244

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................245

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e

b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEWTodos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo

Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os con-vites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Pú-blico.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 76, 2017, 9-25, jul-ago 2017

Direito Transnacional

How do Supranational Processes Anesthetize National Political Powers?

The Anti-States and Undemocratic Effects of the Multiplication of Sovereignties*

AnnA SILvIA BRunO Assistant professor in public law Faculty of law, University of Perugia.

ABSTRACT: The theme of revision of the Constitution is a central point in the analysis of the constitutional text and its relationship with the State and popular sovereignty. On one hand, it is linked to a question of legitimacy and effectiveness of the regulations, given that it represents the process of written rules; on the other hand, it is also linked to the recognition of the authority of “pouvoir constituant” on which the whole legitimacy of the Constitution is based. But in the global scenario, characterized by an indefinite multiplication of sovereignties, where the law is fragmented into the “law of peculiarity”, the law of global market exchanges produces not only anti‑states but also undemocratic effects.

KEYWORDS: constitutional revision, State sovereignty, supranational level, artificiality, Italian experience.

SUMMARY: Introduction; 1 The communitarization of domestic law through artificial tools; 2 State sovereignty v. popular sovereignty; 3 The supranational “legal formants” and the process of “hybridization”; Conclusions.

INTRODuCTIONThe problem of “where” has taken on a great deal of importance

following the global phenomena which have forced legal scholars to reconsider the question of space. In Europe and the United States, constitutionalism is established according to two different cultures of constitutional changes. On one hand, the European context is marked by the tension between Constitution/State

* A previous version of this article was published on the Italian law review, Eunomia. Rivista semestrale del Corso di Laurea in Scienze Politiche e delle Relazioni Internazionali, Eunomia II n.s. (2013), n. 1, 195-218.

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10 .........................................................................................................DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 76, 2017, 9-25, jul-ago 2017

and politics (the best example of which being the German Weimar Republic); on the other hand, with the new Nomos of the Earth (20th century), dominated by American international doctrines of interference on a global level, politics takes hold of the economy to identify itself with it and give life to the principle of cujus oeconomia, ejus regio. European States stop being exclusively guided by political interest of intrastate power (the Nomos of the Earth) to take an interest in governing the change of social structures. Mirkine-Guetzevitch spoke about a European «general constitutional law» founded on the rationalization of power to respond to society’s needs and the transformational requirements of rights (in a social dimension and no longer in an economic-individual dimension), in accord with an international public law of reciprocal respect between the States1.

In actual fact, the logic of cujus oeconomia, ejus regio follows the expansion of the American Nomos of the Earth in its different directions compared to the jus publicum europeaeum. The global context is characterized by moments of transformation, for example the process of European integration and the “constitutional” role of European judicial decisions and international cases of the ECHR. European culture entrenches itself behind the law against “informal” changes, negating validity to phenomena which are placed extra constitutionem. In this picture we include both attempts at constitutional reform which are constitutionally unfaithful and political tendencies in fraud of the Constitution; so that, if the legal and political systems begin to use the same g, decisions are made within the bounds of political correctness but outside the correct constitutional structure. But, every Constitution is text and context at the same time, a space within which gaps need to be filled by means of revision which respond to a recognized and common code. The complexity of the relationship comes from the search for harmony between the time of the Constitution and that of society in consideration of the fact that the judges, interpreting the Constitution, intervene as intermediaries in a dialogue which needs to be open in order to be democratic. The interpretation of the Constitution as a public process becomes the main vehicle of innovation of the constitution2. The Constitution as a written text and society determined by cultural pluralism are the main players in the problematic relationship wherein a judge feels the necessity to open up the constitutional text to the context in periods of crisis in the community. In opening itself to the social context, the Constitution is inevitably subject to time, and its written text guarantees stability and certainty on one hand, but exposes it to various interpretations on the other hand. In the temporal dimension, the Constitution is destined to change, at times leaving the text intact from which certain concepts can be interpreted in different ways; other times, intervening and revising it with respect to formal

1 See B. MIRKINE-GUETZEVITCH, Le costituzioni europee, Milano, Edizioni di Comunità, 1954.2 J. LUTHER, La Scienza häberliana delle costituzioni, in Analisi e diritto, 2001.

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procedure and the fundamental core remains unchanged in time. Sometimes its content is modified in order to satisfy the interests of a political class, a social group or a European impulse. An example of this is the Italian context because in Italy, constitutional law n. 1 of 20 April 2012 amended Article 81 of the Constitution, introducing the so-called “balanced budget”3. This new “rule” was introduced in accordance with the Fiscal compact, to the Treaty on Stability, Coordination and Governance in the Economic and Monetary Union, ratified in Italy with law n. 114 of 23 July 2012. Article. 3, paragraph 2 of the Treaty declares: “The rules set out in paragraph 14 shall take effect in the national law of the Contracting Parties at the latest one year after the entry into force of this Treaty through provisions of binding force and permanent character, preferably constitutional, or otherwise guaranteed to be fully respected and adhered to throughout the national budgetary processes”. The mentioned article considers the “constitutionalization” of the bond “preferable”, as a guarantee of stability and durability of the economic-political choices; this constitutionalization is therefore taken as a guarantee of financial stability. Following the amendment of Art. 81, those constitutional constraints called “reserves of justice”, should have been introduced into the constitution, but in fact were not. These reserves of justice would represent a percentage which could not be touched by political majorities and would be aimed at guaranteeing a minimum standard of living and managing social rights, which would remain and would continue to be fundamental5.

National government, with its political power, should be the determining force both in terms of strength and party strategy, and in terms of “pouvoir

3 A.S. BRUNO, L’ipotesi italiana della costituzionalizzazione dell’ “equità intergenerazionale” nel confronto col diritto costituzionale del Brasile, in G.M. POMPEU; M. CARDUCCI; M.R. SÁNCHEZ (eds.), Direito Constitucional nas Relações Econômicas: entre o crescimento econômico e o desenvolvimento humano), LumenJurís, Rio de Janeiro, 2014.

4 The Contracting Parties shall apply the rules set out in this paragraph in addition and without prejudice to their obligations under European Union law: (a) the budgetary position of the general government of a Contracting Party shall be balanced or in surplus; (b) the rule under point (a) shall be deemed to be respected if the annual structural balance of the general government is at its country-specific medium-term objective, as defined in the revised Stability and Growth Pact, with a lower limit of a structural deficit of 0,5% of the gross domestic product at market prices. The Contracting Parties shall ensure rapid convergence towards their respective medium-term objective. The time-frame for such convergence will be proposed by the European Commission taking into consideration country-specific sustainability risks. Progress towards, and respect of, the medium-term objective shall be evaluated on the basis of an overall assessment with the structural balance as a reference, including an analysis of expenditure net of discretionary revenue measures, in line with the revised Stability and Growth Pact; the Contracting Parties may temporarily deviate from their respective medium-term objective or the adjustment path towards it only in exceptional circumstances, as defined in point (b) of paragraph 3; (d) where the ratio of the general government debt to gross domestic product at market prices is significantly below 60 % and where risks in terms of long-term sustainability of public finances are low, the lower limit of the medium-term objective specified under point (b) can reach a structural deficit of at most 1,0 % of the gross domestic product at market prices; (e) in the event of significant observed deviations from the medium-term objective or the adjustment path towards it, a correction mechanism shall be triggered automatically. The mechanism shall include the obligation of the Contracting Party concerned to implement measures to correct the deviations over a defined period of time.

5 O’ GORMAN, R., ECHR, the EU and the Weakness of Social Rights Protection at the European Level, in German Law Journal, vol. 22, n. 10, 2011, p. 1833 ss.

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constituant” with regard to a Constitution which is fighting to assert and protect its identity. The necessity for the constitutional text to open up to the “evolution” of society is useful to identify new cultural equilibrium through “indicators of predictability” provided by dialogue and negotiation between individuals and groups who participate in the decision making process. In this way, the text is adapted to its context, constructing the basis of what has been defined as a “time in history” and what is therefore a “time of the Constitution” since it determines “content and objectives”. In the recent governmental changes (liberalization, marketization, globalization) “an increasing range of public life is being subjected to the discipline of the norms of liberal-legal constitutionalism [...] the norms of right conduct prescribed in these texts acquire their authority from precepts of reason rather than approval of “the people”. It is the authority of these norms that is being asserted and these norms acquire the status of fundamental law not because they have been authorized by a people but because of the self-evident rationality of their claims”6. The ideal dialogue is between its unchanging elements and the structure which allows it to function, that is, its practical application according to the specific moment in time. In this way, the Constitution is both objective and subjective at the same time.

The article develops the following questions in three sections. In the first part, I underline how national law has lost its normative force as a symbol of positive legal order: with the process of globalization, it has been overtaken by a law whose origin is in the public opinion of members of society, in judges’ decisions and in judicial science. In the second paragraph, I will focus on the role of the new techno-economical space which has eradicated the original Nomos which marked the link between a social community and its territory to indicate the beginning of a new configuration of the relationship between economy and politics. Finally, I support the thesis in which the State must intervene in regulating and constitutionalizing the global market, otherwise, along with the social counter-power of other spheres (NGO, media, trade unions etc.) it can have an effect on the economy, generating rules of self-limitation in order to preserve itself.

1 ThE COMMuNITARIzATION Of DOMESTIC LAW ThROuGh ARTIfICIAL TOOLSFrom the Single European Act to the Maastricht Treaty and the Charter of

Rights, the phases of evolution of European constitutionalism have generated among member States an awareness that the “Constitution” of the European Union would never be a “document” created by one single constituent power but something different to the classical Constitution in the Kelsenian sense; something that was being structured as a “process” through which

6 M. LOUGHLIN, What is Constitutionalisation?, in P. DOBNER; M. LOUGHLIN (eds.), The Twilight of Constitutionalism, Oxford, Oxford University Press, 2010.

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to acknowledge the empirical legitimacy of the “Constitution” even after the consolidation of its formal authority. Confirmation of this is given in the constitutional architecture which, currently, does not appear to have been validated by any formal procedure of adoption by a constitutional demos7. The absence of a Grundnorm (Fundamental Law), as an incomplete moment of European integrity-integration, has caused multiple consequences both internally and externally, both on a European level and a global level. On one hand, this has led to national demands for definition of collective identity: the lack of a common code (in which every individual can identify himself, as this code has been created by everyone) and the consolidation of a supranational public power has caused reactions of delimitation of power among the member States, opposing the protection of fundamental rights and national identity to it in order to preserve the constitutional specificity. On the other hand, the individual, through European legislation, has been emancipated from national restrictions to the point of becoming one of the main pivotal of the European legal system, bringing about a multilevel judicial constitutional law, a multilevel protection which has broadened the space of intervention of judges in giving greater clarity to the indeterminate nature of precepts. With the process of globalization, national law has lost its normative force as a symbol of positive legal order. It has been overtaken by a law whose origin is in the public opinion of members of society, in judges’ decisions and in legal science8.

The legislators’ intentions have been substituted by those of the judges, allowing human rights, fundamental individual rights – in the most modern sense of the term – to produce institutional and judicial artifices to effectively safeguard “individualism”, in and of globalization against the abuse of the majority. In this sense, a denationalization of the States has followed the creation of the global juridical dimension. The States, with the choice of giving way to judges, have legitimized a dialogue which, in recent years, has involved national courts, the Court of Justice and the European Court of Human Rights. This has in part led to the communitarization of domestic law through shared values and spaces9, and subsequently, to the increased flexibility of State powers; in part it has also led to the creation of a soft law10, a law which is not binding in its legal strength but sufficiently strong in its programmatic structure to represent a break from traditional laws which have become too rigid for the logic behind European Union governments, and instrumental in steering capitalism and “technique”.

7 See J.H.H. WEILER, Federalismo e costituzionalismo: il «Sonderweg» europeo, in G. ZAGREBELSKY (ed.), Diritti e Costituzione nell’Unione Europea, Roma-Bari, Laterza, 2003, p. 22.

8 See G. FASSÒ, Storia della filosofia del diritto, Roma-Bari, Laterza, 2001, p. 197.9 See V. PICCONE, L’«internazionalizzazione» dei diritti umani, in G. BRONZINI – F. GUARRIELLO – V.

PICCONE, (eds.), Le scommesse dell’Europa, Roma, Ediesse, 2009, p. 22.10 See G. AZZARITI, Brevi notazioni sulle trasformazioni del diritto costituzionale e sulle sorti del diritto del

lavoro in Europa, ibid., p. 139.

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The processes of internationalization have put national legal systems up against the same structural problems, producing forms of convergence in the search for solutions that, while different, can be considered “equivalent” in the functional sense. If we consider the European Treaties, it is clear that after the creation of a space without frontiers, a process of “delocalization” and “de-historicization” followed, after which individuals experienced the gap between being an “individual-member” of a political and legal institution and an “individual-member” of the economic space, that is, an active and passive part of the new economic assets. The effect on global society was also the division into sectors according to functions, a mass of global cultures, a vast amount of social systems which allow only single fragmented ties.

Each of us feels as if we belong to two spatial orders: the concrete places of our origin, our homeland, small or large, mutual exchanges influenced by State borders; on the other hand, the “system of universal dependence”, the global extents of constitutional “technique” and economy, telematic communication, silent and objective markets. We come and go between places and non – places, between terrestrial positions and pure spaces. Our identity is split between civis and homo oeconomicus, between obedience to the laws of the city and the laws of global space11. Throughout time the relationship between the individual and society has never been static because it is built around and through two protagonists which are neither isolated nor immobile. In order to interact with society an individual has to look out on the world and open himself to it. The world welcomes him and shows itself to have a wealth of definitions, a whole system of attitudes, an ever active patrimony of ways of operating12. Consequently, the individual is conditioned by his being in the world, in his being a product of his own particular time which becomes entwined with the time of the society in which he is operating. The aims which a society intends to pursue become an integral part of a “continuous flow of events” of which that continuum of deeds done by the individual becomes a part. This is the origin of social and juridical pluralism, by which, ever new instances and events refer back to constitutionally safeguarded values which are waiting to be realized, while the certainty of the law is continually undermined, never completely made concrete. Although the law is expected to guarantee juridical safety it cannot in the long run avoid, as it evolves, creating something “new” bringing a social harmony founded on a balance between stability and change. A continual evolution and controlled transformation can be envisaged where the function of the law is not decided exclusively by an analysis of the equilibrium of the system but instead, takes into account upheavals, irregularities and states of transition.

11 See N. IRTI, Norma e luoghi. Problemi di geo-diritto, Roma-Bari, Laterza, 2001, p. 80.12 See G. CAPOGRASSI, Analisi dell’esperienza comune, Milano, Giuffrè, 1975.

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It could be said that it is a time of “metamorphosis”, founded on the gradual change of a system whose identity has to remain unaltered13.

The Constitution needs to be aware of social change, new conflicts, the continuing need for new solutions and interpretations, and institutional requirements for abstract and general rules in order to achieve certainty in the law and for the law. On the other hand, the Constitution needs to evaluate the real possibilities for resolving controversy and preserving its fundamental values.

The fundamental principles are the tool which the Constitution uses to resolve controversy, considering that these to be such, and therefore, effective (as the base of social and legal order which remains faithful to its original matrix, while constantly renewing itself), must be witness to a present which does not repudiate its history, or rather, a history which extends seamlessly into the present: being and becoming a time. For this reason, these principles carry out a function that is both conservative and promotional, maintaining the original values, (of which they are an imperfect translation) and at the same time opening up to new developments14.

It is well known that Europe has always sought in the law the tool of unification so as not to yield to the individualist temptation of overseas case law and to maintain the culture of common law and civil law separate in respect for their different historical origins15; but the passage of one “rule” from one legal order (supranational) to another (national) has put an end to the original significance of the rule and the necessary re-elaboration of the same in consideration of the new socio-legal context. This artificial relationship that has arisen between the two systems has given way to something that could be assimilated in a new legal formant, a «legal irritant», to quote Gunther Teubner, allowing the inclusion of a “rule” from one context to another by using techniques of adaptation (e.g. constitutionally conforming interpretation or Drittwirkung) or inexorably evolving dynamics that expose the internal context to changes (e.g. community or international judicial living law).

Consequently, the main dilemma seems not only to be the inadequacy of the law in incorporating the external rule in the national territory: after all, in the past, positivism bent to procedural rules and the Kelsenian Grundnorm, which claimed to explain the validity of any system, in fact, based all the States on the “rule of law”, to then reveal itself as an empty container, suitable for the inclusion of any content but determining several problems of transformation of

13 See F. OST, Le temps du droit, Paris, Odile Jacob, 1999.14 See A. RUGGERI, L’identità costituzionale alla prova: i principi fondamentali fra revisioni costituzionali

polisemiche e interpretazioni-applicazioni «ragionevoli», in «Ars Interpretandi. Rivista di ermeneutica giuridica», 1996, pp. 113-129.

15 G. TEUBNER, “Legal Irritants”: come l’unificazione del diritto dà luogo a nuove divergenze, in «Ars Interpretandi. Rivista di ermeneutica giuridica», 2006, p. 156.

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meaning and role of the accepted term. In Italy, uniformity of the court decisions comes by means of living law, meaning the settled interpretation of the higher courts and successive adaptation by the lower courts. Artificiality, absolute un-naturality, is the foremost trait of modern law, or rather, of legal modernity. After breaking with natural law and every binding foundation, political and legal will can receive any content, adopt any rule. Laws are artificial, indifferent to their content, able to determine their own time and space. Enactment of these laws is mere formality: it is just procedure, and procedure becomes the basis of the law. Such artificiality allows the law to detach itself from its place of origin and to be extended as an agreement between States, to any number of territories16. The current dilemma concerns the division between cultural polycentrism and functional differentiation which has led the national territory to be part of the worldwide framework and thus the national law detached from its culture of origin17. For this reason, Teubner’s «legal irritants» irritate the links of law to society. Foreign laws are irritating not only in relation to the national legal situation itself but also in relation to the social situation to which the law is closely linked in certain circumstances. As legal irritants, they force the specific episteme of national law to a reconstruction in the network of its distinctions. As social irritants, they lead the social discourse to which the law is closely bound to a reconstruction of itself. In this way, they give way to two different series of events whose interaction leads to an evolving dynamic that could find a new balance in the self-value of the situation involved. Such a complex and unstable process rarely leads to the convergence of the legal systems in question, but rather to the creation of new gaps in the relationship between operationally close social systems.

This founding relationship of recontextualizations both in a legal and social sense, as Teubner writes, cannot be considered the creator of a new institutional identity for unilateral determination (or rather, for legal transfer), nor can it reduce itself to the causal dependence between independent and dependent variables, or a relationship between an economic base and a legal supra-structure. Rather, it is a symbolic space of compatibility of different meanings that allows different possible results18.

2 STATE SOVEREIGNTy V. POPuLAR SOVEREIGNTyThe importance to replace the Constitution in a spatial dimension

which takes into account the abolition of frontiers will allow the final board of coordinates so that constitutional laws do not become lost in existential

16 See N. IRTI, Il carattere politico-giuridico del mercato, in Rassegna economica, LXVIII, 2, 2004, p. 1.17 See N. LUHMANN, The Paradoxy of Observing Systems, in «Cultural Critique», 31, The Politics of Systems

and Environments, Part II, Autumn 1995, p. 37.18 See G. TEUBNER, Legal Irritants, cit., p. 169.

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ontologism, whose futile result is the same as all the a-historical conceptions of subjectivity, well expressed in Heidegger’s human Dasein, in Jaspers’ confused historic conscience or in Gadamer’s labyrinthine hermeneutic historicity19. To depend solely on temporality to give continuity to the Constitution and identify its application with an act of faith in an “open” Constitution that reveals a mythical nature means to expose the Constitution to attacks and manipulations, because no barriers have been created which can define and realize the spatial dimensions of the Constitution (and the State). The eradication of constituent power signifies the lack of a precise moment in time in which a pluralist society chooses to organize itself according to a set of rules and principles to “rely on” and recognize a “writing degree zero” from which to derive the history of the new Nomos of the Earth. The opening of “economic globalization”, in the era of cosmopolitanism and internationalization, has brought about a defenceless, neutral State, not only as welfare state, but also as a political entity and binding form of organized cohabitation20.

The intermediate function carried out by the same State at a supranational level between the European Union and the national system, in order to guarantee stability and legitimacy of the process of social integration is, however, decisive in the safeguarding of constitutional guarantees that risk being evaded by European economic policies. The strength of Europe lies in the institutions which represent it and in the political processes determined by “regularity” of integration. What emerges from the phase of transition that has involved all member States towards the unification of Europe is a process of transformation realized in its “applicational level” and not only in the phase of «enactment of formal legislation»21. The logic of the market and the representative State support the unstoppable and detailed enactment of European legislation in which the determination of the aim is essentially the «fundamental political decision», normatively consolidated, therefore all political acts are instrumental in the phase of implementation of the Union’s goals. These acts, differentiated by name, type, value and legal force do not take into account any form of responsibility and control of political trends – due to a lack of suitable methods of implementing liability and the lack of a liable body which can regulate political power22. These acts do not express any determining authority of the aims of the Union: the opening towards “impersonal” logic (the universality of human rights is the clearest example of this, both for the unconditional nature of the theme, and for the risk of it becoming merely a constitutional

19 See P. DE VEGA GARCIA, Mondializzazione e diritto costituzionale: la crisi del principio democratico nel costituzionalismo attuale, in Diritto pubblico, VII, 3, 2001, p. 1087.

20 See ibid., p. 1091.21 M. CARDUCCI, Il problema esplicativo delle trasformazioni costituzionali. Appunti per una comparazione

di teorie e prassi, in A. SPADARO, (ed.), Le «trasformazioni» costituzionali nell’età della transizione, Torino, Giappichelli, 2000, p. 162.

22 See G. FERRARA, L’indirizzo politico dalla nazionalità all’apolidia, available at http://www.astrid-online.it.

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“symbol”) has started a process of universalization of the content of western constitutionalism (democracy, delegation, values, equality) which in reality clashes with the primary social levels (race, religion, language) that seem to prevail over functional roles imposed by law23. The political trend which on a global scale have been consolidated in institutions, in the long term risks being exhausted by the regularity of politics functioning without law; it continues to be denationalized to the point of becoming stateless due to something that has always been able to cross borders, more or less legally, but surely efficiently: money, which in turn has always had much to do with State sovereignty but never with popular sovereignty24.

The creation of new alternative spaces to national space, determined both by processes that respond to transnational power and processes that operate outside institutionalized political power, can appear physiological in global logic, but it shows the absence (or non-activation) of a set of tools with which to generate “antibodies” against external attacks brought about by new situations and the subsequent artificiality of the relationship between the two dimensions (national and supranational).

Artificiality of law goes hand in hand with global techno-economy and therefore in identifying its essence, it can be placed either opposite it as an enemy or beside it as an ally. The eradication of law, the fall of the ancient Nomos, the ability to determine times and spaces of application: only these factors permit it to be on the same level of the techno-economy. Through agreements between States and therefore with artificial tools, the law is able to embrace, either entirely or partially, the planetary economy.

The new techno-economical space has eradicated the original Nomos which marked the link between a social community and its territory to indica-te the beginning of a new configuration of the relationship between economy and politics. This process of reconfiguration, having in legal “technique” the most suitable tool and the natural environment with and in which to develop, must overcome the constitutional problems of transnational regimes in which the structural aspect, determined by constitutional rules, which give rationality to the system, has already been created. It is raising consciousness that the pro-cess of European integration, European judicial acts and International decisions of the European Court of Human Rights are not a product of the historical con-flict between law and politics but the results of new mechanisms: or technical structuring (like European Governance, which seems to be a “tacit revision” of national Constitutions or “anesthesia” of their normative power) or jurispru-dential structuring (with the decisions of the Court of Justice or the European Court of Human Rights in Europe, and especially the Inter-American Court of

23 See M. CARDUCCI, Il problema esplicativo delle trasformazioni costituzionali, cit., p. 166.24 N. IRTI, Norma e luoghi, cit.

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Human Rights in Latin America, where the interpretation of the Inter-American Convention are imposed on or condition the national interpretations of judges, becoming a heteronomous factor of informal modification compared to the con-tradictory national constitutional results)25. The global picture determined by economic power, which crosses territorial confines according to market logic and world trade, shows how State law struggles to provide the suitable concep-tual tools for forming institutions capable of distinguish, if not managing, State sovereignty and free supranational economy26.

3 ThE SuPRANATIONAL “LEGAL fORMANTS” AND ThE PROCESS Of “hyBRIDIzATION”But the process of European integration is involved in more widespread

phenomena of constitutional inter-connection which does not always respond to the logic of cujus oeconomia, ejus regio. Alongside the well known phenomenon of the relationship between international public law and State law, is the new dynamic recently named “transconstitutionalism”. In particular between international law for the protection of human rights and fundamental constitutional laws (e.g. ECHR and Constitutions); supranational law and State laws (e.g. EU); State law and transnational organizations (e.g. WTO); national systems and local extra-State systems (e.g. indigenous law); supranational law and international law (e.g. ECHR and EU). Therefore, the connection, being no longer intrastate, becomes characterized by contexts of different places and subjects – public or private – leading to the assertion of what has been defined «polycontextural law». Can «polycontextural law» destructure the unilateralism of the American Nomos? Can polycontextural law favour the reciprocity of intrastate standards?27

Furthermore, the management of the global dimension itself – whether it is considered trans-constitutional or polycontextural – is not necessarily subjected to the logic of cujus oeconomia, ejus regio, but it is entrusted to the States, to interstate agreements (according to the original project through which the European Union was decided by the same States in full implementation of their sovereignty). It is evident that the current scenario presents a severance between territory and space, that is, between State sovereignty and the (supranational) dimension of the economy, between “where” and “everywhere”. The “where” of law could be “everywhere”: anywhere that has been agreed upon by interstate pacts. We discover in this way the great virtue of artificiality, which may not be of any place but can be in any place, and can therefore give a terrestrial base to global phenomena. It does not obey any Nomos, which would joined it to

25 See M. CARDUCCI, Dal Nomos della terra del diritto costituzionale occidentale al trans costituzionalismo policontesturale, lecture in Comparative Public Law at the University of Bari (Italy), May 7, 2010.

26 See C. SCHMITT, Il Nomos della terra, Milano, Adelphi, 1991, p. 301.27 See M. CARDUCCI, Dal Nomos della terra del diritto costituzionale occidentale al trans costituzionalismo

policontesturale, cit.

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the individuality of a place, but merely answers the need for more precise and effective functionality28. If the response to a «catastrophe contingency», ever more acute in the current financial crisis, can only come from within the State, then the State must intervene in regulating and constitutionalizing the global market, otherwise, along with the social counter-power of other spheres (NGO, media, trade unions etc.) it can have an effect on the economy, generating «self-controlling impulses» through rules of self-limitation29.

These rules of self-discipline are not inherent to every system but represent that «clamping lever» of the system against internal risks and external attacks: this is the distinction between structural and functional Constitution, both relating to the necessary content of a “Fundamental Law”. Structural/Kelsenian Constitution represents the sources of producing law that guarantees the rationality of the system, while functional Constitution differs from structural Constitution in that it does not belong necessary to any system, it comprises all limitative rules which impede self-damage of the system by driving out any such tendencies. The Constitution will be ultimately tested when appealing to those limitative rules when faced with a challenge – almost a circuit breaker when faced with a blackout. These rules will protect the Constitution from destructive and self-destructive attacks only if political forces can guarantee the effectiveness of these rules.

Mediation of political will permit the States to construct their own sovereignty by translating the responsibility of decisions into laws. At the same time, political choices are as ever the real creators of economic spaces and the economy is formed around state rules and laws. Therefore, on one hand, the crisis of normativity is cause and effect of the creation of contra or extra constitutionem rules which are legitimate because they conform to an evolutional process which recognizes the EU as the ideal space in which to embrace the challenges of globalization: a «process of positivization» that is modulated around a «series of operations of recognition and identification», or rather, a continuing and widespread hermeneutic practice of acceptance and use, articulated over all levels, from “technical” levels, recognized by the same system, to non-institutionalized levels of private citizens, who experience the law as valid and favour it over other possibilities. On the other hand, there is the affirmation of a new aequitas in the “figurative” path of modern subject, summoned to reclaim the past in order to preserve it and support it in the future.

«The process of European integration presents many challenges to the member States. The ECHR is an international treaty with a Fundamental Rights Charter and the national constitutions consider it as an essential parameter for

28 See N. IRTI, Norma e luoghi, cit., pp. 76-77.29 M. DOGLIANI, Costituzione in senso formale, materiale, strutturale e funzionale: a proposito di una riflessione di

Gunther Teubner sulle tendenze autodistruttive dei sistemi sociali, available at http://www.costituzionalismo.it.

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their jurisprudence. National constitutional jurisprudence is to be in conformity with Strasbourg jurisprudence: this kind of approach allows fundamental rights to have two sides of the same identity, one is handled by the national constitution, and the other one by the ECHR. In this context a frequent question is what the mechanism to link the ECHR to the national constitutional orders is: being a formal part of the national constitutional order as in Austria (the most far-reaching solution); being the essential criteria for the interpretation of internal fundamental rights as in Spain (Constitution Art. 10.2); being a normative layer between ordinary legislation and the Constitution as in France and the new democracies of Central and Eastern Europe; or, being equal to ordinary laws such as, for example, in Germany»30.

But the Lisbon Treaty did not only succeed in combining two notions, “constitutional traditions” and “general principles”, simplifying the long debate which had involved both notions; it also appears to have given the European Court of Human Rights a new legal status in the system of sources of law, thus benefiting from a role of primauté over national law. The decision of the Italian Consiglio di Stato (Council of State)31 no. 1220 of 2 March 2010 on this topic does not limit the sphere of Community law, object of direct application, as if it could ignore the controversial matter and above all, ignore the deficiency of national legislation in resolving the question at hand.32

Often Italian decisions has appealed to the principles of the ECHR, highlighting the exceptional necessity to disapply the national law in order to guarantee minimum rights to the individual or to apply the judicial decisions of the Strasbourg Court; or to produce a “community aimed” result; as the Court of Strasbourg encouraged to respect article 35 of the ECHR which permits an appeal to the judge of the Convention only after exhausting internal legal paths, even though the national judge must interpret the State legal tools in a manner conforming to the Convention.

However, in this particular case, the judge opted for the principle of full and direct application of the ECHR, without disapplying specific internal laws contrasting with the Convention. Fully respecting constitutional guarantees of legality and motivation of judgments (art 97 and 111 Italian Const.), the Council

30 A. RAINER, The Emergence of European Constitutional Law, available at http://www.ejcl.org. The global dimension of these problems brings with it a new law of spaces which can no longer provide answers relevant to historical continuity and logical unity typical of European law, but which will permit various, defined and efficient solutions. An interesting example of this is article 6 of the TEU: «Fundamental rights, as guaranteed by the European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms and as they result from the constitutional traditions common to the Member States, shall constitute general principles of the Union’s law»; See «Official Journal of the European Union», March 30, 2010, available at http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.douri=OJ:C:2010:083:0013:0046:en:PDF.

31 It is the Supreme Court in the hierarchy of administrative courts.32 28 See G. COLAVITTI – C. PAGOTTO, Il Consiglio di Stato applica direttamente le norme CEDU grazie al

Trattato di Lisbona: l’inizio di un nuovo percorso? Nota a Consiglio di Stato, sent. 2 marzo 2010, n. 1220, available at http://associazionedeicostituzionalisti.it.

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of State wanted to motivate the logical legal iter of the choice to disapply the national law, in order to ensure the prevalence of a fundamental human right safeguarded by the ECHR. For years constitutional decisions has swayed between trying to safeguard the national Nomos, favouring the territorial element, and practical remedies which, with the support of interpretational activity, opted for solutions which were more “effective” than respectful of the hierarchy of sources of law.

The modern State is characterized by its being fully rooted in a process of globalization that, under the influence of a multitude of forces and trends, has undermined its own forms and limits that were, until some time ago, evolutive “acquisitions” of a constitutional democracy and, as such, of a common heritage. The absence of democratic constitutionalism denounced by scholars are particularly evident in the process of disintegration of the welfare state, where social rights are so evanescent as to weaken the very foundations of democracy33. Indeed, the constitutional state is characterized, on the one hand, by an unstructured sovereignty and the weakness of the social state; and on the other hand, by a reduced power to control economy. This last characteristic has deprived political parties and trade unions, as well as national parliaments, of the ability to manage the economic growth through which operate (as the main characteristic of the rule of law) the appropriate balancing with the founding values of a constitutional state. In this framework, the political crisis has emerged as a crisis of relations and interactions between actors and institutions of representation, and therefore as a crisis of what could be the heart of a model of participatory democracy34. Last but not least, the judicial function has contributed to the destabilization of the constitution, at least as a constitutional model of the European historical experience. The judiciary power seems to be transformed into a guarantee of the last claim, with the role of mediator in socio- cultural conflicts within the new constitutionalism, as a new legislator, parallel and complementary to the parliamentary one35.

33 For example, the notion of EU citizenship ‘is determined by citizenship in the Member States, despite widely varying definitions of who is and who may become a citizen’ (2012, 130); and if the Eu citizenship involves important legal elements such as the right to property to conclude valid contracts or to take part in elections in EU Member States, it does not show its own civic fundamental side: “there are no programmes for social provision at the European level. Thus, social rights continue to be claimed at the national level”, C.E. SCHALL, Is the Problem of European Citizenship a Problem of Social Citizenship? Social Policy, Federalism, and Democracy in the EU and United States, in Sociological Inquiry, vol. 82, 2012, p. 123 ss.

34 Anne Rasmussen highlights the complex role of the Members of the European Parliament strictly linked to both national and EU-level parties in her Party soldiers in a non-partisan community? Party linkage in the European parliament, in The Role of the political parties in the European Union, in Journal of European Public Policy, 2008, p. 1164 ss.

35 C. CRISHAM, K. MORTELMAN, “Observations of Member States in the Preliminary Rulings. Procedure before the Court of Justice of the European Communities”, in D. O’KEEFE D., H.G. SCHERMERS (eds.), Essays in European Law and Integration, Boston, Kluwer-Deventer, 1982, p. 43 ss.; P. PORTINARO, “Dal custode della costituzione alla costituzione dei custodi”, in G. GOZZI (ed.), Democrazia, diritti, costituzione. I fondamenti costituzionali delle democrazie contemporanee, il Mulino, 1997.

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The entrance of the communitarian law on the national territory should take place through the application of international law in the light of a certain “peculiarity” or a “particular relevance” according to interpretation, the simplest tool with which to validate a system of values carried by law across socially accepted formats. Over time, the artificial and disconnected law of the new spaces has found in constitutional “technique” and economy loyal allies to set against the multiplicity of the States and the uniformity of legal discipline. It has to be highlighted that, the Italian system is a unified system of civil law (that is, of codified statutory law) and the sources of law are mainly written: there are several codes (civil, criminal, civil procedure, criminal procedure, etc.) and a large number of statutes. Precedent is used but not as a real “source” of law because its force is merely persuasive. Until the 1950s, Italian judges interpreted the law in conformity to the Constitution as long as it was not in contrast to it, in defense of the unity and of the logical coherence of the entire juridical system. From the 1970s it was felt that there was a new need to overturn the principles of positivism. Judges turned their attention to the private individual, towards the recognition and defense of his rights, to compensation for injuries and damage. Judicial decisions are not traditionally a source of law in Italy and they are supposed to affect only the parties in the case at hand. Italian democracy, heavily influenced by the example of France and the writings of French scholarship, has regarded legislative supremacy as a fundamental principle.

Consequently, only the legislature, which speaks for the people, is supposed to make law. Although the role of judicial precedent in the Italian system is not that of a source of law, nor is it a mere virtual authority. Instead, drawing strength over time through the interpretive activity of judges, it does not have prognostic pretensions and therefore it does not have a definitive character, limiting itself to the present. In this way, precedent constitutes an indicator to the predictability of the juridical consequences of an act, thus assuring the certainty of the law. It is realized in the certainty of the action through the law, in an ethical and utilitarian perspective, so as not to reduce it to pure appearance.

The value of the certainty of law and in law indicates the need for the individual to be in a position to know the consequences of his own actions so as to avoid intervention by the authorities, the arbitrary nature of power which identifies itself in the principle of constitutionality. In Italy, uniformity of the court decisions comes by the means of living law, meaning the settled interpretation of the higher courts and successive adaptation by the lower courts. Since living law is the concrete symbol of the evolution of leading case shift, it constitutes one of the parameters to which the Court can refer in the evaluation of the constitutional legitimacy of a law. Therefore, living law is placed as a representative of a precise cultural context but is supported by the element of precedent and, thus, from the acts which are “crystallized” through it, it is made concrete. Particular difficulties arise in the search for suitable criteria for identifying a sufficiently homogeneous

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and constant standpoint capable of producing living law. For this purpose, precedent plays a fundamental role because it contributes to the concretization of living law itself; the nature of precedent is not binding but nevertheless has a fundamental role because it can constitute the heart of judicial dialectic. Since the decision of a judge is the result of a choice influenced by a surrounding socio-cultural environment, the existence of a consolidated standpoint constitutes a limit to the discretion of the Constitutional Court. It will have to evaluate the constitutional legitimacy of a law interpreted according to the standpoint of the Courts on the basis of living law. On the other hand, it represents a parameter, a value on which the relationship between a decision and the actual exercising of jurisdiction is founded.

The judge refers to foreign law in cases characterized by elements of internationalization or transnationalization with regard to the Italian system. A cross-reference to foreign law can be demanded as a result of adherence to an agreement governing uniform law; is a cultural choice made by the judge, a voluntary remittal and it is often determined by the need to increase the level of persuasion of the decision made. Furthermore, the subject of comparative law is often used as a tool to reinforce a final decision. The diffusion of a mixed law, both public and private, emerges, arising from the dismissal of public functions, the penetration of private law within public law in civil law systems, and the split between public and private law in the common law system. Particularly with regard to Community law, it is possible to see a process of “hybridization”, which is a direct and indirect influence (of the Community law) of the reception of foreign experiences. In this sense, the judicial decisions of the Court of Justice and of the European Court of Human Rights can be seen as “legal formants” which produce “law”, allowing foreign experience to enter the national system and, through the support of national living law, to be part of “consolidated law”.

Different agencies, such as the standardization commissions, technical regulating agencies and central banks have direct transactions which cut through State confines, meaning that the previous division between internal and external affairs is less clear in many areas; international treaties have been used to synchronize political-legal decisions, a way of increasing global, international, regional and socio-legal dynamics; but the most radical change concerns national hierarchies replaced by a combination of institutions and treaties in which case, inter-dependence is the most appropriate way to describe the relationship between States. The practical result of this attempt of coexistence of the two spheres (national and supranational) has not led to the disappearance of States, nor to the loss of their powers, but to the conviction that they will have to operate in a new way and that international cooperation plays an ever greater role in government institutions, characterized by new international orders, negotiations, competencies, conflict-resolving mechanisms, decentralization policies of international cooperation and growing flexibility. This process

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of denationalization has placed law and authority at a spread level among organizations operating at a supranational, transnational and international level, while nation-States are part of an interaction and a framework of “superior” dynamics. The recognition of the autonomy and authority of Community law, immediately applicable and obligatory in domestic legislation, shows the existence of a legal space, or rather a law not defined internally, and autonomous institutions, unbound from hierarchical relationships, in which order seems to simply coincide with the «pure effectiveness of the law»36.

CONCLuSIONSWriting and reading the Constitution should give an awareness of the

history of a State and its fundamental principles, (among which even political and legal conflicts represent an achievement), the structure and function of the text, and the institutions which apply the rules. The theme of revision of the Constitution is a central point in the analysis of the text and its relationship with time. On one hand, it is linked to a question of legitimacy and effectiveness of the regulations, given that it represents the process of written rules; it is also linked to the recognition of the authority of “pouvoir constituant” on which the whole legitimacy of the Constitution is based. To speak of the revision of the Constitution means to wonder about the existence of a set of rules and principles which make up a “genetic code”, unrelated to time, and representative of a structural limit for amending the constitutional text. The core is made up of “eternity clauses”, designed to protect the integrity of the constitutional system, the need for stability, certainty and constancy, and also a series of variables destined to change over time, adapting to the requirements of the cultural context. In other words, the foundation of the Constitution, its very framework, is shown to be not only necessary, essential and indivisible, a determining force for the safeguard of fundamental rights and for the recognition of the identity of the Constitution, but also dynamic. The actual scenario leads to a question: whether we are entering a third historical phase of the concept of sovereignty – the first being characterized by exclusive territorial control, the second by collective self-rule of a multitude through a constitution which constitutes them as a “We the people”, and the third by the re-conceptualization of the idea of collective self-rule as the capacity of a collective to interact with other communities and share with them the control of their life conditions on a global scale, irrespective of territorial boundaries37. This indefinite multiplication of sovereignties, where the law is fragmented into the “law of peculiarity”, the law of global market exchanges produces not only anti-states but also undemocratic effects.

36 N. IRTI, Norma e luoghi, cit., p. 75.37 U. PREUSS, Disconnecting Constitutions from Statehood: is Global Constitutionalism a Viable Concept? in

P. DOBNER; M. LOUGHLIN (eds.), The Twilight of Constitutionalism, Oxford, Oxford University Press, 2010, p. 39; Problems of a Concept of European Citizenship, in European L. Journal, 1995, p. 277 ss.

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Assunto Especial – Doutrina

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Direito Transnacional

Transnational Normative Orders: The Constitutionalism of Intra- and Trans-Normative Law

POuL F. KJAERDepartment of Business and Politics, Copenhagen Business School. I would like to thank the organizers and participants, especially Anna Beckers and Gunther Teubner, of the conference Societal Constitutionalism and Globalization, Torino, May 17‑19, 2012, for extremely useful and inspiring comments on an earlier version of this article.

ABSTRACT: No weakening, but rather an expansion, of statehood can be observed in the contemporary world. This does not, on the other hand, imply that extensive forms of constitutional ordering do not exist outside the realm of states. Instead, the evolution of world society has been characterized by a protracted dual movement where the expansion and densification of statehood and autonomous forms of transnational ordering gradually emerged in a mutually constitutive fashion. One implication of this is that neither the concept of the state nor the concept of nonstate transnational entities is adequately capable of delineating the object of constitutional analysis. Instead, the concept of normative orders has been introduced as an overarching category capable of identifying the contexts within which constitutional ordering emerges.Subsequently, a distinction between the internal and external dimensions of the law of normative orders has been introduced, specifying them as respectively oriented towards establishing internal condensation of a given normative order and external compatibility between different normative orders. With this background, a framework for the analysis of constitutional frameworks of normative orders developed. The central element is a distinction among three dimensions: First, a constitution implies a coupling between a constitutional object, in the form of a hierarchical organization of a given normative order capable of reproducing an autonomous source of authority, and a concordant legal framework. Second, constitutionalization implies a coupling between an internal reconstruction of an external constitutional subject within the constitutional object, and the register of legal rights, establishing a framework for exchanges between the constitutional object and the wider world as represented by the constitutional subject. Third, constitutionalism denotes the institutionalization of a double function, in the form of a principle‑based and legally fortified striving toward universal inclusion, providing a sense of direction in time through an articulated form of constitutional consciousness.The insights developed are briefly illustrated by the case of the global Fairtrade Certification System.

SUMMARY: Introduction; I – The expansion of limited statehood; II – The multiple layers of world society; III – The internal and external law of normative orders: condensation and transfer; IV – The reconfiguration of cognitive and normative structures of expectations; V – The double reflexivity of internal constitutions; VI – The double prestation of external constitutionalization; VII – The double function of constitutionalism between past and future; VIII – The example of the fairtrade certification system.

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INTRODuCTIONThe central function of nation-state law is to uphold normative

expectations1. In contrast, transnational law is primarily oriented toward establishing frameworks of transfer and mutual adaptation2. This function is, however, not only unfolded within interstate frameworks. Instead of transnational law, a broader category of law, which deals with transfers and adaptations between normative orders as such, has emerged. This type of law can also be understood as a specific form of transnormative law insofar as it is characterized by a relative structural supremacy of cognitive rather than normative structures of expectations due to its primary orientation toward the establishment of increased mutual adaptability among normative orders.

Existing perspectives tend to understand the relationship between the cognitive and normative dimensions of law on the basis of a zero-sum perspective, where more of one implies less of the other. The distinction between the cognitive and normative dimensions of law is, however, logically conditioned by the continued relevance of both dimensions. From a sociological perspective, the relation between the cognitive and normative dimensions of law are moreover characterized by a relationship of mutual increase where more of one implies more of the other. Instead of experiencing marginalization, normative-based legal communication has undergone a reconfiguration, which increasingly transforms the normative dimension into a strategic rather than tactical component. This, again, is the central reason for the emergence of constitutional semantics beyond the state in recent decades, insofar as constitutional structures are the framework through which a second-order normative stabilization of primarily cognitive-oriented legal processes is achieved.

This development has advanced the most in relation to social processes characterized by a primacy of functional differentiation and a reduced reliance on stratificatory and territorial forms of differentiation as internal forms of stabilization. In such settings, three-dimensional frameworks have emerged that rely on the concepts of constitutions, constitutionalization, and constitutionalism; and which serve as legal forms of the self-reflection, prestation (Leistung), and function-producing dimensions of social processes. Constitutions are here understood as internal forms of ordering which are oriented toward the establishment of a hierarchy of norms; constitutionalization as the process through which exchanges and transfers between social entities

1 NIKLAS LUHMANN, DAS RECHT DER GESELLSCHAFT [LAW AS A SOCIAL SYSTEM] 124 (Suhrkamp Verlag 1993) (Ger.) (discussing law as a social system).

2 See generally Marc Amstutz & Vaios Karavas, Weltrecht: Ein Derridasches Monster [Global Law: Derridasches Monster], in SOZIOLOGISCHE JURISPRUDENZ: FESTSCHRIFT FÜR GÜNTHER TEUBNER ZUM 75. GEBURTSTAG 645 [SOCIOLOGICAL JURISPRUDENCE. COMMEMORATIVE PUBLICATION FOR GÜNTHER TEUBNER’S 75TH BIRTHDAY] (Gralf-Peter Callies et al. eds. 2009) (Ger.) (developing a specific t heory of world law).

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and their environments are legally stabilized; and constitutionalism as a specific legal form through which the unity of past and future are established. The transnational framework for fair-trade labeling illustrates these insights.

I – ThE EXPANSION Of LIMITED STATEhOODMost perspectives on constitutionalism in the global realm explicitly

or implicitly depart from the assumption that a weakening of statehood can be observed and that this development is one of the primary courses for the emergence of constitutionalism beyond the state3. This perspective, in several ways, reflects a crude and simplified understanding of statehood. From a purely numerical perspective, the number of states has continued to expand rapidly throughout the last two centuries, particularly throughout the last fifty years. Furthermore, in terms of its reach, the phenomenon of statehood has gained a global status only very recently, namely in the wake of the decolonization processes of the mid-twentieth century4. Thus, when observed from a long-term historical perspective, an unprecedented quantitative expansion in statehood has taken place in recent history. But also, statehood has continued expanding qualitatively. If one characterizes a “strong state” as based on a formal and operational distinction between the state and other segments of society, a fairly stable institutional setup, and an extensive though not necessarily exclusive capability to deploy political power in a generalized manner throughout its territory, then it is possible to argue that a larger part of the planet is characterized by strong statehood today than in any previous historical period5.

But the expansion of statehood does not imply that the state-centrist society, which scholars – such as Dieter Grimm6 and Martin Loughlin7 – refer to, is alive and well. A sober historical sociological perspective reveals that the state-centric society – where all social operations within a given territory are succumbed to the supremacy of the state while at the same time this state-based society remains clearly demarcated from other societies – has in fact

3 See generally JAN KLABBERS, ANNE PETERS & GEIR ULFSTEIN, THE CONSTITUTIONALIZATION OF INTERNATIONAL LAW (2009) (discussing and debating t he specialization and fragmentation that occurs in international law).

4 Rudolf Stichweh, Dimensionen des Weltstaats im System der Weltpolitik [Dimensions of the World State within the System of World Politics], in WELTSTAAT UND WELTSTAATLICHKEIT: BEOBACHTUNGEN GLOBALER POLITISCHER STRUKTURBILDUNG [WORLD STATE AND WORLD STATEHOOD: OBSERVATIONS OF GLOBAL POLITICAL STRUCTURAL DEVELOPMENT] 25 (Mathias Albert & Rudolf Stichweh eds. 2007) (Ger.) (arguing that every political communication is embedded in a system of world politics and discussing the question of whether this system constitutes a world state).

5 See Poul F. Kjaer, The Concept of the Political in the Concept of Transnational Constitutionalism: A Sociological Perspective, in AFTER GLOBALIZATION – NEW PATTERNS OF CONFLICT AND THEIR SOCIOLOGICAL AND LEGAL RECONSTRUCTION 285 (Christian Jorges & Tommi Ralli eds., 2011), available at http://ssrn.com/abstract=1870003 (last visited Nov. 25, 2012).

6 See Dieter Grimm, The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World, in THE TWILIGHT OF CONSTITUTIONALISM? 3, 3-4 (Petra Dobner & Martin Loughlin eds., 2010).

7 See Von Martin Loughlin, In Defence of Staatslehre, 48 DER STAAT 1, 1 (2009).

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never existed. The state, understood as a distinct political entity, has always been faced with competition from extensive forms of ordering outside the state. For example, as Chris Thornhill argued, the German state was unable to deploy its power throughout its territory in an unquestioned manner until sometime in the mid-twentieth century, after the nobility-based forms of private ordering finally collapsed in the wake of National Socialism and the Second World War8. In a similar manner, it might be argued, the U.S. federal government did not gain unquestioned authority in the southern United States before sometime in the mid-twentieth century, because until this point federal power was continuously challenged by localistic counter movements. Furthermore, in places such as southern Italy, southeastern Turkey, and the Basque Country, similar counter movements continue to be vibrant today, just as the strong presence of localistic power structures remains the norm in most parts of Africa, Asia, and Latin America thereby creating a basis for legal pluralism9. Thus, the vast majority of the world has not yet been subject to a successful Hegelian codification of society in its entirety by the state. Instead, the state acts only as a thin veneer covering up very persistent private and local forms of social ordering, which operate beneath the state.

However, what is more important than this legal pluralist insight is that modern statehood has always been linked to the reproduction of a limited num-ber of quite specific social functions. So even though a larger part of the globe is gradually characterized by a modern type of statehood, in which a limited, but generalized form of political power is deployed throughout a territorial terrain, this does not mean that all social operations within the territory in question auto-matically succumbed to political power. Political power remains fundamentally incapable of defining or controlling, for example, religious beliefs, the beauty of art, the value of news, or scientific truths. Political supremacy exists only in relation to the specific, albeit very fundamental, social functions of political power, such as the legitimate exercise of physical violence10. One consequence of this is, as Gunther Teubner observed, that even the totalitarian regimes of the twentieth century did not manage to eradicate the existence of independent sources of social meaning (Sinn) within realms, such as art, science, religion, and economy, but the regimes merely suppressed these spheres of society and forced them into an underground existence11. Another consequence of the struc-tural limitation inherent to modern political power is that the idea of “radical democracy” remains a fata morgana, because the kind of democratic decision-

8 See CHRIS THORNHILL, A SOCIOLOGY OF CONSTITUTIONS: CONSTITUTIONS AND STATE LEGITIMACY IN HISTORICAL-SOCIOLOGICAL PERSPECTIVE 339 (2011).

9 For the notion of legal pluralism, see Brian Z. Tamanaha, Understanding Legal Pluralism Past to Present, Local to Global, 29 SYDNEY L. REV. (2007).

10 For an extensive analysis, see THORNHILL, supra note 8.11 See GUNTHER TEUBNER, CONSTITUTIONAL FRAGMENTS: SOCIETAL CONSTITUTIONALISM AND

GLOBALIZATION 21-24 (2012).

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-making which has emerged in nation-states is an institutional form intrinsically linked to the particularities of the medium of political power12.

II – ThE MuLTIPLE LAyERS Of WORLD SOCIETyWhen the diagnosis of statehood, as an expanding but nonetheless

limited form of political ordering, is linked to the issue of globalization, it becomes evident that one cannot and should not see statehood and the existence of extensive forms of transnational social ordering as related to each other on the basis of a zero-sum game. On the contrary, the two dimensions of world society are engaged in a relationship of mutual increase. Whereas the globalization discourse is based on the assumption of a radical increase in the importance and centrality of transnational forms of social ordering13, a historical perspective reveals that national and transnational forms of ordering emerged hand in hand14. The first modern public and private international organizations appeared in the early nineteenth century at a time when only a handful of modern states, covering an extremely limited part of the global territory, existed. Thus, the radical expansion in the density of modern forms of transnational ordering over the past two hundred years unfolded hand in hand with the equally radical expansion in statehood. In both cases, the most intensive expansions further took place in the last fifty years, thereby underlining the mutually constitutiveness of the two forms of ordering even further. Thus, no inherent contradiction exists between statehood and transnational ordering. On the contrary, the two phenomena have emerged in a double movement, which implied a gradual globalization of statehood as well as a gradual replacement of the colonialist form of transnationality, characterized by a strong reliance on center/periphery differentiation, with the kind of functionally differentiated regimes that make up the central form of transnational ordering today15. In short, national and transnational forms of ordering have kept expanding their reach in a mutually constitutive way, at the same time as the depth of their expansion remains far more limited than typically assumed due to the continued existence and vibrancy of localistic forms of social ordering, which operate “beneath” state-based and transnational sites of ordering.

It follows that the system theoretical concept of world society, which advances the idea that only one society exists and that this society mainly is characterized by horizontal relations between function systems such as

12 Poul Kjaer, Law and Order Within and Beyond National Configurations, in THE FINANCIAL CRISIS IN CONSTITUTIONAL PERSPECTIVE: THE DARK SIDE OF FUNCTIONAL DIFFERENTIATION 395 (Poul F. Kjaer, Gunther Teubner & Alberto Febbrajo eds., 2011).

13 See Kjaer, supra note 5, at 285.14 Id.15 See Mathias Albert & Barry Buzan, Securitization, Sectors and Functional Differentiation, 42 SECURITY

DIALOGUE 413, 423 (2011).

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politics, law, religion, economy and art, is inadequate because it does not sufficiently acknowledge the independent value of the vertical dimension of structure formation in world society as reflected in the fundamentally different organizational principles and logics characterizing local, national, and transnational forms of social ordering in the global realm. A systematic two-dimensional perspective taking both vertical and horizontal structures into account, however, implies that transnational and national structures cannot be considered functional equivalents possessing a quality that makes them mutually substitutable16. Rather than a globalization of already existing societal regimes, which so far were embedded in national contexts, transnational regimes constitute a different kind of regimes that fulfill quite different societal functions. This is also reflected in their different origins. The complex constitutional conglomerates, which in everyday language are described as nation-states, grew gradually, through a metamorphosis, out of the already existing feudal orders17. Present day transnational regimes, on the other hand, primarily emerged from within the colonial form of transnational ordering18, through the reconfiguration of transnational processes of structure formation, away from reliance on center/periphery differentiation, and toward an increased reliance on functional differentiation as their central organizational principle.

III – ThE INTERNAL AND EXTERNAL LAW Of NORMATIVE ORDERS: CONDENSATION AND TRANSfERThe term “transnational” is, however, problematic because it reflects

the state-centered bias of our conceptual apparatus. It is a purely negatively defined term, which merely refers to a “nonstate” structure with a spatial reach extending beyond state borders19. In praxis the term, therefore, implies that the concept of (nation) states is upheld as the central object of analysis. This has led proponents of transnational law to argue that society and not the state should be considered the central source of law creation20. Although true in principle, the concept of society, however, remains too broad and underdetermined to serve as the principle unit of analysis. Therefore, a more adequate object of analysis is normative orders. Normative orders – such as tribes, clans, states, organizations, regimes, and networks – are located within all three layers of world society and share an ability to generate independent sources of meaning (Sinn) through the reproduction of external boundaries on the basis of inclusion/exclusion

16 Amstutz & Karavas, supra note 2, at 652-53.17 Kjaer, supra note 5, at 285.18 See generally MARTTI KOSKENNIEMI, FROM APOLOGY TO UTOPIA: THE STRUCTURE OF INTERNATIONAL

LEGAL ARGUMENT (Cambridge Univ. Press 2005) (1989) (discussing “the assumptions which control modern discourse about international law”).

19 See generally PHILLIP C. JESSUP, TRANSNATIONAL LAW (1956).20 Peer Zumbansen, Law and Legal Pluralism: Hybridity in Transnational Governance, in REGULATORY

HYBRIDIZATION IN THE TRANSNATIONAL SPHERE (Paulius Jurčys, Poul F. Kjaer & Ren Yurakami eds., 2013).

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mechanisms. Internally normative orders are furthermore characterized by a striving toward establishing a coherent arrangement of rules, reflecting specific structures of expectations (Erwartungsstrukturen)21, which are linked to the deployment of legal sanctions as a means of establishing compliance with these expectations. Or differently put, the condition for a social structure to become a normative order is that it gains a generalized legal form.

Rather than the far too narrow categories of national and transnational law (the latter sometimes described as international, global, or world law), it is fruitful to introduce a distinction between the internal and external dimensions of the law of normative orders. In the still maturing discourse on transnational, global, and world law, these forms of law are often considered to be functional equivalents to nation-state law in the sense that the two forms of law are considered to fulfill identical societal functions and thus to be mutually substitutable22. The distinction between the internal and external law of normative orders, however, provide a basis for a different view23. Indeed, both dimensions of law refer to the same internal symbol of validity (Geltungsymbol) – namely, the code law and nonlaw – which serves as the central propeller of reflexivity through which the self-preservation of law is ensured. In a similar vein, the prestation (Leistung) that the internal and external dimensions of the law of normative orders produce vis-à-vis other partial segments of world society remains the same insofar as both dimensions are oriented toward the handling of social conflicts occurring in other partial segments of society. The fundamental, and very decisive, difference between the internal and external law of normative orders can be found in relation to their respective functions vis-à-vis world society in its entirety. The primary function of the internal dimension is to ensure a positive condensation, accomplished through reiteration24 of the normative order in question, through the establishment of a general convergence of the time structures reproduced by that order (Gesamtgesellschaftlicher Zeitausgleich)25. Somewhat relativizing the Luhmannian world society thesis, this means that normative orders in their internal setup can be understood as societies insofar as “the most general

21 Robert N. Ross, Ellipsis and the Structure of Expectation, in 1 SAN JOSE OCCASIONAL PAPERS IN LINGUISTICS (1975), available at http://www.eric.ed.gov/PDFS/ ED136558.pdf (requiring access to www.eric.ed.gov).

22 For a critique of this perspective, see Amstutz & Karavas, supra note 2, at 645.23 For more on this point see: Poul F. Kjaer: Law of the Worlds – Towards an Inter-Systemic Theory, in RECHT

ZWISCHEN DOGMATIK UND THEORIE. MARC AMSTUTZ ZUM 50. GEBURTSTAG 159 [LAW INBETWEEN DOGMATISM AND THEORY. FOR MARC AMSTUTZ’S 50TH BIRTHDAY] (Stefan Keller & Stefan Wipraechtiger eds., 2012) (Ger.); Poul F. Kjaer, The Political Foundations of Conflicts Law, 2 TRANSNATIONAL LEGAL THEORY 227 (2011).

24 See Poul Kjaer, Systems in Context: On the Outcome of the Habermas/Luhmann-Debate, Sept. 2006 ANCILLA IURIS 66, 70.

25 NIKLAS LUHMANN, DAS RECHT DER GESELLSCHAFT [LAW OF THE COMMUNITY] 427 (Suhrkamp Verlag 1993) (Ger.).

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function of a societal community is to articulate a system of norms with a collective organization that has unity and cohesiveness”26.

The function of the external law of normative orders is the direct opposite. Instead of condensation, its function is to facilitate the transfer of compressed social components (Sinnkomponente), such as economic products and capital, scientific knowledge, religious beliefs, political decisions, and educational competences, between different legally condensed normative orders. As is also apparent in Christian Joerges’s conflict laws approach within the context of European Union law27, and Marc Amstutz’s world law theory, using the private law example of Corporate Social Responsibility28, the external law of normative orders is essentially oriented toward establishing compatibility between different legally condensed normative orders. Expressed differently, although both the internal and the external dimensions of the law of normative orders produce elements of positive and negative integration, both forms are characterized by a fundamental structural asymmetry insofar as the inner law of normative orders has a built-in bias in favor of positive integration through condensation and the external law a bias in favor of negative integration through the facilitation of transfer29.

Not surprisingly, ideologically inclined participants in the ongoing academic debate on the globalization of law and constitutional ordering tend to analyze the implications of the distinction between internal and external dimensions of normative orders as a difference between republican and liberal perspectives30. Going beyond such indulgence in semantics, which merely scratches on the surface of the social, the fundamentally different functions of the internal and external dimensions of the law of normative orders provide an explanation of the mutual constitutiveness between national and transnational forms of ordering in world society. Increased internal condensation of a normative order implies the fortification of its boundaries through the activation of exclusion mechanisms31. But far more decisive is that the effective maintenance of boundaries always implies adaptation to the environment in which such boundaries are made. A central insight of systems theory is, therefore, that increased closure of a social entity is the condition for increased openness and

26 TALCOTT PARSONS, THE SYSTEM OF MODERN SOCIETIES 11 (1971).27 See, e.g., Christian Joerges, Poul F. Kjaer & Tommi Ralli, A New Type of Conflicts Law as Constitutional form

in the Postnational Constellation, 2 TRANSNAT’L LEGAL THEORY 153 (2011).28 Amstutz & Karavas, supra note 2, at 657.29 For an illustration of this in relation to “Social Europe,” see Christian Joerges, Rechtsstaat and Social Europe:

How a Classical Tension Resurfaces in the European Integration Process, 9 COMP. SOC. 65 (2010).30 See, e.g., Fritz W. Scharpf, Legitimacy in the Multi-level European Polity, in THE TWILIGHT OF CON

STITUTIONALISM? 89 (Petra Dobner & Martin Loughlin eds., 2010) (“develop[ing] a t heoretical framework which distinguishes between the sources for legitimation in European politics [...] and t he exercise of public authority.”).

31 NIKLAS LUHMANN, SOZIALE SYSTEME. GRUNDRIß EINER ALLGEMEINEN THEORIE [SOCIAL SYSTEMS: LAYOUT OF A GENERAL THEORY] 593 (Suhrkamp, 1984) (Ger.).

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vice versa32. Or differentially expressed, increased condensation is conditioned by increased possibility of transfer. For example, the conversion of early modern England and the Netherlands into the first modern states was closely linked to them being comparatively open economies, just as the gradual strengthening of these states was structurally related to their embeddedness in extensive forms of private law-based transnational ordering through colonialism33. In the same manner, the most modern states today, such as those located in North America and northwestern Europe, remain the states with the most open economics and the highest level of embeddedness in transnational frameworks, such as the quasi-imperial alliance system of the United States and the European Union. Furthermore – and rather counterintuitively – a strong correlation seems to exist between the (economic) openness of a state and the size of its public sector. The more open the economy is, the larger the public sector tends to be, because increased openness implies increased volatility, thereby creating a functional need for the introduction of stabilizing mechanisms34.

IV – ThE RECONfIGuRATION Of COGNITIVE AND NORMATIVE STRuCTuRES Of EXPECTATIONSThe fundamentally different functions of the internal and external law

of normative orders, as expressed in their respective orientations toward condensation and transfer, are also reflected in the structure of expectations that the two forms of law rely on. As mentioned, systems theory advances the insight that only one society – namely, world society – exists35. Furthermore, the increasingly globalized structures of world society are characterized by an increased reliance on cognitive-based structures of expectations, understood as expectations subject to revision in case of disappointment, and by a diminished reliance on normative-based structures of expectations, understood as expectations upheld in spite of disappointment36. This dislocation is seen as linked to a relative increase in the centrality of social processes with a strong cognitive component, such as those related to science, technology, and economy, and to a concordant relative decline in the relevance of social processes with a strong normative component, such as those related to politics, morality, religion, and law in the global realm37.

32 Id.33 See generally Martti Koskenniemi, Empire and International Law: The Real Spanish Contribution, 61 U.

TORONTO L. J. 1 (2011) (discussing development of private rights from Spanish origins).34 See generally Torben M. Andersen & Tryggvi Thor Herbertsson, Measuring Globalization (Institute for Study

of Labor (IZA), Discussion Paper 817, 2003) (Ger.) (using multifactor analysis to measure t he openness of a country).

35 Niklas Luhmann, Die Weltgesellschaft, in SOZIOLOGISCHE AUFKLÄRUNG, BAND 2: AUFSÄTZE ZUR THEORIE DER GESELLSCHAFT [SOCIOLOGICAL ENLIGHTENMENT, VOLUME 2: ESSAYS ON THEORY OF SOCIETY] 63 (2005) (1970) (Ger.).

36 Id. at 68.37 Id.

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This perspective, however, falls too short and goes too far at the same time. It falls too short because, as also reflected in the emergence of Managerialism38 at the transnational level, it is difficult to argue that a relative decline in the relevance of political and legal forms of communication can be observed. Rather, it is possible to observe a far more profound transformation in the very nature of such previously normative-based forms of communication. From the Open Method of Coordination, to corporate social responsibility measures and science-based risk regulation, it is possible to observe the emergence of novel forms of political and legal regulation with a strong cognitive component at the transnational level. This development is, of course, not limited to the transnational sphere, but is rather a far more profound development that also can be observed within the nation-state level of world society39. But due to the strong reliance on functional differentiation at the transnational level of world society, rather than the kind of territorial differentiation that remains a strong feature at the nation-state level, inclusion/exclusion processes unfold in a far more dynamic manner, which leads to systemic uncertainty concerning who is included and who is excluded. Thus, a structural pressure for far more flexible frameworks and, thereby, for a move toward an increased reliance on cognitive-based frameworks can be observed within transnational structures.

In spite of the deep-seated transformation of the core fabric of law and politics through increased cognitivization, the system theoretical perspective on the relationship between cognitive and normative expectations is nonetheless problematic. That is the case because it frames the relation as a zero-sum game. Not only is the existence of one of the two dimensions logically conditioned by the existence of the other40, but the two sides of the distinction are mutually constitutive in the sense that they are the product of coevolutionary developments, where increased vibrancy of one dimension is conditioned by an increased vibrancy of the other dimension. Rather than a reduction in normative-based communication, a reconfiguration can be observed, which implies an increased cognitivization at the operational level – that is, at the level of tactics rather than strategy, at the level of method rather than theory, and at the level of policy rather than politics – while normative-based communication increasingly takes up a strategic role. For instance, the social phenomenon of morality – one of the prime examples of normatively based communication – has undergone a massive transformation in the wake of increased functional differentiation. It has

38 Marrti Koskenniemi, Miserable Comforters: International Relations as New Natural Law, 15 EUROPEAN J. OF INT’L RELATIONS 3, 395 (2009).

39 See Ino Augsberg, Observing (the) Law: The “Epistemological Turn” in Public Law and the Evolution of Global Administrative Law, 11 in REGULATORY HYBRIDIZATION IN THE TRANSNATIONAL SPHERE (Paulius Jurčys, Poul F. Kjaer & Ren Yatsunami eds., 2013).

40 See Moritz Renner, Death by Complexity – The Financial Crisis and the Crisis of Law in World Society, in THE FINANCIAL CRISIS IN CONSTITUTIONAL PERSPECTIVE: THE DARK SIDE OF FUNCTIONAL DIFFERENTIATION, supra note 12, at 93, 98.

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pulled back and ceded its role as the initiator and medium of the “community terror of village life” (“Gemeinschaftsterror des dörflichen Zusammenlebens”)41 and has become a far more reflexive form of communication. In its most modern form, morality merely fulfills an alarm function, reproduced along the boundaries of social systems that are activated in two instances42. The first instance is related to integrity preservation: When a social system sees itself as being the victim of asymmetries, crowding-out effects and colonizing tendencies emerging from its environment in the form of, for example, doping, corruption, prostitution, or pollution, that threaten the coherency of the system. In such cases, modern forms of moral communication fulfill the function of raising awareness when societal crisis emerge through processes of coalescence and boundary dissolution43.The second instance is specific for function systems and is expansionist in nature. Within function systems, in contrast to organization and interaction systems, logics of “complete inclusion” (Vollinklusion) through a coupling of all humans with specific social roles (producing or audience roles) that correspond to the system in question can be observed44. Missionary religions seek to convert all humans worldwide into believers, the capitalist economy seeks to transform all humans into producers and consumers, and the human rights agenda is oriented toward a formal and factual inclusion of all humans under the umbrella of human rights. But as long as such striving remains contrafactual, rather than factual, through the exclusion of a significant number of individuals, moral communication tends to emerge45. Moral communication in this instance fulfills the function of pointing to an “untapped potential,” which can be a source of further expansion of the system in question.

In a similar fashion, the retreat of politics from hands-on control over large segments of society in recent decades implies a reconfiguration of the political, rather than a diminished impact of political forms of communication. As the Foucaultians teach us, the emergence of more refined, indirect, and thus, in their abstraction, less visible ways of exercising power through new public management and through other strongly cognitivized forms of policy-making reinforces the scope for exercising power. It therefore remains impossible to claim that strongly cognitivized regulatory processes, for example, within areas as different as trade, health, food safety, or the Internet, are becoming increasingly depoliticized, since they are all bound up on the realization of

41 NIKLAS LUHMANN, DIE GESELLSCHAFT DER GESELLSCHAFT [THE COMMUNITY OF THE COMMUNITY] 813 (Suhrkamp 1997) (Ger.).

42 Id.43 See generally Marc Amstutz, Eroding Boundaries: On Financial Crisis and an Evolutionary Concept of

Regulatory Reform, in THE FINANCIAL CRISIS IN CONSTITUTIONAL PERSPECTIVE: THE DARK SIDE OF FUNCTIONAL DIFFERENTIATION, supra note 12, at 223 (discussing the dynamics in the dissolution of the financial system’s boundaries as well as impacts on other aspects of society).

44 RUDOLF STICHWEH, INKLUSION UND EKLUSION. STUDIEN ZUR GESELLSCHAFTSTHEORIE [INCLUSION AND EXCLUSION. STUDIES ON SOCIAL THEORY] 13 (Transcript, 2005) (Ger.).

45 Id.

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internally defined normative and essentially political visions concerning the establishment of nondiscriminatory free trade, access to health, appropriate levels of food security, and access to Internet-based communication on a worldwide basis.

It follows from the above that the constitutive distinction of normative orders is the doubling of reality (Realitätsverdopplung) between facticity and normativity as expressed in the distinction between the factual existing order and the internally reproduced, and equally real, idea concerning how the order in question ought to look like. As all social phenomena are process-based, this distinction is, however, of a dynamic nature. Normative visions also change over time; they only do so at a slower pace than the actually unfolding, and increasingly cognitivized, social operations of a given order. A time gap exists between the two dimensions and bridging this gap is the central function of law in both its internal and external variants. The upholding of normative expectations through condensation, dominant at the nation-state level, as well as the increased possibility of transfer through the initiation of cognitive-based learning processes, particularly observable at the transnational level of world society, merely remain two different strategies for fulfilling this function. As we will return to in due course, establishing the unity between the two dimensions is, furthermore, the central function of constitutionalism.

V – ThE DOuBLE REfLEXIVITy Of INTERNAL CONSTITuTIONSConstitutions are commonly understood as frames with a quasi-

transcendental character, as also expressed in the semantics of body politics in early modernity46. If constitutions fulfilled the function of framing normative orders in their entirety, it would be possible to maintain such a perspective. That is, however, not the case since the constitutional object, throughout modern history, has been the formal organizations of normative orders rather than the normative orders themselves. This fundamental distinction has typically been disregarded within constitutional scholarship. For example, those who maintain that states are the only proper constitutional objects rely on an under-complex understanding of statehood, in which the state is equaled to a given normative order or society, in its entirety. As has been clear since Hegel’s introduction of the state/society distinction, a state is, however, a specific form of formal organization among others, or more correctly, a loosely coupled conglomerate of several organizations, which exists only as long as it is formally and operationally separated from the other segments of society47. The constitution of

46 ERNST H. KANTOROWICZ, THE KING’S TWO BODIES: A STUDY IN MEDIAEVAL POLITICAL THEOLOGY (1957).

47 Niklas Luhm ann, Die Unterscheidung von Staat und Gesellschaft, in SOZIOLOGISCHE AUFKLÄRUNG, BAND 4: BEITRÄGE ZUR FUNKTIONALEN DIFFERENZIERUNG DER GESSELLSCHAFT [SOCIOLOGICAL ENLIGHTENMENT, VOLUME 4: ESSAYS ON THE FUNCTIONAL DIFFERENTIATION OF SOCIETY ] 67 (1987) (Ger.).

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the state is, therefore, not the constitution of a normative order in its entirety, but of a specific organizational conglomerate.

One implication that follows from the insight that the constitutional object is not the state, but rather formal organizations, is that the range of constitutional objects is far broader than typically assumed. This is also underlined by the historical evolution of modern forms of formal organization, since the basic organizational features of states were originally developed within the framework of the Catholic Church and only subsequently adopted by the emerging modern states48. In a similar manner, modern firms and other private organizations relied on the modern state as the role model, from which they adopted their basic features49, thereby opening up a conceptual horizon that makes it possible to imagine quite a radical expansion in the sort of organizations which can be observed through a constitutional lens.

A third implication is that the culturalist version of legal pluralism misses a fundamental point when leaving out the organizational perspective. Whereas the state centrist argument, concerning constitutions being specific to modern states, falls too short, its insight concerning the specific modern character of constitutions is fundamentally true, as also expressed in the intrinsic link between modern formal organizations and the emergence of constitutions. Thus, whereas modern statehood and transnational forms of ordering are coevolutionary phenomena – because they rely on the same form of modern formal organization – they are both engaged in a zero-sum relation vis-à-vis the kind of “pre-modern” and “culturalist” entities, such as tribes, clans, and nobility networks operating “beneath” both the state and transnational orders, which are gradually being marginalized as a result of the conversion of society into a modern “organizational society” (Organisationsgesellschaft).

In the wake of Hegel50 and Weber51, a number of core features of organizations can be pinned out:

First: Formalized exclusion and inclusion mechanisms on the basis of membership enabling the establishment of boundaries between an organization and its environment. Such membership is further divided between primary (Leistungsrollen) and secondary roles (Publikumsrollen).

48 Kantorowicz, supra note 46.49 See generally Poul F. Kjaer, Post-Hegelian Networks: Comments on the Chapter by Simon Deakin, in

NETWORKS: LEGAL ISSUES OF MULTILATERAL CO-OPERATION 75 (Marc Amstutz & Gunther Teubner eds., 2009) (using the metaphor of a guild to examine emerging structures in “the so-called network society”).

50 Georg W. F. Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts. Oder Naturrecht und Staatswissenschaft im Grundrisse [Base Lines of the Philosophy of Law. Or Natural Law and Political Science in Outline], in WERKE IN 20 BÄNDEN MIT REGISTERBAND, BAND 7 [WORKS IN 20 VOLUMES WITH INDEX VOLUME, VOLUME 7] § 277 (Suhrkamp, 1986) (1821) (Ger.).

51 Max Weber, Bureaucracy, in FROM MAX WEBER: ESSAYS IN SOCIOLOGY 196 (H. H. Gerth & C. Wright Mills eds. & trans., 1991) (1946).

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Second: Formalized competences and procedures of decision-making enabling a continued production of decisions, which apply to all members, with one decision recursively emerging from earlier decisions.

Third: A reliance on dual organizational and legal hierarchies as the form through which decisions are taken and transposed to the members.

Fourth: The existence of a formalized locus of authority that acts as a vehicle for producing acceptance of the decisions produced.

To the extent that all of these features are in place, it becomes possible to speak of organizations as specific forms of autonomous ordering in the sense that they become self-contained structures producing decisions in a recursive manner, where one decision refers to earlier decisions through reference to an internal source of authority. As such, organizations first exist in a mature form when they become self-reflexive in the sense that the production of decisions becomes an internal process that unfolds over time.

A linkage to an external dimension, however, remains a condition insofar as it is possible to speak of organizations as formal organizations only if they are legally structured. Organizations only become formal organizations through a linkage with a legal framework because concordance with a coherent legal framework is the form through which the four dimensions mentioned above are structurally linked and coherency is established. As Teubner argued, formal organization implies a specific form of double reflexivity in the sense that the perspective of the organization in question and a legal perspective are coupled together52. Thus, the social process reproduced by a given organization is simultaneously being mirrored in a concordant legal perspective. Or differently expressed, organizational hierarchy is mirrored in a correspondent hierarchy of legal norms.

The structural condition for the emergence of double reflexivity is, however, as indicated under point three and four above, the internal existence of hierarchy and autonomous sources of authority that can serve as a basis for collectively binding decision-making. Thus, without the existence of a political infrastructure within a given social structure, there is no basis for a stable institutionalization of double reflexivity. The Court of Arbitration for Sport can only engage in a mode of double reflexivity as long as a political counterpart exists in the form of the International Olympic Committee. Likewise, the World Trade Organization (WTO) Panel and Appellate Bodies can only establish links possessing the quality of double reflexivity through a linkage to the political dimension of the WTO in the form of the Ministerial Conference, the General

52 Gunt her Teubner, A Constitutional Moment? The Logics of ‘Hitting the Bottom’, in THE FINANCIAL CRISIS IN CONSTITUTIONAL PERSPECTIVE: THE DARK SIDE OF FUNCTIONAL DIFFERENTIATION, supra note 12, at 3, 25.

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Council, and so forth. This form of double reflexivity can, as done by Moritz Renner, be understood as a triangular structural coupling between the legal and political systems and given focal social process53. This perspective implies a welcome break with system theoretical orthodoxy, since systems theory in its present form can operate only with binary relations. A break with the binary perspective not only implies a substantially different societal diagnosis than the one presented by orthodox systems theory, but also implies that one has to pursue a radical remodulation of the theory in its entirety. An alternative to the triangular perspective emerges through the distinction between primary and secondary forms of the political system54. The distinction is between, on the one hand, couplings of law and processes that are primarily political, such as those unfolding within states and public transnational bodies such as the European Union, the United Nations, and the World Trade Organization, and, on the other hand, couplings between the legal system and private social processes where political decision-making structures have emerged internally55. The latter form can be observed within private entities, such as trade associations, private regulatory bodies, and NGOs, and can be described as a form of “secondary politics”. Secondary politics describe such structures primarily because they consider themselves related to the substantial function they exercise – for example, economy, sports, health, or religion – at the same time as their striving toward a stabilization of such processes gives them an additional political dimension.

In sum, constitutions can be understood as institutions which, in their political function, frame the body of rules and norms that establish the formal structure, decisional competences, and a hierarchically based locus of authority within an organizational structure; at the same time, they, in their legal function, lay down principles for the structuring of conflicts between norms within such an entity. Constitutions are in this sense laying down the enabling and the limitative rules guiding formal organizations. Thus, it is, in principle, possible to claim that constitutions exist in all cases where both a legal and a nonlegal social structure are bound together within the framework of a formal organization, thereby establishing a particular form of double self-constitution that ensures concordance between a legal and nonlegal perspective. Not just states, but in principle all formal organizations, including those operating in the transnational sphere, can be the object of a constitution56.

53 See Moritz Renner, Occupy the System! Societal Constitutionalism in Transnational Corporate Accounting, 20 IND J. GLOBAL LEGAL STUD. 941 (2013).

54 See TEUBNER, supra note 11, at 114.55 For more on this point see Kjaer, supra note 12, at 395, 425.56 See Hauke Brunkhorst, Constitutionalism and Democracy in the World Society, in THE TWILIGHT OF

CONSTITUTIONALISM?, supra note 6, at 179, 197.

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VI – ThE DOuBLE PRESTATION Of EXTERNAL CONSTITuTIONALIzATIONIn the above section, constitutions are treated as an internal feature of

formal organizations, in the sense that a linkage with law enables a condensation of authority through the establishment of legal and organizational hierarchy. But like all other types of social systems, organizations only come into existence through a demarcation and maintenance of boundaries to their respective social environments57. The establishment of coherency through the development of a consistent set of internal norms is conditioned by the maintenance of such boundaries. At the same time organizations, like all other types of social systems, intersect with other social structures in their social environment. Besides handling the functional need of internal preservation of coherency, as outlined in the previous section, the establishment of external connectability is the most central function of constitutions. Constitutions, in their external dimension, delineate the segment of their social environments that organizations, or conglomerates of organizations, take account of. Constitutions establish “internal environments” in the sense that they internally construct an abstract medium that fulfills a dual role: First, the transposition of compressed social components, such as political decisions, economic capital and products, scientific knowledge, and religious promises of salvation that a given organization produces into the wider society. Second, the channeling and incorporation of compressed social components produced elsewhere in society into a given organization. The praxis of fulfilling this dual function is what is being described with the term constitutionalization58, insofar as this term denotes the process of stabilizing the exchanges between a given formal organization and the rest of society. Thus, returning to classical constitutional vocabulary, constitutionalization can also be understood as the internal process through which a formal organization delineates a constitutional subject59. A subject that not only provides a mirror image of the organization’s social environment, but also serves as the medium for the transposition of compressed social components to and from the social environment of a given organization.

The classical example of such an internal environment is the legally constructed “nation” or “people” emerging within the political system in the state form. The construction of a nation – understood as an abstract and generalized form, as opposed to the sum of individuals within a given territory – is made to delineate the segment of its social environment of which a given political system observes and takes account in its decision-making. For example, the

57 NIKLAS LUHMANN, DIE GESELLSCHAFT DER GESELLSCHAFT [THE COMMUNITY OF THE COMMUNITY] 826 (Suhrkamp 1997) (Ger.).

58 See Martin Loughlin, What is Constitutionalisation?, in THE TWILIGHT OF CONSTITUTIONALISM?, supra note 6, at 47, 60.

59 For this perspective, see also Christopher Thornhill, A Sociology of Constituent Power: The Political Code of Transnational Societal Constitutions, 20 IND. J. GLOBAL LEGAL STUD. 551 (2013).

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United States Congress is only obliged to account of the effects that its decision-making has on the American nation, but not the effects on the Canadian or the Mexican nations. More concretely, the concept of the nation serves as a medium through which decisions are transposed into the wider society. On the other hand, the nation is also a form through which perspectives emerging from the environment are transferred into the political system. In order for this to happen, an operationalization of the nation, through the construction of social roles and specific structures of expectation, is necessary. This takes two different forms: First, an operationalization occurs through a stabilization and formalization of relations to other organizational structures since relations are formalized through institutionalized negotiation systems (Verhandlungssysteme) in the form of advisory councils, networks, commissions, and other platforms of transfer that are established between the political system and various organizations (e.g. economic, scientific, and religious organizations). Second, operationalization occurs through the establishment of primary and secondary roles by introducing a distinction between those who govern and those who are being governed (Regierende und Regierte)60 – that is, those who are internally located in the political system and those who are located in the internal environment. In democratic states, a further distinction between the citizens and the voter is further introduced within the environment. The former is serving a passive role as “audience” and the latter an active role in the sense that, through voting, the actual transfer from the environment to the political system takes place.

At the transnational level of world society, the turn to network-based governance fulfills a similar role for organizations operating within functionally delineated normative orders. In the case of the EU, governance structures such as Comitology and the Open Method of Coordination and (Regulatory) Agencies fulfill the role as heterarchcial frameworks through which transfer of compressed social components between the EU legal order and its environment (including the legal orders of the Member States) are framed61. Comparable, though far more embryonic, structures have also emerged around global public and private organizations such as large-scale NGOs, multinational companies, the International Monetary Fund (IMF), the World Bank, and the World Health Organization (WHO). These organizations share the feature that they are faced with the challenge of delineating their respective environments but cannot turn to the concept of a nation, as they are not internally stabilized through a reference to territorial demarcations, thereby triggering the emergence of the concept of “stakeholders” as a functional equivalent to the concept of

60 Niklas Luhm ann, Die Zukunft der Demokratie, in SOZIOLOGISCHE AUFKLÄRUNG, BAND 4: BEITRÄGE ZUR FUNKTIONALEN DIFFERENZIERUNG DER GESSELLSCHAFT [SOCIOLOGICAL ENLIGHTENMENT, VOLUME 4: ESSAYS ON THE FUNCTIONAL DIFFERENTIATION OF SOICETY ] supra note 47, at 126.

61 POUL F. KJAER, BETWEEN GOVERNING AND GOVERNANCE: ON THE EMERGENCE, FUNCTION AND FORM OF EUROPE’S POST-NATIONAL CONSTELLATION 37 (2010).

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the nation. The stakeholder form is characterized by a far stronger cognitive component when compared with the form of the nation, insofar as it possesses a strong element of exchangeability on the basis of a criterion of functionality62. Although nations rarely have been the stable units that nationalist theory and most normative political and legal theories assume them to be, the logics of inclusion and exclusion nevertheless have a far stronger temporal character within stakeholder settings63.

The increased level of temporality, and thus contingency, is the likely explanation of the strong reliance on rights within transnational settings. Rights are the legal form which constitutionalization takes. Whereas Thornhill seems to reduce rights to the only form through which inclusion/exclusion processes are handled64, the structural capability of both national and transnational formal organizations to develop rights regimes seems to be conditioned by their attachment to generalized nonlegal mediums that represent a distilled version of existing sociocultural material, as expressed in the nation and stakeholder phenomena. Even though rights regimes tend to emerge from within the social processes they are attached to – rather than being externally imposed – they become identifiable and operational only when a distinction between the legal and the nonlegal dimensions is established, leading to the emergence of a specific form of double prestation. Traditionally, the register of rights is understood as the framework through which, in the same operation, liberties are secured and obligations imposed on legal subjects65. The central societal prestation (Leistung) of rights is, however, to provide compressed social components with a legal form, which enable their transfer in a manner that does not destabilize the operational integrity of the donating as well as the receiving entity66.

It follows that constitutionalization does not only imply an increase in the self-reflexivity of a given formal organization. Constitutionalization is not just an exercise in negative self-binding that organizations pursue to reduce the risk of self-destruction through systemic overstretch67. This view, which can be traced back to Luhmann’s strategic, but essentially contingent, choice to emphasize the self-reflexivity of social systems while systematically playing down the prestation and function dimensions of social systems, leads to an empirically implausible description of society68. Rather, constitutionalization processes provide a far

62 See Poul F. Kjaer, The Metamorphosis of the Functional Synthesis: A Continental European Perspective on Governance, Law and the Political in the Transnational Space, 57 WIS. L. REV. 489 (2010).

63 Id.64 Thornhill, supra note 59.65 Id.66 Id.67 See Teubner, supra note 52, at 21.68 Luhmann maintains formal equality between the three dimensions at the same time as his empirical

descriptions of social processes tend to have a one-sided focus on the reflexivity dimension. For the formal layout, see LUHMANN, supra note 25, at 610.

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more positive contribution toward other segments of society insofar as they are aimed at reducing negative externalities, colonizing tendencies, and crowding out effects vis-à-vis the respective environments of constitutional orders. This is also confirmed by the contextual settings within which constitutions emerge. Constitutions never stand alone, but always emerge in coevolutionary settings where several orders emerge simultaneously. Nation-states, for example, are not unitary structures but rather take the form of constitutional conglomerates where state constitutions, church constitutions, and labor constitutions come together. This again makes the multiple intersections between constitutions into battlefields where constitutional orders are delineated and where justifying narratives emerge concerning the prestation that specific constitutional orders produce vis-à-vis other segments of society. The emergence of constitutions is structurally conditioned by constitutionalization processes capable of guaranteeing that mutually reinforcing coevolutionary processes unfold. The emergence of an autonomous constitutional order within the European Union is a perfect example of this, insofar as the internal establishment of legal and organizational hierarchy was conditioned on the coevolutionary emergence of heterarchical legal and organizational frameworks, in the form of the governance structures, such as Agencies, Comitology, and the Open Method of Coordination, which ensured concordance between the EU constitutional order and its environment, most notably the Member State legal orders.

VII – ThE DOuBLE fuNCTION Of CONSTITuTIONALISM BETWEEN PAST AND fuTuREThe distinction between internal ordering and external heterarchy, as

expressed in the distinction between constitutions and constitutionalization, constitutes a paradoxical tension. This tension can also be described utilizing the distinction between hierarchically organized and spontaneous heterarchical processes69. A normative order first exists when a unity of these two dimensions is established, and establishing this unity necessitates recourse in time. In the same manner, as normative constitutional theory seeks to dissolve the tension between republican politics and liberal rights through societal learning processes unfolded over time70, it is also possible to observe from a sociological perspective that constitutional setups do not just mirror existing structures, but rather, express a specific vision of the future on the basis of a specific understanding of the past71. Such visions can also be described as representing a form of “constitutional consciousness” capable of providing a basis for a counterfactual claim concerning a possible constitutional framing of a normative order in

69 See TEUBNER, supra note 11, at 89-90.70 See Jürgen Habermas & William Rehg, Constitutional Democracy: A Paradoxical Union of Contradictory

Principles?, 29 POL. THEORY 766, 774 (William Rehg trans., 2001).71 Id.

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its entirety. It is the establishment of such constitutional consciousness that is described with the term constitutionalism.

As indicated earlier, law operates with counterfactual propositions, which are oriented toward the future. Constitutionalism, however, implies orientation toward a specific kind of counterfactual proposition that can be described with the term double function. Constitutionalism implies that from a focal perspective – including economic, political, or environmental – as well as from a legal perspective, a vision of “complete inclusion” is developed, which implies that, in principle, all humans can be subject to inclusion into the normative order in question. Originally developed within the Church of Rome, the counterfactual striving for complete inclusion – in this case through the transformation of all individuals into members of the Catholic Church and the subordination of all worldly powers into subordinates of Rome – has become generalized. For example, the French Republic, the historical role model for most continental states, has traditionally relied on a self-understanding that is closely linked to the counterfactual idea concerning a realization of the ideals of the French revolution throughout the world. Similar developments can be observed within sectorial regimes consisting of constitutional organizations and their surrounding constitutionalized networks, such as the WTO regime, the Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) regime, the WHO regime, and the still emerging global human rights regime72. Counterfactual objectives are universal in nature, such as the striving toward the realization of nondiscriminatory free trade, free and uncensored global access to the Internet, basic worldwide access to health, and not only a formal, but also a de facto inclusion of all humans under the umbrella of the human rights regime. In other words, constitutionalism implies the institutionalization of normative teleology’s and a hierarchical relationship between teleology’s and increasingly cognitivized processes of juridification. Once such logics are in place, it is possible to talk about constitutionalism in a deep and mature sense. Constitutional ordering is, therefore, not only about facilitative and limitative rules, but also reflects a move toward self-transcendence through the unfolding of a universalistic aspiration.

VIII – ThE EXAMPLE Of ThE fAIRTRADE CERTIfICATION SySTEMFrom the theoretical framework outlined above, three core dimensions of

a mature constitutionalist order can be deduced:

A constitutional order characterized by double reflexivity through a coupling between a constitutional object, in the form of a hierarchical

72 Andreas Fischer-Lescano & Gunther Teubner, Regime-Collisions: The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law, 25 MICH. J. OF INT’L. L. 999 (2004).

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organization that can produce an autonomous source of authority, and a concordant legal framework.

Constitutionalization through double prestation, implying a coupling between, on the one hand, an internal reconstruction of an external constitutional subject within the constitutional object, and, on the other hand, a register of legal rights, establishing a framework for exchanges between the constitutional object and the wider world, as represented by the constitutional subject.

Constitutionalism, through the institutionalization of a double function, in the form of a principle-based and legally fortified striving toward universal inclusion, providing a sense of direction in time through an articulated form of constitutional consciousness.

The real world existence of such frameworks can be briefly illustrated through the example of the Fairtrade Certification System. The scheme is organized and overseen by a private international organization, the Fairtrade Labeling Organizations International (FLO)73. FLO was founded in 1997 as an international umbrella organization for national fair trade labeling organizations. Its core task is to develop internationally coordinated standards for fair trade and to assist producers in gaining and maintaining certification of fair trade. The central focus is on agricultural products, such as bananas and coffee, but FLO’s reach has also been expanded into areas such as textiles. The products are, however, part of global production, distribution, and consumption chains that typically imply transfers between developing and developed parts of the global economy74.

The orientation is twofold, as the standards are aimed at ensuring ecological sustainability and establishing social and labor standards in the production process. A key strategy of FLO is to establish transparent and long-term trade relations among producers, importers, processers, and distributors through long-term contracts that set minimum prices, thereby reducing the exposure of the producers to market volatility and pressure from large-scale companies75. In addition, a “social premium” is paid, serving as a kind of de facto tax that is allocated to the promotion of common goods relevant to the producers and is typically invested in local development, such as education

73 See What We Do, FAIRTRADE INT’L, http://www.fairtrade.net/what_we_do.html (last visited Nov. 25, 2012). 74 For an overview of the framework see especially ALEX NICHOLLS & CHARLOTTE OPAL, FAIR TRADE:

MARKET-DRIVEN ETHICAL CONSUMPTION (2005). See also DANIEL JAFFEE, BREWING JUSTICE: FAIR TRADE COFFEE, SUSTAINABILITY, AND SURVIVAL (2007) (examining if fair trade is working by looking at coffee farmers in Mexico); Valentin Beck, Theorizing Fairtrade From a Justice-Related Standpoint, 3 GLOBAL JUSTICE: THEORY, PRACTICE, RHETORIC 1 (2010) (examining fair trade in two step process, first looking at interactions of participants and then looking at responsibilities of participants); Loraine Ronchi, The Impact of Fair Trade on Producers and Their Organisations: A Case Study with Coocafé in Costa Rica (Poverty Research Unit at Sussex, Prus Working Paper No. 11, 2002), available at http://www.sussex.ac.uk/Units/PRU/wps/wp11.pdf.

75 What we do, supra note 73.

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and health facilities for the producers. The producers who own the production sites – typically agricultural land – are organized in cooperatives. Alternatively, work councils are established that represent employees vis-à-vis landowners76.

In 2004, the organization was split into two subunits: FLO International and FLO-CERT. Both are based in Bonn, Germany. FLO is a not-for-profit organization (“eingetragener Verein”) and operates in concordance with the German public benefit law. FLO-CERT is structured as a limited-liability company (Gmbh) under German law77. FLO International maintained the core task of developing fair trade standards while FLO-CERT ensures that producers and traders comply with the standards of FLO International78. FLO-CERT has the competence to impose sanctions in case of noncompliance. The ultimate sanction is decertification and exclusion from the system.

FLO has developed a foundational text that it calls a constitution79. The constitutional text is an eleven-page document with a preamble and eighteen paragraphs that set out the basic framework on which the organization operates, including a specification of its central organs and the purpose of its activities. The constitutions can be amended only through a majority of 75 percent of the organization’s members80. The constitution establishes the General Assembly as the central institutional organ81. It is comprised of 50 percent producer representatives and 50 percent representatives from the national labeling organizations82. The two groups are further organized in two different subassemblies. The General Assembly has the characteristics of a “parliament” insofar as its core function is representation, the development of legislative-like rules, and general oversight83. As such, the assembly serves as the ultimate locus of authority for the organization while remaining coupled to law through the constitution, the internal procedural framework, and through the reliance on German law.

The General Assembly elects the board that consists of five representatives from labeling organizations; four representatives from producer organizations (representing different geographical regions); two representatives from certified traders; and three external independent experts84. Both in relation to

76 Id.77 Fairtrade Labelling Organizations International, Constitution of the Association, §§ 1.1-1.2 (amended June

10, 2011), available at http://www.fairtrade.net/fileadmin/user_upload/content/2009/about_us/documents/flo-constitution-june-2011-english.pdf.

78 Certifying Fairtrade, FAIRTRADE INTERNATIONAL, http://www.fairtrade.net/certifying_fairtrade.html?&L=0 (last visited June 12, 2013).

79 Id.80 Id. at § 3.1.81 Id. at § 7.82 Id. at § 9, 10.83 Id. at § 7.1.84 Id. at § 12.

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the assembly and the board, a key characteristic is the deliberate design of a multiple-stakeholder framework. The organization is, in this sense, mimicking a balance-of-interest approach as known from classical state-based constitutional set-ups. At the same time, the “external experts” are granted a privileged position as they hold the key to establishing a majority. The mediation between different stakeholder groups is assigned to representatives who are expected to represent a neutral and knowledge-based, and thus “cognitivized”, position. A similar framework exists in relation to the various subcommittees, most notably the standard setting committee.

The multiple-stakeholder framework also serves as an internal mirror reflecting the organization’s external environment. By defining specific categories of producers, importers, processers, and distributors in its constitution85, FLO delineates the segment of world society that can be potentially included in the framework, and thereby the boundaries of the normative order it seeks to establish. This delineation is then combined with specific procedures for actual inclusion through membership application and certification, thereby creating a dual framework based on a distinction between potentiality and actuality. Actual inclusion is, furthermore, linked to a dense framework of rights, imposing a dual framework of obligations and standing, most notably through adherence to standards and through access to review and decision-making processes. At the same time, the rights framework serves as the central infrastructure, which enables the production of a specific prestation vis-à-vis other segments of world society, insofar as it is oriented toward the facilitation of transfer of products and capital between the producers, importers, processers, and distributors. Thus, a move toward constitutionalization can be observed as FLO defines a constitutional subject via its multiple-stakeholder framework and subsequently seeks to minimize the distinction between potential and actual inclusion. The implementation of the rights dimension is outsourced to FLO-CERT, which certifies compliance through inspections and imposes sanctions in case of noncompliance, such as demands for corrective measures and, ultimately, expulsion. Thus, FLO-CERT serves as an independent “judiciary” that combines an investigative function with the objective of applying the norms produced by FLO.

Finally, FLO has condensed its activities in a mission – namely, “to connect disadvantaged producers and consumers, promote fairer trading conditions and empower producers to combat poverty, strengthen their position and take more control over their lives”86. This mission is deduced from a vision. The vision of FLO “is a world in which all producers can enjoy secure and sustainable

85 Id.86 Our Vision, FAIRTRADE INT’L, http://www.fairtrade.net/our_vision.html (last visited Oct. 28, 2012).

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livelihoods, fulfill their potential and decide on their future87. The organization remains strategically guided by a normative, and thus counterfactual, objective concerning full inclusion for the segment of world society, which it orients itself against, thereby externalizing the tension between potential and actual members in the future. Thus, FLO can be understood as a fully-fledged normative order, which internally produces coherency between its different dimensions, as represented by producers, importers, processers, and distributors. And so, FLO externally demarcates itself through the double delineation of potential and actual members, as well as through the establishment of a constitutional structure characterized by a dual political and legal hierarchy and a normative vision that grants it an articulated form of constitutional consciousness that points to the future.

87 Id. (emphasis added).

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Parte Geral – Doutrina

Com Quem a Corte Constitucional Brasileira Dialoga? Análise dos Argumentos dos Magistrados do Supremo Tribunal Federal no Brasil Quanto à Incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos

With Whom the Brazilian Constitutional Court Dialogues? Analysis of the Arguments of the Supreme Court Judges Related to the Incorporation of International Human Rights Treaties

DAnIELLE AnnE PAmPLOnAInternational Research Scholar na American University, Washington, D.C., Professora do Curso de Graduação e de Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina.

DAnIELLE AnnOnIDoutora em Direito Internacional, Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direi‑to da UFSC, Professora de Direito Internacional e Direitos Humanos na UFPR, Coordenadora do Observatório de Direitos Humanos e Titular da Cátedra Sérgio Vieira de Mello do ACNUR, ambos pela UFSC.

Data de Submissão: 07.05.2016Data da Decisão Editorial: 28.05.2017Data da Comunicação ao Autor: 28.05.2017

RESUMO: O presente trabalho analisa com quem a Corte Constitucional brasileira conversa quando se posiciona sobre a aplicação de tratados internacionais de direitos humanos. O enfoque centra‑se nos argumentos acerca de como incorporar e aplicar tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário, posicionando‑os dentro da hierarquia normativa nacional. O método de abordagem utilizado foi o indutivo e, o de procedimento, o comparativo das diferentes decisões analisadas. A metodologia utilizada implicou levantamento das decisões que definiram o status dos tratados de direitos humanos incorporados ao Direito brasileiro, e então seguiu‑se a avaliação dos fundamentos utilizados a partir das teorias da argumentação jurídica de Perelman, Atienza, Ferraz Jr. e MacCormick, buscando desvendar quem ou qual tribunal influenciou a decisão.

PALAVRAS‑CHAVE: Tratados Internacionais de Direitos Humanos; argumentação jurídica; magistra‑dos; Corte Constitucional brasileira; diálogos e influências.

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ABSTRACT: This paper analyzes with whom the Constitutional Court dialogues when it decides on the application of international human rights treaties. The approach focuses on arguments about how to incorporate and apply international human rights treaties to which Brazil is a signatory, positioning them within the national legal hierarchy. The methodology involved in lifting the decisions that defined the status of human rights treaties incorporated into Brazilian law, and then followed the assessment of fundamentals used from the theoretical author of legal argumentation Perelman, Atienza, Ferraz Jr. and MacCormick, searching to uncover who or what influenced the court decision.

KEYWORDS: International Human Rights Treaties; legal argument; judges; Brazilian Constitutional Court; dialogues and influences.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O direito internacional dos direitos humanos como regra hermenêutica; 2 A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil; 3 Com quem a Corte Cons‑titucional brasileira dialogava antes de 1988?; 3.1 A supremacia da norma de direito internacional no ordenamento jurídico brasileiro; 3.2 A paridade das normas de direito internacional às normas ordinárias brasileiras; 4 Com quem a Corte Constitucional brasileira dialoga a partir da Constituição Federal de 1988?; 4.1 O caso da prisão civil do depositário infiel e os primeiros entendimentos da Cor‑te Constitucional brasileira, 4.2 A mudança de paradigma na corte constitucional brasileira: a tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, Considerações finais, Referências.

INTRODuÇÃO

O diálogo entre Cortes é tema da atualidade. Muito se tem dedicado a estudar com quem conversam os magistrados dos mais importantes tribunais do mundo, tanto na perspectiva interna como na perspectiva internacional. Com efeito, o processo de globalização, que fomentou a criação de Tribunais Inter-nacionais e gerou uma jurisprudência internacional relevante e significativa, também passou a influenciar as Cortes nacionais, sobretudo os Tribunais Cons-titucionais dos mais diferentes Estados, fazendo surgir o que se pode chamar como diálogo entre Cortes.

Este diálogo não se limita, todavia, à inter-relação entre os Tribunais In-ternacionais e as Cortes Constitucionais, mas entre os Tribunais Internacionais em si e, ainda, entre as Cortes Constitucionais dos Estados nacionais democrá-ticos. Não se discute a correição do diálogo entre cortes de Estados diferentes, eis que a pergunta que permeia estes estudos é a mesma: com quem a Corte conversa?

O presente trabalho visa responder esta questão, mas com um enfoque pontual, qual seja: em matéria de tratados internacionais de direitos humanos, como se posiciona a Corte Constitucional brasileira? Com quem o Supremo Tribunal Federal conversa? E, por fim, como argumenta e como decide questões que tratam de incorporar e aplicar tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário?

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O método de abordagem utilizado foi o indutivo, eis que a partir das de-cisões individuais procurou-se concluir acerca das conclusões que o Tribunal pode chegar no futuro. O método de procedimento, por sua vez, foi o compara-tivo das diferentes decisões analisadas. A metodologia utilizada começou pelo levantamento das decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da incorpora-ção de tratados de direitos humanos ao Direito interno brasileiro, bem como de decisões em que a Corte Constitucional nacional confere status normativo interno aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, após sua incorporação e, por conseguinte, os problemas que esta hierarquia normativa implicam, tanto no plano do Direito interno quando no plano do Direito inter-nacional.

A análise dos casos é realizada a partir da teoria da argumentação de Perelman1, Atienza2, Ferraz Jr.3 e MacCormick4, buscando desvendar como se posicionam os magistrados do Supremo Tribunal Federal e quem os influencia. Para tanto, analisa-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos e seus pos-tulados a partir dos elementos hermenêuticos que propõe e das dificuldades de incorporação no plano nacional dos Estados à perspectiva universalista de proteção dos direitos humanos.

Analisa-se também o processo de incorporação de tratados de direitos humanos no Brasil e os embates travados pela doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal, com vistas a definir quais os elementos de interpretação que utilizam no que se refere ao status hierárquico das normas de direitos humanos advindas de tratados internacionais, depois de incorporadas pelo Brasil.

Por fim, são analisadas as decisões dos magistrados da mais alta Corte brasileira, com vistas a identificar quais dos critérios hermenêuticos são utiliza-dos (do direito internacional dos direitos humanos, do constitucionalismo na-cional, de diálogo ou não com outras Cortes), objetivando identificar quais suas influências e como essas refletem no processo de conferir eficácia aos direitos humanos no âmbito nacional brasileiro.

1 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS huMANOS COMO REGRA hERMENÊuTICAOs direitos humanos são o que Donnelly5 conceitua como “ideia políti-

ca hegemônica na sociedade internacional do século XX”, cujos postulados e

1 PERELMAN, Chaim. Retoricas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.2 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2000.3 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para a pragmática jurídica. São

Paulo: Saraiva, 1997.4 MacCORMICK, Neil. Legal deduction, legal predicates and expert system’s. International Journal for the

Semiotcs of law. v. V, n. 14, p. 181-202, 1992.5 DONNELY, Jack. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento in Seminário Direitos Humanos no século

XXI. Rio de Janeiro. 1998. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/ipri/Papers/DireitosHumanos /Artigo07.doc.>. Acesso em: 12. dez. 2006.

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princípios norteiam todo o sistema de interpretação, incorporação e aplicação das normas jurídicas de direitos humanos no plano internacional e interno dos Estados.

Com efeito, não apenas os Tratados Internacionais de Direitos Humanos detêm conteúdos protetivos ou encerram o arcabouço normativo de tutela da pessoa humana. Costumes internacionais e nacionais, princípios gerais do direi-to internacional e nacional, normas internas e internacionais produzidas por or-ganismos regionais, internacionais, movimentos sociais, enfim, pela sociedade internacional em geral, também fomentam um novo Direito Internacional dos Direitos Humanos, que, como tal, exige a observância de regras próprias, pos-tulados jurídicos específicos e reconhecimento de sua superioridade normativa, a despeito de qualquer outra regra cuja tutela não seja a dignidade humana.

Cançado Trindade6 esclarece que os direitos humanos reconhecidos por tratados internacionais não exigem reciprocidade para que os Estados-parte se-jam punidos por sua violação, e que as regras de interpretação estão contidas em seus preâmbulos. Isto implica dizer que os tratados de direitos humanos não podem ser interpretados literalmente apenas, mas sim a partir de um conjunto normativo axiológico de defesa da pessoa humana em qualquer parte do pla-neta.

Com efeito, a teoria universalista contemporânea, adotada pelas Nações Unidas desde a Declaração Universal de 1948, e ampliada em 1993 a partir do Pacto de Viena, é o pilar de sustentação deste novo direito internacional. Seus princípios fundamentais revertem toda a lógica jurídica dominante, como ocorre, por exemplo, com a utilização da regra de ouro de aplicação da norma mais favorável ao ser humano, em caso de conflito normativo, independente-mente de esta norma ser de natureza doméstica ou internacional, e, ainda, não importando sua hierarquia na ordem constitucional vigente. Tal norma protetiva tem ainda status superior, não podendo ser revogada, reduzida ou interpretada restritivamente, sob pena de o Estado incorrer na violação de outra regra-fonte deste sistema, qual seja a proibição de retrocesso em matéria de eficácia na proteção dos direitos humanos em uma determinada jurisdição.

Notadamente, os tratados internacionais de direitos humanos reúnem este corpus juris protetivo e simbolizam os avanços no reconhecimento de di-reitos à pessoa humana pós Segunda Guerra Mundial, no plano internacional, mas, sobretudo, no plano nacional, com o reconhecimento constitucional deste rol de direitos considerados como fundamentais pelos Estados democráticos.

6 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Desafios e conquistas do direito internacional dos direitos humanos no início do século XXI. In: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de (Org.). Desafios do direito internacional contemporâneo – Jornadas de Direito Internacional Público no Itamaraty, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007. p. 460.

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Assim, Jaichand7 (2004, p. 135) pondera que, “[q]uando as normas internacio-nais e regionais de direitos humanos são incorporadas, por meio de sua imple-mentação no sistema doméstico, cria-se um solo fértil para o litígio de interesse público”.

Ademais, há uma ampliação ética que, incidindo nos princípios e va-lores internos, alteram a esfera e as relações sociais. Neste sentido, a atuação das Nações Unidas por meio de seus Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos “funcionam como égides profilácticas no combate e na repressão das violações desses direitos”8. São espécies de estruturas bases para a mudança de paradigmas em relação à proteção interna, incidindo sobre a cultura, sobre a política, além da codificação e da regulação jurídicas.

Com o processo de globalização, sobretudo a partir da década de 90, o Direito Internacional dos Direitos Humanos se tornou global, ultrapassando fronteiras culturais, econômicas e religiosas. Ferrajoli9 explica que “[a] sobera-nia, inclusive externa, do Estado – ao menos em princípio – deixa de ser, com eles, uma liberdade absoluta e selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas fundamentais: o imperativo da paz e a tutela dos direitos humanos”.

A questão é complexa e está longe de apresentar uma resposta precisa e global, uma vez que a política internacional está impregnada da defesa de inte-resses geopolíticos, de grupos de interesses não só econômicos, como sociais, ambientais, tecnológicos, deixando prejudicada a discussão sobre a efetividade de direitos humanos, que, por sua vez, esbarra na fragilidade das instituições jurídico-políticas do sistema de direito internacional, o que compromete a con-fiança dos Estados em relação à própria ordem internacional.

Os Estados, independentemente de suas condições econômica, social, política e tecnológica, estão obrigados pela ordem internacional a tutelar direi-tos humanos, a partir dos standards mínimos reconhecidos em Viena em 1993. Para tanto, há necessidade de que o direito internacional propicie a formatação de um sistema que vincule prevenção e punição das transgressões, com vistas à continuidade da tutela dos direitos humanos, a partir não apenas do reconhe-cimento internacional, mas sim de sua incorporação doméstica. Isto porque não se pode esquecer que o direito internacional encontra a magnitude de sua eficácia no âmbito interno dos Estados e, por conseguinte, esta relação torna-se interdependente10.

7 JAICHAND, Vinodh. “Estratégias de litígio de interesse público para o avanço dos direitos humanos em sistemas domésticos de direito”. Sur, Rev. Int. Direitos Humanos, 1: 1 (2004).

8 LADEIA, André Luiz Cosme. A relativização da soberania em face da preservação dos direitos e garantias fundamentais. In: Anuário Mexicano de Derecho Internacional, v. X, p. 245-278, 2010. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/revista/pdf/DerechoInternacional/10/art/art7.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2015.

9 FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. Trad. Carlo Coccioli e Márcio Lauria Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39.

10 LAFER, Ceslo. Parodoxos e possibilidades. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

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Assim, apesar de interativa e complementar, a relação ocorre em duas vias, na medida em que, por um lado, a proteção internacional dos direitos humanos é primariamente uma função e responsabilidade dos Estados signatá-rios dos Tratados Internacionais, e, por outro lado, devem ser consideradas as medidas de implementação de tratados e a existência de instituições fortes o bastante para garantir a devida proteção, buscando a aplicação integral e erga omnes dos direitos humanos.

Com efeito, ampliar a participação do ser humano no processo democrá-tico, sobretudo em matéria de direitos humanos, é um dos grandes desafios do século XX. Contudo, não basta a formação de organizações populares sob di-versas designações para tutelar a participação popular, mas em especial porque estas não substituem os órgãos formais de representação.

Por outro lado, é imprescindível a consideração da política como fator decisivo para os processos democráticos de legitimação, contrariando o redu-cionismo da relação tratados e Estados versus mercados.

O cerne do problema parece concentrar-se na ampliação da relação da sociedade civil entre si e com as instituições jurídico-politicas, internas e inter-nacionais, dialogando de modo a privilegiar a diminuição das desigualdades, fazendo prevalecer a política sobre os mercados globalizados.

Importante destacar ainda o impacto do Direito Internacional dos Direi-tos Humanos ao reforçar e/ou estender os direitos constitucionais

quando os instrumentos internacionais complementam dispositivos nacionais, ou quando estes reproduzem preceitos enunciados da ordem internacional – ou ainda [quando estendem] o elenco dos direitos constitucionalmente garantidos – quando os instrumentos internacionais adicionam direitos não previstos pela ordem jurídica interna.11

Nesse sentido, importante a possibilidade de abertura material das nor-mas fundamentais, que é uma das consequências da constitucionalização das normas internacionais de direitos humanos, sobretudo a abertura da sociedade, sem possibilidades de retrocesso ou negação12. Essa questão faz parte de um de-bate inacabado no Brasil, a partir da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, co-nhecida como Reforma do Judiciário, e que criou novas regras de interpretação constitucional para a incorporação de tratados de direitos humanos no Brasil.

11 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 103.

12 LEFORT, Claude. O direito internacional, os direitos do homem e a ação política. Tempo soc., São Paulo, v. 12, n. 1, May 2000, p. 8-9. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702000000100001 &lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12. ago. 2011.

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2 A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS huMANOS NO BRASILA Constituição de 1988, em seus arts. 49, I13, e 84, VIII14, estabelece as

competências do Congresso Nacional, Senado Federal e Presidência da Repú-blica, respectivamente, para celebração e incorporação de tratados no âmbito interno15.

O iter procedimental da incorporação dos tratados apenas superficial-mente parece simples, uma vez que depende do engajamento do Poder Execu-tivo e do Poder Legislativo Federal para tornar norma de direito interno o tratado assinado internacionalmente.

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a exe-cução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacio-nal, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), tam-bém dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá--los mediante decreto. (Brasil, Supremo Tribunal Federal, ADI 1.480/DF, 1997, p. 246)

Depois da negociação e assinatura do tratado pelo Chefe de Estado, no caso, o Presidente da República brasileira, o texto do tratado internacional é enviado ao Congresso Nacional, bicameral, no qual as duas Casas precisam se pronunciar sobre o texto, que poderá ser aprovado, aprovado parcialmente ou rejeitado16. Se aprovado, o texto do tratado precisa ser promulgado internamen-te, o que, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, é elemento indispensável à validade interna do texto do tratado17, e será então publicado em Diário Oficial da União. Após, deve ser encaminhado para depósito junto ao Estado ou organização internacional, ato considerado como necessário para a ratificação do tratado, sob a perspectiva interna.

13 “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; [...].” (BRASIL, 1988)

14 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente de República: [...] VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; [...].” (BRASIL, 1988)

15 Na prática brasileira, ato internacional é o mesmo que acordo internacional (Medeiros, 1995, p. 394).16 Vale ressaltar alguns aspectos relevantes nesse processo. Se as Comissões de Relações Exteriores do Congresso

Nacional apresentarem parecer contrário à aprovação do tratado, ainda assim é possível levar a matéria para votação em Plenário, por meio de recurso subscrito por pelo menos um décimo dos membros da casa (art. 5, § 2º, I, da CF/1988). Também é importante esclarecer que se aplica ao procedimento de ratificação dos tratados as regras relativas à votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República (art. 64 da CF/1988).

17 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Agravo Regimental na Carta Rogatória nº 8279, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, Julgamento 17.06.1998, Diário da Justiça 10.08.2000.

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A aprovação integral do texto do tratado poderá ser realizada median-te o procedimento previsto no art. 47 da Constituição Federal brasileira, qual seja, por maioria simples. Todavia, importante destacar que a Emenda Consti-tucional nº 45, de 2004, criou outro procedimento, o procedimento do art. 5º, § 3º, válido apenas aos tratados de direitos humanos que estabelece ser possí-vel aprová-los com quórum qualificado de emenda constitucional. Ou seja, a partir de 2004, os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos podem passar pela aprovação do quórum de três quintos dos membros de cada uma das casas do Poder Legislativo, em dois turnos, ao invés da aprovação por maioria simples. Se assim ocorrer, por expressa previsão constitucional, terão status de norma constitucional. A redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, reaqueceu os debates sobre a incorporação de tratados de direi-tos humanos no Brasil, e tornou a dividir a doutrina e a jurisprudência nacionais e internacionais acerca do status das normas internacionais de direitos humanos quando incorporadas.

A discussão sobre o status das normas de direitos humanos advindas de tratados internacionais nasceu com a Constituição de 1988, que expressamente, em seu art. 5º, § 2º, dispôs que os direitos e as garantias expressos na Consti-tuição, no capítulo de direitos e garantias fundamentais, não excluíam outros direitos advindos de tratados internacionais. Diante desta redação original, a doutrina constitucionalista e internacionalista passou a afirmar que o status das normas de direitos humanos no Brasil havia mudado, e, a partir de 1988, go-zava de status constitucional, ou seja, superior às normas ordinárias, status até então ocupado por todos os tratados internacionais ao serem ratificados pelo Brasil. Chamou-se então este sistema de misto, eis que combinava

regimes jurídicos diversos – um aplicável aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos e o outro aos tratados em geral. Enquanto os tratados inter-nacionais de proteção dos direitos humanos apresentam status constitucional e aplicação imediata (por força do art. 5º, §§ 1º e 2º, da Carta de 1988), os tratados tradicionais apresentam status infraconstitucional e aplicação não imediata (por força do art. 102, III, b, da Carta de 1988 e da inexistência de dispositivo consti-tucional que lhes assegure aplicação imediata).18

A questão se tornou polêmica em 1992, quando o Brasil ratificou e incor-porou a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica19, que proíbe a prisão civil por dívidas, à exceção do não pagamento injustificado a alimentando, o que fomentou uma crise entre doutrina nacional e internacional, constitucionalistas e internacionalistas, mas, sobretudo, no Judiciário nacional brasileiro. A Constituição brasileira contém

18 PIOVESAN, Flávia. Op. cit., p. 94.19 BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

decreto/D0678.htm>. Acesso em: 12 jun. 2015.

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dispositivo que permite a prisão por dívida do depositário infiel, e, diante da redação do tratado internalizado, várias demandas forçaram o Supremo Tribu-nal a se manifestar sobre a aplicabilidade ou não dispositivo da Constituição brasileira ou sobre sua constitucionalidade face ao tratado de direitos humanos recentemente incorporado pelo Brasil.

Os debates circunscreviam as seguintes questões: qual o status hierár-quico dos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil antes e depois da Constituição Federal de 1988? Reconhecer que tais tratados equivaleriam a normas ordinárias seria permitir que uma nova lei ordinária posterior revogasse o conteúdo dos tratados de direitos humanos, anteriormente ratificados. Ainda que se reconheça, à evidência, que não se revoga um tratado internacional por lei interna, mas tendo adotado o Brasil a postura dualista mediante os ordena-mentos jurídicos interno e internacional, a edição de lei nova comprometeria a eficácia interna do tratado internacional que fosse incorporado mediante lei ordinária. Dallari20 assevera que os tratados são regidos pelo direito interna-cional e, portanto, não há revogação automática de tratado com edição de lei contrária. Para ele, “o Brasil continuará vinculado a seus termos até que se desligue desse compromisso mediante mecanismos próprios (denúncia). Entre-tanto, perde eficácia quanto ao ponto em que exista antinomia. Internamente prevalecerá a norma legal que lhe seja posterior”. Há, portanto, duas esferas a serem consideradas, a interna e a internacional.

Assim, definir que os tratados de direitos humanos são hierarquicamente inferiores às normas constitucionais implicaria permitir a prisão do devedor por dívidas não alimentícias, o que violaria o tratado (Pacto de San Jose da Costa Rica) recém ratificado. De fato, a questão toda implicava, a partir do posiciona-mento do Supremo Tribunal Federal, decidir qual o locus standi ocupado pelos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro e quais suas consequências em termos de efetividade jurídica formal.

A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, e que será analisada a seguir, não resolveu o problema, mas amenizou as tensões, despertadas no-vamente com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que, ao tentar resolver a questão central do locus standi dos tratados de direi-tos humanos no ordenamento brasileiro, acabou por fomentar novos debates e novos conflitos, com a redação do art. 5º, § 3º, que criou quórum qualifica-do para que, com a ratificação, os tratados de direitos humanos gozassem de status constitucional, o que não se exigia até então, conforme a interpretação do art. 5º, § 2º, ambos da Carta Magna brasileira.

A Reforma do Judiciário, conforme ficou conhecida a Emenda Constitu-cional nº 45/2004, alterou significativamente a Constituição Federal de 1988,

20 DALLARI, Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari. Constituição e tratados internacionais. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 75.

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em especial em matéria de incorporação de tratados de direitos humanos pelo Brasil, e incendiou as esferas acadêmicas e judiciárias, gerando novas questões às perguntas já colocadas, quais sejam: qual o status dos tratados de direitos hu-manos ratificados sem o quórum qualificado exigido pelo art. 5º, § 3º? Haverá hierarquia entre normas de direitos humanos, uma vez que o processo de incor-poração poderá posicionar os tratados de direitos humanos em níveis diferentes do ordenamento jurídico nacional? Que status terão os tratados de direitos hu-manos ratificados antes da Emenda Constitucional nº 45/2004 e que não foram aprovados por quórum qualificado, uma vez que não era exigido há época?

Para Cançado Trindade, a Emenda nº 45/2004 configurou um retrocesso na proteção dos direitos humanos no Brasil.

Este retroceso provinciano pone en riesgo la interrelación o indivisibilidad de los derechos protegidos en el Estado demandado (previstos en los tratados que lo vinculan), amenazándolos de fragmentación o atomización, a favor de los exce-sos de un formalismo y hermetismo jurídicos contaminados por el oscurantismo. La nueva disposición es vista con complacencia y simpatía por los así llamados “constitucionalistas internacionalistas”, que se embanderan en jusinternaciona-listas sin llegar a serlo ni de lejos, dado que sólo consiguen vislumbrar el sistema jurídico internacional a través de la óptica de la Constitución Nacional. Ni siquie-ra está demostrada la constitucionalidad del lamentable párrafo 3 del artículo 5, sin que sea mi intención pronunciarme aquí al respecto; lo que sí afirmo en el presente Voto, – tal como lo afirmé en la conferencia que di el 31.03.2006 en el auditorio repleto del Supremo Tribunal de Justicia (STJ) en Brasilia, al final de las audiencias públicas ante esta Corte que tuvieron lugar en la histórica Sesión Externa de la misma recientemente realizada en el Brasil,– es que, en la medida en que el nuevo párrafo 3 del artículo 5 de la Constitución Federal brasileña abre la posibilidad de restricciones indebidas en la aplicabilidad directa de la norma-tiva de protección de determinados tratados de derechos humanos en el derecho interno brasileño (pudiendo incluso inviabilizarla), éste se muestra abiertamente incompatible con la Convención Americana sobre Derechos Humanos (artículos 1.1, 2 y 29). [...] 34. Los triunfalistas de la reciente inserción del párrafo 3 en el artículo 5 de la Constitución Federal brasileña, rehenes de un derecho formalista y olvidados del Derecho material, no parecen darse cuenta de que, del punto de vista del Derecho Internacional, un tratado como la Convención Americana ratificado por un Estado lo vincula ipso jure, aplicándose de inmediato y directa-mente, haya éste obtenido aprobación parlamentaria previa por mayoría simple o calificada. Tales disposiciones de orden interno,– o, menos todavía, de interna corporis, – son simples hechos del punto de vista del ordenamiento jurídico in-ternacional, o sea, son, del punto de vista jurídico internacional y de la responsa-bilidad internacional del Estado, enteramente irrelevantes.21 (Corte IDH, Damião Ximenes Lopes v. Brasil, 2006)

21 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Damião Ximenes Lopes v. Brasil. Voto apartado (2006). Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2015.

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Com efeito, no Brasil, o processo de formalização dos tratados é um dos passos do sistema protetivo dos direitos humanos que se situa na esfera de poder e do direito constitucional,

[...] a questão se cinge ao exame da Constituição do país e dos mecanismos por ela adotados para a celebração e ratificação dos tratados. Trata-se, assim, de matéria constitucional, mais do que internacional, devendo-se sempre examinar a Constituição para se verificar a constitucionalidade de um tratado e, assim, sua regularidade perante a ordem interna.22

Assim, é o Supremo Tribunal Federal quem decide, em última análise, qual o locus standi do conteúdo de direitos humanos advindo de tratado inter-nacional de direitos humanos ratificado pelo Brasil. E isso implica decidir, por via reflexa, se esta norma terá ou não efetividade formal no plano doméstico.

A questão no Brasil foi solucionada por decisão do Supremo Tribunal Federal no final de 2008, quando a Corte julgou simultaneamente dois Recursos Extraordinários e dois pedidos de Habeas Corpus em benefício de indivíduos presos em razão de dívida civil não alimentícia. O fundamento central foi a proibição de prisão por dívida civil prevista na Convenção Americana de Di-reitos Humanos, adotando a tese da supralegalidade de todos os tratados de direitos humanos, exceto daqueles aprovados com quórum qualificado, cujo status seria de paridade às normas constitucionais.

3 COM QuEM A CORTE CONSTITuCIONAL BRASILEIRA DIALOGAVA ANTES DE 1988?Antes da Constituição Federal brasileira de 1988 não havia distinção

entre tratados internacionais de quaisquer matérias, logo, não havia discussão sobre o status hierárquico das normas de direitos humanos, também porque o período que antecede a Constituição Federal de 1988 é marcado por uma ditadura militar, um Estado totalitário em que as regras de direitos humanos, internas ou internacionais, não tinham relevância prática.

Os tratados internacionais incorporados pelo Brasil passavam a ter o status hierárquico de norma ordinária, e sua promulgação interna sempre se deu por meio do tipo legislativo denominado Decreto do Executivo. O conteúdo de uma norma jurídica disposta nos tratados internalizados pelo Brasil, em relação à pirâmide kelseniana, sempre teve status infraconstitucional, de lei ordinária. A mudança neste modelo e todos os debates que se seguiram surgem com a Constituição Federal de 1988 e, como visto, com a incorporação, pelo Brasil, de tratados internacionais de direitos humanos a partir da década de 1990.

22 MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 18.

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Assim, a presente análise das decisões da Corte Constitucional brasileira e dos argumentos que motivaram as decisões dos magistrados constitucionais se dividiu em duas partes: a primeira analisa as decisões da Corte antes da Constituição Federal de 1988, a segunda, as decisões posteriores, até a solução apresentada em 2008, com a regra da supralegalidade das normas de direitos humanos incorporadas por tratados internacionais.

3.1 A supremAcIA dA normA de dIreIto InternAcIonAl no ordenAmento JurídIco brAsIleIro

A República brasileira, por meio da Lei nº 2.416, de 1911, que dispunha sobre o processo de extradição de estrangeiros no Brasil, consolidou a impor-tância dos tratados internacionais. No Pedido de Extradição nº 7, de 1913, e nas decisões das Apelações Cíveis nºs 7.872, de 1943, e 9.587, de 1951, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre a supremacia das normas de direito inter-nacional sobre o direito interno23.

O Relator Magistrado Philadelpho Azevedo, na Apelação Cível nº 7.872, de 1943, sobre a paridade entre normas de direito internacional e de direito interno, defendeu não ser suficiente esta solução.

[...] o tratado é revogado por lei ordinárias posteriores, ao menos nas hipóteses em que o seria uma outra lei? A equiparação absoluta entre a lei e o tratado conduziria à esta afirmativa, mas evidente o desacerto de solução tão simplista, ante o caráter convencional do tratado, qualquer que seja a categoria atribuída às regras de direito internacional. [...] Na América, em geral, tem assim, força vinculatória a regra de que um país não pode modificar o tratado, sem o acordo dos demais contratantes.24

Esses argumentos fundamentaram a adoção, pelo Brasil, da teoria da su-premacia da ordem internacional sobre leis ordinárias. Assim, sempre que um tratado fosse contrariado por legislação interna, deveria prevalecer o tratado, que somente poderia ser revogado por nova lei expressa que tivesse o condão de revogar o conteúdo do tratado, após denúncia do mesmo no plano interna-cional. O raciocínio fundamenta-se na ideia de que, sendo o tratado um instru-mento entre Estados, a legislação interna de cada um dos signatários não tem o poder de retirar-lhe a vigência.

Importante destacar que o Brasil encontrava-se sob a égide da Constitui-ção de 1934. Este texto já previa que os tratados seriam internalizados por meio de procedimento perante o Poder Legislativo. E o procedimento previsto era

23 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ACi 9587/DF, Rel. Min. Lafayete Andrada, Julgamento 21.08.1951. Diário da Justiça 18.10.1951.

24 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Apelação Cível nº 7.872/RS, Rel. Min. Philadelpho Azevedo, Julgamento em 11.10.1943, p. 81.

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exatamente o mesmo da lei ordinária, ou seja, uma vez internalizados, equiva-leriam à norma ordinária.

Ainda que estas decisões tenham conferido status hierárquico de norma ordinária aos tratados, a relevância do posicionamento da Corte é determinada pelo reconhecimento de que tal status era de natureza especial, uma vez que não estava adstrito a ser revogado por lei de mesmo status hierárquico posterior ou mesmo superior. Fala-se em status especial, porque os tratados gozavam de supremacia quando em conflito com norma ordinária interna.

Com raras exceções, a Corte Constitucional brasileira manteve este en-tendimento até meados da década de 70, o que se pode perceber pelos Re-cursos Especiais RE nºs 71.154/PR, de 1971 (Relator Magistrado Oswaldo Trigueiro25), RE 75.252/PR, de 1973 (Relator Magistrado Xavier de Albuquerque Brasil, STF), RE 75252/PR (2ª Turma, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, Julgamento 01.10.1973, DJU 07.12.1973), RE 76.236/MG, de 1973 (Relator Magistrado Aliomar Baleeiro) e RE 76236/MG (Rel. Min. Aliomar Baleeiro, Jul-gamento 05.09.1973, DJU 05.11.1973).

No julgamento do RE 71.154, o Relator Ministro Oswaldo Trigueiro re-conhece que a controvérsia no recurso diz respeito “à vigência, no plano do direito interno, da Lei Uniforme sobre cheque, adotada pela Convenção de Genebra, de 1931, a que o Brasil aderiu”. E reconhece que: “[O] direito com-parado, a meu ver, abona o entendimento favorável à imediata repercussão dos tratados-leis na área do direito interno”26.

O Relator cita o exemplo dos Estados Unidos da América em seu voto, onde os tratados são equiparados “às leis federais, atribuindo-lhes a caracte-rística de supreme law of the land”. E, “desde que aprovados pelo Senado, os tratados passam a ter imediata incorporação ao direito interno”27.

Neste momento, os principais argumentos utilizados pelos magistrados da Corte Constitucional brasileira referem-se à experiência e à prática estaduni-dense, seja pela perspectiva legislativa, seja ainda pela perspectiva administra-tiva e política. Não são mencionados casos de decisões jurisdicionais de outros Estados, apenas a prática norte-americana como argumento de autoridade.

3.2 A pArIdAde dAs normAs de dIreIto InternAcIonAl às normAs ordInárIAs brAsIleIrAs

A Corte Constitucional brasileira mudou seu entendimento com a aná-lise do Recurso Especial RE nº 80.004/SE, julgado definitivamente em 1977, e

25 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 71154/PR, Plenário, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, Julgamento 04.08.1971, DJU 27.08.1971.

26 Idem.27 Idem, p. 286.

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que tratava do conflito entre a Convenção de Genebra de 1931 – Lei Uniforme sobre o Cheque e o Decreto-lei nº 427, de 1969, ambos com status de norma ordinária interna. Neste julgamento ficou definido que, embora a Convenção de Genebra, que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas pro-missórias, tenha aplicabilidade no Direito interno brasileiro, não se sobrepõe às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Decreto-Lei nº 427, de 196928. O Relator, Magistrado Xavier de Albuquer-que, manteve o entendimento que proferiu na Apelação Cível nº 71.154/PR, de 1971:

[...] o Supremo Tribunal vem decidindo reiteradamente que as Leis Uniformes adotadas pelas Convenções de Genebra incorporaram-se ao nosso direito inter-no e entraram em vigor, no Brasil, a contar dos decretos que as promulgaram. [...] Tais decisões reforçaram e atualizaram, em nossos dias, antiga orientação de nossa jurisprudência no sentido do primado do direito internacional sobre o direito interno.29

Mas foi voto vencido. O Magistrado Cunha Peixoto ponderou sobre dois efeitos principais dos tratados incorporados, quais sejam (a) são fontes formais do direito nacional com imperatividade sobre particulares e tribunais internos e, (b) depois de ratificados e publicados, obrigam o governo internacionalmen-te. Mas faz a ressalva, citando o entendimento de Anzilotti, de que o tratado internacional “ainda não converte o que foi convencionado em direito positivo nacional”, pois considera o ato internacional totalmente desvinculado do ato legislativo30. Apesar de este Ministro considerar que a Convenção de Genebra não foi internalizada e por isso não poderia ser aplicada no Brasil, sua conclu-são final é de que, se tivesse sido internalizada, teria-o sido como lei ordinária e, portanto, sujeita à revogação por outra lei.

O Ministro Cordeiro Guerra esclarece que está no passado a discussão acerca da vigência da Convenção de Genebra no Brasil, esclarecendo que, com o Decreto presidencial de promulgação, válida é a Convenção em território bra-sileiro. Todavia, seu status hierárquico é de lei ordinária, logo passível de modi-ficação e/ou revogação por lei ordinária posterior, sendo o caso do Decreto-Lei nº 427, de 1969.

O Magistrado Cordeiro Guerra ratificou este entendimento de que o tra-tado seria incorporado no Brasil não com status supralegal, mas sim com status hierárquico de norma ordinária, podendo ser revogado ou alterado por norma posterior interna de mesmo nível hierárquico.

28 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 80004/SE, Plenário, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, Julgamento 01.06.1977, DJU 22.12.1978.

29 Idem, p. 928. 30 Idem, p. 939.

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Os argumentos foram sustentados no princípio do pacta sunt servanda, em interpretações próprias do Texto da Constituição Federal de 1969 e, ainda, em autores clássicos do direito internacional italiano, como Dionizio Anzilotti, reforçando o posicionamento da corrente dualista do direito internacional na Corte Constitucional brasileira.

4 COM QuEM A CORTE CONSTITuCIONAL BRASILEIRA DIALOGA A PARTIR DA CONSTITuIÇÃO fEDERAL DE 1988?

A Constituição Federal de 1988 tudo mudou. Após um largo período ditatorial no Brasil, o retorno à democracia deu-se em grande estilo, consagra-do pela Constituição Cidadã, que formalizou expressamente em seu texto de abertura que o Estado brasileiro se compromete na ordem interna e interna-cional com a resolução pacífica dos conflitos e rege-se no âmbito das relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, autodeter-minação dos povos e cooperação dos povos para o progresso da humanidade, entre outros.

No que tange aos tratados internacionais, o texto de seu art. 5º, §§ 1º e 2º, fomentou na doutrina nacional e estrangeira o sentimento de que o Brasil teria alterado sua postura dualista em relação à incorporação de tratados internacio-nais, sobretudo dos tratados internacionais de direitos humanos, que passariam a gozar de status hierárquico diferenciado, seja pela Constituição não mais exi-gir um processo complexo de ratificação, nos termos do art. 5º, § 1º, in litteris: “§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, seja ainda por conferir às normas de direito internacional dos direitos humanos status constitucional, pela redação dada pelo texto do art. 5º, § 2º, in litteris: “§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Este encantamento durou pouco. Com a ratificação e incorporação pelo Brasil da Convenção Americana de Direitos Humanos, os debates se iniciaram, e, em 1995, a Corte Constitucional brasileira apreciou pela primeira vez o caso que, por mais de uma década, desafiaria o Supremo Tribunal Federal do Brasil a refletir sobre o status hierárquico a ser reconhecido às normas de direitos hu-manos advindas de tratados internacionais de direitos humanos.

4.1 o cAso dA prIsão cIvIl do deposItárIo InfIel e os prImeIros entendImentos dA corte constItucIonAl brAsIleIrA

Após a entrada em vigor da Convenção Americana de Direitos Humanos ratificada pelo Brasil em 1992, muitos foram os instrumentos de habeas corpus impetrados em favor de réu preso em decorrência de não entrega de bem dado em garantia por ocasião de contrato de alienação fiduciária.

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A questão central analisava os seguintes argumentos: a) se o Decreto-Lei nº 911, de 196931, que dispunha sobre a alienação fiduciária de bem móvel e sua execução, havia sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988; b) se o disposto no art. 5º, LXVII, do Texto Constitucional poderia ser aplicado aos contratos de alienação fiduciária, tendo-se em mente que a redação deste artigo expressamente estabelece que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do depositário infiel; c) se o Decreto-Lei nº 911/1969 teria sido revogado pela Convenção Americana de Direitos Humanos e qual seu status no ordenamento jurídico brasileiro.

Necessário compreender que o mencionado Decreto-Lei nº 911/1969 gozava de hierarquia de norma ordinária no ordenamento brasileiro e permitia – em contrato de compra e venda de bem móvel (em geral veículos particulares) com cláusula de alienação fiduciária (leasing) –, quando o devedor deixava de pagar as prestações e não restituía o bem adquirido, que fora também dado em garantia, converter a ação de busca e apreensão em ação de depósito, e, a partir desta manobra jurídica, alocar a execução contratual entre as possibilidades de prisão civil no Brasil.

O primeiro habeas corpus a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal foi o Habeas Corpus nº 72.131-1, do Rio de Janeiro, de 199532. O relator, Minis-tro Moreira Alves, defendeu o argumento, já publicado por ele em monografia sobre o tema, de que o art. 5º, LXVII, da nova Constituição recepcionava o texto do Decreto-Lei nº 911/1969. Sustentou seu argumento com base no Direito anglo-saxão, citando expressamente o dispositivo trust receipt presente na legis-lação dos Estados Unidos.

No que se refere à Convenção Americana de Direitos Humanos, afastou sua aplicação com argumento de que, apesar de incorporar o ordenamento jurídico brasileiro, com a mesma hierarquia de lei ordinária do Decreto-Lei nº 911/1969, tratava-se de norma geral, prevalecendo o Decreto-Lei, por ser norma específica. O relatório foi aprovado por maioria, indeferindo-se o pedido de habeas corpus. Votos vencidos dos Ministros Marco Aurélio Mello, Francisco Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence.

Muito embora o desfecho do caso não tenha alterado a jurisprudência da Corte Constitucional, merecem destaque os votos consignados pelos magis-trados vencidos no debate. O Ministro Marco Aurélio fez ampla explanação do porquê considerava não recepcionado o Decreto-Lei nº 911/1969, afirmando, a partir de sua interpretação da Constituição de 1988, que a exceção constitu-cional para a prisão civil não comportava interpretações extensivas e abusivas.

31 BRASIL, Decreto-Lei nº 911/1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965 -1988/Del0911.htm>. Acesso em: 15 mai. 2015.

32 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, HC 72.131-1/RJ, Plenário, Rel. Min. Moreira Alves (para o Acórdão), Julgamento 23.11.1995, DJU 01.08.2003, p. 8739.

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Ponderava que o direito à liberdade é direito soberano, não podendo o credor valer-se de tal instrumento para recuperar seu crédito. Argumentou que, ainda que se admitisse a recepção do Decreto-Lei nº 911/1969 pela Constituição Fe-deral de 1988, este decreto teria sido revogado em 1992 pela Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos, uma vez que, sendo a Convenção norma ordinária de natureza posterior, revogaria, no que dispusesse em sentido contrário, as normas anteriores. Fundamentou seus argumentos sempre citando a doutrina nacional e decisões anteriores do Superior Tribunal de Justiça brasileiro.

O voto do Ministro Francisco Rezek prenuncia a mudança de posição da jurisprudência. Ele explica que não há incompatibilidade com o art. 5º, LXVII, do Texto Constitucional com o disposto no art. 7º da Convenção Americana de Direitos Humanos, uma vez que, segundo sua interpretação do Texto Constitu-cional, este não determina que seja preso o depositário infiel, apenas autoriza ao “legislador ordinário, caso queira, tome esse caminho. O legislador ordinário o tomou, ao editar em 1969, o Decreto-Lei nº 911/1969”33. Todavia, em 1992, o mesmo legislador incorporou ao ordenamento jurídico nacional o Pacto de San Jose da Costa Rica, com status hierárquico equivalente ao do Decreto-Lei, logo, revogando-o por força da máxima lex posterior derogat legis priori. O Ministro Francisco Rezek pondera neste habeas corpus especificamente sobre a equiva-lência hierárquica entre tratados e lei ordinária e a prevalência inequívoca da Constituição Federal em caso de conflito material. Fundamentou seu voto na doutrina nacional.

Importante ainda destacar o voto do Ministro Celso de Mello, que, vo-tando com a maioria, sustentou a validade do Decreto-Lei nº 911/1969 e a pos-sibilidade da prisão por dívida do devedor, ao argumento de que a Convenção Americana de Direitos Humanos, como qualquer outro tratado internacional, não tem o condão de restringir a eficácia jurídica das normas constitucionais, e que “não cabe atribuir, por efeito do que prescreve o art. 5º, § 2º, da Carta Política, um inexistente grau hierárquico das convenções internacionais sobre direito positivo interno vigente no Brasil”34. Argumentou que o Brasil não fez como a Argentina, ao consagrar a supremacia dos tratados internacionais em seu Texto Constitucional de 1853, emendado em 1994. Ao contrário, o Brasil se filia ao modelo adotado pelas Constituições da Nicarágua (1987), da Colômbia (1991) e da Bulgária (1991), que expressamente dispõem que toda norma in-ternacional que se opuser à norma constitucional não terá validade. O voto do Ministro Celso de Mello reafirma a posição do Supremo Tribunal Federal de não reconhecer o status constitucional aos tratados de direitos humanos, afastando, por interpretação restritiva, o disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988. O Ministro Celso de Mello fundamenta seu voto na doutrina nacional,

33 Idem, p. 8695.34 Idem, p. 8729.

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em especial em Pontes de Miranda, e em decisões anteriores do próprio Supre-mo Tribunal Federal.

No mesmo ano, a Corte Constitucional apreciou o Habeas Corpus nº 73.453-735, do Paraná. O Relator, Ministro Néri da Silveira, em seu voto, repetiu o relatório vencedor do Ministro Moreira Alves no Habeas Corpus nº 72.131-1 anteriormente analisado, julgado apenas alguns dias antes. O Su-premo Tribunal Federal novamente votou, por maioria, pelo indeferimento do pedido de habeas corpus. O Ministro Marco Aurélio repetiu aqui o voto mani-festado no HC 72.131-1/RJ, ainda que novamente vencido. O Ministro Carlos Velloso, de igual modo, em seu voto vencido, sustentou pela inconstituciona-lidade do Decreto-Lei nº 911/1969, corroborando o voto e os argumentos do Ministro Marco Aurélio sobre a não recepção do Decreto nº 911/1969 pela Constituição Federal de 1988.

Várias foram as decisões posteriores nas quais o Supremo Tribunal Fe-deral analisou a questão do status hierárquico dos tratados internacionais de direitos humanos, mantendo a posição da equivalência dos tratados de direi-tos humanos às normas ordinárias, ou seja, afirmando sua natureza infracons-titucional, como na ADI-MC 1.480-3/DF (Relator Ministro Celso de Mello, em 04.09.1997); no RE 206.482-3/SP (Relator Ministro Maurício Corrêa, Julgado em 27.05.1998, DJ 05.09.2003); no HC 81.319-4/GO, Relator Ministro Celso de Mello, Julgado em 24.04.2002, DJ 19.08.2005); no HC 79.870/SP (Rela-tor Ministro Moreira Alves, DJ 20.10.2000); no HC 77.053/SP (Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ 04.09.1998); no RHC 80.035/SC (Relator Ministro Celso de Mello, DJ 17.08.2001), entre outros.

4.2 A mudAnçA de pArAdIgmA nA corte constItucIonAl brAsIleIrA: A tese dA suprAlegAlIdAde dos trAtAdos InternAcIonAIs de dIreItos humAnos

O Supremo Tribunal Federal, após enfrentar vários casos sobre o tema da hierarquia dos tratados de direitos humanos no ordenamento brasileiro, re-solveu julgar simultaneamente quatro casos emblemáticos para estabelecer a jurisprudência no tema. São os casos do Recurso Extraordinário nº 349.703, do Rio Grande do Sul36, do Recurso Extraordinário nº 466.343, de São Paulo37, do

35 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, HC 73.453-7/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Néri Silveira, Julgamento 18.12.1995, DJU 28.04.2000, p. 409.

36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 349.703, Rio Grande do Sul. Tribunal Pleno, Relator para acórdão Min. Gilmar Mendes, J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Recorrente: Banco Itaú S.A., Recorrido: Armando Luiz Segabinazzi.

37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 466.343, São Paulo. Tribunal Pleno. Relator Min. Cezar Peluso. J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Recorrente: Banco Bradesco S.A., Recorrido: Luciano Cardoso Santos.

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Habeas Corpus nº 87.585, do Tocantins38, e do Habeas Corpus nº 92.566, de São Paulo39.

O quadro a seguir, criado por Bastos Junior e Gonçalves (2013), ilustra a evolução temporal dos debates travados na Corte Constitucional até a decisão final, em 3 de dezembro de 2008, após mais de seis anos de reflexões sobre o status hierárquico dos tratados de direitos humanos no Brasil.

RE 349.703/RS RE 466.343/SP HC 87.585/TO HC 92.566/SP

Distribuição do processo

01.08.2002 15.12.2005 19.12.2005 24.09.2007

Relator Ministro Ilmar Galvão (Carlos Britto)

Cezar Peluso Marco Aurélio Marco Aurélio

Fundamento do pedido/prisão

Alienação fiduciária

Alienação fiduciária

Ação de depósito Penhor rural e depósito judicial

Voto de Gilmar Mendes

Voto de Vista: 03.04.2003

Voto de Manifestação: 22.11.2006

Voto de Manifestação: 22.11.2006

Voto de Celso de Mello

Voto de Vista: 22.11.2006

Voto de Manifestação: 12.03.2008

Voto de Vista: 22.11.2006

Voto de Manifestação: 12.03.2008

Voto de Vista: 22.11.2006

Voto de Manifestação: 12.03.2008

Voto de Menezes de Direito

Voto de Vista: 12.03.2008

Voto de Vista: 12.03.2008

Voto de Vista: 12.03.2008

Julgamento Final 03.12.2008 03.12.2008 03.12.2008 03.12.2008

Importante ressaltar que, ao logo destes seis anos e a partir da análise, a princípio separada, depois integrada, dos quatro casos citados, diferentes foram as manifestações dos magistrados, em votos apartados e em debates diretos, so-bre a hierarquia dos tratados internalizados. Tais manifestações foram assim re-sumidas pelo Ministro Gilmar Mendes, em seu voto de vista no RE 349.703/RS; quais sejam:

a) a vertente que reconhece a natureza supraconstitucional dos tratados e con-venções em matéria de direitos humanos;

b) o posicionamento que atribui caráter constitucional a esses diplomas interna-cionais;

38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 87.585, Tocantins. Tribunal Pleno, Re. Min. Marco Aurélio. J. 03.12.2008, P. 26.06.2009 (DJe 118), Paciente: Alberto de Ribamar Ramos Costa, Coator: Superior Tribunal de Justiça.

39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 92.566, São Paulo. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Paciente: José Arlindo Passos Correa, Coator: Superior Tribunal de Justiça.

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c) a tendência que reconhece o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional;

d) por fim, a interpretação que atribui caráter supralegal aos tratados e conven-ções sobre direitos humanos.

Dos onze Ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal, nove participaram ativamente dos julgamentos e seis manifestaram expressamente seu posicionamento de forma fundamentada em votos de relatoria ou apartados.

Destaca-se ainda que o resultado final dos debates foi de cinco votos para a tese da supralegalidade, quatro votos para a tese da constitucionalidade (Celso de Mello, Ellen Gracie, Eros Graus e Carlos Brito), que reconheceria, conforme entendimento doutrinário, status constitucional aos tratados de direi-tos humanos, e dois votos (Ministros Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa) que não se manifestaram diretamente sobre uma tese ou outra40.

Daqui é possível extrair que, apesar de a Corte Constitucional brasileira não ter reconhecido a força e vigência imperativa do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição Federal em vigor, chegou muito perto disso e avançou muito nesta matéria.

Após unificados os casos, os votos de vista e manifestação nos quatro processos, bem como os votos de relatoria para Acordão, também se repeti-ram, com pontuais exceções. Quanto aos argumentos utilizados em cada voto e manifestação, ressalta-se o voto do Ministro Ilmar Galvão no RE 349.703/RS, em que cita expressamente vários tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, destacando os Pactos de Paris de 1966 das Nações Unidas e a Conven-ção Americana de Direitos Humanos, evidentemente. Utiliza como argumen-to o princípio da dignidade humana, a norma mais favorável ao indivíduo é na doutrina estrangeira, sobretudo francesa e portuguesa. E ainda destaca dis-positivos das Constituições dos Estados Unidos, da Alemanha e a Declaração Francesa de Direitos e Deveres do Homem e Cidadão, como influências desta necessária mudança de paradigma pelo qual deveria passar o Tribunal, uma vez que ele mesmo foi convencido a mudar de posição ao longo dos debates.

O voto do Ministro Gilmar Mendes, no RE 309.703/RS, depois indicado pela presidência para relatoria do Acordão, foi decisivo para a mudança de en-tendimento da Corte Constitucional brasileira em favor da tese da supralegalda-de. Em seu voto, simultâneo ao voto no Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, destaca os pontos que o Supremo Tribunal Federal deve enfrentar para resolver o problema e ainda sugere a unificação dos casos pendentes, para que o julga-mento, quando proferido, tenha efeitos erga omnes.

40 Idem, p. 468.

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Para fundamentar seu voto utiliza muito as doutrinas nacional e estran-geira, sobretudo alemã, em especial na parte que afasta a tese do status de supraconstitucionalidade dos tratados de direitos humanos no Brasil, afirmando que

o argumento de que existe uma confluência de valores supremos protegidos nos âmbitos interno e internacional em matéria de direitos humanos não resolve o problema. A sempre possível ampliação inadequada dos sentidos possíveis da expressão “direitos humanos” poderia abrir uma via perigosa para uma produção normativa alheia ao controle de sua compatibilidade com a ordem constitucional interna. O risco de normatizações camufladas seria permanente. (RE 349.703, p. 712-3)

Quanto à tese de equiparação entre tratados e Constituição41, argumenta que a incorporação de tratados internacionais com status constitucional dificul-taria a competência de controle de constitucionalidade da Corte Constitucional brasileira, e cita que mesmo os tribunais europeus são bastante cautelosos em apreciar questões de constitucionalidade em matéria de tratados internacio-nais, a exemplo do caso Maastrich, julgado pelos tribunais da Alemanha e da Espanha. Importante aqui destacar que, embora o Ministro Gilmar Mendes es-teja a fundamentar esta parte de seu voto em duas decisões de dois tribunais europeus distintos, o contato com estas decisões deu-se de forma indireta, ou seja, por meio da análise feita deste caso por um doutrinador alemão e outro espanhol. Quer-se com isso concluir que o Ministro não teve, de fato, contato, com a jurisprudência destes tribunais, apenas as conheceu quando pesquisava sobre a matéria junto aos doutrinadores estrangeiros.

Afasta, como já havia ressaltado em julgados anteriores, a tese da legali-dade ordinária dos tratados de direitos humanos, argumentando que tal posicio-namento não deve mais prevalecer, e utiliza o argumento de Peter Häberle do Estado Constitucional Cooperativo. A partir daí propõe a tese da supralegalida-de dos tratados de direitos humanos como alternativa para resolver o problema, fundamentando sua tese na doutrina estrangeira e citando várias outras Cartas Políticas de outros Estados, sobretudo europeus, que teriam esboçado posição análoga.

Cabe ainda conferir destaque ao voto do Ministro Celso de Mello no RE 349.703/RS, que defende a tese da paridade constitucional entre tratados de direitos humanos e a Carta Política brasileira de 1988, com o fundamento de que o

41 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Brasília, 113:118, 1998, p. 88-89; e PIOVESAN, Flávia. Op. cit., p. 94.

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eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a con-centrar-se, também, na dimensão subjetiva da pessoa humana, cuja essencial dignidade veio a ser reconhecida, em sucessivas declarações e pactos interna-cionais, como valor fundante do ordenamento jurídico sobre o qual repousa o edifício institucional dos Estados nacionais.42

Em seu voto, o Ministro Celso de Mello demonstra conhecer o posicio-namento da doutrina nacional em defesa do reconhecimento do status cons-titucional aos tratados de direitos humanos e não se limita a citar apenas os juristas tradicionais do direito internacional público, mas especialistas da lavra do Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, atualmente magistrado brasileiro junto a Corte Internacional de Justiça (ONU). Utiliza ainda como argumentos os textos de Constituições de outros Estados, a exemplo da Argentina, Holanda e República Russa, que, em sentido análogo, reconheceram a equiparação das normas de direitos humanos dispostas em tratados internacionais aos direitos e às garantias fundamentais expressos em suas Constituições.

No julgamento do HC 87.585-8/TO, o voto de vista do Ministro Menezes Direito foi o fio condutor dos debates. Após detalhadamente explanar sobre as diferenças históricas entre teóricos monistas e dualistas e seus reflexos na incorporação de tratados internacionais, o Ministro destacou a importância do reconhecimento da pessoa humana como elemento central de tutela, não im-portando o nome atribuído à norma ou ainda seu status hierárquico, visto que, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, disposto no Texto Consti-tucional, a norma mais favorável ao indivíduo deveria prevalecer. Ao analisar o tema central do caso, seu voto foi pelo reconhecimento de status especial aos tratados de direitos humanos, ainda que infraconstitucional. Em seu voto, o Ministro Menezes Direito cita os clássicos do direito internacional público, es-pecialistas nacionais e estrangeiros em matéria de tratados de direitos humanos e outros casos já apreciados pelo próprio STF.

No caso do HC 92.566-9/SP, os debates se situaram sobre o depositário judicial infiel, qual seja, aquele que, não por força de contrato de alienação fiduciária, mas sim por encargo público de depositário judicial, torna-se infiel ao não devolver o bem quando reclamado. O Ministro Menezes Direito, em seu voto, entendeu que é incompatível com o direito internacional e as normas de direitos humanos a prisão civil do depositário judicial. Foi voto vencido, contra a maioria dos Ministros que reiteraram os votos dos casos anteriores, afastando a possibilidade de qualquer prisão de depositário infiel, seja ele de ordem con-tratual ou derivada de múnus público.

42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 349.703-1/RS (RE 349.703-1/RS), Relator para o Acordão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, Julgamento 03.12.2008, Diário da Justiça 05.06.2009. p. 779.

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Por fim, no RE 466.343/SP, o voto do Relator Ministro Cezar Peluzo foi acompanhado por unanimidade. Importante destacar o voto do Ministro Joaquim Barbosa anexado aos autos, em que destaca a importância do prin-cípio da dignidade humana e sua prevalência sobre qualquer outra norma ou dispositivo. Não se manifesta expressamente sobre as duas teses divergentes na Corte Constitucional brasileira a esta altura, quais sejam do status constitucional ou do status supralegal dos tratados de direitos humanos, mas destaca como critério hermenêutico basilar o princípio da aplicação da norma mais favorável ao indivíduo43.

CONSIDERAÇÕES fINAISA questão do status dos tratados de direitos humanos no Brasil foi pa-

cificada após o julgamento conjunto dos recursos extraordinários e habeas corpus, em 2008, pelo Supremo Tribunal Federal, mas não foi decidida defini-tivamente. Conforme destacado pelo Ministro Celso de Mello, em seu voto no HC 92.566/SP, a Corte não obteve maioria dos votos qualificáveis para con-solidar o entendimento, tendo a tese da supralegalidade vencido por 5 votos a 4 contra a tese da constitucionalidade44. Com a posse dos Ministros Roberto Barroso em 2013 e do Ministro Edson Fachin em 2015, cujo perfil é menos conservador, o entendimento da Corte Constitucional brasileira ainda poderá rever este posicionamento e reconhecer a tese da paridade constitucional entre tratados de direitos humanos e os direitos e garantias fundamentais consagrados na Carta Política brasileira.

Atualmente, o entendimento fundamenta-se, com apoio da doutrina constitucionalista nacional, no chamado bloco de constitucionalidade, desig-nando, por um lado: a) o status constitucional aos tratados de direitos humanos que forem ratificados e aprovados pelo Poder Legislativo brasileiro com o quó-rum qualificado previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988; e, por outro lado, b) o status de norma supralegal aos demais tratados de direitos humanos ratificados no Brasil independentemente da data de sua incorporação, mas cujo conteúdo também detém assento no conjunto de direitos e garantias fundamentais reconhecidos pelo país, ainda que não estejam, formalmente, in-seridos no texto da Carta Magna brasileira. Os tratados internacionais que ver-sam sobre outros temas que não direitos humanos são internalizados por meio do procedimento previsto constitucionalmente, obtendo status de lei ordinária.

43 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 466.343, São Paulo. Tribunal Pleno. Relator Min. Cezar Peluso. J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Recorrente: Banco Bradesco S.A., Recorrido: Luciano Cardoso Santos. p.1199-1201.

44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 92.566, São Paulo. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Paciente: José Arlindo Passos Correa, Coator: Superior Tribunal de Justiça. p. 468.

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Apesar do evidente avanço no posicionamento da Corte Constitucio-nal brasileira, a resposta à pergunta que permeia este trabalho, qual seja, Com quem a Corte Constitucional brasileira dialoga?, não indica que tais avanços se deram por influência estrangeira, ou, ainda, por força dos próprios tratados de direitos humanos, objeto da matéria em análise em todos os casos analisados.

O presente trabalho buscou analisar como a mais alta Corte de Justiça brasileira argumenta e como decide questões que versam sobre como incorpo-rar e aplicar tratados internacionais de direitos humanos dos quais o País seja signatário. Buscou-se, a partir da análise das decisões acerca do tema, identi-ficar um fio condutor ou uma influência que pudesse justificar esta mudança de paradigma, e a hipótese central da pesquisa sinalizava para uma influência externa, conferida pelos tratados internacionais de direitos humanos, mas tam-bém pelos tribunais internacionais de direitos humanos ou, ainda, pelas Cortes Constitucionais de outros Estados, que também enfrentaram este tema e, portan-to, poderiam contribuir com sua experiência.

No cenário atual, o Brasil tem sido denunciado e condenado junto ao sistema interamericano de direitos humanos por inúmeras e distintas violações de direitos humanos. Sentenças contra o Brasil da Corte Interamericana de Di-reitos Humanos, e em especial a sentença Gomes Lund (Caso Araguaya), que tiveram a participação ativa do Supremo Tribunal Federal, impactaram o país nos últimos anos e, portanto, esperava-se que esta conjuntura tivesse reflexos nos argumentos dos Ministros quanto à incorporação dos tratados de direitos humanos no País.

O que se percebeu foi justamente o oposto. Um distanciamento, quase que absoluto, da Corte Constitucional brasileira dos demais Tribunais Interna-cionais e Cortes estrangeiras. Não há qualquer diálogo no que tange a esta ma-téria. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao decidir e fundamentarem suas decisões, fazem-no com base quase exclusiva de interpretações próprias do Texto Constitucional, citando, aqui e ali, extratos da doutrina nacional na tentativa de fundamentar suas convicções; em muitos dos casos, dando a im-pressão de que são impressões preconcebidas.

Em um ou outro voto, os Ministros do Supremo Tribunal Federal mencio-naram decisões de Corte Constitucionais de outros Estados, sobretudo europeus e dos Estados Unidos. Mas como já destacado, percebeu-se pela citação que não tinham, de fato, tido contato com a jurisprudência deste ou daquele tribu-nal, não tinham analisado com profundidade as sentenças e os votos dos casos mencionados, estando apenas a repetir a interpretação dada por um doutrina-dor nacional ou estrangeiro.

A doutrina estrangeira assume um certo destaque em alguns dos votos mais importantes do presente caso, mas ainda de forma marginal e com autores secundários, em termos de impacto ou reconhecimento internacional no que se

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refere aos pesquisadores prestigiados que estudam o tema em centros de inves-tigação qualificados no exterior.

Ainda sobre a doutrina, pode-se perceber que muitos dos autores na-cionais citados são populares entre os estudantes de graduação em Direito, conhecidos no Brasil como Manuais de Direito ou Estudos Preliminares sobre determinado tema, alguns destes de autores já falecidos, cuja obra não fora atualizada. Raros são os votos em que clássicos da literatura jurídica de direito internacional brasileira ou estrangeira são mencionados e ainda mais raro quan-do a doutrina utilizada, seja ela nacional ou estrangeira, envolve um pesquisa-dor especialista no tema contemporâneo, e com reconhecimento internacional, com exceção do Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, referenciado várias vezes. Importante destacar ainda que a maioria dos autores mencionados são autores de editoras da região sudeste do País, sendo rara a menção a doutrina-dores e editoras das demais regiões.

Os votos mencionam textos de tratados internacionais de direitos huma-nos ratificados pelo Brasil, mas em nenhum dos votos analisados foi trazido ao caso a interpretação dada pelos Tribunais Internacionais ou órgãos internacio-nais de monitoramento internacional destes tratados, cuja competência é defi-nida no próprio tratado. Assim, a Corte ao analisar dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos, em nenhum momento demonstrou conhecer as Opiniões Consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos ou ain-da outros casos sentenciados por este Tribunal em que se discutiu matéria de hermenêutica do tratado. O mesmo vale para os tratados no âmbito das Nações Unidas, várias vezes citados, sem qualquer menção à atuação da antiga Comis-são de Direitos Humanos e ao recente Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A mesma conclusão vale para as citações de textos de outras Constitui-ções de Estados estrangeiros, sem qualquer referência significativa à interpreta-ção dada pela respectiva Corte Constitucional sobre o dispositivo citado. Por fim, as raras referências a casos julgados por outros tribunais concentram-se em exemplos europeus e estadunidenses, sem qualquer citação sobre sentenças ou decisões proferidas por Cortes Constitucionais de Estados latino-americanos.

A partir dos dados coletados, pode-se chegar a algumas conclusões par-ciais não antagônicas. (a) O Supremo Tribunal Federal brasileiro avançou em termos de reconhecimento do status e da importância hierárquica dos tratados de direitos humanos, tendo por base a percepção dada pela doutrina nacional, (b) sobretudo pela doutrina produzida na região sudeste do País. É relevante mencionar que o Brasil possui 5 distintas regiões e as regiões sul e sudeste abrigam a maioria da população branca e descendente de europeus no Brasil. (c) Não há diálogo ou influência estrangeira nesta mudança de paradigma, o que aponta que houve, pelo processo político democrático, uma oxigenação da própria Corte com a posse de Ministros menos conservadores. (d) Quer-se

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com isso significar que a Corte decide a partir da herança política e intelectual do quadro de seus Ministros, e não como uma instância única ou a partir da conjuntura internacional ou mesmo regional do País.

Com efeito, se não há diálogo com outras Cortes ou Tribunais Internacio-nais com competência análoga para apreciar casos envolvendo tratados de di-reitos humanos, e se os fundamentos utilizados ainda estão limitados à doutrina nacional generalista, é possível concluir que o futuro da Corte Constitucional brasileira é promissor, na medida em que se permita conversar com pesquisado-res qualificados, estudar a experiência de Tribunais especializados e fomentar no País uma verdadeira revolução também nas universidades, que utilizam os votos e as decisões como standard jurídico de análise para a apreciação e com-preensão do Direito.

O futuro cobra do Supremo Tribunal Federal uma abertura e diálogo, em especial com a América Latina e seus Tribunais, e o quadro atual de seus Ministros permite, pela qualidade técnica e experiência intelectual, este salto.

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______. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 349.703, Rio Grande do Sul. Tribunal Pleno, Relator para acórdão Min. Gilmar Mendes, J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Recorrente: Banco Itaú S.A., Recorrido: Armando Luiz Segabinazzi.

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______. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 466.343, São Paulo. Tribunal Pleno. Relator Min. Cezar Peluso. J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Recorrente: Banco Bradesco S.A., Recorrido: Luciano Cardoso Santos.

______. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 87.585, Tocantins. Tribunal Ple-no, Re. Min. Marco Aurélio. J. 03.12.2008, P. 26.06.2009 (DJe 118), Paciente: Alberto de Ribamar Ramos Costa, Coator: Superior Tribunal de Justiça.

______. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 92.566, São Paulo. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104). Paciente: José Arlindo Passos Correa, Coator: Superior Tribunal de Justiça.

______. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 349.703-1/RS (RE 349.703-1/ RS), Rel. p/ Ac. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, J. 03.12.2008, Diário da Justiça 05.12.2009. p. 779.

______. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 466.343, São Paulo, Tri-bunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 03.12.2008, P. 05.06.2009 (DJe 104), Recorren-te Banco Bradesco S.A., Recorrido Luciano Cardoso Santos, p.1199-1201.

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Parte Geral – Doutrina

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O Resgate da Legitimidade da Jurisdição Constitucional Objetiva pela Valorização do Procedimento

The Rescue of the Legitimacy of the Constitutional Jurisdiction Objective by the Valorization of the Procedure

FERnAnDO SéRgIO AmORImPossui Pós‑Doutorado em Direito pela Université de Montreal, Centre de Recherches en Droit Public (Laboratoire de Cyberjustice) em 2015 e é Pós‑Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC‑Rio. Possui Doutorado em Direito pela Univer‑sidade Federal de Pernambuco em 2011, Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco em 2006, Graduação em Direito pela Fundação Educacional Jayme de Altavilla (Cesmac) em 1991 e Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas em 1991. É Professor do curso de Direito do Centro Universitário Cesmac desde 1997, nos cursos de graduação e pós‑graduação, e Coordenador do Curso de Direito dessa Instituição desde 2006. É Professor da Faculdade Sete de Setembro (Fasete), em Paulo Afonso/Bahia. Foi Pro‑fessor substituto da Universidade Federal de Alagoas.

JADSOn CORREIA DE OLIvEIRAProfessor da Faculdade Sete de Setembro, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Doutorando pela PUC‑SP.

Data de Submissão: 28.04.2017Data de Aprovação: 19.06.2017Data da Comunicação ao Autor: 19.06.2017

RESUMO: O presente trabalho tem o escopo de analisar as mutações sofridas pela atividade jurisdi‑cional com vistas a conferir‑lhe maior legitimidade, principalmente diante da pluralização do processo constitucional. O ponto de partida de tal estudo se deve às recentes posturas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF em sede de participação democrática em suas decisões, tais como a realiza‑ção de audiências públicas e a abertura de espaço para a habilitação de amicus curiae no curso dos processos objetivos de controle de constitucionalidade das normas. Para alcançar o seu desiderato, realiza estudos acerca de temas delineadores da discussão, quais sejam: a busca pela legitimidade do Direito e a atuação dos intérpretes da Constituição; a necessidade de se realizar o processo constitucional de acordo com a evolução da própria sociedade a respeito dos seus valores (tempo e Constituição), ou seja, a interpretação evolutiva do Texto Constitucional, sem, contudo, poder haver um afastamento do procedimentalismo sob pena de ruptura com a própria legalidade.

PALAVRAS‑CHAVE: Jurisdição constitucional; legitimidade; democracia deliberativa.

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ABSTRACT: The present work has the objective to analyze the changes undergone by the judicial activity in order to give it more legitimacy, especially before the pluralization of the constitutional process. The starting point for such study is due to the recent positions held by the Supreme Court based on democratic participation in their decisions, such as holding public hearings and open space for the qualification of an amicus curiae in the course of the objective processes of judicial standards control. To achieve its goal, it conducts studies on some topics of discussion, which are: the quest for legitimacy of law and the role of interpreters of the Constitution, the need to carry out the cons‑titutional process in accordance with the evolution of society itself, specially about its values (time and Constitution), the evolutionary interpretation of the Constitution, without, however, a retreat from proceduralism, under penalty of braking paradigms with legality.

KEYWORDS: Constitutional jurisdiction; legitimacy. deliberative democracy.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O surgimento da atividade jurisdicional e a garantia constitucional do aces‑so à Justiça; 2 Aspectos fundamentais dos modelos de controle de constitucionalidade no Brasil; 3 Da legalidade à legitimidade: o reencontro da moral e da finalidade pública com o texto legal; 4 A garantia do acesso à Justiça e as profundas mutações sofridas pela jurisdição constitucional objetiva: como respeitar o procedimento e continuar buscando a legitimidade?; 4.1 O povo como ator e não mero espectador na interpretação das normas constitucionais; 4.2 As reformas promo‑vidas na atividade jurisdicional: a figura do amicus curiae como resposta ao déficit de legitimidade das decisões do STF; 5 O procedimentalismo proposto por Habermas e a legitimidade da jurisdição constitucional: um encontro possível; 6 A soberania popular e a legitimidade da STF para promover o controle de constitucionalidade; Considerações finais; Referências.

INTRODuÇÃOAs decisões oriundas do STF, conforme resta sedimentado na doutrina e

também pelo próprio discurso da sociedade, sofrem de um déficit de legitimi-dade em virtude, principalmente, de aquela corte adotar uma postura distante da sociedade, desde o momento da escolha de seus membros até a formação da decisão. O que se quer dizer é que a mais alta corte do nosso País, muitas das vezes responsável por dar uma decisão final sobre situações que alcançarão os interesses da sociedade brasileira, não deveria chegar a uma conclusão sem se permitir ouvir a opinião técnica dos que serão alcançados por tal decisum.

O presente estudo procura demonstrar, por meio da análise de ideias como a pluralização dos intérpretes da Constituição e do respeito ao proce-dimento para a realização de tal atividade, é que o controle de constitucio-nalidade objetivo, em que pese a existência da garantia do acesso à atividade jurisdicional, na verdade, por não possuir partes nem comportar a figura do contraditório, acaba por promover um afastamento da sociedade do Direito. Tal quadro ocasiona o não entendimento das decisões proferidas.

Nesse sentido, a própria Constituição da República de 1988 busca meios de promover esse encontro, ou de pelo menos diminuir essa tensão entre os ju-risdicionados e o Direito. Tanto é verdade o que se afirma anteriormente que é

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sabido que, inicialmente, o sistema de controle abstrato de constitucionalidade das normas era, no tocante à legitimidade para o seu início, bastante restritivo, recaindo tal atribuição somente ao Procurador-Geral da República. Somente após a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, ocorreu uma, ainda tímida, am-pliação do rol de legitimados, exigindo-se, também, a demonstração da perti-nência temática. O que tal alteração provocou foi uma singela pluralização do debate constitucional e uma certa democratização da jurisdição constitucional objetiva.

Feita a esta digressão, esse artigo realiza, de forma dialética, uma análise do resgate da legitimidade da jurisdição constitucional desenvolvida pelo STF, principalmente após o advento da Lei nº 9.868/1999, que, em seu art. 7º, § 2º, viabilizou a participação do amicus curiae e a Emenda ao Regimento Interno do Supremo nº 29/2009, que passou a disciplinar o procedimento para a realiza-ção das audiências públicas. Assim, percebe-se que a legitimidade da jurisdição constitucional objetiva pode ser extraída do procedimento para a formação da decisão.

Para alcançar o seu desiderato, a presente investigação se inicia pelo estudo do surgimento da atividade jurisdicional e avança para a valorização da legitimidade por meio do respeito da vontade popular.

O estudo avança valendo-se do método dialético, buscando promover um encontro entre as ideias acerca da pluralização do debate constitucional promovida por Peter Häberle, com as ideias de legitimidade e procedimento trazidas por Habermas, a fim de demonstrar o resgate dessa legitimidade do procedimento por meio da formação de um consenso legitimador trazido pelo discurso jurídico, criado na decisão capaz de convencer a sociedade sobre a sua própria validade.

1 O SuRGIMENTO DA ATIVIDADE JuRISDICIONAL E A GARANTIA CONSTITuCIONAL DO ACESSO À JuSTIÇA

Com o advento do ideal da separação de poderes, surgiu o conceito de um poder exercido de forma una e indivisível, insuscetível de controle externo, mas com aptidão para promover o controle da atividade dos demais poderes, surgindo assim o conceito de Jurisdição.

A partir do momento em que o Estado avocou para si o poder de solucio-nar conflitos e de pacificar as relações sociais, criou a jurisdição e vedou, em re-gra, o uso da autotutela. Mas, além de ter criado um poder, deu luz, também, a um dever, o de resolver as lides e, além disso, o de pacificar as relações sociais.

Se por um lado a jurisdição é um poder que abarca um gama de atribui-ções e competência, também tem a sua faceta de sujeição, a partir do momento em que o Texto Constitucional veda o seu não exercício ou a criação de obstá-

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culos para que ela seja alcançada pela sociedade. Essa é a doutrina do acesso à Justiça.

Mas o conceito de jurisdição ainda permanecia vago e impreciso. Em um primeiro momento, competia ao juiz aplicar o direito posto. Contudo, e se a norma for de encontro aos anseios da sociedade? Se ela não tiver passado por um procedimento legítimo de elaboração e validação? Esse poder-dever conti-nuava comportando uma série de atribuições, mas também não era suficiente para legitimar uma atuação contrária aos interesses sociais.

Em um período mais recente, surge a indagação acerca da possibilidade de a jurisdição abarcar uma atividade jurisprudencial que acaba por promover severas alterações ao enunciado normativo, consubstanciando-se em uma ver-dadeira usurpação da função legislativa. Uma jurisprudência de valores não romperia com o princípio da reserva legal e com a própria segurança jurídica?

As perguntas anteriores acabaram por promover uma verdadeira mudan-ça na forma como a sociedade enxerga aqueles que exercem a atividade juris-dicional, bem como culminou em uma abertura cognitiva e dialógica dos que antes exerciam tal poder de forma ensimesmada.

Na verdade, surge um período de crise e nesse momento nascem propos-tas de alteração de paradigmas.

Sobre o tema, merece menção e destaque a obra de Capelletti e Garth (1988), que traz a ideia de que a atividade jurisdicional precisa passar, em uma terceira onda de reformas, por verdadeiras mudanças estruturais do Estado e da forma como esse entende tal poder-dever. (Capelletti; Garth, 1988).

A jurisdição não pode ser exercida com o fim exclusivo de legitimar atu-ações estatais, nem pode ser analisada apenas sob a ótica formal da mera apli-cação das leis. A ideia de Estado democrático anda lado a lado à forma como a jurisdição é exercida nesse mesmo Estado, pois a ideia de jurisdição está atrelada à de poder.

A esse respeito, vale destacar:

[...] Uma coisa é certa: não podemos aceitar como democrático um regime que se sustenta apenas no papel e promove a desigualdade social, porque no fundo não passa de uma farsa dizer que se inspira no princípio do governo do povo, na medida em que a maioria da população é afastada do processo de acesso ao poder; também não podemos aceitar como democrático um governo que promo-ve a igualdade social, e, assim se inspira no princípio do governo para o povo, mas que não alcançou o poder por meio da participação popular. [...]. (Souza, 2008, p. 45)

A participação social no exercício da atividade jurisdicional corrobora com o raciocínio de que a abertura cognitiva procedimental do processo obje-

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tivo de constitucionalidade das normas, proposta nesse trabalho, além de pro-mover uma singela aproximação da sociedade ao Direito e, principalmente, ao STF.

É partindo dessas premissas que o legislador criou mecanismos para ga-rantir tal democratização da jurisdição constitucional sem que se desrespeitasse o procedimento estabelecido. Cria-se, então, o espaço para a figura do amicus curiae e a realização de audiências públicas, como uma forma de promover a democratização do controle concentrado de constitucionalidade, valorizando, pois, o exercício da cidadania ao permitir que a sociedade participe do proces-so de formação da decisão.

2 ASPECTOS fuNDAMENTAIS DOS MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITuCIONALIDADE NO BRASIL

Em virtude de o presente trabalho versar sobre a análise do resgate da legitimidade da jurisdição constitucional objetiva desenvolvida pelo STF, nesse capítulo serão realizados estudos a respeito do controle de constitucionalidade que é o exemplo máximo da jurisdição constitucional.

O tema do controle de constitucionalidade tem em seu berço a própria ideia de supremacia da Constituição. Assim, o Estado das leis cede lugar ao modelo de Estado Constitucional, ao raciocínio de que não é qualquer norma que merece ser cumprida apenas por ser cogente, mas sim aquelas que pos-suem intrínseca relação com conceitos substanciais superiores, como a norma constitucional.

Vale mencionar ainda que o sistema de controle de constitucionalidade tem lugar em constituições rígidas, ou seja, naquelas que não permitem que ato normativo inferior as modifiquem, até porque são decorrentes do próprio Texto Constitucional.

Nos dizeres de Clèmerson Clève,

a compreensão da constituição como Lei Fundamental implica não apenas o reconhecimento de sua supremacia na ordem jurídica, mas, igualmente, a exis-tência de mecanismos suficientes para garantir juridicamente (eis um ponto im-portante) apontada qualidade. A supremacia, diga-se logo, não exige apenas a compatibilidade formal do direito infraconstitucional com os comandos maiores definidores do modo de produção das normas jurídicas, mas também a observân-cia de sua dimensão material. (2000, p. 25)

O controle de constitucionalidade no Brasil pode ser exercido de forma preventiva, conforme a incorporação das premissas do modelo francês realiza-do por meio do seu Conseil Constitution, ou de forma repressiva, que pode ser dar de maneira concentrada, pautada no raciocínio kelseniano de uma Corte Constitucional que possui apenas o condão de zelar pelo Texto Constitucional,

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ou de maneira difusa, com raízes no constitucionalismo norte-americano surgi-do ainda quando do célebre julgamento do caso Marbury vs. Madison, em que compete a todos os detentores da atividade jurisdicional o dever de zelar por sua higidez (Teixeira, 2008, p. 250-251).

O modelo concentrado é pautado por um rol fechado de legitimados a propor ações de revisão das normas, enquanto que o difuso possui uma base ampla, permitindo o acesso de todos à jurisdição constitucional por intermédio de qualquer órgão jurisdicional; o sistema concentrado não possui partes, nem permite a intervenção de terceiros, e, por conta disso, possui efeitos erga omnes, o difuso, por sua vez, por possuir partes, produzirá efeitos apenas entre aqueles que tenham participado da relação processual.

Essa dicotomia no estudo dos modelos de controle de constitucionali-dade reside, hodiernamente, apenas no campo doutrinário, uma vez que tais sistemas acabam por absorver as características próprias um do outro. Como exemplo disso tem-se a constante abstrativização do controle difuso de cons-titucionalidade e a crescente busca pela participação social no processo de formação da decisão, tratado neste trabalho como abertura do processo cons-titucional objetivo, que promove uma verdadeira subjetivização do controle concentrado de constitucionalidade.

3 DA LEGALIDADE À LEGITIMIDADE: O REENCONTRO DA MORAL E DA fINALIDADE PÚBLICA COM O TEXTO LEGAL

O princípio da legalidade marca o surgimento do conceito de Estado de Direito em substituição ao antigo Estado de Polícia ou Estado Absoluto. Naque-le modelo estatal temos que o princípio susodito inaugurou o período das leis, recaindo, assim, sobre a figura dos que integram a longa manus do Estado agir de acordo com o exato comando normativo.

Juntamente com o conceito de legalidade, deve-se observar, em nosso ordenamento jurídico, como regime de governo, o princípio democrático, que é assim conceituado por Moreira Neto (2005, p. 79):

Este princípio se refere à forma de governo adotada por um Estado, seja repu-blicano ou monárquico, que reconheça a origem do poder no povo, entendido como a parcela dos membros da sociedade aptos a manifestar a vontade política geral, e, em razão disso, estabeleça a igualdade de todos perante a lei, inclusive para proceder à escolha dos seus representantes, aqueles que deverão aplicar o poder do Estado de acordo com essa vontade popular [...].

Assim, em sociedades nas quais a Constituição produz mais do que um efeito programático, isto é, um efeito concretizador dos direitos ali insculpidos, não se pode falar em legalidade sem a procura pelo respaldo dado a sua atua-ção pelos próprios destinatários. Surge assim a busca pela legitimidade.

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No ponto, para demonstrar a distância que há entre a legalidade e a le-gitimidade, é interessante destacar o estudo realizado por Jorge Miranda acerca do princípio da legalidade no constitucionalismo soviético, quando apresenta que, na extinta União Soviética, a aceitação das normas se dava pelo simples fato de serem de natureza socialista (Miranda, 2002, p. 117).

Então, diante do natural amadurecimento social e constitucional pelo qual passou a sociedade, principalmente no período posterior à Segunda Guer-ra Mundial, o conceito de legalidade passou a abarcar os princípios da mora-lidade e da finalidade pública. Não mais se concebia o atuar estatal como um mero cumprimento da norma. Espera-se, desde então, um atuar estatal com o escopo de garantir as premissas contidas no Texto Constitucional, aguarda-se do Estado o cumprimento de normas que sejam pautadas pela proporcionalida-de e pela razoabilidade.

A bem da verdade, hoje, encontramos a necessidade de que as atividades estatais, aí incluída a jurisdicional, sejam exercidas tendo como paradigma de validade a exata resposta social diante da adoção de tal postura. Por essa razão, em sentido oposto, não se deve olvidar que decisões que não guardam correla-ção com a realidade tendem a não ser adimplidas e acabam por fazer a socie-dade e o Direito se afastar. O processo, aí incluído o processo constitucional, deve ser legal, isto é, baseado no cumprimento das regras preestabelecidas, mas também devido, ou seja, adequado à necessidade real, concreta.

O tema citado foi objeto de estudo elaborado por Kelsen no sentido de ratificar a validade de se entender o Judiciário como o guardião da Constituição, posto que, muito embora seja uma função política, esta última expressão deve ser entendida como exercício de poder, o que autorizaria a atuação jurisdicio-nal (Kelsen, 2003).

Indissociável das linhas anteriormente escritas há o surgimento do movi-mento pós-positivista, ou do neoconstitucionalismo, pensamento que vai além da premissa de que a Constituição ocupa o centro do universo jurídico e atua como uma moldura, perante a qual todos os demais ramos do Direito precisam se adequar. A ideia que agora se passa a alinhavar diz respeito ao Texto Consti-tucional ser um papel permeado de ideais e premissas que vivem em constante conflito dialético, mas que podem conviver harmoniosamente em virtude da sua constante adaptabilidade às necessidades dos jurisdicionados concretamen-te deduzidas.

Novamente, o Direito retoma a sua preocupação da procura pela legiti-midade, as leis devem buscar se adequar ao contexto fático e social no qual são aplicadas, devendo o intérprete promover tal adequação do conteúdo do texto com a realidade. O mero enunciado normativo não é mais suficiente para se dizer se tal dispositivo fere a Carta Magna, deve-se, a partir de então, flexibilizar

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esse texto para que, materialmente, a Constituição possa comportar outras situa-ções que, em tese, formalmente, seriam inconstitucionais.

A obra de Häberle sobre a sociedade aberta dos intérpretes da Constitui-ção não deixa de ser uma vertente do movimento neoconstitucionalista, pois prega a análise dos valores envolvidos na interpretação e, além disso, promove uma desconstrução teórica do rol taxativo de intérpretes jurídicos (sociedade fechada) do Texto Constitucional, partindo da premissa de que todos que vivem a norma constitucional são seus intérpretes em potencial.

4 A GARANTIA DO ACESSO À JuSTIÇA E AS PROfuNDAS MuTAÇÕES SOfRIDAS PELA JuRISDIÇÃO CONSTITuCIONAL OBJETIVA: COMO RESPEITAR O PROCEDIMENTO E CONTINuAR BuSCANDO A LEGITIMIDADE?

A partir do momento em que a sociedade brasileira passou a viver o espí-rito constitucional, passou, também, a querer entender, participar e influenciar as decisões proferidas pela Corte a quem recai o ônus de zelar pelo cumprimen-to da Carta Magna.

Para além de uma mera técnica processual, a abertura do processo cons-titucional objetivo ou, aproveitando o termo criado pela doutrina, a subjetiva-ção do controle abstrato de constitucionalidade das normas, mostra-se como uma postura crescente nas decisões proferidas pelo STF. Quanto mais o Texto Constitucional se preocupa com a pluralização do debate de suas próprias nor-mas, maior é a aproximação da sociedade.

O presente trabalho preocupa-se com o estudo da legitimidade da juris-dição constitucional por meio da abertura do processo constitucional objetivo, sem desrespeitar o procedimento ou enfraquecer o próprio modelo de controle concentrado, abertura do processo constitucional, mas não se pode deixar de observar, sob a ótica da legitimidade para a propositura de ADI, exemplo máxi-mo do controle abstrato de constitucionalidade, que, a partir do momento em que foi superado o antigo modelo que trazia como único legitimado o Procu-rador-Geral da República, possibilitou-se uma pluralização do debate constitu-cional. Hodiernamente, as confederações sindicais, órgão entre os legitimados constitucionalmente que mais se aproxima da sociedade, até mesmo pelas suas constantes aparições em debates políticos, são quem mais propuseram ADIs.

Em verdade, busca-se demonstrar que, quanto mais se amplia o debate constitucional, maior é a tendência de participação social e de aproximação dos diálogos proferidos pela sociedade e pelo Direito. Mas, indo além do mero rol de legitimados pela Constituição, a abertura que se defende nas linhas desse estudo é aquela não apenas para dar início ao processo constitucional, mas sim uma capaz de viabilizar a participação antes da tomada da decisão; ou seja, independentemente de quem tenha dado azo ao desenvolvimento da atividade

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jurisdicional constitucional, o que se defende é a possibilidade de participação popular na tomada de decisão por meio da realização de audiências públicas e da habilitação de amicus curiae como formas de garantir a sua legitimidade democrática.

Ainda, o relatório de atividades do STF, a respeito do tema audiências públicas, traz os seguintes dizeres:

Desde a realização da primeira, em 2007, a audiência pública tem sido impor-tante instrumento que, além de subsidiar os Ministros no julgamento de determi-nadas ações, também possibilita a participação da sociedade civil – pelos seus setores organizados – no enfrentamento da controvérsia constitucional. (2011, p. 53)

Então, a partir do momento em que o constituinte erigiu o acesso ao controle jurisdicional como garantia constitucional, o processo deve dar a exata resposta esperada pelas partes, sendo o minimamente interventivo. Em sendo assim, deve-se buscar ouvir os anseios da sociedade, razão pela qual se passou a implementar a subjetivação do controle concentrado de constitucionalidade. A partir de então, o processo constitucional em abstrato passou por um giro interpretativo procedimental.

Nesse sentido, de acordo com Kelsen, houve um “estilhaçamento plura-lista” da unidade do Estado, no tocante ao controle concentrado de constitucio-nalidade (Kelsen, 2003).

Desta forma, independentemente de quem tenha dado início ao processo constitucional objetivo, o presente trabalho busca demonstrar que a realização de audiências públicas e a permissão para que amici curiae se habilitem nos processos de controle de constitucionalidade reforçam o argumento de que a garantia do acesso à Jurisdição traz para o Poder Judiciário muito mais do que uma guarida contra as possíveis investidas despóticas dos demais Poderes, in-corpora o conceito de democracia e legitimidade de suas decisões. O Judiciá-rio, sobremaneira o STF, não pode ser recluso em si mesmo, confiante na infa-libilidade de suas decisões, nem achar que a mera aplicação do estrito Direito, sem levar em consideração todo um conjunto de fatores sociais, é suficiente para que se traga uma decisão que possa ser aceita e adimplida pela sociedade.

4.1 o povo como Ator e não mero espectAdor nA InterpretAção dAs normAs constItucIonAIs

A todo momento foi dito no presente trabalho que as decisões jurisdicio-nais devem respeito aos anseios sociais, mas então indaga-se, qual o significado da expressão “povo”?

Na tentativa de conceituar a expressão anteriormente mencionada, Friedrich Müller analisa quatro significações possíveis:

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O povo como instância de atribuição está restrito aos titulares da nacionalidade, de forma mais ou menos clara nos Textos Constitucionais; o povo ativo está de-finido ainda mais estreitamente pelo direito positivo (textos de normas sobre o direito a eleições e votações, inclusive a possibilidade de ser eleito para diversos cargos públicos). Por fim ninguém está legitimamente excluído do povo-destina-tário; também não e.g. os menores, os doentes mentais ou as pessoas que perdem – temporariamente – os direitos civis. Também eles possuem uma pretensão nor-mal ao respeito dos seus direitos fundamentais e humanos [...]. (2003, p. 79-80)

A importância da definição do povo repercute na preocupação com a legitimidade das decisões, uma vez que não se pode permitir a ditadura de uma maioria como sendo sinônimo de democracia, por isso a adoção da postura contramajoritária em algumas decisões jurisdicionais, mas, ao mesmo tempo, deve ser respeitado o procedimento que rege as relações processuais.

Afinal de contas, o povo é intérprete em potencial do Texto Constitucio-nal, mas, quando permanece alheio ao exercício do poder, nada mais se torna além de uma figura oprimida pelo próprio poder.

Sobre o tema do protagonismo social, Emerson Borges de Oliveira assim se manifesta (2015, p. 40):

No Brasil, por exemplo, bem ou mal, foi a partir de um clamor público, já esgo-tado de tantos escândalos políticos, que conduziu à pressão popular a motivar a edição da Lei da Ficha Limpa e, igualmente, na sua aceitação pelo Supremo Tribunal Federal como constitucional.

É bem sabido que a atividade jurisdicional não sofre controle externo, as decisões oriundas do exercício desse poder só são passíveis de controle por esse mesmo poder. Mas não se pode olvidar que a opinião pública interfere na realização da interpretação das normas constitucionais.

O que se pretende demonstrar no presente trabalho é a noção de que o Direito busca respeitar alguns conceitos metajurídicos que habitam no seio da sociedade. Contudo, isso não implica dizer que deve haver uma sujeição das normas aos valores sociais, um total desapego à criação legislativa do Direito por uma sobrevalência da interpretação substancial dessas mesmas normas.

Corroborando com o quanto afirmado:

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, na redação dada pela Emen-da Regimental nº 29/2009, prevê para o presidente ou relator, em relação aos processos de sua competência, atribuição de convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determina-da matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse público relevante, debatidas no âmbito do tribunal (RISTF, arts. 13, XVII e XVIII, e 21, XVII e XVIII). (Mendes, 2012, p. 1.302)

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Na verdade, o que deve existir é um necessário diálogo entre sociedade e jurisdição constitucional que só se viabiliza por meio da implementação da garantia do acesso à atividade jurisdicional prevista constitucionalmente.

O direito à participação representa uma das dimensões da cidadania, bastante valorizada, por exemplo, no constitucionalismo estadunidense, berço do modelo difuso de controle de constitucionalidade que é pautado, entre ou-tras premissas, pela pulverização do legitimados (Miranda, 2002).

4.2 As reformAs promovIdAs nA AtIvIdAde JurIsdIcIonAl: A fIgurA do AmIcus curIAe como respostA Ao défIcIt de legItImIdAde dAs decIsões do stf

A Constituição da República, em seu art. 5º, inciso XXXV, garante o aces-so à atividade jurisdicional estatal a todas as pessoas, obstando, assim, a criação de barreiras, empecilhos, para que a sociedade alcance o Poder Judiciário.

Também é sabido que a atividade jurisdicional é permeada por técnicas e mecanismos que, por vezes, acabam por promover um fechamento proce-dimental do seu acesso, como é o caso dos legitimados para a propositura de ações constitucionais que visem à declaração direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Nesse momento, vale lembrar que, inicialmen-te, o Procurador-Geral da República era o único legitimado a propor ADIn, no entanto, com o advento da Emenda Constitucional nº 3, esse rol foi ampliado, comportando as pessoas que agora integram o art. 103 da CR/1988. Porém, mesmo diante de tal ampliação, ainda criou-se um mecanismo para evitar o enfraquecimento do processo constitucional objetivo, a chamada repercussão geral.

Assim, nem todos os componentes do rol do artigo supra possuem le-gitimidade para promover o manejo de ação direta de inconstitucionalidade contra norma que viola o Texto Constitucional, devendo, pois, demonstrar a sua pertinência temática.

Sobre o tema, vale transcrever o seguinte excerto:

Cuida-se de inequívoca restrição ao direito de propositura, que, em se tratando de processo de natureza objetiva, dificilmente poderia ser formulada até mesmo pelo legislador ordinário. A relação de pertinência assemelha-se muito ao esta-belecimento de uma condição da ação – análoga, talvez, ao interesse de agir –, que não decorre dos expressos termos da Constituição e parece ser estranha à natureza do sistema de fiscalização abstrata de normas. (Mendes; Coelho; Gonet Branco, 2009, p. 1.108).

O que se percebe é que, com o advento da EC 3, procurou-se promover uma abertura cognitiva procedimental da jurisdição constitucional desenvolvi-da pelo STF, não podendo o legislador, por conta da garantia constitucional do

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alcance à atividade jurisdicional, estabelecer qualquer empecilho; todavia, por meio de uma construção jurisprudencial, o próprio STF acabou por criar novos requisitos a serem observados quando da propositura de ADIn.

Em momento posterior, com o advento da Lei nº 9.868/1999, que trata da ADIn, em seu art. 7º, § 2º, o STF passou a admitir a manifestação de outros ór-gãos e entidades diversos daqueles que integram o rol do art. 103 da CR/1988. Tem-se aí o permissivo legal para o amicus curiae participar do processo cons-titucional concentrado.

Diante dos múltiplos aspectos que envolvem a própria argumentação relaciona-da com os fundamentos da inconstitucionalidade, sustentamos a razoabilidade, se não a obrigatoriedade, de que se reconhecesse a todos aqueles que participam de demandas semelhantes no âmbito do primeiro grau o direito de participação no julgamento a ser levado a efeito pelo Pleno ou pelo órgão especial do tribu-nal. Idêntica participação deveria ser deferida ao Ministério Público e à pessoa jurídica de direito público responsável pela edição do ato normativo. (Mendes, 2012, p. 1.301)

Na verdade, deve-se salientar que o amigo da cúria já possuía previsão legal desde o advento da Lei Federal nº 6.385/1976, que, em seu art. 31, trouxe a determinação da intervenção da Comissão de Valores Mobiliários – CVM nos processos que versem sobre matérias afetas às atribuições da Autarquia. No mesmo sentido, a antiga Lei Federal nº 8.884/1994, que disciplina o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, em seu art. 89, hoje reproduzido na novel legislação 12.529/2011, em seu art. 118, previa a participação obrigatória do Cade nos processos que envolvam temas atinentes ao Direito da Concorrência (Didier Jr., 2012).

Nesse momento vale dizer que as primeiras previsões legais de interven-ção do amicus curiae traziam o raciocínio de uma intervenção obrigatória e por intermédio de uma pessoa que já era de conhecimento prévio, CVM ou Cade, fazendo com que tal conceito se aproximasse bastante da figura do custus legis. Porém, diante do atual cenário, resta claro que o amigo da cúria pode ser qual-quer órgão ou entidade, conforme literal previsão do § 2º, in fine, do art. 7º da Lei nº 9.868/1999, bem como pode ocorrer de forma não provocada e sequer é obrigatória.

Novamente, a participação do amicus curiae revela a preocupação do STF com os efeitos da sua decisão perante a sociedade, pois não basta dizer que as decisões judiciais devem ser cumpridas, deve-se explicar e permitir que a sociedade entenda e, até mesmo, participe do processo de tomada da decisão.

[...] A relevância social de alguns tipos de causa é fator para uma adequação objetiva da tutela jurisdicional, que deve ter suas peculiaridades procedimentais modificadas de acordo com as características do objeto do processo. A ouvida/manifestação do amicus curiae é uma das manifestações desta adequação; so-

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bretudo uma especialização procedimental, que não se confunde com qualquer espécie de fenômeno interventivo. (Didier Jr., 2012, p. 419)

Por ser pautada no intuito de conferir legitimidade às decisões prolatadas pelo STF, a participação do amigo da cúria não se limita apenas à apresentação de memoriais, mas, na verdade, comporta amplos poderes, como já restou de-cidido pelo Supremo quando da apreciação da ADIn 2.130-SC, ainda no ano 2000. Assim, por se tratar a intervenção do amicus curiae de um ponto benéfico ao exercício da atividade jurisdicional concentrada, não se pode limitar a sua participação à mera apresentação de memoriais, pelo contrário, deve-se viabi-lizar, entre outros poderes processuais, por exemplo, a realização de sustenta-ções orais, uma vez que são destinadas a promover o esclarecimento de alguns pontos aos magistrados (Brasil, STF, 2000).

Ao mesmo tempo em que a participação do friend of court conduz ao raciocínio de que a atividade jurisdicional deve respeitar os anseios da socieda-de, o procedimento deve também ser respeitado. Assim sendo, como a própria Lei nº 9.868/1999 prevê, a participação daquela figura será facultativa, decidida por meio de despacho irrecorrível do relator, isso tudo em respeito ao princípio da celeridade das decisões jurisdicionais e, sobretudo, para que não se dilua e enfraqueça o processo objetivo em virtude da sua pluralização, que acabará por trazer ao processo situações distintas do mérito.

5 O PROCEDIMENTALISMO PROPOSTO POR hABERMAS E A LEGITIMIDADE DA JuRISDIÇÃO CONSTITuCIONAL: uM ENCONTRO POSSÍVEL

Desde o início desse estudo foi defendida a ideia de que o fechamento procedimental da jurisdição constitucional, por meio do estabelecimento de um procedimento excessivamente formal e excludente, culmina por promover um verdadeiro déficit de legitimidade das decisões. Um poder, afinal de contas, a jurisdição é não apenas um dever, uma garantia à sociedade, mas também uma prerrogativa, que se afasta do povo e serve muito mais para oprimi-lo do que para defendê-lo.

A jurisdição possui uma gama de atribuições tão forte que um dos pri-meiros comportamentos de um estado tirânico é criar obstáculos ao acesso ao controle jurisdicional, já que ele tem o condão de promover a nulidade dos atos exarados pelo Executivo e controlar a constitucionalidade dos atos legislativos.

Diante das ponderações feitas, percebe-se que a imposição de qualquer tipo de restrição ao acesso à Jurisdição deve ser combatido. Por conta disso é que a figura do amicus curiae assume essa característica de funcionar com um instrumento de democratização do processo constitucional objetivo.

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Contudo, surge a seguinte indagação: A partir do momento em que o caput do art. 7º da Lei nº 9.868/1999 estabeleceu não ser possível a intervenção de terceiros no procedimento que rege a ADIn, trata-se, verdadeiramente, o amigo da cúria de uma forma de democratizar as decisões oriundas da jurisdi-ção constitucional ou configura-se em um mero elemento de retórica legislativa sob o pseudo argumento da legitimação das decisões?

Tal indagação tem lugar a partir do momento em que o processo cons-titucional, assim como qualquer outro processo, deve ser pautado pela obser-vância dos procedimentos que o regem e, em momento algum, o legislador se preocupou em conceituar de uma forma mais objetiva como se dá a atuação do amicus curiae, limitando-se a falar a respeito da possibilidade da sua participa-ção. Em outras palavras, o legislador não falou como se efetiva a participação dos amigos da cúria, se por meio da apresentação de memoriais ou por meio da realização de sustentação oral, a respeito da possibilidade do manejo de algum meio de impugnação às decisões judiciais, entre outros poderes processuais conferidos às partes.

É bem verdade que o STF já se manifestou, no julgamento da ADI 2.130-SC, no sentido de dizer que são amplos os poderes processuais con-feridos ao friend of court, mas ele mesmo também não disse até onde vai essa amplitude. Isso cria uma insegurança jurídica e a possibilidade de uma atuação pautada, unicamente, em uma jurisprudência de valores (Brasil, STF, 2000).

Devido a essas situações, o procedimentalismo habermasiano merece espaço nas presentes linhas e ganha relevância no desenvolvimento desse tra-balho.

De logo vale a ressalva de que a ideia proposta por Habermas não o afas-ta do conceito de legitimidade pela prevalência do procedimento como sendo um fim em si mesmo, pelo contrário, a sua tese aborda o conceito de justifica-ção, pois esse é o tema central de uma democracia.

Cumpre mencionar a perspectiva de Habermas acerca do princípio da democracia:

O princípio da democracia resulta da interligação [Verschränkung] que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento [Verschränkung] como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser construída passo a passo. Ela começa com a aplicação [Anwendung] do princípio do discur-so ao direito a liberdades subjetivas de ação em geral – constitutivo para a forma jurídica enquanto tal – e termina quando acontece a institucionalização jurídica de condições para um exercício discursivo da autonomia política, a qual pode equiparar, retroativamente, a autonomia privada, inicialmente abstrata, com a forma jurídica. Por isso, o princípio da democracia só pode aparecer como nú-cleo de um sistema de direitos. A gênese lógica desses direitos forma um processo circular, no qual o código do direito e o mecanismo para a produção de direito

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legítimo, portanto o princípio da democracia, se constituem de modo co-originá-rio. (Volpato Dutra, 2005, p. 280)

Para Habermas, a legitimidade do Direito surge a partir do instante em que há o processo jurídico responsável pela normatização do discurso por meio da participação de todas as pessoas aptas.

No mesmo sentido, Häberle (2013) afirma ser o dever da maioria ter que justificar as suas decisões.

Nessa linha surge uma situação bem interessante dentro do próprio ra-ciocínio habermasiano atinente à questão da legitimidade. Para esse autor, não basta apenas a positivação do discurso para que uma norma alcance o patamar da legitimidade, na verdade, deve haver uma aceitabilidade racional.

A esse respeito, leia-se a seguir a transcrição do doutrinador supracitado:

O princípio da democracia estatui que o consenso que dá legitimidade ao direito deve resultar do acordo de todos. Não é difícil apontar para a problematicidade de tornar operacionalizável uma tal exigência, devido ao seu alto conteúdo idea-lizador. Para tornar mais realista a democracia, ela passa por um duplo processo de limitação, o qual preenche, ainda, certamente, as condições de um procedi-mento democrático, mas de modo aproximado. O primeiro processo de limita-ção é aquele pelo qual a soberania do povo, enquanto vontade democrática, se exerce de forma representativa ou delegada; o segundo dá-se pela introdução da regra da maioria como forma de decisão nos órgãos colegiados, nos parlamentos e nos pleitos em geral. (Volpato Dutra, 2005, p. 289)

Portanto, diante de tudo o quanto restou demonstrado, reitere-se que o punctum saliens da teoria de Habermas acerca da legitimidade reside na ques-tão da justificação. A vontade da maioria deve ser respeitada e prevalecer den-tro de uma arena própria para a realização desse debate que irá evoluir para uma democracia. Todavia, a minoria, segundo o próprio autor, só dá o seu con-sentimento se houver a possibilidade de tais decisões virem a ser revistas com o passar do tempo, de acordo com os constantes influxos sociais.

O que se percebe, nesse momento, é a mesma preocupação quando nos deparamos com decisões judiciais que asseveram que a participação de amici curiae e a realização de audiências públicas aproximam a Corte, seja ela Su-prema ou Tribunal Constitucional, da sociedade, promovendo, dessa forma, a pluralização do debate ou a democratização, por meio do próprio princí-pio da democracia, nos moldes como proposto por Habermas, da jurisdição, já que a tomada da decisão compete à Corte, não havendo necessidade, em tese, da oitiva de terceiros técnicos, não interessados, no julgamento da causa (Habermas, 1997).

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Assim, é bastante válida a preocupação do Judiciário de fazer valer a vontade legislativa pela criação de tais formas de pluralização do debate.

No entanto, convém indagar o seguinte: Se o legislador estava tão pre-ocupado em promover essa minoração do déficit de legitimidade das decisões judiciais, que possui membros não escolhidos pelo povo, no caso do Brasil, por que não se preocupou em estabelecer ao menos parâmetros mínimos para a efe-tivação de tais instrumentos? Em outras palavras, por que foi tão tímido ao ponto de sequer utilizar a expressão amicus curiae, ou amigo da cúria em tradução livre, na Lei nº 9.868/1999?

O cenário anteriormente descrito acaba por exigir uma atuação mais contundente do Judiciário, cobrando-lhe a aplicação da juridicidade e não ape-nas da legalidade. Sobre o tema, seguem a seguir valiosas palavras de Gilmar Mendes acerca da aplicação da lei e do Direito:

Isso significa que até mesmo a simples aplicação do direito ordinário pelos tri-bunais pode ocasionar lesão aos direitos fundamentais, tanto no caso de ino-bservância completa de determinada regra do direito fundamental (Defizit; Fehleinschätzung) quanto na hipótese de a decisão assentar-se em considera-ções insustentáveis e arbitrárias do prisma objetivo (unhaltbare und deshalb willkürliche Entscheidung) ou em construção que ultrapassa os limites consti-tucionais do direito jurisprudencial (Überschreitung der verfassungsrechtlichen Grenzen richterlicher Rechtsfortbildung). (Mendes, 2012, p. 201)

Resta evidenciado que tal silêncio eloquente, bem como a utilização da expressão “poderá”, no intuito de caracterizar a facultatividade da intervenção do friend of court, denotam um apego exacerbado ao formalismo e traços de uma postura estatal de soberania absoluta e surda perante a sociedade.

6 A SOBERANIA POPuLAR E A LEGITIMIDADE DA STf PARA PROMOVER O CONTROLE DE CONSTITuCIONALIDADE

A partir das linhas anteriores resta clara a proposta do presente trabalho em demonstrar a necessidade da oitiva da vontade popular a fim de que sejam tomadas decisões jurisdicionais legítimas e efetivas.

Tão importante quanto a premissa supra é o raciocínio que se cria no sentido de se questionar a legitimidade do Judiciário, órgão composto por mem-bros não eleitos pela vontade popular e, para muitos, um ente desconhecido, para se manifestar acerca da constitucionalidade ou não das normas propostas pelo Legislativo, esse sim um Poder que representa a sociedade e que tem seus membros escolhidos por meio da vontade popular.

Por óbvio, é fácil constatar que o controle de constitucionalidade sob o prisma formal da norma não enceta dúvidas quanto à legitimidade do Poder Ju-

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diciário para a sua realização. No entanto, o problema reside quando uma nor-ma é considerada substancialmente ou materialmente contrária à Constituição.

A análise dessa afronta deve ser realizada por uma corte composta por onze ministros, não escolhidos pela população e que não têm a obrigação for-mal de ouvir a sociedade, mas apenas o permissivo legal para a realização de tal oitiva?

Essa é a premissa basilar que dá sustentação à teoria da objeção demo-crática à atividade do Judiciário de se manifestar sobre as normas no seu âmbito material.

Nesse sentido, Comella, em tradução livre, diz que1

a objeção democrática é mais séria, sem dúvida, quando os motivos de invalida-ção de uma lei não estão associados ao federalismo, mas sim a princípios subs-tantivos reconhecidos na Constituição, como os direitos fundamentais. Por que as opiniões dos juízes devem prevalecer sobre as opiniões das maiorias legislativas sobre a matéria? (2010, p. 357-358)

Diante do tema que ora se apresenta, deve-se realizar a seguinte cons-tatação: O Poder Judiciário, ao exercer a jurisdição constitucional, afirma estar defendendo a Constituição contra possíveis influxos contrários às suas normas, principalmente no tocante à edição de atos normativos ou equivalentes. Ao mesmo tempo, no anseio de garantir a sua legitimidade para atuar, o mesmo Ju-diciário afirma ser o defensor das minorias por meio da adoção de uma postura contramajoritária em alguns momentos.

O grande problema que se apresenta no momento é que o procedimento para a elaboração das normas é disciplinada pela regra do parlamento, e não das cortes.

Deve-se distinguir a competência para construir o direito da competência para criá-lo:

[...] é tênue a linha divisória entre a construção do direito que é competência do Judiciário e a criação do mesmo que é competência do Legislativo. Na medida em que o Judiciário adentrar na província do Legislativo, ele ferirá a separação de poderes do Estado de direito. Nessa perspectiva, o controle de constituciona-lidade, visto este concernir primariamente a princípios, se torna um ponto central na análise da relação problemática entre Judiciário e Legislativo [...]. (Volpato Dutra, 2005, p. 290)

1 No original: “La objeción democrática es más seria, sin embargo, cuando los motivos de invalidación de una ley no están associados al federalismo, sino a principios sustantivos recogidos em la Constitución, como los derechos fundamentales. ¿ Por qué las opiniones de los jueces deben prevalecer sobre las opiniones de las mayorías legislativas en esta matéria?”

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É bem verdade que a vontade da maioria deve prevalecer, mas essa von-tade não pode atentar contra o próprio procedimento capaz de tornar legal a atuação dessa maioria. Assim, compete ao Poder Judiciário promover esse con-trole quanto à legalidade de tais atos.

Mas, daí a se dizer que garantir a vontade da minoria é o mesmo que atribuir legitimidade às suas decisões é um passo enorme, pois, conforme dito antes, a regra da maioria encontra a limitação prática de ser inviável, sendo im-plementada, então, pela regra da representação. Mesmo quem defende a ideia de que o Direito se legitima por sua autoridade, chegando até a dispensar a ideia de consenso social, ratifica o raciocínio esposado nessas linhas quando traz à lume o raciocínio de que é legislador dotado de autoridade “capaz de reconhecer as aspirações sociais e o interesse social” (Grau, 2005, p. 89).

O objeto de estudo centra-se na ideia de que as decisões oriundas de um modelo concentrado de controle de constitucionalidade, para que sejam legítimas, precisam abarcar os conceitos de moral e finalidade pública de um texto legal, para tanto, deve permitir a participação dos que serão alcançados pela decisão judicial no procedimento de sua formação. Nesse sentido, o uso da democracia deliberativa nas decisões proferidas pelo STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, assegura uma vitória do consenso. Esse ponto nevrálgico foi objeto de estudo dos doutrinadores da teoria política con-temporânea, e recebeu a nomenclatura de modelo deliberativo de democracia.

Assim, indaga-se: O princípio democrático é sinônimo de vontade da maioria? É bem verdade que este trabalho não se destina a resumir as principais ideias acerca do conceito de democracia. Porém, para que se possa discutir a validade da abertura do procedimento a fim de que se ouça a sociedade, pela via do amicus curiae ou mediante a realização de audiências públicas, devem ser estabelecidos alguns marcos a respeito do tema para demonstrar a sua im-portância.

Então, de um antigo modelo de democracia como o existente em Atenas, onde todos os cidadãos discutiam livremente, sem intermediários, os temas de relevante interesse social, passa-se a um modelo de democracia representativa. E, como não poderia deixar de ser, tal modelo sofre críticas, principalmente no tocante à representação da vontade geral que, muitas das vezes, é substituída pelo interesse particular do representante. Assim, a legitimidade do representan-te não reside no aspecto de ser ele a voz da maioria, mas sim em sua eleição por um procedimento institucionalizado.

Nesta senda, deve-se entender que o modelo susodito estabeleceu uma tensão entre representação e participação. Então, surgem duas modalidades de democracia, a democracia participativa ou direta, e a democracia representa-tiva ou indireta. E, quando se enfatiza o processo de formação das decisões,

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admite-se, também, dois outros modelos de democracia, a saber: i) o modelo agregativo e, ii) o modelo deliberativo (Vidal, 2009).

Sobre o tema, vale transcrever excerto explicativo:

No modelo agregativo, a democracia é vista simplesmente como um processo pelo qual os cidadãos, em virtude de suas preferências comuns, são levados a se agregarem para a escolha de candidatos e políticas públicas, na defesa de seus interesses. Daí afirmar-se que o modelo agregativo traduz um tipo de democracia centrada puramente em interesses, isto é, os diversos partidos buscam a adesão de um maior número de cidadãos às suas propostas para, dessa forma, poderem determinar as ações dos responsáveis pela elaboração das leis e dos negócios pú-blicos em geral. Dá-se, nesse modelo, uma espécie de competição entre grupos, na qual cada partido está mais preocupado com a satisfação de seus próprios interesses.

[...]

O modelo deliberativo, por sua vez, concebe a democracia como um processo no qual os indivíduos se associam publicamente para tratar de ideias, objetivos e metas, relativos a problemas de ordem pública.

[...]

O modelo de democracia deliberativa liga-se, portanto, ao ideal republicano de que as pessoas governam-se a si próprias através da ação política e das leis que elas próprias elaboram. (Vidal, 2009, p. 70-72)

Destaque-se que a deliberação reside no processo de tomada da decisão. Assim, nada mais legítimo e democrático do que permitir a participação da sociedade como protagonista no processo de formação do convencimento e da decisão jurisdicional que irá repercutir, diretamente, sobre todos.

Esse é o principal pilar para que se viabilize a realização de audiências públicas e que se permita a habilitação do amicus curiae na relação processual. Nada mais faz o Judiciário do que conferir legitimidade democrática às suas decisões a partir do momento em que realiza uma abertura cognitiva do sistema jurídico para abarcar expectativas e frustrações quanto à sua futura decisão.

Habermas não traz um conceito de legitimidade pautado apenas pela legalidade, mas sim no fato de o procedimento corresponder com a prática dis-cursiva, ou seja, não basta o procedimento, mas, tão importante quanto ele é a sua justificação (Mariano, 2010).

Trazendo para a jurisdição constitucional concentrada, o procedimento para a sua realização foi construído no Legislativo e lá mesmo já houve a pre-visão para a sua abertura cognitiva com a realização de audiências públicas e a permissão da participação do amicus curiae, isso com vistas a justificar, social-

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mente, uma decisão trazida por onze pessoas, ministros do STF, que deverá ser cumprida por toda a sociedade.

Assim, de nada adiantaria a permissão da participação popular no pro-cesso de tomada da decisão se não houvesse a sua efetiva capacidade de in-fluenciar os julgadores, da mesma forma, a decisão jurisdicional que observa os anseios da sociedade pode até não ser bem recebida por ela, mas, uma vez que tenha sido justificada, será compreendida e, naturalmente, adimplida.

Nessa mesma esteira de raciocínio, cabe fazer alusão ao fato de que o procedimento per si não é mais suficiente para conferir legitimidade a um poder ou decisão, em sendo assim, o STF, ao mesmo tempo em que adota um procedimento democrático de formação de decisão, também cria para si mes-mo um dever de resposta à sociedade, em uma espécie de modelo de processo cooperativo

Esse, pode-se afirmar, foi o resgate da legitimidade de suas decisões pro-movidas pelo STF.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

O presente trabalho teve como ponto nodal a investigação acerca da pluralidade que se deve conferir à jurisdição constitucional objetiva no intuito de conferir-lhe a legitimidade que se aguarda das decisões judiciais.

Assim, não mais se pode falar, simplesmente, em um império de lei, mas sim em uma nova ordem jurídico-normativa constitucional. A busca pela legi-timidade permite que o Direito se aproxime da sociedade e de seus anseios, fazendo com que as suas decisões sejam respaldadas e adimplidas. O conceito de legitimidade guarda indissociável relação com o movimento neoconstitucio-nalista que tomou força no período do segundo pós-guerra.

Em verdade, a questão do déficit de legitimidade das decisões jurisdicio-nais vai além daquelas oriundas do STF, mas tem nesse o seu principal exemplo.

O escopo da investigação realizada foi trazer à baila temas inquietantes como a questão da vontade da maioria e a forma de procedimentalizar a manu-tenção de tal vontade sem que isso se mostre como um elemento decorrente do uso da força. A força, ou o argumento de autoridade que visa esconder o uso do meio coercitivo, não é suficiente para conferir legitimidade a um ordenamento jurídico, bem como não pode o Judiciário assumir a posição de local apto para a formação de textos normativos.

A tensão existente entre o discurso da legitimidade do direito e a manu-tenção da separação dos Poderes está longe de ser solucionada, pois ela vive em uma balança que pende para cada lado em resposta ao comportamento social.

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Em outras palavras, tomando como exemplo o Brasil, é de fácil percep-ção que o Poder Judiciário, sobremaneira o STF, vem sendo visto como a tábua de salvação dos interesses sociais perante a inércia, ou até mesmo a atuação direcionada à consecução de um fim escuso, do Legislativo. Por conta dessa legitimidade social conferida ao STF é que se consegue explicar a adoção de posturas ativistas, tais como aquela revelada no julgamento da ADPF 132, que tratou do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas e a forma como o mandado de injunção evoluiu da mera declaração da mora legislativa à adoção de uma postura concretista pelo Supremo.

Diante dessas ponderações, cada vez mais se mostra como sendo um cri-tério a ser respeitado aquele que diz que o procedimento deve ser seguido a fim de que se evite a criação de uma jurisprudência de valores que possa culminar em uma ditadura da toga ou na chamada supremocracia.

A criação de um procedimento organiza a forma como deverá ser ouvida a sociedade e garante a sua legitimidade por meio da participação e consequen-te aceitação racional. Então o estudo foi pautado pela tentativa de promover esse encontro entre a teoria que trata da pluralização do debate constitucional promovida por Peter Häberle com as ideias de legitimidade e procedimento trazidas por Habermas.

Assim, esse trabalho abordou a questão da forma como o povo deve ser visto pelo Direito, bem como a maneira como ele enxerga o próprio Direito, o respeito à vontade do povo e a problemática que envolve a atuação do Judici-ário em detrimento do Legislativo, causando o que se vê com grande fluxo ho-diernamente, constantes mudanças devido ao sobrevalor conferido à já referida jurisprudência de valores.

Não se está a defender o estabelecimento de amarras ao Judiciário, longe disso, até porque ele representa a observância de todos os Poderes à legalidade, mas sim, ele mesmo, Judiciário, respeitar essa mesma legalidade, todo o proce-dimento que deve regrar a forma como a atividade jurisdicional é exercida, já que o processo é o veículo da jurisdição.

Por fim, resta entendido que a temática aqui abordada ainda encontra alguma resistência, principalmente quando analisada perante os princípios da segurança jurídica e da legalidade, mas que, mesmo assim, vem sendo a tônica adotada em matéria de processo constitucional.

REfERÊNCIASBORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. Ativismo judicial e controle de constitucio-nalidade – Impactos e efeitos na evolução da democracia. Curitiba: Juruá, 2015.

BRASIL. STF. ADIn 2.130. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina-dor.jsp?docTP=AC&docID=363431. Acesso em: 27 jul. 2012.

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RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 76, 2017, 78-99, jul-ago 2017

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação/Reexame Necessário nº 0018098‑85.2012.4.01.3900/PA (d)Relator: Desembargador Federal Souza PrudenteApelante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaProcurador: DF00025372 – Adriana Maia VenturiniApelado: Mecânica JH Diesel Ltda.Advogado: PA00015449 – Werbti Soares GamaRemetente: Juízo Federal da 9ª Vara – PA

ementA

ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – EXTRAÇÃO DE MINERAIS DE MODO ILEGAL – CONDuTA – ERRO INVENCÍVEL – INOCORRÊNCIA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – VEÍCuLO AuTOMOTOR (RETROESCAVADEIRA) – APREENSÃO – DIREITO DE PROPRIEDADE – MITIGAÇÃO – TERCEIRO DE BOA-fÉ – PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE – PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO

I – Na espécie dos autos, uma vez flagrado em atividade de extração de minerais de modo ilegal, resulta inviável, a alegação de terceiro de boa-fé, a fim de se eximir das sanções administrativas correspondentes (multa e apreensão do veículo).

II – Constatada a infração administrativo-ambiental referente à extração irregular de minerais, em garimpo ilegal, com a utilização de veículo automotor (retroescavadeira), afigura-se escorreita a apreensão empreen-dida pela fiscalização ambiental (ex vi dos arts. 25, caput, e 72, IV c/c o art. 70, caput, todos da Lei nº 9.605/1998, regulamentados pelos arts. 3º, IV, e 47, § 1º, do Decreto nº 6.514/2008), tendo-se em vista os princípios da precaução e da prevenção, do poluidor-pagador, da responsabilidade social e do desenvolvimento sustentável.

III – O exercício do direito de propriedade não é absoluto, submetido que está aos interesses da coletividade (função social), entre os quais o direito de desfrutar de meio ambiente ecologicamente equilibrado, razão pela qual deve sofrer mitigação quando em confronto com os princípios dirigentes do direito ambiental.

IV– Não cabe invocarem-se, aqui, categorias jurídicas de direito privado, para impor a tutela egoística da propriedade privada, a descurar-se de sua determinante função social e da supremacia do interesse público, na

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espécie, em total agressão ao meio ambiente, que há de ser preservado, a qualquer custo, de forma ecologicamente equilibrada, para as presentes e futuras gerações, em dimensão difusa, na força determinante dos prin-cípios da prevenção e da participação democrática (CF, art. 225, caput).

V – Em direito ambiental aplica-se, também, o princípio da solidarieda-de, resultando patente a responsabilidade civil, criminal e administrativa de todos os que concorreram para a infração ambiental, afigurando-se irrelevante a discussão sobre a isenção do patrimônio alegada pelo su-posto terceiro de boa-fé.

VI – Não se afigura razoável que a Administração ambiental promova a adequada aplicação da lei, na força determinante do comando cons-titucional da norma-matriz do art. 225, caput, do texto magno, com a apreensão dos instrumentos das infrações e os agentes do Poder Judi-ciário, em excepcional exercício hermenêutico, venha a desmerecê-la no cumprimento da legislação pertinente, em clara e perversa sinalização aos agentes infratores para a continuidade da degradação ambiental, na espécie.

VII – Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio am-biente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios ge-rais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimen-to sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente consti-tucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordina-da, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situa-ção de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006).

VIII – Nos termos do art. 105, caput, do Decreto nº 6.514/2008, os bens apreendidos devem ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável

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pela fiscalização ambiental, podendo, “excepcionalmente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo”, caso em que caberá à Administração, no exercício do seu poder discricionário, definir sobre quem assumirá esse encargo, dentre as opções previstas nos incisos I e II do art. 106 do referido ato normativo.

IX – Na hipótese em exame, contudo, o ilícito noticiado, que já se ope-rou, e o consequente dano ambiental, que já se materializou, não afas-tam as medidas de cautelas necessárias, a fim de evitar-se o agravamento desse dano ambiental, sem descurar-se das medidas de total remoção do ilícito ambiental, na espécie, bem assim, da tutela de precaução, para inibir outras práticas agressoras do meio ambiente, naquela área afetada.

X – Apelação e remessa necessária providas. Sentença reformada.

Acórdão

Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação e ao ree-xame necessário, nos termos do voto do relator.

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em 31.05.2017.

Desembargador Federal Souza Prudente Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

Cuida-se de remessa necessária e apelação interposta de sentença do Juízo da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará que, nos autos do mandado de segurança por Mecânica JH Diesel Ltda. contra ato do Superintendente Es-tadual do Ibama/PA, concedeu a segurança para declarar a nulidade do Termo de Apreensão nº 0217336-C, sob o fundamento de que houve ilegalidade na apreensão do bem ora pleiteado (fls. 230/234).

Em suas razões recursais de fls. 243/261, o instituto ambiental sustenta, em resumo, a legalidade do procedimento administrativo, informando que a fis-calização se deu com o objetivo de atender determinação judicial com base em denúncia de extração irregular de minerais no distrito de Taboca. Afirma que sua atuação se deu no regular exercício do poder de polícia e que a apreensão dos equipamentos e veículos, tem o fim de dar fiel cumprimento à legislação ambiental e de cessar o cometimento de práticas ilícitas contra o meio ambien-te. Alega que a Lei nº 9.605/1998 não prevê a necessidade de demonstração de

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que o bem apreendido é utilizado de forma reiterada para a prática de crimes contra o meio ambiente, nem de eventual reincidência para fins de apreensão de veículos e maquinários. Afirma que a apreensão da retroescavadeira é perfei-tamente compatível com a grande dimensão do dano causado com a extração clandestina de minerais (cassiterita) realizada na área em questão. Ressalta que não há qualquer comprovação da boa-fé da apelada, uma vez que o reconheci-mento em cartório das assinaturas do contrato de locação foi posterior à data da fiscalização. Requer, por fim, o provimento da apelação e reforma da sentença em sua totalidade.

Apesar de devidamente intimada, não foram apresentadas contrarrazões (fl. 269).

Com a manifestação da douta Procuradoria Regional da República pelo provimento da apelação (fls. 276/281), vieram os autos a este egrégio Tribunal.

Este é o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

Como visto, sustenta o órgão ambiental que a apreensão de escavadeira hidráulica de propriedade da impetrante, flagrado na prática de ilícito ambien-tal correspondente a extração ilegal de recursos minerais (cassiterita), afigura--se legítima, haja vista que praticado à luz das disposições constitucionais, le-gais e infralegais de regência (Constituição Federal; Lei nº 9.605/1998; Decreto nº 6.514/2008, e Instrução Normativa nº 28/2009-Ibama).

O juízo sentenciante concedeu a segurança vindicada por entender ile-gal a apreensão feita pelo Ibama, determinando, assim, a liberação do bem apreendido (máquina retroescavadeira).

Tendo em vista o disposto nos arts. 25, caput, e 72, IV, c/c o art. 70, caput, da Lei nº 9.605/1998, forçoso constatar que, em atos como o de que agora se cuida, não é possível encontrar qualquer abusividade, o que, por certo, não autoriza a concessão da segurança almejada.

Realmente, a atuação do órgão ambiental, em casos assim, está em con-sonância com a tutela cautelar prevista na Carta Política Federal, no art. 225, § 1º, VII e respectivo § 3º. Com isso, impõe-se ao poder público, e também à coletividade, o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para a presente e as futuras gerações.

Nesse sentido, não se pode olvidar que a responsabilidade diante de tan-to é objetiva, sujeitando os “infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções

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penais e administrativas, independentemente da obrigação a reparar os danos causados” (CF, § 3º, art. 225).

A doutrina salienta que tal “implica o reconhecimento de que o polui-dor tem o dever de reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, independentemente da existência da culpa. Se na teoria subjetiva da responsa-bilidade, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro devem ser provados, na teoria objetiva, não se avalia a culpa do agente poluidor, porque é suficiente a existência do dano e a prova do nexo de causalidade com a fonte poluidora”1.

O art. 70 da Lei nº 9.605/1998 assim estabelece: “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

Desse modo, nas palavras de Edis Milaré, “a responsabilidade adminis-trativa em matéria ambiental, em princípio, não se funda na culpa, na medida em que, a teor do art. 70 da Lei nº 9.605/1998, a infração administrativa carac-teriza-se como qualquer violação do ordenamento jurídico tutelar do ambiente, independentemente da presença do elemento subjetivo” (Direito do ambiente, 2009, p. 883/884).

Importa chamar a atenção, pois, para o papel desta Corte no que diz respeito à defesa e preservação do “meio ambiente ecologicamente equilibra-do”. Com efeito, qualquer controvérsia que envolva a fiscalização do bioma correspondente à Amazônia Legal – da qual também fazem parte dois impor-tantes e extensos estados da federação (Amazonas e Pará) e de onde se origina a grande parte das demandas ambientais em trâmite neste Tribunal – termina por ser trazida à análise deste egrégio Tribunal, fazendo com que qualquer de suas decisões acerca do meio ambiente assuma considerável amplitude, no contexto ecológico da biodiversidade global.

Por essa razão, é de fundamental importância que as respectivas decisões tenham como pano de fundo o efetivo amparo e especial proteção ao meio ambiente.

Assim sendo, é necessário que a orientação estabelecida a partir da juris-prudência deste Tribunal venha a representar firme e verdadeiro desestímulo à prática de atos atentatórios à natureza, firmando sua contribuição no sentido de refrear a escala ascendente de degradação do meio ambiente.

1 COLOMBO, Silvana Raquel Brendler. A responsabilidade civil no direito ambiental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 35, dez 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1413>. Acesso em: out. 2016.

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Sobre esse aspecto, cabe, mutatis mutandis, a transcrição do seguinte excerto, que trata da denominada “teoria econômica do crime”2:

“Nossa estratégia é ligar as multas impostas e o gasto do governo com controle ambiental ao comportamento subsequente de cumprimento da lei por parte dos agentes econômicos. A principal variável explicativa empregada neste trabalho consiste no valor (magnitude) das multas lavradas, que possui um efeito especí-fico (sobre o estado multado) e um efeito spillover (sobre estados vizinhos). Isso decorre da reputação do regulador: uma multa aplicada sinaliza de forma crível a disposição da autoridade ambiental em aplicar multas em outros estados, am-plificando o impacto desse tipo de sanção.

[...].

A história do regulador em aplicar e garantir a lei é a principal fonte de informa-ção para as firmas. Então, a firma observa a história do regulador em aplicar san-ções sobre ela e sobre suas vizinhas. Quando a firma percebe que a autoridade ambiental faz cumprir a lei, isto é, aplica multas e demais sanções sobre ela e em firmas da mesma região ou localidade, ela ajusta para cima suas expectativas quanto à probabilidade dela ser descoberta e punida (Shimshack & Ward, 2005; Sah, 1991)3”

Não se afigura razoável que a Administração ambiental promova a ade-quada aplicação da lei, na força determinante do comando constitucional da norma-matriz do art. 225, caput, do texto magno, com a apreensão dos instru-mentos das infrações e os agentes do Poder Judiciário, em excepcional exercício hermenêutico, venha a desmerecê-la no cumprimento da legislação pertinente, em clara e perversa sinalização aos agentes infratores para a continuidade da degradação ambiental, na espécie.

Desse modo, torna-se necessário firmar entendimento jurisprudencial no sentido de que, estando formalmente adequada e com amparo legal, o Judi-ciário chancele a atuação administrativa no combate às infrações ambientais, em particular aquelas que se valem de veículos automotores para a respectiva concretização.

Pois bem, tem-se como cerne da controvérsia a interpretação que vem realizando a primeira instância da Justiça Federal da Primeira Região, e também

2 “Com base na teoria econômica do crime Sutinen (1987) desenvolveu um modelo quantitativo para mensurar o valor de dissuasão gerado pela fiscalização ambiental, ou seja, o modelo procura expressar em valores monetários os riscos da prática delituosa e compara com os possíveis lucros a serem obtidos. Caso o valor de dissuasão proporcionado pelo sistema de fiscalização seja menor que o lucro a ser obtido pela prática delituosa, o infrator decidirá em cometer o delito e, caso o valor de dissuasão seja maior, a decisão é por não cometer o delito” (Schimitt, Jair. Crime sem castigo: a efetividade da fiscalização ambiental para o controle do desmatamento ilegal da Amazônia. 2015. Tese de Doutorado. Encontrado no endereço eletrônico: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/19914/1/2015_JairSchmitt.pdf. Acesso em: 17. out. 2016.

3 UHR, Júlia Gallego Ziero; UHR, Daniel de Abreu Pereira. Infrações ambientais e a reputação do regulador: análise em dados de painel para o Brasil. Apud Estud. Econ., São Paulo, v. 44, n.1, p. 69-103, jan./mar. 2014, p. 70-71.

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esta egrégia Corte, acerca do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, com a seguinte redação:

Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.

[...]

§ 4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem.

Em relação a tanto, assim consta do julgado:

“o art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998 é explícito ao determinar a venda após a descaracterização do instrumento utilizado na prática da infração ambiental. Ocorre que, se o dispositivo faculta descaracterização do objeto, ele, obviamen-te, por forma e substância, originariamente destina-se apenas a fins ilícitos [...].

“Por outro lado, as penalidades previstas no art. 72, da mesma Lei nº 9.605/1998, por expressa disposição de seu parágrafo sexto, submete a destruição a apreen-são previstas em seu caput ao disposto no comentado art. 25, assim estendendo àquele a interpretação de que somente devem ser apreendidos ou destruídos os objetos utilizáveis, exclusivamente, para fins ilícitos, desde que inservíveis para atividades lícitas depois de descaracterizados.”

Ora, não se pode perder de vista a situação de constante ataque em que se encontra o bioma amazônico. Nesse sentido, assume especial relevo o ques-tionamento sobre que interpretação deve ser dirigida ao referido dispositivo legal, haja vista que é a partir da resposta a essa indagação que se terá maior ou menor estímulo à degradação ambiental.

Ressalte-se que um dos propósitos da medida administrativa da apreen-são é precisamente traduzida nos termos seguintes:

é o caráter preventivo e acautelar, pois visa impedir que ocorram novas infrações ambientais ou que a mesma continue a ser realizada. Também visa garantir ou facilitar a recuperação do dano ambiental causado e, por último, garantir o resul-tado prático do processo administrativo (Brasil, 2008; Trennepohl, 2009). Nesse caso, quando se apreende um trator que está sendo utilizado para extrair madeira ilegalmente da floresta, tal apreensão visa assegurar que o trator não venha a ser utilizado para continuar com a extração e perpetuar o dano ambiental. É uma forma de desprover o infrator de meios para continuar com a prática ilícita. A madeira que venha a ser apreendida é também uma forma de cessar o possível lucro com a sua venda e gera prejuízos ao infrator, pois o mesmo investiu capital na sua extração com o pagamento de trabalhadores, combustível, entre outros.4

4 SCHIMITT, Jair. Crime sem castigo: a efetividade da fiscalização ambiental para o controle do desmatamento ilegal da Amazônia. 2015, p. 86-87. Tese de Doutorado. Encontrada no endereço eletrônico: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/19914/1/2015_JairSchmitt.pdf. Acesso em: 17 out. 2016.

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Aliás, essa perspectiva doutrinária corresponde também àquela adotada pelo legislador ambiental, conforme se constata da redação do § 1º do art. 101 do decreto regulamentador da LCA, nestes termos: “As medidas de que trata este artigo [entre as quais a apreensão] têm por objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo”.

A doutrina tem afirmado que, para “efetivamente implantar um Estado Democrático de Direito, o jurista tem que se ater à realidade que envolve a norma posta, aos fatos juridicamente relevantes, não podendo separar o ser do dever-ser. A norma não se resume ao seu texto. Ela só estará pronta e acabada após um processo concretizador, em que levadas em conta as peculiaridades do caso e a realidade que o envolve”5.

Diante de tanto, importa indagar se a interpretação que tem servido de suporte à liberação do instrumento da infração ambiental (retroescavadeiras, caminhões, camionetes, barcos, balsas, etc.) está em consonância com a Cons-tituição Federal. Nesse passo, colha-se a seguinte ponderação doutrinária:

Fazer uma interpretação meramente dogmática do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, máxime quando se trata de veículos apreendidos no bioma ama-zônico, significa expurgar totalmente a norma da realidade que a cerca. Repre-senta um apego positivista desarrazoado ao texto da norma, desvinculando-a da intenção da norma maior que lhe confere validade (art. 225, CF/1988), que é o de proteger o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equili-brado.6

Robert Alexy é quem sustenta que os direitos constitucionais são direitos prima facie, é dizer, direitos fundamentados em princípios, resultando daí que a aplicação do direito deve ser mais do que a mera subsunção de um caso a uma regra:

“En la determinación tanto de las condiciones fácticas de realización como de las jurídicas, el derecho constitucional tiene uma fuerza por sí mismo. Esta es la razón para concebir a los derechos constitucionales como derechos prima facie, esto es, como derechos basados em princípios. Si seguimos esta propuesta, la aplicacíon de um derecho es algo más que la mera subsunción de um caso bajo una regla.”7

5 BARROS, Larissa Suassuna Carvalho. A apreensão de veículos utilizados em infrações ambientais no bioma amazônico: uma interpretação das normas à luz da teoria de Friedrich Müller. Conteúdo Jurídico, Brasília/DF: 04 fev. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.46882&seo=1>. Acesso em: 14 out. 2016.

6 Op. cit.7 ALEXY, Robert. Derechos, razonamento jurídico y discurso racional. Isonomia (Publicaciones Periódicas):

Revista de Teoria y Filosofia del Derecho. n. 1, ouctubre 1994.

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Com essa perspectiva, comparece perfeitamente aplicável ao presente caso o princípio do in dúbio pro natura/ambiente, segundo o qual, na existência de dúvida quanto à melhor interpretação a se empreender, deve-se optar por aquela que represente maior e mais efetiva proteção ao meio ambiente.

O egrégio Superior Tribunal de Justiça possui precedente que bem con-cretiza a aplicação desse princípio, conforme se constata da seguinte trans-crição:

“[...] incumbe ao juiz, diante das normas de Direito Ambiental – recheadas que são de conteúdo ético intergeracional atrelado às presentes e futuras gerações –, levar em conta o comando do art. 5º da LINDB, segundo o qual, ao se aplicar a lei, deve-se atender ‘aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’, cujo corolário é a constatação de que, em caso de dúvida ou outra anomalia técnico-redacional, a norma ambiental demanda interpretação e inte-gração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura, haja vista que toda a legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos há sempre de ser compreendida da maneira que lhes seja mais provei-tosa e melhor possa viabilizar, na perspectiva dos resultados práticos, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma” (REsp 1.328.753/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em 28.05.2013, Informativo nº 0526).

Vê-se, portanto, que o objetivo maior do intérprete infralegal é o de levar a cabo a “vontade da Constituição”, em detrimento de interpretação pura e sim-ples do texto literal da norma. Desconsiderar a realidade circundante quando da análise do texto normativo, para determinar, mediante interpretação lógico--dedutiva, a restituição de veículos automotores apreendidos pela autoridade ambiental, não parece ser a solução que melhor se adéqua aos ditames constitu-cionais, notadamente porque se sabe que tais instrumentos são reiteradamente utilizados para a prática de infrações.

Necessário considerar, também, que tais interpretações (pró liberação de veículo) terminam por esvaziar (desmoralizar) a atuação do órgão ambiental, que, na grande maioria das vezes, possui absurdas dificuldades de ordem ope-racional, resultando, como é do conhecimento geral, em menos operações do que o necessário para o efetivo combate às infrações administrativo-ambientais.

Cabe verificar detidamente o argumento em favor da liberação do ins-trumento (veículo) da infração ambiental, qual seja, para que seja possível a apreensão é necessário que o veículo possua características que o identifique como de uso específico e exclusivo para a atividade ilícita.

A mens legis em relação ao § 4º do art. 25 da Lei nº 9.605/1998 não foi, em absoluto, a de promover a apreensão de veículos utilizados reiterada e exclusivamente para a prática de delito/infração ambiental, isso, por si só, re-presentaria pueril afronta aos princípios da precaução e da prevenção.

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Em verdade, o que pretendeu o legislador foi simplesmente punir a infra-ção ambiental, adotando, para isso, a apreensão do instrumento utilizado pelo infrator, visando inibir o dando ao meio ambiente equilibrado. Nesse sentido, não há dúvida de que se a infração refere-se à extração ilegal de minerais (cassi-terita), e se o infrator, para tanto, utilizou-se de uma retroescavadeira, por certo que esse veículo constitui-se em efetivo instrumento para a concretização do fim ilícito, assim como a rede usada pelo pescador em crime de pesca ilegal.

Esse entendimento está claramente de acordo com o disposto no inciso IV do art. 72 da referida lei, quando faz referência a “veículos de qualquer na-tureza utilizados na infração”.

O art. 102 do Decreto nº 6.514/2008 também assim estabelece: “veí-culos de qualquer natureza referidos no inciso IV do art. 72 da Lei nº 9.605, de 1998, serão objeto da apreensão de que trata o inciso I do art. 101”. Esse art. 101, listando as medidas administrativas que poderão ser adotadas pelo agente autuante uma vez constatada a infração ambiental, já no primeiro inciso, prevê a infração.

Nesse sentido, é possível afirmar que a apreensão do veículo deve ocor-rer não só por que foi utilizado reiteradas vezes e exclusivamente em infração ambiental, mas sempre que flagrado, ainda que em uso eventualmente indevi-do, na prática de infração ambiental.

Assim, ensina Curt Trennepohl: “A Lei nº 9.605/1998 estabelece a obri-gatoriedade da apreensão dos instrumentos em seu art. 25 ao dispor que se-rão apreendidos e não que poderão se apreendidos. Portanto, a norma não deixa espaço para a discricionariedade do agente público no que se refere à apreensão”.8

Em igual sentido, colha-se este outro trecho de doutrina:

“Importante destacar que o legislador não criou distinções entre os instrumentos do crime ambiental, de modo que não cabe ao interprete fazê-lo. Assim, veícu-los, maquinário, ferramentas, armas de fogo, tudo terá o mesmo destino. Não exigiu a lei que os instrumentos sejam habitualmente empregados na prática de crime, bastando uma única utilização e sua relação com o resultado (consumado ou tentado) da infração.”9

8 In Infrações contra o meio ambiente: multas, sanções e processo administrativo – comentários ao Decreto nº 6.514, de 22.07.2008. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 441.

9 Destino dos Instrumentos de Crimes Contra o Ambiente, Pedro Abi-Eçab. Artigo baseado em tese aprovada no 11º Congresso de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo, São Roque, 2007, tendo sido devidamente atualizado pelo autor em razão da entrada em vigor do Decreto nº 6.514/2008. Encontrado no seguinte endereço eletrônico: https://www.academia.edu/4594919/DESTINO_DOS_INSTRUMENTOS_DE_CRIMES_CONTRA_O_AMBIENTE_DEStinAtiOn_of_inStRUMEntS_Of_EnviROnMEntAl_CRiMES. Acesso em: 17 out. 2016.

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Resulta claro, portanto, que é irrelevante, para fins de apreensão veicular – como forma de sanção em face de infração administrativo-ambiental –, qual-quer discussão sobre a pretensa ilicitude do bem. Em outros termos, flagrado o veículo no cometimento de infração administrativo-ambiental, comparece in-declinável a respectiva apreensão, ainda que em caráter cautelar.

Sobre o tema, confira-se o seguinte excerto de doutrina10:

“[...] a apreensão de bem envolvido na prática de infração administrativa am-biental constitui uma imposição ao fiscal autuante que, no momento da lavratura do auto de infração, não possui qualquer discricionariedade para optar pela não apreensão. Quanto a isso, a legislação aplicável é evidente e não dá margem a dúvida.

E não poderia ser de outra forma, mesmo porque, quando do exercício do ato fiscalizatório, o fiscal não detém qualquer informação válida ou elemento seguro para entender que, no caso concreto, o instrumento, veículo ou produto da in-fração não deverá ser objeto de perdimento. Ou seja, sem a instrução processual que seguirá à autuação, o fiscal não terá segurança jurídica para deixar de apre-ender o bem, pois não caberá a ele decidir sobre a aplicação futura da penalida-de de perdimento. E, deixando-se de fazer a apreensão, o perdimento posterior restará totalmente prejudicado.

Após a necessária apreensão, deve tramitar o processo administrativo, respei-tando-se o devido processo legal, apreciando-se as razões apresentadas pelo autuado e/ou por eventuais terceiros prejudicados. No curso de tal instrução, e restando-se confirmada a infração ambiental, à autoridade julgadora caberá aplicar a regra geral de perdimento dos bens apreendidos, como sanção resultan-te da apreensão anterior”.

Pode-se afirmar, a partir desse excerto, que a apreensão é apenas a pri-meira providência administrativo-ambiental, cabendo ainda o desenrolar do processo administrativo para a concretização da medida, que se convola em perdimento do bem, seguido de sua destinação (última fase).

Sobre a questão, veja-se a seguinte ementa de julgado do egrégio Tribu-nal Regional Federal da 4ª Região, in verbis:

PROCESSO PENAL – CRIME AMBIENTAL – APREENSÃO DE VEÍCULO (AUTO-MÓVEL) – RESTITUIÇÃO – CPP, ART. 6º, INCISO II – LEI Nº 9.605/1998, ARTS. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III E 70, INCISO IV – O ato de transportar crustáceos irregularmente em veículo pode configurar duas espécies de ilícitos, um penal e outro administrativo (Lei nº 9.605/1998, arts. 34, parágrafo único, in-ciso III e 70). A apreensão na esfera penal só se justifica se o veículo foi preparado para a prática delituosa, por exemplo, com fundo falso. Inexistindo qualquer cir-

10 CARIBÉ, Karla Virgínia Bezerra. Apreensão e perdimento dos instrumentos utilizados na prática da infração administrativa ambiental e dos produtos dela. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3733, 20 set. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25349>. Acesso em: 16 out. 2016.

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cunstância especial que torne o bem instrumento do crime, a apreensão deverá limitar-se à esfera administrativa (Lei nº 9.605/1998, art. 70, inciso IV).

(TRF 4ª R., AMS 2000.04.01.071991-0, 7ª T., Rel. Vladimir Passos de Freitas, DJ 13.03.2002), não há grifos no original.

Cabe, nesse passo, deixar clara, na lição extraída da doutrina11, a distin-ção entre apreensão para fins penais e apreensão de natureza administrativa, nestes termos:

[...] a lei penal geral (art. 91, II, a) determina que somente determinados instru-mentos do crime devem ser destruídos (quando forem objetos de porte, detenção ou fabricação ilícita), a lei ambiental penal não diferencia os instrumentos do crime ambiental, ou seja, não traz qualquer exceção à regra de perdimento, de modo que qualquer instrumento utilizado para a prática de crime contra o am-biente, seja de origem, uso ou posse lícitos ou não, deverá ser utilizado pela ad-ministração, doado ou vendido. Trata-se de evidente exemplo de preponderância da lei especial e posterior sobre a lei geral e anterior.

A ementa abaixo bem distingue o reflexo da apreensão para o âmbito penal e administrativo:

PENAL – RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO APREENDIDO – INSTRUMENTO DO CRIME – CONTRABANDO – Se o bem apreendido como instrumento do crime – veículo utilizado no transporte de mercadorias introduzidas irregularmente no país – não corresponde a coisa “cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção, por si só, constitua fato ilícito” (art. 91, II, a, do Código Penal), não se justifica a sua apreensão para garantir eventual perdimento, na esfera penal. Já submetido o veículo a exame pericial, a manutenção da apreensão também não se justifica no interesse da instrução criminal (art. 118 do Código de Processo Penal). Não havendo dúvida acerca da propriedade do requerente (art. 120 do Código de Processo Penal), cabe a restituição no âmbito penal, ressalvada a esfera adminis-trativa. (TRF 4ª R., ACr 5005982-43.2015.404.7110, 7ª T., Rel. Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 18.08.2016)

Não há dúvida, portanto, de que não foi a intenção do legislador, pelo menos nesse primeiro momento da infração ambiental, perquirir sobre a licitu-de ou não do bem utilizado como instrumento do dano ao meio ambiente, até pelo fato de que o infrator, no prosseguimento do procedimento administrativo – no qual haverá a imposição de perdimento e destinação do bem – terá, ex lege, oportunidade do pleno exercício de defesa.

O entendimento acima desenvolvido encontra conforto na jurisprudên-cia do egrégio Tribunal Regional da 4ª Região, conforme se constata das seguin-tes ementas:

11 Op. cit.

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ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – LEGALIDADE DA MULTA – APREENSÃO DE VEÍCULO – REGULARIDADE – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – Havendo disposição legal expressa que autoriza a apreensão de equipamentos, veículos ou produtos utilizados/obtidos na infração ambiental, e previsão constitucional que estipula a competência comum dos três entes federativos para promover a proteção do meio ambiente e Lei Complementar que define a atuação supletiva e subsidiária dos entes no exercício do poder de polícia ambiental e na atribuição comum de fiscalização, não vislumbro ilegalidade na atuação do Ibama ao apre-ender o veículo do apelante, pois agiu nos estritos limites do art. 72, IV, da Lei nº 9.605/1998 e nos arts. 3º, IV, 14 e 105 do Decreto nº 6.514/2008. (TRF 4ª R., AC 5001525-14.2014.404.7106, 3ª T., Rel. Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 29.06.2016)

ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL MANDADO DE SEGURANÇA – TRANSPOR-TE DE MADEIRAS – 1. Os atos administrativos gozam de uma presunção de legalidade e legitimidade, que só pode ser afastada mediante prova contrária. 2. Caracterizada a infração ambiental, a regra é a apreensão do produto, subpro-duto, instrumento ou veículo utilizado na sua prática, como medida que visa a resguardar o meio ambiente. 3. A fiscalização do Ibama constatou divergência nos produtos informados pelos documentos que acompanhavam a carga de ma-deira. 4. Apelação improvida. (TRF 4ª R., AC 5015953-58.2010.404.7100, 4ª T., Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 11.07.2012)

Está claro, assim, que a argumentação no sentido de que a expressão “instrumentos utilizados na prática da infração” não inclui o veículo (retroesca-vadeira, caminhonete, tratores, embarcações/balsa, etc.) utilizado para o trans-porte, não se coaduna com a intenção de coibição da prática infracional em seu sentido teleológico.

Resulta evidente, portanto, que o legislador, ao elaborar a regra prevista no art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, objetivou, por óbvio, tratamento mais rigoroso (preventivo e repressivo) ao agente causador do dano ambiental. Desse modo, não há qualquer razão para se deixar de incluir caminhonete, balsas, re-bocadores, etc., como instrumentos da infração suscetíveis de perdimento, pois, como salientado, somente por meio de tais instrumentos é que o degradador pode levar a cabo sua empreitada danosa.

Importa, outrossim, deter-se sobre a expressão “garantida a sua descarac-terização por meio da reciclagem”, constante da parte final do § 4º do art. 25 da Lei nº 9.605/1998.

Esta expressão legal não quer dizer que o veículo utilizado como instru-mento “originariamente destina-se apenas a fins ilícitos”, ou seja, já preparado previamente e voltado para a prática criminosa/infração administrativa. Em ver-dade, conforme já salientado, an passant, a norma diz respeito a qualquer tipo de veículo, tenha sido ele alterado ou não para a prática delitiva.

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A garantia de descaracterização refere-se tão somente à necessidade de que a alienação/doação posterior não venha a servir de estímulo, dado que o instrumento já se encontra adaptado para o uso infracional, independentemente da reiteração da prática criminosa por parte do novo proprietário/donatário.

No que tange ao direito de propriedade, ressalta-se que deve ser anali-sado sob a perspectiva de sua função sócio-ambiental. Não por outra razão, consta do parágrafo primeiro do art. 1.228 do Código Civil o seguinte: “O di-reito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

Não cabe, portanto, invocar-se, aqui, categorias jurídicas de direito pri-vado, para impor a tutela egoística da propriedade privada, a descurar-se de sua determinante função social e da supremacia do interesse público, na espécie, em total agressão ao meio ambiente, que há de ser preservado, a qualquer cus-to, de forma ecologicamente equilibrada, para as presentes e futuras gerações, em dimensão difusa, na força determinante dos princípios da prevenção e da participação democrática (CF, art. 225, caput).

Desse modo, considerando a importância que assumiu o meio ambiente e sua preservação para a presente e futura gerações, resulta clara a preponde-rância desse último em relação ao primeiro.

Por essa razão, a efetividade social da legislação tutelar do meio am-biente é medida da qual não se pode fugir ou menosprezar, sendo certo que a apreensão dos produtos e instrumentos de infrações ambientais constitui-se em efetivo meio de que dispõe a Administração ambiental para alcançar tão necessário desiderato.

Resulta ao desamparo, portanto, a pretensão quanto a prevalência do direito de propriedade, haja vista que a atuação da Administração se deu com base nos princípios da prevenção e precaução vigentes em sede ambiental, além, é claro, da existência de previsão legal expressa a permitir a apreensão do instrumento da infração ambiental.

Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio am-biente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do

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desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilí-brio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre va-lores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significati-vos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006).

Em se tratando de Direito Ambiental, não se pode olvidar a prevalência do princípio da solidariedade. Com efeito, segundo esse princípio, quem dete-ve a mínima participação na prática infracional, ou mesmo deixou de evitá-la, quando deveria ou poderia fazê-lo, deverá responder por ela.

O art. 2º da Lei de Crimes e Infrações Ambientais (nº 9.605/1998) assim determina: “Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes pre-visto nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabi-lidade [...]”.

Assim, considerando que a infração administrativa ambiental é toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (9.605/1998, art. 70), afigura-se clara a respon-sabilidade do proprietário em relação ao cometimento de infração com veículo (retroescavadeira) de sua propriedade.

Sobre o tema, veja-se o quanto reportado pela doutrina:

“Assim, restando apreendido um bem, instrumento ou veículo utilizado para o cometimento da infração ou mesmo produto dela, é presumível que o seu pro-prietário (caso não seja o responsável direto pela prática da infração ambiental) tenha participação, ainda que indireta, no cometimento do ilícito. É que, mesmo não sendo o infrator o proprietário do bem, é de se admitir que ele, em regra, re-cebeu alguma forma de anuência pelo uso alheio, seja por meio de uma espécie de contrato, seja em decorrência de relação de parentesco ou amizade entre os dois. Diante das regras que devem nortear o assunto, não se pode presumir, de forma contrária, a total irresponsabilidade do proprietário do bem no cometimen-to do ilícito ambiental. É por isso, inclusive, que a apreensão do bem deve ser efetuada, em qualquer hipótese, pelo fiscal, para que, só após apreciada a possí-vel defesa do infrator e do proprietário do bem, possa-se decidir pelo perdimento (regra) ou pelo devolução do objeto da apreensão ao seu dono.”12

12 CARIBÉ, Karla Virgínia Bezerra. Op. cit.

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Diante de tanto, tem-se que tal responsabilidade civil, criminal e admi-nistrativa deve abarcar todos os que concorreram para o ilícito ambiental ante o princípio do poluidor-pagador, motivo pelo qual não pode ser excluída a res-ponsabilidade da impetrante – garantido, por óbvio, o direito de regresso – pela prática da infração descrita nos autos.

Por fim, importa ressaltar que, embora possa o bem apreendido ser con-fiado a fiel depositário, tal medida somente será possível, até o julgamento do procedimento administrativo, nos termos do art. 105 do Decreto nº 6.514/2008, podendo assumir esse encargo, a critério da administração, os órgãos e entida-des de natureza ambiental, beneficente, científico, cultural, educacional, hospi-talar, penal e militar ou, ainda, o próprio autuado, desde que a posse dos bens ou animais não traga risco de utilização em novas infrações, conforme assim disposto nos incisos I e II do art. 106 do referido ato normativo.

Conforme se vê, a regra é que os bens apreendidos fiquem sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização ambiental, podendo, caso caracterizada a excepcionalidade de determinada situação, ser confiada a fiel depositário, ocasião em que caberá à Administração, e não ao Poder Judiciário – sob pena de violação ao princípio da separação dos Poderes –, definir quem assumirá tal encargo, observadas as opções previstas nos dispositivos normati-vos acima referidos.

Na hipótese em exame, contudo, o ilícito noticiado, que já se operou, e o consequente dano ambiental, que já se materializou, não afastam as medidas de cautelas necessárias, a fim de evitar-se o agravamento desse dano ambiental, sem descurar-se das medidas de total remoção do ilícito ambiental, na espécie, bem assim, da tutela de precaução, para inibir outras práticas agressoras do meio ambiente, naquela área afetada.

***

Com estas considerações, dou provimento à apelação e à remessa neces-sária, reformando a sentença recorrida em todos os seus termos.

Este é meu voto.

Desembargador Federal Souza Prudente Relator

trIbunAl regIonAl federAl dA 1ª regIão secretArIA JudIcIárIA

17ª Sessão Ordinária do(a) Quinta Turma

Pauta de: 31.05.2017 Julgado em: 31.05.2017

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ApReeNec 0018098-85.2012.4.01.3900/PA

Relator: Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Souza Prudente

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Felicio de Araújo Pontes Junior

Secretário(a): Livia Miranda de Lima Varela

Apte.: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Re-nováveis – Ibama

Procur.: Adriana Maia Venturini

Apdo.: Mecânica JH Diesel Ltda.

Adv.: Werbti Soares Gama

Remte.: Juízo Federal da 9ª Vara – PA

Nº de Origem: 180988520124013900 Vara: 9ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: PA

sustentAção orAl certIdão

Certifico que a(o) egrégia(o) Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, deu provimento à Apelação e à Remessa Oficial, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Juiz Federal Rodrigo Navarro de Oliveira e Juiz Federal Roberto Carlos de Oliveira (Conv.). Ausente, justifica-damente, por motivo de licença, os Exmos. Srs. Desembargador Federal Carlos Moreira Alves e Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva.

Brasília, 31 de maio de 2017.

Livia Miranda de Lima Varela Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível/Reexame Necessário – Turma Espec. I – Penal, Previdenciário e Propriedade IndustrialNº CNJ: 0001534‑98.2016.4.02.9999 (2016.99.99.001534‑8)Relator: Desembargador Federal Paulo Espirito SantoApelante: INSS – Instituto Nacional do Seguro SocialProcurador: Procurador FederalApelado: Ivone de Souza SilvaAdvogado: Saulo Pietrani TemperiniOrigem: [...]

ementA

PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA RuRAL POR IDADE – REQuISITOS – IDADE MÍNIMA E PROVA DA ATIVIDADE RuRAL – INÍCIO DE PROVA MATERIAL – DIREITO ASSEGuRADO – JuROS E CORREÇÃO MONETÁRIA

A aposentadoria rural é regida pelos arts. 48 e 143 da Lei nº 8.213/1991, que asseguram a concessão do benefício àquele que comprovar, além da idade mínima (60 anos para homem e 55 anos para mulher), o efetivo exercício de atividade rural em um número de meses idêntico à carência do benefício, conforme tabela do art. 142 do mesmo diploma legal, o que ocorreu no caso.

Os documentos juntados, aliados à prova testemunhal, têm força proba-tória suficiente à demonstrar a condição de rurícola da Autora, fazendo jus, portanto, à aposentadoria rural por idade.

Prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos da propositura da pre-sente demanda.

Os juros e a correção monetária das parcelas devidas, estes devem obe-decer ao determinado pela Lei nº 11.960/2009.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos, acordam os Desembargadores Federais da Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial à apelação e à remessa, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2017 (data do Julgamento).

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Desembargador Federal Paulo Espirito Santo Relator

relAtórIo

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo Instituto Nacio-nal do Seguro Social – INSS (fls. 133/143) contra a sentença de fls. 129/132, do MM. Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de São Sebastião do Alto/RJ, que julgou procedente o pedido, para conceder o benefício de aposentadoria rural por idade a Ivone de Souza Silva, retroativo a data do requerimento admi-nistrativo, e a pagar as parcelas em atraso, corrigidas monetariamente e juros de mora de 1% ao mês. Condenou, ainda, a autarquia federal em honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação.

Em suas razões de recorrer, a autarquia previdenciária alega que inexis-tiu comprovação satisfatória de que a parte autora tenha exercido atividades rurais, de forma que se possa conceder o benefício. Requer, ainda, a aplicação da prescrição quinquenal; e que os juros e correção monetária na forma do art. 1º-F, da Lei nº 11.960/2009.

A Autora apresentou contrarrazões (fls. 145/154), sustentando, em sínte-se, a manutenção da decisão a quo.

O Ministério Público Federal manifestou-se (fls. 161/169), no sentido do não provimento do recurso.

É o relatório.

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2017.

Desembargador Federal Paulo Espirito Santo Relator

voto

Desembargador Federal Paulo Espirito Santo:

Trata-se de apelação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em face de sentença que julgou procedente o pedido, no qual pleiteia a autora o benefício previdenciário de aposentadoria rural por idade.

A questão é regida pelos arts. 48 e 143 da Lei nº 8.213/1991, que asse-guram a concessão de aposentadoria rural por idade aquele que comprovar, além da idade mínima (60 anos para homem e 55 anos para mulher), o efetivo exercício de atividade rural em um número de meses idêntico à carência do benefício, conforme tabela do art. 142 do mesmo diploma legal.

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Quanto à comprovação do tempo de serviço para fins de obtenção do benefício, o art. 55, § 3º do mesmo diploma legal dispõe que só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclu-sivamente testemunhal.

Na mesma dicção, a Súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça afir-ma que “prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da ativi-dade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.

Por sua vez, os arts. 11, inciso VII e 1º da Lei nº 8.213/1991, estabelece que o rurícola é aquele que exerce atividade individualmente, ou em regime de economia familiar, sendo este compreendido como aquele em que o trabalho dos membros da família é indispensável à sua própria subsistência e feito em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empre-gados.

No caso dos autos, a Autora completou o requisito etário em 2002 (fl. 16).

Quanto à prova material, apresentou a segurada os seguintes docu-mentos:

– certidão de casamento, datada de 03.10.1969, na qual consta a pro-fissão do marido da autora de lavrador (fls. 21/22);

– contrato de parceria agrícola da segurada, com firma reconhecida, com início em janeiro de 1991 a 19.05.2008 (fls. 39/40);

– folha de informação rural, constando período de atividade rural do esposo no sítio Santa Therezinha – Faz. Muribeca – 1º Distrito de São Sebastião do Alto de 1986 a 1991 e a autora como dependente (fl. 43).

Para complementar a referida prova documental, foi produzida prova testemunhal (fls. 127/128), que confirmou a condição de rurícola da Autora, podendo ser extraído do depoimento que esta trabalha há mais de 30 anos na lavoura.

Assim, verifica-se que os documentos juntados, aliados à prova testemu-nhal, têm força probatória suficiente à demonstrar a condição de rurícola da parte autora, fazendo jus, portanto, à aposentadoria rural por idade.

Quanto à prescrição, estão prescritas as parcelas vencidas anteriores aos cinco anos da propositura da ação que ocorreu em 07.01.2015 (fl. 02), estando, portanto, prescritas as parcelas anteriores a 07.01.2010.

No que tange aos juros e a correção monetária das parcelas devidas, es-tes devem obedecer ao determinado pela Lei nº 11.960/2009, a qual continua

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em vigor, como salientado pelo Exmo. Ministro Luiz Fux, quando do julgamen-to da Questão de Ordem nas Ações de Inconstitucionalidade nºs 4357 e 4425.

Diante do exposto, dou provimento parcial à apelação do INSS e à re-messa, para determinar a prescrição quinquenal das parcelas vencidas anterio-res a 07.01.2010; e que os juros e a correção monetária das parcelas devidas devem obedecer ao determinado pela Lei nº 11.960/2009.

É como voto.

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2017.

Desembargador Federal Paulo Espirito Santo Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

3693

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoPoder JudiciárioApelação Criminal nº 0002697‑62.2015.4.03.6106/SP2015.61.06.002697‑6/SPRelator: Desembargador Federal José LunardelliApelante: Justiça PúblicaApelante: Sebastião Francisco VisicatoAdvogado: SP184637 Donaldo Luís Paiola e outro(a)Apelado(a): Os MesmosNº Orig.: 00026976220154036106 1ª Vr. São José do Rio Preto/SP

ementA

PENAL – PROCESSuAL – APELAÇÕES CRIMINAIS – PÁSSAROS SILVESTRES IRREGuLAR-MENTE MANTIDOS EM CATIVEIRO DOMICILIAR PELO ACuSADO, INCLuSIVE ESPÉCIE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO, PORTANDO RELAÇÃO NÃO ATuALIzADA DE PASSERIfORMES NO ENDEREÇO DO PLANTEL – ANILhA ALARGADA, NÃO REGISTRADA NO SISPASS Ou AuSENTE, EM DESACORDO COM O ART. 32, II E III, DA INSTRuÇÃO NORMATIVA IBAMA Nº 10/2011 – uSO INDEVIDO DE ANILhA DO IBAMA PELO RÉu, SABIDAMENTE, ADuLTERADA – DELITOS IMPuTADOS NA DENÚNCIA DEVIDAMENTE TIPIfICADOS NO ART. 29, § 1º, III, E § 4º, I, DA LEI Nº 9.605/1998, E NO ART. 296, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL, EM CONCuRSO MATERIAL – PRINCÍPIO DA CONSuNÇÃO NÃO APLICÁVEL NO CASO CONCRETO – AuSÊNCIA DE CONfLITO APARENTE DE NORMAS – PRESCRIÇÃO INOCORRIDA – MATERIALIDADE E AuTORIA DEMONSTRADAS – DOLO CONfIGuRADO – DOSIMETRIA – ATENuANTES DO ART. 65, I, PARTE fINAL, DO CÓDIGO PENAL, E DO ART. 14, I E IV, DA LEI Nº 9.605/1998, RECONhECIDAS NA hIPÓTESE, INCLuSIVE DE OfÍCIO, NOS LIMITES DA SÚMuLA Nº 231 DO STJ (PENAS-BASE fIXADAS JÁ NO MÍNIMO PATAMAR LEGAL) – CAuSA ESPECIAL DE AuMENTO DE PENA DO ART. 29, § 4º, I, DA LEI Nº 9.605/1998, DEVIDAMENTE MANTIDA EM RELAÇÃO AO DELITO AMBIENTAL, EM DETRIMENTO DA AGRAVANTE DO ART. 15, II, Q, DA LEI Nº 9.605/1998 – SuBSTITuIÇÃO DA SOMA DAS PENAS CORPORAIS APLICADAS AO RÉu POR DuAS RESTRITIVAS DE DIREITOS – APELOS DA ACuSAÇÃO E DA DEfESA PARCIALMENTE PROVIDOS

1. Em suas razões recursais (fls. 132/135 e 149/152), o Ministério Público Federal pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para condenar Sebastião Francisco Visicato, também, pela prática do delito previsto no art. 296, § 1º, inciso I (sic, inciso III), do Código Penal, bem como para aplicar-lhe

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a causa de aumento (sic, agravante) prevista no art. 15, inciso II, q, da Lei nº 9.605/1998, no tocante ao delito ambiental.

2. Já a defesa de Sebastião Francisco Visicato, em suas razões recursais (fls. 162/166), pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para que: (i) seja o acusado absolvido, também, do crime previsto no art. 29, § 1º, inciso III, e § 4º, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, por estar, supostamente, provado que não cometera os fatos delitivos tais como descritos na denúncia, ou ainda por pretensa falta de provas de autoria e dolo, sob o argumento de que, em tese, desconheceria as normas referentes ao anilhamento de aves silvestres, devido a pouca instrução e idade avançada; (ii) subsidia-riamente, seja-lhe aplicada a atenuante do art. 65, inciso I, do Código Penal, em razão de ter mais de setenta anos de idade na data da senten-ça, e, por conseguinte, seja reconhecida a prescrição de sua pretensão punitiva, à luz do benefício etário e como medida de política criminal.

3. A despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante às fls. 128/129 da r. sentença e em consonância com o apelo ministerial nesse ponto, não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no art. 296, § 1º, III, do Código Penal (uso indevido de anilha do Ibama adulterada) e no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada ab-sorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito--fim), sendo de rigor o seu afastamento.

4. Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurí-dicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção.

5. Diversamente do sustentado pela defesa, os elementos de cognição demonstram que o criador amador Sebastião Francisco Visicato (CTF 1020319), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em ca-tiveiro domiciliar, 03 (três) pássaros silvestres, consistentes em 01 (um) canário-da-terra (Sicalis flaveola brasiliensis), 01 (um) tempera-viola (Sal-tator maximus) e 01 (um) azulão-verdadeiro (Passerina brissonii), espécie esta considerada ameaçada de extinção, sem estarem devidamente ani-lhados (seja pela ausência de qualquer anilha de identificação, seja pelo visível alargamento dos diâmetros internos de suas anilhas “Ibama 3,5 060827” e “SOSP 013 25 99 6”), inclusive portando relação de passeri-formes desatualizada no endereço de seu plantel, em nítido desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida junto ao órgão

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ambiental competente, nos termos do art. 32, incisos II e III, da Instrução Normativa Ibama nº 10/2011, os quais vieram a ser apreendidos por po-liciais militares ambientais, em 10.05.2014, durante a operação “Jubileu de Prata”, na própria residência do acusado, no “Sítio Irmãos Visicato”, no Município de Monte Aprazível/SP, além de incorrer, também de ma-neira livre e consciente, no uso indevido de 01 (uma) anilha, em tese, originalmente cadastrada pelo Ibama e posteriormente adulterada/alarga-da (de diâmetro interno bastante superior ao normativamente permitido), mantida aposta pelo acusado no tarso do aludido tempera-viola (“Ibama 3,5 060827”), no mesmo local e ocasião.

6. Ouvidos em juízo (fls. 104-mídia/106), os policiais militares am-bientais e testemunhas comuns Jean Carlos Ambrosio e Rodrigo Victor Devechi confirmaram a fiscalização realizada, em 10.05.2014, no Sítio “Irmãos Visicato”, onde foram recebidos pelo próprio acusado que lhes franqueara a entrada no local e colaborara com a diligência, tendo lhes apresentado, na ocasião, a sua relação de passeriformes, notadamente, desatualizada. A propósito, destacaram que, antes mesmo da aferição das bitolas das anilhas com o auxílio de um paquímetro, já haviam no-tado que as anilhas do tempera-viola e do azulão-verdadeiro (este últi-mo ameaçado de extinção), de tão alargadas (fl. 59), teriam saído, com facilidade, de seus respectivos tarsos nas mãos dos próprios agentes de fiscalização durante a vistoria, evidenciando, desde logo, sua possível adulteração por alargamento, que, de fato, restou constatada às fls. 15 e 45/60. Além disso, asseveraram que o “canário-da-terra” apreendido no mesmo local encontrava-se, na data dos fatos, desprovido de qualquer anilha de identificação. No mais, o policial militar ambiental Jean Carlos Ambrosio recordou-se ainda que, anteriormente à vistoria de 10.05.2014 (uns cinco anos antes), em outra fiscalização realizada na residência do réu, mas na ausência deste, chegara a lavrar termo circunstanciado em nome de sua esposa, em razão de lá haver apreendido outras aves tam-bém desprovidas de anilhas na ocasião.

7. Em seu interrogatório judicial (fls. 104-mídia e 107), o acusado veio a alterar sua versão inicialmente prestada em sede policial à fl. 35, passan-do a informar que, em verdade, teria “ganho” o “azulão” de sua própria filha, ao passo que o “tempera-viola” teria sido “comprado” de um amigo seu de Votuporanga/SP, cujo nome afirma igualmente não se recordar, ambos há mais de dez anos. Na sequência, passa a declarar, contradito-riamente, que nunca teria vendido ou comprado passeriformes, apenas os teria ganhado. Em relação ao “canário-da-terra”, o qual, segundo ele, teria entrado na gaiola “por acidente” havia alguns dias (atrás de comida posta pelo acusado), admitiu, todavia, estar ciente de que não poderia

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mantê-lo em cativeiro desprovido de qualquer anilha (até mesmo em razão de outra apreensão anteriormente realizada em sua residência há uns dez anos, também por ausência de anilha em seus passeriformes), caindo, por terra, a frágil tese da defesa de que o acusado, supostamente, desconheceria as normas referentes ao anilhamento de aves silvestres, não obstante sua larga experiência enquanto criador amador de passeri-formes, admitidamente, há mais de quinze anos, inclusive com cadastro no Ibama.

8. Restaram incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática dos delitos previstos no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, e no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, em concurso material, não se olvidando da natureza diversa dos bens ju-rídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacada-mente, a fauna silvestre), nem havendo de cogitar, na hipótese, eventual erro sobre a ilicitude do fato ou mesmo sobre os elementos do tipo.

9. Dosimetria e substituição da soma das penas corporais fixadas ao réu por duas restritivas de direitos.

10. Atenuantes do art. 65, I, parte final, do Código Penal, e do art. 14, I e IV, da Lei nº 9.605/1998, reconhecidas na hipótese, inclusive de ofício, nos limites da Súmula nº 231 do STJ (penas-base fixadas já no mínimo patamar legal).

11. Causa especial de aumento de pena do art. 29, § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, devidamente mantida em relação ao delito ambiental, em detrimento da agravante do art. 15, II, q, da Lei nº 9.605/1998, ora pleiteada, sem razão, pela acusação.

12. De resto, não há de se cogitar o reconhecimento de prescrição ante-cipada ou virtual da pretensão punitiva, em consonância com a Súmula nº 438 do Superior Tribunal de Justiça, antes de eventual trânsito em julgado do presente acórdão para acusação. Tampouco se verifica nos autos a ocorrência de eventual prescrição de suas pretensões punitivas tendo em conta o máximo das penas privativas de liberdade abstrata-mente cominadas aos delitos previstos no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998 (um ano e meio de detenção), e no art. 296, § 1º, III, do Código Penal (seis anos de reclusão), assim como o benefício etário a que o réu, de fato, faz jus em razão de dispor de mais de setenta anos de idade na data da sentença (fls. 36, 131 e 147), na forma dos arts. 109, III e V, 115, parte final, 117, e 119, todos do Código Penal.

13. Recursos da acusação e da defesa parcialmente providos.

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Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento aos apelos da acusação e da defesa, apenas para (i) condenar Sebastião Francisco Visicato em 02 (dois) anos de re-clusão, e 10 (dez) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, também pela prática do delito contra a fé pú-blica capitulado no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, nos moldes dos arts. 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal, afastando-se a incidência do princípio da consunção no caso concreto; (ii) reconhecer ao réu as atenuantes previstas no art. 65, I, parte final, do Código Penal (relativamente a ambos os delitos impu-tados e atendendo nesse ponto ao pleito subsidiário da defesa), assim como no art. 14, incisos I e IV, da Lei nº 9.605/1998 (ora vislumbradas ex officio, no to-cante ao delito ambiental), em que pese suas respectivas penas-base já houves-sem sido fixadas no mínimo patamar legal, à míngua de quaisquer agravantes e nos limites da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça, sem prejuízo da subsequente aplicação da causa especial de aumento de pena prevista no art. 29, § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, no que se refere ao crime ambiental; (iii) tendo em vista o concurso material entre os tipos penais descritos no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, e no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, calcular a soma de suas penas corporais em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção, em regime inicial aberto, que ficam substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas substituídas, e prestação pecu-niária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal, nos ter-mos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 14 de março de 2017.

José Lunardelli Desembargador Federal

relAtórIo

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal José Lunardelli:

Trata-se de apelações criminais interpostas pela defesa de Sebastião Francisco Visicato e pelo Ministério Público Federal em face da sentença pro-ferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, que o condenou apenas pela prática do delito previsto no art. 29, § 1º, III, e § 4º, inciso I, da Lei nº 9.605/1998.

Narra a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (fls. 65/68):

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No dia 10 de maio de 2014, durante a operação denominada “Julibeu de Prata”, Policiais Militares Ambientais constataram que Sebastião Francisco Visicato man-tinha, em cativeiro, pássaros da fauna silvestre de espécimes nativa em situação irregular, inclusive, com anilha de identificação do Ibama adulterada.

Na ocasião, foram apreendidos 03 (três) pássaros, os quais, 01 (um) estava sem anilha [canário-da-terra] e 02 (dois) possuíam anilhas supostamente adulteradas [tempera-viola com anilha “Ibama 04-05 3,5 060827” e azulão verdadeiro com anilha “26 99 6 SOSP 013”), conforme constam na tabela abaixo: [...]

O Laudo de Perícia Criminal Federal atestou que a anilha nº 060827 apresenta-va incompatibilidade de medidas de diâmetros e altura, concluindo, assim, que trata-se de anilha adulterada. Quanto à outra anilha (26 99 6 SOSP 013) restou prejudicado o exame, pois, não estavam disponíveis padrões para este tipo de anilha (fls. 45/50).

Sendo assim, fora elaborado o Auto de Infração Ambiental (fl. 08), o Termo de Apreensão (fl. 09), as aves foram submetidas à análise (fl. 10), bem como fo-ram enviadas à Estação Ecológica do Noroeste Paulista (IPA) em São José do Rio Preto/SP (fl. 11), para libertação em seu habitat natural.

Instado, à fl. 30, o denunciado afirmou ser criador de pássaros cadastrado no Ibama; que quando recebeu as aves elas já estavam na situação em que se en-contravam no momento da diligência policial, não sabendo informar o nome da pessoa que lhe forneceu as aves com o anilhamento; e quanto ao pássaro sem anilha, informou ter capturado há poucos dias no viveiro dos seus pássaros.

Ademais, necessário se faz mencionar que um dos pássaros apreendidos, o co-nhecido por Azulão Verdadeiro, consta como espécie ameaçada de extinção no Estado de São Paulo, conforme extrai-se do Laudo Pericial, às fl. 50.

Cumpre ainda salientar que as anilhas são anéis de metal, codificados sequen-cialmente, e só podem ser fornecidas pelo órgão ambiental (Ibama). São consi-deradas selo público, ou seja, sinais de identificação de atos oficiais e, portanto, emitidos pelo governo brasileiro.

Conclui-se, portanto, que Sebastião Francisco Visicato, embora registrado como criador amador de pássaros, autorizado, em tese, pela autoridade competente, fez uso indevido de sinal público (anilha de emissão do Ibama) adulterado, bem como manteve em cativeiro espécimes da fauna silvestre nativa, inclusive espé-cie ameaçada de extinção, de forma irregular.

Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia Sebastião Francisco Visicato como incurso nas penas do art. 296, § 1º, inciso III, do Código Penal, em concurso com as penas do art. 29, § 1º, inciso III e § 4º, inciso I da Lei nº 9.605/1998 [...].

A denúncia do Parquet Federal foi recebida em 19.08.2015 (fls. 69/70).

Resposta à acusação (fls. 90/91).

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Decisão afastando as hipóteses de absolvição sumária previstas no art. 397 do Código de Processo Penal e determinando o prosseguimento do feito (fl. 93).

Alegações finais da acusação (fls. 109/110) e da defesa (fls. 114/120).

Boletim de Ocorrência Ambiental nº 140418 (fls. 04/07) e respec-tivo relatório de fiscalização e aferição de anilhas (fl. 15); Auto de Infração Ambiental nº 300963 (fl. 08); Termo de Apreensão (fl. 09); Laudo Biológico (fl. 10); Termos de Destinação de aves (fl. 11) e gaiolas (fl. 14); Exame de Cons-tatação relativo às gaiolas (fls. 12/13); registro fotográfico das aves apreendidas durante a fiscalização (fl. 16); Auto de Apreensão das anilhas (fl. 19); Ofício nº 02027.000073/2015-13/ESREG/SP/Ibama (fls. 39/40) com histórico SISPASS da anilha “Ibama 04/05 3,5 060827” (fl. 41); Laudo Pericial nº 078/2015 refe-rente às anilhas (fls. 45/50); Termo de Guarda para o Depósito das anilhas “Iba-ma 04/05 060827” e “SOSP 013 26 99 6” (fl. 51), envelopadas à fl. 59; relatório policial (fls. 55/56); depoimentos das testemunhas em juízo (fls. 104-mídia/106); interrogatórios do réu em sede policial (fl. 30) e em juízo (fls. 104-mídia e 107).

Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 126/130, que julgou procedente a denúncia, para condenar Sebastião Francisco Visicato a 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no va-lor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, pelo cometimento do crime-fim ambiental previsto no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, reconhecida a absorção do delito-meio previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, e substituída a pena corporal aplicada por uma única restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo “mensal” em favor de entidade beneficente a ser designada pelo Juízo da Execução.

Publicada a sentença em 23.05.2016 (fl. 131).

Às fls. 142/145, foram opostos embargos de declaração pelo réu em face da r. sentença de fls. 126/130, os quais restaram acolhidos à fl. 146 (decisão publicada em 22.08.2016 – fl. 147), para esclarecer e alterar, em parte, seu dispositivo, dele ficando excluída a expressão “mensal” relativamente à substi-tuição de sua pena corporal por uma única restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo em favor de entidade beneficente a ser designada pelo Juízo da Execução.

Apela o Ministério Público Federal (fls. 132/135 e 149/152), pleiteando a reforma parcial da r. sentença, para condenar Sebastião Francisco Visicato, também, pela prática do delito previsto no art. 296, § 1º, inciso I (sic, inciso III), do Código Penal, bem como para aplicar-lhe a causa de aumento (sic, agravan-te) prevista no art. 15, inciso II, q, da Lei nº 9.605/1998, no tocante ao delito ambiental.

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Contrarrazões da defesa (fls. 167/175), pelo não provimento do apelo ministerial.

Apela a defesa de Sebastião Francisco Visicato (fls. 153/154 e 162/166), pleiteando a reforma parcial da r. sentença, para que: (i) seja o acusado absolvi-do, também, do crime previsto no art. 29, § 1º, inciso III, e § 4º, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, por estar, supostamente, provado que não cometera os fatos de-litivos assim como descritos na denúncia, ou ainda por pretensa falta de provas de autoria e dolo, sob o argumento de que, em tese, desconheceria as normas referentes ao anilhamento de aves silvestres, devido à pouca instrução e idade avançada; (ii) subsidiariamente, seja-lhe aplicada a atenuante do art. 65, inciso I, do Código Penal, em razão de ter mais de setenta anos de idade na data da sentença, e, por conseguinte, seja reconhecida a prescrição de sua pretensão punitiva, à luz do benefício etário e como medida de política criminal.

Contrarrazões ministeriais (fls. 177/178), pelo parcial provimento do ape-lo da defesa, apenas no tocante à aplicação da atenuante prevista no art. 65, inciso I, do Código Penal.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 181/188), pelo par-cial provimento dos apelos da defesa e da acusação, para condenar o réu, tam-bém pela prática delitiva descrita no art. 296, § 1º, do Código Penal, bem como para reconhecer ao acusado a incidência da atenuante prevista no art. 65, inci-so I, do Código Penal.

É o relatório.

À revisão.

José Lunardelli Desembargador Federal

voto

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal José Lunardelli:

Em suas razões recursais (fls. 132/135 e 149/152), o Ministério Públi-co Federal pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para condenar Sebastião Francisco Visicato, também, pela prática do delito previsto no art. 296, § 1º, inciso I (sic, inciso III), do Código Penal, bem como para aplicar-lhe a causa de aumento (sic, agravante) prevista no art. 15, inciso II, q, da Lei nº 9.605/1998, no tocante ao delito ambiental.

Já a defesa de Sebastião Francisco Visicato, em suas razões recursais (fls. 162/166), pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para que: (i) seja o acu-sado absolvido, também, do crime previsto no art. 29, § 1º, inciso III, e § 4º, in-

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ciso I, da Lei nº 9.605/1998, por estar, supostamente, provado que não comete-ra os fatos delitivos tais como descritos na denúncia, ou ainda por pretensa falta de provas de autoria e dolo, sob o argumento de que, em tese, desconheceria as normas referentes ao anilhamento de aves silvestres, devido à pouca instrução e idade avançada; (ii) subsidiariamente, seja-lhe aplicada a atenuante do art. 65, inciso I, do Código Penal, em razão de ter mais de setenta anos de idade na data da sentença, e, por conseguinte, seja reconhecida a prescrição de sua pretensão punitiva, à luz do benefício etário e como medida de política criminal.

I – DA AuSÊNCIA DE CONfLITO APARENTE DE NORMAS E DA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSuNÇÃO NO CASO CONCRETO

A despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante às fls. 128/129 da r. sentença e em consonância com o apelo ministerial nesse ponto, não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no art. 296, § 1º, III, do Código Penal (uso indevido de anilha do Iba-ma adulterada) e no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autorida-de competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito--meio) pelo segundo (pretenso delito-fim), sendo de rigor o seu afastamento.

Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condu-tas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipóte-se, a incidência do princípio da consunção (g.n.):

Art. 296, § 1º, do Código Penal

Falsificação do selo ou sinal público

Art. 296. Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:

I – selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;

II – selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:

Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas:

I – quem faz uso do selo ou sinal falsificado;

II – quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.

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III – quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.

Art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998

Dos crimes contra a fauna

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas:

I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desa-cordo com a obtida;

II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;

III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, pro-venientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

A respeito da inaplicabilidade do princípio da consunção em face das mesmas condutas delitivas ora imputadas, em concurso material, na presente denúncia, colaciono emblemático aresto deste E-TRF3 (g.n.):

PENAL – CRIMES AMBIENTAIS – FALSIDADE DE SELO OU SINAL PÚBLICO – CRIMES CONTRA A FAUNA – PÁSSAROS SILVESTRES EM CATIVEIRO SEM A NECESSÁRIA LICENÇA E COM ANILHAS ADULTERADAS – PROVA DA MA-TERIALIDADE E AUTORIA – NULIDADE DA PERÍCIA TÉCNICA – INEXISTENTE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO – DESCABIMENTO – DOLO CONFIGURADO – APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA

1. Policiais federais e agentes do Ibama estiveram na residência do apelante e de-ram cumprimento a mandado de busca e apreensão, ali encontrando 12 pássaros da fauna silvestre nacional de diversas espécies com anilhas, em doze gaiolas, cinco das quais incompatíveis com as características dos pássaros que ali se en-contravam. Além disso, encontraram um papagaio sem qualquer identificação.

2. No tocante à alegação de imprestabilidade da prova pericial, como bem ressal-vado pelo eminente juízo de primeiro grau por ocasião da sentença, a acusação não é de falsificação das anilhas para identificação de aves, mas sim, do uso de anilhas falsificadas, e ainda, não obstante constar a ausência de lacre quando do recebimento do material a ser periciado, o fato é que não há divergência em relação às anilhas apreendidas na residência do réu.

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3. De qualquer forma, a prova técnica se baseou na elaboração de laudo do-cumentoscópico e foi objeto de impugnação posterior pela defesa do apelante no curso da ação penal, sendo que durante o exercício regular do contraditório nenhuma prova foi capaz de elidi-la, sendo descabida a pretensão recursal neste tópico.

4. O apelante detinha licença da autoridade competente para a guarda de aves, porém, tal licença expirou em 31 de julho de 2008, ou seja, mais de um ano antes da data dos fatos. Todas as aves, portanto, estavam em situação irregu-lar. A autoria é inconteste, sendo certo que os pássaros foram encontrados na residência do réu, configurando situação de flagrante delito, e o apelante não logrou êxito em provar que os pássaros apreendidos já foram adquiridos com as respectivas anilhas. Observo que o ora apelante é criador de pássaros e possuía familiaridade com os trâmites e procedimentos para a regularização da guarda das aves perante o Ibama, não restando dúvida quanto à sua responsabilização, restando devidamente demonstrado o elemento subjetivo do tipo (dolo).

5. O apelante invoca em seu favor a aplicação do princípio da consunção, sob o argumento de que o delito previsto no art. 296, § 1º, inciso III, do CP, consti-tui meio para a consecução do crime previsto no art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998. Contudo, não há que se falar em absorção de um delito por outro. Os crimes pelos quais o apelante foi condenado tutelam bens jurídicos diversos e decorrem de ações diversas. A adulteração de anilhas não é crime de passagem para a consumação do delito de guarda ilegal de pássaros. As condutas são autô-nomas, sendo, portanto, inaplicável o princípio da consunção ao caso concreto em exame.

6. Apelação do réu desprovida.

(TRF 3ª R., ACr 0009303-19.2009.4.03.6106, 2ª T., Rel. Juiz Convocado Fernão Pompêo, e-DJF3 Judicial 1 18.12.2013, g.n.)

Portanto, fica devidamente afastada a aplicabilidade do princípio da con-sunção no caso em apreço.

II – DA MATERIALIDADE E AuTORIA DELITIVAS

Diversamente do sustentado pela defesa, os elementos de cognição de-monstram que o criador amador Sebastião Francisco Visicato (CTF nº 1020319), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro domici-liar, 03 (três) pássaros silvestres, consistentes em 01 (um) canário-da-terra (Sicalis flaveola brasiliensis), 01 (um) tempera-viola (Saltator maximus) e 01 (um) azulão-verdadeiro (Passerina brissonii), espécie esta considerada amea-çada de extinção, sem estarem devidamente anilhados (seja pela ausência de qualquer anilha de identificação, seja pelo visível alargamento dos diâmetros internos de suas anilhas “Ibama 3,5 060827” e “SOSP 013 25 99 6”), inclusive portando relação de passeriformes desatualizada no endereço de seu plantel,

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em nítido desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida junto ao órgão ambiental competente, nos termos do art. 32, incisos II e III, da Instrução Normativa Ibama nº 10/2011, os quais vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 10.05.2014, durante a operação “Jubileu de Prata”, na própria residência do acusado, no “Sítio Irmãos Visicato”, no Municí-pio de Monte Aprazível/SP, além de incorrer, também de maneira livre e cons-ciente, no uso indevido de 01 (uma) anilha, em tese, originalmente cadastrada pelo Ibama e posteriormente adulterada/alargada (de diâmetro interno bastante superior ao normativamente permitido), mantida aposta pelo acusado no tarso do aludido tempera-viola (“Ibama 3,5 060827”), no mesmo local e ocasião: Bo-letim de Ocorrência Ambiental nº 140418 (fls. 04/07) e respectivo relatório de fiscalização e aferição de anilhas (fl. 15); Auto de Infração Ambiental nº 300963 (fl. 08); Termo de Apreensão (fl. 09); Laudo Biológico (fl. 10); registro fotográfico das aves apreendidas durante a fiscalização (fl. 16); Auto de Apreensão das ani-lhas (fl. 19); Ofício nº 02027.000073/2015-13/ESREG/SP/Ibama (fls. 39/40) com histórico SISPASS da anilha “Ibama 04/05 3,5 060827” (fl. 41); Laudo Pericial nº 078/2015 referente às anilhas (fls. 45/50); Termo de Guarda para o Depósito das anilhas “Ibama 04/05 060827” e “SOSP 013 26 99 6” (fl. 51), envelopadas à fl. 59; depoimentos das testemunhas em juízo (fls. 104-mídia/106); interroga-tórios do réu em sede policial (fl. 30) e em juízo (fls. 104-mídia e 107).

Segundo apontado pelo Boletim de Ocorrência Ambiental nº 140418 (fls. 04/07) e respectivo relatório de fiscalização e aferição de anilhas (fl. 15), o acusado portava na ocasião “uma relação não atualizada de passeriformes” no endereço do plantel, sendo que “o azulão-verdadeiro e o tempera-viola apre-sentavam anilhas com bitolas maiores que as permitidas, que saíram do tarso das aves no momento da fiscalização, evidenciando possível falsificação ou adulteração”, ao passo que “o canário-da-terra estava sem anilha de identifi-cação” alguma, portanto, em nítido desacordo com o disposto no art. 32, inci-sos II e III, da Instrução Normativa Ibama nº 10, de 20.09.2011:

Art. 32. Todos os Criadores Amadores e Comerciais de Passeriformes deverão: [...]

II – Manter todos os pássaros do seu plantel devidamente anilhados com anilhas invioláveis, não adulteradas, fornecidas pelo Ibama ou fábricas credenciadas ou, ainda, por federações, clubes ou associações até o ano de 2001 ou por criadores comerciais autorizados.

III – Portar relação de passeriformes atualizada no endereço do plantel, conforme modelo do Anexo III.

Consoante o Ofício nº 02027.000073/2015-13/ESREG/SP/Ibama (fls. 39/41), não foi encontrado qualquer registro no SISPASS relativamente à anilha “SOSP 26-06-2001 013”, mas tão somente da anilha “Ibama 04/05 3,5 060827”, a qual, embora possa ter sido originalmente cadastrada pelo Ibama,

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veio a ser, posteriormente, adulterada, em sintonia com o Laudo de Exame Peri-cial nº 078/2015 acostado às fls. 45/50 (“as medidas de diâmetros e altura eram incompatíveis tratando-se, portanto, de documento adulterado”).

Ouvidos em juízo (fls. 104-mídia/106), os policiais militares ambientais e testemunhas comuns Jean Carlos Ambrosio e Rodrigo Victor Devechi confirma-ram a fiscalização realizada, em 10.05.2014, no Sítio “Irmãos Visicato”, onde foram recebidos pelo próprio acusado que lhes franqueara a entrada no local e colaborara com a diligência, tendo lhes apresentado, na ocasião, a sua relação de passeriformes, notadamente, desatualizada. A propósito, destacaram que, antes mesmo da aferição das bitolas das anilhas com o auxílio de um paquíme-tro, já haviam notado que as anilhas do tempera-viola e do azulão-verdadeiro (este último ameaçado de extinção), de tão alargadas (fl. 59), teriam saído, com facilidade, de seus respectivos tarsos nas mãos dos próprios agentes de fiscaliza-ção durante a vistoria, evidenciando, desde logo, sua possível adulteração por alargamento, que, de fato, restou constatada à fl. 15. Além disso, asseveraram que o “canário-da-terra” apreendido no mesmo local encontrava-se, na data dos fatos, desprovido de qualquer anilha de identificação.

No mais, o policial militar ambiental Jean Carlos Ambrosio recordou-se ainda que, anteriormente à vistoria de 10.05.2014 (uns cinco anos antes), em outra fiscalização realizada na residência do réu, mas na ausência deste, chega-ra a lavrar termo circunstanciado em nome de sua esposa, em razão de lá haver apreendido outras aves também desprovidas de anilhas na ocasião.

Interrogado em sede policial (fl. 35), o réu admitiu que há cerca de quin-ze anos é criador amador de passeriformes cadastrado no Ibama e que, em maio de 2014, policiais ambientais lograram apreender em sua residência três pássaros silvestres, a saber, um “azulão”, um “trinca-ferro” (sic, tempera-viola) e um “canário-da-terra”. O “azulão” e o pretenso “trinca-ferro” teriam sido por ele adquiridos, já anilhados, em datas distintas, há cerca de dez anos, de um criador de São José do Rio Preto/SP, cujo nome afirma não se recordar. Já o “canário-da-terra” teria sido por ele capturado há poucos dias quando a referida ave veio a entrar no viveiro de outros pássaros seus, supostamente, à procura de comida.

Em seu interrogatório judicial (fls. 104-mídia e 107), o acusado veio a al-terar sua versão inicialmente prestada em sede policial à fl. 35, passando a infor-mar que, em verdade, teria “ganho” o “azulão” de sua própria filha, ao passo que o “tempera-viola” teria sido “comprado” de um amigo seu de Votuporanga/SP, cujo nome afirma igualmente não se recordar, ambos há mais de dez anos. Na sequência, passa a declarar, contraditoriamente, que nunca teria vendido ou comprado passeriformes, apenas os teria ganhado. Em relação ao “canário-da--terra”, o qual, segundo ele, teria entrado na gaiola “por acidente” havia alguns dias (atrás de comida posta pelo acusado), admitiu, todavia, estar ciente de que

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não poderia mantê-lo em cativeiro desprovido de qualquer anilha (até mesmo em razão de outra apreensão anteriormente realizada em sua residência há uns dez anos, também por ausência de anilha em seus passeriformes), caindo, por terra, a frágil tese da defesa de que o acusado, supostamente, desconheceria as normas referentes ao anilhamento de aves silvestres, não obstante sua larga ex-periência enquanto criador amador de passeriformes, admitidamente, há mais de quinze anos, inclusive com cadastro no Ibama, à míngua de eventual erro sobre a ilicitude dos fatos.

Destarte, restam incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática dos delitos previstos no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, e no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, em concurso material, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos pe-nalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), nem havendo de cogitar, na hipótese, eventual erro sobre a ilicitude do fato ou mesmo sobre os elementos do tipo.

III – DA DOSIMETRIA

Em relação ao delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, fixo as penas--base no patamar mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o art. 59 do mesmo diploma legal. A culpabi-lidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito mostraram--se normais à espécie delitiva. Além disso, não vislumbro nos autos elementos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como “maus antecedentes”.

Ainda que se reconheça a atenuante prevista no art. 65, inciso I, parte final, do Código Penal (o réu, de fato, tinha mais de setenta anos na data da sentença, tal como, acertadamente, observado pela defesa às fls. 165/166), a Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que “a incidência da cir-cunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”, como poderia, em tese, ser cogitado, razão pela qual preservo as sanções intermediárias em 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, relativa-mente ao delito em comento, à míngua de eventuais agravantes.

Na ausência de quaisquer causas de aumento ou diminuição, fixo de-finitivamente a pena privativa de liberdade de “Sebastião” em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos (compatível à situação econômica do réu acostada às fls. 104-mídia e 107), pela prática do delito contra a fé pública capitulado no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, nos moldes dos arts. 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal.

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No que se refere ao crime ambiental previsto no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, mantenho as penas-base no patamar mínimo legal, qual seja, 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o art. 59 do mesmo diploma legal e ainda com o artigo 6º da Lei nº 9.605/1998, nos termos da r. sentença. A culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito para a saúde pública e para o meio ambiente mostra-ram-se normais à espécie delitiva. Além disso, não vislumbro nos autos ele-mentos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como “maus antecedentes”.

A despeito do pugnado pela acusação à fl. 152 de suas razões recursais, não vislumbro na hipótese a ocorrência da agravante do art. 15, inciso II, q, da Lei nº 9.605/1998, em razão de ter o agente cometido a infração atingindo espécie ameaçada de extinção (a saber, um azulão-verdadeiro), uma vez que tal circunstância, em verdade, qualifica o delito tipificado no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, sob a forma de causa de aumento especial, tal como, acertadamente, considerado na r. sentença:

Art. 15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qua-lificam o crime: [...]

II – ter o agente cometido a infração: [...]

q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades competentes; [...]

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa. [...]

III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, pro-venientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. [...]

§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:

I – contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração; [g.n.]

Ademais, ainda que se reconheçam as atenuantes previstas no art. 65, in-ciso I, parte final, do Código Penal (o réu, de fato, tinha mais de setenta anos na data da defesa, tal como, acertadamente, observado pela defesa às fls. 165/166), e no art. 14, incisos I e IV, da Lei nº 9.605/1998 (seja pelo baixo grau de ins-trução do acusado, seja por sua colaboração com os agentes encarregados da vigilância e controle ambiental, ora vislumbradas ex officio), a Súmula nº 231

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do Superior Tribunal de Justiça adverte que “a incidência da circunstância ate-nuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”, como poderia, em tese, ser cogitado, razão pela qual preservo as sanções intermediá-rias em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, relativamente ao de-lito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, à míngua de eventuais agravantes.

Na terceira fase da dosimetria de pena, mantenho, de resto, a incidên-cia da causa de aumento especial prevista no art. 29, § 4º, inciso I, da Lei nº 9.605/1998 (ficando as penas intermediárias ora fixadas aumentadas de meta-de), em razão de o referido delito ambiental ter sido praticado, inclusive, contra espécie considerada ameaçada de extinção, a saber, 01 (um) azulão-verdadeiro (Passerina brissonii), nos termos do Anexo I do Decreto Estadual nº 56.031, de 20 de julho de 2010, em sintonia com o Laudo Biológico acostado à fl. 10.

Dessa forma, fixo definitivamente a pena privativa de liberdade de “Se-bastião” em 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 15 (quin-ze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vi-gente à época dos fatos, pela prática do delito capitulado no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, nos mesmos termos da r. sentença.

A propósito, não há de se cogitar o reconhecimento de prescrição ante-cipada ou virtual da pretensão punitiva, em consonância com a Súmula nº 438 do Superior Tribunal de Justiça (“É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, inde-pendentemente da existência ou sorte do processo penal”), antes de eventual trânsito em julgado do presente acórdão para acusação.

Tampouco vislumbro nos autos a ocorrência de eventual prescrição de suas pretensões punitivas tendo em conta o máximo das penas privativas de liberdade abstratamente cominadas aos delitos previstos no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998 (um ano e meio de detenção), e no art. 296, § 1º, III, do Código Penal (seis anos de reclusão), assim como o benefício etário a que o réu, de fato, faz jus em razão de dispor de mais de setenta anos de idade na data da sentença (fls. 36, 131 e 147), na forma dos arts. 109, III e V, 115, parte final, 117, e 119, todos do Código Penal.

Com efeito, as penas corporais definitivas dos delitos em comento de-vem ser somadas, em concurso material, à vista do art. 69 do Código Penal, perfazendo o total de 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção (executando-se primeiro a pena de reclusão).

Nos termos do art. 33, § 2º, c, e § 3º, do Código Penal, fixo o regime prisional inicial aberto.

A propósito, observo que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, na forma do art. 72 do Código Penal.

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Ademais, na forma do art. 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, e do art. 8º da Lei nº 9.605/1998, substituo a soma das penas privativas de liberdade impostas a “Sebastião” por duas restritivas de direitos, consistentes em pres-tação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário--mínimo, destinada à União Federal.

IV – DA EXECuÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Em sessão de julgamento de 05 de outubro de 2016, o Plenário do Supre-mo Tribunal Federal entendeu que o art. 283 do Código de Processo Penal não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias, e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 43 e 44.

Desse modo, curvo-me ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reinterpretou o princípio da presunção de inocência no julgamento do HC 126.292-SP, reconhecendo que “A execução provisória de acórdão penal con-denatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”.

Diante desse cenário, independentemente da pena cominada, deve ser determinada a execução provisória da pena decorrente de acórdão penal con-denatório, proferido em grau de apelação.

Destarte, exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigi-dos às Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), expeça-se Carta de Sentença, bem como comunique-se ao Juízo de Origem para o início da execução da pena imposta ao réu, sendo dispensadas tais providências em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução definitiva da pena.

Ante o exposto, dou parcial provimento aos apelos da acusação e da de-fesa, apenas para: (i) condenar Sebastião Francisco Visicato em 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, também pela prática do delito con-tra a fé pública capitulado no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, nos moldes dos arts. 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal, afastando-se a incidência do princípio da consunção no caso concreto; (ii) reconhecer ao réu a atenuantes previstas no art. 65, I, parte final, do Código Penal (relativamente a ambos os delitos imputados e atendendo nesse ponto ao pleito subsidiário da defesa), assim como no art. 14, incisos I e IV, da Lei nº 9.605/1998 (ora vislumbra-das ex officio, no tocante ao delito ambiental), em que pese suas respectivas penas-base já houvessem sido fixadas no mínimo patamar legal, à míngua de

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quaisquer agravantes e nos limites da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça, sem prejuízo da subsequente aplicação da causa especial de aumento de pena prevista no art. 29, § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, no que se refere ao crime ambiental; (iii) tendo em vista o concurso material entre os tipos penais descritos no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, e no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, calculo a soma de suas penas corporais em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção, em regime inicial aberto, que ficam substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de ser-viços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal.

Comunique-se ao Juízo de Execução Criminal.

José Lunardelli Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

3694

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 5007456‑68.2017.4.04.0000/PRRelator: Luís Alberto D’Azevedo AurvalleAgravante: Banco do Brasil S/AAgravado: Marta GorgenAdvogado: Inacio Zeno FranzenInteressado: Banco Central do Brasil – Bacen

ementA

AGRAVO DE INSTRuMENTO – EXECuÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA PROfERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA – APLICAÇÃO DO ART. 275 DO CC

Nas hipóteses de cumprimento provisório de sentença com condenação em caráter solidário, aplica-se o disposto no art. 275 do Código Civil que prevê que “o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores solidários a dívida em comum”.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimi-dade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de maio de 2017.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Relator

relAtórIo

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em sede de cumprimento de sentença referente a acórdão proferido pelo Superior Tribu-nal de Justiça nos autos de ação civil pública, determinou a exclusão do Bacen do polo passivo da lide executiva.

O agravante sustenta a existência de litisconsórcio passivo necessário.

Foi deferido o pedido de antecipação de tutela.

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Com as contrarrazões, vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

voto

Ao analisar o pedido de antecipação de tutela foi proferida a seguinte decisão:

[...]

A questão não comporta maiores digressões.

Da leitura do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que a condenação foi em caráter solidário. É o que se vê da transcrição a seguir:

Condeno os réus, solidariamente, ao pagamento das diferenças apuradas entre o IPC de março de 1990 (84, 32%) e o BTNs fixado em idêntico período (41,28%) aos mutuários que efetivamente pagaram com atualização do financiamento por índice ilegal, corrigidos monetariamente os valores a contar do pagamento a maior pelos índices aplicáveis aos débitos judiciais, acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11.01.2003), quando passarão para 1% ao mês, nos termos do art. 406 do Código Civil de 2002.” (grifos no original)

Por sua vez, dispõe o Código Civil:

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos deve-dores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Portanto, o recurso merece acolhida.

Ante o exposto, defiro a antecipação de tutela recursal.

[...]

Não configurados elementos hábeis para alterar o entendimento inicial, mantenho-o, por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.

É o voto.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Relator

extrAto de AtA dA sessão de 10.05.2017

Agravo de Instrumento nº 5007456-68.2017.4.04.0000/PR

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DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................141

Origem: PR 50000639320174047016

Relator: Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Presidente: Vivian Josete Pantaleão Caminha

Procurador: Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas

Agravante: Banco do Brasil S/A

Agravado: Marta Gorgen

Advogado: Inacio Zeno Franzen

Interessado: Banco Central do Brasil – Bacen

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10.05.2017, na sequência 308, disponibilizada no DE de 11.04.2017, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento.

Relator Acórdão: Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Votante(s): Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior Desª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha

Luiz Felipe Oliveira dos Santos Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

3695

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (convocado)Embargos de Declaração em Apelação Cível nº 581431‑CE(2000.81.00.013157‑6/01)Apte.: Miguel Weima Rocha BezerraAdv./Proc.: Francisco Ione Pereira Lima e outrosApdo.: Ministério Público FederalApdo.: Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenováveisRepte.: Procuradoria Regional Federal da 5ª RegiãoParte A.: DNOCS – Departamento Nacional de Obras contra as SecasRepte.: Procuradoria Regional Federal da 5ª RegiãoEmbte.: Miguel Weima Rocha BezerraOrigem: 25ª Vara Federal do Ceará – CERelator: Des. Federal Ivan Lira de Carvalho (Convocado)

ementA

EMBARGOS DECLARATÓRIOS – ÁREA DE uSO COMuM E DE PROTEÇÃO AMBIENTAL – PLANO DE RECuPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA – PRAD NÃO CuMPRIDO – DISCuSSÃO ACERCA DE MATÉRIA JÁ ANALISADA – IMPOSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO Ou OBSCuRIDADE

I – Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que ne-gou provimento à apelação, para manter a sentença de 1º grau proferida na presente ação civil pública.

II – A embargante sustenta que o acórdão da Segunda Turma restou omis-so quanto à análise de haver sido o Prad elaborado pelo embargante aprovado pelo Ibama. Apontou, ainda, contradição/erro material em ra-zão da existência de decisões do próprio TRF 5 que, em casos análogos, não apontaram a necessidade de demolição das construções.

III – As questões apontadas pelo embargante foram devidamente analisa-das no acórdão embargado, ao dispor que “Ademais, consta no Relatório Técnico referido (fls. 287/292) que o PRDA – Plano de Recuperação de área Degradada não foi devidamente cumprido, haja vista que a área foi ambientada para o lazer, com plantação de espécies exóticas. Além disso, praticamente não há no local extrato herbáceo natural, o que torna o solo desprotegido. Próximo das edificações, o solo é coberto com uma

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DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................143

grama exótica. Consta do relatório, ainda, a impossibilidade de se avaliar o destino dos efluentes das fossas sépticas dos banheiros ali existentes.”

IV – Por outro lado, a contradição a ser afastar por meio de embargos declaratórios deve ocorrer entres os termos de um mesmo decisum, não sendo consideradas contraditórios entendimentos exarados por órgãos distintos do colegiado.

V – Não é possível, em sede de embargos declaratórios, reabrir discussão acerca de questão já debatida e decidida.

VI – O Código de Processo Civil, em seu art. 1.022, condiciona o cabi-mento dos embargos de declaração à existência de omissão, contradição, obscuridade ou erro no acórdão embargado, não se prestando este recur-so à repetição de argumentação contra o julgamento de mérito da causa.

VII – Embargos de declaração improvidos.

[03]

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração em Apelação Cível, em que são partes as acima mencionadas.

Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em negar provimento aos em-bargos de declaração, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado.

Recife, 28 de março de 2017.

Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho Relator Convocado

relAtórIo

O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Convo-cado): Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento à apelação, para manter a sentença de 1º grau proferida na presente ação civil pública.

A embargante sustenta que o acórdão da Segunda Turma restou omisso quanto à análise de haver sido o Prad elaborado pelo embargante aprovado pelo Ibama. Apontou, ainda, contradição/erro material em razão da existência

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de decisões do próprio TRF 5 que, em casos análogos, não apontaram a neces-sidade de demolição das construções.

É o relatório.

Apresento o feito em mesa independente de pauta.

voto

O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Convo-cado): Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento à apelação, para manter a sentença de 1º grau proferida na presente ação civil pública.

A embargante sustenta que o acórdão da Segunda Turma restou omisso quanto à análise de haver sido o Prad elaborado pelo embargante aprovado pelo Ibama. Apontou, ainda, contradição/erro material em razão da existência de decisões do próprio TRF 5 que, em casos análogos, não apontaram a neces-sidade de demolição das construções.

Ao analisar os embargos declaratórios, observo que se repete argumenta-ção já veiculada nos autos.

As questões apontadas pelo embargante foram devidamente analisadas no acórdão embargado, ao dispor que “Ademais, consta no Relatório Técnico referido (fls. 287/292) que o PRDA – Plano de Recuperação de área Degradada não foi devidamente cumprido, haja vista que a área foi ambientada para o lazer, com plantação de espécies exóticas. Além disso, praticamente não há no local extrato herbáceo natural, o que torna o solo desprotegido. Próximo das edificações, o solo é coberto com uma grama exótica. Consta do relatório, ainda, a impossibilidade de se avaliar o destino dos efluentes das fossas sépticas dos banheiros ali existentes.”

Por outro lado, a contradição a ser afastar por meio de embargos declara-tórios deve ocorrer entres os termos de um mesmo decisum, não sendo conside-radas contraditórios entendimentos exarados por órgãos distintos do colegiado.

O acórdão embargado foi prolatado com amparo na legislação que rege a espécie e em consonância com a jurisprudência do Tribunal. O entendimento nele sufragado abarca todas as questões aventadas em sede de embargos, de modo que não restou caracterizada qualquer omissão no pronunciamento ju-risdicional impugnado.

Na verdade, o que se constata é a pretensão do embargante de reabrir discussão acerca da temática de mérito. Neste sentido, trago à colação o seguin-te precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça:

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“ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – RESSARCI-MENTO AO SUS – FORMAÇÃO DEFICIENTE – PEÇAS ILEGÍVEIS – JUNTADA POSTERIOR – NÃO CABIMENTO – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO – INCON-FORMISMO DA EMBARGANTE – REVISÃO DO JULGADO – VIA IMPRÓPRIA – EMBARGOS REJEITADOS

1. Os embargos de declaração, a teor dos arts. 535, II, do CPC e 263 do RISTJ, prestam-se a sanar omissões eventualmente existentes no acórdão.

2. O que a embargante chama de vício é na verdade tentativa de modificação do entendimento firmado pelo órgão julgador, uma vez que não há no corpo do decisum posicionamentos que exijam esclarecimentos mais acurados.

3. Não obstante doutrina e jurisprudência admitam a modificação do acórdão por meio dos embargos de declaração, essa possibilidade sobrevém como resultado da presença dos vícios que ensejam sua oposição, o que não ocorre no presente caso, em que a questão levada à apreciação do órgão julgador foi devidamente exposta e analisada, não havendo omissões a serem sanadas.

4. Incumbe ao agravante o dever de formar corretamente o recurso de agravo, cabendo fiscalizar a apresentação das peças obrigatórias previstas no art. 544, § 1º, do Código de Processo Civil, que devem constar do instrumento no ato de sua interposição, cuja juntada posterior é inadmissível, uma vez que operada a preclusão consumativa. Precedentes do STJ.

5. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ, 1ª T., EDcl-AgRg-Ag 1321768/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima., J. 07.12.2010, Publ. DJe 16.12.2010)

Conforme se verifica, os embargos declaratórios não servem de instru-mento para repetição de argumentação contra o julgamento de mérito da causa.

Diante do exposto, nego provimento aos presentes embargos de decla-ração.

É como voto.

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

3696 – Aneel – iluminação pública – transferência de ativos – competência dos municípios – violação

“Administrativo. Agravo interno. Art. 1.021, CPC. Ação ordinária. Serviços de iluminação pública. Competência dos municípios. Transferência de ativos. Violação de autonomia do município. Reso-luções Normativas nºs 414/210 e 479/2010. Abuso do poder regulamentar. Agravos desprovidos. 1. Em que pese sua argumentação, verifica-se que os agravantes não trouxeram tese jurídica capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado. 2. A jurisprudência desta Corte Regional firmou entendimento no sentido da suspensão da eficácia do art. 218 da Resolução Normativa da Aneel nº 414/2010. Precedentes. 3. A Aneel, ao editar as Resoluções Normativas nºs 414/2010 e 479/2012, excedeu sua competência (arts. 2º e 3º da Lei nº 9.427/1996) e o seu poder de regular (Decreto nº 41.019/1957), uma vez que, nos termos do seu § 2º, os sistemas de iluminação não são de responsabilidade da municipalidade, bem como cria e amplia obrigações aos municípios, o que fere sua autonomia (art. 18 da CF/1988) e invade matéria reservada à lei e à competência da União Federal. 4. A Aneel extrapolou seu poder regulamentar, além de ferir a autonomia municipal assegurada no art. 18 da CF, uma vez que, a princípio, estabelece novos deveres e obrigações ao Município. 5. Nos termos dos arts. 30, V e 149-A da Constituição Federal, o serviço de iluminação pública possui interesse local, cuja prestação incumbe ao Município, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, de modo a possibilitar ao ente político instituir a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. 6. Não se pode olvidar que o art. 175 da CF estabe-lece que a prestação de serviços públicos deve ser feita nos termos da lei, não sendo suficiente, portanto, o estabelecimento de transferência de ativos ao Poder Público Municipal mediante ato normativo expedido por agência reguladora, como no caso em análise. 7. Agravos internos despro-vidos.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0001203-33.2013.4.03.6107/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Diva Malerbi – DJe 03.03.2017 – p. 855)

Transcrição Editorial SÍnTESECódigo de Processo Civil:

“Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.”

3697 – Concurso público – candidato classificado – além do número de vagas – direito à no­meação – inexistência

“Apelação. Administrativo. Concurso público. Candidato classificado além do número de vagas previsto no edital. Inexistência de direito à nomeação. Manutenção da sentença. 1. Ação ordinária. Inicial relata que o candidato foi classificado na 243ª posição no concurso para provimento de cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa – Especialidade Segurança e Transporte (RJ21) realizado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, cujo edital previa 2 vagas, além de cadastro de reserva. Aduz que, embora a validade do certame tenha sido prorrogada até 15.01.2012, a União terceirizou a contratação ao invés de nomear os classificados do cadastro de reserva. Requer a apresentação, pela União, da relação de contratados para o cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa – Especialidade Segurança e Transporte, a partir de julho/2007, além da sua nome-ação e/ou reserva da vaga e o ‘pagamento do salário com as devidas atualizações do período em que esteve indevidamente fora do cargo’. Indeferida a antecipação dos efeitos da tutela. Sentença que julga improcedentes os pedidos. Apelação. 2. Das informações prestadas pela Divisão de Provimento e Lotação depreende-se que, para o cargo pretendido, foram nomeados candidatos até a 25ª posição, não havendo vagas disponíveis. Ainda que fosse possível a produção de prova no sentido de corroborar eventual contratação ilegal, nenhuma utilidade resultaria ao apelante, até porque a sua classificação em 243º lugar não lhe dá, até o final do prazo de validade do con-curso, direito à nomeação. Inexistência de cerceamento de defesa. Não ocorrência de preterição do candidato quanto à ordem de nomeação. 3. ‘Ainda que tivesse sido comprovada a contratação

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DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................147

temporária para a realização da mesma função durante o prazo de validade do certame em detri-mento da convocação de candidatos aprovados em concurso público, a demonstrar a necessidade de contratação de pessoal, não foi comprovada a existência de cargos efetivos vagos’ (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 01417421920154025101, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 12.01.2017). ‘Não se caracteriza o direito líquido e certo à nomeação de candidato apro-vado fora do número de vagas diante da ausência de provas de que há cargos vagos na especiali-dade escolhida, em quantidade suficiente para alcançar a colocação do candidato no certame, e que sejam ocupados por servidores terceirizados irregularmente contratados’ (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 00301296220134025101, Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, e-DJF2R 26.9.2016). ‘A apro-vação em concurso público fora do número de vagas não gera direito subjetivo à nomeação, mas tão somente uma expectativa de direito, [...] sendo prerrogativa da Administração Pública eleger, no âmbito de seu poder discricionário, a melhor forma de prestar os seus serviços, des-de que de acordo com a lei’ (TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 05068614820154025101, Rel. Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler, e-DJF2R 08.09.2016). 4. Apelação não provida.” (TRF 2ª R. – AC 0013799-58.2011.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Ricardo Perlingeiro – DJe 30.03.2017 – p. 825)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de apelação interposta contra sentença proferida em ação ordinária que move contra a União Federal.

De acordo com a inicial o demandante foi classificado fora do número de vagas previstas no edital do concurso público. Sendo este classificado na 243ª posição, cujo o edital previa duas vagas para o provimento imediato e 700 (setecentos) destinados ao cadastro reserva.

Aduz que: “[...] embora a validade do certame tenha sido prorrogada até 15.01.2012, a União terceirizou a contratação ao invés de nomear os classificados do cadastro de reserva. Requer a apresentação, pela União, da relação de contratados para o cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa – Especialidade Segurança e Transporte, a partir de julho/2007, além da sua no-meação e/ou reserva da vaga e o pagamento do salário com as devidas atualizações do período em que esteve indevidamente fora do cargo”.

Assim, o d. Relator entendeu:

“[...]

Ainda que fosse possível a produção de prova no sentido de corroborar eventual contratação ilegal, nenhuma utilidade resultaria ao apelante, até porque a sua classificação em 243º lugar não lhe dá, até o final do prazo de validade do concurso, direito à nomeação. Assim, afasto a alegação de cerceamento de defesa e indefiro o pedido de conversão em diligência formulado às fls. 150-152.

Inexistente, in casu, preterição do candidato quanto à ordem de nomeação, não há direito a ser assegurado.

No mesmo sentido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE VA-GAS DESTINADAS AO CARGO DE PROFESSOR AUXILIAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ) – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE HOUVE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA O EXERCÍCIO DA MESMA FUNÇÃO DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO PÚBLICO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CARGOS EFETIVOS VAGOS – DESPROVIMENTO DO RECURSO – 1. O Supremo Tribunal Federal e o Su-perior Tribunal de Justiça possuem entendimento pacificado no sentido de que a aprovação além do número de vagas ofertadas pelo edital do concurso público gera mera expectativa de direito à nomeação, competindo à administração pública, dentro de seu poder discricionário, nomear os candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência e oportunidade. 2. Entretanto, a mera expectativa dos candidatos convola-se em direito líquido e certo a partir do momento em que, dentro do prazo de validade do concurso, há contratação de pessoal, de forma precária, seja por comissão, terceirização ou contratação temporária, para o preenchimento de vagas existentes, em flagrante preterição àqueles que, aprovados em concurso ainda válido, estariam aptos a ocu-par o mesmo cargo ou função. 3. Da detida análise dos autos, verifica-se que, de fato, durante o prazo de validade do concurso público a que se submeteu o impetrante, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ abriu inscrições para processo seletivo simplificado para contratação

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temporária de professores substitutos. No entanto, nenhum dos processos seletivos simplificados objetivavam o preenchimento de vagas na área para a qual o impetrante havia sido aprovado, de Direito Ambiental e Biomedicina. 4. Desta forma, não foi comprovada a contratação temporária de qualquer agente público para realizar a mesma função para a qual foi o impetrante aprova-do, de maneira que deve ser mantida a improcedência do pedido formulado na petição inicial. 5. Além disso, ainda que tivesse sido comprovada a contratação temporária para a realização da mesma função durante o prazo de validade do certame em detrimento da convocação de candidatos aprovados em concurso público, a demonstrar a necessidade de contratação de pessoal, não foi comprovada a existência de cargos efetivos vagos, tendo a autoridade impetrada afirmado, em suas informações, que, embora houvesse interesse na disponibilização de mais uma vaga para a disciplina de Direito Ambiental e Biomedicina, não houve a criação de tal vaga. 6. Recurso de apelação desprovido. (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 01417421920154025101, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 12.01.2017)

[...]

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.”

Por todo exposto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento à apelação.

3698 – Concurso público – soldado – polícia militar – edital – limitação de idade – legalidade“Constitucional. Administrativo. Concurso Público para soldado de fileira da polícia militar esta-dual. Edital. Idade limite de 30 anos. Comprovação exigida para inscrição no curso de formação. Limitação justificada pela natureza da atribuição do cargo. Previsão em lei estadual. Possibilidade. Apelação conhecida e desprovida. 1. A questão controvertida cinge-se à legalidade da participa-ção do recorrente no curso de formação profissional para ingresso na Polícia Militar do Estado do Ceará, tendo em vista contar com idade superior à prevista em lei e no edital do certame. 2. A limitação de idade para inscrição em concursos públicos para policial militar é perfeitamente viável, desde que tal discriminação, gerada em virtude da natureza especial das atribuições, es-teja prevista em lei estadual, tal como no caso em questão. 3. Não há que se falar de ilegalidade ou inconstitucionalidade da norma editalícia que prevê o limite máximo de 30 (trinta) anos para a matrícula no curso de formação profissional, ademais quando não demonstrado qualquer au-sência de razoabilidade na espécie. 4. Apelação conhecida e desprovida.” (TJCE – Ap 0214005-47.2013.8.06.0001 – Rel. Paulo Francisco Banhos Ponte – DJe 01.03.2017 – p. 23)

3699 – Improbidade administrativa – agente público – afastamento – prazo indeterminado – impossibilidade

“Agravo de instrumento. Improbidade administrativa. Afastamento cautelar de agente público por prazo indeterminado. Impossibilidade. Recurso conhecido e parcialmente provido. I – A juris-prudência do C. STJ aponta no sentido de que o art. 20, parágrafo único, da Limp, supõe a prova suficiente de que o agente possa dificultar a instrução do processo; não se exige a comprovação exauriente de que este tenha, efetivamente, praticado algum ato a obstar a instrução proces sual. II – Na hipótese dos autos, muito embora o d. Juízo primevo tenha se reportado a conjunto pro-batório suficiente a ensejar a medida, notadamente no sentido de que foram empreendidas tenta-tivas, por parte do Agravante, de influenciar as testemunhas do processo, observa-se também que não foi estabelecido prazo para o afastamento do mesmo do cargo de Vereador do Município de Marataízes/ES, o que acaba por lhe impor verdadeira condenação antecipada, haja vista a transi-toriedade do cargo eletivo. Precedentes do C. STJ. III – Em que pese a permissibilidade da norma legal no tocante ao afastamento do agente político de suas funções, visando à garantia do bom andamento da instrução processual (art. 20, parágrafo único, da Limp), a medida cautelar não deve prevalecer nos casos em que a instrução probatória se dilui indefinidamente no tempo, sob pena de verdadeira ‘cassação’ e perda da função pública antes mesmo do trânsito em julgado da sentença condenatória, o que não se pode admitir, em estrita observância ao primado da presun-ção de inocência insculpido no art. 5º, LVII da Carta Magna de 1988, bem como em atendimen-to ao princípio da proporcionalidade. IV – Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJES – AI 0005877-84.2015.8.08.0069 – Rel. Des. Subst. Raimundo Siqueira Ribeiro – DJe 14.03.2017)

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3700 – Militar – punição – anulação – descabimento“Direito administrativo. Apelação. CPC/1973. Militar. Punição. Anulação. Descabimento. 1. Man-tém-se a sentença que negou a primeiro sargento da Marinha a anulação da punição disciplinar de três dias de impedimento e indenização por danos morais. 2. Extrai-se da Parte de Ocorrência, que o militar deixou de comparecer ao ato de serviço para o qual estava escalado no dia 30.07.2010 – ensaio para o Encontro de Veteranos no dia 31.07.2010. Apresentou somente em 04.08.2010 uma declaração de comparecimento no Hospital Marcílio Dias no dia 30.07.2010, na qual o médico sugeriu uma dispensa por 48 horas com repouso domiciliar, documento que não foi ratificado pelo Departamento de Saúde da Organização Militar. Foi constatado que o fato, como apurado, cons-titui contravenção disciplinar, praticada pelo militar, prevista no art. 7º do RDM, item 51 (deixar de participar em tempo à autoridade a que estiver diretamente subordinado a impossibilidade de comparecer à Organização Militar ou a qualquer ato de serviço a que esteja obrigado a participar ou a que tenha que assistir). 3. Não houve ofensa ao princípios da ampla defesa e contraditório. Notificado da punição em 10.09.2010, o autor apresentou defesa escrita. 4. Problemas de saúde impeditivos do trabalho podem ocorrer com qualquer servidor, civil ou militar; mas a ausência de imediata informação ao superior – salvo a ocorrência de fatos graves, aqui não apresentados – constitui descaso. O atestado médico do Hospital Marcílio Dias anexado pelo autor está ilegível; e mesmo assim ele próprio afirma ter sentido apenas um mal-estar e ter deixado o Hospital desa-companhado. E mais: na defesa escrita disse que por estar fazendo exames nos dias 2 e 3 de agosto de 2010 não pude entregar o comprovante do repouso domiciliar dos dias 30 e 31 de julho antes do dia 4 de agosto de 2010. 5. A conduta imprópria imputada ao Autor encontra-se tipificada no art. 7º, item 51, do Regulamento Disciplinar da Marinha – RDM, aprovado pelo Decreto nº 88.545, de 26.07.1983, que pune com impedimento, até 30 dias, o militar que deixar de participar em tempo à autoridade a que estiver diretamente subordinado a impossibilidade de comparecer à Organização Militar ou a qualquer ato de serviço a que esteja obrigado a participar ou a que tenha que assistir. E a cópia do Plano de Dia nº 151, de 13.09.2010, é expressa quanto à discriciona-riedade de ser ou não concedida autorização para repouso domiciliar. 6. Eventual rigor excessivo na aplicação da punição pelo superior hierárquico, que deixou de considerar as circunstâncias atenuantes, e a optar pela ‘pena de repreensão’, não pode ser reexaminada pelo Judiciário, pena de se sobrepor ao poder discricionário da Administração Militar no que tange à gradação das penas aplicadas, não sendo hipótese de clara violação aos parâmetros legalmente previstos. Precedentes. 7. Estando a punição disciplinar fundada no art. 7º, item 51, do Regulamento Disciplinar da Mari-nha RDM, aprovado pelo Decreto nº 88.545, de 26.07.1983, e nos limites da discricionariedade outorgada à Administração Militar, inexiste ilegalidade a ser corrigida, e tampouco dano moral indenizável. 8. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0001818-32.2011.4.02.5101 – 6ª T.Esp. – Relª Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 16.03.2017 – p. 313)

Destaque Editorial SÍnTESEDo voto do Relator destacamos:

“[...]

Este Tribunal assim decidiu em casos parecidos:

[...] 7. A autora descumpriu a legislação militar que impõe prévia análise técnica da Junta de Inspeção de Saúde, para fins de concessão de licença de saúde por período superior a 30 (trinta) dias. Não tendo a parte autora cumprido os requisitos necessários ao exercício das funções inerentes ao serviço militar, especialmente a adequação comportamental, previstos em atos normativos válidos e vigentes, não há que se falar em direito subjetivo à anulação da penalidade administrativa aplicada.

8. Até que se prove o contrário, os atos administrativos são presumidos verdadeiros e legais. Não é ônus da administração pública provar que seus atos são legais bem como provar que a situação que gerou a necessidade de sua prática realmente existiu. A sanção disciplinar, sendo um ato administrativo, goza de presunção de legitimidade e veracidade, cabendo àquele que se sentir lesado a prova em sentido contrário, no que a autora não obteve êxito.

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9. No presente caso não se vislumbra qualquer vício que leve à anulação da penalidade ad-ministrativa aplicada, uma vez que, via de regra, fica vedado ao Judiciário adentrar ao mérito administrativo para avaliar se correta ou não a punição imposta.

10. Finalmente, não há que se falar em dano moral, já que não foi constatada a existência de qualquer ato ilícito por parte da administração militar.

[...] (AC 2011.51.10.005220-0, Relª Desª Fed. Salete Maccalóz, 6ª T.Esp., Publ. 12.05.2015)

[...] 1. Trata-se de pedido de nulidade do ato administrativo disciplinar por ser carecedor de fundamentação e violador das garantias do contraditório e ampla defesa, bem como da exclusão da anotação da sanção nas folhas funcionais e indenização pelos danos morais sofridos.

2. O autor apresentou defesa escrita e oral sendo-lhe, portanto, oportunizado o contraditório e a ampla defesa.

3. Não houve violação do procedimento previamente estabelecido no RDE tanto no que se refere ao contraditório e à ampla defesa como em relação aos elementos e fundamentações que devem estar presentes na nota de punição. Descabe ao Judiciário avaliar se correta ou não a punição.

4. A punição decorre da aplicação do RDE, não se constituindo em ato ilícito passível de inde-nização. Ademais, não restou demonstrado nos autos que o autor não tenha exercido seu direito de defesa, pairando sobre o ato administrativo a presunção de legitimidade.

5. Não se vislumbra qualquer vício que leve à anulação da penalidade administrativa aplicada, uma vez que, via de regra, fica vedado ao Judiciário adentrar ao mérito administrativo para avaliar se correta ou não a punição imposta.

[...] (AC 2013.51.01.009566-8, Rel. Des. Fed. José Neiva, 7ª T.Esp., Publ. 03.11.2015)”

Ambiental

3701 – Ação civil pública – área construída – desocupação – inviabilidade“Administrativo. Ação civil pública. Apelação. Direito ambiental. Área de preservação. Desocu-pação. Inviabilidade. Princípio da proporcionalidade. Ausência de dano. 1. O princípio da pro-porcionalidade aplica-se ao caso, eis que se trata de área urbana consolidada e que a demolição não se apresenta a melhor solução para resolver as irregularidades das construções na locali-dade. Parece mais apropriada uma regularização que dê conta de harmonizar todas as ocupa-ções com a proteção daquele meio ambiente. 2. Apelação improvida.” (TRF 4ª R. – AC 5005404-15.2012.4.04.7004 – 4ª T. – Rel. Cândido Alfredo Silva Leal Junior – J. 19.04.2017)

Comentário Editorial SÍnTESEO cerne da questão para as decisões, tanto da ação inicial quanto ao recurso de apelação foi a proporcionalidade. Isso porque, segundo colocou ao julgador singular, não seria razoável que se demolisse o imóvel do Apelado sem que o corresse o mesmo com os demais imóveis em situação similar.

A ação civil pública foi sentenciada e assim interposto o recurso de apelação, que julgado, acar-retou no acórdão que passamos a trabalhar. A intenção dos autores da ação era que fosse demo-lida determinada edificação e também que fossem reparados os danos ambientais decorrentes da construção em área de preservação permanente sem licença às margens do Rio Paraná.

Para a surpresa dos autores da ação, a sentença da ação proposta foi julgada improcedente com as considerações de que a localidade de Porto Figueira seria uma área urbana consolidada, sen-do conhecida regionalmente e ocupada para moradia de pescadores e para lazer; o povoamento da região foi estimulado pelo poder público municipal; não seria correto, isonômico e razoável demolir somente a edificação do réu, sendo necessária, em vez disso, uma regularização fun-diária daquela área pelo município.

Inconformado com tais fundamentos de base, um dos litisconsortes ativos, que não o Ministério Público, apelou ao tribunal com a intenção de reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais, alegando a existência de precedentes existentes e que com a sua existência deverá ser reconhecida a irregularidade da construção, a desocupação e demolição da construção.

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Contudo, o voto do relator não foi no sentido da melhor sorte dos apelantes. No embasamento da decisão, para a qual foram utilizados julgados anteriores no sentido do entendimento da relatoria, além da base legal correspondente, como passamos e apreciar:

“[...]

Há quem entenda que política de tal natureza não poderia ser executada em favor de população de alta renda, pois esta teria condições de se realocar por conta própria. Contudo, partilho do entendimento de que não se pode ignorar que o direito à cidade sustentável, o qual encontra na regularização fundiária um instrumento relevante, tem natureza difusa, quer dizer, estende-se a pobres e a ricos. Dessa forma, sendo inviável a recuperação da área degradada em face de situa-ção consolidada, a afirmação da isonomia não permite a exclusão da hipótese de regularização.

Não é demais repisar que a ocupação do Porto Figueira, inclusive mediante construções muito próximas à margem do rio, remonta à década de 1960, anterior ao código florestal revogado, de modo que a tolerância da ocupação ribeirinha por tantos anos pelo Poder Público também não exclui a possibilidade de manutenção da construção da parte ré. Não se pode olvidar também que a ocupação da localidade em questão, em vez de ser reprimida, foi estimulada pelo Poder Público, de modo que se consolidou como área urbana, com toda a infraestrutura necessária, com pavimentação asfáltica, energia elétrica, água e esgoto, entre outros serviços e obras. Nes-se passo, vale atentar, inclusive, para o disposto no Decreto nº 70/2007 do Município de Alto Paraíso/PR, constante de demanda semelhante, ora empregado como prova emprestada (evento 28 – INF8 – autos nº 50053773220124047004), que aprovou a revisão do Zoneamento Eco-lógico Econômico da Área de Proteção Ambiental – APA Municipal de Alto Paraíso/PR. Referido Decreto, ao tratar das ‘áreas urbanizadas/em processo de urbanização na localidade de Porto Figueira, junto à margem do Rio Paraná, com alguma infraestrutura de comércio, serviços e de atendimento ao turista’, permitiu a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados. É possível, portanto, que a parte ré continue ocupando o terreno marginal do Rio Paraná, desde que preservando a vegetação existente e promovendo a regeneração onde imprescindível, sempre respeitando fauna e flora ora remanescente. A re-paração do dano mediante a recuperação da área, como já referido, não se afigura adequada ao fim de promoção da proteção ao meio ambiente. Há uma situação histórica consolidada, na qual a paisagem original foi total e irreversivelmente descaracterizada, de tal maneira que a demolição da edificação pouca diferença faria. Demais disso, independentemente da legi-timidade ou não das legislações municipais, é inexorável que o imóvel encontra-se em área urbana consolidada desde longa data, inclusive, com incentivo do Poder Público local, sem que houvesse qualquer ação repressiva por parte dos órgãos ambientais. Agora, após mais de quarenta anos de ocupação da área, não pode o mesmo Poder Público simplesmente ignorar a situação fática de Porto Figueira, passando a exigir de seus moradores o abandono de suas residências e o encerramento das atividades comerciais até então exercidas no local. Em verda-de, cumpre à Administração Pública local, com o auxílio dos órgãos ambientais, dar início ao processo de regularização fundiária dessa área urbana consolidada, inclusive, com a exigência de eventuais condicionantes ambientais, como o recuo das edificações à distância compatível com a legislação ambiental, respeitadas, claro, as características da localidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente para as futuras gerações. Desconsiderar a situação ocupacional de Porto Figueira, com a lavratura de autos de infrações, embargos das edificações, exigência de demolição e/ou encerramento das atividades comerciais locais, representa postura que não se coaduna com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, muito menos com a dignidade da pessoa humana. Os assentamentos em área urbana consolidada que ocupem Área de Preservação Permanente (APP) devem ser regularizados com a aprovação de um projeto de regularização fundiária, contanto que não estejam em áreas de risco, conforme dispõem os arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/2012. Além de um diagnóstico da região, o processo para legalizar a ocupação perante o órgão ambiental deverá identificar as unidades de conserva-ção, as áreas de proteção de mananciais e as faixas de APP que devam ser recuperadas. Essa medida, aliás, é a que mais se aproxima da almejada justiça social, que o caso exige. Não se desconhecem as limitações impostas pela legislação ambiental sobre a edificação em área de preservação permanente, nem se está aqui, questionando a constitucionalidade ou legitimidade dos atos normativos emitido pelo Conama. Contudo, a situação específica de Porto Figueira jus-tifica a mitigação das referidas normas ambientais, com manutenção daquela ocupação urbana consolidada, para, quem sabe, estimular o Poder Público a iniciar processo de regularização fundiária daquela área, que possa contemplar a população local, evitando, assim, um conflito

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social, e que, ao mesmo tempo, garanta o respeito ao disposto no art. 225 da CF/1988, que consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por essas razões, os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal na exordial destas Ações Civis Públicas não merecem acolhimento. Cumpre anotar, contudo, que o comando normativo deste julgado não exime a parte ré, em ulterior processo de regularização fundiária daquela área urbana consolidada, de se submeter às eventuais condicionantes impostas pelos órgãos ambientais ao exercício de seu direito de moradia e lazer no imóvel, cabendo destacar, por fim, que inexiste direito adquirido à degradação ambiental. Restam prejudicadas as demais matérias ventiladas pelas partes em suas manifestações nos autos. 3. Dispositivo. Ante o exposto, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC, julgo improcedentes os pedidos veiculados nos autos nºs 5005404-15.2012.404.7004 e 5005714-21.2012.404.7004 e, por via de consequência, revogo a tutela de urgência conce-dida nesses autos, nos termos da fundamentação supra. Concluo que o princípio da proporcio-nalidade aplica-se ao caso, eis que se trata de área urbana consolidada e que a demolição não se apresenta a melhor solução para resolver as irregularidades das construções na localidade. Parece mais apropriada uma regularização que dê conta de harmonizar todas as ocupações com a proteção daquele meio ambiente. Portanto, o que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo-se o resultado do processo e não havendo motivos para reforma da sentença, inclusive com relação aos honorários advocatícios sucumbenciais. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.”

Os demais desembargadores acompanharam o ilustre relator e o julgado restou em uma votação unânime pelo não provimento do recurso.

3702 – Águas – turismo náutico – unidade de conservação – execução do serviços – possibili­dade

“Processual civil. Administrativo. Ambiental. Agravo de instrumento. ICMBio. Aprovação de nor-mas para a execução do serviço de autorização de exploração de serviço de turismo náutico em unidade de conservação. Discricionariedade técnica. Controle judicial. Possibilidade. Excepcio-nalidade. Tutela provisória de urgência. Requisitos. Por meio do art. 300 do novo CPC, estabele-ceram-se como requisitos à concessão de tutela provisória de urgência, de natureza antecipada ou cautelar (requerida seja em caráter antecedente ou incidental), a simultânea presença de fumus boni juris e periculum in mora, ou seja, indícios da probabilidade (ou incontestabilidade) do ale-gado direito enquanto calcado em fundamento jurídico, bem como de perigo de dano ao mesmo direito ou de risco ao resultado útil do processo sendo que, a contrario sensu, a providência da-quela proteção à evidência não pode faticamente causar irreversibilidade dos efeitos antecipados, impondo-se ao interessado o ônus de produzir prova inequívoca, por meio da qual evidencie a verossimilhança das alegações, por ele feitas, sobre o atendimento de tais requisitos. Nesse passo, a cassação ou (manutenção da) concessão, conforme o caso, de tutela provisória de urgência, em sede de agravo de instrumento, deve se restringir à hipótese na qual há prova por meio da qual se retire ou se atribua, conforme o caso, verossimilhança a tais alegações, visto que se cuida de recurso com cognição verticalmente exauriente (não perfunctória, sumária ou superficial) em pro-fundidade e horizontalmente plena (não limitada) em extensão, o qual não se presta, outrossim, ao indevido pré-julgamento da causa pelo Tribunal. É excepcionalmente possível o controle judicial do objeto de ato administrativo praticado no exercício de discricionariedade técnica, desde que tenha ocorrido a inobservância dos pertinentes princípios, tais como o da legalidade. Recurso não provido.” (TRF 2ª R. – AI 0000948-51.2017.4.02.0000 – 7ª T.Esp. – Rel. Sergio Schwaitzer – DJe 22.05.2017 – p. 464)

Destaque Editorial SÍnTESEDo voto do Relator destacamos o presente julgado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI FEDERAL Nº 11.516/2007 – CRIAÇÃO DO INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – LEGITIMIDADE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DO IBAMA – ENTIDADE DE CLASSE DE ÂM-BITO NACIONAL – VIOLAÇÃO DO ART. 62, CAPUT E § 9º, DA CONSTITUIÇÃO – NÃO EMIS-SÃO DE PARECER PELA COMISSÃO MISTA PARLAMENTAR – INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 5º, CAPUT, E 6º, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA RESOLUÇÃO Nº 1 DE 2002 DO CONGRES-

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SO NACIONAL – MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA NULIDADE (ART. 27 DA LEI Nº 9.868/1999) – AÇÃO DIRETA PARCIALMENTE PROCEDENTE

[...]

8. Deveras, a proteção do meio ambiente, direito fundamental de terceira geração previsto no art. 225 da Constituição, restaria desatendida caso pudessem ser questionados os atos admi-nistrativos praticados por uma autarquia em funcionamento desde 2007. Na mesma esteira, em homenagem ao art. 5º, caput, da Constituição, seria temerário admitir que todas as Leis que derivaram de conversão de Medida Provisória e não observaram o disposto no art. 62, § 9º, da Carta Magna, desde a edição da Emenda nº 32, de 2001, devem ser expurgadas com efeitos ex tunc.

9. A modulação de efeitos possui variadas modalidades, sendo adequada ao caso sub judice a denominada pure prospectivity, técnica de superação da jurisprudência em que ‘o novo entendi-mento se aplica exclusivamente para o futuro, e não àquela decisão que originou a superação da antiga tese’ (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Embargos de declaração como meio processual adequado a suscitar a modulação dos efeitos temporais do controle de constitucionalidade. RePro, v. 198, p. 389, ago/2011).

10. Não cabe ao Pretório Excelso discutir a implementação de políticas públicas, seja por não dispor do conhecimento necessário para especificar a engenharia administrativa necessária para o sucesso de um modelo de gestão ambiental, seja por não ser este o espaço idealizado pela Constituição para o debate em torno desse tipo de assunto. Inconstitucionalidade material ine-xistente.

11. Ação Direta julgada improcedente, declarando-se incidentalmente a inconstitucionalidade dos arts. 5º, caput, e 6º, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, postergados os efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/1999, para preservar a validade e a eficácia de todas as Medidas Provisórias convertidas em Lei até a presente data, bem como daquelas atualmente em trâmite no Legislativo. [ADI 4.029/AM, STF, Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, J. em 08.03.2012.]”

3703 – Animais – movimentação – excesso – multa – aplicação“Administrativo. Direito ambiental. Ibama. Auto de infração. 1. A devolução cinge-se à análise da legitimidade da multa aplicada pelo Ibama, no valor de R$ 867.000,00 (oitocentos e sessenta mil reais), após a apuração, em processo administrativo, de excesso no limite de movimenta-ção de aves no interregno compreendido entre 2006 e 2011, bem como do bloqueio do registro do Impetrante no sistema de cadastro de criadores amadoristas de passiriformes (SISPASS). 2. O cerne da controvérsia posta a deslinde encontra-se na interpretação das Instruções Normativas do Ibama nºs 01/2003 e 15/2010, que fundamentam a aplicação das penalidades. 3. O Ibama, órgão ambiental integrante do Sisnama e executor da proteção ambiental e da política nacional do meio ambiente, por força do disposto na Lei nº 7.735/1989, é dotado de poder de polícia para executar e fiscalizar a política nacional de meio ambiente. 4. Pela interpretação do art. 9º da IN 01/2003, a movimentação contabilizava apenas as transferências do plantel, ou seja, de saída, não havendo como se conferir efeito extensivo para além do parâmetro delineado, sob pena de afronta ao princípio da legalidade estrita e à segurança jurídica. 5. Em relação às transferências do Impetrante entre 2006 e 2010, considera-se descabida a sanção pecuniária, pois a autuação incluiu na contagem de transferências o número de aves recebidas. 6. Após o início da vigência da IN 15/2010 passou a ser expressamente cabível a inclusão dos recebimentos ou solicitações para a contagem de movimentações irregulares, sendo certo, ainda, que o prazo de 12 meses para adequação do criador refere-se ao porte e não às transferências, encontrando-se, portanto, correta a aplicação da multa. 7. Não prospera o argumento no sentido de que a multa é desproporcional e que o agente autuante não levou em consideração a situação econômica do infrator, pois o art. 24 do Decreto nº 6.514/2008 não lhe conferiu discricionariedade neste sentido. 8. Apesar da possível cumulatividade entre as penalidades de multa e bloqueio no SISPASS, a norma estabelece que esse não pode ultrapassar o prazo de cinco dias, sendo cabível a liberação da senha do Impetrante no sistema, uma vez que a autorização para criação de aves não foi revogada e tal determinação está ocasionando o cerceamento da atividade profissional desenvolvida. 9. Remessa e apelação do

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Ibama improvidas e apelação do Impetrante parcialmente provida para conceder a liberação de sua senha no SISPASS.” (TRF 2ª R. – AC 0006246-66.2011.4.02.5001 – 5ª T.Esp. – Rel. José Eduar-do Nobre Matta – DJe 15.05.2017 – p. 380)

Transcrição Editorial SÍnTESEDecreto nº 6.514/2008:

“Art. 24. Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competen-te, ou em desacordo com a obtida:

Multa de:

I – R$ 500,00 (quinhentos reais) por indivíduo de espécie não constante de listas oficiais de risco ou ameaça de extinção;

II – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por indivíduo de espécie constante de listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção, inclusive da Convenção de Comércio Internacional das Espé-cies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – Cites.

§ 1º As multas serão aplicadas em dobro se a infração for praticada com finalidade de obter vantagem pecuniária.

§ 2º Na impossibilidade de aplicação do critério de unidade por espécime para a fixação da multa, aplicar-se-á o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) por quilograma ou fração.

§ 3º Incorre nas mesmas multas:

I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;

II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; ou

III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade ambiental competente ou em desacordo com a obtida.

§ 4º No caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, em analogia ao disposto no § 2º do art. 29 da Lei nº 9.605, de 1998.

§ 5º No caso de guarda de espécime silvestre, deve a autoridade competente deixar de aplicar as sanções previstas neste Decreto, quando o agente espontaneamente entregar os animais ao órgão ambiental competente.

§ 6º Caso a quantidade ou espécie constatada no ato fiscalizatório esteja em desacordo com o autorizado pela autoridade ambiental competente, o agente autuante promoverá a autuação considerando a totalidade do objeto da fiscalização.

§ 7º São espécimes da fauna silvestre, para os efeitos deste Decreto, todos os organismos incluídos no reino animal, pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras não exóticas, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo original de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro ou em águas jurisdicionais brasileiras.

§ 8º A coleta de material destinado a fins científicos somente é considerada infração, nos termos deste artigo, quando se caracterizar, pelo seu resultado, como danosa ao meio ambiente.

§ 9º A autoridade julgadora poderá, considerando a natureza dos animais, em razão de seu pe-queno porte, aplicar multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais) quando a contagem individual for de difícil execução ou quando, nesta situação, ocorrendo a contagem individual, a multa final restar desproporcional em relação à gravidade da infração e a capacidade econômica do infrator.”

3704 – APP – degradação ambiental – pasto – existência“Apelação. Ação anulatória. Matéria preliminar. Coisa julgada material. Área do imóvel. Proprie-dade rural que não cumpre sua função social. Momento em que realizada a vistoria. Tempo de cultivo considerado de forma proporcional. Degradação ambiental. Correção do valor da causa. Honorários advocatícios. Litigância de má-fé. 1. No presente recurso aplicar-se-á o CPC/1973. 2. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. 3. Algumas das questões suscitadas nesta ação já

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foram objeto de apreciação, no seu mérito, pelo STF (MS 24.486), estando acobertadas pela coisa julgada material. 4. O juízo de 1ª instância fixou a área total do imóvel em 935,9314 hectares, conforme apuração feita pelo perito judicial. Os ora apelantes concordaram com a conclusão do perito, tornando incontroversa a questão. 5. A sentença estabeleceu o GUT (Grau de Utilização da Terra) em 99,75%, acima, portanto, do percentual exigido por lei, que é de 80%, e o GEE (Grau de Eficiência na Exploração) em 91,42%, abaixo do mínimo legal. Daí se conclui que a Fazenda Floresta não cumpria sua função social. 6. Na aferição da produtividade devem ser levadas em conta as condições do imóvel no momento da vistoria levada a efeito pelo Incra, tendo em vista a possibilidade de alterações posteriores no local. 7. Mesmo considerando todas as áreas (cana--de-açúcar, sementes e pastagens) como efetivamente utilizadas, o imóvel permanece qualificado como grande propriedade rural improdutiva. 8. Tanto o plantio da cana-de-açúcar quanto a produ-ção de sementes não abrangeu todo o período considerado na vistoria feita pelo Incra, de sorte que é plenamente justificável o cômputo proporcional ao tempo de efetiva utilização. 9. O Relatório Agronômico de Fiscalização (RAF) foi categórico ao reconhecer o descumprimento da legislação ambiental, decorrente da existência de pasto em áreas de preservação permanente. 10. Perfeita-mente possível a correção do valor da causa realizada, de ofício, pelo juiz, diante da evidente discrepância entre o valor indicado na petição inicial e o benefício econômico postulado pelos autores. Nesse diapasão, mantida a condenação em honorários advocatícios. 11. A configuração da litigância de má-fé exige a demonstração de dolo específico, circunstância não vislumbrada na espécie. 12. Apelação dos autores parcialmente provida apenas para afastar a condenação por litigância de má-fé.” (TRF 3ª R. – AC 0000344-66.2003.4.03.6107/SP – 11ª T. – Rel. Des. Fed. Nino Toldo – DJe 05.05.2017 – p. 1032)

3705 – APP – infração ambiental – imóvel – restrições ambientais – multa – imposição“Apelação contra sentença de improcedência de ação anulatória de auto de infração ambiental perpetrada em imóvel localizado em APP Lindeira de reservatório artificial de usina hidrelétrica. Caso em que não há dúvida plausível de que o imóvel sujeito às restrições ambientais se localiza dentro de área de preservação. Caso singular em que não se configurou bis in idem no exercício de poder de polícia ambiental, com imposições de multas por órgãos distintos de polícia admi-nistrativa ambiental, ocorridas em épocas distintas. Recurso desprovido. 1. O apelante – que desde 1990 ocupa de forma desautorizada um terreno de 220 metros quadrados localizado a 28,5 metros da cota máxima de operação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Água Verme-lha, em Cardoso/SP – foi autuado e multado no ano de 2002 pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, por seu Departamento Estadual de Recursos Naturais (DEPRN), e no ano de 2005 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com fulcro no art. 2º, b, da Lei nº 4.771/1965, que guarda o Código Florestal em vigor À época dos fatos, e na Resolução Conama nº 302/2002, que trata dos parâmetros, definições e limites de APP de reservatórios artificiais e regime de uso do entorno. Caso em que não há dúvida razoável de que o imóvel se situa dentro de área de preservação permanente. 2. É sabido que o exercício da tutela ambiental é comum a todos os entes da federação, nos termos do art. 23, VI, da Cons-tituição Federal (STJ, AgRg-REsp 1417023/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 18.08.2015, DJe 25.08.2015; AgRg-REsp 1373302/CE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 11.06.2013, DJe 19.06.2013). Também, é induvidoso que ao teor do art. 76 da Lei nº 9.605/1998 o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa fe-deral na mesma hipótese de incidência. 3. No caso vertente, além da multa imposta pelo DEPRN (órgão estadual) não ter sido quitada, sendo inscrita na Dívida Ativa do Estado de São Paulo, ficou evidenciado que entre essa primeira autuação ocorrida em 2002 e a segunda em 2005, pelo Ibama, o apelante não tomou qualquer providência em relação à degradação que provocou ao ocupar de forma desautorizada área situada em APP na margem do reservatório da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, permitindo que o dano ambiental persistisse e se pro traísse no tempo. 4. É certo que o Relator guarda profundas reservas acerca do caráter continuado e/ou per-manente das infrações ambientais para persecução delas no âmbito Administrativo e/ou Penal.

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Contudo, no âmbito do STJ essa matéria pacificou-se em desfavor da ação do suposto degrada-dor (AgInt-AREsp 928.184/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 15.12.2016, DJe 01.02.2017; AgRg-REsp 1421163/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 06.11.2014, DJe 17.11.2014; REsp 1223092/SC, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., J. 06.12.2012, DJe 04.02.2013). Assim, embora imposta uma primeira penalidade por conta de prática de degradação ambiental, feita por um dos órgãos que concorrentemente podem exercer o poder de polícia ambiental, não fica inibida uma nova fiscalização e uma segunda imputação realizada por um outro órgão de fiscalização ambiental, quando este contempla a situação de permanência do dano, que – no fundo – ainda se agravou naturalmente em face do decurso do tempo sem que o agente infracional tenha pro-movido qualquer ação reparadora Acolher a alegação de bis in idem aposta pelo apelante, face às autuações do DEPRN em 2002 e do Ibama em 2005, equivaleria à validação da sua inércia e à perpetuação da infração, o que não é possível em matéria ambiental. 5. Não estão em discussão neste feito outras situações que, em tese, poderiam adoçar a condição do apelante, já que o imó-vel de 220 metros quadrados ocupado pelo autor está localizado a 28,5 metros da cota máxima de operação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha, o que indubitavelmente o coloca em APP. 6. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0007522-30.2007.4.03.6106/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 08.05.2017 – p. 243)

Constitucional

3706 – Ação popular – centro de tratamento de resíduos – risco de tráfego aéreo – configu­ração

“Remessa necessária. Ação popular. Centro de tratamento de resíduos do Rio de Janeiro. Área de segurança aeroportuária. Alteração da localização originária. Perda superveniente de interesse de agir. 1. Trata-se de ação popular ajuizada com vistas a obstar a instalação de Centro de Tratamento de Resíduos no Bairro de Paciência, Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro e em qualquer outro lugar situado dentro da área de segurança aeroportuária, ao argumento de tratar-se de ativi-dade que, por atrair pássaros, colaria em risco o tráfego aéreo. 2. Confirmada nos autos a alteração do local impugnado pelo Autor, com a transferência do centro de tratamento de lixo para outro Município, e existindo prévia manifestação do Comando Aéreo acerca da possibilidade de insta-lação do referido empreendimento na nova área escolhida, correta a sentença que, com a prévia anuência do Ministério Público Federal, julgou extinta a Ação Popular, reconhecendo a perda do seu objeto. 3. Remessa necessária desprovida.” (TRF 2ª R. – REO 0013623-89.2005.4.02.5101 – 8ª T.Esp. – Rel. Marcelo Pereira da Silva – DJe 11.04.2017 – p. 783)

3707 – Ação popular – contratação de instituições financeiras – credenciamento – ausência de licitação – configuração

“Agravo de instrumento. Ação popular. Contratação de instituições financeiras por meio de cre-denciamento para prestar serviço de arrecadação de tributos. Ausência de licitação. Concessão da medida liminar para suspender os pagamentos ao agravante. Reforma da decisão. Inviabilidade de competição. Modalidade de contratação usual para o serviço bancário. Contrato administra-tivo devidamente firmado. Irregularidade apontada na decisão singular não verificada nesta fase processual. Recurso conhecido e provido.” (TJPR – AI 1508421-2 – 4ª C.Cív. – Relª Desª Regina Afonso Portes – DJe 21.02.2017 – p. 254)

3708 – Ação popular – doação de imóvel – autorizada por Lei Municipal – ausência de prova do prejuízo – legalidade do ato – configuração

“Apelação cível. Ação popular. Doação de imóvel autorizada por lei municipal. Ausência de prova do prejuízo. Fomento local. Convalidação por superveniente lei municipal editada pelo legislativo. Legalidade do ato. Recursos providos. A doação, com encargo, de bem público a particular pode, excepcionalmente, ser realizada sem licitação, desde que presente interesse público devidamente

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fundamentado, nos termos do art. 17, § 4º, da Lei nº 8.666/1993. O ato se coaduna com o interes-se público, já que a instalação da empresa na área doada tem a capacidade de gerar empregos e renda, além de impostos ao município. O manejo de ação popular é cabível quando há demons-tração de ato lesivo ao patrimônio público, à inteligência do art. 1º, da Lei nº 4.717/1965, salvo nas hipóteses em que o vício atribuído atente contra a moralidade administrativa, o meio ambiente ou o patrimônio histórico e cultural, que não estão em discussão no caso.” (TJMS – Ap 0800255-17.2013.8.12.0047 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Marcelo Câmara Rasslan – DJe 30.03.2017)

3709 – Habeas corpus – impetração de remédio constitucional – via inadequada – identifi­cação dos pacientes – necessidade

“Processual penal. Recurso em habeas corpus. Impetração de remédio constitucional coletivo. Via inadequada. Necessidade de identificação dos pacientes. Inteligência do art. 654, § 1º, alínea a, do Código de Processo Penal. Recurso improvido. 1. Correta a decisão do Tribunal de origem, que não conheceu de habeas corpus em que se alegou a existência de constrangimento ilegal vivencia-do por todos os presos custodiados em Delegacias de Polícia na capital baiana. 2. Esta Corte Su-perior e o Supremo Tribunal Federal firmaram o entendimento de que não é cabível impetração de natureza coletiva, pois o art. 654, § 1º, a, do Código de Processo Penal requer, na petição inicial, a indicação dos nomes das pessoas que sofrem ou estão ameaçadas de sofrer violência ou coação na sua liberdade de locomoção, a fim de viabilizar a análise do constrangimento ilegal e a expedição de salvo-conduto. 3. Recurso improvido.” (STJ – Rec-HC 51.301 – (2014/0225183-0) – 5ª T. – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJe 07.04.2017 – p. 918)

Destaque Editorial SÍnTESEDo voto do Ministro Relator destacamos:

“[...] Ainda que se reconheça a relevância da questão social abordada, o recurso não pode ser provido.

E isto porque o Código de Processo Penal estabelece, no seu art. 654, § 1º, a: ‘a petição de habeas corpus conterá: a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação’.

No entanto, a impetrante, em momento algum, traz informações concretas e objetivas sobre a situação particular de cada um dos custodiados nas Delegacias de Polícia elencadas na petição inicial, sempre argumentando em caráter coletivo, acerca da situação precária vivenciada pelos presos naqueles locais, diante da inexistência de vagas nas unidades de internação do Estado. [...]”

3710 – Mandado de injunção – revisão geral anual – ausência de lacuna regulamentadora – âmbito federal – precedentes

“Agravo regimental. Mandado de injunção. Revisão geral anual. Art. 37, X, da Constituição da República. Ausência de lacuna regulamentadora no âmbito federal. Precedentes. A jurisprudên-cia desta Casa firmou-se no sentido de que o art. 37, X, da Magna Carta já foi objeto de regula-mentação, no âmbito federal, pela Lei nº 10.331/2001, com as alterações promovidas pela Lei nº 10.697/2003. Dessa forma, à míngua de norma constitucional de eficácia limitada pendente de regulamentação, não há lastro para a concessão da pretendida ordem injuncional coletiva. Pre-cedentes. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-MI 6.508 – Distrito Federal – Plen. – Relª Min. Rosa Weber – J. 17.03.2016)

3711 – Mandado de segurança – incorporação de quintos – lei distrital – aplicabilidade“Recurso ordinário em mandado de segurança. Incorporação de quintos. Vedação. Aplicação da Lei Distrital nº 1.864/1998 aos servidores do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Inexistên-cia de vício de iniciativa. Matéria afeta a regime jurídico. 1. Trata-se de Mandado de Segurança contra ato do Tribunal de Contas do Distrito Federal que determinou a suspensão do pagamen-to de vantagem pessoal (quintos/décimos) anteriormente reconhecida aos impetrantes, servido-res do TCDF. 2. Os impetrantes defendem, em suma, a inaplicabilidade das Leis Distritais nºs

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1.004/1996, 1.141/1996 e 1.864/1998 aos servidores do Tribunal de Contas do DF, visto que são regidos pela Lei nº 8.112/1990, em sua redação original, por força da Lei Distrital nº 211/1991. Pleiteiam o reconhecimento do direito líquido e certo ao recebimento das parcelas denominadas quintos/décimos incorporados a seus vencimentos, com base na redação original do art. 62 da Lei nº 8.112/1990. 3. O cerne da questão controvertida está em saber se a incorporação da vantagem denominada quintos/décimos pelos servidores do TCDF é inerente ao regime jurídico dos servido-res – lei de iniciativa do Poder Executivo –, ou se está inserida no âmbito da política remuneratória, de iniciativa da própria Corte de Contas do DF. 4. A respeito do regime jurídico dos servidores públicos, Hely Lopes Meirelles (in Direito administrativo brasileiro. 35. ed. Editora Malheiros, p. 419) assim leciona, verbis: ‘O regime jurídico dos servidores civis consubstancia os preceitos le-gais sobre a acessibilidade aos cargos públicos, a investidura em cargo efetivo (por concurso públi-co) e em comissão, as nomeações para funções de confiança; os deveres e direitos dos servidores; a promoção e respectivos critérios; o sistema remuneratório (subsídios ou remuneração, envolvendo os vencimentos, com as especificações das vantagens de ordem pecuniária, os salários e as repo-sições pecuniárias); as penalidades e sua aplicação; o processo administrativo; e a aposentadoria’. 5. A matéria veiculada nas Leis Distritais nºs 1.004/1996, 1.141/1996 e 1.864/1998 (incorporação de quintos/décimos aos vencimentos dos servidores públicos do DF) diz respeito ao regime jurí-dico dos servidores públicos do DF, direcionada a todos os servidores distritais, não se tratando de norma atinente à fixação da remuneração dos servidores, por isso deve ser disciplinada em lei de iniciativa do Governador do Distrito Federal, consoante determina o art. 71, § 1º, II, da Lei Or-gânica do DF. 6. As Leis Distritais nºs 1.004/1996, 1.141/1996 e 1.864/1998, por versarem sobre tema concernente ao regime jurídico, são perfeitamente aplicáveis aos servidores do TCDF, não havendo por que cogitar em vício de iniciativa. 7. Os impetrantes não sofreram nenhum tipo de violação de seus direitos líquidos e certos, haja vista que a Decisão Administrativa nº 46 do TCDF simplesmente cumpriu a Lei Distrital nº 1.864/1998, extinguindo o benefício da incorporação de funções à remuneração. 8. O STF e o STJ assentaram o entendimento de que inexiste direito adqui-rido de servidor público ao regime jurídico, ressalvadas as hipóteses de redução de vencimento. Precedente: AgR-AI 854.703/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª T., STF – DJe 07.02.2014; RMS 49.282/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., STJ – DJe 25.08.2016. 9. In casu, não se configurou nenhuma violação ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos, uma vez que a Lei Distrital nº 1.864/1998, ao vedar a incorporação de décimos aos vencimentos dos servidores, estabeleceu de forma expressa no parágrafo único do art. 4º que ‘ficam mantidos os décimos incorporados até a data anterior à publicação desta lei’. 10. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-Rec.-MS 37.438 – (2012/0061504-6) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.04.2017 – p. 2214)

Destaque Editorial SÍnTESEDo voto do Ministro Relator destacamos:

“[...]

Ao discorrer a respeito do regime jurídico dos servidores públicos, Hely Lopes Meirelles (in Direi-to administrativo brasileiro. 35. ed. Editora Malheiros, p. 419) assim leciona, verbis:

O regime jurídico dos servidores civis consubstancia os preceitos legais sobre a acessibilidade aos cargos públicos, a investidura em cargo efetivo (por concurso público) e em comissão, as nomeações para funções de confiança; os deveres e direitos dos servidores; a promoção e respectivos critérios; o sistema remuneratório (subsídios ou remuneração, envolvendo os venci-mentos, com as especificações das vantagens de ordem pecuniária, os salários e as reposições pecuniárias); as penalidades e sua aplicação; o processo administrativo; e a aposentadoria.”

Penal/Processo Penal

3712 – Crime tributário – procedimento investigatório criminal – pedido de trancamento – excepcionalidade da medida – Súmula Vinculante nº 24 do STF – violação

“Penal e processo penal. Recurso em habeas corpus. 1. Crime tributário. Procedimento investi-gatório criminal. Pedido de trancamento. Excepcionalidade da medida. 2. Violação da Súmula

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Vinculante nº 24/STF. Não ocorrência. Crime do art. 1º, V, da Lei nº 8.137/1990. 3. Ausência de controle jurisdicional. Extrapolação da duração do procedimento. Não verificação. Ausência de ilegalidade. 4. Recurso em habeas corpus improvido. 1. O trancamento de ação penal ou de procedimento investigativo na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter ex-cepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade do delito, o que não é o caso dos autos. 2. Configurado, em princípio, o crime do art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/1990, o qual não se insere nas hipóteses da Súmula Vinculante nº 24/STF, não há se falar em ilegalidade. Ademais, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, se a instauração do inquérito não se fundar apenas na existência de indícios de delitos tributários materiais, não há falar em falta de justa causa para a sua instauração. 3. Com efeito, os crimes contra a ordem tributária previstos no art. 1º, incisos I a IV da Lei nº 8.137/1990, não se tipificam antes do lançamento definitivo do tributo, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal. Contudo, o delito do art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/1990 é formal, não estando incluído na exigência da referida Súmula Vinculante (HC 195.824/DF, Relª Min. Lau-rita Vaz, 5ª T., J. 28.05.2013, DJe 06.06.2013 e AgRg-REsp 1477691/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., J. 11.10.2016, DJe 28.10.2016). 4. Não se verifica ilegalidade na instauração do proce-dimento investigatório criminal nem na condução das investigações, não havendo se falar em ausência de controle jurisdicional nem em extrapolação da duração do procedimento. Controle jurisdicional do procedimento, especialmente em sede de medida restritiva de direitos (busca e apreensão, por exemplo). PIC instaurado e processado nos termos de Resolução do CNMP (re-gistro e controle virtual). 5. Em suma, para o encerramento prematuro de investigação criminal mister a demonstração de ilegalidade patente, demonstrável de plano, situação que não ocorre nos presentes autos. Justa causa presente: alegação ministerial e indícios concretos de fraude fiscal, calcados também na venda de produtos sem nota fiscal ou mediante meia-nota (Lei nº 8.137/1990, art. 1º, inciso V). Precedentes. 6. Recurso em habeas corpus a que se nega provimento.” (STJ – RHC 76.937 – MG – (2016/0265040-6) – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 24.02.2017)

Comentário Editorial SÍnTESEO vertente acórdão trata de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Consta dos autos que o paciente está sendo investigado por meio de Procedimento Investigatório Criminal instaurado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

As fraudes consistiriam na venda de produtos sem nota fiscal ou mediante meia-nota (subfatu-ramento para diminuir a incidência de impostos), e envolveriam as empresas franqueadas e os fornecedores de produtos e insumos.

A Súmula Vinculante nº 24, do STF, in verbis:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Com base no entendimento proferido pela Súmula Vinculante nº 24 do STF, o caso está contra-riando o entendimento jurisprudencial.

O relator afirmou que um dos supostos delitos em apuração, trata-se da negativa de fornecimen-to de nota fiscal ou a emissão em desacordo com a legislação, e está descrita no art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/1990, dispositivo que não se insere nas hipóteses da Súmula Vinculante nº 24, que descreve os casos abarcados pelos incisos I a IV do artigo da mesma lei.

E ainda mencionou que é preciso lembrar que há indícios sérios de fraude fiscal, calcados tam-bém na venda de produtos sem nota fiscal ou mediante meia-nota, o que confirma a justa causa do crime formal descrito no inciso V do art. 1º da Lei nº 8.137/1990.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“No caso dos autos, observa-se que foi instaurado procedimento investigatório criminal para apurar a suposta prática de ‘crimes tributários, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e outros, envolvendo a rede de fast food Habib’s e suas coligadas’. Durante as investigações, constatou-se que ‘a fraude fiscal estaria calcada também na venda de produtos sem nota fiscal

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ou mediante meia-nota (tipo previsto no inciso V do art. 10 da Lei nº 8.137/1990), afastando eventual impedimento à deflagração da apuração criminal, ao contrário do que quer fazer crer o impetrante’.

O Tribunal de origem, ao julgar o prévio mandamus, registrou igualmente que ‘não se sustenta a alegação formulada no bojo do presente remédio constitucional concernente à violação do teor da Súmula Vinculante nº 24, do STF, haja vista que a fraude fiscal em tese praticada encontra--se também arrimada na venda de produtos sem nota fiscal ou por meia-nota (conduta prevista no art. 10, inciso V, da Lei nº 8.137/1990). Referido delito não consta da redação da mencio-nada Súmula, por ser este crime formal não se exigindo, portanto, o esgotamento da instância administrativa’.

Portanto, configurado, em princípio, o crime do art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.137/1990, o qual não se insere nas hipóteses da Súmula Vinculante nº 24/STF, não há se falar em ilegalidade. Por oportuno, transcrevo o verbete em tela: ‘não se tipifica crime material contra a ordem tribu-tária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo’.

Ademais, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, se a instauração do inquérito não se fundar apenas na existência de indícios de delitos tributários materiais, não há falar em falta de justa causa para a sua instauração (HC 95/SC, Relator(a): Min. Ellen Gracie, 2ª T., J. 02.02.2010, DJe 19.02.2010 – Voto do Ministro Cezar Peluso).

No mesmo sentido:

HABEAS CORPUS – PROCESSUAL PENAL – BUSCA E APREENSÃO DETERMINADA EXCLUSI-VAMENTE COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA – NÃO OCORRÊNCIA – PERSECUÇÃO PENAL POR CRIMES TRIBUTÁRIOS E CONEXOS ANTES DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO DEFINITIVO – VIABILIDADE – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE BUSCA E APREENSÃO – NÃO OCORRÊNCIA – ORDEM DENEGADA – 1. A jurisprudência do STF é unânime em repudiar a notícia-crime veiculada por meio de denúncia anônima, considerando que ela não é meio hábil para sustentar, por si só, a instauração de inquérito policial. No entanto, a informação apócrifa não inibe e nem prejudica a prévia coleta de elementos de informação dos fatos delituosos (STF, Inquérito nº 1.957/PR) com vistas a apurar a veracidade dos dados nela contidos. 2. Nos ter-mos da Súmula Vinculante nº 24, a persecução criminal nas infrações contra a ordem tributária (art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990) exige a prévia constituição do crédito tributário. Entretanto, não se podendo afastar de plano a hipótese de prática de outros delitos não depen-dentes de processo administrativo não há falar em nulidade da medida de busca e apreensão. É que, ainda que abstraídos os fatos objeto do administrativo fiscal, o inquérito e a medida se-riam juridicamente possíveis. 3. Não carece de fundamentação idônea a decisão que, de forma sucinta, acolhe os fundamentos apresentados pelo Órgão ministerial, os quais narram de forma pormenorizada as circunstâncias concretas reveladoras da necessidade e da adequação da me-dida de busca e apreensão. 4. Ordem denegada. (HC 107362, Relator(a): Min. Teori Zavascki, 2ª T., Julgado em 10.02.2015, DJe 27.02.2015)”

O Superior Tribunal de Justiça negou a ordem.

3713 – Falsificação de documento público – anotação na carteira – omissão“Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Omissão de anotação na carteira de trabalho e previdência social. Art. 297, § 4º do Código Penal. Competência da Justiça Federal. Recurso provido. I – A conduta do recorrido de omitir dados relativos a períodos de vigência do contrato de trabalho de empregado na CTPS, tipificada no art. 297, § 4º, do CP, atenta, primeiramente, contra interesse do Estado, representado pela Previdência Social, e, de forma secundária, contra o empregado (vítima), que deixa de possuir os benefícios decorrentes dos direitos assegurados pelo registro de sua CTPS. II – Considerando a afronta ao interesse da Previdência Social, que integra diretamente a Seguridade Social prevista no art. 194 da CF, resta evidenciada a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, a teor do disposto no art. 109, inciso IV, da Carta Magna. III – Recurso em Sentido Estrito provido.” (TRF 2ª R. – RSE 0001950-49.2012.4.02.5103 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJe 24.01.2017)

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3714 – Favorecimento real – falsificação de documento público – uso de documento falso – corrupção de menores – prisão preventivo – revogação

“Habeas corpus. Favorecimento real, falsificação de documento público, uso de documento falso e corrupção de menores. Revogação da prisão preventiva. Impossibilidade. Fundamentação idô-nea. Possibilidade de reiteração delitiva. Garantia da ordem pública. Periculosidade concreta do paciente. Ordem não concedida. 1. Esta Quinta Turma possui firme entendimento no sentido de que a manutenção da custódia cautelar por ocasião de sentença condenatória superveniente não possui o condão de tornar prejudicado o writ em que se busca sua revogação, quando não agre-gados novos e diversos fundamentos ao decreto prisional primitivo. 2. Considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pres-supostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP. Devendo, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do previsto no art. 319 do CPP. Na hipótese dos autos, presentes elementos concretos a justificar a imposição da segregação antecipada. As instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos, entenderam que restou demonstrada a maior periculosidade do paciente, evidenciada pela possibilidade de reiteração criminosa, na medida em que o ostenta várias pas-sagens pela polícia e já respondeu a vários outros processos. Impende consignar, por oportuno, que, conforme orientação jurisprudencial desta Corte, inquéritos e ações penais em curso cons-tituem elementos capazes de demonstrar o risco concreto de reiteração delituosa, justificando a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública. Dessa forma, a prisão processual está devidamente fundamentada na necessidade de garantir a ordem pública, não havendo falar, portanto, em existência de flagrante ilegalidade. Ordem não concedida.” (STJ – HC 382.697 – (2016/0328704-9) – 5ª T. – Rel. Min. Joel Ilan Paciornik – DJe 24.02.2017)

3715 – Pena – ofensa à garantia constitucional da individualização – afastamento da obrigato­riedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equipa­rados

“Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Descabimento. Paciente condenado como incurso no art. 214, c/c os arts. 224, a, e 225, § 1º, i, ambos do Código Penal. Pena-base fixada no míni-mo legal (6 anos de reclusão). Ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Regime inicial fechado estabelecido sem fundamentação concreta. Ofensa à Súmula nº 440 do STJ e às Súmulas nºs 718 e 719, do STF. Constrangimento ilegal evidenciado. Habeas corpus não conhecido. Or-dem concedida de ofício. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não tem admitido a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio, prestigiando o sistema recursal ao tempo que preserva a im-portância e a utilidade do habeas corpus, visto permitir a concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. A Suprema Corte, nos termos da r. decisão Plenária proferida por ocasião do julgamento do HC 111.840/ES, ao considerar incidentalmente a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, com redação dada pela Lei nº 11.464/2007, por ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/1988), concluiu ser pos-sível o afastamento da obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados. No termos da Súmula nº 440/STJ, fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito. Configura coação ilegal o estabele-cimento do regime inicial fechado, mais gravoso do que a pena comporta, sem fundamentação concreta extraída dos elementos constantes dos autos. No caso, o regime inicial de cumprimento da pena deve ser o semiaberto, pois, além de a pena-base ter sido estabelecida no mínimo legal (6 anos), demonstrando a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, inexistiu fundamen-tação idônea a amparar a fixação de regime mais gravoso. Inteligência da Súmula nº 440/STJ e das Súmulas nºs 718 e 719/STF. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para fixar o regime inicial semiaberto em favor do paciente.” (STJ – HC 378.965 – (2016/0301262-6) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 24.02.2017)

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3716 – Porte de arma de fogo – numeração suprimida – absolvição“Constitucional e penal. Habeas corpus substitutivo de recurso. Porte de arma de fogo com nume-ração suprimida. Lei nº 10.826/2003. Absolvição. Impropriedade da via eleita. Crime de perigo abstrato. Atipicidade da conduta não evidenciada. Writ não conhecido. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em vir-tude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita. Precedente. 3. A conclusão do Colegiado a quo se coaduna com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o crime previsto no art. 16, parágrafo único, inc. IV, da Lei nº 10.826/2003 é de perigo abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, e sim a segurança pública e a paz social, colocados em risco com porte de arma de fogo com numeração raspada, revelando-se despicienda a comprovação do potencial ofensivo do artefato através de laudo pe-ricial. Precedentes. 4. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 334.687 – (2015/0214713-3) – 5ª T. – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJe 23.03.2017)

3717 – Tráfico de drogas – associação – lavagem de dinheiro – “Operação Ferrari” – prisão preventiva – audiência de custódia – impossibilidade

“Recurso em habeas corpus. Tráfico de drogas, associação para o tráfico e lavagem de dinhei-ro. ‘Operação Ferrari’. Prisão preventiva. Audiência de custódia não realizada. Ilegalidade. Não ocorrência. Art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Fundamentação suficiente. Medidas cautelares diversas da prisão. Impossibilidade. Recurso não provido. 1. Embora seja prevista a realização de audiência de custódia ‘às pessoas presas em decorrência do cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva’ (art. 13 da Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça), a não ocorrência de tal ato somente acarreta a nulidade da custódia preventiva quando evidenciado o desrespeito às garantias processuais e constitucionais, o que não ocorreu na hipótese. 2. A juris-prudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP. 3. O Juízo singular apontou a presença dos veto-res contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial a garantia da ordem pública, evidenciada pelo fundado risco de reiteração delitiva, ante os indícios da existência de associação criminosa voltada para o tráfico de drogas, na qual o ora recorrente possuiria função de relevância, diante de sua ‘elevada capacidade de interlocução e coordenação, aferida em razão de diversos diálogos em que estabelecia contatos e repassava recados entre diversos membros da OrCrim, en-tre estes e terceiros, principalmente em situações de gerenciamento de crises’. 4. Pelas mesmas ra-zões, as medidas cautelares diversas da prisão não constituem instrumentos eficazes para obstar a reiteração da conduta delitiva. 5. Recurso não provido.” (STJ – Rec-HC 64.651 – (2015/0257208-8) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 24.02.2017)

3718 – Tráfico e associação – pena – execução provisória – excesso“Habeas corpus. Tráfico e associação para o tráfico de drogas. Execução provisória da pena. Pos-sibilidade. Entendimento do STF. Excesso na exasperação da pena-base. Não ocorrência. Menção na sentença condenatória a elementos concretos que denotam a análise negativa das circunstân-cias (quantidade e qualidade da droga – 219 g de crack –, bem como a utilização de filho menor de idade). Regime inicial. A imposição de regime inicial fechado é possível em penas cominadas acima de 8 anos. Art. 33, § 2º, a, do CP. Constrangimento ilegal. Ausência. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 43 e 44, ao reconhecer a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, entendeu que o referido dispositivo legal não impede o início da execução da pena após condenação em segundo grau de jurisdição. 2. Ausente a demonstração da possibilidade de modificação da condenação imposta pelas instân-

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cias ordinárias, ou indicação de mácula que enseje a anulação da ação penal ou da condenação, não há óbice à execução da pena. 3. A lei confere ao julgador certo grau de discricionariedade na análise das circunstâncias judiciais, sendo assim, o que deve ser avaliado é se a fundamentação exposta é proporcional e autoriza a fixação da pena-base no patamar escolhido. 4. No caso, o Magistrado singular apontou a quantidade e qualidade da droga apreendida (219 g de crack) e o fato de a paciente utilizar-se de seu filho menor de idade na comercialização dos entorpecentes como circunstâncias judiciais desfavoráveis suficientes a exasperar a pena-base. 5. Mantida a pena definitiva em patamar superior a 8 anos de reclusão, inviável a fixação de regime menos rigoroso, nos termos do art. 33, § 2º, a, do Código Penal. 6. Ordem denegada. Cassada a liminar anterior-mente deferida.” (STJ – HC 373.173 – (2016/0257201-9) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 02.03.2017)

Processo Civil e Civil

3719 – Ação de apreensão e depósito – contrato de venda a crédito de bem móvel – cláusula de reserva de domínio – mora do comprador – comprovação

“Direito processual civil. Recurso especial. Ação de apreensão e depósito. Contrato de venda a crédito de bem móvel. Cláusula de reserva de domínio. Mora do comprador. Comprovação. Notificação extrajudicial. Possibilidade. 1. Ação ajuizada em 23.06.2014. Recurso especial in-terposto em 26.04.2016. Autos conclusos em 30.09.2016. 2. A mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos. 3. Recurso especial provido, para reestabelecer os efeitos da decisão inter-locutória que deferira o pedido liminar de apreensão e depósito do bem.” (STJ – REsp 1.629.000 – (2016/0255695-2) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 04.04.2017 – p. 1517)

3720 – Ação de cobrança – sobre­estadia de contêineres – transporte unimodal – prescrição ânua – inaplicabilidade

“Agravo interno no recurso especial. Ação de cobrança. Sobre-estadia de contêineres. Trans-porte unimodal. Inaplicabilidade da prescrição ânua prevista no art. 22 da Lei nº 9.611/1998. Precedentes. Acórdão reformado. Recurso especial provido. Decisão mantida. 1. A eg. Segunda Seção desta Corte Superior orienta-se no sentido de que, com a entrada em vigor do novo Có-digo Civil, que revogou o art. 449 do Código Comercial, o prazo prescricional para as ações de cobrança de sobre-estadias de contêineres, no caso de transporte marítimo unimodal, é o quinquenal, quando essa cobrança derivar de disposição contratual, e decenal, caso não haja essa previsão no contrato. 2. Na presente hipótese, tendo sido devolvidos os contêineres em 17.07.2009, e proposta a ação de cobrança em 23.09.2010, fica afastada a prescrição. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.365.491 – (2013/0032414-0) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 03.04.2017 – p. 1662)

3721 – Ação de indenização – danos materiais e compensação por danos morais e estéticos – embargos de declaração

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais e estéticos. Embargos de declaração. Omissão, con-tradição ou obscuridade. Não ocorrência. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. Violação do art. 557, caput, do CPC/1973, não configurada. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/1973, rejeitam-se os embargos de declaração. O reexame de fatos e provas em recurso especial são inadmissíveis. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. A confirmação de decisão unipessoal do Relator pelo órgão colegiado sana eventual violação ao art. 557 do CPC/1973. Precedentes. Agravo interno no agravo em re-

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curso especial não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 789.423 – (2015/0242211-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 03.04.2017 – p. 1505)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de agravo interposto contra decisão unipessoal proferida que conheceu em parte do recurso especial e negou-lhe provimento, em razão de: i) ausência de violação dos arts. 535 e 557 do CPC/1973; ii) incidência da Súmula nº 7/STJ; iii) da inexistência de prequestionamento; iv) da não exorbitância do valor fixado a título de dano moral; e v) da ausência de comprovação da divergência jurisprudencial.

Tudo se iniciou com uma Ação: de indenização por danos materiais e compensação por danos morais e estéticos, ajuizada em face da agravada, devido a acidente de trânsito, no qual houve o atropelamento do agravado, enquanto este caminhava pela calçada, por ônibus pertencente à agravante.

Na sentença foi julgada parcialmente procedente o pedido, para condenar a agravante ao pa-gamento de compensação por danos estéticos no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e de compensação por danos morais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

No acórdão manteve a decisão unipessoal do Relator que deu parcial provimento à apelação do agravado, apenas para majorar o valor dos danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais), e negou provimento ao recurso da agravante.

O Recurso especial alega violação dos arts. 333, II, 535, I e II, e 557, caput, do CPC/1973, e 186, 927 e 944 do CC/2002, bem como dissídio jurisprudencial. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustenta que o Relator não poderia ter apreciado monocraticamente a apelação, pois se tratava de análise da ocorrência do evento danoso, do nexo de causalidade e da extensão da responsabilidade dos danos, circunstâncias que não permitem o julgamento monocrático. Insurge-se contra a prova da participação da agravante no acidente, que se deu apenas com depoimento de testemunhas. Aduz que o dano estético era de grau mínimo, razão pela qual desproporcional o valor fixado à título de danos morais, que também seria, por consequência, de grau reduzido. Assevera, genericamente, dissonância do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte.

Nas razões do presente recurso, a agravante desenvolve a argumentação de que interpôs em-bargos de declaração perante o Tribunal de origem com intuito de prequestionar o art. 944 do CC/2002. Assevera haver exorbitância no valor fixado a título de compensação do dano moral, visto que o dano estético teria sido considerado em grau mínimo. Afirma que não poderia haver julgamento monocrático pelo Relator no Tribunal de origem em razão da necessidade de reva-loração das provas. Aduz que a análise do recurso especial independe do reexame de fatos e provas e que a divergência jurisprudencial foi comprovada.

O STJ negou provimento ao recurso.

Oportuno trazer as lições de Nehemias Domingos de Melo sobre o instituto da relação do dano moral, in verbis:

“A definição da verba indenizatória, a título de danos morais, deveria ser fixada tendo em vista três parâmetros: o caráter compensatório para a vítima, o caráter punitivo para o causador do dano e o caráter exemplar para a sociedade como um todo.

Para a vítima, esse caráter compensatório nada mais seria do que lhe ofertar uma quantia capaz de proporcionar alegrias que, trazendo satisfações, pudesse compensar a dor sofrida.

No tocante ao ofensor, o caráter punitivo teria uma função de desestímulo que agisse no sentido de demonstrar ao ofensor que aquela conduta é reprovada pelo ordenamento jurídico, de tal sorte que não voltasse a reincidir no ilícito.

Quanto ao caráter exemplar que a condenação poderia ter, há de se considerar que, na fixação do quantum, o juiz, além de ponderar os aspectos contidos no binômio punitivo-compensatório, deveria adicionar outro componente, qual seja, um plus que servisse como advertência de que a sociedade não aceita aquele comportamento lesivo e o reprime, de tal sorte a melhor mensurar os valores a serem impostos aos infratores por danos morais.

Neste particular aspecto, para se evitar o chamado enriquecimento sem causa, esse plus ad-vindo da condenação não seria destinado à vítima, mas, sim, a um fundo judiciário que, por exemplo, poderia utilizar os recursos para campanhas educativas.

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O aspecto inovador, na propositura acima esposada, é que, partindo da premissa de que, quanto maior for a pena, menor será o índice de reincidência, associado ao fato de que, se a sociedade tomar ciência de que determinadas condutas são reprimidas com vigor pelo Poder Judiciário, acredita-se que os direitos humanos e a dignidade das pessoas sofreriam menos agressões, na exata medida em que o peso da condenação seria sentido no bolso do infrator como fator de desestímulo.

[...]

Assim, podemos concluir que o instituto do dano moral, expressamente previsto na Constituição Federal (art. 5º, V e X), deve ser visto como instrumento eficaz no sentido de assegurar o direito à dignidade humana (CF, art. 1º, III), e precisa ser aperfeiçoado, de tal sorte que podemos afir-mar que a sua efetividade somente ocorrerá, de forma ampla e cabal, quando se puder dotar o juiz da liberdade plena na aplicação ‘da teoria da exemplaridade’, pela qual se possa apenar o ofensor com a tríplice finalidade: punitivo, compensatório e exemplar.” (Por uma nova teoria na reparação por danos morais. Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)

3722 – Ação de obrigação de fazer – plano de saúde coletivo empresarial – empregado apo­sentado – demitido sem justa causa

“Direito civil e do consumidor. Recurso especial. Ação de obrigação de fazer. Plano de saúde coletivo empresarial. Empregado aposentado. Demitido sem justa causa. Prequestionamento. Au-sência. Súmula nº 282/STF. Participação financeira do consumidor. Contribuição. Necessidade. Salário in natura. Impossibilidade. 1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 15.12.2014. Re-curso especial concluso ao gabinete em 14.09.2016. Julgamento. CPC/1973. 2. A centralidade do recurso especial é apreciar o direito da recorrida em permanecer, após o término do seu vínculo de emprego, no plano de saúde coletivo empresarial disponibilizado aos funcionários do Banco Bradesco S/A, por tempo indeterminado e nas mesmas condições do plano que vigorava quando estava na ativa, mediante o pagamento integral da mensalidade. 3. A Lei nº 9.656/1998, regula-mentada pela RN 279/2011, impôs a participação financeira do consumidor para o custeio da contraprestação do plano de saúde coletivo empresarial, para assegurar o direito de manutenção como beneficiários de plano coletivo empresarial para ex-empregados, demitidos sem justa causa ou aposentados, nas mesmas condições de cobertura assistencial quando da vigência do contrato de trabalho. 4. Os benefícios do § 2º do art. 458 da CLT, entre os quais estão o oferecimento de planos de assistência médica e odontológica, não devem ser tratados como salário in natura, mas sim como um incentivo aos empregadores para colaborar com o Estado na garantia mínima dos direitos sociais dos trabalhadores. 5. Na hipótese, a ausência de contribuição direta por parte da ex-empregada, não atende aos requisitos legais para sua manutenção como beneficiária do plano de saúde coletivo disponibilizado aos funcionários do Banco Bradesco S/A. Precedentes. 6. Recur-so especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1.627.049 – (2016/0246822-8) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.04.2017 – p. 691)

3723 – Ação reivindicatória – existência de escritura pública de demarcação – alteração da linha divisória originalmente definida – titularidade do domínio do autor – individuali­zação da área

“Recurso especial. Processual civil. Ação reivindicatória. Existência de escritura pública de de-marcação. Alteração da linha divisória originalmente definida. Titularidade do domínio do autor. Individualização da área. Posse injusta dos réus. Arts. 524 do CC/1916 e 1.228 do CC/2002. Requisitos reconhecidos pelas instâncias ordinárias. Súmula nº 7/STJ. Recurso improvido. 1. A reivindicatória, de natureza real e fundada no direito de sequela, é a ação própria à disposição do titular do domínio para requerer a restituição da coisa de quem injustamente a possua ou detenha (CC/1916, art. 524 e CC/2002, art. 1.228), exigindo a presença concomitante de três requisitos: a prova da titularidade do domínio pelo autor, a individualização da coisa e a posse injusta do réu. 2. A distinção entre demarcação e reivindicação, segundo o entendimento doutrinário, reside na circunstância de que, na reivindicação, o autor reclama a restituição de área certa e determinada; havendo incerteza quanto à área vindicada, prevalece a demarcação. Ademais, conforme já deci-dido pelo Superior Tribunal de Justiça, ‘o ponto decisivo a distinguir a demarcatória em relação a

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reivindicatória é “a circunstância de ser imprecisa, indeterminada ou confusa a verdadeira linha de confrontação a ser estabelecida ou restabelecida no terreno”’ (REsp 60.110/GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., DJ de 02.10.1995). 3. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a titu-laridade do domínio do autor, a efetiva individualização da coisa vindicada e a posse injusta dos réus, e inexistindo, por outro lado, dúvida quanto à linha divisória entre os imóveis, previamente definida por meio de escritura pública, a simples constatação da alteração do traçado original da li-nha divisória anteriormente fixada não pressupõe a necessidade de nova demarcação, sendo cabí-vel, na espécie, a demanda reivindicatória. 4. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.060.259 – (2008/0112989-5) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 04.05.2017 – p. 1780)

3724 – Contrato de transporte internacional de carga – insumos – relação de consumo – ino­corrência

“Recurso especial. Civil e empresarial. Contrato de transporte internacional de carga. Insumos. Relação de consumo. Inocorrência. Vinculação entre o contrato principal e o contrato acessório de transporte. 1. Controvérsia acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a um contrato internacional de transporte de insumos. 2. Não caracterização de relação de consumo no contrato de compra e venda de insumos para a indústria de autopeças (teoria finalista). 3. Im-possibilidade de se desvincular o contrato de compra e venda de insumo do respectivo contrato de transporte. 4. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à espécie, impondo-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem. 5. Prejudicialidade das demais questões suscitadas. 6. Doutrina e jurisprudência sobre o tema. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.442.674 – (2014/0059284-8) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 30.03.2017 – p. 1129)

Trabalhista/Previdenciário

3725 – Acidente do trabalho – lesão na mão esquerda – amputação de parte dos dedos – meio ambiente do trabalho – responsabilidade patronal – alcance

“Acidente do trabalho. Lesão na mão esquerda. Amputação de parte dos dedos. Meio ambiente do trabalho. Eliminação dos riscos e Convenção nº 155 da OIT. Responsabilidade subjetiva (conduta imprudente e negligente empresarial) e responsabilidade objetiva. Culpa exclusiva ou concorrente da vítima afastada. Imputação empresarial. Indenizações devidas pelo infortúnio sofrido. 1. Con-forme o art. 16 da Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 1254/1994, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio am-biente de trabalho, ao disciplinar a ação em nível de empresa, ‘1. Deverá ser exigido dos empre-gadores que, na medida em que for razoável e possível, garantam que os locais de trabalho, o ma-quinário, os equipamentos e as operações e processos que estiverem sob seu controle são seguros e não envolvem risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores’. 2. A documentação da existência ou não de condições ambientais nocivas e de risco à saúde e à segurança do empregado incumbe ao empregador, assim como a adoção das medidas necessárias para eliminação ou re-dução da intensidade dos agentes agressivos. Estas obrigações ambientais desdobram-se, em sede processual, no dever da empregadora de demonstrar, nos autos, de forma cabal, o correto cum-primento das medidas preventivas e compensatórias adotadas no ambiente de trabalho para evitar danos aos trabalhadores. 3. O trabalho executado pelo autor na empresa ré (CNAE 1013-9/02 – fabricação de subprodutos do abate) apresenta alto grau de risco para acidentes de trabalho (3), conforme Anexo V do Decreto nº 6.957/2009, e o desenvolvimento de atividades com potencial de risco para as pessoas e que podem, mesmo cercadas de todas as precauções, causar lesões, exi-ge, em contrapartida, a responsabilização independente de culpa, bastando a prova do dano e do nexo de causalidade entre o dano (acidente de trabalho) e o labor, ressalvada a hipótese de culpa exclusiva da vítima (não relacionada ao labor, evidentemente), fato fortuito ou força maior, na forma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. 4. Presença de Nexo Técnico-Epidemiológico (NTEP) com a atividade explorada pela ré, que guarda relação com a lesão diagnosticada (CID

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S68.8) a referendar a aplicação da responsabilidade objetiva à espécie, além de induzir presunção do nexo do agravo de saúde devido ao trabalho. 5. Age com culpa (imprudência e negligência) a empresa ao: a) permitir o trabalho em máquina insegura – conduta negligente; b) exigir labor em sobrejornada em máquina perigosa – conduta imprudente; c) exigir operação simultânea de duas a três máquinas do trabalhador, potencializando o risco de acidentes – conduta imprudente; d) apesar de presente o NTEP, não adota nenhuma medida preventiva ou compensatória do ambiente de trabalho, em especial no que pertine à operação de maquinário, capaz de elidir a ocorrência de infortúnios – conduta negligente. Responsabilidade exclusiva do empregador pelo sinistro ocorrido nestas condições. 6. Afastada a causa excludente de imputação alegada (culpa da vítima), como também a culpa concorrente, a responsabilidade exclusiva da demandada de-corre tanto da presença do elemento subjetivo (culpabilidade empresarial), como do objetivo pela aplicação da teoria do risco da atividade e do princípio do poluidor pagador; Portanto, seja por força da apuração de culpa da ré, seja por aplicação da teoria do risco ou por responsabilidade objetiva decorrente de lei (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 c/c Decreto nº 6.957/2009), restam inegavelmente presentes os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil: a existência de dano (lesão à integridade física do trabalhador) e o nexo de causalidade entre o acidente sofrido e o dano, e entre estes e a atividade da ré, além do elemento subjetivo. 7. Imputação do empre-gador. Indenizações devidas. Delitos ambientais trabalhistas. Art. 132 do CP e art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991. Expedição de ofícios. Tendo em conta que o descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho constitui contravenção penal, em tese, na forma do art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, como também a desconsideração de risco na atividade exigida do trabalhador é conduta que constitui, em tese, o crime do art. 132 do CP, quando mais ocorrida lesão em mais de um funcionário, cabível a comunicação ao Ministério Público do Trabalho, em cumprimento ao disposto no art. 7º da Lei nº 7.347/1985 e arts. 5º, II, e 40 do CPP.” (TRT 4ª R. – RO 0010113-37.2014.5.04.0664 – 2ª T. – Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’ Ambroso – DJe 30.11.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 8.213/1991:

“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)

§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.

§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.

§ 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades re-presentativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.”

3726 – Adicional de insalubridade – laudo pericial conclusivo – valor probante – pagamento devido

“I – Direito do trabalho. Recurso ordinário do consignante. Período clandestino de emprego. Con-figuração. Não se olvide que a prova acerca da existência da relação de emprego compete, em regra, ao autor (art. 818 da CLT c/c art. 373, inciso I, do NCPC). Contudo, se confirmada a pres-tação de serviços, passa à parte que alega fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado, o ônus de comprová-lo (art. 373, inciso II, do mesmo diploma). Na hipótese dos autos, negada a prestação de serviço pela ré além do normalmente registrado, mantém-se sobre o autor o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito, ônus do qual se desincumbiu por meio da prova

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oral, motivo pelo qual mantenho a sentença. Recurso não provido, no particular. II – Direito do trabalho e processual do trabalho. Adicional de insalubridade. Laudo pericial conclusivo. Valor probante. É certo que o julgador não está adstrito às conclusões do laudo, mas a discordância deve ser embasada em contraprova fundamentada tecnicamente, o que não há nos autos. Na hipótese, o deferimento do pleito, pelo juízo de origem, está baseado em laudo pericial circunstanciado. Com efeito, analisando o Sr. Perito o ambiente de trabalho da obreira, constatou que no local de labor e nas tarefas executadas por ela foram observados a presença de agentes nocivos à saúde. Nesse contexto, a parte que busca provimento jurisdicional diverso daquele apontado na conclusão da prova técnica, deve trazer aos autos elementos sólidos e consistentes que possam infirmar a con-clusão do perito, devendo o Juiz demonstrar o porquê de adotar ou não as conclusões do perito, conforme disposto no art. 479, do NCPC. III – Na hipótese, reforma-se a sentença, apenas, para limitar a condenação ao pagamento ao adicional de insalubridade ao período em que a autora desempenhou as atividade de Auxiliar de Serviços Gerais, de acordo com a prova oral colhida nos autos, tendo em vista a conclusão do Laudo Pericial anexo. Apelo patronal parcialmente provido, no aspecto.” (TRT 6ª R. – RO 0001040-58.2015.5.06.0144 – Rel. Sergio Torres Teixeira – DJe 05.12.2016 – p. 268)

Transcrição Editorial SÍnTESENovo Código de Processo Civil/2015:

“Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.”

3727 – Benefício acidentário – pensão por morte – ação regressiva do INSS – prescrição – pra­zo quinquenal – termo a quo

“Direito processual civil. Direito administrativo. Acidente de trabalho. Benefício acidentário. Pensão por morte. Ação regressiva do INSS. Art. 120 da Lei nº 8.213/1991. Prescrição. Decreto nº 20.910/1932. Prazo quinquenal. Termo a quo. Princípio da actio nata. Culpa. Comprovação. Empresa tomadora de serviço. Solidariedade com a empresa prestadora de serviço. Precedentes. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previ-denciário, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. O prazo prescricional subordina-se ao principio da actio nata: tem início a partir da data do evento danoso – data do dano sofrido pela autarquia pre-videnciária – ou seja, o termo a quo do prazo prescricional para as ações regressivas ajuizadas pelo INSS, com base no art. 120 da Lei nº 8.213/1991, é a data de concessão do benefício previdenciário que originou o pedido de ressarcimento via ação regressiva – data em que o INSS efetuou o primei-ro pagamento do benefício acidentário, a partir da qual o credor pode demandar judicialmente a satisfação do direito. O art. 120 da Lei nº 8.213/1991 é claro ao vincular o direito de regresso da autarquia previdenciária à comprovação da negligência por parte do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, indicadas para a proteção individual e coletiva. É dever do empregador fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cum-pridas, ou o são de forma inadequada. Comprovado o prejuízo havido pela concessão de benefício previdenciário ao segurado, decorrente de acidente de trabalho, e demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/1991. A redação do art. 120 da Lei nº 8.213/1991 prevê que a ação regressiva poderá ser proposta contra ‘os responsáveis’. O art. 121 da mesma lei dispõe que ‘o pagamento, pela Previdência Social, das prestações do acidente de trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem’. Por força desses dispositi-vos, é correto concluir que, em caso de terceirização de serviços, o tomador e o prestador respon-dem solidariamente pelos danos causados à saúde dos trabalhadores.” (TRF 4ª R. – AC 5008832-43.2014.4.04.7001 – 4ª T. – Rel. Cândido Alfredo Silva Leal Junior – J. 16.11.2016)

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3728 – Coisa julgada – ação coletiva e ação individual – direitos individuais homogêneos – transação – efeitos

“Recurso da reclamada principal. Preliminar de coisa julgada. Ação coletiva e ação individual. Direitos individuais homogêneos. Transação na ação coletiva. Efeitos não vinculantes para o titular do direito. CDC, art. 103, III. Preliminar afastada. Tratando-se de direitos individuais homogêneos, a ação coletiva só faz coisa julgada erga omnes se a pretensão for declarada procedente (CDC, art. 103, III). Observe-se que a norma visa proteger os interesses individuais do trabalhador (no caso), assegurando-lhe o direito de optar pela ‘suspensão’ do seu processo individual até que haja o trânsito em julgado da decisão na ação coletiva. Entretanto, deixando o trabalhador de exercer essa opção no prazo de ‘trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva’, não se beneficiará dos efeitos ‘efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior’. Com efeito, além de não haver sequer alegação recursal de que o autor tenha manifestado opção no sentido de suspender a tramitação processual desta sua reclamação trabalhista individual, inexiste nos autos prova da prática deste ato e, portanto, se-gundo a regra legal acima transcrita, precluso o direito, até porque tratou-se de acordo celebrado nos autos da ação coletiva, judicialmente homologado. Assim, e considerando que a reclamada não comprovou que autor já foi beneficiado com o acordo firmado naquela ação coletiva, este tem o direito de postular em ação individual a reparações que entende devidas. Multa prevista no art. 477 da CLT – empresa em recuperação judicial – Súmula nº 388 do TST inaplicável. O fato de a empresa encontrar-se em recuperação judicial não obstaculiza a incidência da multa prevista no art. 477 da CLT, sendo inaplicável à espécie a Súmula nº 388 do TST, pois não se trata de massa falida. PLR. Ausência de prova do fato impeditivo/extintivo do direito autoral. Manutenção da sentença. Embora a demandada tenha invocado o pagamento de PLR, em conformidade com as normas coletivas, não trouxe prova do fato impeditivo/extintivo do direito autoral. Assim, deve ser mantida a decisão de origem. Horas extras. Trabalho realizado aos sábados. Acordo de compensa-ção de jornada descaracterizado. Comprovado que o reclamante laborou no mínimo 02 sábados por mês, fica descaracterizado o acordo de compensação de jornada que suprimia o labor nesse dia, pelo que é cabível o pagamento de horas extras. Dano moral. Atraso de salários. Dificuldades financeiras. Ausência de prova. Indenização incabível. O alegado atraso na quitação do salário e de outras verbas trabalhistas, por si só, não configura dano moral passível de amparar a conde-nação do ex-empregador ao pagamento de indenização respectiva. Na espécie, não houve prova das alegadas situações vexatórias que teria sofrido o recorrido. Em vista do que, descabe o pleito autoral de indenização por dano moral. Recurso comum do reclamante e da Alumini. Multa pre-vista no art. 467 da CLT. Indevida. Controvertido o pedido dos títulos deferidos, descabe a multa do art. 467 da CLT. Recurso exclusivo da Petrobras Ilegitimidade passiva ad causam do recorrente. Sendo a recorrente arrolada como parte antagônica na petição inicial, manifesta a sua legitimidade para contestar e, sucumbente na pretensão defensiva, para recorrer. Responsabilidade subsidiária. Tomadora de serviços. Súmula nº 331 do TST. ADC 16/STF. Lei nº 8.666/1993, art. 71, § 1º. Culpas in eligendo e in vigilando. No julgamento da ADC 16 o STF declarou a constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/1993. Entretanto, ressaltou a possibilidade de o tomador de serviços ser responsabilizado subsidiariamente, nos termos da Súmula nº 331 do TST, conforme se verifique a ocorrência de sua culpa in eligendo e/ou in vigilando. Afastada a culpa in eligendo da recorrente, diante da contratação da reclamada mediante processo licitatório, restou configurada a culpa in vigilando pela não fiscalização da contratada quanto ao adimplemento das obrigações trabalhistas. Justiça gratuita. Art. 790, § 3º, da CLT. Pedido devido. A declaração do autor no sentido de que não tem condições financeiras para arcar com as despesas do processo atende aos requisitos do art. 790, § 3º, da CLT, fazendo jus aos benefícios da justiça gratuita.” (TRT 21ª R. – RO 0000231-86.2016.5.21.0024 – 1ª T. – Rel. Jose Barbosa Filho – DJe 28.11.2016 – p. 504)

Comentário Editorial SÍnTESEA vertente tem por escopo cuidar do instituto da coisa julgada.

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Conforme previsão contida no art. 502 do Novo CPC, denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Além disso, o art. 506 menciona que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

O ilustre Jurista Rodrigo de Lima Casaes assim elucida sobre a coisa julgada:

De há muito se debate na doutrina sobre os limites da coisa julgada objetiva, surgindo, de tal discussão, hipóteses outras, que não as previstas pelo art. 485 do Código de Processo Civil, visando a retirada do mundo jurídico de decisões absurdas, inconstitucionais, ou de eficácia impossível, fora das hipóteses fechadas do dispositivo mencionado.

Nesse mister, existem diversos estudos que buscam hipóteses da mitigação dos efeitos da coisa julgada, atacando decisões amparadas por tal efeito, protegidas pelo manto da imutabilidade, contendo, porém, em sua substância, algum tipo de inconstitucionalidade.

A linha de raciocínio seguida, via de regra, contrapõe os princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídica, àquele de justiça e do bem-estar social. Todos estes interesses são perseguidos pelas decisões emanadas do Poder Judiciário, eis que qualificados como interesses públicos primários.

A maioria de tais estudos, senão a totalidade, defende, quando o faz, a possibilidade de miti-gação da coisa julgada apenas quando na presença de inconstitucionalidade, sendo esta, sem dúvida, a única solução. Aliás, dada a omissão do legislador, não haveria outro meio de relati-vizar a coisa julgada.

Breve pausa se faz necessária para se aludir aos conhecidos trabalhos de Alexy e Dworkin, que abriram os caminhos para a construção de uma teoria de regras e princípios. Já no direito bra-sileiro, Humberto Ávila deu importante contribuição para o assunto ao tratar da normatividade dos princípios.

O que se extrai, em resumo, é que princípios constitucionais, expressos ou implícitos, possuem forte carga normativa, ainda mais aqueles tidos como a razão de ser do próprio Estado, quais sejam: segurança, justiça e bem-estar social.

Defronte tal quadro, para retomar o objeto deste ensaio, deve se levar em conta que a coisa julgada, quando confrontada com a sua possível sindicabilidade, de per si, traz um conflito interno entre os dois primeiros princípios aludidos. Assim, far-se-á necessária a ponderação dos interesses à luz do fato concreto examinado.

Por óbvio, levando-se em conta, principalmente, o princípio da segurança jurídica, não seria qualquer inconstitucionalidade suficiente para amparar a relativização da coisa julgada, até mesmo porque, assim se admitindo, estar-se-ia propiciando insegurança social, o que foge e se contrapõe aos objetivos da própria justiça.

Tal pensamento encontra suas razões não só no normativo legal que prevê sua desconstituição, mas também na forma como o legislador constituinte protegeu a coisa julgada, ínsita no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, cujas particularidades serão comentadas logo mais.

No que tange ao tantas vezes já mencionado art. 485 do CPC, regulador da ação rescisória, é fácil perceber que as previsões fechadas lá descritas se limitam a desconstituir a coisa julgada por razões de ilegalidade, nunca de inconstitucionalidade.

Já no que diz respeito ao tratamento constitucional da coisa julgada, de acordo com o entender capitaneado pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça José Delgado, o legislador constituinte limitou-se a protegê-la da lei futura, não da atividade jurisdicional futura.

A tal circunstância alia-se o fato de ser a imutabilidade da coisa julgada uma noção processual, não constitucional, o que importaria dizer que a coisa julgada não é uma garantia constitucional, mas sim legal.

Aludida consideração é de suma importância, já que, assim se pensando, torna-se lógica a conclusão de que não se viola frontalmente a Constituição quando se admite a relativização da coisa julgada inconstitucional.

Tal raciocínio, aliás, parece correto, eis que o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, es-tabelece que a lei não prejudicará a coisa julgada, nada dispondo em relação ao processo futuro.

De todo modo, ainda que se pense ser a coisa julgada uma garantia constitucional, a ponderação de princípios constitucionais, com a opção de sobrepor-se a justiça à segurança jurídica, poderá,

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sim, permitir a desconstituição da coisa julgada que afronte a Constituição Federal.” (Relativi-zação da coisa julgada. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 15 dez. 2016)

3729 – Sindicato – eleições sindicais – liberdade sindical – limites – observação“Eleições sindicais. Liberdade sindical. Limites. Observância dos requisitos legais e estatutários. O Poder Judiciário deve reprimir vícios e erros das administrações ou dos administradores dos sindicatos, sem que haja afronta à liberdade sindical. Havendo prova de que os candidatos da chapa vencedora não seguiram os pressupostos previstos na CLT e no Estatuto do sindicato, deve ser mantida a nulidade do processo eleitoral e a inelegibilidade dos candidatos.” (TRT 4ª R. – RO 0000573-57.2014.5.04.0601 – 7ª T. – Rel. Des. Emílio Papaléo Zin – DJe 02.12.2016)

3730 – Tempo de serviço – período trabalhado para o governo brasileiro em missão no exte­rior – pedido de fornecimento da certidão de tempo de serviço – aposentadoria – con­cessão

“Constitucional. Previdenciário e processual civil. Mandado de segurança. Tempo de serviço. Perío-do trabalhado para o governo brasileiro em missão no exterior, na Organização das Nações Unidas. Pedido de fornecimento da certidão de tempo de serviço para fins de aposentadoria perante o INSS. Direito líquido e certo. Reconhecimento expresso da autoridade impetrada. Concessão da seguran-ça. 1. O tempo de serviço prestado pelo impetrante ao governo brasileiro, sob o regime celetista, foi reconhecido nas informações prestadas pela autoridade apontada como coatora, em cujo âmbito foram esclarecidos os motivos da demora e as providências tomadas para satisfação do pedido. 2. O impetrante possui direito líquido e certo, assegurado constitucionalmente (art. 5º, inc. XXXIV, alínea b), inclusive, em obter a mencionada certidão de tempo de serviço, porque tal período laborado, e sobre o qual não se controverte, integra o seu patrimônio jurídico, necessitando da declaração para efeito de aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social. 3. Segurança concedida.” (STJ – MS 21.986 – (2015/0191245-2) – 1ª S. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 29.11.2016 – p. 582)

Tributário

3731 – Auto de infração – AFRFB – processo administrativo fiscal – jurisdição“Processo administrativo fiscal. Ano-calendário: 2009. Auto de infração. AFRFB. Jurisdição é váli-do o lançamento formalizado por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil de jurisdição diversa da do domicílio tributário do sujeito passivo. Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário. Ano--calendário: 2009. Decadência. Tributos sujeitos a lançamento por homologação. Caracterização de dolo, fraude ou simulação. Caracterizada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, a conta-gem do prazo decadencial rege-se pelo art. 173, inciso I, do CTN. Termo de sujeição passiva so-lidária. Art. 135, do CTN. O art. 135 encontra aplicação quando o ato de infração à lei societária, contrato social ou estatuto cometido pelo administrador for realizado à revelia da sociedade. No caso em tela, tal circunstância restou caracterizada pelo desvio de recursos da pessoa jurídica para operações fora do objeto social da empresa e beneficiando terceiros estranhos a ela, em vio-lação inclusive ao contrato social Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. Ano--calendário: 2009. Custos e despesas operacionais. Dedução. Os custos e despesas operacionais são dedutíveis na apuração do resultado da pessoa jurídica apenas se devidamente comprovada com documentação hábil e idônea a realização das operações que lhes deram origem. Multa de ofício, natureza confiscatória. A arguição da natureza confiscatória dos percentuais de multa envolve matéria de caráter constitucional. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária (Súmula CARF nº 2). Custos ou despesas inexistentes. Multa qualificada. Cabimento. Correta a imputação da multa qualificada quando o sujeito passivo deduz, na base de cálculo dos tributos, custos ou despesas referentes a operações inexistentes. Multa isola-da. Cabimento. A partir das alterações no art. 44, da Lei nº 9.430/1996, trazidas pela MP 351/2007, convertida na Lei nº 11.488/2007, em função de expressa previsão legal deve ser aplicada a multa

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isolada sobre os pagamentos que deixaram de ser realizados concernentes ao imposto de renda a título de estimativa, seja qual for o resultado apurado no ajuste final do período de apuração e independentemente da imputação da multa de ofício exigida em conjunto com o tributo. Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Ano-calendário: 2009. CSLL. Autuação refle-xa. Por se tratar de lançamento reflexo, aplica-se a ele o resultado do julgamento da autuação tida como principal.” (CARF – RVol 13888.723796/2014-90 – (1402-002.460) – Rel. Leonardo de Andrade Couto – DOU 04.05.2017)

Transcrição Editorial SÍnTESECódigo Tributário Nacional:

“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lança-mento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”

3732 – Certidão positiva com efeitos de negativa de débito – parcelamento – causa extintiva da exigibilidade – remessa oficial desprovida

“Mandado de segurança. Tributário. Certidão positiva com efeitos de negativa de débito. Parce-lamento. Causa extintiva da exigibilidade. Remessa oficial desprovida. 1. A certidão é ato admi-nistrativo declaratório e sua obtenção é direito constitucionalmente assegurado que, inclusive, prescinde do pagamento de taxa, nos termos do art. 5º, XXXIV, b. 2. O direito à expedição de certidão de situação fiscal vem regulado pelo Código Tributário Nacional, em seus arts. 205 e 206. 3. Há direito à expedição de certidão negativa de débito quando inexistir crédito tributário constituído relativamente ao cadastro fiscal do contribuinte, ou de certidão positiva de débito com efeitos de negativa quando sua exigibilidade estiver suspensa, ou que tenha sido efetivada penhora suficiente em execução fiscal, nos termos do art. 206 do mesmo diploma legal. 4. Se não existe a exigibilidade do crédito tributário, não há causa impeditiva à emissão da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, nos termos do art. 206 do Código Tributário Nacional. 5. Se não existe a exigi-bilidade do crédito tributário, não há causa impeditiva à emissão da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, nos termos do art. 206 do Código Tributário Nacional. 6. Verifica-se que o débito nº 352352124 encontra-se suspenso, eis que está sendo pago de forma parcelada, conforme ve-rifica-se no documento de fl. 61, assim como na informação de fl. 169, consoante o disposto no art. 151, VI, do CTN , por conseguinte, não existe óbice à expedição da certidão pleiteada. 7. Remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – RNC 0005372-62.2010.4.03.6109/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Valdeci dos Santos – DJe 09.02.2017)

Transcrição Editorial SÍnTESECódigo Tributário Nacional:“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:[...]VI – o parcelamento.[...]Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a exis-tência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

Comentário Editorial SÍnTESETemos em pauta um acórdão que cuidou de um Mandado de Segurança que pleiteou a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa de débitos.

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DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................173

Foi deferido o pedido de liminar.

A r. sentença julgou procedente o pedido e concedeu a segurança.

Sem recurso voluntário, subiram os autos a esta Corte Regional.

O Ministério Público Federal, em seu parecer opinou pelo prosseguimento do feito.

Ao julgar, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região iniciou suas considerações ressaltan-do que a certidão é ato administrativo declaratório e sua obtenção é direito constitucionalmente assegurado que, inclusive, prescinde do pagamento de taxa, nos termos do art. 5º, XXXIV, b.

Seguiu destacando que o direito à expedição de certidão de situação fiscal vem regulado pelo Código Tributário Nacional que, em seus arts. 205 e 206, senão vejamos:

“Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negó-cio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.

Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido reque-rida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.

Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a exis-tência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

Já no que tange à extinção do crédito tributário, o art. 156 do Código Tributário Nacional assim dispõe:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I – o pagamento;

II – a compensação;

III – a transação;

IV – remissão;

V – a prescrição e a decadência;

VI – a conversão de depósito em renda;

VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º;

VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do art. 164;

IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

X – a decisão judicial passada em julgado;

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (In-cluído pela LCP 104, de 2001)”

Por sua vez, no tocante à suspensão do crédito tributário, o art. 151 do Código Tributário Na-cional prevê:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I – moratória;

II – o depósito do seu montante integral;

III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário ad-ministrativo;

IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança;

V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela LCP 104, de 2001)

VI – o parcelamento. (Incluído pela LCP 104, de 2001)”

Desta forma, entendeu a Colenda Corte, haver direito à expedição de certidão negativa de débito quando inexistir crédito tributário constituído relativamente ao cadastro fiscal do contribuinte, ou de certidão positiva de débito com efeitos de negativa quando sua exigibilidade estiver suspensa, ou que tenha sido efetivada penhora suficiente em execução fiscal, nos termos do art. 206 do mesmo diploma legal.

Assim, se não existe a exigibilidade do crédito tributário, não há causa impeditiva à emissão da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, nos termos do art. 206 do Código Tributário Nacional.

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174 .............................................................................................................DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

No caso em tela, verifica-se que o débito nº 352352124 encontra-se suspenso, eis que está sendo pago de forma parcelada, conforme verifica-se no documento de fl. 61, assim como na informação de fl. 169, consoante o disposto no art. 151, VI, do CTN, por conseguinte, não existe óbice à expedição da certidão pleiteada.

Nesse sentido inclusive, citou o nobre relator, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal, senão vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA – OMISSÃO – INEXISTÊNCIA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA DE DÉBITO – POSSIBILI-DADE – REEXAME DE PROVA – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. A solução integral da controvérsia, com argumento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão inapreciada pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 3. Inexiste contra-dição em afastar a alegada violação do art. 535 do CPC e, ao mesmo tempo, não conhecer do mérito da demanda por ausência de prequestionamento, desde que o acórdão recorrido esteja adequadamente fundamentado. 4. O STJ firmou a orientação de que a Certidão Positiva com efeitos de Negativa pode ser expedida quando no processo de execução tiver sido efetivada a penhora ou estiver suspensa a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 206 do CTN. (grifo nosso) 5. O Tribunal a quo, ao decidir que a agravada tem direito à Certidão Positiva de Débitos com efeitos de Negativa, baseou-se no conteúdo probatório dos autos. Desse modo, a tentativa de modificar tal entendimento esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ. 6. Agravo Regi-mental não provido. (STJ, 2ª T., AGA 1315602, Rel. Min. Herman Benjamin , DJ 07.07.2008 DJF Data: 03.02.2011)

“TRIBUTÁRIO – EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS – CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA, ARTS. 205 E 206 DO CTN – PEDIDO DE REVISÃO – ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO – LEIS NºS 9.784/1999 E 11.051/2004 – CAUSA SUSPENSIVA DA EXIGI-BILIDADE – ART. 151, III, CTN – 1. Afastada a preliminar de ilegitimidade passiva, porquanto o ato coator impugnado foi praticado pela procuradora da fazenda nacional (fls. 17/23), que recusou a expedição de CND, uma vez que os débitos já se encontravam inscritos em dívida ativa quando do seu requerimento. 2. Desnecessária a dilação probatória no caso em questão. O direi-to líquido e certo à obtenção de certidão negativa de débitos ou de positiva com efeitos de negati-va se faz de plano através de prova documental pré-constituída, seja da extinção do crédito tribu-tário, seja da suspensão de sua exigibilidade. 3. A necessidade de a certidão negativa de débitos (art. 205 do CTN) retratar com fidelidade a situação do contribuinte perante o Fisco impossibi-lita a sua expedição na existência de débitos, ainda que estejam com a exigibilidade suspensa. Nesta última situação, o contribuinte tem direito à denominada ‘certidão positiva com “efeitos de negativa” expedida nos termos e para os fins do art. 206 do CTN’. 4. Conforme documentação acostada aos autos, denota-se que houve o parcelamento dos débitos inscritos em dívida ativa sob os nºs 80.2.05.007067-09, 80.6.05.010708-90 e 80.6.05.010709-71, cujos pedidos de revisão de débitos com fundamento em erro de fato no preenchimento das DCTFs aguardam análise desde 20.04.2005. 5. Conforme preceitua o art. 65, da Lei nº 9.784/1999, o pedido de revisão é causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, subsumindo-se à hipótese do inciso III, art. 151, do CTN. 6. Atribui-se efeito de negativa à certidão expedida quanto a tributos e contribuições administrados pela SRF e à dívida ativa da União, relativamente àqueles em que tenha sido formulado pedido de revisão fundado em pagamento e pendente de apreciação há mais de 30 dias (Lei nº 11.051/2004). 7. Sendo assim, inexistindo outros impedimentos à ex-pedição da certidão requerida, deveria a mesma ter sido fornecida à impetrante. 8. Precedentes jurisprudenciais do C. STJ. 9. Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF 3ª R., 6ª T., AMS 274927, Relª Desª Consuelo Yoshida DJF CJ1 Data: 19.05.2011, p. 1383)

Desta forma, tendo em vista que inexiste crédito tributário constituído, deve ser expedida a certidão negativa de débitos previdenciários em nome da parte impetrante.

Assim, com base em todo o exposto, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento à remessa oficial, mantendo, na íntegra a douta decisão recorrida.

3733 – Cofins – direito ao crédito – período de apuração 2008“Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins. Período de apuração: 01.01.2008 a 30.11.2008. Direito ao crédito do PIS e da Cofins. Havendo a comprovação docu-

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mental do direito creditório do contribuinte, este deve ser reconhecido. Momento do creditamen-to. O cálculo do crédito de PIS e de Cofins deverá levar em conta as aquisições de bens, serviços e insumos ocorridas no mês, sendo que o termo ‘aquisição’ exige o recebimento e contabilização do bem pelo destinatário. Crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subsequentes. Prestação de serviços. Não cumulatividade. Insumos. Regime da não cumulativida-de. Utilização de bens e serviços como insumos. Creditamento. Amplitude do direito. Direito cre-ditório reconhecido em parte. No regime de incidência não cumulativa do PIS/Pasep e da Cofins, as Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 possibilitam o creditamento tributário pela utilização de bens e serviços como insumos na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à ven-da, ou ainda na prestação de serviços, com algumas ressalvas legais. O escopo não se restringe à concepção de insumo tradicionalmente proclamada pela legislação do IPI, sendo mais abrangente, posto que não há, nas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, qualquer menção expressa à adoção do conceito de insumo destinado ao IPI, nem previsão limitativa à tomada de créditos relativos somente às matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem. Assim, devem ser considerados como insumos os bens utilizados diretamente ou indiretamente no processo produ-tivo da empresa, ainda que não sofram alterações em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, mas que guardem estreita relação com a atividade produtiva. Contudo, deve ser afastada a interpretação de dar ao conceito de insumo uma identidade com o de despesa dedutível prevista na legislação do imposto de renda. Assim, são insumos os bens e serviços utili-zados diretamente ou indiretamente na prestação de serviços da empresa. Despesas com combus-tíveis. Direito ao crédito. A prestação de serviço que exige a utilização de automóveis autoriza o aproveitamento do crédito com despesas de combustível para a execução dos respectivos serviços, por se tratar de insumo na prestação do seu serviço, na forma autorizada pelo art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.833/2003. Recurso Voluntário Provido.” (CARF – RVol 10467.902982/2009-99 – (3301-003.223) – Rel. Luiz Augusto do Couto Chagas – DOU 02.05.2017)

3734 – CSLL – imposto pago no exterior – compensação – não homologada – oferecimento a tributação – não comprovação

“Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL. Ano-calendário: 2004. Imposto pago no exterior. Compensação. Não homologada. Único fundamento. Oferecimento à tributação. Não comprovação. Sendo a glosa fundamentada no único fundamento da ausência de comprovação de que a receita correspondente não foi oferecida à tributação, inexistindo tais provas nos autos possibilitando checar que a citada receita, efetivamente, foi computada no lucro real do período, impõe-se o não provimento do recurso. Imposto pago no exterior. Compensação. Não homolo-gada. Documentos estrangeiros desacompanhados de tradução juramentada. Os documentos em idioma estrangeiro anexados ao processo pelo contribuinte não podem ser avaliados, pois devem ser traduzidos para o português por tradutor juramentado. Declaração de compensação. Estima-tivas mensais compensadas Na Declaração de Compensação somente podem ser utilizados os créditos comprovadamente existentes, respeitadas as demais regras determinadas pela legislação vigente para a sua utilização.” (CARF – RVol 13603.901573/2010-95 – (1301-002.260) – Rel. Jose Eduardo Dornelas Souza – DOU 03.05.2017)

3735 – IRPF – erro de fato caracterizado“Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF. Exercício: 2011. DIRPF. Houve demonstração pelo declarante da plausibilidade do engano que gerou o equívoco na declaração de ajuste a fim de caracterizar o erro de fato. Em obediência ao princípio da verdade material, somente o erro de fato cabalmente demonstrado enseja à revisão da declaração pela autoridade julgadora.” (CARF – RVol 10840.720921/2015-49 – (2201-003.505) – Relª Ana Cecilia Lustosa da Cruz – DOU 04.05.2017)

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 76, 2017, 176-197, jul-ago 2017

Foro, Prerrogativa e Privilégio: Quais e Quantas Autoridades Têm Foro no Brasil?

Jurisdiction, Prerogative and Privilege: Which and How Many Authorities Have Prerogative of Jurisdiction in Brazil?

JOãO TRInDADE CAvALCAnTE FILhOConsultor Legislativo do Senado Federal, Mestre e Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, Professor de Direito Constitucional dos Cursos de Gra‑duação e Especialização em Direito do IDP e do Instituto Legislativo Brasileiro.

FREDERICO RETES LImAConsultor Legislativo do Senado Federal.

Data da Submissão: 28.04.2017Data da Decisão Editorial: 26.05.2017Data de Comunicação ao Autor: 26.05.2017

RESUMO: O foro por prerrogativa de função é adotado no Brasil e em outros países, a pretexto de se proteger o exercício da função pública pelos que a ocupam. Faltam, contudo, estudos sobre como esse foro se desenvolveu no Brasil; sobre quantas e quais autoridades possuem foro especial em cada uma das esferas federativas, bem como sobre a quantidade total de pessoas que gozam dessa prerrogativa. O objetivo deste estudo é, com base em pesquisas à Constituição Federal e às Consti‑tuições Estaduais, definir quais autoridades possuem foro especial no Brasil, qual a fonte normativa para a prerrogativa em relação a cada uma delas, bem como quantas pessoas efetivamente se sujeitam a esse regime especial de competência.

PALAVRAS‑CHAVE: Foro por prerrogativa de função, Constituição Federal, Constituições Estaduais.

ABSTRACT: Prerogative of jurisdictionis adopted in Brazil and in other countries, under the pretext of protecting the exercise of the public function by those who occupy it. There are, however, no studies on how this prerogative developed in Brazil; on how many and which authorities have prerogative of jurisdiction in each of the federative units, as well as on the total number of persons who have this prerogative. The purpose of this study is, based on research of the Federal Constitution and the State Constitutions, to define which authorities have a prerogative of jurisdiction in Brazil, what is the normative source for the prerogative in relation to each of them, as well as how many people actually submit to this special regime of jurisdiction.

KEYWORDS: prerogative of jurisdiction, Federal Constitution, State Constitutions.

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RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 76, 2017, 176-197, jul-ago 2017

SUMÁRIO: 1 Introdução e metodologia; 2 O Brasil no mundo: contextualização do foro à luz do direito comparado; 3 Foro na Constituição Federal (CF); 3.1 Antecedentes históricos; 3.2 Enumeração das autoridades com foro especial na CF de 1988; 4 Foro nas Constituições estaduais e na Lei Orgânica do Distrito Federal; 5 Conclusões; Referências.

1 INTRODuÇÃO E METODOLOGIANão são novas as discussões sobre a manutenção ou a revogação – to-

tal ou parcial – do foro por prerrogativa de função no Direito brasileiro. Essas discussões não se têm refletido, contudo, em estudos acadêmicos aprofunda-dos, especialmente do ponto de vista quantitativo, sobre quais e quantas são as autoridades que possuem prerrogativa de foro no Brasil, em todas as esferas federativas.

É reconhecido que a tomada de decisão sobre um determinado tema, no âmbito legislativo e mesmo no judicial, exige o perfeito delineamento do pro-blema e da situação fática que se busca normatizar ou decidir1. Nesse sentido, é de causar estranheza que se discuta tanto a existência ou não da prerrogativa de foro sem que haja um diagnóstico preciso sobre a situação atual concreta desse instituto no Brasil.

Por conta disso, resolvemos realizar tal pesquisa, que analisou todas as constituições estaduais e a Lei Orgânica do Distrito Federal, além da Consti-tuição Federal (CF), para mapear todos os casos válidos de atribuição de foro especial no Direito brasileiro. Em um segundo momento, foram pesquisadas as bases de dados federais, estaduais, distritais e municipais, a fim de precisar, na medida do possível, o quantitativo de pessoas que ocupem cargos agraciados com foro especial.

Em virtude da complexidade e extensão da matéria, resolvemos realizar um trabalho mais descritivo, sobre como o foro opera no direito em vigor. Em virtude dessa divisão, este texto centra-se principalmente no aspecto fático – quantas e quais autoridades possuem foro –, sem adentrar o mérito qualitativo dessa prerrogativa.

Também é preciso registrar que os dados relativos à esfera estadual variam muito e de forma muito rápida. O número de membros do Ministé-rio Público estadual, por exemplo, pode variar de um dia para o outro, com provimentos e vacâncias ocorrendo a toda hora. Por conta disso, optamos por recolher os dados sobre o quantitativo de autoridades com foro no sítio eletrô-nico da própria instituição, quando possível, ou em sítio de outra instituição pública confiável (por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça). O grau de

1 Cf. MORAIS, Carlos Blanco de (Org.). Guia de Avaliação de Impacto Normativo. Coimbra: Almedina, 2010. p. 19.

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atualização dos dados estaduais é variável, de modo que algumas Unidades da Federação possuem dados consolidados de março de 2017, ao passo que outras disponibilizam registros que remontam a 2015. De toda sorte, quando a mera consulta aos sítios eletrônicos não foi suficiente para a obtenção das informa-ções, recorreu-se aos requerimentos baseados na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, 18 de novembro de 2011), inclusive por e-mail. Quando até esse procedimento não logrou sucesso, recorremos ao contato telefônico com a própria instituição.

Em virtude de todos esses fatores, pode-se dizer que o grau de segurança do presente levantamento remonta à casa das centenas, caso se trabalhe com uma margem de erro de dez por cento. De todo modo, o levantamento é válido por dar uma estimativa e informar a ordem de grandeza dos agentes contempla-dos com foro por prerrogativa de função.

Pontuamos, ainda, que, nos casos em que a previsão de foro pela cons-tituição estadual foi declarada inconstitucional pelo STF (como, por exemplo, no caso da Constituição goiana, que atribuía foro especial aos delegados de polícia), o quantitativo dessas autoridades não foi contabilizado.

Ressaltamos, ademais, que este estudo é de responsabilidade única e ex-clusiva dos consultores que o subscrevem, não representando, necessariamen-te, opinião institucional da Consultoria Legislativa do Senado Federal.

2 O BRASIL NO MuNDO: CONTEXTuALIzAÇÃO DO fORO À Luz DO DIREITO COMPARADOAntes da exposição das autoridades e dos seus quantitativos, é preciso es-

clarecer, inicialmente, que o foro por prerrogativa de função consiste no direito concedido aos ocupantes de alguns cargos de serem julgados originariamente, e em especial nas ações de natureza penal, por determinados órgão judiciais, designadamente os tribunais especificados na Constituição ou nas leis de re-gência, e não por aquele juiz de primeira instância que, em tese, seria o juiz natural da causa.

Ao contrário do que ordinariamente se pensa, o foro por prerrogativa de função não é exatamente algo raro nas Constituições ao redor do mundo. Newton Tavares Filho, em estudo específico sobre o tema, aponta que diversas outras nações ocidentais conferem foro especial a autoridades. “O problema do ordenamento brasileiro”, aponta, “é a quantidade de cargos com essa imunida-de formal”.

Pedimos vênia para transcrever parte relevante do estudo citado:

Foi na Constituição de 1988, entretanto, que o sistema de atribuição de foros privilegiados atingiu seu paroxismo, englobando uma enorme gama de auto-ridades. Hoje, por determinação da Constituição Federal ou de leis que dela decorrem, possuem foro especial por prerrogativa de função o Presidente e o

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Vice-Presidente da República; os membros do Congresso Nacional; os Ministros do Supremo Tribunal Federal; o Procurador-Geral da República; os Ministros de Estado; os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de mis-são diplomática de caráter permanente; as autoridades ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, em caso de habeas corpus; os Governadores dos Estados e do Distrito Federal; os desem-bargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; os mem-bros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho; os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; as autoridades federais da administração direta ou indireta, em caso de mandado de injunção; os juízes federais, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho; os membros do Ministério Público da União; os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público estadual; os Prefeitos; os oficiais generais das três Armas (Lei nº 8.719, de 1993, art. 6º, I); e os juízes eleitorais, nos crimes eleitorais (Código Eleitoral, art. 29, I, d).2

Após elencar as experiências de vários países, o autor conclui:

Vê-se, portanto, que a lógica que preside a atribuição de um foro especial por prerrogativa de função é semelhante em todos os países: o reconhecimento da especial relevância de uma função exercida por uma autoridade pública, e a designação de um órgão mais elevado na hierarquia institucional do Estado para processá-lo e julgá-lo. Na prática, entretanto, essa lógica levou às mais diferentes configurações concretas, não existindo uma sistemática homogênea – cada país escolheu um sistema que lhe é peculiar. Nenhum país estudado, entretanto, pre-viu tantas hipóteses de foro privilegiado como a Constituição brasileira de 1988.3

Outro ponto a merecer destaque é que muitos países asseguram o foro es-pecial quando se trata de crimes funcionais, ou cometidos em razão da função. Muitas vezes os crimes comuns em sentido estrito (isto é, os não relacionados ao exercício do cargo ou mandato) não são alcançados pelo foro específico. É o caso, por exemplo, da Alemanha (art. 61 da Lei Fundamental), que prevê um processo semelhante ao impeachment para o Presidente Federal4; dos Estados

2 TAVARES FILHO, Newton. Foro por Prerrogativa de Função no Direito Comparado. Brasília: Câmara dos Deputados/Consultoria Legislativa, 2015. p. 7.

3 Idem, p. 11.4 “(1) O Parlamento Federal [representantes do povo] ou o Conselho Federal [equivalentes a Senadores]

podem acusar o Presidente Federal perante o Tribunal Constitucional Federal por violação intencional da Lei Fundamental ou de uma outra lei federal. O requerimento de acusação deverá ser proposto, no mínimo, pela quarta parte dos membros do Parlamento Federal ou por um quarto dos votos do Conselho Federal. A aprovação do requerimento de acusação necessita da maioria de dois terços dos membros do Parlamento Federal ou de dois terços dos votos do Conselho Federal. A acusação será formalizada por um delegado do órgão que apresentou a acusação.

(2) Se o Tribunal Constitucional Federal constatar que o Presidente Federal violou intencionalmente a Lei Fundamental ou outra lei federal, ele poderá declarar a sua destituição do cargo. Por meio de uma disposição

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Unidos da América, em relação ao Presidente da República (art. I, seção 2, parágrafos 5 a 7)5; da Rússia, embora a lei ordinária possa atribuir outras imu-nidades ao Presidente (arts. 91 e 93); da Índia (seção 56, parágrafo 1, alínea b, e art. 61).

Outros países, contudo, estabelecem foro especial até mesmo para au-toridades estaduais, como no Brasil. Na Bélgica, os governadores de regiões possuem foro por prerrogativa de função perante a Corte de Apelação, tanto em relação a crimes cometidos no exercício da função quanto fora dela (art. 125, primeiro parágrafo), com recurso para a Suprema Corte Federal, que não pode, contudo, reapreciar o mérito do julgamento (art. 125, terceiro parágrafo). A acu-sação só pode ser formulada pelo promotor público com atuação na Corte de Apelação. Também na Argentina, diversas Constituições Provinciais atribuem regime especial de responsabilização aos governadores de Províncias6. Igual-mente, o México prevê foro especial para diversas autoridades7. Na Áustria, a responsabilização criminal de autoridades é regulada pelo art. 143 da Consti-tuição Federal. Nesse caso, o julgamento é feito pelo Tribunal Constitucional Federal, independentemente de qualquer autorização por meio de órgão polí-tico. O foro por prerrogativa de função estende-se mesmo aos atos pelos quais a autoridade já era processada antes de tomar posse – ponto no qual a regra se aproxima da normatização dada à matéria pelo Brasil.

Percebe-se, assim, que vários países preveem em suas constituições foro por prerrogativa de função, inclusive em crimes comuns, e inclusive para diver-sas autoridades. Mas podemos, em linhas gerais, concordar com a conclusão de Newton Tavares Filho, que aponta um excesso de previsões constitucionais nesse sentido no ordenamento brasileiro.

provisória, poderá determinar o impedimento do Presidente Federal para o exercício do seu cargo, depois de formalizada a acusação.”

5 Cf. BEARD, Charles Austin. American Government and Politics. The Macmillan Company: 1929. p. 292.6 Na província de Buenos Aires – cuja capital é La Plata, e que não se confunde com “Buenos Aires Ciudad”,

que tem status especial –, a abertura de processo criminal contra o governador depende de solicitação do tribunal competente à Câmara dos Deputados, para que levante a imunidade (art. 74). No mesmo sentido, podemos citar: art. 137 da Constituição Provincial (CP) de Córdoba; art. 78 da CP de La Pampa; art. 114 da CP de Misiones; art. 205 da CP de Neuquén; e o art. 133 da CP de Jujuy.

7 A Constituição Federal mexicana regula tanto as imunidades e prerrogativas do Presidente quanto dos governadores.

São estabelecidos dois regimes de responsabilização: o do art. 110 (juicio político) e o do art. 111 (responsabilização criminal). O texto não é exatamente um primor de clareza e de técnica legislativa, mas é possível, da interpretação conjunta dos dois dispositivos, concluir que o Presidente da República só pode ser objeto de persecução por meio do juiciopolitico. Nesse caso, a Câmara dos Deputados autoriza o processamento e a Câmara de Senadores (Senado) julga o mérito da acusação.

Em relação às demais autoridades – governadores de estado inclusive –, o processamento pelo juiciopolitico deve ser feito em caso de violaciones graves a esta Constitución y a las leyes federales que de ella emanen, así como por el manejo indebido de fondos y recursos federales (art. 110, segundo parágrafo). Nesse último caso, no entanto, a decisão da Câmara dos Deputados é meramente declaratória, devendo ser encaminhada aos Parlamentos estaduais para que, enejercicio de sus atribuciones, procedan como corresponda.

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3 fORO NA CONSTITuIÇÃO fEDERAL (Cf)

3.1 Antecedentes hIstórIcos

Todas as Constituições brasileiras previram algum tipo de foro por prerro-gativa de função para algumas das autoridades estatais. A CF de 1988, contudo, é reconhecidamente aquela que foi mais numerosa na distribuição de foros especiais para agentes públicos.

Com efeito, já na Constituição Imperial de 1824, ao mesmo tempo em que se previa a irresponsabilidade absoluta do Imperador (art. 99), também se estabelecia foro especial para algumas autoridades, já que competia ao Supre-mo Tribunal de Justiça (antecessor do atual STF) “conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empre-gados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias” (art. 134, II, na redação da época).

A prerrogativa de foro continuou a ser prevista nas constituições seguin-tes, inclusive com sensível e paulatina ampliação: à medida que a especializa-ção funcional criava novas carreiras, novos foros especiais eram atribuídos (é o caso, por exemplo, da carreira de juiz federal).

Já na CF de 1891, o Presidente da República – autoridade então recém--criada no Direito brasileiro – tinha foro no STF ou no Senado Federal, a depen-der do tipo de ilícito (crimes comuns ou de responsabilidade – art. 53, caput). Também gozavam de prerrogativa de foro os Ministros de Estado e chefes de missão diplomática (art. 59, I, b e c). Não havia, entretanto, foro especial para os parlamentares, mas era necessária a licença prévia da Casa para a abertura de processo criminal (art. 20).

Na Constituição de 1934, foi mantido o foro do Presidente da República perante a Corte Suprema (art. 58). O juízo de admissibilidade da acusação con-tra o Chefe de Estado, no entanto, era feito por uma comissão diferente – de for-ma assemelhada à emenda apresentada pelo Senador Fernando Bezerra Coelho à PEC 10, de 2013. Também havia foro para Ministros de Estado (art. 62), para “o Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais federais e bem assim os das Cortes de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros diplomáticos” (art. 76, 1, b). Não era dado foro especial aos juízes, salvo em se tratando de magistrados federais – e, ainda assim, apenas nos crimes de responsabilidade (art. 76, I, c). Sistemática idêntica foi adotada pela Carta do Estado Novo, de 1937 (arts. 89, § 2º, e 101, I, b), com a ressalva de que foi estendido foro espe-cial aos juízes em geral, para que fossem julgados pelos Tribunais de Apelação, tanto nos crimes comuns quanto nos de responsabilidade (art. 103, e). Nesse ponto, as Constituições de 1946 e de 1967 não trouxeram mudanças de relevo.

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Questão interessante foi trazida, em relação ao foro, pela Emenda Consti-tucional (EC) nº 1, de 17 de outubro de 1969. Em relação aos parlamentares, as constituições passadas não haviam previsto foro especial, que nasceu com a EC 1, de 1969, à CF de 1967 (art. 32, § 2º). Não houve, contudo, discussão parla-mentar ou fundamentação expressa para que fosse adotada a medida, já que a citada alteração constitucional foi editada pelos chefes das Forças Armadas, com o Congresso Nacional fechado, em virtude do Ato Institucional nº 5, de 1968.

Na Constituição de 1988, o número de autoridades com foro especial chegou ao ápice. Estendeu-se essa prerrogativa a todos os membros do Minis-tério Público (CF, arts. 96, III, e 108, I, a), aos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados8 e dos Tribunais de Contas dos Municípios (art. 105, I, a), aos deputados estaduais (art. 27, § 1º), aos prefeitos (art. 29, X), além dos foros especiais estabelecidos nas constituições estaduais.

3.2 enumerAção dAs AutorIdAdes com foro especIAl nA cf de 1988Analisaremos, a partir de agora, quais as autoridades às quais a CF de

1988 atribuiu foro especial, indicando, ainda, a previsão normativa e o Tribunal ao qual compete julgar cada um desses agentes públicos. Por motivos didáticos, agruparemos as autoridades por Poder a que pertencem.

3.2.1 Autoridades do Poder Executivo

O presidente da República tem foro especial tanto para o caso de ser processado por infrações penais comuns (crimes e contravenções) – caso em que será do Supremo Tribunal Federal (STF) a competência originária (CF, art. 102, I, b) – quanto para os chamados “crimes” de responsabilidade, em que a competência judicante cabe, como se sabe, ao Senado Federal (CF, art. 52, I). Em ambos os casos, contudo, a abertura do processo criminal depende de autorização prévia da Câmara dos Deputados, por 2/3 dos seus membros (CF, arts. 51, I, e 86, § 1º).

A CF também concede prerrogativa de foro aos Ministros de Estado, que serão processados e julgados: a) pelo Senado Federal, nos casos de crimes de responsabilidade conexos com o presidente ou com o vice-presidente da Re-pública (CF, art. 52, I); b) pelo STF, nas demais hipóteses, isto é, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade não conexos com o chefe de Estado ou com seu vice (CF, art. 102, I, c). Vale ressaltar que há leis ordinárias que equiparam a Ministros de Estado autoridades diretamente subordinadas ao Presidente da República. É o caso, por exemplo, do Advogado-Geral da União

8 Apesar de não encontrarmos dispositivo atribuindo expressamente foro especial aos membros de tribunais de contas estaduais na CF de 1967, o entendimento do STF era o de que essas autoridades gozavam da prerrogativa de serem julgadas na Corte: STF, Pleno, Inquérito Policial nº 191/ES, Relator Ministro Amaral Santos.

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e do Presidente do Banco Central do Brasil. O STF já considerou constitucional esse tipo de equiparação, o que termina por permitir que a legislação ordinária amplie hipóteses constitucionais de foro especial.

Quanto aos governadores, a CF não tratou dos crimes de responsabili-dade, deixando a resolução da questão à legislação infraconstitucional federal (Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, arts. 74 a 79; Súmula Vinculante nº 46). De acordo com a Lei de Impeachment, o julgamento dos governadores por cri-mes de responsabilidade compete a um órgão especial, de composição mista, integrado por deputados estaduais e desembargadores do Tribunal de Justiça (art. 78)9. Em relação às infrações penais comuns, estabeleceu-se a competência originária do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se colhe da alínea a do inciso I do art. 105.

Na mesma toada, a CF não cuidou do foro de prefeitos por crimes de responsabilidade, tema que é tratado pelo Decreto-Lei nº 201, de 27 de feverei-ro de 1967. Nesse ato, em verdade, trazem-se duas espécies de crimes de res-ponsabilidade dos gestores máximos municipais: os crimes de responsabilidade “impróprios” (art. 1º), que na verdade são crimes comuns, e que são julgados pelo Judiciário (mais precisamente pelo Tribunal de Justiça estadual); e os cri-mes de responsabilidade “próprios”, infrações político-administrativas em que o julgamento do prefeito cabe à Câmara Municipal (art. 4º). Para as infrações penais comuns, instituiu-se o julgamento dos prefeitos perante o Tribunal de Justiça (CF, art. 29, X). De acordo com a jurisprudência do STF, no entanto, essa competência do Tribunal estadual diz respeito apenas aos crimes de competên-cia da Justiça Comum; logo, em caso de crimes eleitorais ou de competência da Justiça Federal (CF, art. 109), o foro será, respectivamente, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre aquele muni-cípio (Súmula nº 702/STF).

Em relação a secretários (estaduais e municipais), não há foro previsto na CF, de modo que a questão depende da análise, mais à frente realizada, sobre o tratamento do tema nas constituições estaduais.

3.2.2 Autoridades do Poder Legislativo

Os deputados federais e os senadores são processados e julgados pela prática de infrações penais comuns perante o STF (CF, arts. 53, § 4º, e 102, I, b). Não se faz referência aos crimes de responsabilidade porque, em relação aos parlamentares, seu regime de responsabilização político-administrativa se dá pelo procedimento da quebra de decoro, a ser julgado pela própria Casa (CF, art. 55, II e § 2º).

9 Algumas constituições estaduais atribuem à assembleia legislativa a competência para processar e julgar os governadores por crimes de responsabilidade. Essas previsões, contudo, são inconstitucionais, na visão do STF, em virtude do que dispõe a citada Súmula Vinculante nº 46.

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Aos deputados estaduais e Distritais não se atribui expressamente foro especial. Mas, como o previsto é que se apliquem nesse caso “as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas” (CF, art. 27, § 1º), o entendimento mais comum é o de que, por simetria, o jul-gamento desses parlamentares cabe ao Tribunal de Justiça.

Quanto aos vereadores, não houve concessão de foro especial, uma vez que a CF lhes assegura apenas a imunidade material por opiniões, palavras e votos (e, mesmo assim, apenas “na circunscrição do Município”: art. 29, VIII), determinando a aplicação do regime dos congressistas federais e estaduais, por simetria, apenas em relação às vedações e incompatibilidades (não ao foro), conforme o inciso IX do citado art. 29. Nada impede, porém, que as constitui-ções estaduais prevejam o julgamento dos vereadores perante o Tribunal de Justiça, o que muitas legislações de Estados efetivamente fazem, conforme será analisado mais à frente.

3.2.3 Autoridades do Poder Judiciário

Todos os membros do Poder Judiciário brasileiro – exceção feita apenas aos juízes de paz (CF, art. 98, II) – possuem foro especial previsto na própria CF. A lógica geral adotada pelo constituinte originário foi a de prever a competência ratione funcionae de acordo com a instância em que se situa o agente, conferin-do tal competência, em geral, ao tribunal imediatamente superior ao magistrado e que possua competência criminal.

Assim, os juízes de direito são julgados (por crimes comuns ou de respon-sabilidade) pelo Tribunal de Justiça ao qual estejam vinculados (CF, art. 96, III), ainda que se trate de crime federal10 ou cometido em outro Estado – ressalvam--se apenas os crimes eleitorais, cujo processo e julgamento caberão ao TRE respectivo11. Os juízes da União (juízes federais, juízes do trabalho e juízes auditores militares) são processados e julgados pelo Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre a região (CF, art. 108, I, a), tanto nas infrações penais comuns quanto nos crimes de responsabilidade; no caso de crimes eleitorais, a competência será do TRE.

Já os membros de tribunal de segunda instância – Tribunais de Justiça, Regionais Federais, Regionais Eleitorais e Regionais do Trabalho – são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) tanto por infrações penais comuns quanto por crimes de responsabilidade, conforme o art. 105, I, a, da CF.

10 STF, 2ª Turma, Habeas Corpus (HC) nº 77.558, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 07.05.1999.11 STF, 1ª Turma, Recurso Extraordinário (RE) nº 398.042, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de

06.02.2004.

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De forma coerente com essa lógica, cabe ao STF processar e julgar, ori-ginariamente, os ministros de quaisquer tribunais superiores por crimes comuns ou de responsabilidade (CF, art. 102, I, c).

Finalmente, também compete originariamente ao STF processar e julgar seus próprios ministros nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, b). Em rela-ção aos crimes de responsabilidade dos Ministros da Corte Suprema, entretanto, o julgamento cabe ao Senado Federal (CF, art. 52, I).

Uma questão interessante diz respeito aos membros do Conselho Nacio-nal de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que possuem foro especial – no Senado Federal (CF, art. 52, II) –, mas apenas em virtude da prática de crimes de responsabilidade: não possuem prerrogativa de foro caso se trate de crimes comuns12.

3.2.4 Membros do Ministério Público

A CF de 1988 atribuiu foro especial a todos os membros do Ministério Público, tanto da União (MPU) quanto dos Estados (MPE) e dos Ministérios Pú-blicos vinculados aos tribunais de contas.

Os membros do MPU têm foro (em crimes comuns e de responsabili-dade) perante o TRF (CF, art. 108, I, a), exceto aqueles membros que atuem perante tribunais (quaisquer tribunais13), cujo foro é o STJ (CF, art. 105, I, a). O Procurador-Geral da República, por sua vez, possui foro igual ao do Presidente da República: STF (crimes comuns – art. 102, I, b) ou Senado Federal (crimes de responsabilidade – art. 52, I). Já os membros do MPE têm foro perante o TJ, tanto em caso de infrações penais comuns quanto se forem acusados por crime de responsabilidade (CF, art. 96, III). Por fim, os membros de Ministério Público junto aos Tribunais de Contas terão o foro equivalente ao membro do MPU ou do MPE, quer se trate, respectivamente, do TCU ou de TCE/TCM (CF, art. 130).

3.2.5 Membros de Tribunais de Contas

Aos 9 Ministros do TCU é atribuído foro no STF, tanto por crimes comuns quanto por infrações de responsabilidade (CF, art. 102, I, c). Já os 7 conselheiros de cada Tribunal de Contas Estadual e do Tribunal de Contas do DF têm foro no STJ, também não importando tratar-se de delito comum ou de responsabilidade (CF, art. 105, I, a). Nos Municípios que possuam tribunal de contas (São Paulo e Rio de Janeiro) e nos Estados que tenham criado tribunal de contas dos Municí-pios, o foro dos respectivos conselheiros será o STJ (CF, art. 105, I, a).

12 A não ser, obviamente, em relação aos membros que já possuam, originariamente, um cargo que lhes atribua tal prerrogativa, como é o caso dos membros que são oriundos da magistratura.

13 Vale lembrar que, em relação aos membros do MPU, a atuação perante tribunais pode ser temporária, já que, por exemplo, Procuradores do Trabalho (membros do Ministério Público do Trabalho) podem atuar em primeira ou em segunda instância, a depender da designação.

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Vale lembrar que aos auditores substitutos de Ministro do TCU é atribuído foro no STJ (CF, art. 73, § 4º), o que se aplica, por simetria, aos auditores de TCE.

tAbelA nº 1 – levAntAmento quAntItAtIvo dAs AutorIdAdes (federAIs, estAduAIs, dIstrItAIs e munIcIpAIs) com foro prevIsto nA cf14151617

Autoridade Foro – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

Presidente da República STF Senado Federal Art. 102, I, b, da CF 1Vice-Presidente da República

STF Senado Federal Art. 102, I, b, da CF 1

Ministros de Estado14 STFSTF ou Senado

Federal15

Art. 102, I, c, e 52, I, da CF

28

Comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica

STFSTF ou Senado

FederalArt. 102, I, c, e

52, I, da CF3

Governadores de Estado e do DF

STJ Tribunal EspecialArt. 105, I, a, da CF; art. 78

da Lei nº 1.079/195027

Prefeitos TJ (ou TRF)TJ ou Câmara

MunicipalArt. 29, X, da CF; Decreto-

-Lei nº 201/19675570

Senadores STF Não se aplica Art. 102, I, b, da CF 81Deputados Federais STF Não se aplica Art. 102, I, b, da CF 513Deputados Estaduais e Distritais

TJ Não se aplicaArt. 27, § 1º, explicitado

nas constituições estaduais1.059

Ministros do STF STF Senado FederalArt. 102, I, b, e art. 52, II, da CF

11

Ministros do TST STF STF Art. 102, I, c, da CF 27Ministros do STM STF STF Art. 102, I, c, da CF 15Ministros do TSE STF STF Art. 102, I, c, da CF 216

Ministros do STJ STF STF Art. 102, I, c, da CF 33Membros de tribu-nais de 2ª instância

STJ STJ Art. 105, I, a, da CF 2.381

Juízes de direito dos Estados e do DF

TJ TJ Art. 96, III, da CF14.882

Juízes Federais (lato sensu) TRF TRF Art. 108, I, a, da CF

PGR STF Senado FederalArt. 102, I, b, e art.

52, II, da CF1

Membros do MPU que oficiam em tribunais

STJ STJ Art. 105, I, a, da CF2.38917

Membros do MPU que não oficiam em tribunais

TRF TRF Art. 108, I, a, da CF

14 Nos termos do art. 25, parágrafo único, da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, são os titulares dos Ministérios: o Chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, o Advogado-Geral da União, o Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o Presidente do Banco Central do Brasil, o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e o Chefe da Secretária-Geral da Presidência da República.

15 A competência será do Senado Federal apenas nos crimes de responsabilidade conexos com os do Presidente ou do Vice-Presidente da República: CF, art. 52, I. Em relação ao AGU, porém, a competência será sempre do Senado Federal.

16 Do total de 7 membros, 3 são Ministros do STF e 2 são Ministros do STJ.17 Não é possível distinguir quem atua em tribunal ou não, em virtude de tal fato não estar necessariamente

vinculado ao cargo ocupado na carreira. No Ministério Público do Trabalho, por exemplo, que é um dos quatro ramos do MPU (CF, art. 128, I, a a d), os Procuradores do Trabalho podem atuar em primeira ou em segunda instância, a depender da designação. Assim, preferimos apontar todos os membros do MPU, de todos os quatro ramos, de forma unitária.

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Autoridade Foro – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

Membros de MPE TJ TJ Art. 96, III, da CF 10.687Ministros do TCU STF STF Art. 102, I, c, da CF 9

Auditores do TCU (subs-titutos de Ministros)

STF (quando atuar em substituição a Ministro do TCU) ou STJ (quando no exercício das

demais atribuições da judicatura)

STF (quando atuar em substituição a Ministro do TCU) ou STJ (quando no exercício das de-mais atribuições da judicatura)

Art. 73, § 4º, da CF 4

Procuradores de Con-tas (membros do MP junto ao TCU)

STJ STJArt. 105, I, a, c/c art. 130, da CF

7

Conselheiros de TCE/TCDF18 STJ STJ Art. 105, I, a 476Conselheiros de Tribunais de Contas dos Municípios (nos Estados que possuem)19

STJ STJ Art. 105, I, a 62

Conselheiros de Tribunal de Contas Municipal (São Paulo e Rio de Janeiro, onde havia antes da CF/1988)20

STJ STJ Art. 105, I, a 15

Chefes de Missão Diplomá-tica de caráter permanente

STF STF Art. 102, I, c, da CF 139

Conselheiros do CNJ Não há Senado Federal Art. 52, II, da CF 421

Conselheiros do CNMP Não há Senado Federal Art. 52, II, da CF 422

TOTAL 38.431

4 fORO NAS CONSTITuIÇÕES ESTADuAIS E NA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO fEDERAL1819202122

Todas as Constituições Estaduais – referência que, daqui por diante, en-globará também a Lei Orgânica do Distrito Federal – preveem foro especial para autoridades dos Estados ou dos Municípios. Em alguns casos, apenas se estende a autoridades estaduais o foro já previsto na CF (como é o caso da atribuição do foro ao governador23) ou se adota o critério federal, com certa simetria. Outras, porém, atribuem prerrogativa de foro a autoridades sem qualquer tipo de equi-valente na CF, como defensores públicos, procuradores de estado, etc.

Essa ampliação do foro por norma puramente estadual chegou a suscitar – e ainda suscita – divergências interpretativas. De um lado, argumenta-se que o constituinte estadual tem poder de auto-organização de seu Judiciário, podendo

18 Inclui os auditores (conselheiros substitutos) e os membros do MP junto ao TCE/TCDF.19 Inclui os auditores (conselheiros substitutos) e os membros do MP junto ao TC.20 Inclui os auditores (conselheiros substitutos) e os membros do MP junto ao TC.21 Do total de 15 conselheiros, 11 já têm foro especial em virtude das funções de origem; restam os 2 advogados

e os 2 cidadãos.22 Do total de 14 conselheiros, 10 já têm foro especial em virtude das funções de origem; restam os 2 advogados

e os 2 cidadãos.23 Previsões como essas, apesar de presentes em todas as constituições estaduais, são, a rigor, desnecessárias.

Com efeito, nos casos em que o foro especial é atribuído pela própria CF, a norma estadual que repete a norma federal tem natureza meramente declaratória, já que, ainda que não existisse, o foro já teria sido conferido por uma norma de maior hierarquia.

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fixar-lhe normas de competências. Os que consideram inconstitucional o foro puramente estadual, no entanto, argumentam que, nesse caso, o Estado estaria invadindo a competência privativa da União para legislar sobre direito proces-sual (CF, art. 22, I)24.

Em relação a essa ampliação do foro, decorrente de norma puramen-te estadual, o STF já considerou constitucional a atribuição, pela Constituição do Estado da Paraíba, de foro por prerrogativa de função aos Procuradores do Estado e aos Defensores Públicos, embora tenha estabelecido que essa regra cede diante da competência do júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (STF, HC 78.168, Relator Ministro Néri da Silveira). Porém, a Corte já declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição do Estado de Goiás (art. 46, VIII, d), apenas na parte em que previa foro especial para De-legados de Polícia (STF, Pleno, ADI 2.587/GO)25. Do voto do Relator para o acórdão, Ministro Ayres Britto, colhe-se que o constituinte estadual tem relativa discricionariedade para atribuir foro especial a agentes públicos constitucional-mente previstos, mas não em relação a agentes subordinados, como os dele- gados.

Foi considerada constitucional, ainda, a instituição pela Constituição Es-tadual de foro especial no TJ para os vereadores (RE 464.935, Relator Ministro Cezar Peluso).

Na ADI 3.140 (Relatora Ministra Cármen Lúcia) e no HC 103.803 (Rela-tor Ministro Teori Zavascki), a Suprema Corte considerou, contudo, ser incons-titucional a atribuição do foro especial por lei ordinária estadual, uma vez que o § 1º do art. 125 da CF prevê que as competências do TJ serão fixadas na própria Constituição Estadual.

Essa possibilidade de as constituições estaduais atribuírem foro a auto-ridades que não possuem essa prerrogativa, nem de forma equivalente, na CF, pode ser apontada como a responsável pela ampliação da quantidade de agen-tes públicos sujeitos a foro especial no Brasil. Não se traça, aqui, um juízo de valor sobre esse poder estadual, mas, em termos quantitativos, é de causar espécie, por exemplo, que algumas constituições estaduais, ao atribuírem foro especial a vereadores, ampliem o quantitativo de pessoas sujeitas a julgamento em tribunais na escala dos milhares (4.578 vereadores na Bahia, por exemplo).

24 Interessante perceber que, se aceita (ao menos em algumas hipóteses) que o constituinte estadual disponha sobre foro para crimes comuns, a jurisprudência do STF é muito menos tolerante quando se trata da atribuição para julgar autoridades por crimes de responsabilidade. Nesse caso, com fundamento no inciso I do art. 22 da CF, a Corte considera inconstitucional qualquer norma estadual sobre processo e julgamento por crimes de responsabilidade (Súmula Vinculante nº 46).

25 Por esse motivo, no presente estudo, deixamos de considerar o quantitativo de delegados de polícia nas constituições que preveem ou previam foro especial para essas autoridades, a fim de não falsear o número total com uma previsão cuja pacífica jurisprudência considera ser inválida.

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Alguns Estados destacam-se pela quantidade, em termos absolutos, de autoridades com foro. É o caso, por exemplo, do Piauí, em que se atribui foro especial a 2.773 autoridades.

Com base nesses pressupostos, e nas consultas realizadas às constitui-ções estaduais e às fontes de pesquisas já citadas na metodologia, é possível consolidar as seguintes informações:

tAbelA nº 2 – levAntAmento quAntItAtIvo dAs AutorIdAdes (estAduAIs, dIstrItAIs e munIcIpAIs) com foro prevIsto exclusIvAmente nAs constItuIções estAduAIs

Estado AutoridadeForo – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

Acre

Vice-GovernadorTJ Assembleia Legislativa

Arts. 95, I, a, e 44, VII

1

Secretários de EstadoTJ

TJ ou Assembleia Legislativa

Arts. 95, I, a, e 44, VII

23

PGE TJ TJ Art. 95, I, a 1

Defensores Públicos TJ TJ Art. 95, I, a 51

TOTAL 76

Alagoas

Secretários TJ TJArt. 114, pará-

grafo único26

Procuradores do Estado TJ TJ Art. 133, IX, a 101

Defensores Públicos TJ TJ Art. 133, IX, a 196

TOTAL 323

Amapá

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArt. 133, II, a; 95, XI, a

1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 133, II, a; 95, XI, a

21

PGE TJ Assembleia LegislativaArt. 133, II, b; 95, XI, b

1

TOTAL 23

Ama­zonas

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArt. 72, I, a;

28, XXI1

Secretários TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 72, I, a;

28, XXI24

PGE TJ Assembleia LegislativaArt. 72, I, a;

28, XXII1

Procuradores de Estado TJ TJ Art. 72, X 86

Defensores Públicos TJ TJ Art. 72, X 93

Comandante da PM e do Corpo de Bombeiros

TJ TJ Art. 72, I, a 2

TOTAL 207

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Estado AutoridadeForo – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

Bahia

Vice-Governador TJ Assembleia Legislativa Art. 123, I, a 1

Secretários TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 123, I, a 23

PGE TJ Assembleia Legislativa Art. 123, I, a 1Defensores Públicos TJ Não há Art. 123, I, a 277

Vereadores TJ26 Não se aplicaArt. 124, parágrafo

único, I, a4.578

TOTAL 4.880

Ceará

Vice-Governador TJ TJ Art. 108, VII 1

Secretários TJ Assembleia LegislativaArt. 93, pará-grafo único

26

Procuradores do Estado TJ Não há Art. 153, § 2º 84TOTAL 111

DF

Vice-Governador TJ Não háArt. 8º, I, a, da Lei

nº 11.697, de 20081

PGDF Não há Câmara Legislativa Art. 60, XXV 1Secretários TJ TJ Art. 107, caput 20

TOTAL 22

Espírito Santo

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArt. 109, I, a; 56, XXI

1

Secretários TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 109, I, a; 56, XXI

24

PGE TJ TJ Art. 109, I, a 1Procuradores do Estado TJ TJ Art. 122, § 7º 116Defensores Públicos TJ TJ Art. 122, § 7º 175

TOTAL 317

Goiás

Vice-Governador TJ Não háArt. 46, VIII,

c; 11, XIII1

Secretários TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 46, VIII, d; 40, § 4º

12

Procuradores do Estado e da Assem-bleia Legislativa

TJ Não há Art. 46, VIII, e 192

Defensores Públicos TJ Não há Art. 46, VIII, e 63TOTAL 268

Mara­nhão

Vice-Governador Não há Assembleia Legislativa Art. 31, VIII 1

Secretários TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 70 e 31, VIII 31

PGE TJ Não há Art. 81, II 1Defensor Público-Geral TJ Não há Art. 81, II 1Auditor-Geral do Estado TJ Não há Art. 81, II 1Defensores Públicos TJ TJ Art. 81, IV 158Procuradores do Estado e da Assem-bleia Legislativa

TJ TJ Art. 81, IV 64

TOTAL 257

26 A Constituição prevê a competência do tribunal de alçada, extinto pela EC 45, de 31 de dezembro de 2004, à Constituição Federal.

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Estado AutoridadeForo – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

Mato Grosso

Vice-Governador Não há TJ Art. 26, XVI 1

Secretários de Estado TJ Assembleia LegislativaArts. 72, caput

e parágrafo único; 26, XVI

25

PGE TJ Assembleia LegislativaArt. 96, I, a;

26, XVII1

Defensor Público-Geral TJ Assembleia LegislativaArt. 96, I, a;

26, XVII1

Comandante--Geral da PM

TJ TJ Art. 96, I, a 1

Diretor-Geral da Polícia Civil

TJ TJ Art. 96, I, a 1

Procuradores do Estado TJ TJ Art. 96, I, a 54Defensores Públicos TJ TJ Art. 96, I, a 140

TOTAL 224

Mato Grosso do Sul

Secretários TJ TJ ou Assembleia 95; 114, II, a 10Procuradores de Estado TJ Não há 114, II, a 84Defensores Públicos TJ Não há 114, II, a 196

TOTAL 290

Minas Gerais

Vice-Governador TJ Assembleia Legislativa 106, I, a; 62, XIV 1

Secretários TJTJ ou Assembleia

Legislativa93, § 2º 21

Advogado-Geral do Estado

TJ Assembleia Legislativa 106, I, a; 62, XV 1

Comandante-Geral da PM e do Corpo de Bombeiros

TJ TJ 106, I, b 2

Chefe da Polícia Civil TJ TJ 106, I, b 1TOTAL 26

Pará

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArt. 92, XXXIII, e art. 161, I, a

1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 92, XXXIII,

arts. 142 e 161, I, a19

PGE – Assembleia Legislativa Art. 92, XXXIV 1Defensores Públicos TJ TJ Art. 161, I, a 267

TOTAL 288

Paraíba

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 54, V, e 104, XIII, b

1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 54, VI, e 104, XIII, a

17

PGE TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 54, VI, e

104, XIII, a1

Defensor Público-Geral TJTJ ou Assembleia

LegislativaArt. 104, XIII, a 1

Procuradores de Estado TJ TJ Art. 104, XIII, b 58Defensores Públicos TJ TJ Art. 104, XIII, b 227Prefeitos TJ TJ Art. 104, XIII, b 223

TOTAL 528

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Estado AutoridadeForo – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

Paraná

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 54, XI, e

101, VII, a1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 54, XI, e

101, VII, a15

PGE – Assembleia Legislativa Art. 54, XII 1Defensor Público-Geral – Assembleia Legislativa Art. 54, XII 1Prefeitos TJ TJ Art. 101, VII, a 399

TOTAL 417

Pernam­buco

Vice-Governador TJ TJ ou Tribunal EspecialArts. 43,

caput, e 61, I, a1

Secretários de Estado TJ TJ Art. 61, I, a 22Prefeitos TJ TJ Art. 61, I, a 185PGE TJ TJ Art. 61, I, a 1Defensor Público-Geral TJ TJ Art. 61, I, a 1Chefe da Polícia Civil TJ TJ Art. 61, I, a 1Comandante-Geral da Polícia Militar

TJ TJ Art. 61, I, a 1

Comandante-Geral do Corpo de Bom-beiros Militar

TJ TJ Art. 61, I, a 1

TOTAL 213

Piauí

Vice-Governador TJ – Art. 123, III, c 1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 63, XIII, e 123, III, d, 1

21

PGE TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 63, XIII, e 123, III, d, 1

1

Defensor Público-Geral TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 63, XIII, e 123, III, d, 1

1

Comandante-Geral da Polícia Militar

TJ TJ Art. 123, III, d, 3 1

Comandante-Geral do Corpo de Bom-beiros Militar

TJ TJ Art. 123, III, d, 3 1

Delegado-Geral da Polícia Civil

TJ TJ Art. 123, III, d, 3 1

Procuradores de Estado TJ TJ Art. 123, III, d, 3 69Defensores Públicos TJ TJ Art. 123, III, d, 3 86Prefeitos TJ TJ Art. 123, III, d, 4 224Vice-Prefeitos TJ TJ Art. 123, III, d, 4 224Vereadores TJ TJ Art. 123, III, d, 4 2.143

TOTAL 2.773

Rio de Janeiro

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 99, XIII, e 161, IV, c

1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 99, XIII, e 161, IV, d, 1

20

PGE – Assembleia Legislativa Art. 99, XIV 1Defensor Público-Geral – Assembleia Legislativa Art. 99, XIV 1Procuradores de Estado TJ TJ Art. 161, IV, d, 2 288Defensores Públicos TJ TJ Art. 161, IV, d, 2 989Prefeitos TJ TJ Art. 161, IV, d, 3 92Vice-Prefeitos TJ TJ Art. 161, IV, d, 3 92Vereadores TJ TJ Art. 161, IV, d, 3 1.190

TOTAL 3.194

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RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 76, 2017, 176-197, jul-ago 2017

Estado AutoridadeForo – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

Rio Grande do Norte

Vice-Governador TJ – Art. 71, I, c 1

Secretários de Estado TJ TJ ou Tribunal EspecialArt. 65, § 1º, e

art. 71, I, c20

PGE TJ TJ Art. 71, I, d 1

Prefeitos TJ TJ Art. 71, I, d 167

TOTAL 189

Rio Grande do Sul

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 53, VI,

e 95, X1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 53, VI, e 95 13

PGE TJ Assembleia LegislativaArts. 53, VII,

e 95, XI1

Defensor Público-Geral – Assembleia Legislativa Art. 53, VII 1

Prefeitos TJ TJ Art. 95, XI 497

TOTAL 513

Rondônia

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 29, XVI,

e 87, IV, a1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 29, XVI,

e 87, IV, b15

Defensor Público-Geral TJ Assembleia LegislativaArts. 29, XXII,

e 87, IV, a1

PGE TJ Assembleia LegislativaArts. 29, XXII,

e 87, IV, a1

Prefeitos TJ – Art. 87, IV, a 52

Defensores Públicos TJ TJ Art. 87, IV, b 65

TOTAL 135

Roraima

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 33, X, e 77, X, a

1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 33, X, e 77, X, a

13

PGE – Assembleia Legislativa Art. 33, XI 1

Defensor Público-Geral – Assembleia Legislativa Art. 33, XI 1

Prefeitos TJ – Art. 77, X, a 15

Diretores-Presidentes das entidades da Adm. Indireta

TJ – Art. 77, X, b 17

TOTAL 48

Santa Catarina

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 40, XX, e 83, XI, a

1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 40, XX, e 83, XI, b

14

PGE – Assembleia Legislativa Art. 40, XXI 1

Prefeitos TJ TJ Art. 83, XI, b 295

TOTAL 311

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Estado AutoridadeForo – crimes comuns

Foro – crimes de responsabilidade Previsão Quan­

tidade

São Paulo

Vice-Governador TJ – Art. 74, I 1

Secretários de Estado TJ – Art. 74, I 25

PGE TJ – Art. 74, I 1

Defensor Público-Geral TJ – Art. 74, I 1

Prefeitos TJ – Art. 74, I 645

Delegado-Geral da Polícia Civil

TJ TJ Art. 74, II 1

Comandante-Geral da Polícia Militar

TJ TJ Art. 74, II 1

TOTAL 675

Sergipe

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 47, XXV,

e 106, I, a1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 47, XXV, e 106, I, a e b

16

Prefeitos TJ – Art. 106, I, a 75

PGE TJ TJ Art. 106, I, a e b 1

TOTAL 93

Tocantins

Vice-Governador TJ Assembleia LegislativaArts. 19, XII, e

48, § 1º, III1

Secretários de Estado TJTJ ou Assembleia

LegislativaArts. 19, XII, e

48, § 1º, IV15

PGE TJ TJ Art. 48, § 1º, IV 1Comandante-Geral da Polícia Militar

TJ TJ Art. 48, § 1º, IV 1

Comandante-Geral do Corpo de Bom-beiros Militar

TJ TJ Art. 48, § 1º, IV 1

Prefeitos TJ TJ Art. 48, § 1º, VI 139TOTAL 158

TOTAL ESTADOS 16.559

5 CONCLuSÕESEm retrospecto, pode-se afirmar que, além de a CF ter sido pródiga na

atribuição de foro especial para várias autoridades, tal fenômeno se repetiu, até com algumas distorções maiores, na esfera estadual. Há uma grande assi-metria de tratamento da matéria nas constituições estaduais, tanto que o DF atribui foro especial a apenas 22 autoridades, ao passo que, em Estados como Bahia, Piauí e Rio de Janeiro, esse número chega, respectivamente, a 4.880, 2.773 e 3.194.

Disso tudo resulta que, no ordenamento constitucional brasileiro, o total de autoridades com foro por prerrogativa de função, previsto tanto na CF quanto nas constituições estaduais, resulta no espantoso número de 54.990 autoridades com foro especial no ordenamento brasileiro.

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tAbelA nº 3 – quAntItAtIvo de AutorIdAdes com foro: cf versus constItuIções estAduAIs

Fundamento do foro Quantidade de autoridades

CF 38.431Constituições estaduais 16.559

TOTAL 54.990

gráfIco nº 1 – dIstrIbuIção dAs AutorIdAdes segundo A orIgem do foro (cf versus constItuIções estAduAIs)

Em relação ao total, algumas perplexidades se verificam. Por exemplo: apenas três Estados (Bahia, Rio de Janeiro e Piauí) já promovem uma distorção enorme na distribuição numérica, já que possuem, juntos (10.847), quase o do-bro da quantidade de agentes com prerrogativa de foro do que todas as demais 24 unidades da Federação somadas (5.712). Isso deriva, em grande medida, da atribuição de foro especial aos vereadores, opção constante das três constitui-ções estaduais citadas.

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gráfIco nº 2 – dIstrIbuIção dAs AutorIdAdes por estAdo (constItuIções estAduAIs)

Mesmo na esfera federal, o somatório resulta em um valor exorbitante,

inclusive em virtude da atribuição generalizada de foro especial a categorias inteiras, como é o caso dos magistrados e dos membros do MP. Vale a pena registrar que o Judiciário e o MP representam 79,2% das autoridades com foro previsto na CF.

Obviamente, é preciso relativizar esse fato, uma vez que o fato de mais autoridades terem foro não significa, necessariamente, que haja mais processos contra essas autoridades. Em termos de quantitativo de autoridades com foro, porém, é preciso destacar que o crescimento contínuo, na esfera federal, das espécies de agentes públicos com prerrogativa de foro terminou por gerar a situação atual, em que apenas a atribuição de foro aos prefeitos fez com que mais de 5 mil desses agentes públicos passassem a ser processados e julgados originariamente em tribunais.

gráfIco nº 3 – dIstrIbuIção dAs AutorIdAdes por poder (cf)

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DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDOS JURÍDICOS ...............................................................................................197

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Trata-se, logicamente, de tema cercado de polêmicas, e sobre o qual respostas fáceis podem embutir riscos não devidamente mensurados. Não po-demos, no entanto, deixar de registrar que, em números absolutos, dificilmente será encontrado ordenamento jurídico tão pródigo na distribuição dessa prerro-gativa a autoridades.

REfERÊNCIASBEARD, Charles Austin. American Government and Politics. The Macmillan Company: 1929.

BRASIL. Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.

______. Constituição (1988).

______. ______. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969.

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______. Lei nº 12.527, 18 de novembro de 2011.

______. Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.

______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.140, Plenário, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Julgada em 10.05.2007.

______. ______. Inquérito Policial nº 191/Espírito Santo, Plenário, Relator Ministro Amaral Santos.

______. ______. Súmula Vinculante nº 46.

______. ______. Habeas Corpus nº 77.558, 2ª Turma, Relator Ministro Carlos Velloso, Julgado em 16.03.1999.

______. ______. Recurso Extraordinário nº 398.042, 1ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Julgado em 02.12.2003.

______. ______. Habeas Corpus nº 103.803, Plenário, Relator Ministro Teori Zavaski, Julgado em 01.07.2014.

______. ______. Recurso Extraordinário nº 464.935, 2ª Turma, Relator Ministro Cezar Peluso, Julgado em 03.06.2008.

______. ______. Habeas Corpus nº 78.168, Plenário, Relator Ministro Néri da Silveira, Julgado em 18.11.1998.

______. ______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.587/Goiás, Plenário, Relator Ministro Carlos Britto, 01.12.2004.

______. ______. Súmula nº 702.

MORAIS, Carlos Blanco de (Org.). Guia de Avaliação de Impacto Normativo. Coimbra: Almedina, 2010.

TAVARES FILHO, Newton. Foro por Prerrogativa de Função no Direito Comparado. Brasília: Câmara dos Deputados/Consultoria Legislativa, 2015.

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

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Crítica à Supremacia do Interesse Público como Postulado de Interpretação do Direito Administrativo

A Critical on the Supremacy of Public Interest as an Interpretative Postulate of Administrative Law

EmAnuEL AnDRADE LInhARESMestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2013), na área de concentração Or‑dem Jurídica Constitucional, Especialista em Direito Público pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2008), Professor de Direito Constitucional na Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza – Fametro, Professor convidado do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Processual Civil do Centro Universitário Christus – Unichristus, onde ministra a disciplina Pro‑cesso Civil e Constituição. Revisor da Revista Culturas Jurídicas (PPGDC/UFF). Foi Professor do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão – FLF, tendo lecionado as disciplinas Introdução ao Estudo do Direito, Teoria Geral do Processo e Direito Administrativo I (2009‑2011). Coorde‑nou o projeto de extensão Jurisdição Constitucional (2011) na FLF, voltado ao aprofundamento do estudo da Teoria dos Direitos Fundamentais. É Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Atualmente exerce o cargo de Secretário da 1ª Câmara Criminal do TJCE. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito e Processo Constitucional, Teoria do Estado, Teoria das Instituições, Ciência Política e Direito Administrativo.

Submissão: 01.05.2015Decisão Editorial: 07.12.2015Comunicação ao Autor: 07.12.2015

RESUMO: Tradicionalmente, a doutrina juspublicista brasileira aponta o “princípio da supremacia do interesse público” como sendo uma das “pedras de toque” do Direito Administrativo, autêntico dog‑ma da interpretação e da aplicação das normas deste ramo da ciência jurídica. Ao termo “princípio ju‑rídico”, entretanto, é atribuído múltiplos significados. Neste estudo, rejeita‑se a noção de “princípio” associada a axiomas ou dogmas, por entendê‑la incompatível com o constitucionalismo democrático contemporâneo. O artigo objetiva alimentar o salutar debate por um novo olhar ao Direito Administra‑tivo brasileiro, revisitando e desconstruindo paradigmas de um dos seus mais tradicionais dogmas: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. A metodologia utilizada é bibliográfica, teórica, descritiva, exploratória e dialética, com predominância indutiva. Far‑se‑á um apanhado dos principais argumentos suscitados na doutrina, percorrendo a histórica dicotomia entre Direito Público e Direito Privado nas diversas concepções de Estado, a difícil tentativa de conceituação jurídica da expressão “interesse público”, uma abordagem crítica com relação à origem do Direito Administra‑tivo, e, sobretudo, uma reflexão a respeito do “princípio” da supremacia do interesse público à luz da(s) teoria(s) dos princípios.

PALAVRAS‑CHAVE: Supremacia do interesse público; teoria dos princípios; direitos fundamentais.

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ABSTRACT: Traditionally, the Brazilian jus‑publicist doctrine shows the “principle of the supremacy of public interest” as one of the “touchstones” of Administrative Law, authentic dogma of interpretation and application of the rules on this part of legal science. However, for the term “legal principle” is as‑signed multiple meanings. In this study, it’s rejected the notion of “principle” associated with axioms or dogmas, by understanding its incompatibility with the contemporary democratic constitutionalism. This article aims to feed the healthy debate for a new look at the Brazilian Administrative Law, revi‑siting and deconstructing paradigms of one of its most traditional dogmas: the supremacy of public interest over private interest. The methodology used is bibliographic, theoretical, descriptive, explo‑ratory and dialectics, predominantly inductive. Far will be an overview of the main arguments raised in the doctrine, covering the historic dichotomy between Public Law and Private Law in the various conceptions of the State, attempted the difficult legal concept of the term “public interest”, a critical approach regarding the origin of Administrative Law, and, especially, a reflection on the “principle” of the supremacy of public interest in light of the theory of legal principles.

KEYWORDS: Supremacy of public interest; theory of legal principles; fundamental rights.

INTRODuÇÃOO clássico debate acerca da distinção entre Direito Público e Direito

Privado, objeto de estudo da Teoria Geral do Direito, tem ganhado, particular-mente ao longo das últimas duas décadas, novos e instigantes contornos na era do “pós-positivismo jurídico”, em que a constitucionalização do Direito, a atri-buição de normatividade aos princípios, a formação de uma nova hermenêutica constitucional, a reabilitação da argumentação jurídica e a consolidação de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da digni-dade da pessoa humana trazem ao cerne dessa discussão a centralidade ética e antropológica da ciência jurídica.

Esse conjunto de ideias, identificadas sob o rótulo genérico de pós-po-sitivismo ou principialismo, é definido por Luis Roberto Barroso como sendo “[...] um esforço de superação do legalismo estrito, característico do positivismo normativista, sem recorrer às categorias metafísicas do jusnaturalismo”1.

Nesse contexto, destacado grupo da nova geração de juristas brasileiros, tais como Humberto Ávila, Paulo Ricardo Schier, Daniel Sarmento e Gustavo Binen-bojm, vem desenvolvendo estudos em direção a uma superação, desconstrução2

1 BARROSO, Luís Roberto. Prefácio. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. vii-xviii, p. x-xi.

2 Cf., entre outros, Humberto Ávila, Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Particular”; Daniel Sarmento, Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional; Paulo Ricardo Schier, Ensaio sobre a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o Regime Jurídico dos Direitos Fundamentais; Alexandre Aragão, A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo; todos in: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., 2007.

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ou reconstrução3 do dogma da supremacia do interesse público sobre os inte-resses privados.

Na tradicional lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o Direito Ad-ministrativo tem como “pedras de toque” a supremacia do interesse público so-bre o privado e a indisponibilidade do interesse público. Para o administrativista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado constitui um

[...] verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, de sobrevivência e asseguramento deste último.4 (Grifo nosso)

Por axioma entende-se como sendo uma premissa considerada necessa-riamente evidente e verdadeira, fundamento de uma demonstração, porém ela mesma indemonstrável. Na literatura jurídica, utiliza-se o vocábulo “axioma” para fazer referência a determinados tipos de raciocínio jurídico, em tese, acei-tos por todos, e, por essa razão, não sujeitos a debates ou questionamentos. São, por assim dizer, autênticos dogmas5.

Humberto Ávila destaca que “[...] a veracidade dos axiomas é demons-trada pela sua própria e mera afirmação, como se fossem auto-evidentes”6. Sen-do assim, o “princípio da supremacia do interesse público sobre o particular” é definido como um axioma por Bandeira de Mello justamente porque seria autodemonstrável ou óbvio.

Ao termo “princípio jurídico”, entretanto, podem ser aplicados múltiplos significados. Neste estudo, como se verá adiante, rejeita-se, peremptoriamente, a noção de “princípio” associada a axiomas ou dogmas, por entendê-la incom-patível com as teorias dos princípios jurídicos edificadas à luz do constituciona-lismo democrático contemporâneo.

Ainda que metodologicamente em alguns aspectos divergentes entre si, tais teorias apontam para a necessidade de interpretação dos institutos do Direi-to Administrativo sob uma filtragem constitucional, especialmente em respeito à teoria dos direitos fundamentais e ao reconhecimento, no Brasil, de um extenso rol de direitos e garantias individuais albergadas pela Carta Cidadã de 1988, os quais limitam a atuação estatal em face dos particulares. Demonstrar-se-á, in-

3 Cf., BARROSO, Luís Roberto. O estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do interesse público. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit.

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 69. [Grifo nosso]

5 Registre-se que, para efeito do raciocínio desenvolvido ao longo deste estudo, os termos “axioma” e “dogma” serão tratados indistintamente, como se sinônimos fossem.

6 ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 176-177.

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clusive, que o “princípio da supremacia do interesse público sobre o privado”, a rigor, sequer pode ser tido como uma “norma-princípio”, por não preencher determinados requisitos estruturais básicos.

Evidentemente, não se trata de ignorar a essencialidade da persecução do interesse público e da proteção de direitos metaindividuais pelo Estado De-mocrático e Social de Direito, objetivos que, de fato, fundamentam a sua exis-tência; mas sim o questionamento quanto ao método pelo qual deverão atuar o intérprete e o aplicador da lei.

Ora, partindo-se do entendimento de que “interesse público” é um con-ceito jurídico indeterminado, como sustentar sua “supremacia” a priori diante de outros interesses igualmente protegidos pela Constituição Federal? Qual o sentido prático em afirmar que “o interesse público deve ser preferido”, se o grande problema é justamente saber qual dos interesses supostamente em con-flito é o “público”?

Este estudo, sem pretensões de esgotar o tema, haja vista a sua comple-xidade, objetiva alimentar o salutar debate por um novo olhar ao Direito Admi-nistrativo brasileiro, revisitando e desconstruindo paradigmas de um dos seus mais tradicionais dogmas: a supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Para tanto, far-se-á um apanhado dos principais argumentos suscitados na doutrina juspublicista – nacional e estrangeira –, percorrendo a histórica dicotomia entre Direito Público e Direito Privado nas diversas concepções de Estado, a difícil tentativa de conceituação e delimitação jurídica da expressão “interesse público”, uma abordagem crítica com relação à origem do Direito Administrativo, e, sobretudo, uma reflexão a respeito do “princípio” da supre-macia do interesse público à luz da teoria dos princípios.

Ousa-se, assim, polemizar, praticar o dissenso. Para muitos, a suprema-cia do interesse público sobre o privado não é passível sequer de questionamen-tos, posto ser um axioma, ou mesmo um dogma. Dogma, como se sabe, é ma-téria de fé, não de conhecimento. A cientificidade, por sua vez, caracteriza-se justamente pela possibilidade permanente de divergências7. E, sob esse prisma, ciente da inafastável dialética do Direito, desenvolve-se os tópicos a seguir.

1 A DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO SOB uMA PERSPECTIVA hISTÓRICAA história da humanidade costuma ser (d)escrita por meio de movimentos

pendulares, ora tendendo para determinado lado, ora para outro. Com isso, em determinadas épocas e contextos históricos é priorizada a dimensão pública da vida humana, em outros, o seu aspecto privado.

7 Nesse sentido, assevera Hugo de Brito Machado Segundo: “A cientificidade do estudo do Direito caracteriza-se, precisamente pelo questionamento. Aliás, não só do estudo do Direito, mas de qualquer objeto” (MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Por que dogmática jurídica? Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 6).

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Estudar a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado passa por uma reflexão acerca das diferentes concepções de Estado, construídas ao longo dos séculos, fruto de aspirações (e inspirações) políticas, econômicas e sociais prevalentes em cada época8.

A Grécia Antiga desconheceu por completo a distinção entre Direito Público e Direito Privado, prescindindo dela. O cidadão grego (politiké) era concebido, essencialmente, como o animal político (zoon politikon) ao qual se referiu Aristóteles em sua clássica Política. Realizava-se como ser humano na vida pública9.

Conforme destaca Daniel Sarmento, “[...] a liberdade para os gregos era a possibilidade de tomar parte nos negócios públicos da polis e de exercer in-fluência sobre as decisões coletivas tomadas na Ágora, inexistindo liberdades privadas, que protegessem os indivíduos das autoridades públicas”10.

Em Roma, a indistinção prevalece durante vários séculos. Somente quan-do o Estado romano se agiganta e se fortalece, e então passa a alimentar um viés expansionista para dominação de outros territórios, é que há uma separação mais nítida entre os interesses do Estado e dos indivíduos, com o surgimento da tensão entre liberdade e autoridade.

A origem da cisão entre Direito Público e Direito Privado teve no Corpus Iuris Civilis romano um marco fundamental. Nele está escrita a formulação clás-sica de Ulpiano, na qual afirma que

[...] dois são os aspectos do direito: o público e o privado. O direito público versa sobre o modo de ser do Estado romano; o privado sobre o interesse dos particu-lares. Com efeito, algumas coisas são úteis publicamente, outras privativamente (Hujus studii sunt positiones, publicum et privatum. Publicum jus est, quod ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum unilitatem; sunt enim quaedam publice utilia quaedam privatim).11

O referido texto, portanto, associa a finalidade do Direito Público à tutela dos interesses gerais, contrapondo a tutela dos interesses individuais como fina-lidade do Direito Privado. Daí surgirem severas críticas a esse critério distintivo, por ser inconcebível uma separação tão rigorosa entre interesse público e inte-

8 Em sentido parcialmente contrário, Gustav Radbruch afirma sua crença no caráter apriorístico dos conceitos de Direito Público e de Direito Privado, segundo ele derivados do próprio conceito, a priori, de Direito. De acordo com o jusfilósofo de Heidelberg: “Os conceitos ‘direito público’ e ‘direito privado’ não são conceitos do direito positivo, que poderiam faltar num ordenamento particular, mas precedem logicamente a toda experiência jurídica, exigindo desta uma validade prévia” (RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Trad. Marlene Holzhausen. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 184).

9 Observe-se que essa concepção de cidadania destituía de “humanidade” todos aqueles excluídos da esfera pública, como as mulheres, os escravos e os metecos.

10 SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 33.

11 RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 219-220.

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resse particular. Na prática, esses interesses se interpenetram, pois “[...] o Estado não é nenhum ente superior e alheio à sorte dos indivíduos, e, sim, o meio pelo qual se visa a realização do bem comum, e, portanto, do indivíduo”12.

Tal contexto histórico favorece o florescimento do fenômeno da “priva-tização do Direito”: “o jus civile, que antes era Direito Público, privatiza-se, passando a constituir o bastião de defesa dos cidadãos contra as investidas do Estado”13, servindo à democratização política do regime.

Desse processo emerge o individualismo jurídico, alicerçado nas noções de liberdade contratual, de propriedade privada e de sucessão hereditária, fu-turamente convertidas pelos teóricos das revoluções liberais em verdadeiros dogmas do Estado Moderno.

Já na Idade Média Cristã, a prevalência do privado em detrimento do público se explica pelo imenso pluralismo político, caracterizado pela ausência de poderes soberanos e pela completa dispersão da autoridade por múltiplas e fragmentadas instâncias de poder, como a Igreja, o Império, os senhores feu-dais, etc.

Com o advento do Estado Moderno, centraliza-se o exercício do poder na figura do monarca, cristalizada na célebre frase atribuída ao Rei Luis XIV (“L’État c’est moi”), refletindo uma lógica privatista sobre o domínio das rela-ções políticas. Por outro lado, o surgimento da noção de soberania, de certo modo, já implicava no predomínio da autoridade estatal sobre a vontade dos particulares. A concentração de poder e a consequente monopolização do uso legítimo da força física são tidos, assim, como “combustíveis”14 de uma guinada para o lado público da dicotomia.

A separação entre as esferas pública e privada radicaliza-se com o sur-gimento do Estado Liberal, fruto dos movimentos revolucionários burgueses eclodidos na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América durante os séculos XVII (Revolução Inglesa) e XVIII (Revolução Norte-Americana e Revo-lução Francesa).

A Revolução Francesa de 1789, reação da classe burguesa contra os pri-vilégios do clero e da nobreza no Antigo Regime (Ancien Régime), foi forte-mente influenciada pelos ideais iluministas, para os quais em torno do Estado de Direito deveria gravitar as noções de separação e limitação dos poderes, legalidade, direitos fundamentais e democracia.

12 Idem, p. 220.13 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 21414 Expressão utilizada por Daniel Sarmento. [Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria

e da filosofia constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 35].

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Para o liberalismo clássico, o papel do Estado restringir-se-ia basicamen-te em cuidar da segurança interna e externa, protegendo a propriedade privada, não lhe cabendo intervir nas relações estabelecidas entre particulares. Partia-se, assim, de uma igualdade formal, conquistada após a abolição dos privilégios estamentais, para justificar que competiria a cada indivíduo a persecução dos seus próprios interesses privados, sem qualquer interferência do Poder Público.

Parafraseando Kant, Arnaldo Vasconcelos assevera que, para o filósofo de Knönigsberg,

[...] o Estado político (contratual) é o domínio do Direito Público. Seu advento decorre da necessidade de conferir investidura de Direito Público às normas de Direito Privado (Direito Natural), preexistentes no estado de natureza, que já é social. O Estado surge para garantir as normas jurídicas privadas, e não para criá--las.15

Naquele contexto histórico, a função primordial do Direito Público, por-tanto, era a de limitar ao máximo a atuação do Estado por meio de mecanismos de contenção de poder, em prol da preservação de uma esfera individual in-tocável, classificada pelos filósofos iluministas como representativa de direitos naturais e pré-políticos16. O Direito Privado, por sua vez, alicerçava-se sob dois fortes pilares de natureza econômica: a propriedade e o contrato, ambos tidos como expressões essenciais da autonomia individual.

Habermas afirma que o surgimento do Estado Liberal respondeu aos an-seios de edificação de

[...] uma sociedade econômica, institucionalizada através do direito privado (principalmente através dos direitos de propriedade e de liberdade de contratos), que deveria ser desacoplada do Estado enquanto esfera de realização do bem comum e entregue à ação espontânea dos mecanismos de mercado.17

Gustav Radbruch destaca que a concepção liberal do Direito influenciou o aprofundamento da divisão e do distanciamento entre público e privado: “[...] para o liberalismo, o direito privado é o coração de todo o direito; o direito público apenas uma estreita moldura protetora colocada em torno do direito privado [...]”18.

A relativização dessa tendência, então dominante no pensamento jurí-dico até o final do século XIX e o início do século XX, veio com Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito.

15 VASCONCELOS, Arnaldo. Op. cit., p. 299.16 SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia

constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 36.17 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Bueno Siebeneichler. Rio

de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. II, 1997. p. 138.18 RADBRUCH, Gustav. Op. cit., p. 184.

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Segundo os postulados Kelsenianos, todo o direito se reduziria, em últi-ma análise, ao direito positivo (ou direito estatal). Para ele, até mesmo o negócio jurídico seria, na verdade, a materialização da vontade estatal, por meio da formação de uma norma individual19.

A formulação de Kelsen é absolutamente válida e pertinente para a com-preensão da realidade contemporânea do Direito, centralizada nos fenômenos da publicização, socialização e constitucionalização dos direitos.

As transformações sociais ocorridas nos séculos XIX e XX acabaram por evidenciar o descompasso entre o direito estatal e a realidade, trazendo consigo as novas teorias que viriam a criar as condições para o advento do chamado Estado Social20.

O individualismo, outrora dominante, paulatinamente cedeu espaço aos fenômenos da publicização e da socialização do Direito21. A doutrina do Di-reito Social nasce, portanto, como oposição ao Direito individual-liberal e se caracteriza como tal.

Esta visão passou então a inspirar as reformas políticas que se seguiram, com o advento das constituições sociais do início do século XX, particularmente com a Constituição Mexicana de 1917 e com a Constituição Alemã de Weimar de 1919.

Assim, com o advento do Welfare State, o papel do Estado passa a ser menos o de guardião das liberdades individuais e mais o de agente provedor da igualdade material dos indivíduos, mediante progressiva intervenção nos mais diversos domínios22.

Há quem critique a expressão “publicização” e repele a ideia moderna de se transformar o Direito Privado em Direito Público. Nesse sentido, Vicente Rao alerta sobre o perigo da intervenção desordenada do Estado nas relações civis e a redução da esfera do Direito Privado:

O “direito social” designa o conjunto de regras que asseguram a igualdade das situações apesar das diferenças de fortunas, regras que socorrem os mais fra-cos, desarmam os mais poderosos e organizam a vida econômica segundo os princípios da justiça distributiva. Ora, para se alcançar esse resultado, preciso

19 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 310-311.

20 Sobre a passagem do Estado Liberal para o Social, cf. BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

21 No contexto de socialização do Direito, surge o Direito do Trabalho, considerado por muitos uma espécie de tercius em relação à clássica summa diviso.

22 No liberalismo “[...] o Poder Público, de mero espectador, vai convertendo-se e, protagonista das relações econômicas, passando a discipliná-las de forma cogente, através da multiplicação de normas de ordem pública, que se impõem diante da autonomia da vontade das partes” (SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 39).

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é recorrer-se a uma força superior a todos, ou seja, à força do Estado; e se esta força intervém nas relações privadas, o direito privado não pode deixar de ceder o passo às regras do direito público.23

As lições de passado não muito distante demonstram que a falência do modelo liberal por vezes desaguou “[...] em experiências autoritárias de maior ou menor ferocidade, como o nazismo, o fascismo e as ditaduras populistas ou militares latino-americanas”24, fruto do exacerbado poder do Estado em face dos indivíduos, o que levou a consequências desastrosas.

No final do século passado, com a crise do Estado Social, percebe-se um retorno do pêndulo em direção ao direito privado:

O Estado, antes visto como agente redentor das classes desfavorecidas e raciona-lizador da economia, passa a ser associado no imaginário social à ineficiência, à burocracia excessiva, ao desperdício. No mundo todo são promovidos extensos programas de privatização de empresas estatais, buscando o enxugamento da máquina pública e a devolução de amplos setores da economia à iniciativa pri-vada.25

Na tentativa de modernizar-se, desburocratizar-se e tornar-se mais efi-ciente, o Estado passa por uma série de transformações, inspirando-se na lógi-ca e nas experiências de gestão normalmente associadas à iniciativa privada26. Reflexo disso foi o acréscimo do “princípio da eficiência” ao caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional nº 19/1998, asso-ciado ao conceito de “administração gerencial” nos Estados Modernos (public management).

Com isso,

[...] passa-se a falar numa Administração Pública “consensual”, que substitui o uso de ordens cogentes pela soft Law, preferindo, em regra, induzir o administra-do à adoção dos comportamentos desejados, através de negociações, incentivos etc., do que obrigá-lo verticalmente a agir desta ou daquela maneira.27

23 RAO, Vicente. Op. cit., p. 224-225.24 SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia

constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 40.25 Idem, p. 41.26 Sobre o tema, explica Gustavo Binenbojm: “Esta privatização da atividade administrativa tem se dado

por variadas formas e em diferentes setores. A emergência do gerencialismo procurar aplicar técnicas de organização e gestão empresariais privadas à Administração Pública. A idéia de consensualidade tem cada vez mais permeado as relações entre administrados e Administração. A intervenção direta do Estado na economia tem sido substituída por parcerias com a iniciativa privada, pelas quais empresas não-estatais passam a explorar serviços públicos e atividades econômicas antes sujeitas a monopólio estatal. O Estado prestador é agora sucedido por um Estado eminentemente regular” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 20).

27 SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 42.

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Na contemporaneidade, as fronteiras entre as categorias “público” e “pri-vado” são cada vez mais tênues. Se, por um lado, o Direito Público, conforme destacado anteriormente, privatiza-se e busca na iniciativa privada parcerias e inspiração para novos modelos de gestão; por outro, é cada vez mais intenso o processo de publicização do Direito Privado, em decorrência da constitucio-nalização28 de direitos e do fortalecimento da Jurisdição Constitucional29. Sob essa mesma ótica, consolida-se no Brasil o reconhecimento da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, reflexo da doutrina e jurisprudên-cia alemãs da denominada “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”30.

Por todos esses fatores, parece-nos que o critério público/privado tornou--se obsoleto para a resolução de conflitos de interesse que se estabeleçam em uma sociedade plural e democrática, tanto pela imprecisão e difícil delimitação dos respectivos conceitos quanto pela compreensão de que as duas dimensões da vida humana, pública e privada, são igualmente importantes para a plena realização existencial do indivíduo, epicentro axiológico do ordenamento jurí-dico brasileiro.

2 SuPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO: A ORIGEM DO MITOA versão oficial, majoritariamente difundida e consagrada na doutrina

pátria, aponta que o Direito Administrativo surge da subordinação do poder à lei e da definição de um rol de direitos individuais que passaram a vincular a Administração Pública, resultado dos ideais defendidos pelas revoluções libe-

28 Em apertada síntese, utiliza-se a expressão “constitucionalização do direito” para referir-se à ideia de irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos outros ramos do Direito. São exemplos desse fenômeno a função sócio-ambiental da propriedade, a função social do contrato, o valor solidariedade como limite à livre iniciativa, entre outros. Sobre este tema, cf. SILVA, Luís Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito – os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

29 Nesse mesmo sentido orienta-se o pensamento de Gustavo Binenbojm: “Assiste-se, assim, à emergência de filhotes híbridos da vetusta dicotomia entre a gestão pública e a gestão privada: a atividade de gestão pública privatizada (regime administrativo flexibilizado) e a atividade de gestão privada publicizada ou administrativizada (regime privado altamente regulado). Essa hibridez de regimes jurídicos caracterizada pela interpenetração entre as esferas pública e privada, representa um dos elementos da crise de identidade do direito administrativo” (BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 20).

30 Leciona Luís Virgílio Afonso da Silva que “uma das principais mudanças de paradigmas que, no âmbito do direito constitucional, foram responsáveis pelo reconhecimento de uma constitucionalização do direito e, sobretudo, de um rompimento nos limites de produção de efeitos dos direitos fundamentais somente à relação Estado-cidadãos foi o reconhecimento de que, ao contrário do que arraigada crença sustentava, não é somente o Estado que pode ameaçar os direitos fundamentais dos cidadãos, mas também outros cidadãos, nas relações horizontais entre si” (SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Op. cit., p. 52). Desse modo, “não obstante, a constatação de que a opressão e a violência contra os indivíduos são oriundas não apenas do Estado, mas também de múltiplos atores privados, fez com que a incidência destes direitos fosse estendida ao âmbito das relações entre particulares. A projeção dos direitos fundamentais a estas relações nas quais os particulares se encontram em uma hipotética relação de coordenação (igualdade jurídica) vem sendo denominada de eficácia horizontal ou privada dos direitos fundamentais.” (SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 193-194).

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rais do final do século XVIII e início do século XIX, particularmente daqueles relacionados à limitação e à contenção do poder de atuação estatal31.

Até então, as normas administrativas se enquadravam no jus civile, já que naquela época era ilimitado o direito dos soberanos para administrar, alicerça-do no postulado “the king can do no wrong”32.

Essa noção garantística do Direito Administrativo, construída sob a ideia de que esse teria se formado a partir do momento em que o Estado teria “acei-tado” submeter-se também ao Direito, e, consequentemente, aos cidadãos, alimentou, segundo defende Gustavo Binenbojm, “[...] o mito de uma origem milagrosa e de categorias jurídicas exorbitantes do direito comum, cuja justifi-cativa teórica seria a de melhor atender à consecução do interesse público”33. Essas categorias jurídicas peculiares eram justamente a supremacia do interesse público, a discricionariedade administrativa, a insindicabilidade do mérito ad-ministrativo, entre outras; o que, para o professor de Direito Administrativo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, “[...] representou antes uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas administrativas do Antigo Regime do que sua superação”34.

Tradicionalmente, costuma-se indicar, como marco jurídico inicial do surgimento do Direito Administrativo, a famosa Loi 28 Pluviose, do ano VIII, datada de 1800, que organizou juridicamente a Administração Pública na França35. Tal lei teria simbolizado não só a organização e a estruturação da burocracia estatal, mas, principalmente, a contenção do seu poder, que agora estaria subordinado à vontade geral expressa pelo Parlamento.

Todavia, a construção do Direito Administrativo deve-se principalmente à elaboração pretoriana do Conselho de Estado Francês, órgão de jurisdição

31 Essa romântica e idealizada versão para o surgimento do Direito Administrativo é acolhida, entre outros, por Caio Tácito, que assim a descreve: “O episódio central da história administrativa do século XIX é a subordinação do Estado ao regime de legalidade. A lei, como expressão da vontade coletiva, incide tanto sobre os indivíduos como sobre as autoridades públicas. A liberdade administrativa cessa onde principia a vedação legal. O Executivo opera dentro dos limites traçados pelo Legislativo, sob a vigilância do Judiciário” (TÁCITO, Caio. Evolução Histórica do Direito Administrativo. In: Temas de direito público: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 1. v., 1997. p. 2).

32 Sob essa perspectiva, leciona José dos Santos Carvalho Filho: “No período anterior o regime vigorante era o das monarquias absolutas, em que todos os poderes do Estado desaguavam nas mãos do monarca, tornando frágeis as relações entre o Estado e os súditos. O brocardo da época era o célebre ‘L’État c’est moi’, para indicar a concentração de poderes exclusivamente sob o manto real. Com a teoria da separação de poderes concebida por Montesquieu, o Estado, distribuindo seu próprio poder político, permitiu que em sua figura se reunisse, ao mesmo tempo, o sujeito ativo e passivo do controle público. Nesse ambiente, foi possível criar normas próprias a execução desse controle” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 7).

33 BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito administrativo. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 117-118.

34 Idem, p. 119-120.35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 4.

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administrativa historicamente responsável pelo desenvolvimento e aprofunda-mento de inúmeros princípios informativos deste ramo autônomo do Direito36.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, embora refratária à ideia de desconstru-ção ou superação do “princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado”, reconhece que “[...] o direito administrativo, desde as suas origens, é constituído por uma série de paradoxos”. Nesse ponto, exemplifi-ca que “o direito administrativo francês, que coloca o princípio da legalidade como um dos esteios do direito administrativo, tem na jurisprudência, e não na lei37, a sua principal fonte do direito”38.

A mencionada origem pretoriana do Direito Administrativo, porém, traz em si uma latente contradição, qual seja a criação de um direito com prerroga-tivas especiais da Administração Pública, que surge não fruto da volonté géné-rale preconizada por Jean-Jacques Rousseau, a qual deveria ser manifestada por meio do Poder Legislativo, mas mediante decisões autovinculativas do próprio Poder Executivo39.

Desse modo, não se sustenta a afirmação de que “o reconhecimento for-mal de um novo Direito Administrativo que submete à lei e não ao soberano ou ao Direito tradicional-costumeiro do medievo torna-o “[...] um instrumento de libertação individual e não somente de dominação”40. Isto porque, conforme destacado pela própria Di Pietro, apesar de o princípio da legalidade ser consi-derado desde sempre um dos pilares do Direito Administrativo francês, deve-se à jurisprudência do Conselho de Estado (órgão vinculado ao Poder Executivo), e não ao Parlamento (expressão da soberania popular), a construção e a con-solidação de inúmeros princípios e institutos do Direito Administrativo, poste-riormente expandidos aos ordenamentos jurídicos de outros países, a exemplo do Brasil.

Note-se que tal circunstância histórica, portanto, viola de uma só vez os dois postulados básicos do Estado Liberal de Direito: o princípio da legalidade

36 Convém ressaltar que o Direito Administrativo surgiu e se desenvolveu em uma época marcada pela crença da completude das grandes codificações escritas, embora não haja registro até os dias atuais de nenhuma compilação geral de suas normas. Estas, ao contrário, são historicamente caracterizadas por sua natureza fragmentária e pela ausência de uma organização sistemática do seu conteúdo.

37 Grifos não originais. 38 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Introdução. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinícius

Alves (Org.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 5.

39 Na França, adota-se até hoje o sistema da dualidade de jurisdição, em que a jurisdição administrativa (ou contencioso administrativo) atua ao lado da jurisdição comum (Poder Judiciário). No Brasil, por sua vez, inspirado no direito anglo-saxônico, a jurisdição única sempre foi o modelo adotado em todas as nossas constituições.

40 GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. O suposto caráter autoritário da supremacia do interesse público e das origens do direito administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Org.). Op. cit., p. 17.

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e o princípio da separação de poderes41. Com efeito, “[...] a atribuição do Poder Legislativo em matéria administrativa à jurisdição administrativa não se coadu-na com as noções clássicas de legalidade como submissão à vontade expressa na lei (Rousseau) e partilha de funções entres os poderes (Montesquieu)”42.

Observa-se, assim, que a invocação do princípio da separação dos pode-res, na origem do Direito Administrativo, foi uma mera figura retórica utilizada com a finalidade de ampliar a esfera de autonomia decisória da Administração, tornando-a imune a qualquer forma de controle jurídico e/ou social.

Dessa feita, constata-se que a justificativa para a instituição do conten-cioso administrativo não teve qualquer viés garantístico. Pautou-se tão somente na desconfiança dos revolucionários franceses – recém-ascendidos ao poder – contra os membros do Judiciário, tidos como aliados do Antigo Regime e relutantes aos ideais iluministas. Foi uma fórmula encontrada para evitar que os tribunais judiciais de então limitassem a ação das autoridades administrati-vas revolucionárias. O modelo contencioso, no qual a Administração julgaria a si própria, não representou qualquer inovação da Revolução Francesa, mas, ao contrário, permitiu a perpetuação daquele existente no Estado Absoluto43. Desse modo, é possível concluir que, “se algum sentido garantístico norteou e inspirou o surgimento e o desenvolvimento da dogmática administrativista, este foi em favor da Administração, e não dos cidadãos”44.

Em síntese, Binenbojm refere-se a tais contradições históricas da origem do Direito Administrativo como sendo fruto de um pecado autoritário original45,

41 O princípio da separação dos poderes é interpretado de maneiras diferentes no direito francês e no direito anglo-saxônico. No modelo francês, há uma maior rigidez na ideia de separação dos poderes do Estado, de modo a impedir a apreciação, pelos juízes da jurisdição comum, dos atos praticados pela Administração Pública. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, a separação é funcional, vedando à Administração o exercício da função jurisdicional como a que exerce o Conselho de Estado Francês. No sistema anglo-saxônico, o Direito Administrativo não surge em consequência dos princípios revolucionários, mas para satisfazer as crescentes demandas de uma sociedade moderna, em prol da crescente atuação do Estado no campo social e econômico, o que desaguava na necessidade de aumento da máquina administrativa e, simultaneamente, da elaboração de normas específicas voltadas à regular sua atuação. Afirma Di Pietro que “o direito administrativo brasileiro sofreu influência do direito norte-americano no que diz respeito ao sistema de unidade de jurisdição, à jurisprudência como fonte do direito e à submissão da Administração Pública ao controle jurisdicional. Todavia, no que diz respeito às teorias e aos princípios, a influência predominante foi a do direito francês criado pela jurisdição administrativa, que, aos poucos, pela decisão de casos concretos, foi deixando de lado o direito privado antes aplicado à Administração e criando um regime jurídico próprio que acabou por dar autonomia ao Direito Administrativo” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 23).

42 BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito administrativo. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 121.

43 “Na melhor tradição absolutista, além de propriamente administrar, os donos do poder criam o direito que lhes é aplicável e o aplicam às situações litigiosas com caráter de definitividade.” (BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 15)

44 Idem, p. 42.45 Nas palavras de Binenbojm: “Neste contexto, as categorias básicas do direito administrativo, como a de

discricionariedade e sua insindicabilidade perante os órgãos contenciosos, supremacia do interesse público e prerrogativas jurídicas da Administração, são tributárias desde pecado original consistente no estigma da suspeita de parcialidade de um sistema normativo criado pela Administração Pública em proveito próprio, e que ainda se arroga o poder de dirimir em caráter definitivo, e em causa própria, seus litígios com os

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relacionando o antigo dogma absolutista da verticalidade das relações entre o soberano e seus súditos com a construção teórica de verdadeiros axiomas do Direito Administrativo, albergados sob o manto da supremacia do interesse pú-blico sobre os interesses dos particulares46.

Emerson Gabardo e Daniel Wunder Hachem, em sentido diametralmen-te oposto, refutam o suposto caráter autoritário da supremacia do interesse pú-blico e das origens do Direito Administrativo, criticando a tese de Binenbojm, nos seguintes termos:

A alusão a uma pretensa origem autoritária parece ter como escopo reduzir a força legitimatória de princípios como o do interesse público, ou mais especifi-camente, da “supremacia do interesse público” – sem dúvida uma interessante crítica que, por sua vez, merece ser refutada. Trata-se, portanto, de uma inter-pretação da história cujo fim é conferir às proposições do presente um sentido mais facilmente apreensível e consonante com a mentalidade vigente, que é a de maior liberalização e flexibilização da vida. E embora seja uma “tese” muito atraente para o indivíduo pós-moderno, que é um sujeito por definição voltado à autonomia, à liberdade e à consensualidade negocial, trata-se de uma teoria de precária capacidade explicativa.47

No tópico seguinte, demonstrar-se-á, entretanto, que, em uma análise metodológica um pouco mais criteriosa, a “supremacia do interesse público” sequer pode ser – do ponto visto estrutural – considerada uma norma-princípio. Neste estudo, combate-se a ideia da utilização apriorística de uma pretensa supremacia de interesses públicos como parâmetro legítimo de interpretação e aplicação das normas de Direito Administrativo. De fato, o dito “indivíduo pós--moderno” é, efetivamente, um sujeito protegido por um considerável número de normas constitucionais assecuratórias de sua autonomia, liberdade e consen-sualidade negocial, sendo também dever da Administração Pública respeitá-las.

O modo como o interesse privado e o interesse público estão imbricados e igualmente protegidos pela Constituição brasileira de 1988 impossibilita que haja uma cisão rigorosa entre eles na análise da atividade estatal48. Assim, “a verificação de que a administração deve orientar-se sob o influxo de interesses

administrados. Na melhor tradição absolutista, além de propriamente administrar, os donos do poder criam o direito que lhe é aplicável e o aplicam às situações litigiosas com caráter de definitividade” (BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito administrativo. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 123-124).

46 “Na melhor tradição absolutista, além de propriamente administrar, os donos do poder criam o direito que lhes é aplicável e o aplicam às situações litigiosas com caráter de definitividade.” (BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 15)

47 GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. O suposto caráter autoritário da supremacia do interesse público e das origens do direito administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves (Org.). Op. cit., p. 15.

48 Conforme bem observou Humberto Ávila, “elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado (p. ex. preâmbulo e direitos fundamentais)” [ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 190].

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públicos não significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre os interesses públicos e privados”49. Interesse público como finalidade fundamental da atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular, portanto, não devem ser tratados como se sinônimos fossem, pois “não estão principialmente em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência”50.

3 A DESCONSTRuÇÃO DO PRINCÍPIO DA SuPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE OS INTERESSES PRIVADOS: POR uM DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITuCIONAL

Conforme evidenciado ao longo deste estudo, a noção de “interesse pú-blico”, de difícil precisão conceitual, pode variar em distintos contextos histó-ricos, políticos, econômicos, jurídicos e sociais para atender a determinadas expectativas com relação ao papel do Estado em face aos indivíduos.

No Brasil, Celso Antônio Bandeira de Mello, difundindo lição originária do jurista italiano Renato Alessi, classifica o interesse público em interesse pú-blico primário e interesse público secundário51. Por interesse público primário entende-se o interesse da coletividade como um todo, conforme previsto na ordem jurídica posta. Seria, portanto, o “interesse do povo”, também denomi-nados de “interesses gerais imediatos”. Já o interesse público secundário é o interesse do Estado, enquanto sujeito de direito (pessoa jurídica); são “interesses gerais mediatos”, normalmente coincidentes com estritos interesses patrimo-niais ou financeiros.

Para Bandeira de Mello, os interesses públicos primários e secundários devem coincidir, e, caso colidam, deverá sempre prevalecer o interesse público primário (“interesse do povo”), posto que, nessa hipótese, o interesse públi-co secundário nem mesmo poderá ser considerado interesse público, mas tão somente um interesse administrativo ou governamental ilegítimo. Em seguida, exemplifica interesses secundários contrários ao interesse público primário: o interesse que o Estado poderia ter em tributar desmesuradamente os adminis-trados, ou pagar remunerações ínfimas a seus servidores, ou não pagar indeni-zações cíveis quando ocasionasse danos aos administrados, ou pagar indeniza-ções irrisórias nas desapropriações, etc.52.

Dessas lições preliminares extrai-se, desde já, a pacífica compreensão de que o interesse público secundário, ou seja, da pessoa jurídica de direito público (Erário), jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do

49 ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 191.

50 Idem, p. 191.51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 72-73.52 Idem, p. 72-73.

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particular. Caso haja colisão entre tais interesses, caberá ao intérprete proceder à adequada ponderação, diante dos elementos normativos e fáticos relevantes para a solução do caso concreto.

Nas precisas palavras do jurista Luis Roberto Barroso,

o interesse público primário, consubstanciado em valores fundamentais como justiça e segurança há de desfrutar de supremacia em um sistema constitucional e democrático. Deverá ele pautar todas as relações jurídicas e sociais – dos particu-lares entre si, deles com as pessoas de direito público e destas entre si. O interesse público primário desfruta de supremacia porque não é passível de ponderação. Ele é o parâmetro de ponderação. Em suma: o interesse público primário consiste na melhor realização possível, à vista da situação concreta a ser apreciada, da vontade constitucional, dos valores fundamentais que ao intérprete cabe preser-var ou promover.53

Dessa forma, uma adequada intelecção do que seja interesse público irá apontar para uma convergência entre os interesses de natureza coletiva ou me-taindividuais e os interesses legítimos dos indivíduos, principalmente aqueles qualificados como direitos fundamentais. Tal conclusão deve-se ao fato de que, embora os valores intrínsecos aos direitos fundamentais independam de qual-quer vantagem coletiva eventualmente associada à sua garantia e/ou promoção, na imensa maioria dos casos, quando efetivados, toda a sociedade também se fortalece54.

Por vezes, conflitos inexistentes entre “interesses públicos” e “interesses privados” são apontados em razão de incorreta identificação do real sentido de “interesse público”. Há, contudo, situações em que o interesse da coletividade pode efetivamente colidir com direitos fundamentais. Embora a proteção e a promoção dos direitos fundamentais sejam interesse público, existem outros interesses públicos igualmente legítimos, cuja busca talvez não corresponda a nenhum tipo específico de direito fundamental. É o caso, por exemplo, do interesse coletivo referente a maiores investimentos públicos em saúde, educa-ção, infraestrutura, habitação, etc., ou mesmo no aumento do valor do salário--mínimo e dos proventos de aposentadorias, que eventualmente poderá colidir com a necessidade de observância da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Com-plementar nº 101/2000) e com o equilíbrio das contas públicas.

Ronald Dworkin utiliza o termo “princípios” para denominar, de maneira genérica, todo o conjunto de padrões que não são regras. Entretanto, de manei-ra mais específica, tenta distinguir alguns desses padrões a fim de que se possa

53 BARROSO, Luís Roberto. Prefácio. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. vii-xviii, p. xvi.54 Nesse sentido, corretamente leciona Daniel Sarmento: “As sociedades que primam pelo respeito aos direitos

dos seus membros são, de regra, muito mais estáveis, harmônicas e prósperas do que aquelas em que tais direitos são sistematicamente violados” [SARMENTO, Daniel. interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 36].

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evitar a confusão entre seus respectivos significados para o mundo jurídico. É assim que estabelece a diferença entre princípios e políticas (policies)55.

Princípios, segundo o autor, seriam esses padrões que devem ser obser-vados em função de alguma dimensão da moralidade. Portanto, não são pa-drões que são cumpridos simplesmente com a função de promover uma deter-minada situação considerada desejável. Há um fundo de justiça na observância dos princípios. As políticas, por outro lado, já dizem respeito justamente a um padrão que estabelece um objetivo. Pode-se dizer que são padrões de melhoria de aspectos sociais considerados desejáveis pelo corpo da comunidade.

Para Dworkin, não é possível a restrição de direitos fundamentais visan-do exclusivamente à tutela de interesses coletivos, sem a necessária pondera-ção diante de casos concretos56. Afirmou que os princípios em sentido estrito, relacionados aos direitos fundamentais, não poderiam ser ponderados com as diretrizes políticas, tendo primazia em relação a elas. Já conflitos entre regras seriam solucionados no modo “tudo ou nada” (all or nothing), no qual a aplica-ção de uma das regras conflitantes excluiria a aplicação da outra no específico caso, porém não por meras considerações relacionadas ao interesse coletivo.

Humberto Ávila, por sua vez, leciona que

a teoria geral do Direito define os princípios jurídicos como normas de otimiza-ção concretizáveis em vários graus, sendo que a medida de sua concretização depende não somente das possibilidades fáticas, mas também daquelas jurídicas; eles permitem e necessitam de ponderação [...], porque não se constituem em regras prontas de comportamento, precisando, sempre, de concretização.57

O jurista gaúcho recorre aos ensinamentos de Robert Alexy para falar na existência de um verdadeiro ônus argumentativo em prol dos interesses priva-dos e em detrimento de bens coletivos, “no sentido de que, sob iguais condições ou no caso de dúvida, deve ser dada prioridade aos interesses privados, tendo em vista o caráter fundamental que eles assumem no Direito Constitucional”58. Para Ávila,

ambos os interesses estão atrelados in abstracto e somente poderão ser descritos como resultado de uma análise sistemática. Somente in concreto possuem eles

55 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 46-50. Título original: Taking rights seriously.

56 Nesse sentido, pertinentes são as reflexões levantadas por Daniel Sarmento: “[...] parece-nos cons-titucionalmente possível a restrição de direitos fundamentais com base no interesse público. Mas será que os direitos fundamentais sempre cedem diante dos interesses da coletividade? Será que seu âmbito de proteção deve ser desenhado de modo a excluir qualquer tutela jurídica sobre exercícios que contrariem interesses da coletividade?” [SARMENTO, Daniel. interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., 2007. p. 87.]

57 ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 180.

58 Idem, p. 187.

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conteúdo objetivamente mínimo e assumem uma relação condicionada de prio-ridade. Não antes.59

Com efeito, afirma que o “princípio da supremacia do interesse público” sequer pode ser considerado uma norma-princípio, se analisado pelo modo como a Teoria Geral do Direito modernamente concebe os princípios prima facie, já que

[...] sua descrição abstrata não permite uma concretização em princípio gradual, pois a prevalência é a única possibilidade (ou grau) normal de sua aplicação, e todas as outras possibilidades de concretização somente consistiriam em exce-ções e, não, graus; sua descrição abstrata permite apenas uma medida de concre-tização, a referida “prevalência”, em princípio independente das possibilidades fáticas e normativas; sua abstrata explicação exclui, em princípio, a sua aptidão e necessidade de ponderação, pois o interesse público deve ter maior peso rela-tivamente ao interesse particular, sem que diferentes opções de solução e uma máxima realização das normas em conflito (e dos interesses que elas resguardam) sejam ponderadas; uma tensão entre os princípios não se apresenta de modo principial, pois a solução de qualquer colisão se dá mediante regras de prevalên-cia, estabelecidas a priori e não ex post, em favor do interesse público, que pos-sui abstrata prioridade e é principialmente independente dos interesses privados correlacionados (p. ex. liberdade, propriedade).60

Seguindo essa linha de raciocínio, argumenta que determinadas ativi-dades administrativas sequer podem ser ponderadas em favor do interesse pú-blico e em detrimento dos interesses privados legitimamente envolvidos. São exemplos:

a) o esclarecimento dos fatos na fiscalização de tributos;

b) a determinação dos meios empregados pela administração;

c) a ponderação dos interesses envolvidos, pela Administração ou pelo Judiciário;

d) a limitação da esfera privada dos cidadãos (ou cidadãos contri-buintes);

e) a preservação do sigilo, etc.61

Dessa feita, exceto quando houver uma expressa regra constitucional de prevalência, a identificação do interesse que deverá prevalecer em determina-da situação conflituosa concreta demandará uma ponderação proporcional dos interesses em jogo, a partir dos substratos fáticos e jurídicos extraídos do caso

59 Idem, p. 189.60 Idem, p. 184-185.61 Idem, p. 215.

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específico, devidamente interpretados à luz do Texto Constitucional. O que será chamado de “interesse público” é, então, a síntese obtida desse processo ponderativo que ora apontará para a preponderância relativa ao interesse geral ou coletivo, ora determinará a prevalência parcial de interesses individuais62.

Para Humberto Ávila, o referido “princípio da supremacia do interesse público” também não pode ser havido como postulado explicativo do Direito Administrativo, pois:

– ele não pode ser descrito separada ou contrapostamente aos interesses priva-dos: os interesses privados consistem em uma parte do interesse público;

– ele não pode ser descrito sem referência a uma situação concreta e, sendo assim, em vez de um “princípio abstrato de supremacia” teríamos “regras con-dicionais concretas de prevalência” (variáveis segundo o contexto).63

Entende-se, portanto, em consonância com os diversos argumentos apre-sentados antes, que a questão das restrições aos direitos fundamentais justifica-das na persecução do interesse público é incompatível com soluções de caráter simplista, eivada de uma tendência argumentativa autoritária e demasiadamen-te genérica, como a baseada na ideia de uma pretensa supremacia do interesse público sobre o particular, que, como visto, a rigor, não deve nem mesmo ser considerado um princípio jurídico e/ou um postulado explicativo do Direito Administrativo64.

4 O DEVER DE PROPORCIONALIDADE E AS NORMAS INSTITuIDORAS DE PRIVILÉGIOS PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: NOVOS PARÂMETROS DE fuNDAMENTAÇÃO

As prerrogativas processuais e materiais da Administração Pública em sua relação com os cidadãos65 historicamente sempre foram justificadas pelos estudiosos do Direito Administrativo como sendo projeções do princípio da supremacia do interesse público sobre os interesses particulares, demonstração inequívoca da superioridade jurídica dos interesses do Estado em relação aos interesses dos indivíduos, quando postos em juízo.

62 BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 15.63 ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. In:

SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., 2007, p. 224.64 Entende Daniel Sarmento que os limites aos direitos fundamentais podem apresentar-se, basicamente, sob

três formas distintas: “(a) podem estar estabelecidos na própria Constituição; (b) podem estar autorizados pela Constituição, quando esta prevê a edição de lei restritiva; e (c) podem, finalmente, decorrer de restrições não expressamente referidas no Texto Constitucional. [SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Op. cit., p. 90-91].

65 Prazo em quádruplo para responder e em dobro para recorrer, desnecessidade de apresentação de procuração, não produção dos efeitos da revelia, duplo grau obrigatório de jurisdição, impenhorabilidade de bens, sistema de execução mediante precatórios, etc.

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Por essa tese, o Estado corporificaria então o próprio interesse público, fazendo jus, assim, a um rol de privilégios processuais sem os quais os interesses da coletividade estariam seriamente ameaçados.

Raciocínio semelhante foi aplicado na fundamentação das prerrogativas administrativas de natureza material. As denominadas “cláusulas exorbitan-tes dos contratos administrativos”, por exemplo, são até hoje justificadas, pela maioria da doutrina juspublicista brasileira, como decorrência da verticalidade nas relações travadas entre o Estado e o particular, em oposição à horizontali-dade das relações privadas66.

O “princípio da supremacia do interesse público” também é invocado para justificar uma série de outras prerrogativas materiais da Administração Pú-blica: a inoponibilidade, pelo particular, da exceção de contrato não cumprido; os poderes de alteração e extinção unilateral dos contratos administrativos pela Administração; os poderes para fiscalizar as atividades da empresa contratada, intervir na sua gestão e aplicar-lhe sanções; etc.

As normas instituidoras de privilégios para a Administração Pública no Brasil, entretanto, carecem de nova fundamentação que seja compatível com a construção de um Direito Administrativo Constitucional, no qual tais normas não sejam legitimadas simplesmente por uma regra de prevalência apriorística e absoluta dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais.

Ao invés do autoritário argumento de supremacia, a fundamentação her-menêutica para as hipóteses de tratamento diferenciado conferido ao Poder Pú-blico em relação aos particulares devem ser baseadas na ideia de isonomia, e obedecer a rígidos critérios estabelecidos pela lógica do princípio constitucio-nal da igualdade67.

Nesse sentido, leciona Gustavo Binenbojm que, para que um privilégio instituído em favor da Administração seja constitucionalmente legítimo, é ne-cessário que:

(I) a compreensão do princípio da isonomia (isto é, a extensão da discriminação em desfavor dos particulares) seja apta a viabilizar o cumprimento, pelo Estado, dos fins que lhe foram cometidos pela Constituição ou pela lei;

(II) o grau ou medida da compressão da isonomia (isto é a extensão da discrimi-nação criada em desfavor dos particulares) deve observar o limite do estritamente necessário e exigível para viabilizar o cumprimento, pelo Estado, dos fins que lhe foram cometidos pela Constituição e pela lei.

66 BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 113.67 Cf. ADIn 1.753-2/DF (Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 ago. 2012)

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(III) por fim, o grau ou medida do sacrifício imposto à isonomia deve ser compen-sado pela importância da utilidade gerada, numa análise prognóstica de custos para os particulares e benefícios para a coletividade como um todo.68

CONSIDERAÇÕES fINAISO vertente estudo aponta para a necessidade de desconstrução do tradi-

cional “dogma” da supremacia do interesse público sobre os interesses priva-dos, por entender ser a sua utilização, enquanto postulado explicativo e inter-pretativo das normas de Direito Administrativo, frontalmente incompatível com uma análise sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, particularmente à luz da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dos princípios edificada sob a égide do constitucionalismo democrático contemporâneo.

O “princípio” da supremacia do interesse público revela-se apartado da moderna concepção doutrinária acerca dos princípios jurídicos. Neste aspecto, fica evidenciada a contraposição entre a existência de uma regra abstrata de prevalência absoluta em favor do interesse público e a aplicação gradual dos princípios, proporcionada pelo caráter abstrato dos mesmos.

Por essa razão, a nosso ver, torna-se injustificável a manutenção de in-vocação do critério apriorístico da “supremacia do interesse público sobre o interesse privado”, de viés argumentativo autoritário, como justificativa racional para legítimas restrições a direitos fundamentais que corporificam interesses pri-vados constitucionalmente protegidos.

O pluralismo jurídico, a heterogeneidade multicultural e os fenômenos simultâneos da “publicização do direito privado” e da “privatização da gestão pública” na sociedade pós-moderna fragmenta fortemente a noção de interesse público, cuja definição, em cada caso, tornar-se-á cada vez mais dependente de juízos racionais de ponderação.

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68 BINENBOJM, Gustavo. Op. cit., p. 114.

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

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Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e Cadastro de Empregadores: Dignidade Humana e Direito à Informação

Work in Conditions Similar to Slave and Employers Register: Human Dignity and the Right to Information

guSTAvO FILIPE BARBOSA gARCIALivre‑Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, Pós‑Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós‑Graduação em Direito, Advogado, Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex‑Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex‑Auditor‑Fiscal do Trabalho, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. A sua regulamentação é estabelecida em portaria, que tem como fundamento o direito constitucional à informação. Trata‑se de relevante mecanismo voltado à prevenção e ao combate dessa grave afronta à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho.

PALAVRAS‑CHAVE: Trabalho em condição análoga à de escravo; cadastro de empregadores; direito à informação; dignidade da pessoa humana; trabalho decente.

ABSTRACT: This article aims to analyze the Register of Employers who submitted workers to condi‑tions similar to slave. Their rules are established in Ordinance, which is founded on the constitutional right to information. This is relevant mechanism aimed at preventing and combating this serious affront to human dignity and social value of work.

KEYWORDS: Work in conditions similar to slave; Employers Register; right to information; dignity of human person; decent work.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Informação como direito fundamental; 2 Trabalho forçado no Direito Inter‑nacional; 3 Cadastro de Empregadores e processo administrativo; 4 Termo de Ajuste de Conduta ou acordo judicial firmado com a União; 5 Microempresa, empresa de pequeno porte, empresário individual e empregador doméstico; 6 Termo de Ajuste de Conduta ou acordo judicial firmado com o MPT; 7 Período de permanência e exclusão da relação de empregadores que celebram TAC ou acordo judicial; 8 Ação Direta de Inconstitucionalidade; Conclusão; Referências.

INTRODuÇÃO

A Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4, de 11 de maio de 2016, com início de vigência a partir da data de sua publicação (art. 15), ocorrida no Diário Oficial da União de 13 de maio 2016, dispõe sobre as regras relativas ao

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Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.

A redução de alguém à condição análoga à de escravo configura grave violação à dignidade da pessoa humana, prevista como fundamento do Esta-do Democrático de Direito (art. 1º, inciso III, da Constituição da República), constituindo-se em manifesta antítese do trabalho decente1.

A mencionada conduta acarreta repercussões diversas, de natureza cri-minal, trabalhista, civil e administrativa, tornando imprescindíveis a sua pre-venção e repressão, bem como a indenização e a compensação dos danos de-correntes2.

No presente estudo, assim, serão examinadas as principais previsões que disciplinam o referido Cadastro de Empregadores.

Para se alcançar o objetivo proposto, o método utilizado é o dedutivo, com técnica de pesquisa bibliográfica e documental, notadamente doutrinária, legislativa e jurisprudencial.

1 INfORMAÇÃO COMO DIREITO fuNDAMENTALA disposição voltada a dar publicidade ao mencionado Cadastro de Em-

pregadores, em verdade, decorre do direito à informação, de natureza funda-mental3, previsto no art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição da República, ao as-segurar que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que devem ser prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado4.

O direito à informação é essencial ao exercício pleno e efetivo da cidada-nia (art. 1º, inciso II, da Constituição da República), entendida, em seu sentido mais amplo, como exigência para a legitimidade do Estado Democrático de Direito.

Quanto a essa temática, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, com o fim de garantir o acesso a infor-

1 Cf. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do tratamento decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006. p. 126: “Trabalho decente é aquele em que são respeitados os direitos mínimos dos trabalhadores necessários à preservação de sua dignidade”.

2 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 193.

3 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 571.4 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

p. 253.

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mações previsto no art. 5º, inciso XXXIII, no art. 37, § 3º, inciso II, e no art. 216, § 2º, da Constituição Federal de 1988.

Frise-se que os procedimentos previstos na mencionada Lei nº 12.527/2011 destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à in-formação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: observância da publici-dade como preceito geral e do sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; fomento ao de-senvolvimento da cultura de transparência na Administração Pública; desenvol-vimento do controle social da Administração Pública (art. 3º).

Ainda quanto ao tema examinado, cabe salientar que o acesso à infor-mação de que trata a Lei nº 12.527/2011 compreende, entre outros, o direito de obter informação relativa ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo (art. 7º, inciso VII, b).

2 TRABALhO fORÇADO NO DIREITO INTERNACIONAL

No Plano do Direito Internacional, a Portaria Interministerial em estudo tem como fundamentos:

– a Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1930, sobre trabalho forçado ou obrigatório, promulgada pelo Decreto nº 41.721/1957.

Para os fins da Convenção nº 29 da OIT, a expressão trabalho forçado ou obrigatório designa todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ame-aça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade (art. 2º, item 1).

– a Convenção nº 105 da OIT, de 1957, sobre a abolição do trabalho forçado, promulgada pelo Decreto nº 58.822/1966.

De acordo com essa Convenção, qualquer membro da Organização In-ternacional do Trabalho que ratifique a Convenção nº 105 se compromete a su-primir o trabalho forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma: a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas, ou ma-nifestem sua oposição ideológica, à ordem política, social ou econômica esta-belecida; b) como método de mobilização e de utilização da mão de obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como medida de disciplina de trabalho; d) como punição por participação em greves; e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa (art. 1º).

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– a Convenção sobre a Escravatura de Genebra, de 1926, emendada pelo Protocolo de 1953, promulgada pelo Decreto nº 58.563/1966, o qual também promulgou a Convenção Suplementar sobre a abo-lição da escravatura, de 1956.

A escravidão é definida nessa Convenção de 1926 como o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade, e escravo é o indivíduo submetido a esse estado ou condição (art. 7º, § 1º).

– a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, tam-bém conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, promulgada pelo Decreto nº 678/1992.

Destaca-se, assim, a previsão de que ninguém pode ser submetido à es-cravidão ou à servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. Ademais, ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório (art. 6º).

Observado esse contexto normativo internacional, a Portaria Interminis-terial MTPS/MMIRDH nº 4/2016 estabelece, no âmbito do Ministério do Tra-balho, Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a con-dições análogas à de escravo, bem como dispõe sobre as regras que lhes são aplicáveis (art. 1º).

3 CADASTRO DE EMPREGADORES E PROCESSO ADMINISTRATIVOO Cadastro de Empregadores deve ser divulgado no sítio eletrônico ofi-

cial do Ministério do Trabalho, contendo a relação de pessoas físicas ou jurídi-cas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo (art. 2º da Portaria Interministerial nº 4/2016).

João Humberto Cesário, ao versar sobre a legalidade e a constituciona-lidade de portarias sobre a matéria em estudo, destaca os seguintes preceitos que fundamentam a sua validade: o art. 21, inciso XXIV, da Constituição da República, ao prever que compete à União organizar, manter e executar a ins-peção do trabalho; o art. 87, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal de 1988, no sentido de que compete ao Ministro de Estado exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e das entidades da Administração Federal na área de sua competência; o art. 913 da CLT, a estabelecer que o Ministro do Trabalho deve expedir instruções, quadros, tabelas e modelos necessários à execução desse diploma legal5.

5 CESÁRIO, João Humberto. Legalidade e conveniência do cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas às de escravo – compreendendo a “Lista Suja”. Revista do TST, Brasília, v. 71, n. 3, p. 85, set./dez. 2005.

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Merece destaque a previsão de que a inclusão do empregador somente deve ocorrer após a prolação de decisão administrativa irrecorrível de proce-dência do auto de infração lavrado na ação fiscal em razão da constatação de exploração de trabalho em condições análogas à de escravo (art. 2º, § 1º, da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Além disso, deve ser assegurado ao administrado, no processo adminis-trativo do auto de infração, o exercício do contraditório e da ampla defesa a respeito da conclusão da Inspeção do Trabalho de constatação de trabalho em condições análogas à de escravo, na forma dos arts. 629 a 638 da Consolidação das Leis do Trabalho, sobre processo de multas administrativas, e da Portaria MTPS nº 854/2015, que aprova normas para a organização e a tramitação dos processos de multas administrativas e de Notificação de Débito de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e/ou Contribuição Social (art. 2º, § 2º, da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Essa previsão decorre da garantia fundamental de que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inciso LV, da Constituição da República)6.

A Lei nº 9.784/1999, ao estabelecer normas básicas sobre o processo ad-ministrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da administração, no art. 2º, prevê que a Administração Pública deve obedecer, entre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, ra-zoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segu-rança jurídica, interesse público e eficiência.

Concretizando as garantias em questão, o mesmo diploma legal arrola como direitos do administrado, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegu-rados: ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas; formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente (art. 3º, incisos II e III).

Além disso, na fase instrutória e antes da tomada da decisão no processo administrativo, o interessado pode juntar documentos e pareceres, requerer di-ligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo (art. 38 da Lei nº 9.784/1999).

6 Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 473-474; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 607-609.

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Cabe recurso das decisões administrativas quanto a razões de legalidade e de mérito (art. 56 da Lei nº 9.784/1999).

Como se pode notar, o devido processo legal, abrangendo as garantias fundamentais dele decorrentes, também incide, de forma obrigatória, na esfera administrativa como exigência constitucional para a legitimidade da decisão a ser proferida7.

De todo modo, por se tratar de processo de natureza administrativa, não se exige a prévia condenação na esfera judicial.

Cabe registrar, entretanto, a posição divergente de Jorge Gonzaga Matsumoto e Vinicius Franco Duarte, ao defender que as drásticas consequ-ências da inclusão do nome do empregador na referida lista do Ministério do Trabalho “não podem ser impostas a quem quer que seja sem que este tenha garantido seu direito de acesso ao Judiciário e manejo das ações que entender cabíveis”. Nesse enfoque, a limitação da defesa à esfera administrativa acarreta-ria manifesta violação ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 19888.

Embora a questão possa gerar controvérsias, na realidade, a inclusão no Cadastro de Empregadores com a relação de pessoas físicas ou jurídicas autua-das em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo não exclui o acesso à jurisdição, mesmo porque não se confunde com a decisão, proferida pelo Poder Judiciário, quanto ao crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.803/20039.

A responsabilidade no plano administrativo e as suas consequências, como no caso de inclusão no referido cadastro de empregadores, desse modo, não podem ser confundidas com a condenação criminal10.

Quanto à atual compreensão conceitual do trabalho em condições aná-logas à de escravo, de acordo com José Claudio Monteiro de Brito Filho, “po-

7 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 648-649.

8 Cf. MATSUMOTO, Jorge Gonzaga; DUARTE Vinicius Franco. Regras da “lista suja” do trabalho escravo necessitam de uma faxina. Consultor Jurídico, 27 jan. 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jan-27/regras-lista-suja-trabalho-escravo-necessitam-faxina>. Acesso em: 16 mar. 2017.

9 “Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”.

10 Cf. PINTO, Melina Silva. A constitucionalidade da “lista suja” como instrumento de repressão ao trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil. Revista LTr: legislação do trabalho, v. 72, n. 9, p. 1109-1119, set. 2008.

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demos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador”11.

Na mesma linha, como observa Márcio Túlio Viana, “é importante notar que o tipo penal é amplo, abrangendo não só situações de falta de liberda-de em sentido estrito como o trabalho em jornada exaustiva e em condições degradantes”12.

O nome do empregador deve permanecer divulgado no Cadastro por um período de dois anos, durante o qual a Inspeção do Trabalho deve reali-zar monitoramento a fim de verificar a regularidade das condições de trabalho (art. 3º da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Se for verificada, no curso desse período, reincidência na identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo, com a pro-lação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do novo auto de infração lavrado, o empregador deve permanecer no Cadastro por mais dois anos, contados a partir de sua nova inclusão.

Os dados divulgados no Cadastro de Empregadores não prejudicam o direito de obtenção, pelos interessados, de outras informações relacionadas ao combate ao trabalho em condições análogas à de escravo, de acordo com a mencionada Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (art. 4º da Portaria Interministerial nº 4/2016).

4 TERMO DE AJuSTE DE CONDuTA Ou ACORDO JuDICIAL fIRMADO COM A uNIÃOQuanto ao tema em estudo, cabe destacar a previsão no sentido de que

a União pode, com a necessária participação e anuência da Secretaria de Ins-peção do Trabalho do Ministério do Trabalho, e observada a imprescindível autorização, participação e representação da Advocacia-Geral da União para a prática do ato, celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo ju-dicial com o administrado sujeito a constar no Cadastro de Empregadores, com os objetivos de reparação dos danos causados, de saneamento das irregulari-dades e de adoção de medidas preventivas e promocionais para evitar a futura ocorrência de novos casos de trabalho em condições análogas à de escravo, tanto no âmbito de atuação do administrado quanto no mercado de trabalho em geral (art. 5º da Portaria Interministerial nº 4/2016).

11 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem à condição análoga de escravo e dignidade da pessoa humana. Genesis: Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, v. 23, n. 137, p. 673-682, maio 2004.

12 VIANA, Márcio Túlio. Trabalho escravo e “lista suja”: um modo original de se remover uma mancha. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 44, n. 74 p. 199, jul./dez. 2006.

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A Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, no art. 5º, § 6º, prevê que os órgãos públicos legitimados podem tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial13.

Desse modo, além do Ministério Público e da Defensoria Pública, tam-bém têm legitimidade para propor a ação civil pública (principal e cautelar), entre outros, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 5º, inciso III, da Lei nº 7.347/1985).

A análise da celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial deve ocorrer mediante apresentação de pedido escrito pelo administrado (art. 5º, § 1º, da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Uma vez recebido o pedido em questão, deve ser dada ciência ao Minis-tério Público do Trabalho (MPT), mediante comunicação à Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT), ao qual será possibilitado o acompanhamento das tratativas com o administrado, bem como a participação facultativa na celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial.

Ao Ministério Público, conforme o art. 127 da Constituição da Repúbli-ca, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis14.

É atribuição do Ministério Público, desse modo, a tutela do interesse pú-blico primário, entendido como o interesse social, voltado ao bem comum.

Nesse contexto, cabe ao Ministério Público do Trabalho, que integra o Ministério Público da União (art. 128, inciso I, b, da Constituição da República), assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores (art. 84, inciso II, da Lei Complementar nº 75/1993)15.

O empregador que celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial não integrará a relação disciplinada no art. 2º da Portaria Inter-ministerial nº 4/2016, mas uma segunda relação, localizada topicamente logo abaixo da primeira, sendo que ambas devem integrar o mesmo documento e meio de divulgação (art. 5º, § 3º, da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Essa segunda relação deve conter nome do empregador, seu número de CNPJ ou CPF, o ano da fiscalização em que ocorreram as autuações, o número

13 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 132.

14 Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 79-80

15 Cf. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. 3. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 114.

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de pessoas encontradas em condição análoga à de escravo e a data de celebra-ção do compromisso com a União.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial somente pode ser celebrado entre o momento da constatação, pela Inspeção do Traba-lho, da submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo e a pro-lação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado na ação fiscal.

Para alcançar os objetivos e gerar os efeitos previstos no art. 5º, a cele-bração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial deve conter, no mínimo, as disposições e os compromissos por parte do administrado previstas no art. 6º da Portaria Interministerial nº 4/2016, a seguir sintetizadas:

I – renúncia a medidas administrativa ou judicial contestando a eficácia dos autos de infração sobre trabalho análogo ao de escravo;

II – pagamento de débitos trabalhistas e previdenciários apurados;

III – pagamento de indenização por dano moral individual a cada trabalhador en-contrado em condição análoga à de escravo, em valor não inferior a duas vezes o seu salário contratual;

IV – ressarcimento ao Estado de todos os custos envolvidos na execução da ação fiscal e no resgate dos trabalhadores, inclusive o seguro-desemprego devido a cada um deles pela situação em condições análogas às de escravo;

V – custeio de programa multidisciplinar destinado à assistência e ao acompa-nhamento psicossocial, ao progresso educacional e à qualificação profissional de trabalhadores resgatados de trabalho em condições análogas às de escravo;

VI – contratação de trabalhadores egressos de programa de qualificação nos mol-des previstos no inciso anterior;

VII – custeio de programa que tenha como objetivo o diagnóstico de vulnerabili-dades em comunidades identificadas como fornecedoras de mão de obra explo-rada em condições análogas às de escravo, seguido da adoção de medidas para a superação dessas vulnerabilidades;

VIII – elaboração e a implementação de sistema de auditoria para monitoramento do respeito aos direitos trabalhistas e humanos dos trabalhadores que prestem serviço ao administrado, e que tenha por objetivo eliminar as piores formas de exploração e estimular e promover o trabalho decente16;

16 Cf. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho: trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. 4. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 56: “Trabalho decente, então, é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: ao direito ao trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais”.

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IX – criação de mecanismos de avaliação e controle sobre o sistema de auditoria, para aferição de sua efetiva implementação e de seus resultados, bem como para promoção de seu constante aperfeiçoamento;

X – pactuação de que a execução ou os resultados do sistema de auditoria descri-to no inciso VIII não podem estabelecer nem induzir a adoção de posturas discri-minatórias em relação a trabalhadores que sejam identificados como vítimas de trabalho em condições análogas às de escravo;

XI – assunção pelo empregador de responsabilidade e dever de saneamento e reparação de quaisquer violações a direitos dos trabalhadores que lhe prestem serviço;

XII – necessidade de comprovação, no prazo de 30 dias, da adoção das medidas de saneamento e reparação necessárias sempre que constatada qualquer viola-ção a direito de trabalhador que lhe preste serviços;

XIII – envio de comunicação sempre que o administrado constate desrespeito aos direitos trabalhistas ou humanos de trabalhadores que lhe prestem serviço, no prazo de 30 dias, acompanhada da comprovação de adoção das respectivas medidas de saneamento e reparação;

XIV – apresentação de cronograma para cumprimento das obrigações assumidas, em especial as definidas nos incisos VI, VIII e IX;

XV – envio de relatórios semestrais para prestação de contas sobre o cumprimen-to das obrigações assumidas;

XVI – obrigação de apresentação de informações e documentos comprobatórios a qualquer questionamento formulado pela União ou por entidade integrante da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) quanto ao cumprimento dos termos do TAC ou acordo judicial, no prazo máximo de 30 dias;

XVII – previsão de que o cumprimento das obrigações de dar, estabelecidas para saneamento e reparação, representa quitação restrita aos títulos expressamente delimitados no TAC ou acordo judicial;

XVIII – previsão de que o TAC ou acordo judicial não constitui óbice à atuação administrativa ou judicial do Estado no caso de existência de outros danos causa-dos e não reparados pelo empregador;

XIX – imposição de multa pelo eventual descumprimento de cada cláusula con-tratual;

XX – previsão de que todas as comunicações relativas à execução do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial devem ser remetidas por escrito à Advocacia-Geral da União, à Secretaria de Inspeção do Trabalho e à Conatrae;

XXI – previsão expressa de que, se constatada violação pelo administrado a cláu-sula do TAC ou acordo judicial, ele tem 30 dias para apresentar impugnação ou comprovar o saneamento da irregularidade.

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Não aceita a impugnação, ou não comprovado o saneamento integral da violação, o TAC ou acordo judicial deve ser executado, devendo incidir o disposto no art. 10, § 3º, da Portaria Interministerial nº 4/2016, ao prever a ime-diata integração do administrado à relação publicada conforme o art. 2º dessa mesma Portaria, que dispõe sobre o Cadastro de Empregadores divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho, contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.

Frise-se que o mencionado programa multidisciplinar de assistência e de acompanhamento psicossocial, de progresso educacional e de qualificação, previsto no art. 6º, inciso V, da Portaria Interministerial nº 4/2016, deve atender aos seguintes requisitos:

– considerar as necessidades peculiares de readaptação dos partici-pantes, como sua experiência pregressa e o nível educacional;

– oferecer ciclo de assistência, acompanhamento psicossocial e mo-nitoramento do trabalhador de, no mínimo, um ano, dada a sua condição de especial vulnerabilidade;

– oferecer ciclo de progresso educacional e qualificação profissional não inferior a três meses, assegurando o custeio de todas as despe-sas necessárias para a inserção e efetiva adesão dos trabalhadores enquadrados como público alvo, incluindo aquelas com alimen-tação, transporte, material didático, bem como garantia de renda mensal não inferior a um salário-mínimo enquanto perdurar o pro-grama;

– ser executado preferencialmente nas localidades de origem dos trabalhadores; desenvolver-se em consonância com as pretensões profissionais do trabalhador e promover, ao final, a sua inclusão laboral, seja pelo estabelecimento de contratos de emprego, seja pelo estabelecimento de outras formas de inserção, como economia familiar ou empreendedorismo;

– assumir o compromisso de apresentar prestação de contas ao ad-ministrado, à Advocacia-Geral da União, à Secretaria de Inspeção do Trabalho e à Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), quanto ao uso dos recursos recebidos; assumir o compromisso de prestar informações ao administrado, à Advocacia--Geral da União, à Secretaria de Inspeção do Trabalho e à Secre-taria de Direitos Humanos, por intermédio da Conatrae, a respeito da execução e dos resultados do programa multidisciplinar (art. 6º, parágrafo único, da Portaria Interministerial nº 4/2016).

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Cópia do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial celebrado deve ser remetida para a Advocacia-Geral da União, para a Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) e para a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae (art. 8º da Portaria Interministerial nº 4/2016).

5 MICROEMPRESA, EMPRESA DE PEQuENO PORTE, EMPRESÁRIO INDIVIDuAL E EMPREGADOR DOMÉSTICO

Quando a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial envolver microempresa, empresa de pequeno porte, empresário individual ou empregador doméstico, o administrado, mediante prévia apre-sentação de declaração integral de patrimônio e renda, a ser remetida à Receita Federal se efetivamente pactuado o compromisso, pode solicitar à União que, em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e conside-rando o seu porte econômico, os recursos à sua disposição, a atividade econô-mica explorada, o grau de fragmentação da cadeia produtiva e a capacidade de emprego de mão de obra, avalie a conveniência de:

– limitar o cumprimento do inciso IV do art. 6º ao ressarcimento ao Estado dos custos decorrentes do seguro-desemprego devido a cada um dos trabalhadores encontrados em situação análoga à de escra-vo na ação fiscal, nos termos do art. 2º-C da Lei nº 7.998/1990;

– dispensar o cumprimento dos incisos VIII, IX e X do art. 6º da Porta-ria Interministerial nº 4/2016;

– dispensar, alternativamente, o cumprimento do inciso V ou VII do art. 6º da Portaria Interministerial nº 4/2016;

– reduzir o quantitativo de contratação de trabalhadores egressos de programa de qualificação previsto no inciso VI do art. 6º da Portaria Interministerial nº 4/2016, em número nunca inferior ao total de tra-balhadores encontrados em condições análogas às de escravo pela Inspeção do Trabalho (art. 7º da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Essa amenização no rigor de certas exigências tem como fundamento o princípio da igualdade em sua vertente substancial, permitindo o tratamento diferenciado, mediante justificativa lógica, a empregadores que não têm as mes-mas condições econômicas, técnicas e estruturais de empresas de maior porte17.

Como esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello:

17 Cf. BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Hedra, 2009. p. 47: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. [...] Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.

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A lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indiví-duos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada.18

6 TERMO DE AJuSTE DE CONDuTA Ou ACORDO JuDICIAL fIRMADO COM O MPTCabe salientar que os Termos de Ajustamento de Conduta ou os acordos

judiciais celebrados perante o Ministério Público do Trabalho (MPT) podem gerar regulares efeitos para a elaboração das duas relações disciplinadas pelos arts. 2º e 5º, § 3º, da Portaria Interministerial nº 4/2016, desde que: seja formu-lado pedido formal do administrado à Advocacia-Geral da União e à Secretaria de Inspeção do Trabalho, acompanhado de cópia do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial, do processo judicial ou do procedimento investigatório, e de documento que comprove a anuência expressa do Procura-dor do Trabalho celebrante; os seus termos atendam às condições previstas na referida Portaria (art. 9º da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Efetivamente, nos termos do art. 8º, § 1º, da Lei nº 7.347/1985, o Minis-tério Público pode instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar19.

Nesse sentido, incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições e no exercício de suas funções institucionais, instaurar in-quérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores (art. 84, inciso II, da Lei Complementar nº 75/1993).

Da mesma forma, como já mencionado, o Ministério Público, inclusive o do Trabalho, é legitimado a tomar dos interessados compromisso de ajustamen-to de conduta às exigências legais, mediante cominações, com eficácia de título executivo extrajudicial (art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985)20.

7 PERÍODO DE PERMANÊNCIA E EXCLuSÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGADORES QuE CELEBRAM TAC Ou ACORDO JuDICIAL

Os empregadores que celebrarem Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial nos termos da Portaria Interministerial nº 4/2016 de-

18 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed., 19. tir. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 39.

19 Cf. PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da ampliação do acesso à justiça. São Paulo: RT, 2001. p. 29.

20 Cf. MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na Justiça do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 70-78.

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vem permanecer na relação prevista no art. 5º, § 3º, pelo prazo máximo de dois anos, contados de sua inclusão, e podem requerer sua exclusão após um ano (art. 10 da Portaria Interministerial nº 4/2016).

O requerimento de exclusão, que será apreciado em até 30 dias, deve ser instruído com os relatórios periódicos previstos no inciso XV do art. 6º da Portaria atualizados, ficando o seu deferimento condicionado à inexistência de constatação de descumprimento de qualquer das obrigações assumidas por par-te do administrado.

Cópia do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou do acordo judicial celebrado nos termos da Portaria Interministerial nº 4/2016 deve ser acessível ao público por meio de link inserido no documento de divulgação previsto no art. 5º, § 3º, da referida Portaria.

Na hipótese de descumprimento pelo administrado de qualquer das obri-gações assumidas durante o período de dois anos, contados a partir de sua in-clusão na relação prevista no art. 5º, § 3º, da Portaria Interministerial nº 4/2016, este deve ser imediatamente integrado à relação publicada conforme art. 2º da Portaria, sujeitando-se às regras de inclusão e exclusão a ela aplicáveis.

Durante o período em que permanecerem na relação prevista no art. 5º, § 3º, da Portaria Interministerial nº 4/2016, os empregadores estão igualmente sujeitos à fiscalização da Inspeção do Trabalho e, no caso de reincidência de identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo nesse interstício: a União não celebrará com o administrado novo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial; o empregador deve ser inte-grado à relação publicada conforme art. 2º dessa Portaria imediatamente após a prolação de nova decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado em face da constatação de trabalho em condições análogas às de escravo (art. 11 da Portaria Interministerial nº 4/2016).

Em nenhuma hipótese, o tempo em que o empregador permanecer na relação daqueles que celebraram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial deve ser computado na contagem do período determinado pelo art. 3º da Portaria Interministerial nº 4/2016, ou seja, de dois anos no Cadastro de Empregadores contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo (art. 12 da Portaria Interministerial nº 4/2016).

À Secretaria de Direitos Humanos compete acompanhar, por intermédio da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), os procedimentos para inclusão e exclusão de nomes do Cadastro de Empregado-res (art. 13 da Portaria Interministerial nº 4/2016).

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8 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITuCIONALIDADEÉ relevante destacar que o art. 14 da Portaria Interministerial nº 4/2016

revogou expressamente a Portaria Interministerial nº 2, de 31 de março de 2015.

Com isso, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, julgou-se prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.209/DF pela perda superveniente do objeto, cassando-se a medida cautelar antes deferida, conforme decisão pro-ferida pela Ministra Relatora Cármen Lúcia, em 16.05.2016.

Argumentou-se que não houve o aditamento da petição inicial, não ten-do o autor promovido o cotejo analítico das normas constantes da Portaria In-terministerial nº 2/2011 e dos diplomas normativos supervenientes, a fim de justificar a persistência do objeto da ação direta de inconstitucionalidade. Além disso, entendeu-se que os pontos questionados na petição inicial dessa ação foram sanados na Portaria superveniente e revogadora da anterior. Desse modo, registrou-se que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ficam prejudicadas as ações de controle abstrato de constitucionalidade nas quais as normas impugnadas deixaram de subsistir no ordenamento jurídico, como ocorreu no caso em questão21.

CONCLuSÃOO trabalho em condições análogas à de escravo afronta gravemente a

dignidade da pessoa humana22 e acarreta manifesta violação ao valor social do trabalho, os quais são fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, incisos III e IV, da Constituição da República).

Portanto, a submissão de trabalhadores a essa condição deve ser comba-tida com vigor pelo Poder Público e por toda a sociedade.

Nesse contexto, com fundamento no direito à informação, a Portaria In-terministerial nº 4/2016 dispõe sobre o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.

A inclusão do empregador nesse Cadastro somente deve ocorrer após a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infra-ção lavrado na ação fiscal em razão da constatação de exploração de trabalho em condições análogas à de escravo. Deve ser assegurado ao administrado, no processo administrativo do auto de infração, o exercício do contraditório e da ampla defesa a respeito da conclusão da Inspeção do Trabalho.

21 “Ação direta de inconstitucionalidade. Portaria Interministerial nº 2/2011. Cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Ato normativo revogado. Perda superveniente de objeto. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada” (STF, ADI 5.209/DF, Decisão monocrática, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 24.05.2016).

22 Cf. SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr, 2000. p. 118.

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No âmbito de suas diversas previsões, merece destaque a possibilidade de ser celebrado Termo de Ajustamento de Conduta ou acordo judicial com o empregador sujeito a constar no Cadastro de Empregadores, visando à repa-ração dos danos causados, ao saneamento das irregularidades e à adoção de medidas preventivas e promocionais para evitar a futura ocorrência de novos casos de trabalho em condições análogas à de escravo.

Apesar dos possíveis questionamentos a respeito da norma administrativa em questão, é imperiosa a sua efetiva aplicação, por se tratar de relevante me-dida voltada à concretização do trabalho decente.

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Clipping JurídicoSuspensa decisão do CNJ sobre pontuação de títulos em concurso para serventias no RJ

O Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar no Man-dado de Segurança (MS) nº 33539 para determinar a recontagem de pontos da etapa de títulos no concurso para serventias extrajudiciais no Estado do Rio de Janeiro. O relator suspendeu os efeitos de decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que considerou in-viável a pontuação decorrente do exercício de delegação por bacharéis em Direito, alte-rando as regras para a contagem de pontos por títulos. No mandado de segurança no STF, a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios (ANDECC) questionou a decisão do CNJ e pediu o restabelecimento de decisão administrativa do Tribunal de Jus-tiça fluminense (TJRJ), organizador do concurso, para que fossem computados os pontos dos títulos de exercício profissional como delegatários bacharéis, conforme o inciso I do item 16.3 do edital do LIII Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga das Dele-gações das Atividades Notariais e/ou Registrais do Estado do Rio de Janeiro. Segundo a ANDECC, em virtude da nova orientação dada pelo CNJ, seus associados foram prejudica-dos com a perda de posições na classificação do concurso. Sustentou que, de acordo com resolução do próprio CNJ, a impugnação administrativa do edital em estágio avançado do certame é inadequada. Qualificou ainda de injusta a decisão porque coloca o bacharel em posição de desvantagem em relação ao delegatário sem formação jurídica. Para o Ministro Marco Aurélio, o CNJ conferiu ao edital interpretação incompatível com os arts. 14, inciso V, e 15, § 2º, da Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios). “Os preceitos legais admitem a delegação da atividade notarial e de registro tanto a bacharéis em Direito quanto àqueles que, embora sem formação jurídica, tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro”. O relator destacou ainda que o TJRJ, na elaboração do edital, seguiu tais balizas. Segundo o ministro, a decisão ques-tionada, além de contrariar a Lei dos Cartórios, “revela inadmissível tratamento discriminató-rio em relação aos candidatos com formação jurídica”, uma vez que, excluídos da contagem de títulos com fundamento no inciso I (exercício de delegação por bacharel), também não poderiam ser beneficiados pela previsão do inciso II (atividade notarial por não bacharel). O relator ressaltou também que as normas do certame não podem ser alteradas no curso do processo sob pena de ofensa ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório nos concursos públicos, “implicando desrespeito à segurança jurídica, consubstanciada na frus-tração das expectativas criadas”. A decisão do ministro foi publicada em 14.06.2017, antes das férias forenses. Processos relacionados: MS 33539. (Fonte: Supremo Tribunal Federal)

Não incide contribuição para o PIS sobre a folha de salários das cooperativas de crédito

A 8ª Turma do TRF1 deu parcial provimento à apelação interposta por uma cooperativa de crédito contra a sentença da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais que de-negou a segurança pretendida para que a autoridade coatora se abstivesse de exigir valores referentes ao Programa de Integração Social (PIS) sobre a folha de salários com o conse-quente recolhimento do direito à compensação das quantias indevidamente recolhidas com quaisquer tributos e contribuições administradas pela Secretaria da Receita Federal (SRF). O relator, Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa, afirmou, em seu voto, que o en-tendimento da Turma é de que não incide a contribuição para o PIS sobre a folha de salários das cooperativas de crédito. Assinalou o Magistrado que a compensação deve ser realizada conforme a legislação vigente na data do encontro de contas e após o trânsito em julgado, tendo em vista o disposto no art. 170-A do Código Tributário Nacional (CTN). Em relação à correção monetária e aos juros de mora, o desembargador salientou que deverão ser obser-vados os parâmetros fixados no Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução CJF nº 134, de 21.12.2010, com alterações da Resolução CJF nº 267, de 02.12.2013). Nesses termos, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, deu parcial provimento à apelação e concedeu

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parcialmente a segurança para declarar a inexistência de relação jurídico-tributária entre a cooperativa e a Fazenda Nacional no que tange ao recolhimento do PIS sobre a folha de salários e para assegurar à cooperativa impetrante o direito à compensação, observada a prescrição quinquenal, devendo a atualização monetária do indébito observar os parâmetros fixados pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal. Nº do Processo: 2007.38.00.009441-5. (Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Empresa responsável pela retenção e recolher o IR não tem legitimidade para requerer restituição de indébito

O sujeito responsável pela obrigação de fazer consistente em retenção e recolhimento do Imposto de Renda não tem legitimidade ad causam para pleitear a restituição de valores eventualmente pagos a maior por ocasião do cumprimento de referida incumbência norma-tiva. Essa foi a tese que prevaleceu em julgamento de embargos de divergência na Primeira Seção do Superior Tribunal de justiça (STJ). O colegiado, por unanimidade, entendeu que a repetição de indébito tributário só pode ser postulada pelo sujeito passivo que pagou, ou seja, que arcou efetivamente com o ônus financeiro da cobrança, conforme a interpretação dos arts. 121 e 165 do Código Tributário Nacional (CTN). A divergência apontada envolveu questão relacionada à legitimidade do sujeito passivo de obrigação tributária acessória (no caso, pessoa jurídica de direito privado) para requerer a restituição de indébito tributário re-sultante de pagamento de Imposto de Renda retido e recolhido a maior, quando em cumpri-mento do art. 45, parágrafo único, do CTN. O dispositivo estabelece que a lei pode atribuir à fonte pagadora a retenção e o repasse ao Fisco do IR devido pelo contribuinte. Decisão da Primeira Turma, no entanto, entendeu que, apesar de ser fonte pagadora, a empresa não tem legitimidade ativa para postular repetição de indébito. Segundo o acórdão embargado, não há propriamente pagamento por parte da responsável tributária, uma vez que o ônus eco-nômico da exação é assumido direta e exclusivamente pelo contribuinte que realizou o fato gerador correspondente, cabendo a este, tão somente, o direito à restituição. Paradigmas: Já nas decisões indicadas como paradigmas, entendeu-se que: É pacífica a jurisprudência do STJ quanto à legitimidade da empresa, na condição de responsável pelo recolhimento do tri-buto, para propor ação visando à repetição do indébito; o art. 35 da Lei nº 7.713/1988 atribui à empresa a retenção do tributo em análise, fato que a transforma em responsável pelo pa-gamento do imposto, conforme dicção do parágrafo único do art. 45, combinado com o art. 121, II, ambos do CTN – dessa forma, a recorrente possui legitimidade para impetrar manda-do de segurança; e como o sujeito passivo pode ser responsável ou contribuinte, concluiu-se que está o sujeito passivo legitimado para o indébito. Ao votar pela manutenção do acórdão embargado, o relator, Ministro Og Fernandes, destacou que não se pode confundir a sujeição passiva de uma obrigação tributária acessória – cujo objeto corresponde a um fazer ou não fazer no interesse da arrecadação – e a sujeição passiva de uma obrigação tributária princi-pal – cujo objeto corresponde ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Obriga-ções diferentes: Para Og Fernandes, a obrigação tributária acessória, nos termos do art. 113, § 2º, do CTN, não se confunde com aquela disciplinada no art. 128. Ele reconheceu que determinado sujeito de obrigação tributária acessória (fonte pagadora da renda ou proventos tributáveis) pode ser incluído numa relação jurídico-tributária principal como responsável pelo pagamento do tributo, caso o recolhimento e a retenção que lhe cabiam não tenham sido efetivados, mas destacou que esse não foi o caso dos autos, uma vez que o imposto foi pago, inclusive a maior. A legitimidade processual ad causam para restituição de indébito tributário deve levar em consideração, em circunstâncias como a que se analisa, os sujei-tos da relação jurídico-material tributária principal, cujo objeto corresponde ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária dela decorrente, o que não é o caso dos autos, disse. Tributos indiretos: O ministro também reconheceu a existência de precedentes no STJ que constataram a legitimidade do sujeito passivo da obrigação tributária acessória – cujo objeto consiste na retenção e recolhimento de impostos e contribuições, mas todos relacionados a

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tributos indiretos e somente quando houver comprovação de que não houve repercussão do ônus financeiro a terceira pessoa, comumente intitulada de sujeito passivo de fato (art. 166 do CTN). Imposto de Renda não se inclui entre aqueles que se enquadram como “tributos in-diretos” a exigir qualquer análise quanto ao art. 166 do CTN, sendo desnecessário tecer mais comentários a respeito de referidos precedentes, concluiu o ministro. Og Fernandes também destacou que a existência de autorização outorgada pela contribuinte para ser substituída pela fonte pagadora em nada influenciaria no resultado da decisão. Quando muito, possibi-litaria que ela ingressasse com a demanda em nome da contribuinte substituída na qualidade de mandatária, mas não em nome próprio, esclareceu. Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): EREsp 1318163. (Fonte: Superior Tribunal de Justiça)

Soldado dá onze tiros de fuzil no chão para ameaçar cabo e é condenado a um ano de reclusão

Um ex-soldado do Exército teve a sua pena mantida pelo Superior Tribunal Militar (STM) a um ano de reclusão, por ter dado onze tiros de fuzil no chão, durante uma troca de posto de serviço, dentro do 37º Batalhão de Infantaria Leve (37º BIL), sediado em Lins/SP. O ex-militar foi condenado pelo crime de extravio de munição, previsto no art. 265 do Código Penal Mi-litar (CPM). Segundo o Ministério Público Militar, em 10 de junho de 2015, o soldado tinha sido escalado para o serviço de guarda ao quartel e, ao assumir posto, armado com fuzil, dirigiu-se ao cabo da guarda, proferindo palavras de desacato. Tudo tem sua hora e seu lugar, teria dito. Em seguida, efetuou 11 disparos do fuzil que portava, em direção ao chão, depois, voltou-se ao chefe imediato e, em tom ameaçador, teria afirmado: Tá vendo, cabo, o que acontece? Após responder a um inquérito policial militar (IPM), o acusado foi denunciado à Justiça Militar da União, em São Paulo, pelos crimes de desacato a superior e de desapa-recimento de munição, definidos nos arts. 298 e 265 do CPM. Uma vez que, de forma livre e consciente, desacatou superior, deprimindo-lhe a autoridade, além de consumir munição, sem qualquer autorização para tanto, escreveu a promotoria. Ao ser ouvido em juízo, o réu disse que não era verdadeira a imputação da denúncia quanto ao desacato, pois não foi sua intenção praticá-lo, e, quanto aos disparos, foi um meio para parar a situação. Disse também que estava bastante estressado e que o cabo pareceu estar achando que ele estava criando dificuldades, o que não era verdade, momento em que o cabo começou a falar alto. Já estava estressado e só queria tirar o seu serviço. Mas ele mandou tirar a roupa da cama do armário e colocar em local que não era minha obrigação fazer. Minha vontade era descarregar o fuzil para ver se resolvia o problema, disse. No julgamento de primeiro grau, o Conselho Perma-nente de Justiça para o Exército da 1ª Auditoria da 2ª CJM (São Paulo), por unanimidade, ab-solveu o ex-soldado do delito de desacato, por ausência dos elementos próprios para a confi-guração do crime e, por maioria de votos (4x1), o condenou pelo crime do art. 265 do CPM, à pena de um ano de reclusão, concedendo-lhe o direito de apelar em liberdade, o benefício do sursis pelo período de dois anos e o regime aberto para o início de cumprimento da pena. A defesa do acusado recorreu ao STM e pediu o reconhecimento da atipicidade da conduta (não haver crime) do ex-militar, evocando o princípio da insignificância. Argumentou que o valor da munição consumida foi de pequeno valor, pois os onze projéteis usados custaram R$ 62,93 e que o consumo de munição de baixo valor não é uma conduta que justifique a necessidade de se socorrer ao direito penal, tendo em conta, principalmente, a insignificân-cia da lesão ao patrimônio supostamente subtraído. Julgamento no STM: Ao apreciar o recur-so de apelação, o Ministro Marcus Vinicius Oliveira dos Santos negou o pedido e manteve inalterada a sentença da primeira instância da Justiça Militar da União (JMU). De acordo com o Magistrado, a conduta do então soldado do Exército está longe de caracterizar insignificân-cia penal e merece severa resposta, diante não somente do dano patrimonial causado à Ad-ministração Militar, mas, em especial, pelo fato de o crime ter se dado no ambiente castrense, produzindo o dano moral, também tutelado pelo Direito Penal Militar. Para o ministro, a alta

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periculosidade e a ofensividade da conduta dele no emprego indevido de munições perten-centes às Forças Armadas e o elevado grau de reprovabilidade do comportamento do militar que, ao efetuar disparos de fuzil em serviço, no interior do aquartelamento, colocando em risco a vida de seus pares, além da sua própria vida, afastam qualquer possibilidade de incidir o princípio da insignificância, invocado pela defesa para excluir a tipicidade do crime. Ao contrário do que argumenta o advogado, a conduta delitiva do acusado atentou não ape-nas contra o patrimônio da Organização Militar, mas violou significativamente os aspectos éticos do Estatuto Castrense, configurando-se em comportamento altamente reprovável. O fato de ter sido absolvido do crime de desacato não afasta a ilicitude do ato, considerando, sobretudo, a potencialidade lesiva do armamento objeto dos disparos dos 11 projéteis. Ainda segundo o relator, o consumo de munição praticado por militar no ambiente da caserna, de forma ilegal, não atinge apenas o patrimônio da Organização Militar, mas, também, bens juridicamente caros à vida castrense, como as relações de camaradagem e de lealdade que devem existir entre colegas de farda. A ação perpetrada pelo réu gerou dúvidas quanto à se-gurança entre os pares e um clima de desconfiança no ambiente de trabalho, fato altamente reprovável na caserna, na medida em que, em situações extremas, um militar deve confiar a própria vida ao colega. Ademais, a confiança na instituição e do próprio Exército é fragili-zada quando fatos dessa magnitude ocorrem em área sob a administração militar, atingindo sobremaneira a hierarquia e a disciplina, maculando tais princípios basilares das Forças Ar-madas, votou. O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao apelo da defesa. A sessão de julgamento foi transmitida, ao vivo, pela internet. Assista Processo Relacionado: Apelação nº 67-78.2015.7.02.0102/SP. (Fonte: Superior Tribunal Militar)

Advogada demitida num sábado à noite será indenizada por dano moral

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve parcialmente a condenação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes) ao paga-mento de indenização por danos morais a uma advogada que foi comunicada da demissão por meio de um telefonema às 23h, de um sábado, durante o repouso semanal remunerado. O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) havia estabelecido a condenação em R$ 10 mil por considerar que, além do modo em que foi feita a dispensa, a ausência de re-gistro do contrato de trabalho também gerou dano moral. A Turma, no entanto, acolhendo parte do recurso do Sindiupes, reduziu o valor da indenização para R$ 8 mil, por entender que a falta de anotação da carteira de trabalho (CTPS) representa mero descumprimento legal e não atinge os direitos da personalidade do empregado. Entenda o caso: Na reclamação, a advogada, que buscava o reconhecimento de vínculo empregatício, também incluiu entre as razões da reparação por danos morais a ausência da assinatura da CTPS e o não pagamento das verbas rescisórias. Segundo ela, o sindicato tentou encobrir a relação empregatícia por meio da celebração de contrato de estágio e de prestação de serviço. O Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Vitória/ES reconheceu o vínculo de emprego e condenou o ente sindical ao pagamento das verbas rescisórias devida; no entanto, julgou improcedente o pedido de inde-nização, por considerar que a lei trabalhista não disciplina a forma em que o empregado será dispensado. A sentença ressaltou ainda que a não anotação da CTPS e o não pagamento das verbas rescisórias não configuram ato ilícito, e sim descumprimento contratual. O TRT (ES), por outro lado, considerou abusiva tanto a forma como ocorreu a comunicação da dispensa, bem como a conduta do empregador em não providenciar o correto registro do contrato de trabalho. Diante desse entendimento, o Regional condenou o Sindiupes ao pagamento de R$ 10 mil de indenização por danos morais. Vida privada: No recurso ao TST, o sindicato sustentou que não houve ato lesivo que justificasse o direito à indenização por dano moral e alegou que a trabalhadora não comprovou suas alegações de que os atos atingiram sua honra, vida privada, imagem ou intimidade. O relator do recurso na Turma, Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, porém, acolheu apenas a parte do recurso no que

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diz respeito à não anotação da carteira de trabalho. A ilicitude praticada pelo empregador gera danos apenas na esfera patrimonial do empregado, sendo considerada, portanto, mero descumprimento de obrigação contratual, explicou. Quanto à forma em que a empregada foi comunicada da demissão, o relator manteve o entendimento de que a conduta excedeu o limite do direito potestativo do empregador, não havendo, diante disso, possibilidade de o procedimento ser considerado regular e inofensivo. A dispensa do emprego, por si só, já é suficiente para causar transtornos inevitáveis ao trabalhador. Desse transtorno inevitável, não responde o empregador por nenhuma reparação compensatória, mas responde em relação aos danos emanados dos atos evitáveis, potencialmente ofensivos e desnecessários, como no caso em apreço, concluiu. A decisão foi unânime. (Fonte: Tribunal Superior do Trabalho)

Declaração de abusividade de greve de vigilantes não autoriza demissão em massa

A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho rejei-tou pretensão do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado de Pernambuco (Sindesp) de demitir vigilantes que participaram de greve julgada abusiva. Não há amparo na lei para a determinação de dispensa dos empregados que aderiram à greve, afirmou a relatora do processo no TST, Ministra Kátia Magalhães Arruda. A greve, ocorrida em abril de 2016, foi liderada pelo Sindicato dos Trabalhadores Vigilantes Empregados de Empresas de Transporte de Valores e Escolta Armada do Estado de Pernambuco (Sindforte), que não tem registro sindical, motivada pela insatisfação dos trabalhadores com o ajuste coletivo firmado entre o Sindesp e o Sindicato dos Vigilantes de Pernambuco (Sindesvi-PE), que representa a categoria. O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) extinguiu o dissídio ajuizado pelo Sindesp contra o Sindforte, por considerar o sindicato ilegítimo para representar os vigilantes. No recurso ao TST, o sindicato patronal insistiu na declaração de abusividade da greve, alegando a falta de comprovação de regular convocação e deliberação em assembleia para a deflagração do movimento. Requereu também autorização do Poder Judiciário para que as empresas pudessem dispensar os empregados que descumpriram decisões judiciais, com a imediata contratação de novos trabalhadores. SDC: A SDC, seguindo entendimento que prevalece no TST, julgou a greve abusiva, pelo não atendimento dos requisitos formais contidos na Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989) e por ter sido liderada por entidade sindical que não possui a representatividade da categoria para fazer negociação coletiva. Mas o colegiado negou provimento ao recurso quanto à autorização para demissão em massa. Segundo a ministra Kátia Arruda, os arts. 7º, parágrafo único, e 9º da Lei de Greve apenas autorizam a contratação de trabalhadores, substitutos aos grevistas, durante o período de greve. A ideia é assegurar os serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável, pela deterioração irre-versível de bens, máquinas e equipamentos, e a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento, assinalou. O mesmo art. 7º, combinado com o art. 14, também permite a contratação de substitutos, mas apenas no caso de a paralisação ser mantida após acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. A simples declaração de abusividade da greve, por si só, não viabiliza a autorização de novas contratações de trabalhadores, já que, pelos dispositivos de lei citados, a justificativa para esse procedimento é a iminência de prejuízos irreparáveis, quer para a empresa, quer para a comunidade em geral, frisou. Não cabe a dispensa de empregados em razão do simples exer-cício do direito de greve, constitucionalmente assegurado. A ministra ressaltou ainda que, por se tratar de greve em atividade não essencial, a dispensa de empregados e contratação de novos trabalhadores constitui grave violação da liberdade sindical, e o Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem jurisprudência firme nesse sentido, fixada nos Enunciados nºs 570 e 593. A decisão foi unâ-nime nesse tema. Após a publicação do acórdão, o Sindforte opôs embargos declaratórios no tema relativo a sua legitimidade, que estão sendo examinados pela relatora. Processo: RO 180-67.2016.5.06.0000 – Fase atual: ED. (Fonte: Tribunal Superior do Trabalho)

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Fazenda do Estado deve indenizar por morte de criança

A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença, profe-rida pelo juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que condenou a Fazenda do Estado a indenizar em R$ 100 mil, a títulos de danos morais, mãe de criança que morreu por falta de fornecimento de leite especial. Consta dos autos que a Fazenda do Estado havia sido condenada a fornecer leite especial à criança, mas não cumpriu a deter-minação judicial. A não ingestão do alimento levou ao agravamento da enfermidade e ao falecimento da menina. Para o Desembargador Marcelo Martins Berthe, relator da apelação, o conjunto probatório é conclusivo no sentido de atribuir à Administração a culpa pelo evento. É obrigação do Estado a proteção à saúde das pessoas. A recusa em fornecer o trata-mento médico necessário constitui grave e hedionda ofensa aos princípios constitucionais. O julgamento contou com a participação dos Desembargadores Maria Laura Tavares e Fermino Magnani Filho e teve votação unânime. Nº do Processo: 0005874-89.2009.8.26.0053. (Fon-te: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

Fechamento da Edição: 31.07.2017

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.458, de 26.06.2017 – dou de 27.06.2017Altera a Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, para prorrogar o prazo de vigência da não incidência do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) previsto no art. 17 da Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997; a Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997; e a Lei nº 10.893, de 13 de julho de 2004.

leI nº 13.457, de 26.06.2017 – dou de 27.06.2017Altera as Leis nºs 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e 11.907, de 2 de fevereiro de 2009, que dispõe sobre a reestruturação da composição remuneratória da Carreira de Perito Médico Previdenciário e da Carreira de Supervisor Médico-Pericial; e institui o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade.

leI nº 13.456, de 26.06.2017 – dou de 27.06.2017Altera o Programa de que trata a Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015, para denominá-lo Programa Seguro-Emprego e para prorrogar seu prazo de vigência.

Fechamento da Edição: 11.07.2016

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGO DOuTRINÁRIO

• TrabalhoAnálogoàCondiçãodeEscravoeDegradante:AntítesedoTrabalho Decente

Gustavo Filipe Barbosa Garcia Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Direito transnacional

•How do Supranational Processes Anesthetize National Political Powers? (Anna Silvia Bruno) ......9

•Transnational Normative Orders: The Consti-tutionalism of Intra- and Trans-Normative Law(Poul F. Kjaer) ......................................................26

Autor

anna silvia Bruno

•How do Supranational Processes Anesthetize National Political Powers? .....................................9

poul F. KJaer

•Transnational Normative Orders: The Consti-tutionalism of Intra- and Trans-Normative Law ............................................................................26

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

JurisDição

•O Resgate da Legitimidade da Jurisdição Cons-titucional Objetiva pela Valorização do Pro-cedimento (Fernando Sérgio Amorim e JadsonCorreia de Oliveira) .............................................78

trataDos internacionais

•Com Quem a Corte Constitucional Brasileira Dialoga? Análise dos Argumentos dos Magis-trados do Supremo Tribunal Federal no Brasil Quanto à Incorporação dos Tratados Interna-cionais de Direitos Humanos (Danielle Anne Pamplona e Danielle Annoni) ..............................50

Autor

Danielle anne pamplona e Danielle annoni

•Com Quem a Corte Constitucional Brasileira Dialoga? Análise dos Argumentos dos Magis-trados do Supremo Tribunal Federal no Brasil Quanto à Incorporação dos Tratados Internacio-nais de Direitos Humanos ....................................50

Danielle annoni e Danielle anne pamplona

•Com Quem a Corte Constitucional Brasileira Dialoga? Análise dos Argumentos dos Magis-trados do Supremo Tribunal Federal no Brasil

Quanto à Incorporação dos Tratados Internacio-nais de Direitos Humanos ....................................50

FernanDo sérgio amorim e JaDson correia De oliveira

•O Resgate da Legitimidade da Jurisdição Cons-titucional Objetiva pela Valorização do Proce-dimento ...............................................................78

JaDson correia De oliveira e FernanDo sérgio amorim

•O Resgate da Legitimidade da Jurisdição Cons-titucional Objetiva pela Valorização do Proce-dimento ...............................................................78

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

Foro

•Foro, Prerrogativa e Privilégio: Quais e Quan-tas Autoridades Têm Foro no Brasil? (João Trindade Cavalcante Filho e Frederico RetesLima) .................................................................176

princípio

•Crítica à Supremacia do Interesse Público como Postulado de Interpretação do Direito Adminis-trativo (Emanuel Andrade Linhares) ...................198

traBalho escravo

•Trabalho em Condições Análogas à de Es-cravo e Cadastro de Empregadores: Dignida-de Humana e Direito à Informação (Gustavo Filipe Barbosa Garcia) .......................................220

Autor

emanuel anDraDe linhares

•Crítica à Supremacia do Interesse Público como Postulado de Interpretação do Direito Adminis-trativo ................................................................198

gustavo Filipe BarBosa garcia

•Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e Cadastro de Empregadores: Dignidade Huma-na e Direito à Informação ..................................220

João trinDaDe cavalcante Filho e FreDerico retes lima

•Foro, Prerrogativa e Privilégio: Quais e Quantas Autoridades Têm Foro no Brasil? .......................176

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

aposentaDoria por iDaDe

•Previdenciário – Aposentadoria rural por idade – Requisitos – Idade mínima e prova da ativida-

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246 ..........................................................................................................DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

de rural – Início de prova material – Direito asse-gurado – Juros e correção monetária (TRF 2ª R.) ................................................................3692, 117

emBargos

•Embargos declaratórios – Área de uso comum e de proteção ambiental – Plano de Recuperação de Área Degradada – Prad não cumprido – Dis-cussão acerca de matéria já analisada – impossi-bilidade – Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade (TRF 5ª R.) ......................3695, 142

execução

•Agravo de instrumento – Execução provisória de sentença proferida em ação civil pública – Condenação solidária – Aplicação do art. 275do CC (TRF 4ª R.) .....................................3694, 139

prescrição

•Penal – Processual – Apelações criminais – Pássaros silvestres irregularmente mantidos em cativeiro domiciliar pelo acusado, inclusive es-pécie ameaçada de extinção, portando relação não atualizada de passeriformes no endereço do plantel – Anilha alargada, não registrada no SISPASS ou ausente, em desacordo com o art. 32, II e III, da Instrução Normativa Ibama nº 10/2011 – Uso indevido de anilha do Ibama pelo réu, sa-bidamente, adulterada – Delitos imputados na denúncia devidamente tipificados no art. 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, e no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, em concurso material – Princípio da consunção não aplicável no caso concreto – Ausência de conflito aparen-te de normas – Prescrição inocorrida – Materia-lidade e autoria demonstradas – Dolo configura-do – dosimetria – Atenuantes do art. 65, I, parte final, do Código Penal, e do art. 14, I e IV, da Lei nº 9.605/1998, reconhecidas na hipótese, inclu-sive de ofício, nos limites da Súmula nº 231 do STJ (penas-base fixadas já no mínimo patamar legal) – Causa especial de aumento de pena do art. 29, § 4º, I, da Lei nº 9.605/1998, devidamen-te mantida em relação ao delito ambiental, em detrimento da agravante do art. 15, II, q, da Lei nº 9.605/1998 – Substituição da soma das penas corporais aplicadas ao réu por duas restritivas de direitos – Apelos da acusação e da defesa par-cialmente providos (TRF 3ª R.) .................3693, 121

responsaBiliDaDe

•Administrativo – Ambiental – Extração de mine-rais de modo ilegal – Conduta – Erro invencí-vel – Inocorrência – Responsabilidade objetiva – Veículo automotor (retroescavadeira) – Apre-ensão – Direito de propriedade – Mitigação – Terceiro de boa-fé – Princípio da solidarie-dade – Poder discricionário da administração(TRF 1ª R.) ...............................................3691, 100

EMENTÁRIO

Administrativo

aneel

•Aneel – iluminação pública – transferência de ativos – competência dos municípios – vio-lação .......................................................3696, 146

concurso púBlico

•Concurso público – candidato classificado – além do número de vagas – direito à nomeação – inexistência ...........................................3697, 146

•Concurso público – soldado – polícia militar –edital – limitação de idade – legalidade ...3698, 148

improBiDaDe aDministrativa

• Improbidade administrativa – agente público – afastamento – prazo indeterminado – impos-sibilidade .................................................3699, 148

militar

•Militar – punição – anulação – descabimento ................................................................3700, 149

Ambiental

ação civil púBlica

•Ação civil pública – área construída – desocu-pação – inviabilidade ..............................3701, 150

Águas

•Águas – turismo náutico – unidade de conser-vação – execução do serviços – possibilidade ................................................................3702, 152

animais

•Animais – movimentação – excesso – multa – aplicação .................................................3703, 153

app

•APP – degradação ambiental – pasto – existência ................................................................3704, 154

•APP – infração ambiental – imóvel – restrições ambientais – multa – imposição ...............3705, 155

Constitucional

ação popular

•Ação popular – centro de tratamento de resí-duos – risco de tráfego aéreo – configu ração ................................................................3706, 156

•Ação popular – contratação de instituições fi-nanceiras – credenciamento – ausência de li-citação – configuração .............................3707, 156

•Ação popular – doação de imóvel – autorizada por Lei Municipal – ausência de prova do pre-juízo – legalidade do ato – configuração .. 3708, 156

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DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .................................................................................................................247 Habeas corpus

•Habeas corpus – impetração de remédio cons-titucional – via inadequada – identificação dos pacientes – necessidade ...........................3709, 157

manDaDo De inJunção

•Mandado de injunção – revisão geral anual – ausência de lacuna regulamentadora – âmbi-to federal – precedentes ...........................3710, 157

manDaDo De segurança

•Mandado de segurança – incorporação de quin-tos – lei distrital – aplicabilidade ..............3711, 157

Penal/Processo Penal

crime

•Crime tributário – procedimento investigatório criminal – pedido de trancamento – excep-cionalidade da medida – Súmula Vinculante nº 24 do STF – violação ...........................3712, 158

FalsiFicação

•Falsificação de documento público – anotação na carteira – omissão ...............................3713, 160

Favorecimento real

•Favorecimento real – falsificação de documen-to público – uso de documento falso – corrup-ção de menores – prisão preventivo – revo-gação .......................................................3714, 161

pena

•Pena – ofensa à garantia constitucional da indi-vidualização – afastamento da obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condena-dos por crimes hediondos e equiparados .. 3715, 161

porte De arma

•Porte de arma de fogo – numeração suprimida – absolvição ...........................................3716, 162

trÁFico

•Tráfico de drogas – associação – lavagem de dinheiro – “Operação Ferrari” – prisão preven-tiva – audiência de custódia – impossibilidade ................................................................3717, 162

•Tráfico e associação – pena – execução provi-sória – excesso .........................................3718, 162

Processo Civil e Civil

ação De apreensão

•Ação de apreensão e depósito – contrato de venda a crédito de bem móvel – cláusula de re-serva de domínio – mora do comprador – com-provação .................................................3719, 163

ação De coBrança

•Ação de cobrança – sobre-estadia de contêi-neres – transporte unimodal – prescrição ânua– inaplicabilidade ....................................3720, 163

ação De inDenização

•Ação de indenização – danos materiais e com-pensação por danos morais e estéticos – em-bargos de declaração ...............................3721, 163

ação De oBrigação De Fazer

•Ação de obrigação de fazer – plano de saúde coletivo empresarial – empregado aposentado – demitido sem justa causa .........................3722, 165

ação reivinDicatória

•Ação reivindicatória – existência de escritura pública de demarcação – alteração da linha divisória originalmente definida – titularida-de do domínio do autor – individualização daárea .........................................................3723, 165

contrato De transporte

•Contrato de transporte internacional de carga – insumos – relação de consumo – inocorrência ................................................................3724, 166

Trabalhista/Previdenciário

aciDente Do traBalho

•Acidente do trabalho – lesão na mão esquerda – amputação de parte dos dedos – meio am-biente do trabalho – responsabilidade patronal –alcance ....................................................3725, 166

aDicional De insaluBriDaDe

•Adicional de insalubridade – laudo pericial conclusivo – valor probante – pagamento devido ................................................................3726, 167

BeneFício aciDentÁrio

•Benefício acidentário – pensão por morte – ação regressiva do INSS – prescrição – prazo quinquenal – termo a quo ........................3727, 168

coisa JulgaDa

•Coisa julgada – ação coletiva e ação individual – direitos individuais homogêneos – transação– efeitos ...................................................3728, 169

sinDicato

•Sindicato – eleições sindicais – liberdade sindi-cal – limites – observação ........................3729, 171

tempo De serviço

•Tempo de serviço – período trabalhado para o governo brasileiro em missão no exterior – pe-dido de fornecimento da certidão de tempo deserviço – aposentadoria – concessão .......3730, 171

Page 248: ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Direito Público 76_miolo.pdf · Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto

248 ..........................................................................................................DPU Nº 76 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Tributário

auto De inFração

•Auto de infração – AFRFB – processo adminis-trativo fiscal – jurisdição ..........................3731, 171

certiDão

•Certidão positiva com efeitos de negativa de dé-bito – parcelamento – causa extintiva da exigi-bilidade – remessa oficial desprovida ......3732, 172

coFins

•Cofins – direito ao crédito – período de apu-ração 2008 ..............................................3733, 174

csll

•CSLL – imposto pago no exterior – compensa-ção – não homologada – oferecimento a tributa-ção – não comprovação ..........................3734, 175

irpF

• IRPF – erro de fato caracterizado .............3735, 175

CLIPPING JURÍDICO

•Advogada demitida num sábado à noite será in-denizada por dano moral ...................................240

•Declaração de abusividade de greve de vigilan-tes não autoriza demissão em massa ..................241

•Empresa responsável pela retenção e recolher o IR não tem legitimidade para requerer restitui-ção de indébito ..................................................238

•Fazenda do Estado deve indenizar por morte decriança ..............................................................242

•Não incide contribuição para o PIS sobre a fo-lha de salários das cooperativas de crédito ........237

•Soldado dá onze tiros de fuzil no chão para ameaçar cabo e é condenado a um ano de re-clusão ................................................................239

•Suspensa decisão do CNJ sobre pontuação detítulos em concurso para serventias no RJ ..........237

RESENHA LEGISLATIVA

leis

•Lei nº 13.458, de 26.06.2017 – DOU de 27.06.2017 ........................................................243

•Lei nº 13.457, de 26.06.2017 – DOU de 27.06.2017 ........................................................243

•Lei nº 13.456, de 26.06.2017 – DOU de 27.06.2017 ........................................................243