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Direito Público ANO 14 – Nº 79 – JAN-FEV 2018 INDEXADA POR Diretório de Revistas Brasileiras em SEER, Diadorim – Diretório de Política de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras, Portal de Periódicos da CAPES, Latindex, Index Copernicus Internacional, Directory of Open Access Journal – DOAJ REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato – Francisco Schertel Mendes EDITOR-CHEFE Gilmar Ferreira Mendes EDITOR-ADJUNTO João Paulo Bachur CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos – Doutora (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz – Doutor (PUC/MG), Alvaro Sanchez Bravo – Doutor (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos – Pós‑Doutora (UERJ), Anderson Vichinkeski Teixeira – Doutor (Unisinos/RS), André Karam Trindade – Doutor (PPGD/IMED/RS), André Saddy – Pós‑Doutor (UFF/RJ, Anna Silvia Bruno – Pós‑Doutora (Unisalento/Itália), Augusto Aguilar Calohrro – Doutor (Univ. de Granada‑ES), Celso Antonio Pacheco Fiorillo – Doutor (Centro Universitário das Faculdades Metroolitanas Unidas), Daniel Antonio de Moraes Sarmento – Pós‑Doutor (UERJ), Daniel Hachem – Doutor (UFPR/PR), Ederson Garin Porto – Doutor (Unisinos/RS), Emerson Ademir Borges de Oliveira – Doutor (Universidade de Marília/SP), Emílio Peluso Neder Meyer – Doutor (UFMG/MG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal – Doutor (FGV‑Escola de Direito do Rio de Janeiro/RJ), Fernando Araújo – Doutor (Univ. de Lisboa‑PT), Fernando de Brito Alves – Pós‑Doutor (UENP/PR), Fernando Rodrigues Martins – Doutor (UFU/MG), Francisco Balaguer Callejón – Doutor (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado – Doutor (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes – Doutor (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller – Doutora (PUC/SP), Gustavo José Mendes Tepedino – Doutor (UFRJ), Gustavo Oliveira Vieira – Doutor (Unila/PR), Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Pós‑Doutor (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang Sarlet – Doutor (PUC/RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior – Doutor (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo/SP), Joaquim Brage Camazano – Doutor (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão – Doutor (USP), Julia Maurmann Ximenes – Doutora (IDP/DF), Juliana Diniz Campos – Doutora (UFC/CE), Juarez Freitas – Pós‑Doutor (PUC/RS), Lauro Gama Jr. – Doutor (PUC/RJ), Luciano Mariz Maia – Doutor (UFPB), Luiz Gonzaga Adolfo – Doutor (Unisc/SC), Marco Jobim – Doutor (PUC/RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza – Doutora (Univali/SC), Marinella Araujo – Doutora (PUC/MG), Pierdomenico Logroscino – Doutor (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas – Doutor (Uninove/SP), Rubens Beçak – Doutor (USP), Salete Oro Boff – Pós‑Doutora (IMED – Faculdade Meridional)/RS), Sofia Ciuffoletti – Doutora (University of Florence/Itália), Têmis Limberger – Pós‑Doutora (Unisinos/RS), Valerio de Oliveira Mazzuoli – Pós‑Doutor (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira – Pós‑Doutor (PUC/SP), Wilson Engelmann – Doutor (Unisinos/RS) CONSELHO TÉCNICO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Ana Paula Barcelos (UERJ), Anderson Teixeira (Unisinos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Ederson Porto (Unisinos), Emerson Ademir Borges de Oliveira (Universidade de Marília), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal (FGV – Escola de Direito do Rio de Janeiro), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando de Brito Alves (Univer‑ sidade Estadual do Norte do Paraná), Fernando Rodrigues Martins (UFU), Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP), Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo José Mendes Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang Sarlet (PUC‑RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio La‑ vocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade Federal da Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza (Univali), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Rubens Beçak (USP), Salete Oro Boff (IMED Faculdade Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger (Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP), Wilson Engelmann (Unisinos) PARECERISTAS QUE CONTRIBUÍRAM COM A EDIÇÃO Alexandre Coutinho Pagliarini, Anderson Teixeira, Araken de Assis, Claudio Smirne Diniz, Elcio Nacur Rezende, Emerson Ademir Borges de Oliveira, Fernando de Brito Alves, Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Jorge Octávio Lavocat Galvão, Mateus Fornasier, Rubens Beçak COLABORADORES DESTA EDIÇÃO André Lemos Jorge, Carla Dalenogare Castilho, Dora Resende Alves, José Augusto Silva Lopes, Julio Cesar Vellozo, Lucas Ribeiro Moriggi, Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Luiza Ferreira Odorissi, Thomas Vesting ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Direito Público · direito constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Tendo por objetivo difundir valiosas

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Direito PúblicoAno 14 – nº 79 – JAn-Fev 2018

IndexAdA porDiretório de Revistas Brasileiras em SEER, Diadorim – Diretório de Política de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras,

Portal de Periódicos da CAPES, Latindex, Index Copernicus Internacional, Directory of Open Access Journal – DOAJ

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato – Francisco Schertel Mendes

edItor-cheFeGilmar Ferreira Mendes

edItor-AdJuntoJoão Paulo Bachur

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos – Doutora (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz – Doutor (PUC/MG), Alvaro Sanchez Bravo – Doutor (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos – Pós‑Doutora (UERJ), Anderson Vichinkeski Teixeira – Doutor (Unisinos/RS), André Karam Trindade – Doutor (PPGD/IMED/RS), André Saddy – Pós‑Doutor (UFF/RJ, Anna Silvia Bruno – Pós‑Doutora (Unisalento/Itália), Augusto Aguilar Calohrro – Doutor (Univ. de Granada‑ES),

Celso Antonio Pacheco Fiorillo – Doutor (Centro Universitário das Faculdades Metroolitanas Unidas), Daniel Antonio de Moraes Sarmento – Pós‑Doutor (UERJ), Daniel Hachem – Doutor (UFPR/PR), Ederson Garin Porto – Doutor (Unisinos/RS), Emerson Ademir Borges de Oliveira – Doutor (Universidade de Marília/SP),

Emílio Peluso Neder Meyer – Doutor (UFMG/MG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal – Doutor (FGV‑Escola de Direito do Rio de Janeiro/RJ), Fernando Araújo – Doutor (Univ. de Lisboa‑PT), Fernando de Brito Alves – Pós‑Doutor (UENP/PR), Fernando Rodrigues Martins – Doutor (UFU/MG), Francisco Balaguer Callejón – Doutor (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado – Doutor (Universidad Complutense de Madrid),

Gilmar Ferreira Mendes – Doutor (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller – Doutora (PUC/SP), Gustavo José Mendes Tepedino – Doutor (UFRJ), Gustavo Oliveira Vieira – Doutor (Unila/PR), Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Pós‑Doutor (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang

Sarlet – Doutor (PUC/RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior – Doutor (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo/SP), Joaquim Brage Camazano – Doutor (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão – Doutor (USP), Julia Maurmann Ximenes – Doutora (IDP/DF), Juliana Diniz Campos – Doutora

(UFC/CE), Juarez Freitas – Pós‑Doutor (PUC/RS), Lauro Gama Jr. – Doutor (PUC/RJ), Luciano Mariz Maia – Doutor (UFPB), Luiz Gonzaga Adolfo – Doutor (Unisc/SC), Marco Jobim – Doutor (PUC/RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza – Doutora (Univali/SC), Marinella Araujo – Doutora (PUC/MG), Pierdomenico Logroscino – Doutor (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas – Doutor (Uninove/SP), Rubens Beçak – Doutor (USP), Salete Oro Boff – Pós‑Doutora

(IMED – Faculdade Meridional)/RS), Sofia Ciuffoletti – Doutora (University of Florence/Itália), Têmis Limberger – Pós‑Doutora (Unisinos/RS), Valerio de Oliveira Mazzuoli – Pós‑Doutor (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira – Pós‑Doutor (PUC/SP), Wilson Engelmann – Doutor (Unisinos/RS)

conselho técnIco edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Ana Paula Barcelos (UERJ),

Anderson Teixeira (Unisinos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Ederson Porto

(Unisinos), Emerson Ademir Borges de Oliveira (Universidade de Marília), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fábio Saponaro – Università Unitelma Sapienza (Itália), Fernando Angelo Ribeiro Leal (FGV – Escola de Direito do Rio de Janeiro), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando de Brito Alves (Univer‑

sidade Estadual do Norte do Paraná), Fernando Rodrigues Martins (UFU), Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Giovanni Girelli – Università Roma Tre (Itália), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP), Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo José Mendes Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Wolfgang Sarlet (PUC‑RS),

Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio La‑vocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade

Federal da Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS), Maria Claudia Silva Antunes de Souza (Univali), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Rubens Beçak (USP), Salete Oro Boff (IMED Faculdade Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger (Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP), Wilson Engelmann (Unisinos)

pArecerIstAs que contrIbuírAm com A edIçãoAlexandre Coutinho Pagliarini, Anderson Teixeira, Araken de Assis, Claudio Smirne Diniz, Elcio Nacur Rezende, Emerson Ademir Borges de

Oliveira, Fernando de Brito Alves, Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Jorge Octávio Lavocat Galvão, Mateus Fornasier, Rubens Beçak

colAborAdores destA edIçãoAndré Lemos Jorge, Carla Dalenogare Castilho, Dora Resende Alves, José Augusto Silva Lopes,

Julio Cesar Vellozo, Lucas Ribeiro Moriggi, Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Luiza Ferreira Odorissi, Thomas Vesting

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 14, n. 79; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70766‑090 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

Solicita‑se permuta.Pídese canje.

On demande l’échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.

Wir bitten um austausch.

Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

A revista de Direito Público (RDU) é publicação oficial do mestrado em direito constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Tendo por objetivo difundir valiosas produções acadêmicas, ela vem explorando te-máticas de diferentes nuances, porém todas elas relacionadas com o que lhe confere seu nome: o Direito Público. Atuando nessa linha, a presente edição abarca, em especial, temas relativos a garantias processuais atrelando-os ao constitucionalismo, e a direitos fundamentais.

Nesse sentido, importantes contribuições ocorrem ao aliar aspectos pro-cessuais a temas de direito público. Além disso, haja vista a atual e crescente preocupação acerca do ativismo judicial e do respeito a garantias processuais, a reflexão e o debate se fazem necessários. Dessa maneira, cumprem esse papel os artigos que reúnem: a análise da relação interacional dos agentes no proces-so (proposta pelo Novo Código de Processo Civil) como forma de concretizar substancialmente o Estado Democrático de Direito; e a incompatibilidade entre o NCPC e o ativismo judicial. Nesse viés de garantias e de direitos fundamen-tais, há também o texto que diz respeito à proteção penal do meio ambiente como direito humano constitucionalmente estabelecido. E, ainda, acerca do constitucionalismo, traz-se reflexão sobre a fiscalização da constitucionalidade na Constituição Portuguesa.

Na Seção especial “Estudos Jurídicos”, por sua vez, esta edição contem-pla interessantes e relevantes discussões, como é o caso de relacionar a lingua-gem com o campo jurídico; bem como sobre o controle das contas públicas no Brasil, em aspecto histórico (século XIX).

A partir dessas grandes contribuições para o universo acadêmico e profis-sional do direito, espera-se que novos anseios surjam e a pesquisa se aprofunde cada vez mais.

Desejo uma excelente leitura a todas e todos.

João Paulo Bachur

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Garantias Processuais e constitucionalismo

Doutrinas

1. A Constitucionalização do Direito na Perspectiva do Novo CPC: uma Mudança na Relação Interacional do Processo para a Efetivação do Estado Democrático de DireitoLuiza Ferreira Odorissi e Carla Dalenogare Castilho ..................................9

2. A Incompatibilidade entre o Novo Código de Processo Civil e os Fundamentos Que Sustentam o Decisionismo, o Ativismo e o Voluntarismo JudicialLucas Ribeiro Moriggi ..............................................................................31

Parte GeralDoutrinas

1. A Proteção Penal do Meio Ambiente como Direito Humano ConstitucionalLuiz Gustavo Gonçalves Ribeiro ..............................................................65

2. Uma Leitura sobre a Fiscalização da Constitucionalidade na Constituição PortuguesaDora Resende Alves e José Augusto Silva Lopes .......................................96

JurisPruDência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ......................................................................123

2. Supremo Tribunal Federal ......................................................................127

3. Superior Tribunal de Justiça....................................................................131

4. Superior Tribunal de Justiça ...................................................................151

5. Superior Tribunal de Justiça....................................................................156

6. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................159

7. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................171

8. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................175

9. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................185

10. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................188

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ementário

1. Administrativo ........................................................................................1912. Ambiental ..............................................................................................1963. Constitucional ........................................................................................1974. Penal/Processo Penal..............................................................................1995. Processo Civil e Civil ..............................................................................2026. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................2047. Tributário ...............................................................................................206

Seção EspecialestuDos JuríDicos

1. Uma Transferência do Objetivo para a SubjetividadeThomas Vesting ......................................................................................210

2. As Origens dos Debates sobre o Controle de Contas no Brasil do Século XIXJulio Cesar Vellozo e André Lemos Jorge ................................................224

Clipping Jurídico ..............................................................................................242

Resenha Legislativa ..........................................................................................245

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................246

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e

b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEWTodos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo

Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os con-vites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Pú-blico.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 79, 2018, 9-30, jan-fev 2018

Garantias Processuais e Constitucionalismo

A Constitucionalização do Direito na Perspectiva do Novo CPC: uma Mudança na Relação Interacional do Processo para a Efetivação do Estado Democrático de Direito

The Right’s Constitutionalisation Given the New Civil Procedure Code: the Change of the Interactive Relationship of the Effectivation Process of Democratic State of Law

LUIZA FERREIRA ODORISSIDoutoranda em Direito pelo Programa de Pós‑Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul‑UNISC (CAPES 5), área de concentração Direitos Sociais e Políticas Públicas, linha de pesquisa Diversidade e Políticas Públicas (2017), Mestra em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, área de concentração Direitos Sociais e Políticas Públicas, linha de pesquisa Constitucionalismo Contemporâneo – RS, Bolsista CAPES (2014), Professora do Curso de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI (Campus Santiago/RS). Integrante do grupo de pesquisa Direito, Justiça e Cidadania;, vincu‑lado ao CNPq e desenvolvido junto a Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI (Campus Santiago/RS), Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Francis‑cano – UNIFRA (2011).

CARLA DALENOGARE CASTILHOMestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, área de concen‑tração Direitos Emergentes na Sociedade Global, linha de pesquisa Direito na Sociedade em Rede (2017), Pós‑Graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Regional Inte‑grada do Alto Uruguai e das Missões – URI (Campus Santiago, 2016), Graduada em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões – URI (Campus de Santiago, 2015), Advogada OAB 102.253.

RESUMO: Diante da influência do liberalismo, os direitos fundamentais acabavam sendo relativizados na relação processual. A relação interacional entre as partes e o papel do magistrado conduzia a um Estado Democrático formal e não substancial. Ocorre que, para exercer democracia, os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados são indispensáveis. Dessa forma, o presente artigo objetiva analisar a historicidade dos direitos fundamentais, bem como a proposta do novo Código de Processo Civil para a concretização da democracia, enfatizando, especificamente, para a mudança na relação interacional do processo, que deixa de se estática. Para tanto, desenvolve‑se a pesquisa

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10 .........................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 79, 2018, 9-30, jan-fev 2018

por meio do método dedutivo, de procedimento monográfico, e, como técnica de pesquisa, a docu‑mentação indireta. Parte‑se da compreensão de que constitucionalizar o processo é concretizar o Estado Democrático de Direito, irradiando os direitos fundamentais tanto para as relações entre os indivíduos e o Estado, quanto, também, para as relações entre particulares. O novo Código de Proces‑so Civil confere voz às partes, tornando‑as efetivamente parte da relação processual, desafiando a efetivação do Estado Democrático de Direito. Como resultado, abrem‑se possibilidades para a figura do mediador e do árbitro, de modo que as partes possam cooperar para uma decisão de acordo com seus interesses, e tal fato garante a efetividade da justiça e a sua razão de ser. Assim, o novo Código de Processo Civil surge como uma proposta para a real efetivação do Estado Democrático de Direito, de modo a se reconhecer a autonomia e igualdade processual, garantindo uma justiça equilibrada e efetiva.

PALAVRAS‑CHAVE: Constitucionalismo democrático; direitos fundamentais; novo Código de Proces‑so Civil; mudança interacional.

ABSTRACT: Given the influence of liberalism, fundamental rights ended up being relativized in the procedural relationships. The interactional relationship between the parties and the role of the magis‑trate, leading to a formal democratic state and insubstantial. But to exercise democracy, fundamental rights constitutionally guaranteed, are indispensable. Thus, this article aims to analyze the historicity of fundamental rights, as well as the proposal of the new Civil Procedure Code to the achievement of democracy, focusing specifically for the change in interactional relationship of the process, which is no longer static. Therefore, develops research by the deductive method, monographic procedure and as a research technique, indirect documentation. We understand that constitutionalise the pro‑cess is to realize the democratic rule of law, radiating fundamental rights both for relations between individuals and the state, but also to relationships between individuals. The new Civil Procedure Code gives voice to the parties, making them effectively part of the jurisdiction. As a result, they open up possibilities for the figure of the mediator and arbitrator, allowing the parties to cooperate for a decision in accordance with their interests, ensuring the effectiveness of justice and its reason for being. Thus, the new Civil Procedure Code emerges as a proposal for the actual realization of the democratic rule of law, in order to recognize the autonomy and equality of arms, ensuring a balanced and effective justice.

KEYWORDS: Democratic constitutionalism; fundamental rights; new Code of Civil Procedure; inte‑ractional change.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 A importância e o papel dos direitos fundamentais: uma história que origina o nascimento do Estado Constitucional e a tutela da dignidade da pessoa humana; 2 A gênese dos direitos fundamentais no processo constitucional: um liame indispensável para a con‑substancialização do Estado Democrático de Direito; 3 O novo Código de Processo Civil: a mudança na relação interacional do processo e a efetivação do Estado Democrático de Direito; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAISOs direitos fundamentais são valores constitucionalmente positivados,

resultantes de lutas históricas em prol da dignidade humana, que norteiam não

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somente o ordenamento jurídico, como também orientam as relações sociais. O Brasil seguiu na linha dessa tendência, em que os direitos fundamentais foram incorporados à Constituição Federal de 1988 com um caráter marcadamente principiológico, demandando, para a sua realização, uma concretização em face da realidade. Dessa forma, o debate sobre os direitos fundamentais e sobre a sua efetividade tornou-se um grande desafio tanto para o Estado quanto para a sociedade.

A concepção de que os direitos fundamentais aplicam-se não somente às relações entre Estado-indivíduo (verticalmente), mas, também, às relações privadas (horizontalmente), é um desafio a ser concretizado, especialmente no sistema processual brasileiro.

Por tal razão, a temática revela-se importante, tendo em vista o fato de que os direitos fundamentais inerentes à condição humana devem ser essen-cialmente concretizados, de forma que a proposta inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015 surge não só como uma possibilidade de efetivação do Estado Democrático de Direito, como também traz o tom da humanização da justiça.

No Código de Processo Civil de 1973, a relação interacional processual estava restrita ao juiz e às partes, enquanto o Estado detinha o monopólio da jurisdição, não havendo, portanto, uma participação efetiva das partes, a fim de construir uma decisão para por fim ao litígio. Tal fato implicava em coibir o exercício da democracia, pois o sistema tradicional do direito limitava as pesso-as envolvidas em um processo, a entregarem seu litígio ao Judiciário e aguarda-rem uma sentença que seria construída sem a participação dos litigantes.

Neste contexto, questiona-se o papel do Estado na concretização dos direitos, ao entregar ao Judiciário a responsabilidade de solução dos litígios oriundos das relações interpessoais, dispensando-se a efetiva participação das partes na construção de uma decisão.

A reforma processual do novo Código de Processo Civil se apresenta em uma perspectiva evolutiva do Estado (liberal, social e democrático de Direito), com uma visão direcionada para o futuro, mas reconhecendo a relevância que esse processo histórico representa para a contemporaneidade.

O novo Código é fundado com base na efetiva concretização da digni-dade humana e dos direitos fundamentais, preocupando-se, entre outros, em trazer vez e voz processual para as partes litigantes, construindo a hipótese de uma (re)democratização do Poder Judiciário.

Dessa forma, objetiva-se analisar a consubstancialização do Estado De-mocrático de Direito, desempenhando de forma executiva o respeito à Cons-tituição Federal e a essencialidade dos direitos fundamentais, analisando-se, em especial, a mudança que se ocasiona na relação interacional do processo.

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Para tanto, desenvolve-se a pesquisa por meio do método dedutivo, através de um procedimento monográfico, e, como técnica de pesquisa, a documentação indireta por meio de pesquisa documental bibliográfica.

Verificando-se, assim, a proposta que nasce com o Código de Processo Civil de 2015, que, em parte, desconstitui o monopólio jurisdicional voltado para o Estado, almejando a garantia de um efetivo acesso à justiça, bem como se amplia a possibilidade de garantir uma decisão justa, provocando nas partes uma compreensão da aplicação do direito.

1 A IMPORTÂNCIA E O PAPEL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: UMA HISTÓRIA QUE ORIGINA O NASCIMENTO DO ESTADO CONSTITUCIONAL E A TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A evolução do Estado encontra-se diretamente vinculada às modifica-ções ocorridas no âmbito social. As relações privadas, fundadas única e exclu-sivamente no princípio da autonomia da vontade, passaram por intensas mo-dificações no decorrer da história, até chegarem ao contexto contemporâneo atual da constitucionalização do Direito Privado, com a supremacia dos direitos fundamentais e da força normativa da Constituição.

A instauração do Estado Moderno, rompendo com o modelo absolutista até então vigente, caracteriza-se por atribuir competências e atribuições do Es-tado claramente delimitadas por meio da lei, que, especialmente, assegura os direitos individuais dos indivíduos de maneira neutra e racional. O Estado está, portanto, abarcado e submetido à lei, abrindo-se espaço, assim, para o conceito de Estado de Direito.

Nesse sentido, Mônia Clarissa Hennig Leal (2007) afirma:

[...] A Revolução Francesa, de 1789, pode ser considerada como o “berço” deste novo constitucionalismo, pois, com a queda do modelo feudal, a forma concen-trada de organização do poder político, justificado na vontade divina, sofre um profundo desgaste, abrindo-se espaço para a teoria do contrato social, que, par-tindo do pressuposto de que o indivíduo esta no centro da teoria política, coloca o Estado como sendo criado por um pacto firmado entre homens livres e iguais que a ele delegam a função de assegurar as suas liberdades e seus direitos. (p. 8)

Assim, a burguesia, na condição de detentora do poder econômico, as-sume o poder político, fazendo da lei racional e da igualdade jurídica seus instrumentos de atuação no sentido de consecução de seus interesses. A assem-bleia, enquanto representativa da vontade geral e da soberania do povo, passa, então, a ser um espaço destacado de atuação, caracterizando-se o Legislativo como órgão privilegiado dessa nova estrutura de poder. Apesar da importância da divisão dos poderes nesse momento histórico, o papel reservado ao Poder Judiciário é extremamente reduzido (Leal, 2007).

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O homem passa a ter legitimidade para regular sua vida e sistematizar suas relações, não havendo mais a intervenção do Estado nas relações interpes-soais. Nascem, neste contexto, os chamados direitos fundamentais de primeira dimensão1, próprios do liberalismo econômico em que o poder estatal era au-sente na economia, regulando apenas a segurança nacional e pública.

Ocorre que, para poder vincular também ao Estado, a lei necessita de um status diferenciado, capaz de, efetivamente, obrigar a todos os entes políticos: o status de lei constitucional. Surge, então, a ideia de Constituição e sua superio-ridade hierárquica com relação às demais normas. Nesse sentido, Hesse (1991) refere que,

embora por si só a Constituição não possa realizar nada, ela por impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas prove-nientes dos juízos de convivência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição se transformará em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição. (p. 19)

Tão somente após o reconhecimento e a preconização dos direitos fun-damentais pelas primeiras Constituições2 é que se atribui importância ao con-junto de questões que envolvem as dimensões de tais direitos e o seu alcance aos indivíduos seja na esfera pessoal, como social.

No Estado Liberal3, não havia intervenção estatal nas relações interpesso-ais e dessa concepção resulta a oposição entre a esfera pública e a privada (re-presentada, eminentemente, pelo mercado). Estado e sociedade apresentam-se como dois eixos paralelos e independentes, sendo que toda e qualquer relação social precisa se encaixar em uma dessas duas esferas.

Assim, a autonomia privada4 crescia de forma desenfreada, as relações eram reguladas pela desumanidade por influência do capital. O homem era

1 Os direitos fundamentais de primeira geração possuíam uma índole negativa, condicionavam e limitavam o exercício do poder, estabelecendo parâmetros para a atuação estatal. Os direitos políticos e civis foram proclamados pelos constituintes do século XVIII, um dos séculos mais revolucionários e fecundados de toda a história política do ocidente (Bonavides, 2001, p. 8).

2 Mesmo considerando-se a existência de alguns fatos que indicam a existência de uma Constituição já na Idade Antiga, é à Idade Moderna que se atribui a verdadeira “invenção” da Constituição, nos moldes em que a conhecemos nos dias atuais, pelo mens no que diz respeito ao caráter universal por ela assumido neste período – apesar das inúmeras variantes nacionais que se podem verificar (Leal, 2007, p. 7).

3 No Brasil, embora não se tenha vivenciado o liberalismo em sua pureza, essa perspectiva liberal manifestou- -se na Constituição do Império de 1824. Nela está escrito: “A lei será igual para todos” (art. 179, inciso XIII), entretanto, a escravidão foi abolida mais de cinquenta anos depois, em 1888, com a Lei Áurea (Marmelstein, 2011).

4 Nesse período, a autonomia privada representava, mais do que tudo, a liberdade negocial, ou seja, a ampla liberdade de contratar, liberdade de escolher o que contratar, com quem contratar e como contratar. O preço

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explorado pelo homem, demonstrando a ruína do processo burguês e a ineficá-cia de supervalorização do capital em detrimento da valorização da condição humana, surgindo a necessidade de um Estado garantidor de direitos. Nesse sentido, Thiago Luís Sombra (2011) afirma:

Ao longo do período de bodas do liberalismo, a autonomia privada alcançou gradativamente o cume de seu desenvolvimento. Em determinado momento, por força da total ausência de intervenção do poder estatal, as relações contratuais passaram a ser travadas em manifesta desigualdade de condições, afinal, o pró-prio Code Civil conferia relativa proteção a essas situações. A prevalência do poderio econômico nas relações sociais, cujo exercício esteve intrinsicamente vinculado aos preceitos de liberdade defendidos pelo liberalismo, representou ao longo desse contexto histórico uma sensível e paradoxal restrição dos princípios da liberdade e da igualdade. As ingerências, que até então sempre haviam sido praticadas pelo Estado, passaram a ser cometidas pelos próprios cidadãos em suas relações sociais. (p. 15)

Com a crescente industrialização e a massificação das relações contra-tuais, sobretudo com a explosão do fenômeno dos contratos de adesão, passa a se discutir em torno da legitimidade da ação do Estado e sua forma de atuação, construindo-se a ideia de um novo paradigma5, qual seja: o Estado Social de Direito, como um novo ideal de protótipo estatal.

O Estado de Bem-Estar Social se alicerça, em particular, na luta dos mo-vimentos operários pela conquista de uma sistematização de normas sociais. Por meio desse novo paradigma a Administração Pública passa a reparar as deficiências ocasionadas pelo Estado Liberal, eis que os direitos fundamentais exigem uma ação positiva, de modo a desempenhar uma atividade tutelatória de garantias individuais6.

É a partir desse momento que nasce o constitucionalismo para as rela-ções privadas, iniciando-se uma horizontalidade dos direitos fundamentais e desfazendo-se a sua completa verticalidade. Surge uma nova perspectiva de organização social, o Estado deixa de ser o único subordinado à observância dos direitos fundamentais e essa responsabilidade passa a ser própria das rela-

dessa liberdade, no entanto, tinha como consequência a obrigatoriedade àquilo que tivesse contratado, ou seja, uma vez empenhada sua vontade por meio das cláusulas contratuais, estava obrigado a ela, em face do princípio contratual do pacta sunt servanda, ou obrigatoriedade do contrato, não mais podendo se retratar se a outra parte assim não concordasse, haja vista a máxima de que “quem diz contrato, diz justo”, porque considerava que se as partes eram livres e iguais para contratar e o fizeram, certamente não o fizeram em prejuízo próprio, portanto, eram obrigados a se sujeitar aos efeitos do que tinham contratado (Reis, 2007, p. 2043).

5 Paradigma é um conjunto de fenômenos e características históricas e atuais que se operam na contemporaneidade, determinando uma ciência de fatores que podem ser descobertos e aplicados por meio de instrumentos intelectuais encontrados em uma unidade histórica pedagogicamente anterior, formando uma estrutura de descobertas do compromisso do agir social e comunitário. (Kuhn, 1998).

6 Conforme Thiago Luís Santos Sombra (2011, p. 20), “o Estado Social surge com o objetivo de promover, acima de qualquer outro valor, a consagração e multiplicação dos instrumentos de proteção dos direitos fundamentais”.

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ções entre particulares (Sombra, 2011). Modificou-se, assim, a ideia de que os direitos fundamentais existem unicamente para o cidadão exigir do Estado não interferência em sua liberdade ou em seus interesses. Surge a teoria objetiva dos direitos fundamentais, que confere tutela substancial a tais direitos7.

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais justifica certas limitações impostas aos indivíduos (singular) em benefício da coletividade, e está relacio-nada ao fato de que os direitos fundamentais devem ser exercidos no âmbito da pluralidade e que a liberdade a que eles almejam não é anárquica, mas social (Sarmento, 2004).

Nesse sentido, uma das mais importantes consequências da dimensão objetiva dos direitos fundamentais é o reconhecimento da sua eficácia irradian-te. Busca-se irradiar os direitos fundamentais para todas as relações (privadas e públicas).

Assim, Daniel Sarmento (2004) refere:

Esta significa que os valores que dão lastro aos direitos fundamentais penetram por todo o ordenamento jurídico, condicionando a interpretação das normas le-gais e atuando como impulsos e diretrizes para o legislador, a administração e o Judiciário. A eficácia irradiante, neste sentido, enseja a “humanização da ordem jurídica”, ao exigir que todas as suas normas sejam, no momento da aplicação, reexaminadas pelo operador do direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da igualdade substantiva e da justiça social impressas no tecido constitucional. (p. 155)

Nesse ínterim, a segunda dimensão dos direitos fundamentais abraça bem mais do que direitos prestacionais, apesar de sua natureza positiva. Irradia--se a ideia da necessidade de garantir condições dignas para as pessoas no plano econômico, social e cultural (Canotilho, 2002).

Tais direitos diferenciam-se do tradicional conceito de igualdade e liber-dade, porque eis que busca uma igualdade material e não meramente formal. Esses direitos em natural processo de desenvolvimento dão origem à terceira dimensão de direitos fundamentais, conhecida como direitos de solidariedade e fraternidade, tem sua base no gênero humano, afirmando o valor dos seres humanos em sua existencialidade.

Trata-se do resultado de novas pretensões fundamentais, oriundas, entre outros fatores, pelo impacto tecnológico, bem como pelo procedimento de des-

7 Deveras, os direitos fundamentais no constitucionalismo liberal eram visualizados exclusivamente a partir de uma perspectiva subjetiva, pois cuidava-se apenas de identificar quais pretensões o indivíduo poderia exigir do Estado em razão de um direito positivado na sua ordem jurídica. Sem desprezar esse papel dos direitos fundamentais, que não perdeu a sua essencialidade na teoria contemporânea, a doutrina vai agora desvelar uma outra faceta de tais direitos, que virá para agregar-lhes novos efeitos e virtualidades: trata-se da chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais (Sarmento, 2004, p. 133).

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colonização do mundo e suas consequências que implicam intrínseco reflexo na esfera dos direitos fundamentais (Sarlet, 2003).

Tem-se, diante disso, a ampliação do conceito de Constituição, que passa a ser entendida não só como um documento organizatório, mas, tam-bém, como um elemento integrador para a vida em comum. Logo, a existência de uma Constituição norteada por tais valores, guiados pelos direitos funda-mentais, se faz indispensável para a vida em sociedade. Nesse sentido, Daniel Sarmento (2004) refere:

No Brasil, onde o ordenamento jurídico se alicerça em uma Constituição fundada sobre valores e princípios humanitários, como a dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de Direito e que conta com um capítulo tão generoso de di-reitos fundamentais, desencadear a força normativa da lei fundamental e projetá--la sobre todos os setores da vida humana e do ordenamento jurídico, torna-se essencial para que se preocupe com a promoção da justiça substantiva. (p. 76)

Com a institucionalização do Estado Democrático de Direito, a Cons-tituição assume importância ímpar na estruturação do Estado, especialmente em relação ao papel que lhe era reservado nos paradigmas estatais e sociais anteriores. Especialmente em razão do recrudescimento da ideia dos direitos fundamentais e da noção da dignidade humana, a Constituição acaba, mais do que nunca, assumindo uma função principiológica, assentada em dispositivos de textura aberta, permitindo uma ampla aferição de seus conteúdos na vida constitucional propriamente dita (Leal, 2007).

No âmbito brasileiro, o ideal democrático se materializou com a promul-gação da Constituição cidadã de 1988 e o amplo sistema de direitos fundamen-tais. A Constituição brasileira de 1988 dispõe de um capítulo sobre a tutela dos direitos fundamentais, a fim de suscitar a potência normativa da lei fundamental e lançá-la sobre todos os setores da vida humana. A questão fundamental de tal problemática está na percepção de que, desde o seu surgimento, a sociedade passa por longos processos de evolução e está constantemente em desenvolvi-mento e aprimoramento.

Como direito e sociedade inexoravelmente caminham juntos, é possível afirmar que mudanças ocasionadas no direito refletem na sociedade e vice--versa. De acordo com Callegari e colaboradores (2010, p. 48) “os avanços e retrocessos da jurisdição acontecem em função das respostas dadas à comple-xidade da sociedade e de seus conflitos”.

A atual Constituição marcou a união da sociedade brasileira com o Di-reito e a democracia, guiada pela idealização de justiça social e solidariedade. De todas as inovações que tal Constituição consagrou, sem dubiedade, a mais valiosa foi o ressalto ímpar na nossa história conferido aos direitos fundamentais (Sarmento, 2004).

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Nesse sentido, tem-se a necessidade analisar os institutos privados, como a propriedade e o contrato, sob os pilares erigidos pela Constituição. Com vistas à proteção dos direitos fundamentais que, derivam em última análise, da ideia de dignidade da pessoa humana e a sua promoção, todos os agentes particula-res, em suas ações, têm para com eles um dever de observância (Breus, 2007).

Assim, ao se reconhecer a eficácia irradiante dos direitos fundamentais e a promulgação do Estado Democrático de Direito, exige-se que todos os demais ramos jurídicos, inclusive o processual, ficam incumbidos de constitucionalizar suas atuações, vez que seus atos devem caminhar de acordo com o norte cons-titucionalmente estabelecido.

2 A GÊNESE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO PROCESSO CONSTITUCIONAL: UM LIAME INDISPENSÁVEL PARA A CONSUBSTANCIALIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Falar em processo constitucional implica em falar na garantia dos direitos fundamentais, pois existe um liame recíproco entre ambos. Tal ligação origina o início do Estado Democrático de Direito que institui o direito de garantia e respeito aos direitos fundamentais.

O processo deixa de ser um simples instrumento da jurisdição, ensejando uma relação diferenciada entre Constituição, processo e democracia, que, por consequência, implica uma nova visão: a relação estabelecida entre constitu-cionalismo e democracia. Os direitos fundamentais, norteadores da Constitui-ção brasileira, possuem como instrumento basilar o princípio da dignidade da pessoa humana, que prevê a salvaguarda dos direitos inerentes à vida humana.

Isso afirma que um processo constitucional prima pela efetividade na proteção de direitos indisponíveis, como assevera Robert Alexy (2011, p. 114): “Sob determinadas conjunturas, há razões jurídico-constitucionais praticamente inarredáveis para uma ligação de precedência em favor da dignidade humana”.

Partindo-se de uma perspectiva procedimental, a visão que se exige de um Estado Democrático de Direito quanto ao processo é que o mesmo seja encarado como um instrumento disciplinador da soberania popular. Assim, via-biliza o exercício concomitante das autonomias pública e privada dos cidadãos, permitindo que cada esfera (pública e privada) traga suas considerações a uma arena pública de debate, por meio do processo (Cruz; Gomes, 2009).

O que se espera é que o processo funcione como um mecanismo disci-plinante da supremacia popular, para que, quando do acesso à justiça, as partes possam exercer o seu direito de autonomia em uma demanda judicial. Abrindo--se espaço para aqueles que não conseguem ser ouvidos, se garantem direitos fundamentais que preconizam a igualdade e tantos outros direitos que, unidos, formam um modelo constitucional de processo.

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É preciso considerar que a democracia moderna nasce como democracia re-presentativa, caracterizada por uma representação política, ou seja, quando um representante é chamado a perseguir os interesses da nação, deverá defender a relevância da democracia. (Bobbio, 2000, p. 36)

Mesmo em democracias estabilizadas é preciso tomar o cuidado de não se desconsiderar as minorias, pois, ainda que de forma indireta, o fato de se afastar os indivíduos do processo jurisdicional implica ferir o paradigma do Estado Democrático de Direito. E é justamente esse o desafio da democracia: proporcionar uma estrutura judicial igualitária em que todos os lados, seja para que Poder Judiciário, seja para que o jurisdicionado, possuam o direito de exer-cer liberdade social e voz ativa na ação judicializada.

Em um Estado Democrático de Direito, “democracia” e “constitucionalis-mo” devem andar um ao lado do outro, pois, caso ocorra supremacia de um em detrimento do outro, corre-se o risco de proclamar uma ditadura. A democracia trabalha com a ideia de maiorias; a Constituição, por outro lado, trabalha como repositório de direitos fundamentais de que minorias podem se valer para se defender contra pretensões da maioria, de forma a equilibrar as relações inter-pessoais e socais (Bahia; Nunes, 2010).

O sistema processual deve se alicerçar em uma busca qualitativa, pri-mando pela qualidade efetiva de seus julgados, e, para tanto, é indispensável que em uma relação processualística se abra espaço para o exercício democrá-tico do direito a ser representado, respeitando-se a supremacia da Constituição.

A supremacia da Constituição é o cânone sobre o qual se estabelece o direito constitucional contemporâneo, que decorre de princípios históricos entre os quais se destaca a prevalência do poder constituinte sobre o poder constituído (Barroso, 2011).

Os desafios do direito processual não mais permitem uma análise uni-camente legislativa, mas impõem um olhar social e uma postura sistêmica que abarque as leis processuais, mas também a infraestrutura do Poder Judiciário e seu gerenciamento, a utilização de um instrumento público para viabilizar a ob-tenção e proteção de direitos fundamentais dos cidadãos (Bahia; Nunes, 2010).

O horizonte a delinear o constitucionalismo brasileiro deve pautar-se na doutrina democrática, visando a uma soberania social. O Estado, em suas di-versas funções, detém o compromisso de lealdade para com a Carta Constitu-cional, e é por meio do exercício dessa lealdade que se urge a necessidade de democratização do processo constitucional. O resultado que os direitos funda-mentais provocam ao direito processualístico permite o alcance de frutos enér-gicos e coerentes em respeito aos indivíduos que rogam por um acesso à justiça efetivamente democrático. De acordo com Dierle José Coelho Nunes (2012,

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p. 147), “quando se defende um processualismo constitucional democrático8, a comparticipação e o policentrismo são institutos de um processo que garantirão uma formação adequada dos provimentos”.

Atenta-se, nesse caso, para a importância de se acolher as normativas assentadas nos fundamentos dos direitos que se tornaram intrínsecas à condição humana. Pensar constitucionalmente é pensar na efetivação de tais direitos para todos os ramos do processo, de modo a se assegurar o cumprimento do mais amplo direito.

O processo não deve ser encarado como um instrumento de dominação, mas uma forma democrática de garantir a efetivação dos direitos fundamentais, impondo limites às atividades equivocadas das partes (advogados e juízes), do mesmo modo que garante a participação e influência de todos os envolvidos e de seus argumentos nas decisões jurisdicionais (Bahia; Nunes, 2010).

Para se garantir um autêntico e genuíno devido processo legal, é indis-pensável o emprego dos direitos fundamentais sob todos os meios que lhe são inerentes. Não se pode assegurar a cidadania sem o devido respaldo na Consti-tuição, do mesmo modo que não se pode proporcionar a constitucionalização do processo sem o resguardo às determinações normativas norteadoras da lei basilar.

O fundamento do direito processual e sua democratização envolve a ela-boração de novas sustentações judiciárias e sociais, adequadas às aspirações que o século XXI exige. Um modelo paradigmático voltado a uma jurisdição processual que objetive não somente a prolação sentenciosa, mas a concretude de um democratismo, bem como permita a cidadania participativa (Callegari, 2010).

Antes de tudo, é preciso ter clareza quanto ao conceito de jurisdição e o sentido jurídico atribuído a ela para um verdadeiro Estado Democrático de Di-reito. A transição do Estado absolutista para o Estado liberal, com a constituição de um Estado de Direito, implicou não somente em uma profunda alteração na estrutura do Estado, mas também em transformações nas convicções de direito e de jurisdição e, por consequência, na compreensão do sentido do princípio do “acesso à justiça” (Espíndola, 2013).

O conceito de jurisdição que se tem na modernidade não é o mesmo atribuído pelo antigo Direito romano, pois na atualidade atribui-se ao Estado a função de jurisdicionar, aplicando o direito constitucionalmente estabelecido para os casos concretos. Para tanto, incumbir-se no resguardo da jurisdição e do

8 O direito processual constitucional supõe a necessária compreensão da relação existente entre Constituição e jurisdição constitucional, o que se diferencia do direito processual constitucional, pois aquele surge em detrimento deste para efetivar o Estado Democrático de Direito no processo judicial, na medida em que baliza um instrumento constitucional de jurisdição em respeito aos direitos fundamentais (Bolzan de Morais e Nascimento, 2010).

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Estado Democrático de Direito, priorizando pelo acesso à justiça e um processo jurisdicional democrático por sua essência, impõe a importância da jurisdição e a compreensão de sua história.

A confusão que se faz entre jurisdição romana e jurisdição é um fator que implica a ausência da sensibilidade jurídica para distinguir a função do juiz privado e a função do pretor. Aquele julgava as demandas tão somente apli-cando o direito, não estava investido do poder jurisdicional. Esse, por sua vez, era quem exercia a autêntica jurisdição. Assim, pode-se afirmar que a função do juiz privado se identifica com a função dos magistrados do direito moderno: aplicar o direito (Espíndola, 2013).

No entanto, é indispensável considerar que aplicar o direito é eminente-mente uma função hermenêutica de compreender a Constituição. A jurisdição que possui como objetivo a implementação de políticas estatais delineia um contorno diferenciado e, por consequência, molda sua estruturação de acesso à justiça.

A hermenêutica não é simplesmente um método de interpretação ou compreensão, mas uma condição de possibilidade. É um papel extremamente hermenêutico aplicar os direitos fundamentais nas relações processuais, susten-tado o constitucionalismo do século XXI. A lei pura não opera a efetivação dos direitos, precisa ser interpretada em seu âmago por um magistrado que reconhe-ça a íntima ligação entre constitucionalismo e jurisdição (Stein; Streck, 2015).

Assim, o conceito de que os direitos fundamentais refletem em linha reta nas relações privadas é uma decorrência natural e lógica de um modelo herme-nêutico envolvido com o caráter normativo da Constituição. Trata-se de uma tarefa indispensável e de difícil otimização, mas, para se pensar em um direito processual constitucionalizado, a hermenêutica jurídico-constitucional possui função determinante para se auferir resultados em concordo com os direitos fundamentais. Conforme Jânia Maria Saldanha (2011):

Nessa conjuntura, o recurso à hermenêutica apresenta-se como requisito de pro-babilidade para viabilizar a desconstrução do paradigma racionalista que mo-delou a jurisdição e o processo na forma afirmativa e da plenariedade do pro-cedimento ordinário. Importa em abertura e criatividade, não uma criatividade universal que cairia no cartesianismo, mas individualizada, ligada à produção instituinte de identidades e práticas de singulares, que adquiriria validade a partir do olhar do hermeneuta. (p. 328)

A hermenêutica sob esse prisma é uma premissa para ir mais além, deve ser vista como uma considerável oportunidade de efetivação da jurisdição, pois possibilita o pensar, constituindo um modelo jurisdicional atribuído à contem-poraneidade. Assim, aplicar a jurisdição de acordo com o Estado Democrático de Direito é uma responsabilidade que deve ser exercida em sincronia com os direitos fundamentai e os princípios constitucionais.

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Uma das principais características do direito constitucional contempo-râneo que transpõe o pós-positivismo é a importância atribuída aos princípios, com o reconhecimento da sua capacidade pedagógica. Hoje, na hermenêutica constitucional se reconhece a primazia dos princípios que edificam os novos sistemas constitucionais (Sarmento, 2008).

Atribui-se especial importância aos princípios, pois eles aprimoram o desenvolvimento jurisdicional na medida em que determinam um norte fun-damental para a valia dos direitos constitucionais. Nesse sentido, Robert Alexy (2011) refere:

Princípios são normas que ordenam que algo seja concretizado na maior e me-lhor forma possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. São, portanto, mandamentos nucleares de otimização, caracterizados pela possibili-dade de satisfação em diversos graus e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende unicamente das possibilidades fáticas, como também das possibilidades jurídicas. (p. 90)

Assim, para se conhecer o alcance e a amplitude da jurisdição é indis-pensável pensar hermeneuticamente na sua real amplitude, e os aspectos que envolvem uma jurisdição democrata vão além do que se pode prever e estão aquém do que se exercita na contemporaneidade.

A sabedoria hermenêutica fundamental reconhece tratar-se de uma ilu-são pensar ser possível ter a última palavra. É necessário reconhecer que o próprio sistema é incapaz de albergar todas as ações sucintamente e forma au-tônoma. Deve-se considerar que é possível encontrar suporte no entendimento de que é na linguagem que o ser se descobre, como também é por meio dela que a concepção de processo poderá ser superada (Saldanha, 2011).

A função eminentemente jurisdicional não deve ser atribuída a um con-tentamento de solucionar litígios ou controversas de origem privada ou indi-vidualista, tampouco poderá contentar-se com uma jurisdição meramente ju-dicial. Deve prevalecer a solicitude com a importância que a hermenêutica representa para o processo constitucionalizado para atender ao Estado Demo-crático de Direito, garantindo o acesso à justiça e a proteção e promoção dos direitos fundamentais. “Nesta perspectiva, toda e qualquer decisão deve partir dos princípios constitucionais e da execução dos direitos fundamentais, exer-cendo, o judiciário, oficio de imensurável importância para a consolidação de tais direitos” (Espíndola, 2013, p. 20).

A interação indispensável entre processo constitucional e direitos fun-damentais é um mecanismo de efetivação do acesso à justiça, garantindo que cada indivíduo, de forma igualitária, detenha o direito de fazer valer as pre-visões que constitucionalmente lhe são asseguradas. Dessa forma, os direitos fundamentais tornam-se a base e o fundamento que atestam que os limites do poder estatal se condicionam aos limites fixados pela Constituição.

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O Estado Constitucional está inerente a uma atividade juridicamente pro-gramada e fiscalizadora dos órgãos estatais, estabelecendo requisitos e limites para as liberdades fundamentais, de modo que os direitos fundamentais so-mente poderão almejar eficácia por meio de um genuíno Estado Constitucional (Sarlet, 2003).

Assim, os direitos fundamentais vão além de delimitar o poder estatal, isso porque o poder se esclarece pela própria realização de direitos, bem como pelo conceito de que justiça é um fator indissociável dos direitos fundamentais, pois eles são um instrumento valioso de efetivação dos valores constitucionais. É justamente ao reconhecer e expandir o direito de acesso à justiça e igualdade processual que o novo Código de Processo Civil se constitucionaliza e caminha de forma democrática com o Estado.

3 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A MUDANÇA NA RELAÇÃO INTERACIONAL DO PROCESSO E A EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A Carta Constitucional brasileira proclama que as interpretações do nos-so sistema legal deverão estar em conformidade, alinhadas com o Estado De-mocrático de Direito.

A Constituição é a fonte primordial de soberania das normas de Direito brasileiro, pois é dela que os demais dispositivos irão extrair elementos para sua validade e eficácia. Na lei maior estão dispostas as normas de natureza proces-sual que devem ser ramificadas para todas as esferas jurídicas (Correia, 2014).

Isso ocorre nas bases constitucionais em que se firma o Estado Democrá-tico de Direito e as garantias que dele emanam para serem aplicadas em todos os ramos da legislação infraconstitucional.

Foi justamente em razão dessa perspectiva que se elaborou um novo Có-digo de Processo Civil, a fim de efetivar a democratização da justiça9.

A principal ideologia que marcou os trabalhos da comissão foi a de con-ferir mais celeridade ao processo, visando à efetividade da proteção jurisdicio-nal, bem como constitucionalizar o sistema processual em razão do caráter superintendente e principiológico da Constituição de 1988 (Didier, 2016).

Sob esse prisma de constitucionalização processual, o Código de Proces-so Civil abre espaço para um processo popularizado, não no sentido despectivo do vocábulo, mas em sua natureza precipuamente democrata. É uma efetivação ao princípio da dignidade da pessoa humana na sua mais ampla abrangência,

9 A busca de delineamento de um sistema dogmático íntegro e adequado que leve a sério os princípios do modelo constitucional de processo e que aplique normas de tessitura aberta torna imperiosa uma compreensão precisa da teoria dos princípios e da adequada leitura que o novo CPC procura viabilizar para a melhoria do acesso à justiça democrático (Theodoro Júnior, 2016, p. 53).

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pois tal princípio em caráter constitucional gerou o norte para todos os direitos fundamentais.

O princípio da dignidade humana conduz os direitos fundamentais, aten-dendo à exigência de respeito e igualdade para cada ser humano, prevendo a dignidade de todos os homens. É em razão do princípio da dignidade humana que os direitos fundamentais impõem limitação do poder, coibindo o arbítrio e a injustiça (Branco; Mendes, 2012).

Assim, norteado por tal ideologia, o princípio da solidariedade tem seu início visando a um interesse superior, como um fundamento adicional de re-forço à vinculação dos particulares com os direitos fundamentais. O legislador constituinte visou a uma solidariedade no plano jurídico e embora o destina-tário principal do princípio da solidariedade seja o Estado, esse não é o único, pois destina-se às relações entres particulares (Leal; Reis, 2007).

Tais valores norteiam o atual Código de Processo Civil, na medida em que a condução do princípio da solidariedade desencadeou, ainda que de for-ma implícita, no art. 6º do referido diploma legal10. O mencionado artigo dispõe que todas as partes do processo são responsáveis em cooperar entre si para que se obtenha uma razoável duração do processo com uma decisão justa e efetiva (Brasil, 2015).

O que se pretende, a partir da implementação de tal artigo, é uma “união processual” de todos aqueles envolvidos em uma demanda judicial. O dever de cooperar se estende aos particulares que litigam, bem como aos magistrados que por meio da investidura do poder de jurisdição estão incumbidos da função de aplicar o direito hermeneuticamente e, agora, de forma cooperada11.

Esse normatizado dever de cooperação deve ser compreendido e acolhi-do no processo como comparticipação dos sujeitos processuais. Os sujeitos do processo devem praticar atos processuais que lhes cabem em regime de com-participação, permitindo que as partes operem influência junto ao magistrado, no intuito de que a decisão obtida seja favorável aos interesses das partes, bem como represente uma efetivação da justiça (Didier, 2016).

Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior e colaboradores (2016) referem:

10 “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” (Brasil, 2015)

11 A cooperação não se trata de uma visão romântica que induziria a crença de que pessoas no processo querem, por vínculo de solidariedade, chegar ao resultado mais correto para o ordenamento jurídico. Essa utópica solidariedade processual não existe (nem nunca existiu): as partes querem ganhar e o juiz quer dar vazão à sua pesada carga de trabalho. O problema são os custos dessa atividade não cooperativa em um sistema sobrecarregado e de alta litigiosidade – não apenas numérica, mas de diversidade de litígios (Theodoro Júnior, 2016, p. 89).

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A ideia de comparticipação não se liga ao conteúdo ordinariamente à Koopera-tiosmaxime, de busca por uma “verdade” no processo lastreada em deveres pu-blicísticos que manteriam a hierarquia entre os sujeitos processuais, mas se trata de uma comparticipação (cooperação) embasada no princípio do contraditório dinâmico (como garantia de influência , debates e não surpresa) e na necessária participação de sujeitos interdependentes no ambiente processual durante todo o procedimento forjado por princípios processuais constitucionais. (p. 88)

É justamente essa forma de estruturação procedimental do processo que se espera em um Estado Democrático de Direito, de modo que o teor dos pare-ceres jurisdicionais seja fruto de uma comparticipação processual, implemen-tando, de forma efetiva, os direitos fundamentais.

Foi sob o suporte dessa ideologia que o Código de Processo Civil de 2015 modificou a relação interacional do processo. O processo é uma relação jurídica complexa, dinâmica e circular, em que o comportamento de cada uma das partes importa e influi no andamento da demanda. O processo, assim, é um sistema integrado em que interagem as partes e o órgão jurisdicional (Medina, 2015).

Logo, compreender o processo como uma relação interacional importa em reconhecer a importância que a comunicação entre as partes possui, para que se atinja o resultado almejado de forma democrática12.

Dessa forma, considerando a importância do diálogo entre as partes, a nova legislação processual civil prevê uma mudança progressista na relação interacional processual. Isso acontece na medida em que se abre espaço para a figura do mediador e do árbitro para que se promova uma mediação ou conci-liação, de modo a não mais condicionar somente ao magistrado a incumbência de uma decisão judicial.

Há no novo Código de Processo Civil uma valoração do consenso e um cuidado em criar, no âmbito do Judiciário, um espaço não apenas de julgamen-to, mas de solução dos conflitos, permitido que os sujeitos possam contribuir cooperativamente para construir uma decisão. Isso implica em democratizar o próprio papel do Poder Judiciário e o modelo de prestação jurisdicional preten-dido (Didier, 2016).

Os métodos de resolução consensual dos conflitos, além de efetivarem a tutela destinada aos direitos fundamentais, importam em aproximar as partes de uma decisão satisfatória em que elas mesmas possam produzir, exercitando sua democracia.

12 Assim, o novo CPC traz um conjunto de comandos que fomentam o diálogo e o controle de todas as ações dos sujeitos processuais, como, por exemplo, a boa-fé processual, a fundamentação estruturada das decisões, a coerência, a integridade e o formalismo democrático (Theodoro Júnior, 2016, p. 92).

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Determina o art. 3º, § 3º, do CPC/201513 que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser motivados por todos os operadores do Direito, incluindo magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público. E tal motivação poderá ocorrer, in-clusive, no curso do processo judicial (Medina, 2015).

Assim, o princípio da cooperação demonstra sua força, de modo a in-cumbir todos os operadores do Direito a incentivarem a prática de solução con-sensual dos conflitos e um exemplo disso é a mediação. De acordo com Carlos Eduardo Vasconcelos (2012, p. 42), “a mediação é um meio não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas, em ambiente seguro e de serenidade, com o auxílio de um terceiro (mediador), dialogam construtivamen-te para solucionar o conflito existente”.

A mediação é vista como um processo em que um terceiro auxilia as partes para que elas possam chegar a um consenso, de modo que seja possível a continuidade de um vínculo respeitável entre elas. É justamente ao instituir a mediação como forma judicialmente aceita de solução das lides que o Código de Processo Civil ressalta a constitucionalização processual, vista que em res-peito à liberdade dos direitos fundamentais atende às necessidades de democra-cia que até então era ausente em uma jurisdição.

A figura do mediador não possui papel central, mas secundário, o mesmo não intervém no conflito, mas oferece às partes liberdade para tratá-lo, para que se faça possível a construção de uma decisão que satisfaça ambas as ne-cessidades. O poder de decisão do mediador é limitado e não pode impor uma decisão, devendo conduzi-las para que elas concluam pela melhor solução (Spengler, 2016).

Não só a mediação, mas a conciliação também representa um instrumen-to alternativo e uma mudança na relação interacional do processo, vista que não mais somente o juiz e as partes representam essa relação, já que tal ligação é expandida para dar espaço a figura de um árbitro.

A conciliação é um instituto que visa chegar voluntariamente a um acor-do neutro, e as partes, mesmo adversárias, devem chegar a uma combinação. Contando com a participação de um terceiro (conciliador) que sugere, orienta e aconselha as partes, a fim de dirimir o conflito e proporcionar uma solução para o litígio de forma mais célere e tranquila. O que se revela é uma complemen-tação necessária, um aprimoramento do ordenamento jurídico, na medida em que se consubstancia o direito fundamental de acesso à justiça de uma forma pluralizada (Morais; Spengler, 2012).

13 “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. [...] § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”

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De acordo com Carlos Eduardo Vasconcelos (2012, p. 64) “a admissão pela sociedade do papel de protagonista na solução amigável ou arbitral de seus conflitos é o aspecto do acesso à justiça que mais desenvolve a consciência de cidadania ativa no jogo democrático, conflituoso e pluralista”. Assim, o enten-dimento hermenêutico que se aplica ao direito de acesso à justiça é de que tal direito implica em um acesso justo. Assim, para que efetivamente se consubs-tancie o arranjo adequado dessa previsão legal, cabe ao Judiciário estabelecer políticas públicas de solução dos conflitos, como, nesse caso, assim o fez.

Mais do que um meio de acesso à justiça, proporcionar a participação social do cidadão no processo, a mediação e a conciliação são políticas que vêm ganhando destaque e fomento do Ministério da Justiça, da Secretária de Re-forma do Judiciário e do CNJ brasileiros, vista a comprovação que tal proposta representa eficiência na solução dos conflitos (Spengler, 2012).

Como nota-se, essa transformação na relação interacional do processo, além de concretude ao direito fundamental de acesso à justiça, confere às pes-soas capacidade processual diferenciada, lhes atribuindo responsabilidade ju-risdicional.

Como mencionado, até o advento do Código de Processo Civil de 2015 a relação interacional do processo dava-se somente entre o juiz e as partes, de modo que a decisão a respeito de como se soluciona o conflito entre os litigan-tes é proferida por meio de uma sentença que compete única e exclusivamente ao juiz prolatar. Tal fato demonstra a participação quase que nula da sociedade no processo de jurisdição estatal.

No entanto, o que se cogita a partir da vigência do atual Código é um repensar no que tange ao monopólio estatal da jurisdição, pois, ainda que o Poder Judiciário seja o órgão responsável por jurisdicionar, não se pode negar que tal prática tornou-se minimamente mais socializada.

A mediação e a arbitragem são mecanismos que trabalham com a con-cepção de autorregulamentação dos conflitos por parte do sistema social, uma perspectiva popular que redefine a forma de decisão do Judiciário, reconhecen-do, ainda que de forma indireta, o papel não exclusivo da jurisdição, desconsti-tuindo (ainda que em parte) o monopólio jurisdicional, que atualmente está em crise frente à complexidade social (Morais; Spengler, 2012).

Assim, pode-se afirmar que a inclusão da mediação e arbitragem no processo civil constituem um avanço socialmente democrata e significam uma mudança interacional no processo que simbolizam o respeito aos direitos fun-damentais, assim como representam uma proposta do Poder Público de se cons-tituir um novo paradigma pró-futuro que almeje a igualdade material em todas as relações interpessoais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cenário contemporâneo, diante do reconhecimento das novas forças sociais, o poder e a opressão não mais se expressam somente pelo Estado, ou seja, de forma verticalizada, mas, também, entre os particulares, ou seja, de forma horizontal. Além do princípio da autonomia da vontade não mais exercer sua força absoluta – tem-se a supremacia dos direitos fundamentais –, essas re-lações igualmente podem revelar-se violadoras de direitos fundamentais.

A sociedade do século XXI está em constante mutação e um direito está-tico não mais comporta suas necessidades. Dessa forma, o avanço do Código de Processo Civil, ao reconhecer voz processual para as partes, representa ino-vação democrática.

Em verdade, a antiga forma de estrutura processual não simbolizava um modelo representativo do Estado Democrático de Direito, carecendo de mo-dificação. Se faz preciso incorporar um instrumento de justiça que promova a concretização dos valores e princípios constitucionais que alcance a justiça não de forma mecanizada, mas promovendo segurança jurídica.

A mediação, bem como a arbitragem constituem uma nova forma de so-lucionar os conflitos que, em uma sociedade complexa como nossa, estão em constante aumento. Possibilitar que os indivíduos cheguem a um consenso de como pôr fim a seus litígios aproxima as partes da justiça almejada.

De certo modo, utilizar-se de tal prática também é fazer um uso herme-nêutico da legislação constitucional que em pé de igualdade confere voz a toda nação. O Estado Democrático tem a função de transformar a realidade social por meio dela própria, pois a vontade de realizar tem que se fazer presente em um Estado Democrático de Direito.

Ao abrir-se espaço para a figura do árbitro e do mediador, as partes po-dem efetivar o Estado Democrático de Direito, já que em um Estado Constitu-cional está tarefa deve ser exercida em concomitância.

O Código de Processo Civil de 2015 atribuiu às partes responsabilidade jurisdicional, modificando, ainda que de forma indireta, o monopólio de juris-dição estatal. Assim, o Brasil dá um passo ao progresso, responsabilizando seus cidadãos de referida incumbência. Isso porque não há como falar em cidadania sem falar em responsabilidade; logo, o dever de cooperação é uma medida essencialmente democrata.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais aplica os princípios de tais direitos constitucionalmente assegurados ao novo Código de Processo Civil. Reestabelecendo, assim, a Constituição como uma força ativa, sendo latente a perspectiva de se reconhecer direitos.

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A ausência do “sentir cidadão” impede o exercício da democracia e coí-be o Estado Democrático de Direito. Logo, a partir do momento em que o novo Código reconhece a participação da parte no processo, bem como amplia as formas de relação interacional que se dão em um processo, efetiva-se o desem-penho da cidadania e a concretude da justiça.

Verifica-se que a soberania popular tem respeitada sua nobreza, desco-brindo-se que constitucionalizar o processo civil é medida indispensável para aprimorar-se um autêntico Estado de Direito, em que, de forma constitucional, os direitos fundamentais não são negados nem infringidos.

Como estabelecido no preâmbulo da Constituição brasileira: democracia participativa implica em um sistema de cooperação, dizendo respeito à partici-pação ativa do povo nas tomadas de decisões.

O atual Código de Processo Civil reconhece que a Constituição regula a ordem política e jurídica e erradia para todos os ramos do Direito essa nor-mativa, orientando a respeito da existência de uma ordem superior e a força normativa desta.

Tal estratégia institucional revela uma proposta implementada de forma processual que consubstancia a efetivação do acesso à justiça de forma adequa-da e em respeito a todo o processo de evolução histórica que se fez indispensá-vel para a civilização atual. Assim, o instituto jurídico reproduz características que são próprias de uma democracia e estão balizadas na soberania popular, aplicando a natureza dos direitos fundamentais em todos os ramos do Direito.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 79, 2018, 31-64, jan-fev 2018

A Incompatibilidade entre o Novo Código de Processo Civil e os Fundamentos Que Sustentam o Decisionismo, o Ativismo e o Voluntarismo Judicial

The Incompatibility Between the New Brazilian Law of Civil Process and the Elements That Sustain Judicial Decisionism, Activism and Voluntarism

LUCAS RIBEIRO MORIGGIServidor do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Bacharel em Direito pelo Centro Univer‑sitário da Fundação Assis Gurgacz.

RESUMO: O direito atual ainda não se desvencilhou das mazelas do positivismo jurídico pós‑exegéti‑co de perfil normativista. O novo Código de Processo Civil busca, por meio de sua virtude democráti‑ca, o rompimento com a discricionariedade judicial contida no antigo Código. Essa discricionariedade advém tanto do objetivismo quanto do subjetivismo jurídico. A esse dilema teórico filosófico de como se decide no Brasil denomina‑se crise de dupla face. A superação dessa crise é o que pode propor‑cionar a construção de uma resposta judicial adequada à Constituição. O novo CPC, com sua ex‑pressa sujeição aos preceitos e valores constitucionais (art. 1º do CPC) e com a efetivação do dever constitucional (art. 93, IX, da CF) de fundamentação das decisões judiciais (art. 489, § 1º, do CPC), se aproxima da resposta judicial hermenêutica e constitucionalmente adequada. Tal resposta deve ser oriunda da construção intersubjetiva que supera a relação sujeito‑objeto em favor da sujeito‑sujeito. O novo CPC não admite qualquer hipótese de livre convencimento, o que transparece o rompimento com a admissibilidade do paradigma da filosofia da consciência, assim como com o positivismo pós‑‑exegético de perfil normativista que admitia a decisão judicial como ato de vontade. Ele exige que a jurisprudência seja estável, íntegra e coerente. Desse modo, se presume a incompatibilidade do novo CPC com o decisionismo, o ativismo e o voluntarismo judicial.

PALAVRAS‑CHAVE: Protagonismo judicial; teoria da decisão; novo Código de Processo Civil.

ABSTRACT: The current law has not disentangled the ills of legal positivism of profile post‑exegetical normative. The new law of Civil Process through its democratic virtue seeks to break with the judicial discretion of the old Code. This discretion stems from legal objectivism as the legal subjectivism. This philosophical theoretical dilemma of how to decide in Brazil is called double face crisis. Overcoming this crisis is what will provide for the construction of a judicial response adequate to the constitution. The new law of Civil Process, with its express subjection to the principles and constitutional values and the realization of the constitutional duty to state reasons for judgments approaches it to the judicial response hermeneutically and constitutionally adequate. Such a response must come from the intersubjective construction that overcomes the subject‑object relationship in favor of subject‑‑subject relationship. The new law of Civil Process does not admit any possibility of free conviction, what demonstrates the disruption with the admissibility of the paradigm of the philosophy of cons‑

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ciousness, as well as to the positivist profile post‑exegetical normative that admits the court decision as an act of will. It requires the jurisprudence to be stable, fair and consistent. Thus, it is assumed the incompatibility between the new law of Civil Process and decisionism, activism, and voluntarism.

KEYWORDS: Judicial protagonism; decision theory; new Law of Civil Process.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Referencial teórico; 1.1 Contextualização necessária; 1.2 As mazelas do protagonismo judicial; 1.2.1 O decisionismo judicial; 1.2.2 O ativismo judicial; 1.2.3 O voluntarismo judicial; 1.2.4 O ponto fulcral que alicerça qualquer dos “ismos”; 1.3 O porquê de nem tudo estar perdido; 1.3.1 Interpretação e linguagem: as condições de possibilidade; 1.3.2 Habemus novo Código de Processo Civil; 1.3.2.1 A primazia do contraditório e a vedação do julgamento surpresa, artigos 9º e 10 do novo CPC; 1.3.2.2 Artigo 371: o início do fim do livre convencimento (motivado ou não); 1.3.2.3 Artigo 489, § 1º: A didatização do dever fundamental de fundamentação das decisões judi‑ciais; 1.3.2.4 Artigo 926: por uma jurisprudência estável, íntegra e coerente; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O contexto utilizado para o desenvolvimento deste trabalho é o fim da vigência de um Código de Processo Civil (CPC), oriundo de um Estado de Exce-ção (não obstante suas inúmeras minirreformas, com vistas a adequá-lo à juris-dição constitucional), e o início da vigência de um codex processual, projetado, debatido e promulgado após a ascensão do Estado Democrático de Direito.

Pretende-se a análise hermenêutica do modo como se decide no Judi-ciário brasileiro, com vistas à verificação de que os elementos que sustenta(va)m o ativismo, o decisionismo e o voluntarismo, comportamentos que viciam a legitimidade do protagonismo judicial na tarefa de construir as respostas à judi-cialização, não foram, pelo novo CPC, objeto de repristinação.

E, nesse sentido, demonstrar que a superveniência dessa lei é um indí-cio do afastamento da jurisdição (e do direito) do paradigma epistemológico da filosofia da consciência – com raízes em Descartes e Kant – que coloca o sujeito como o único fundamento sobre o qual se pode estruturar a realidade e proceder à sua modelação racional-prática e, ao mesmo tempo, do positivismo normativo pós-exegético, alicerçado na discricionariedade de Kelsen e Hart, à vista de que ambos, subjetivismo e objetivismo, são precursores da arbitrarieda-de judicial (Luchi, 1999).

Em seu artigo inicial, o novo CPC presta a devida homenagem e esclare-ce sua submissão à Constituição, ao mesmo tempo em que determina que a sua interpretação deverá ser alinhada com os valores e com as normas fundamen-tais que dela advêm.

Desse modo, não seria utópico dizer que é – ou, ao menos, deveria ser – atribuído ao juiz (ou tribunal) o poder-dever (fundamental) de decidir de forma

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adequada à Constituição, para, no exercício do seu mister, enquanto intérprete, nela buscar as condições de validade da sua ratio decidendi.

Por meio deste estudo pretende-se a introdução e a compreensão da ideia de resposta adequada à Constituição de Lenio Streck, a partir da hermenêutica filosófica de Gadamer e da teoria do direito como integridade e coerência de Ronald Dworkin, para, ao fim, atestar sua aplicabilidade ao novo Código de Processo Civil.

Nesse sentido, indicar que é a partir da construção intersubjetiva do di-reito, fundada no paradigma da filosofia da linguagem, que se supera o esque-ma sujeito-objeto em favor da relação sujeito-sujeito. Nesta, intérprete e texto dialogam para a correta determinação do seu significado (norma), de forma que nem intérprete nem texto possa, isoladamente, determinar tal significação. Des-se modo, a resposta hermeneuticamente adequada não estaria na manifestação solipsista do julgador, tampouco na letra da lei.

Assim, o principal objetivo é tornar evidente que o jurisdicionado é ti-tular de um direito fundamental a uma resposta judicial hermeneuticamente adequada, erigida por meio de uma teoria da decisão judicial livre dos vícios inerentes às discricionariedades do binômio subjetivismo-objetivismo, formu-lada, sobretudo, em consonância com os preceitos constitucionais, caríssimos sustentáculos do Estado Democrático de Direito.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 contextuAlIzAção necessárIA

Há que se considerar, para efeito de contextualização, que o recém-revo-gado CPC é produto e herança de um Estado de Exceção. Sim, pois foi editado e promulgado em 1973, período no qual terrae brasilis estava condicionada e submetida a um governo militar eminentemente autoritário.

Nesse período de evidentes arbitrariedades, sob a égide daquele Esta-do autoritário, formulou-se um codex processual radicado no protagonismo judicial oriundo do positivismo pós-exegético de perfil normativista de Hans Kelsen, que apostava diretamente no poder discricionário dos juízes (Streck, 2013).

O citado protagonismo judicial, por si só, não poderia ser, prima facie, considerado um mal absoluto que vicia toda a jurisdição, tampouco como al-ternativa desregrada e autônoma para a suposta concretização dos direitos indi-viduais e proteção das garantias fundamentais, sob o pretexto de atender-se aos anseios da sociedade (influências metajurídicas). Veremos na sequência que, de modo restrito e com critérios arraigados na Lei Maior, o protagonismo (lido

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como a resposta à judicialização, ou como a obrigação que nasce do princípio do non liquet), poderia encontrar alguma legitimação constitucional.

De toda sorte, evidencia-se que mesmo após a superveniência do Estado Democrático de Direito (com a promulgação da Constituição Federal de 1988 filiada ao dirigismo constitucional e suas diretrizes normativas), com a aparente superação da crise de Estado, ainda subsistem mazelas oriundas daquele perío-do de exceção.

Muito disso se deu em decorrência de que a transição de regimes auto-ritários para governos eleitos democraticamente simplesmente não encerra a tarefa de construção democrática, é necessária uma segunda transição (uma passagem pelo Estado de Bem-Estar Social), até o real estabelecimento de um regime democrático (O’Donnel, 1991).

Nesse sentido, a crise do direito e do Estado subsistira em razão de que o velho modelo de feição liberal-individualista-normativista ainda não havia desaparecido e, por conta disso, o novo modelo, construído por meio do Estado Democrático de Direito, não conseguia vir à luz. Assim, as antigas promessas da modernidade, caracterizadoras do Estado de Bem-Estar Social, mesmo inte-grando o texto constitucional, ainda estavam distantes da sua efetivação (Streck, 2014).

Segundo Streck (2014), a noção de Estado Democrático de Direito é imanente à realização dos direitos fundamentais e sociais. Todavia, à vista das parcas políticas públicas existentes, inaptas à concretização desses direitos e ao respeito a essas garantias e, em razão disso, a consequente judicialização da vida e da política, o Poder Judiciário ascendeu ao seu próprio protagonismo.

Judicialização significa que diversas questões importantes do âmbito po-lítico, social ou moral estão sendo decididas pelo Poder Judiciário. Trata-se de uma transferência da atribuição dos poderes originários do Executivo e do Legislativo, em favor dos juízes e tribunais. Para Barroso, a judicialização de-corre do caráter analítico da Constituição e da ineficiência e inércia dos demais poderes (Barroso, 2013).

Streck (2016) reconhece a ocorrência da judicialização; porém, a ad-mite como um fenômeno eminentemente contingencial. O jurista a relaciona diretamente às características programático-normativas da Constituição e como consequência do funcionamento inadequado das instituições dentro da diretriz constitucional. Esclarece, entretanto, que, por ser contingencial, na medida em que se melhore a situação das instituições, isto é, tão logo se consiga imple-mentar as normas programáticas da Constituição, o nível de judicialização deve diminuir.

Nesse debate teórico, para Barroso (2013) o ativismo judicial expressa uma postura ou um comportamento do intérprete, na medida em que ele re-

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presenta uma conduta proativa e expansiva de interpretação das normas, para, com isso, potencializar o seu sentido e aumentar o seu alcance, superando o legislador ordinário. Neste contexto, segundo o autor, o comportamento ativista do Poder Judiciário é inevitável e, portanto, legítimo.

Trata-se [o ativismo] de um mecanismo para contornar, bypassar o processo po-lítico majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. O ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. (Barroso, 2013, p. 19)

Segundo se vê, para Barroso o ativismo é útil à jurisdição e não precisa ser expungido da prática judicial, mas deveria ter seu uso controlado, ou, quan-do muito, evitado. Assim, se para ele a judicialização da vida não decorre da vontade do Poder Judiciário, o ativismo judicial sim.

Streck, por outro lado, argumenta que o ativismo judicial e seus con-gêneres sempre representam condutas arbitrárias e antidemocráticas, e estão intimamente ligados ao modo (comportamento) com que o Judiciário lida com as questões advindas da judicialização. Assim, o provimento jurisdicional, de-pendendo da forma de criação, isto é, do comportamento do julgador, pode ou não ser ativista (Streck, 2016).

De acordo com o autor, quando se responde à questão judicializada por meio de uma teoria da decisão adequada à Constituição, não se tem espaços para os subjetivismos ou para as discricionariedades. Logo, não se permite a ocorrência do comportamento decisionista (Streck, 2011).

De toda sorte, quando se decide com base no livre convencimento, na li-vre valoração probatória ou em elementos que estejam exclusivamente na cons-ciência do juiz – que por conta disso não admitem qualquer espécie de controle –, se tem a perfeita caracterização da figura decisionista, contrária à democracia normativa que se origina no pacto fundamental (Streck, 2011).

Não se pode olvidar, portanto, que a atitude decisionista-ativista-volun-tarista na busca das possíveis respostas à judicialização é um comportamento (pre)judicial que atenta contra o Estado Democrático de Direito. É importante que se esclareça, sob pena de redundância, que a corrupção do protagonismo judicial não acontece em função da judicialização, mas em razão da conduta decisionista-ativista-voluntarista do órgão julgador no exercício da jurisdição que aquela responde.

A viga-mestra que sustenta essa forma ilegítima de se praticar o encargo jurisdicional é a discricionariedade (que leva à arbitrariedade), cujo ponto de ascensão é o paradoxo teórico ao qual Streck, por meio da sua hermenêutica jurídica e(m) crise, atribui a denominação de crise de dupla face (Streck, 2014).

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De um lado, o modelo exegético-positivista de fazer e interpretar o Direi-to, que se sustenta em posturas objetivistas, segundo as quais o texto sobrepõe--se ao intérprete. Nos casos simples, basta a aplicação da lei por subsunção e, nos difíceis, ao juiz não é defeso escolher ao seu alvedrio a norma mais apro-priada. É, segundo Streck (2011), a crença de que o juiz deve fazer a pondera-ção de valores a partir dos seus valores.

A discricionariedade do positivismo normativo advém do reconhecimen-to de que as normas jurídicas, com sua objetividade calcada na metafísica clás-sica, não conseguiriam prever todas as hipóteses de sua aplicação. Dessa forma, nos casos em que não se tem norma preexistente, ou havendo, subsista mais de uma interpretação, a solução dar-se-á pela aplicação de normas metajurídicas, oriundas do arbítrio da consciência solipsista do órgão julgador (Streck, 2011).

A abordagem e a solução de todos os casos, para Kelsen, se dá, ainda que minimamente, pelo ato de vontade do juiz enquanto criador de direitos. No exercício deste mister, o magistrado é relativamente livre, pois, na aplica-ção do direito, a interpretação da norma combina-se com um ato de vontade, por meio do qual esse órgão efetua a escolha entre as possibilidades reveladas. Kelsen admite, portanto, a discricionariedade como uma fatalidade necessária, inafastável da aplicação do direito, e atribui ao juiz a roupagem de intérprete--criador-concretizador que, de per si, traz à luz e efetiva, pela sua, a vontade ínsita das normas (Luiz, 2013).

Para Herbert Hart – reconhecido, na opinião de Dworkin (2002), como o mais refinado positivista –, a vagueza é imanente à linguagem jurídica e o siste-ma jurídico é eminentemente aberto. Por conta disso, para o autor, admitem-se diversas interpretações em relação a uma mesma norma.

Na esteira da doutrina hartiana, os easy-cases são resolvidos por subsun-ção, enquanto, no julgamento dos hard-cases, os juízes podem decidir de modo discricionário, à vista da permissibilidade de escolha da interpretação que lhes soar mais apropriada (Hart, 2002).

Para o autor britânico isso não quer dizer que a decisão será necessa-riamente arbitrária: quer dizer, apenas, que ela será produto de uma escolha pessoal. Em outros termos: como o magistrado detém autoridade, cuja outorga ocorreu por meio de normas reconhecidas como legítimas pela comunidade, ao decidir, ele pode, legitimamente, escolher a decisão que ele achar melhor. O positivismo hartiano acredita que no campo da discricionariedade a decisão est(ar)á sempre correta (Hart, 2002).

Para Hart (1996), a discricionariedade não se apresenta, portanto, como uma fatalidade, tal qual para Kelsen, mas como a salvação para os casos difíceis e para os juridicamente não regulados, justamente porque, como dito, para esse autor o direito é um sistema que dela depende.

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Observa-se que ambos, cada qual ao seu modo, admitem que o juiz, por fatalidade ou faculdade, decida por meio da vontade. Legitimam-no como criador do direito e, assim, demonstram que o positivismo normativo, ao fim e ao cabo, recorre ao paradigma da filosofia da consciência.

Do outro lado da crise, há o conjunto de posições doutrinário-jurispru-denciais calcado na subjetividade do solipsismo judicial, corolário do paradig-ma epistemológico da filosofia da consciência, para o qual o intérprete sobre-põe-se ao texto. Nas lições de Streck (2009), a filosofia da consciência (que no direito representa uma vulgata desta) se define pela substituição do direito por juízos subjetivos da consciência do julgador.

O subjetivismo, na lição de Luiz (2013), possui centro gravitacional na ideia de que o sujeito assujeitador do mundo (aquele que cria e atribui sentido ao seu objeto de estudo), ao deparar-se com o texto, a ele atribui diversas possi-bilidades de significação e que, por essa razão, a interpretação consiste em es-colher, com base nos seus valores pessoais – portanto, estranhos ao ordenamen-to jurídico – uma dessas significações. Para o autor, nessa concepção, os juízes, e não as regras, possuem a exclusiva função criativa do significado da norma.

Para a corrente subjetivista o senso de justiça (sucedâneo da moralida-de pessoal) da consciência do juiz é que tem lugar no exercício de solução dos litígios. Ocorre que, dessa forma, o julgador escolhe por feeling em vez de decidir por julgamento, e, nesses casos, a fundamentação da decisão (que nessa circunstância se reveste das características da motivação) é o sentimento particular acerca daquilo que o magistrado pensa ser certo ou errado, justo ou injusto (Luiz, 2013).

Deve ser esclarecido, entretanto, que tal postura solipsista não se revela adequada ao Estado Democrático de Direito, porque, neste, segundo Tribe e Dorf (2007), não se pode outorgar ao juiz a possibilidade de produção da res-posta que, exclusivamente fundada em sua visão pessoal, seja mais apropriada.

Segundo Luiz (2013), não parece crível que, após a promulgação de uma constituição com força normativa que fixa o dever (fundamental) de fundamen-tação de todas as decisões judiciais, em plena era do predomínio da linguagem e na vigência de uma democracia constitucional, se renuncie a tudo isso e se confie a decisão à consciência solipsista de um indivíduo investido na função de juiz.

Daí a pergunta: por que, depois de uma intensa luta pela democracia e pelos direitos fundamentais, enfim, pela inclusão das conquistas civilizatórias nos tex-tos legais-constitucionais, deve(ría)mos continuar a delegar ao juiz a apreciação discricionária nos casos de regras (textos legais) que contenham vaguezas e am-biguidades e nas hipóteses dos assim denominados hard cases? Volta-se, sempre, ao lugar do começo: o problema da democracia e da (necessária) limitação do

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poder. Discricionariedades, arbitrariedades, inquisitorialidades, positivismo jurí-dico: está tudo entrelaçado. (Streck, 2010, p. 3)

Para Streck (2011), a filosofia da consciência é refém do esquema sujeito--objeto, por conta disso é incapaz de se permitir à construção intersubjetiva. Quem assim decide forma a sua convicção antes de motivá-la – e motivação não é sinônimo de fundamentação. É como se, nesses casos, as respostas ante-cedessem às perguntas.

Assumir que motivação é igual à fundamentação é afirmar que primeiro o juiz escolhe – com total liberdade – e, após escolher, motiva tal escolha. Caso isso fosse admitido a decisão seria refém da boa (ou má) vontade (de poder) do julgador. Logo, se o processo é condição de possibilidade, a fundamentação da decisão é condição de democracia (Streck, 2016).

Não é por acaso que a nossa Constituição estabelece, por meio do art. 93, IX, o dever de fundamentação, dispondo que essa é a condição de va-lidade para qualquer decisão judicial. Além disso, esse dever fundamental de fundamentação deveria, desde a Emenda Constitucional nº 45, ter colocado as decisões fundadas no princípio do livre convencimento, motivado ou não, em um exílio epistêmico.

Nesse sentido, o CPC, por meio de um verdadeiro pleonasmo jurídico (e é bom que isso seja dito), no intento de reafirmar aquela disposição constitucio-nal, dispôs em seção específica acerca do dever de fundamentação (art. 489, § 1º) e expungiu do seu texto qualquer alusão à palavra “livre” (convencimento/apreciação).

Não se trata, evidentemente, de se escolher entre seguir a vontade consti-tucional ou a do constituinte, a da lei ou a do legislador, até porque, nessa qua-dra da história, segundo Streck (2014), já se superou a discussão sobre a dicoto-mia voluntas legis (tese objetivista) versus voluntas legislatoris (tese subjetivista).

Deixar a função de atribuição de sentido à coisa-objeto (lei) ou ao sujeito (legislador) é retornar à ultrapassada relação sujeito-objeto, porque sobressai evidente que, para aferir a vontade da lei, ou a vontade do legislador, depender--se-á, sempre, da vontade do intérprete, e isso é, portanto, incompatível com o Estado Democrático de Direito (Streck, 2011).

Por conta disso, depreende-se que não se pode dizer que o sentido en-quanto norma está exclusivamente na lei, tampouco sustentar que aquilo que o legislador quis dizer é mais importante do que aquilo que ele efetivamente disse. Da mesma forma, não se pode admitir como verdade que é o intérprete quem estabelece o sentido da norma segundo sua subjetividade (Streck, 2014).

O direito, ao contrário disso tudo, tem sentido interpretativo. Isso quer dizer que o texto jurídico não possui sentido meramente analítico e, por isso,

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não possui sentido em si mesmo, do mesmo modo como não existem conceitos sem coisas, não se têm respostas antes das perguntas. Enfim, não existem regras gerais que contenham os sentidos de forma antecipada (Streck, 2011).

1.2 As mAzelAs do protAgonIsmo JudIcIAl

Como já introduzido anteriormente, no exercício de resposta à judiciali-zação o juiz está tão somente cumprindo seu mister constitucional, na medida em que, uma vez proposta a lide, o juiz não pode se furtar à sua apreciação. Nesse sentido, os magistrados deve(ria)m, a partir de uma teoria da decisão judicial, proporcionar àquele que procura a justiça uma resposta consentânea (Luiz, 2013).

Contudo, o perfil dos juízes atuais, segundo Luiz (2013), é eminentemen-te solipsista e, diante dessa complexa situação jurisdicional, eles empregam, no exercício dos seus encargos, aquilo que se repudia no ordenamento jurídico: a discricionariedade, vício que desfigura qualquer legitimidade reconhecida ao protagonismo do Judiciário, vez que é dela que advêm o decisionismo, o ativis-mo e o voluntarismo judicial.

Essas condutas podem possuir conceitos semelhantes; no entanto, elas não são exatamente a mesma coisa. Pode-se dizer que elas são as partes que formam uma mesma coisa e devem ser assim compreendidas: as partes pelo todo e o todo pelas partes, como variações de um mesmo hábito; portanto, vá-rios comportamentos de cariz similar. Assim, para ilustrar essa face ilegítima do protagonismo utilizar-se-á de uma metáfora restrita a este trabalho. Imagine-se um monstro jurídico análogo à Hidra de Lerna1 – um ser mitológico tricéfalo, cujas cabeças correspondem, respectivamente, ao decisionismo, ao ativismo e ao voluntarismo judicial.

1.2.1 O decisionismo judicial

A etimologia que possui relevância jurídica em relação ao termo deci-sionismo se origina na teoria de Carl Schmitt, cuja aplicabilidade dar-se-ia jus-tamente no escopo de um Estado de Exceção. Nesse sentido, o decisionismo judicial seria a decisão que cria o direito independentemente da obediência às regras de criação de qualquer decisão, pois sua força jurídica não deriva da força jurídica dessas regras. Para Schmitt, o decisionista estabelece o justo por meio de uma decisão pessoal, soberana (Macedo Jr., 2011).

Nesse sentido:

1 A Hidra de Lerna (em grego antigo: Ὕδρα), na mitologia grega, era um monstro, filho de Tifão e Equidna, que habitava um pântano junto ao lago de Lerna, na Argólida, hoje o que equivaleria à costa leste da região do Peloponeso. A Hidra tinha corpo de dragão e 3 cabeças de serpente.

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Juridicamente podemos encontrar o último fundamento jurídico de todas e quais-quer validades e valores de direito em um processo volitivo, uma decisão que, enquanto tal, cria o “direito” e cuja “força jurídica” [Rechtskraft] não pode ser derivada da força jurídica de regras de decisão, pois mesmo uma decisão que não corresponde à regra cria direito. Essa força jurídica de decisões contrárias à norma pertence a todo e qualquer “ordenamento jurídico”. Diante disso, um normativismo consequente deveria levar ao absurdo de que a decisão, conforme a norma, extrai a sua força jurídica da norma, ao passo que a decisão contrária à norma extrai a sua força apenas de si mesma, da sua contrariedade à norma!

Para o jurista do tipo decisionista, não é o comando enquanto comando, mas a autoridade ou soberania de uma decisão última, dada com o comando, que constitui a fonte de todo e qualquer “direito”, isto é, de todas as normas e orde-namentos seguintes. (Macedo Jr., 2011, p. 49) (grifos nossos)

Como dito, o decisionismo se caracteriza pela expressão do justo por meio de uma decisão pessoal, autoritária, soberana, para a qual as regras de formação de uma decisão não são preponderantes. A importação, no mínimo equivocada, dessa moléstia jurídica se revela o sucedâneo do atraso no Direito brasileiro e desafia o predomínio da linguagem até os dias de hoje.

Observe-se o exemplo a seguir, advindo de um julgamento realizado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça pátrio:

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Su-perior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. [...] decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o enten-dimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamen-tal expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. (STJ, AgRg-REsp 279.889/AL, Min. Humberto Gomes de Barros, J. 03.04.2001, DJ 11.06.2001, p. 24) (grifos nossos)

Nesse julgado se revela a prepotência de quem se presume intocável no exercício de uma função a si atribuída constitucionalmente, ignorando, segundo se percebe, qualquer responsabilidade político-jurídica ou submis-são ao pacto fundante que antes o legitimara. A única condição de validade para o decisionista é vinculada àquilo que sua soberana consciência lhe impõe (Macedo Jr., 2011).

São conhecidas – e nem se questionam – as prerrogativas que os magis-trados detêm e necessitam para a lisura do exercício jurisdicional; entretanto, nenhuma delas os coloca em patamar que exceda os limites constitucionais. De todo modo, não se pode olvidar que é a Constituição que representa o fundamento supremo de qualquer regra/forma de decisão e de formação dessa

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decisão, e, para o estarrecimento de alguns, ela deve prevalecer em face da própria consciência.

1.2.2 O ativismo judicial

A segunda cabeça da Hidra, o ativismo judicial, a mais popular delas – eis que se pretende bela –, como já antecipado alhures, pode ser concebida como as hipóteses em que o Poder Judiciário extrapola os limites semântico--interpretativos, atribuindo sentido para além ou para aquém daquilo que a norma estatui, de forma que, assim agindo, passa a legislar ou a criar políticas públicas (Santos, 2007).

Os juízes e tribunais assumem para si uma postura heroica, superiorizada em relação aos demais poderes do Estado, violando a norma fundamental da separação tripartida, em uma cruzada irresponsável na busca (ou no pretexto) de se concretizar direitos a qualquer custo. No exercício do ativismo é que cabe a máxima maquiaveliana de que os fins justificam os meios.

Acerca das dimensões do ativismo, dispõe Marshall:

(a) Ativismo contra-majoritário: a relutância das Cortes em acatar as decisões das instituições democraticamente eleitas; (b) Ativismo não-originalista: A falha das Cortes em acatar alguma noção de originalismo em casos decisivos, se esse origi-nalismo está fundamentado em uma estrita fidelidade ao texto ou em referência à intenção original dos autores; (c) Ativismo de precedentes: a falha das Cortes em acatar precedentes judiciais; (d) Ativismo jurisdicional: a falha das Cortes em aderir a limites jurisdicionais em seus próprios poderes; (e) Criatividade judicial: a criação de novas teorias e direitos na doutrina constitucional; (f) Ativismo reme-diador: o uso do poder judicial para impor obrigações afirmativas a outros ramos de governo ou de colocar instituições governamentais em supervisão judicial como parte de um remédio judicial imposto; (g) Ativismo partidário: o uso do po-der judicial para conquistar claros objetivos partidários. (Marshall, 2002, p. 104)

No caso do ativismo, nesse ponto bastante semelhante aos demais impro-périos judiciais, é o subjetivismo do juiz que o guiará na aplicação do direito. Pouco importará o texto constitucional ou a legislação vigente, pois basta de-terminada dose de clamor popular para ignorar-se a tudo aquilo e permitir-se a prevalência da sua visão pessoal em detrimento da norma.

Um bom exemplo para demonstrar a atividade da Hidra na seara cons-titucional, quando guiada pela sua segunda cabeça, é o recente julgado do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 132 em conjunto com a ADI 4277, que muito repercutiu por versar acerca da constitucionalidade das relações homoafetivas. Nesse sentido o voto do Relator, Ministro Ayres Britto:

No mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradou-

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ra entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva. (STF, ADPF 132, ADI 4277, p. 32)

Não se nega, de modo algum; na verdade, se defende a imperiosa neces-sidade de se regulamentar tal matéria, sem, contudo, se olvidar que a via eleita para tanto afigurou-se inapropriada, isso porque, nas palavras de Luiz (2013), seria correto que, nesse caso, se propusesse emenda constitucional para a alte-ração do § 3º do art. 226 da Constituição Federal, e não o adequar por meio do controle abstrato de constitucionalidade.

De toda sorte, por força da supremacia constitucional, enquanto não for alterado o que dispõe o aludido artigo da Lei Maior, deve(ría)mos respeitá-lo, em razão de que tal dispositivo permanece no bojo da Carta Fundamental e, em consequência disso, ainda representa a vontade democrática declarada por oportunidade da constituinte de 1988.

Segundo Streck (2014), o que não se pode é aceitar que o Judiciário, substituindo-se ao constituinte e ao legislador, passe a formular o regulamento jurídico para cada situação. Nesse sentido, Luiz (2013) assevera que esta não é função do Judiciário, e o ativismo aparece justamente nesse ponto do julgamen-to, em que o STF substitui o texto da Lei Maior por aquilo que o tribunal entende como o melhor para a sociedade em determinadas situações.

O que se busca, portanto, é tão somente o inarredável respeito à Consti-tuição, isto é, que a jurisdição seja exercida adequadamente, e não por motiva-ções subjetivas da consciência do indivíduo, por melhores que eventualmente possam ser suas intenções.

Essas são as características do ativismo, ele usurpa a vontade estabele-cida pela própria nação – por meio da Constituição – e atribui ao subjetivismo do órgão julgador a incumbência de aplicar o direito que lhe parecer mais con-veniente. Isso, como já dito, é uma conduta antidemocrática que não encontra legitimidade na Lei Maior, afinal, como assevera Streck (2013), os pretensos bons ativismos nada mais são do que a porta de entrada para os maus.

1.2.3 O voluntarismo judicial

Finalmente, concluindo a descrição figurativa da monstruosidade jus--mitológica-tricéfala, passa-se à descrição do modus operandi no voluntarismo judicial.

A última cabeça do mau protagonismo se revela nos casos em que juízes e tribunais, no exercício de suas atribuições, atuam sem consubstanciar suas de-cisões nas premissas normativas existentes no Direito, isto é, ficam aquém, vão além ou simplesmente ignoram as regras às quais se encontram adstritos pela

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sistemática jurisdicional. Agem não pelo sentimento do justo, como nos casos anteriores, mas sim pela vontade (voluntariedade) de fazer justiça, afastando-se, inclusive, do princípio da inércia jurisdicional.

O voluntarismo judicial ocorre quando o Poder Judiciário atua sem o respaldo direto em uma lei, ultrapassando os limites do texto normativo para regulamentar o âmbito material com parcela razoável de discricionariedade, contrariando a in-tegridade sistêmica do ordenamento jurídico. Zagrebelsky planteia que ele se ca-racteriza pela atuação praeter legem do Judiciário, criando uma obrigação onde dantes não havia. A aporia surge quando decisões do Poder Judiciário afrontam a soberania popular – considerada como cláusula pétrea, e ainda por cima colidem com a jurisprudência outrora consolidada e com dispositivos normativos da Lei Maior. (Agra, 2009, s/p).

Nesse sentido, Streck observa como exemplo o fundamento utilizado pelo Ministro Barroso por ocasião da concessão da liminar no MS 32326.

Considero, ademais, haver periculum in mora (perigo na demora) pela gravidade moral e institucional de se manterem os efeitos de uma decisão política que, desconsiderando uma impossibilidade fática e jurídica, chancela a existência de um deputado presidiário, cumprindo pena de mais de 13 anos, em regime inicial fechado. A indignação cívica, a perplexidade jurídica, o abalo às instituições e o constrangimento que tal situação gera para os Poderes constituídos legitimam a atuação imediata do Judiciário. (STF, voto no MS 32326, Min. Barroso, 2016)

No caso fatídico, mesmo depois de o Supremo ter firmado entendimento no sentido de que caberia ao Congresso Nacional a última palavra no que tan-ge à cassação de parlamentares (posição com previsão constitucional), Barroso encaminhou seu voto em sentido contrário, invocando, para tanto, argumentos metajurídicos como a indignação cívica, o constrangimento, o abalo às institui-ções e a perplexidade jurídica (Streck, 2015; Barroso, 2016).

Depreende-se que dessa forma de conduta é que exsurgem decisões judi-ciais fundamentadas em critérios plenamente vinculados à vontade do intérpre-te, que, por sua vez, estaria acima da estrutura do ordenamento jurídico. Streck compreende que no voluntarismo judicial a norma é preterida por vontade de poder, isto é, a decisão do magistrado desta depende, e não da força normativa das leis ou da Constituição (Streck, 2011).

É oportuna a menção de que no âmbito do STJ, após o início da vigência do atual CPC, realizou-se o julgamento de um recurso que bem retrata a preva-lência da vontade em detrimento de expressa disposição legal:

A decisão agravada não merece reforma. A Corte estadual, analisando o contexto fático-probatório dos autos, concluiu pela ocorrência do dano moral do cliente, em face da demora no reparo do veículo e a revisão do citado entendimento es-barra no óbice da Súmula nº 7/STJ. Acerca da necessidade de prova pericial, nos termos do art. 370, caput, e parágrafo único, do Código de Processo Civil/2015,

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em conformidade com o princípio do livre convencimento, “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamen-to do mérito”, indeferindo, fundamentadamente, as diligências que entender inú-teis ou protelatórias, entendimento que se coaduna com a jurisprudência adotada nesta Corte. Incidência da Súmula nº 83/STJ. Em face do exposto, não havendo o que se reformar, nego provimento ao agravo interno. É como voto. (AgRg-AREsp 827.440/MT, 13.04.2016)

De plano, percebe-se a referência que a Ministra faz ao CPC de 2015 ao fundamentar sua decisão e, nesse sentido, não poderia ser diferente, à vista que o julgamento aconteceu após o início da vigência do novo Código. Esclarece--se, no entanto, que, também sob a pecha de fundamentação, a decisão do STJ invoca algo que se pensava exilado pelo CPC: o livre convencimento (Streck, 2016).

É preocupante a decisão, porque aponta para um futuro nada promissor no tocan-te à plena efetivação do CPC. O ponto-chave que não se pode esquecer é que o novo CPC apenas tornou expressas exigências materiais que já decorreriam de uma leitura sincera (e “moral”, para falar com Dworkin) dos diversos dispositivos constitucionais consagradores de direitos e garantias especificamente processuais. Então: o novo CPC não exatamente “inova” quando determina aos juízes que, ao decidir, não invoquem motivos que justificariam qualquer outra decisão; ele apenas dá consequência ao dever previsto no art. 93, IX, da CF, que estabelece o dever fundamental de fundamentar decisões judiciais. (Streck, 2016, s/p)

Segundo se vê, o órgão julgador não levou em consideração a redação do art. 371 do CPC, proporcionando sério receio de que o STJ vai deixar de cumprir o CPC justamente no ponto em que houve maior esforço legislativo. Dito de outro modo: ao que tudo indica, o STJ, aparentemente, vai encontrar uma forma de deixar de aplicar os dispositivos do CPC que buscam evitar que se decida de modo descontextualizado e com parca fundamentação (Streck, 2016).

1.2.4 O ponto fulcral que alicerça qualquer dos “ismos”

O que resta evidente neste ponto do estudo é que, seja qual for a atribui-ção nominativa desses tipos de comportamento judicial, percebe-se que eles serão sempre imanentes à discricionariedade judicial e intimamente ligados ao subjetivismo, corolário do paradigma sujeito-objeto, que se posiciona de modo antagônico ao paradigma da intersubjetividade (Streck, 2011).

[...] a discricionariedade que combato é aquela decorrente do esquema sujeito--objeto, da consciência de si do pensamento pensante, enfim, da subjetividade assujeitadora de um sujeito que se considera “proprietário dos sentidos (abstratos) do direito” e que nada “deixa” para a facticidade. Permaneço, destarte, fiel à tese assumida de há muito, de maneira a enfatizar e a reprimir com veemência – a

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começar pela nomenclatura – a possibilidade de o discricionário [...] revestir-se de arbitrário. (Streck, 2011, p. 461) (grifos do autor)

Tal discricionariedade deve ser entendida como a margem de liberdade que se outorga ao julgador com prejuízo às regras produzidas em consonância com a ordem democrática, que, por assim serem, possuem estrita vinculação à Lei Maior. Desse modo, no Brasil o que se denomina discricionariedade judicial não é nada além de uma brecha desenvolvida no sistema jurídico para legitimar eventuais arbitrariedades judiciais (Streck, 2011).

Corroborando o raciocínio de Streck, o ensinamento de Luiz (2013) dis-põe que, uma vez havendo substituição do direito por aquilo que o juiz consi-dera justo, há, de fato, um sério déficit democrático, porque prejudica aquilo que se fixou de forma legítima por meio do pacto social fundante – que repre-senta as regras basilares fixadas no exercício do autogoverno – para se privile-giar aquilo que o magistrado pensa que o direito é.

1.3 o porquê de nem tudo estAr perdIdo

A partir daqui, para o apontamento das incompatibilidades entre o CPC de 2015 e o protagonismo judicial, bem como para a introdução da teoria de-fendida, é necessário assumir que a problemática jurisdicional restou bem com-preendida. Em outras palavras, é inarredável a compreensão de que a jurisdição nacional ainda é prisioneira de um arcabouço hermenêutico submisso à meta-física clássica e, principalmente, à filosofia da consciência.

Em razão disso é importante que se aponte um caminho alternativo de in-terpretação hábil a desvencilhar o exercício jurisdicional daqueles paradigmas que estão impregnados no imaginário jurídico brasileiro. Esse caminho de ade-quação da decisão judicial às diretrizes do novo CPC passa pelo giro linguístico hermenêutico, por meio de Heidegger e Gadamer, pela integridade e coerência de Ronald Dworkin, pela nova crítica do direito, de Lenio Streck e, finalmente, pelo inexorável filtro que é a Constituição Federal.

1.3.1 Interpretação e linguagem: as condições de possibilidade

É somente por meio da linguagem que a interpretação se faz possível, se antes, na relação sujeito-objeto, ela era uma coisa que se punha entre eles, agora, ela passa a representar a condição de possibilidade para a compreensão. Toda interpretação depende da linguagem, ela é a condição para a realização do ato de compreender. A própria existência depende de compreender e in-terpretar, por meio da linguagem, tanto a si mesmo quanto a tudo que está ao seu redor, por isso, para Heidegger, o ser está “condenado a interpretar” (Stein, 1988; Luiz, 2013).

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Isso porque toda a interpretação realiza-se de um modo linguístico, que se cons-titui, assim, na condição última da realização hermenêutica do compreender. A hermenêutica, neste cariz, não se preocupará com métodos ou modelos exegéti-cos, mas sim com a interpretação mesma da linguagem, enquanto ela representa a estrutura fundamental irredutível da própria compreensão. Inverte-se a visão moderna de que a linguagem estaria dominada pela razão (consciência) de um sujeito que a dobra como quer, eis que agora o homem pertence à linguagem. (Luiz, 2013, p. 98)

A crítica de Streck (2003) recebe no mundo jurídico a viragem linguística (linguistic turn). Assim, a linguagem não pode mais ser vista como algo que se estabelece entre um sujeito e um objeto, mas como a condição de possibilidade para se falar sobre alguma coisa, porque isso só ocorre na linguagem e por meio dela.

Neste contexto, a hermenêutica deve ser recepcionada como uma explo-ração filosófica do caráter que envolve todo o conceito de compreensão. A re-volução linguística-pragmática surgiu a partir do trabalho de Hamann, Herder e Humboldt, por meio do qual se originara a primeira ruptura paradigmática, isto é, a partir dessa obra é que se passa a considerar a linguagem como elemento constitutivo da relação do ser com o mundo (Luiz, 2013).

Hamann localizou na linguagem o ponto comum do entendimento e da sensibilidade buscada por Kant, com isso proporcionou à linguagem uma dimensão empírica e transcendental. Herder concebeu a linguagem como a abertura do mundo, ao passo que, para Humboldt, a linguagem aparece como a condição de possibilidade para uma visão do mundo em sua amplitude (Streck, 2009).

De todo modo, é pela obra de Heidegger e Gadamer que o paradigma da linguagem recebeu a roupagem com a qual fora recebida pela ciência do Direito. O primeiro, a partir da sua reformulação do ser, reinseriu a facticidade da vida na filosofia. Em sua obra Ser e tempo, o autor revela que o ato de com-preender é um exercício ontológico, no qual se inclui a historicidade da com-preensão, o exercício dialético e o questionamento do intérprete que analisa sua própria situação enquanto questiona a si mesmo (Luiz, 2013).

Para Heidegger, o ser e o ente não são a mesma coisa, entre um e outro, para Heidegger, há uma diferença ontológica. O ser é sempre o ser de um ente, o ente somente acontece no seu ser; logo, um não existe sem o outro. Por conta disso, o ser e o ente não são coisas iguais, ao mesmo tempo em que não são coisas diferentes (Stein, 2001).

Essa diferença ontológica está na circularidade em que ocorre a com-preensão. Segundo Streck (2009, p. 427), é “com o ser que chegamos aos entes. O ser existe para dar sentido aos entes. Não vemos o ser; vemos o ente no seu ser. É neste sentido que Heidegger pensa as bases da diferença ontológica”.

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Para explicar essa circularidade da compreensão, a teoria heideggeriana utiliza o círculo hermenêutico: compreendem-se as partes como um todo e o todo por meio de suas partes.

Heidegger se refere ao fato de que, na filosofia, sempre se tivera consciência de um tal fato, visto que as partes de um texto eram compreendidas a partir de um sentido prévio que se projetava sobre o todo do texto e que esse todo, por sua vez, era, então, compreendido a partir das partes. (Stein, 2001, p. 247)

Nesse sentido, o ato de compreender não é tão somente a capacidade de resgatar uma experiência vivida, mas o próprio modo de existência do ser-no--mundo. Desse modo, o ser reconhece a si como integrante de um mundo que não é sua criação e admite que depende desse mundo para sua autocompreen-são (Luiz, 2013).

Gadamer recebe a tese do ser-aí de Heidegger e a admite sob as vestes da pré-compreensão, no sentido de que aceitar a historicidade (tradição) em que se está inserido é condição primeira para que se possa compreender (Stein, 2008).

A função dessa pré-compreensão gadameriana como antecipação de sentido é justamente assegurar que o intérprete não saia de um “grau zero” de interpretação e a partir dele diga qualquer coisa sobre qualquer coisa. Noutras palavras, a pré-compreensão (tradição) evita que o intérprete, a partir do texto, crie a norma com base na sua ideologia ou nos seus valores pessoais (Streck, 2011; Luiz, 2013).

Apoiado no círculo hermenêutico, o autor aduz que do mesmo modo que não se pode conhecer de fato uma realidade que não aquela do tempo e do espaço em que se vive, paradoxalmente, não se pode ignorar a importância da tradição no mister interpretativo, porque não se consegue romper com as experiências que já se viveu.

O círculo hermenêutico é um círculo rico em conteúdo (inhaltlich erfüllt) que reúne o intérprete e seu texto numa unidade interior a uma totalidade em movi-mento (processual whole). A compreensão implica sempre uma pré-compreen-são que, por sua vez, é prefigurada por uma tradição determinada em que vive o intérprete e que modela os seus preconceitos. (Gadamer, 2003, p. 13)

Gadamer afirma que a linguagem não pode ser entendida como um mero conjunto de signos, mas como, em si mesma, aquilo que se fala. Dessa forma, a concepção do mundo só pode ocorrer linguisticamente, pois “trata-se de falar do mundo e de nos darmos conta de que não podemos falar do mundo a não ser falando da linguagem”. Portanto, “sem linguagem não há mundo, enquanto mundo. Não há coisa alguma onde falta a palavra” (Stein, 2004, p. 175).

A interpretação, portanto, não ocorre do nada; interpretar é explicitar aquilo que se compreendeu. Logo, não se interpreta para compreender, mas, sim, se compreende para interpretar. Para Gadamer, a interpretação ocorre em

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um único momento, na aplicação, e estará correta quando ninguém questionar o sentido atribuído a algo (Streck, 2011).

Na hermenêutica filosófica gadameriana, a tradição e a linguagem são as condições necessárias para o processo interpretativo: a primeira se apresen-ta como a estrutura prévia da compreensão e do contexto em que ocorre a applicatio; a segunda se revela como a condição de possibilidade para a inter-pretação da estrutura prévia, do contexto ou de qualquer outra coisa. Logo, é a linguagem que possibilita ao indivíduo falar que algo é, na medida em que ela torna possível esse próprio falar (Luiz, 2013).

1.3.2 Habemus novo Código de Processo Civil

Eis que, após um longo período de estruturação e tramitação, exsurgiu no ordenamento jurídico brasileiro, no ano de 2015, a Lei nº 13.105 – alcunhada de novo Código de Processo Civil. Trata-se de uma legislação que inova em vários aspectos, sobretudo pela sua evidente cariz democrática e subordinação constitucional, tanto que é assim que se iniciam as disposições do novo Código: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os va-lores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República [...]” (CPC/2015, art. 1º).

Depreende-se que o CPC de 2015, já em seu artigo inaugural, se alinha aos parâmetros e preceitos constitucionais, estabelecendo, com isso, a forma com a qual seus dispositivos devem ser interpretados/aplicados. Sua matriz re-publicana o põe em sintonia com a principiologia da Lei Maior, e não haveria de ser diferente, na medida em que, ao contrário do seu antecessor, fora formu-lado, debatido e promulgado na vigência de um Estado Democrático de Direito (Cunha, 2016).

A necessidade de que se harmonizasse a nova lei processual à Constitui-ção Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, adaptados para uma versão processual. Assim, por exemplo, percebe-se a intensa reivindicação do respeito ao contraditório, mes-mo quando o juiz estiver tratando de matéria de ordem pública (Brasil, 2010).

A coerência normativa foi encarada pelo legislador como um objetivo fundamental; logo, fora mantida em termos absolutos à luz da Constituição Fe-deral. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior que se explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais (Brasil, 2010).

O dispositivo [art. 1º do CPC] encerra uma obviedade. Não somente as normas processuais, mas qualquer outra há de ser construída e interpretada de acordo com a Constituição da República. São várias as normas da Constituição Fede-ral que comtemplam preceitos de ordem processual. As normas fundamentais constitucionais aplicam-se ao processo. O art. 1º do CPC refere-se a “normas”

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estabelecidas na Constituição. A expressão é adequada, abrangendo tanto regras como princípios constitucionais. (Cunha, 2016, p. 28)

Desse modo, a novel legislação processual tem por objetivo tornar o pro-cesso mais democrático, para, assim, aproximá-lo das diretrizes constitucionais, assegurando-se o cumprimento da lei material. Hoje o processo há de ser exa-minado, estudado e compreendido à luz da Constituição, de forma que se tenha o maior rendimento possível dos seus princípios fundamentais (Brasil, 2010).

Assim, respeitando-se a abrangência deste estudo, far-se-á uma expo-sição analítica das inovações trazidas ao ordenamento jurídico que visam ao estabelecimento de uma nova maneira de se decidir. As regras e os princípios adotados pelo novo codex demonstram a tentativa de rompimento com o anti-go modo de se decidir, no qual sempre se estava em uma encruzilhada: entre objetivismos e subjetivismos.

Destaca-se, portanto, que o novo CPC, se aplicado com integridade e coerência, sob o teto da hermenêutica filosófica à qual se filia, não ensejará a ocorrência das já mencionadas mazelas do protagonismo judicial. Aliás, a in-terpretação do CPC de 2015 revela total incompatibilidade entre a nova lei e o antigo modo solipsista de se decidir. Nas palavras de Streck (2016, p. 549), “o que ocorreu foi uma superação paradigmática”.

O exílio epistêmico do livre convencimento e seus congêneres é coro-lário do paradigma da intersubjetividade – que supera a relação sujeito-objeto das correntes objetivistas e subjetivistas em favor de uma relação sujeito-sujeito – e sua adoção é indispensável em tempos de democracia e de autonomia do direito (Streck, 2015).

A partir da inclusão do inciso IX do art. 93 da Constituição, que estabe-lece o dever fundamental de fundamentação das decisões judiciais, não haveria mais que se falar em livres convencimentos, motivados ou não. A constituição diz claramente que a fundamentação é condição de validade da decisão (Stre-ck, 2016).

Assim, a expulsão da palavra livre do novo CPC se revela como uma ver-dadeira redundância, na medida em que, quando se precisa fundamentar não se pode livremente se convencer. Atente-se, no entanto, que, embora redundante, essa obviedade do legislador foi necessária, pois o imaginário jurídico à brasi-leira simplesmente não efetivara a norma constitucional.

O dever de fundamentação deveria ter encerrado essa discussão, pois é incompatível com o livre convencimento, mas, por conta da baixa constitucio-nalidade em terrae brasilis, era preterido em favor da voluntariedade do juiz (Streck, 2011).

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Por isso é que o novo código assumiu o risco de ser repetitivo: exilou a palavra livre, vedou a surpresa processual, estabeleceu quase didaticamen-te as condições para que uma decisão possa ser considerada fundamentada e determinou o inarredável dever de que a jurisprudência seja estável, íntegra e coerente (Streck, 2016).

Fechando o cerco sobre velhos adágios e serôdias teses, o legislador do CPC estabeleceu algumas blindagens contra a subinterpretação do art. 93, IX, da CF: os arts. 10 (proibição de não surpresa), 371 (fim do livre convencimento), 489 (os diversos incisos que trazem uma verdadeira criteriologia para decidir) e o 926 (que estabelece a obrigatoriedade de a jurisprudência ser estável, integra e coerente). (Streck, 2016, s/p)

O novo CPC não coaduna com ativismos, decisionismos ou voluntaris-mos judiciais, porque estes dependem justamente daquilo que não foi recebido pela norma: a filosofia solipsista da consciência e a discricionariedade positivis-ta. O modelo constitucional democrático é incompatível com o livre convenci-mento, o paradigma agora é o da linguagem (Streck, 2016).

Ao acabar com o livre convencimento, o risco da discricionariedade ten-de a diminuir. Porém, há que se ter uma vigilância epistêmica, para evitar-se que a cotidianidade das práticas do Judiciário construa um “sempre foi assim” e, com isso, se repristine o livre convencimento e, com ele, as posturas decisio-nistas (Streck, 2016).

Para decidir de forma adequada à Constituição, os julgadores deverão se valer de uma teoria da decisão judicial, calcada na linguagem como condição de possibilidade, devendo abdicar da vontade de poder e socorrer-se na auto-nomia do direito como integridade e coerência (Streck, 2011).

Por meio do círculo interpretativo da hermenêutica filosófica gadame-riana e da integridade do direito de Dworkin é possível encontrar um caminho democrático e constitucionalmente adequado para se decidir (Streck, 2011).

1.3.2.1 A primazia do contraditório e a vedação do julgamento surpresa, artigos 9º e 10 do novo CPC

Segundo o art. 9º da lei processual, não será proferida decisão sem que se ouça previamente a parte afetada. Isso revela a homenagem ao princípio constitucional do contraditório e sua bem-vinda importação para a seara pro-cessual. O contraditório, pela lição de Nunes (2016), consiste no direito que as partes possuem à informação, como condição de possibilidade para a reação no processo.

Nesse rumo, em se tratando de Estado Democrático de Direito, que é o caso, continua o autor, o princípio do contraditório decorre do princípio do devido processo legal de inarredável obediência e, por isso, pelo princípio do

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contraditório, ninguém poderá ser afetado por uma decisão em cuja formação não pôde influir em igualdade de condições com a parte contrária. Se as partes têm o poder de influência, o juiz tem o dever de consultá-las antes de proferir sua decisão (Nunes, 2016).

Já o contido no art. 10 do CPC de 2015 se revela como uma evolução do aludido princípio constitucional do contraditório, isto é, adota-se a concep-ção de um contraditório dinâmico. Revelando-o como verdadeira garantia de influência e da não surpresa processual. Por meio dele é que se impede que o juiz ou tribunal decida com base em conteúdo que não se oportunizou às partes dizerem a respeito (Nunes, 2016).

O contraditório, nessa ordem de ideias, deixa de ser diálogo somente entre os litigantes, já que nele se insere também o juiz que fica impedido de resolver ques-tões que não tiverem passado pelo crivo da audiência dos principais interessados no litígio, ainda que se trate de matérias aplicáveis de ofício [autêntica vedação ao voluntarismo judicial]. Incluiu-se no conceito de contraditório a garantia de não surpresa como resguardo do direito de todos os sujeitos de não serem surpre-endidos no resultado decisório. (Nunes, 2016, p. 54)

Ora, se já não é possível que se decida sobre fato ainda não discutido no processo e se as partes têm o direito de serem ouvidas previamente, percebe--se uma tentativa de mudança no enfoque jurisdicional. Quando o juiz não profere decisão contra alguém sem que esse alguém seja previamente ouvido, privilegia-se a função garantidora do juiz, na medida em que, nesse mister, ele garante o exercício do contraditório, princípio fundamental, e leva em conta a participação das partes no ato de julgar (Dworkin, 2002).

Assim, em um Estado Democrático que possui uma Constituição abran-gente como a nossa, a teoria moral a ser adotada é a de que o cidadão possui di-reitos contra o Estado, e, por conta disso, as cláusulas constitucionais precisam ser compreendidas como a fixação de limites ao Poder Público, favorecendo a preservação dos direitos dos cidadãos (Streck, 2016; Dworkin, 2002).

O processo deve ser condição de accountability das decisões judiciais, à vista de que, se os cidadãos são titulares de direitos, esses direitos devem ser ga-rantidos pelo órgão jurisdicional, e isso só ocorre no processo e por meio dele. Assim, quando a decisão possui origem discricionária, sem fundamentação, ou fundada no livre convencimento, ou em algo que não se permitiu às partes manifestação, essa accountability resta evidentemente prejudicada (Dworkin, 2002).

Desse modo, admitindo-se o processo sob sua melhor luz, a de cariz hermenêutico-democrática, o jurisdicionado deve participar da construção das decisões judiciais que o atingirão em seus direitos. As partes, enquanto sujei-tos processuais, possuem influência na formação da decisão, devem ser vistas

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como autoras e destinatárias do provimento judicial e, por isso, têm o direito de participar efetivamente do processo (Streck, 2016).

1.3.2.2 Artigo 371: o início do fim do livre convencimento (motivado ou não)

Não é de hoje a intensa batalha travada pela nova crítica do direito con-tra as mazelas do protagonismo judicial. Muito antes desse reconhecimento tar-dio que atualmente recebe a aludida crítica, já vinha ela propugnando, em uma autêntica guerra doutrinária, a prejudicialidade da admissão pós-constitucional do uso do instituto do livre convencimento, caríssimo aos juízes e tribunais.

Se, antes, a prática do livre convencimento se justificava pelo combate à prova tarifada, hoje se revela como o corolário do paradigma epistemológico da filosofia da consciência, que se aperfeiçoa por meio de um voluntarismo que se pratica a partir da subjetividade do intérprete.

Agora, na vigência do Estado Democrático de Direito, em plena era do predomínio da linguagem, não é mais possível continuar transferindo a resolu-ção das questões judicializadas à consciência dos juízes e tribunais. Por conta disso é que se expungiu o livre convencimento e seus semelhantes do bojo do novo CPC (Streck, 2016).

A justificativa apresentada para a retirada da palavra livre de todos os pontos do texto do novo CPC foi no sentido de que somente por meio do seu exílio é que poder-se-ia receber o paradigma da intersubjetividade, para o qual compreensão é igual a existir e que, portanto, supera o esquema sujeito-objeto indispensável em tempos de democracia constitucional e de autonomia do di-reito (Streck, 2016).

Streck (2016, p. 552) aduz que, “com a retirada do livre convencimento do CPC, o legislador encerrou um ciclo”. A partir de então, não mais se admite que o juiz decida com base na livre apreciação probatória ou em seu livre con-vencimento. Decisões como a usada para ilustrar o tópico 1.2.1 não têm mais lugar no exercício jurisdicional, porque isso seria ressuscitar aquilo que tanto se pelejou para matar (Streck, 2016).

Ocorre que, mesmo com toda a luta que foi engendrada para se apagar do texto do novo código qualquer indício da palavra “livre”, há quem, con-trariando os limites semânticos da norma, afirme que nada mudou e que a tal liberdade judicial é inerente à decisão. Esse é ponto sobre o qual se deve manter vigilância, pois se percebe a resistência à recepção da virada paradigmática. Se essa resistência prosperar, a prática judiciária dos juízes e tribunais pode ensejar a construção de um “sempre foi assim”, e o “é assim mesmo” pode impedir a aplicabilidade do CPC naquilo que mais se esforçou (Streck, 2016).

De acordo com Streck (2016), o livre convencimento só é necessário quando o direito não é compreendido como um instrumento de transformação,

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característica que ele assume no Estado Democrático. Neste, a discricionarie-dade judicial é igual à arbitrariedade, e o exílio do livre convencimento do juiz não significa, de modo algum, que ele esteja proibido de interpretar.

Vive-se hoje o paradigma da intersubjetividade, segundo o qual não há lugar nem para o dono da lei, nem para o escravo da lei. Assim, como se viu no estudo da hermenêutica filosófica, não se reproduz sentido nem se o atribui li-vremente, antes de dizer algo acerca do texto, deve-se permitir que o texto diga algo, no sentido da pré-compreensão gadameriana (Streck, 2011).

Assim, evidencia-se a opção paradigmática do legislador, na medida em que, a partir da relação de intersubjetividade, “a decisão judicial exige exercício prático, senso de dever, capacidade de se adotar uma atitude reflexiva em rela-ção às próprias pré-compreensões [...]” (Streck, 2016, p. 554).

Como dito, isso não representa, de modo algum, proibição de que o juiz realize o exercício interpretativo, mas sim que, ao fazê-lo, tenha responsabili-dade político-jurídica e que suspenda seus pré-juízos sobre o mundo e sobre os fatos que tiver de interpretar-julgar – atributos extraídos das teorias dworkiniana e gadameriana, respectivamente – o que se quer, ao fim e ao cabo, é que os juízes decidam com base no direito e não segundo suas convicções pessoais (Streck, 2011).

Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões a ele relativas encontram, necessariamente, res-postas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos preceden-tes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicado, mesmo que seja o STF [sic]. (Streck, 2016, p. 554)

Assim, a nova redação da legislação processual é totalmente incompa-tível com comportamentos ativistas-decisionistas-voluntaristas. Em uma demo-cracia que possua uma Constituição compromissária como a nossa, não é pos-sível que se pense na figura do juiz como uma entidade que se posiciona acima das partes. Volta-se sempre ao problema da superação paradigmática, ou seja, o protagonismo judicial (bem assim o voluntarismo e o decisionismo) fazem parte de uma matriz teórico-filosófica radicada na subjetividade, corolário do esquema sujeito-objeto (Streck, 2016).

O que há de novo, portanto, é responsabilização político-jurídica do juiz. A fundamentação é a condição de possibilidade para a legitimidade da decisão e não é admissível que ela se fundamente na visão subjetiva da cons-ciência do magistrado. Assume-se que o julgamento deve se dar por princípios, que fecham a interpretação, e não por questões políticas, por convicção moral ou qualquer outro predador do direito (Streck, 2016).

Isso, enfim, é o que precisa se fazer evidente: quando alguém busca o Poder Judiciário não o faz para receber a opinião pessoal do indivíduo investido

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na função de juiz sobre o objeto litigioso; o cidadão busca a jurisdição para que o juiz, por meio de uma decisão adequadamente fundamentada, oriunda de um processo que respeite os princípios e as garantias processuais constitucionais, lhe diga o que o direito tem a lhe dizer (Streck, 2016).

Assim, com essas disposições normativas, o legislador despersonalizou a aplicação da lei noutras palavras: numa democracia constitucional não se pode depender da boa ou má vontade daqueles que possuem a atribuição de resolver a controvérsia levada a juízo (Streck, 2014).

1.3.2.3 Artigo 489, § 1º: A didatização do dever fundamental de fundamentação das decisões judiciais

O ato decisório, como já descrito, não se confunde com uma escolha pessoal. Nessa linha de raciocínio, Dworkin (2002) a define como um ato de responsabilidade política, um exercício de poder em nome do Estado, compro-metido com a moralidade política da comunidade, não como uma mera opção subsuntiva das teses reveladas no confronto entre as normas e o caso concreto.

Assim, a condição de validade da decisão enquanto ato de responsabili-dade – que se exterioriza por meio da figura do indivíduo investido na função de juiz – é a fundamentação. Aquela que já há muito constava na Constituição Federal como dever fundamental e, também, há muito vem sendo reiterada-mente preterida em favor de livres convencimentos e livres apreciações.

Se decidir não é igual escolher, fundamentar não é, portanto, igual a motivar. A fundamentação não se presta a justificar aquilo que o juiz já deci-diu, porque, valendo-se do paradigma da intersubjetividade, a fundamentação precede à decisão, nunca o contrário. Esta é resultado daquela. Democracia e Constituição não se alinham com a tese de que primeiro se decide e somente depois se busca o fundamento (Streck, 2016).

O legislador realizou a expulsão do livre convencimento e, agora, perce-be-se o quanto isso se revelou como condição necessária para a efetivação do dever de fundamentação, tratado amiúde pela novel legislação. A partir de uma leitura rasa do dispositivo observa-se que a decisão deverá zelar pela suprema-cia do caso concreto. É o retorno da faticidade e da historicidade ao âmbito jurídico.

Daí a esperança em se dizer que, com o novo CPC, será possível im-plementar a teoria da decisão judicial adequada à Constituição, que propugna que para cada caso em julgamento subsiste uma resposta correta. Atente-se: a teoria streckiana não trata da única resposta possível, tampouco da melhor en-tre muitas, trata-se da resposta, “é uma simbiose entre as teorias de Gadamer e Dworkin, [...] se trata ‘da resposta adequada à Constituição’, isto é, uma respos-ta que deve ser confirmada na própria Constituição, na Constituição mesma” (Streck, 2011, p. 621).

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Uma importante inovação do novo código é o dever de se contextualizar e de se explicar a incidência do ato normativo invocado ao caso em julgamen-to. O novo CPC veda, portanto, a mera indicação, reprodução ou paráfrase de dispositivo normativo sem que isso venha acompanhado da indispensável contextualização e explicação da relação entre a norma e o caso concreto em apreço. Segundo Streck (2016, p. 684), “no fundo, o CPC proíbe decisões sem contexto, ou, na linguagem hermenêutica, veda ‘conceitos sem coisas’”.

É também nessa toada a vedação da utilização de conceitos jurídicos indeterminados, na medida em que todo conceito trazido para a fundamen-tação da decisão deve necessariamente vir acompanhado do seu contexto de aplicação. Isto é, não basta mais nominar um princípio e seguir o discurso rumo a uma conclusão silogística. É necessário ater-se à particularidade da demanda, deve-se julgar “o” caso, à luz de uma percepção constitucionalmente adequada (Streck, 2016).

Na sequência, a lei estabelece a vedação da decisão padrão. Não será considerada fundamentada a decisão que se valer de motivos decisórios que serviriam para justificar qualquer outra decisão. Aqui retoma-se a alusão à pri-mazia da faticidade, à valorização do caso concreto. Assim, o que se busca é esquema um um-caso-uma-decisão. Nesse sentido “os motivos invocados na decisão devem ter um nexo causal – portanto, sempre, a questão do caso con-creto assume condição de possibilidade do agir do juiz – entre o feito sob julga-mento e as razões pelas quais determinada decisão está sendo exarada” (Streck, 2016, p. 685).

A partir de então terá de haver uma séria mudança de postura em geral adotada pelos nossos magistrados. A decisão clichê, proferida, em regra, no apreço de embargos declaratórios, de que “o juiz não é obrigado a examinar todas as alegações das partes” está com os dias contados, aliás, deve estar ver-dadeiramente extinta, sob pena de, se assim continuarem decidindo, o fazerem contra legem. O inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC exterioriza o direito fundamental que os jurisdicionados detêm de ver seus argumentos apreciados, rejeitados ou aceitos pelo órgão julgador (Streck, 2016).

Também há de ser nula a decisão que se apoiar em súmula ou preceden-te sem que se deixe evidente o ajuste do caso em julgamento aos fundamentos determinantes da súmula ou do precedente. É indispensável que o enunciado invocado tenha ligação com a concretude da situação em debate. O legislador atendeu a um anseio hermenêutico: a primazia do caso concreto, que devolve importância à faticidade no mister decisório.

Por meio desse aludido standard, regras processuais previamente estabelecidas em caráter democrático deixam de ser consideradas direito das partes para servir de álibi teórico a justificar correções subjetivas, ainda pautadas pelo positivismo e lastreadas no formalismo do direito. Eis o problema: investir em um protagonis-mo judicial sem, com isso, compreender sua incompatibilidade teórica com as

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bases constitucionais do Estado Democrático. Há, portanto, que se considerar os limites de incidência e sentido, empregados por uma tradição jurídica que pode, ao final, romper com sua possibilidade de aplicação. (Streck, 2016, p. 686)

Finalmente, a decisão será considerada nula de fundamentação quan-do deixar de aplicar, ou ao menos apreciar e enfrentar (fundamentadamente), súmula ou precedente jurisprudencial aduzido pela parte. Para não incorrer na nulificação da sua decisão, o magistrado deverá realizar um exercício de distinguishing (de distinção) que demonstre claramente que o argumento (pre-cedente, súmula ou jurisprudência) invocado pela parte não é aplicável ao seu caso concreto. Novamente, nas palavras de Streck (2016, p. 687), “o legislador faz uma homenagem ao caso concreto. Mesmo que haja vinculação por in-termédio dos provimentos vinculantes, sempre restará o caso concreto e suas especificidades”.

1.3.2.4 Artigo 926: por uma jurisprudência estável, íntegra e coerente

Em um primeiro contato com o art. 926 do CPC percebe-se sua nítida cariz dworkiniana, o que permite uma pequena exposição da teoria de Ronald Dworkin, que foi um importante crítico do positivismo pós-exegético de perfil normativista, cuja teoria do direito foi, aparentemente, adotada pelo CPC.

Sua principal crítica é em relação à discricionariedade judicial, porque, de acordo com o que se expôs até aqui, ela invariavelmente leva à arbitrarieda-de. Dworkin (2002) pontua que a discricionariedade resulta na impossibilidade de controle (accountability) das decisões judiciais.

A obra de Dworkin (2000) é no sentido de que o órgão julgador, em ne-nhuma hipótese, poderá decidir ao seu alvedrio, porque sua atividade é vincu-lada aos princípios do direito. Para justificar tal premissa, o autor elenca dois ar-gumentos: o de que qualquer norma pode ser fundamentada em um princípio e o de que o órgão julgador não pode criar normas com aplicabilidade retroativa.

Nesse viés:

Caso se admita a discricionariedade judicial, então os direitos dos indivíduos estão à mercê dos juízes. A tese da discricionariedade supõe retroatividade. Os direitos individuais só são direitos se triunfam frente ao governo ou à maioria. Deixar à discricionariedade do juiz a questão dos direitos significa não se tomar a sério os direitos. Frente ao poder jurídico do juiz – poder criador de direito discricionário – Dworkin propugna a função garantidora – não criadora – do juiz. (Calsamiglia, 1989, p. 15)

O professor norte-americano afirma que os tribunais possuem o dever de aplicar os princípios jurídicos, porque eles integram o direito e não podem, por isso, ser vistos como pseudorregras; ao contrário, eles se definem como padrões de observância obrigatória (Dworkin, 2000).

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Assim, os princípios não criam as condições para a sua aplicação, tam-pouco pressupõem um silogismo subsuntivo de acordo com situações prede-terminadas. Os princípios são proposições que descrevem direitos e exprimem, portanto, uma justificativa para a decisão, sua dimensão de peso ou relevância só ocorre na apreciação de cada caso concreto (Dworkin, 2000).

Diante disso, em uma situação de contraposição de princípios nunca haverá uma anulação recíproca. Os princípios têm dimensão de peso ou im-portância, assim, se eventualmente os princípios se chocarem, o que estará em jogo não será a validade de cada um, mas a sua força normativa em relação à situação concreta em debate (Dworkin, 2002).

A teoria interpretativa dworkiniana sustenta que o direito não é formado somente por regras jurídicas, mas também por princípios que vêm apresentar a melhor justificativa àquelas regras. Admite-se, assim, a existência de regras que nunca foram produzidas formalmente pelo processo legislativo, mas que, em decorrência dos princípios, são igualmente vinculantes (Dworkin, 2000).

A teoria de dworkiniana pressupõe a existência de alguns ideais que pre-cisam ser perseguidos para que se possa ter uma distribuição mais justa dos recursos e das oportunidades. A esses ideais ele atribui a denominação de equi-dade, justiça, devido processo legal e integridade, que possui maior relevância no contexto deste estudo. Ela pode ser inicialmente compreendida a partir do princípio da igualdade, no sentido de que se existem casos semelhantes, eles merecem ser tratados da mesma forma (Dworkin, 1999).

A integridade se revela como a exigência aos juízes para que entendam o sistema jurídico como um conjunto de regras e princípios que devem ser considerados na atividade judicial. Sob sua batuta, a responsabilidade de se dizer o direito consiste em um exercício interpretativo que conjuga elementos que prestam homenagem tanto ao passado quanto para o futuro, de forma que a prática jurídica se mostre como um processo contínuo de desenvolvimento (Dworkin, 1999).

Doutro norte, haverá coerência quando os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados nas decisões que formaram a jurisprudência o forem para os casos idênticos. Aqui, se percebe o diálogo entra a teoria dworkiniana e o novo CPC (Streck, 2016).

O direito como integridade [...] é tanto o produto da interpretação abrangente da prática jurídica quanto sua fonte de inspiração. O programa que apresenta aos juízes que decidem casos difíceis é essencialmente, não apenas contingen-cialmente, interpretativo; o direito como integridade pede-lhes que continuem interpretando o mesmo material que próprio afirma ter interpretado com sucesso. Oferece-se como a continuidade – e como origem – das interpretações mais de-talhadas que recomenda. (Dworkin, 1999, p. 273)

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O órgão julgador é induzido pela integridade à conclusão de que as par-tes possuem o direito fundamental a uma decisão bem fundamentada, porque elas (as partes) têm o direito de que suas ações sejam julgadas em consonância com a melhor concepção daquilo que as normas da comunidade a que perten-cem exigem ou permitem para os fatos (Dorkin, 1999).

Nesse caminho, a integridade do direito exige ao juiz que ponha à pro-va sua interpretação, pois ela sugere que as normas devem deixar claro que o Estado possui uma só voz. O sistema integridade-coerência propõe uma juris-prudência uníssona e previsível, o que reafirma o princípio da não surpresa do art. 10 do CPC (Dworkin, 1999; Streck, 2016).

Para demonstrar a aplicabilidade do direito como integridade e coerên-cia, Dworkin desenvolveu uma analogia entre o direito e a literatura, compa-rando o juiz de direito, ao mesmo tempo, a um escritor e crítico literário. Nesse exercício a prática jurídica seria um modo de conhecimento, ou seja, uma ati-tude epistemológica (Dworkin, 1999).

Nesse exercício, para decidir os casos que se lhe impõem, o julgador deve comportar-se como integrante de um empreendimento coletivo: a cons-trução de uma obra literária com a participação de vários autores. Nessa obra as decisões e as práticas jurídicas são a história. O trabalho dos autores consiste em permitir a continuidade dessa história no futuro por meio do que fazem agora (Dworkin, 1999).

Para isso, o órgão julgador precisa interpretar aquilo que aconteceu an-tes porque tem a responsabilidade de levar essa história adiante, vedando-se que, a partir dela, siga em uma direção distinta. É por meio dessa ideia que se compreende o caráter interpretativo do direito, na medida em que, uma vez vinculando-se a decisão atual às anteriores, exige-se uma relação de coerência narrativa (Dworkin, 1999).

Cada romancista pretende criar só um romance a partir do material que recebeu, daquilo que ele próprio lhe acrescentou e (até onde lhe seja possível controlar esse aspecto do projeto) daquilo que seus sucessores vão querer ou ser capazes de acrescentar. Deve tentar criar o melhor romance possível como se fosse obra de um único autor, e não, como na verdade é o caso, como produto de muitas mãos diferentes. Isso exige uma avaliação geral de sua parte, ou uma série de avaliações gerais à medida que ele escreve e reescreve. Deve adotar um ponto de vista que se vai formando aos poucos. (Dworkin, 1999, p. 277)

Dworkin (1999) denomina essa teoria de “romance em cadeia”. Nela os autores introduzem acréscimos à história que interpretam para poder continuá--la. Assim, é como se cada juiz fosse o autor de um novo capítulo dentro de um mesmo livro.

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Para a realização desse empreendimento, cada escritor da cadeia deve-rá interpretar os capítulos pretéritos para escrever o capítulo seguinte. A cada novo capítulo, um novo romancista, um após o outro, e assim sucessivamente (Dworkin, 1999).

Todos os autores devem tomar o cuidado de escrever o seu capítulo da melhor forma possível, levando em consideração o que já foi escrito, para, as-sim, não incorrer no defeso retrocesso no desenvolvimento da história. Vê-se que a complexidade inerente a tal empreitada representa a mesma complexida-de que se tem ao se decidir um caso difícil sob a égide do direito como integri-dade (Dworkin, 1999).

Os romancistas criarão, portanto, um único romance a partir do material que cada um recebeu e daquilo que a ele acrescentou. Desse modo, isso servirá de base para o que os seus sucessores na trama serão capazes de acrescentar. Eles devem criar o melhor romance possível como se fosse obra de um só autor, mas que, na verdade, é uma produção coletiva (Dworkin, 1999).

A tarefa atribuída ao escritor lhe exigirá uma série de avaliações na me-dida em que escreve e reescreve sua parte da obra. Cada posicionamento que vai se formando deverá ser ponderado para que se possa verificar se ele denota a continuidade ou um novo começo do romance. Para Dworkin (1999), os ro-mancistas devem levar muito a sério suas responsabilidades com a continuida-de, isto é, eles devem criar em conjunto um só romance que possua a melhor qualidade possível.

Dworkin (1999) ressalta que não se pode estabelecer uma distinção clara entre a etapa em que um dos romancistas da cadeia interpreta o texto que já foi escrito e a etapa em que ele acrescenta seu próprio capítulo, pois, ao ler aqui-lo que ele mesmo produzira, ele pode encontrar uma interpretação diferente daquela que teve no momento em que escreveu e, assim, pensar impossível continuar a escrever em consonância com o tom ou com o tema que escolheu no início da tarefa.

Essa situação levaria o escritor a reconsiderar as interpretações que even-tualmente possam ter sido rejeitadas em um primeiro momento da escrita. De toda sorte, ele se vê compelido a retornar ao texto e reconsiderar as linhas produzidas de acordo como o que sua interpretação agora torna aceitável (Dworkin, 1999).

Para o autor, o intérprete que se pretende um romancista dessa cadeia terá pela frente diversas decisões difíceis. Assim, é nítido que diferentes roman-cistas eventualmente tomarão diferentes decisões, mas o que de fato importa é que as suas decisões estejam radicadas no romance em execução que lhe fora entregue. O compromisso com a coerência é indispensável (Dworkin, 1999).

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O magistrado ou tribunal que adotar o direito como integridade deve-rá, portanto, considerar-se como um dos autores dessa cadeia. Desse modo, as suas decisões deverão ser consideradas como parte de uma longa história que ele deve interpretar e continuar. Sua decisão deverá ser produto de uma interpretação que ocorre na aplicação do direito ao caso concreto e que, ao mesmo tempo, e até onde seja possível, se adapte e justifique os fatos anteriores (Dworkin, 1999).

Portanto, se jurisprudência pode ser definida como um conjunto de sen-tenças proferidas de forma reiterada pelos tribunais, e sendo cada uma dessas decisões construída com integridade e coerência, respeitando-se o dever fun-damental de fundamentação, chegar-se-á àquilo que determina o art. 926 do CPC, isto é, teremos uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente, exatamente como em um único romance construído aos poucos, por vários autores e da melhor maneira possível (Streck, 1998; Streck, 2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se que nem a teoria de Dworkin tampouco a filosofia de Gadamer admite o relativismo ou a discricionariedade. Percebe-se também que nenhum nem outro separa o ato de interpretar do ato de aplicar o direito. Os autores se socorrem na integridade/coerência e na tradição para negar um grau zero de interpretação e, com isso, exercer uma espécie de controle que restringe sobremaneira o risco de que o juiz decida ao seu alvedrio.

Uma teoria da decisão judicial que se pretende eficaz deve ser normati-va, na medida em que uma teoria meramente descritiva não se preocupa com a questão de como o direito é aplicado. A negligência em relação ao fato de como o direito é aplicado faz qualquer teoria incorrer na separação entre razão prática e razão teórica, apostando-se, nesta, força-se aquela para fora do direito. Qualquer teoria da decisão deve se preocupar com o mundo vivido e criar uma forma de controle sobre a interpretação.

De todo modo, não se pode entender esse controle como uma vedação à interpretação, porque a interpretação não é um método. A interpretação faz parte da existência do ser-aí, ou seja, ela é uma forma de se estar no mundo. Assim, não há como evitar ou proibir o processo interpretativo porque o indi-víduo, sempre que se depara com algo, já, antecipadamente, o compreendeu.

A bem da verdade, a situação é a seguinte: Se o juiz é quem decide o caso, proporcionando sentido ao direito, quais são as condições de possi-bilidade do magistrado ao decidir? Como travar a discussão sobre as condi-ções de possibilidade de se dizer que algo é? Aqui o porquê da necessidade de construir-se uma teoria da decisão judicial, ela é a resposta para tal ordem de questionamentos.

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A legitimidade do juiz advém do aparato normativo, isto é, ao contrário da dos demais agentes políticos que para suas funções são eleitos, a legitimida-de dos juízes deriva das regras constitucionais. Dessa forma, quando o chefe do Poder Executivo ou os integrantes do Legislativo agem no exercício de seus en-cargos, eles estão tão somente exercendo a atividade para a qual foram eleitos, enquanto os magistrados, já que não são eleitos, não podem assumir a postura de criar, mas a de garantir os direitos já existentes.

Nesse sentido, como a democracia é o exercício de autogoverno de um povo, não seria democrática a substituição das normas estabelecidas no exer-cício deste autogoverno pela visão de uma só pessoa, quanto mais como no Brasil, em que essa pessoa, o juiz, não possui legitimação eleitoral. Portanto, o juiz deve agir de acordo com a Constituição e nunca impelido pelas suas convicções pessoais. Encontrar as respostas adequadas à Constituição é uma necessidade democrática.

É clara, portanto, a opção realizada pelo novo CPC, a partir da princi-piologia constitucional, em não mais legitimar condutas ativistas, decisionistas e voluntaristas, pois todos esses comportamentos possuem como condição de possibilidade a existência da superada relação sujeito-objeto.

Com o advento e a recepção do giro linguístico hermenêutico, com a didatização do dever fundamental de fundamentação das decisões judiciais e, principalmente, com o exílio do livre convencimento e suas variantes, o proces-so, ao menos o civil, inicia uma nova fase em terrae brasilis, uma fase eviden-temente mais democrática.

De tudo que se disse, pode-se elencar cinco princípios que devem ser obedecidos em cada decisão judicial, sob pena de incorrer-se em ativismos-de-cisionismos-voluntarismos: toda decisão judicial deve preservar da autonomia do direito, estabelecer condições hermenêuticas para a realização do controle da interpretação constitucional, garantir o respeito à integridade e à coerência do direito, fixar que a fundamentação das decisões é dever fundamental dos juízes e tribunais, garantir que cada decisão tenha sua causa julgada a partir da Constituição e que haja condições para aferir se tal resposta está ou não consti-tucionalmente adequada.

No que tange à aplicabilidade das regras e dos princípios do novo CPC, vale uma advertência, aliás, um convite à vigilância: remete-se à leitura do jul-gamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 827.440/MT, de 13.04.2016, localizado no item 1.2.3 deste trabalho. Além dos problemas relacionados à fundamentação, percebe-se algo ainda mais grave. Trata-se da repristinação (ou seria ressurreição?) do livre convencimento. Basta comparar a redação do art. 371 do CPC com a própria razão de decidir invocada na de-cisão.

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Lembre-se que se expungiu a palavra livre do texto da lei, não se pode mais invocar o tal livre convencimento. É evidente que temos um problema. A decisão (contra legem) ignorou a redação do CPC, demonstrando que o Su-perior Tribunal de Justiça não pretende cumprir o novo CPC justamente em relação aos mecanismos que evitariam os provimentos lotéricos, repetitivos, descontextualizados e com parca fundamentação.

Observa-se que a questão aqui tratada é bastante complicada, pois, mes-mo que houvesse sido mantido o livre convencimento no novo código, ainda que ele estabelecesse que o juiz é o único destinatário da prova, ainda assim isso seria inconstitucional. Repita-se: o modelo constitucional, a partir do inci-so IX do art. 93, é incompatível com livre convencimento. E o CPC no § 1º do art. 489, reafirmando o óbvio, deixou isso bem claro.

Outrossim, considerando que o CPC ainda é muito recente, a doutrina não pode se permitir acomodar, é imperioso, portanto, que sejam criadas for-mas para se decidir que sejam adequadas à Constituição, para, assim, evitar-se que o velho jurisprudencialismo à brasileira – para o qual não interessa o que diz a lei, mas sim que se aceite que direito é aquilo que o Judiciário diz que é – insista em reiteradamente ignorá-la.

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Parte Geral – Doutrina

A Proteção Penal do Meio Ambiente como Direito Humano Constitucional

La Protezione Penale Dell’Ambiente come Diritto Umano Costituzionale

LUIZ GUSTAvO GONçALvES RIBEIROPossui Graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996). Mestrado (2005) e Doutorado (2008) em Direito pela mesma Universidade. Pós‑Doutor (2016) pela Universitá degli Studi di Messina/IT. Atualmente é Professor de Direito Penal do curso de Graduação e de Direito Penal Ambiental do Curso de Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Membro do Conselho Científico e Acadêmico do Ministério Público. Examinador de Direito Penal e Direito Processual Penal (GT II) do LII, LIII e LIV Concursos para ingresso na carreira do Ministério Público de Minas Gerais. Membro Avaliador da Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós‑Graduação em Direito – Conpedi. Autor de obras jurídicas de direito penal, processual penal, criminologia e direito ambiental.

RESUMO: O meio ambiente, hoje consagrado doutrinariamente como direito humano de terceira geração e contemplado com disposições constitucionais que o elevam à condição de direito fundamental no âmbito de diversos países, é bem jurídico apto a ser efetivamente tutelado pelo direito penal que, todavia, carece de modificações em sua dogmática individualista secular para a defesa de um direito que é, a um só tempo, individual e difuso. O texto contempla, sob o raciocínio lógico‑dedutivo e com pesquisa bibliográfica, a garantia do meio ambiente pelo direito penal e apresenta propostas para a melhor tutela ambiental, correspondendo elas, para além da aptidão de normas penais mais adequadas, à criação de um Tribunal Internacional competente para as demandas penais relacionadas ao meio ambiente e à assunção da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Reconhece‑se, no ambiente, uma verdadeira garantia de estirpe constitucional, não apenas difusa, mas também individual já que diretamente relacionado à qualidade de vida de cada um dos seres e que desencadeou, nas últimas décadas, a consagração de documentos internacionais e constitucionais de efetiva tutela.

PALAVRAS‑CHAVE: Meio ambiente; proteção penal; direito humano fundamental.

SINTESI: L’ambiente, oggi consacrato dottrinalmente come diritto umano di terza generazione e contemplato con disposizioni costituzionali che lo innalzano alla condizione di diritto fondamentale nell’ambito di diversi Paesi, è bene giuridico atto a essere effettivamente tutelato dal diritto penale che, tuttavia, richiede modificazioni nella sua dogmatica individualista secolare per la difesa di un diritto che è, allo stesso tempo, individuale e diffuso. Il testo contempla, sotto il ragionamento logico‑deduttivo e con ricerca bibliografica, la garanzia dell’ambiente dal diritto penale e presenta proposte per la migliore tutela ambientale, esse corrispondendo, oltre alla predisposizione di norme penali più adeguate, alla creazione di un Tribunale Internazionale competente per le richieste penali legate

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all’ambiente e all’ammissione della responsabilità penale delle persone giuridiche. Si riconosce, nell’ambiente, una reale garanzia di tipo costituzionale, non soltanto diffusa, ma anche individuale, giacché direttamente legata alla qualità di vita dei singoli esseri e che ha avviato, negli ultimi decenni, la consacrazione di documenti internazionali e costituzionali di effettiva tutela.

PAROLE: ambiente; tutela penale; diritto umano fondamentale.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Direitos fundamentais e direitos humanos; 3 Direito ao meio ambiente equilibrado como direito humano fundamental; 4 Direito penal, bem jurídico e Constituição; 5 A tutela penal do ambiente; 5.1 O bem jurídico‑penal meio ambiente; 5.2 A tutela penal: peculiaridades e perspectivas; 6 Considerações finais; Referências.

SOMMARIO: 1 Introduzione; 2 Diritti Fondamentali e Diritti Umani; 3 Diritto all’ambiente equilibrato come diritto umano fondamentale; 4 Diritto penale, bene giuridico e Costituzione; 5 La tutela penale dell’ambiente; 5.1 Il bene giuridico‑penale ambiente; 5.2 La tutela penale: peculiarità e perspettive; 6 Considerazioni finali; Riferimenti.

1 INTRODUZIONELe molteplici ragioni per le quali l’uomo e le imprese aggrediscono

l’ambiente hanno guidato il ragionamento di un testo che, per il fatto di considerare l’ambiente ecologicamente equilibrato essenziale alla vita degli esseri delle generazioni presenti e future, rivendica l’intervento penale per la tutela del bene giuridico di tale portata.

Il carattere di ultima ratio del diritto penale fa sì che questo abbia come oggetto di tutela soltanto i beni giuridici del massimo livello, quelli che per la loro predisposizione giuridica richiedono non solo la tutela giuridica, ma anche la tutela giuridico-penale.

Essendo così, la costruzione inizia per sostenere le ragioni per le quali l’ambiente è un bene giuridico necessitante della tutela penale. Apprezzato come diritto umano che compone la terza generazione dei diritti, si è espresso che l’ambiente, oggi così degradato, è considerato diritto fondamentale da gran parte delle costituzioni moderne, oppure, quando così non è previsto espressamente nei testi costituzionali, riconosciuto come tale dalle Corti Supreme, come in Italia.

Da allora in poi il ragionamento che conduce alla trattativa dell’ambiente come diritto umano degno di tutela penale passa attraverso l’analisi della nozione del bene giuridico, del suo rapporto con la costituzione e dell’ammissione dell’ambiente alla condizione di bene giuridico penalmente rilevante, degno di garanzia e tutela dalla legge penale, non solo perché è diritto diffuso, appartenente a tutti, ma anche per la sua importanza rispetto all’uomo, considerato nella sua individualità, il che fa sì che la sua predisposizione come oggetto di tutela sia, allo stesso tempo, di garanzia individuale e diffusa.

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Tuttavia, si sa che la dogmatica penale secolare è individualista e, per questo, richiede degli adattamenti per la tutela di un bene giuridico di tale peculiarità. Poiché, alla base dei fondamenti del diritto penale secolare si trovano regole e principi cari alla garanzia dei beni giuridici individuali, il che richiede un nuovo sguardo verso la trattativa di un bene peculiare che, provvisto di dignità giuridico-costituzionale, domanda tutela dal diritto penale.

Il lavoro principia dalla trattativa dei diritti fondamentali e diritti umani in modo da trattare concetti, differenze e la costruzione storica, il che però ha rispettato le limitazioni dell’approccio di così ampio argomento secondo la proposta del testo.

Formulati i presupposti concettuali, si è passato a discorrere sulle ragioni per le quali l’ambiente è un diritto umano costituzionale, perché, poi, nei topici seguenti, il ragionamento fosse rivolto alla garanzia dell’ambiente dal diritto penale come frutto della sua importanza come autentico diritto umano peculiare, individuale e diffuso, rivendicato non solo in ambito transnazionale (come diritto umano), ma anche nei limiti consacrati dall’ordinamento di ciascun Paese (come diritto fondamentale).

Tuttavia, il testo non esita a esporre le difficoltà della tutela penale di bene giuridico così peculiare; non si rifiuta di esporre le difficoltà della tutela penale di bene giuridico tanto peculiare; tuttavia, per esternare le sfide, espone anche le perspettive di un diritto penale che serva la propria vita e che, per questo, sia preparato anche alla buona tutela dell’ambiente.

Pertanto, si vede che, sull’orizzonte tematico delle garanzie individuali nelle costituzioni moderne, l’ambiente è stato contemplato con la dignità di cui è meritevole, ossia, come diritto individuale e diffuso allo stesso tempo, consacrato nei trattati internazionali e nell’organismo interno di ciascun Paese, sia espressamente dalle Costituzioni, sia dal riconoscimento della sua importanza dalle Corti Supreme. Essendo così, una volta stabilite le premesse, si è avviato al trattamento giuridico-penale della tutela ambientale.

Pertanto, dinanzi alla domanda se l’ambiente, dalla sua importanza e peculiarità, deve essere tutelato dal diritto penale, si ha, per ipotesi, il ragionamento che la sua importanza fa sì che il diritto penale, anche se consacrato alla protezione dei beni giuridici individuali, deva alla fine adattarsi, è la dogmatica che deve servire la vita e l’uomo, e non l’incontrario.

Si tratta di una ricerca che si è valsa di dati primari e secondari consistenti nell’analisi di testi legislativi, dottrina e giudicati, e del ragionamento deduttivo capace di sostenere la sintesi che l’ambiente è meritevole di tutela penale dalla tesi della sua suprema importanza come diritto umano fondamentale consacrato in campo internazionale e, simultaneamente, nelle Costituzioni moderne.

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2 DIRITTI FONDAMENTALI E DIRITTI UMANICondizionati al tempo storico in cui contemplati tali o quali i valori che

svegliano l’interesse di protezione giuridica, i diritti fondamentali sono quelli oggi catalogati nei testi costituzionali e che si riferiscono ai diritti basici dell’uomo. Adottato il concetto formale sotto l’ottica di Ferrajoli, diritti fondamentali sono quei

Diritti soggettivi che si riferiscono universalmente a ‘tutti’ gli esseri umani dotati di status di persona, o di cittadino o di persona capace di agire. Intendo per ‘diritto soggettivo’ qualunque aspettativa positiva (la prestazione) o negativa (la non lesione) vincolata a un soggetto da una norma giuridica, e per status la condizione di un soggetto prevista anch’essa da una norma giuridica positiva quale presupposto della sua idoneità a essere titolare di situazioni giuridiche e/o autore degli atti che sono in esercizio (FERRAJOLI, 2011, p. 8).

Tuttavia, il modo come sopra è stato esposto il concetto di diritti fondamentali non fa sì che il tema sia esento da grandi discussioni e controversie, a cominciare dalla terminologia, giacché usati termini come “diritti naturali”, “diritti inalienabili”, “diritti civili”, “diritti individuali”, “diritti personali”, tra altri. (SAMPAIO, 2010)

Sosteneva già Alexy, nella sua teoria dei diritti fondamentali, che su di essi

è possibile formulare teorie le più svariate. Teorie storiche, che spiegano lo sviluppo dei diritti fondamentali, teorie filosofiche, che s’impegnano a chiarire i loro fondamenti e teorie sociologiche, sulla funzione dei diritti fondamentali nel sistema sociale, sono soltanto tre esempi. Difficile che esista una disciplina nell’ambito delle scienze umane che, dalla sua perspettiva e con i suoi metodi, no sia in grado di contribuire alla discussione sui diritti fondamentali (ALEXY, 2014, p. 31).

Si vede pertanto che lo spazio di discussione dei diritti fondamentali comprende una serie di studi che richiederebbero pagine e pagine di esposizione. Per questo, l’approccio, secondo il proposito del testo, rientrerà nell’esposizione dell’argomento nei testi costituzionali moderni, in modo da chiarire che i diritti fondamentali decorrono dall’affermazione delle libertà individuali e dalla dignità della persona umana di là della filosofia, oggi positivati sulle costituzioni.

Nonostante siano i diritti fondamentali così intitolati perché si riferiscono ai diritti basici dell’uomo come persona, è importante distinguerli, come manifestazione positiva del diritto, con l’idoneità per produrre effetti sul piano giuridico, su quello dei diritti umani, questi ultimi situati “[...] in una dimensione sovra-positiva, deonticamente diversa da quella in cui si situano le norme giuridiche – particolarmente quelle di diritto interno” (GUERRA FILHO, 1997, p. 12). In questo senso, nonostante possa esserci, per molti, identità semantica e di contenuto,

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diritti fondamentali devono essere considerati come riconosciuti dallo Stato, nell’ordine interna, come necessari alla dignità della persona umana. Nonostante, quindi, diritti umani e diritti fondamentali abbiano definizioni basate sulla necessità del loro riconoscimento come modo di garantire la dignità della persona umana, essi differiscono nel senso che non sempre ci sarà coincidenza tra i due, poiché, oltre a essere frequente che, sul piano interno degli Stati, non tutti i Diritti umani consacrati sul piano internazionale siano riconosciuti, è frequente anche che alcuni diritti siano solo riconosciuti come fondamentali in uno o alcuni Stati (BRITO FILHO, 2008, p. 38).

Tale intendimento è comune a Borges, Mello e Oliveira (2010), secondo i quali la differenziazione tra diritti umani e diritti fondamentali risiede nella dimensione transnazionale dei primi e nazionale degli ultimi. Secondo gli autori, i diritti fondamentali presentano caratteristiche non accluse a realtà locali, mentre i “diritti fondamentali sono i diritti umani consacrati e positivati nella Costituzione di ciascun Paese, frutto dell’ideologia caratteristica di ciascun Stato Sovrano” (BORGES; MELLO; OLIVEIRA, 2010, p. 194).

Tutto ciò esposto, fu con la Dichiarazione Universale dei Diritti dell’Uomo, documento approvato da 18 Stati, il 10 dicembre del 1948, nell’Assemblea Generale delle Nazioni Unite, che i diritti della persona umana hanno acquisito dimensione transfrontaliera, poiché non più dedicati ai cittadini di questo o quello Stato, bensì a tutti gli esseri umani e che, ancora, è iniziato il processo di effettiva “positivazione” dei diritti umani, in quanto, nelle parole di Bobbio, essa

mette in moto un processo in cui finale i diritti dell’uomo dovranno essere non più solo proclamati o solo idealmente riconosciuti, però effettivamente protetti persino contro il proprio Stato che li abbia violati. Alla fine di questo processo, i diritti del cittadino si saranno trasformati, realmente, positivamente, in diritti dell’uomo. O, almeno, saranno i diritti del cittadino di quella città che non possiede frontiere, perché racchiude tutta l’umanità: o, in altre parole, saranno i diritti dell’uomo come diritti del cittadino del mondo (BOBBIO, 2004, p. 19).

Da lì, passarono le Costituzioni Moderne, nel chiamato costituzionalismo contemporaneo, a dedicare capitoli specifici per l’effettiva affermazione dei diritti, non più ricercati dalle Lettere e documenti specifici a determinati cittadini, come la Magna Charta del 1215, come esempio del costituzionalismo medioevale, oppure, già in termini di costituzionalismo moderno, il Bill of Rights (1688), il Patto di Mayflower (New Plymouth, 1620), la Dichiarazione dei Diritti del Buon Popolo della Virginia e Indipendenza delle 13 Colonie (1776), la Costituzione Federale degli Stati Uniti d’America (firmata dall’ultima Colonia nel 1787) e documenti che spuntarono dopo la Rivoluzione Francese (1789), come la Dichiarazione dei Diritti dell’Uomo e del Cittadino del 1791.

Trattandosi di strumento di sistematizzazione regionale dei diritti umani, fu firmata, in Europa, il 4 novembre del 1950, da Ministri di quindici Paesi, riuniti a Roma, la Convenzione Europea dei Diritti dell’Uomo, che rappresentò

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un marchio per il Diritto e, inoltre, importante precedente nell’affermazione rispetto alla protezione e allo sviluppo dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali. Tale Convenzione, inizialmente, si limitò a tutelare diritti e libertà individuali classici e fu seguita da protocolli che fecero enunciare altri diritti, sociali, economici e culturali, decorrenti, soprattutto, dalla Carta Sociale celebrata a Torino il 18 di ottobre del 1961.

In termini nazionali, sono diversi i documenti costituzionali enunciatori di diritti fondamentali dell’uomo e che rivelano le caratteristiche del costituzionalismo contemporaneo nel senso della maggior affermazione dei diritti umani, compreso contro la propria autorità dello Stato.

La Costituzione Italiana del 1948, nel suo articolo 2º, enuncia, testualmente, il riconoscimento e la garanzia dei diritti inviolabili dell’uomo, sia come individuo isolatamente considerato, sia come essere sociale. Tuttavia, nonostante la redazione aperta dell’articolo che solleva dubbi sul suo carattere imperativo (comando di riconoscimento), permissivo o costitutivo (GUASTINI, 2009), sono elencati, negli articoli 13 a 28, come nella Costituzione tedesca del 1949, negli articoli 1 a 19, i diritti collegati alla libertà personale, alla libertà di circolazione e residenza, di riunione, di associazione, di espressione, di stampa e libertà religiosa, così come il diritto alla salute, al lavoro, all’educazione, all’inviolabilità di domicilio e di corrispondenza.

In Francia, lo storico costituzionale è di “positivazione” di diritti fondamentali che influenzarono altre costituzioni moderne, tra cui quelli che si riferiscono alla vita, alla libertà, all’uguaglianza e alla solidarietà; va rilevato che, sul preambolo della Costituzione del 1958, il

popolo francese rinnova il compromesso con i diritti umani e i principi della sovranità nazionale proclamati sulla Dichiarazione del 1789 e confermati e completati dal Preambolo della Costituzione del 1946 e i diritti e i doveri stabiliti nella Carta dell’Ambiente 2004. C’è, ancora, la consacrazione dei principi dell’autodeterminazione dei popoli e il compromesso sul piano internazionale con la libertà, uguaglianza, fraternità e con lo sviluppo democratico (PEIXINHO, 2016, online).

In Portogallo e in Spagna, nelle Costituzioni del 1976 e 1978 rispettivamente, il quadro di libertà previsto è ampio, e copre, oltre alle libertà tradizionalmente previste dalle costituzioni dei Paesi europei, la protezione dei dati personali, il diritto all’intimità personale e familiare e la protezione agli anziani e disabili.

Inoltre, in America Latina, ad esempio d’Europa, la sistematizzazione “regionalizzata” dei diritti fondamentali della persona fu inserita nella Convenzione Americana dei Diritti Umani, approvata il 22 novembre del 1969. Di messa a fuoco sulle garanzie giudiziali dell’uomo, la convenzione, conosciuta come Patto di San José di Costa Rica, contiene 82 articoli, costituendosi una delle Carte più estese rispetto alla previsione di diritti umani prevista nell’attualità.

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In questo paradigma internazionale, il Brasile, che possiede una delle Costituzioni più avanzate del mondo rispetto alla materia, ha eletto, nella Costituzione Federale del 1988, la dignità umana come principio e parametro pri.mordiale di tutto l’ordinamento giuridico.

Per quanto riguarda i diritti e garanzie fondamentali, il Titolo II della Carta del 1988 contempla dai diritti e garanzie fondamentali (capitolo I), ai diritti sociali (capitolo II) e politici (capitolo IV), in un’estesa lista di diritti che si dispiegano in altrettanti, in modo a rendere chiaro che i diritti fondamentali della persona umana sono stati motivo di grande preoccupazione da parte del costituente. Quest’ultimo, però, non gli ha dato carattere assoluto, a favore dei propri diritti fondamentali che potrebbero, in determinato caso, conferire l’apparenza di conflitto. In questo senso, il Tribunale Costituzionale Brasiliano, il Supremo Tribunale Federale, esaltò, in decisione che, da molto, riflette l’ermeneutica costituzionale sul tema e che continua essendo oggetto di riferimento in diverse decisioni della Corte:

I diritti e garanzie individuali non hanno carattere assoluto. Non esistono, nel sistema costituzionale brasiliano, diritti o garanzie che si rivestano di carattere assoluto, anche perché ragioni di rilevante interesse pubblico o esigenze derivate dal principio di convivenza delle libertà legittimano, ancora che eccezionalmente, l’adozione, da parte degli organi statali, di misure restrittive delle prerogative individuali o collettive, purché rispettati i termini stabiliti dalla propria Costituzione. Lo statuto costituzionale delle libertà pubbliche, nel delineare il regime giuridico al quale esse sono soggette – permette che su di esse incidano limitazioni di ordine giuridico, destinate, da un lato, a proteggere l’integrità dell’interesse sociale e, dall’altro, ad assicurare la coesistenza armoniosa delle liberta, poiché nessun diritto o garanzia può essere esercitato a discapito dell’ordine pubblico, o irrispettoso nei confronti dei diritti e garanzie altrui” (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16.09.1999, Plenário, DJ de 12.05.2000.) Vide: HC 103.236, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgamento em 14.06.2010, Segunda Turma, DJE de 03.09.2010.

In Argentina, la prima parte della Costituzione del 1994, segmentata in due capitoli, si destina, nel primo, alle “dichiarazioni, diritti e garanzie”. Vale evidenziare, rispetto all’oggetto di studio, che essa assicura, a quelli che abitano il suolo argentino, il diritto al lavoro e al commercio, il diritto di richiedere alle autorità di entrare, rimanere, transitare e uscire, così come la libertà di proprietà, di culto e il diritto all’intimità, oltre a quelli sociali, attinenti al lavoro e il diritto di associazione. A sua volta, il secondo capitolo, anche della prima parte della Costituzione, tratta i nuovi diritti, tra cui si evidenziano i diritti politici e il diritto all’ambiente sano, equilibrato, atto allo sviluppo umano, in modo che le attività produttive soddisfacciano alle necessità delle presenti generazioni, senza compromettere quelle future.

In generale, così come in Brasile e in Argentina, quello che si vede, soprattutto nelle costituzioni dei Paesi sudamericani, specialmente in Uruguay

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e Paraguay, è che l’enunciazione dei diritti e garanzie seguono le enumerazioni costanti nei trattati internazionali, in particolare rispetto alla protezione giudiziale dei diritti fondamentali con la forza di strumenti atti alla tutela dei diritti consacrati dalle Carte Nazionali.

Il fatto è, pertanto, che il campo di raggiungimento dei diritti umani nell’ordine costituzionale degli Stati sta crescendo molto, in modo che, in qualunque delle loro generazioni o dimensioni1, essi vengono considerati fondamentali dalle costituzioni, il che verrà sviluppato d’ora in poi in ragione della accezione di “ambiente” come diritto umano fondamentale.

3 DIRIITO ALL’AMBIENTE EQUILIBRATO COME DIRITTO UMANO FONDAMENTALEÈ consueta l’accezione dottrinaria della terminologia dimensione o

generazione di diritti umani, il che potrebbe sembrare, su un orientamento critico, che l’evoluzione delle generazioni dei diritti umani andrebbe a sostituire, nel processo evolutivo, le generazioni precedenti, come se, in verità, non ci fosse alcuna perspettiva di cumulazione o rafforzamento dei diritti umani, bensì una sua idea frammentata o atomizzata, come se, particolarmente, scadessero i diritti appartenenti alle generazioni precedenti. Tale perspettiva realistica e in linea con l’ingrandimento oggi regnante concernente all’affermazione dei diritti è esposta nel seguente modo da Antônio Augusto Cançado Trindade:

Il fenomeno che oggi testimoniamo non è quello di successione, ma prima, di un’espansione, cumulazione e rafforzamento dei diritti umani consacrati, consonante una visione necessariamente integrata di tutti i diritti umani. Le ragioni storico-ideologiche della compartimentalizzazione sono già sparite da molto. Oggi possiamo vedere con chiarezza che gli avanzamenti nelle libertà pubbliche in tanti Paesi negli ultimi anni devono necessariamente farsi accompagnare non di retrocesso – come sta occorrendo in innumerevoli Paesi – ma di avanzamenti paralleli nel dominio economico-sociale (TRINDADE, 1997, p. 390).

Fatta l’avvertenza, le dimensioni dei diritti umani ubbidirono a un’evoluzione storica che, primamente, si basarono sulla necessità dell’affermazione dei diritti individuali contro il potere assoluto dello Stato. Come frutto delle Rivoluzioni liberali francese e nordamericana, e affermati nei XVIII e XIX secoli, i diritti concernevano alle chiamate libertà individuali, che esigevano dallo Stato un’astensione e non una prestazione, possedendo, per questo, una connotazione negativa, a favore dell’uomo, il loro titolare. Si riferivano, basicamente, alla vita, alla libertà, compreso di espressione e di religione, alla partecipazione politica e alla proprietà.

Con la Rivoluzione Industriale e le lotte sociali decorrenti delle trasformazioni economiche e sociali della fine del XIX secolo e l’inizio del XX

1 Motivo inaugurale dell’argomento seguente.

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secolo, si è segnalata una nuova era dimensionale nell’affermazione dei diritti umani di base sociale, come sanità e educazione, diritti economici, come il diritto all’alimentazione e al lavoro e previdenza, e culturali, consistenti nella partecipazione di tutti nelle ricchezze comunitarie. Come caratteristiche e di là dall’individualismo possessivo e del darwinismo sociale, tutti esigono dallo Stato il ruolo promotore di creazione ed effettuazione di questi diritti per mezzo dei servizi pubblici. Si tratta, quindi, delle chiamate libertà positive, evidenziate sulla Costituzione Messicana del 1917, sulla Costituzione di Weimar del 1929 e negli ideali della Rivoluzione Russa del 1918.

Con la rivoluzione tecno-scientifica e dei mezzi di comunicazione e trasporti, sono venute a galla, già alla fine del XX secolo, richieste dei chiamati diritti di titolarità collettiva o diffusa, non destinati, specificamente, alla protezione degli interessi individuali o di un determinato gruppo di persone. Consacrati dai principi della solidarietà e fraternità, sono quegli affetti allo sviluppo, all’ambiente, alla pace, alla cooperazione internazionale, tra altri collegati all’umanismo e all’universalità.

Tuttavia, di là dalla classificazione presentata da Karel Vasak (1982), nel 1979, all’Istituto Internazionale dei Diritti dell’Uomo a Strasburgo e perché il sistema dei diritti è dettato dalle ansie e necessità umane, si parla anche di diritti di quarta e quinta generazioni, essendo i primi rivolti, nella comprensione di Bobbio (2004), al patrimonio e ingegneria genetica, oltre a quelli rivolti alla vita sana e all’ambiente equilibrato (SAMPAIO, 2010). Quelli di quinta generazione, invece, nella visione di Tehrarian (2007), sarebbero quelli rivolti all’amore e alla pace.

Si osserva, dunque, che, coerente con quanto sopra e affermato sul piano della terza generazione o dimensione dei diritti umani, l’ambiente equilibrato è stato sviluppato, per la sua peculiarità di bene giuridico necessario alla vita permanente delle presenti e future generazioni, nell’ambito della quarta generazione di diritti, conformemente alla Carta della Terra o Dichiarazione di Rio del 1992, il che si è ripetuto sul Manifesto di Tenerife e in diversi Incontri e Convenzioni in tutto il mondo, e recentemente ampiamente discusso nell’ambito della COP21 realizzata a Parigi. Questo perché, come sostiene Sampaio (2010), il contenuto dei diritti ha conquistato diversità, tanto rispetto ai suoi titolari quanto rispetto alle nuove pretensioni tutelate, tra cui quelle

di proiezione solidariste, conosciute anche come diritti di fraternità o diritti collettivi, che richiedono un’azione congiunta di tutti i membri della società, sia nazionale, sia internazionale, come il diritto all’ambiente ecologicamente equilibrato, all’autodeterminazione, alla pace, allo sviluppo economico e sociale o alla giustizia distributiva internazionale, alla sovranità sulle risorse naturali, diritti alla biodiversità [...] (SAMPAIO, 2010, p. 228).

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Tuttavia, è sicuro, come rileva Teixeira (2008), che l’ambiente sano come diritto della persona umana non era tra le preoccupazioni dell’uomo e della società all’epoca delle lotte che risultarono nella conquista dei diritti civili e politici più tardi dichiarati, nemmeno tra le acquisizioni dei diritti sociali ed economici in decorrenza dei movimenti sociali, essendo riconosciuto, fino alla metà del XX secolo, come semplice aggregato del diritto di proprietà. Comunque,

il ritmo accelerato e intenso delle investite antropiche contro i beni naturali, e la conseguente crescita spaventosa della devastazione ambientale, ha suscitato la percezione dei rischi e pericoli che tali interventi potrebbero cagionare all’ambiente, e, dunque, allo spazio indispensabile alla vita degna e salutare degli esseri umani, con il possibile pregiudizio delle generazioni future. [...] Questo ha fomentato l’ideale di difesa e protezione di tale diritto, che, essendo indispensabile all’uomo, ha meritato di essere innalzato al livello di diritto fondamentale (TEIXEIRA, 2008, p. 227).

Affermato, pertanto, come diritto umano, l’ambiente equilibrato ha meritato enfasi, di fronte all’importanza sopra indicata per la vita delle presenti e future generazioni, come diritto fondamentale costante nelle Carte Costituzionali di diversi Paesi.

In Brasile, l’articolo 225, della Costituzione Federale del 1988, tratta l’argomento nel seguente modo: “tutti hanno diritto all’ambiente ecologicamente equilibrato, bene di uso comune del popolo ed essenziale alla sana qualità di vita, imponendosi al Potere Pubblico e alla collettività il dovere di difenderlo e di preservarlo per le presenti e future generazioni”. Si osserva, dunque, che la Costituzione ha consolidato l’ambiente equilibrato come diritto fondamentale (diritto di tutti costituzionalizzato), essendo imperioso evidenziare, addirittura per l’opponibilità del diritto agli aggressori, persona naturale o giuridica, pubblica o privata, che si tratta di un diritto di tutti e di ciascuno, essendo di ordine soggettivo, individuale, e, allo stesso tempo, diffuso.

Dispone la Costituzione portoghese del 1976, nell’articolo 66, costante della Parte I, che tratta “Dei diritti e doveri fondamentali”, che

1. Tutti hanno diritto a un ambiente di vita umano, sano ed ecologicamente equilibrato e il dovere di difenderlo.

2. Per assicurare il diritto all’ambiente, nell’ambito di uno sviluppo sostenibile, incombe allo Stato, per mezzo di organismi propri e con il coinvolgimento e la partecipazione dei cittadini: a) Prevenire e controllare l’inquinamento e i suoi effetti e le forme dannose di erosione; b) Ordinare e promuovere l’ordinamento del territorio, tenendo in vista un corretto luogo delle attività, un equilibrato sviluppo socio-economico e la valorizzazione del paesaggio; c) Creare e sviluppare riserve e parchi naturali e di ricreazione, così come classificare e proteggere paesaggi e siti, in modo a garantire la conservazione della natura e la preservazione dei valori culturali d’interesse storico o artistico; d) Promuovere l’uso razionale delle risorse naturali, salvaguardandone la capacità di rinnovazione e la stabilità ecologica, con rispetto al principio della solidarietà tra generazioni; e) Promuovere, in

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collaborazione con le autarchie locali, la qualità ambientale di villaggi e della vita urbana, designatamene sul piano architettonico e della protezione delle zone storiche; f) Promuovere l’integrazione di oggettivi ambientali nelle varie politiche di ambito settoriale; g) Promuovere l’educazione ambientale e il rispetto ai valori dell’ambiente; h) Assicurare che la politica fiscale renda compatibili lo sviluppo, la protezione dell’ambiente e la qualità di vita.

Esiste, dunque, in Portogallo, come in Brasile, la consacrazione costituzionale dell’ambiente come diritto fondamentale, e, per questo, Canotilho, a causa del peso prestatoci dal costituente, addirittura aggettiva la Costituzione portoghese come “Carta Verde” (2000, p. 227).

In Spagna, l’Ambiente è trattato, in sede Costituzionale, nell’articolo 45, che compone il “Título Primero”, esattamente quello che versa su “Los Derechos y Deberes Fundamentales”, e che rivela l’importanza attribuita all’Ambiente come diritto fondamentale. Questa è la redazione dell’articolo:

1. Todos tienen el derecho a disfrutar de un medio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservarlo.

2. Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidad de la vida y defender y restaurar el medio ambiente, apoyándose en la indispensable solidaridad colectiva.

3. Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se establecerán sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado.

In Italia, sebbene non ci sia una previsione espressa nel senso di tutela dell’ambiente in sede costituzionale, esso è trattato, particolarmente nei confronti del diritto alla vita e alla salute, nell’ambito della Corte Costituzionale italiana, come diritto fondamentale. Come si estrae dal rapporto preparato in occasione dell’incontro della delegazione della Corte Costituzionale italiana con il Tribunale Costituzionale della Repubblica della Polonia, nel marzo del 2006, nella capitale polacca:

Nell’evoluzione della giurisprudenza costituzionale il diritto alla salute si estende inoltre fino a configurarsi, nel suo collegamento con l’art. 9 della Costituzione, anche come diritto a un ambiente salubre.

Il riconoscimento di un diritto soggettivo individuale all’ambiente, tutelato quale diritto fondamentale, muove da un concetto di ‘salute’ come situazione giuridica generale di benessere dell’individuo derivante anche, se non soprattutto, dal godimento di un ambiente salubre.

Secondo la corte, infatti “l’ambiente è protetto come elemento determinativo della qualità della vita’: ‘la sua protezione non persegue astratte finalità naturalistiche o estetizzanti, ma esprime l’esigenza di un habitat naturale nel quale l’uomo vive e agisce e che è necessario alla collettività e, per essa, ai cittadini, secondo valori largamente sentiti; è imposta anzitutto da precetti costituzionali (artt. 9 e

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32 Cost.), per cui esso assurge a valore primario ed assoluto” (sentenze n. 210 e n. 641 del 1987).

Il bene dell’ambiente come diritto fondamentale della persona (oltre che come interesse fondamentale della collettività)’comprende la conservazione, la razionale gestione e il miglioramento delle condizioni naturali (aria, acque, suolo e territorio in tutte le sue parti), l’esistenza e la preservazione dei patrimoni genetici terrestri e marini, di tutte le specie animali e vegetali che in esso vivono allo stato naturale e in definitiva la persona umana in tutte le sue estrinsecazioni’ (sentenza n. 210 del 1987). (2006, online).

In Francia, nel 2005, si è redatta la Carta dell’Ambiente (Codice Ambientale Francese) attraverso la Legge da nº 2005-205, che ha dichiarato l’Ambiente un diritto fondamentale e ha riportato, già sul preambolo, una menzione che stava essendo incorporata alla Costituzione del 1958, in modo che l’ambiente ha cominciato a essere considerato diritto fondamentale costituzionale, nella stessa dimensione degli altrettanti diritti fondamentali che già ci si trovavano inseriti.

Si vede, quindi, che l’Ambiente, nella condizione di diritto umano di terza generazione e che si è sviluppato, per i fini di preservazione della vita nella e della terra, nella quarta generazione di diritti umani, si trova dichiarato come diritto fondamentale nello scenario Costituzionale di diversi Paesi. Anche quando non espressamente, com’è il caso dell’Italia, esso è trattato con status di “fondamentalità”, in ragione della sua importanza per la sopravvivenza delle presenti e future generazioni. Poiché,

il diritto alla vita condiziona tutti gli altrettanti diritti, ma l’accesso a questo diritto di difesa è intimamente legato all’ambiente, che dev’essere protetto da seri rischi ambientali alla vita. L’ambiente dev’essere anche protetto come diritto di difesa della vita, anzi, come il luogo fondamentale dello sviluppo della personalità umana (COSTA, 2010, p. 117).

Sarà in questo contesto di diritto fondamentale e, pertanto, come bene giuridico di grande dimensione e importanza, che l’ambiente sarà trattato, d’ora in poi, come oggetto di tutela del diritto penale, venendo considerate, in sequenza, la relazione bene giuridico/Costituzione e, di seguito, le difficoltà e le sfide collegate alla sua protezione penale.

4 DIRITTO PENALE, BENE GIURIDICO E COSTITUZIONECome premessa del rapporto stabilito tra il diritto penale, il bene giuridico

e la Costituzione, è necessario che sia stato fondamentato, primamente, che il diritto penale è retto dal principio dell’intervento minimo, ossia, dev’essere chiamato a intervenire unicamente quando si tratta del caso di offesa rilevante a bene giuridico che abbia dignità sufficiente per esserne tutelato.

In questo contesto, la rilevanza nell’elezione dei beni giuridici degni di tutela penale deve avere come riferimento quelli che la Costituzione dei diversi

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Paesi considera come beni fondamentali, anche perché i beni dotati di maggior importanza hanno, come regola, una base costituzionale. Non s’ignora che, tra le teorie contemporanee sul bene giuridico, c’è la teoria sociologica che identifica il contenuto del bene giuridico con argomenti di dannosità sociale; tuttavia, le teorie costituzionali trattano giudizi di valore ai quali tutti i settori del diritto sono subordinati, cioè, quello del riconoscimento giuridico-costituzionale perché il bene sia dotato di un minimo sostegno di dignità giuridica.

Da Birnbaum, che, nel 1834, in contrapposizione a Feuerbach, il quale intendeva il delitto come una violazione al diritto soggettivo (1804)2, si creò un concetto naturalista e pre-giuridico di bene giuridico, essendo derivato dalla natura o dalle necessità della vita sociale e che, per questo, vincolerebbe il legislatore a criminalizzare le condotte che lesionassero i beni come la vita, l’integrità, la libertà, la proprietà, ecc., il concetto di bene giuridico, nel corso degli anni, fu oggetto di diverse formulazioni, notatamente rispetto alla definizione del suo contenuto e natura. Quello che la storia dimostra, tuttavia, è che l’evoluzione della teoria del bene giuridico-penale si riferisce ai criteri di definizione e delimitazione dei beni e valori che debbano essere oggetto di tutela per mezzo di sanzione criminale, ossia, il difficile equilibrio tra limitare l’ambito di attuazione penale – ius puniendi – e la protezione dei beni per mezzo del sanzionamento massimo statale.

Lo sviluppo delle teorie del bene giuridico ha portato, come detto e dalle concezioni sociologiche che identificavano la lesione al bene giuridico con l’idea di dannosità sociale, alle teorie costituzionali, che inferiscono il concetto di bene giuridico-penale dalla Costituzione. Il contenuto materiale del delitto si trova tracciato dall’ordine costituzionale, basato sui valori sociali e principi fondamentali alla dignità e alla libertà dell’individuo e della società.

Il legislatore penale ordinario considera la costituzione come una fonte di beni giuridici-penali e ci trova i limiti per la selezione di quello che è meritevole di tutela penale, valendosi, pertanto, dei principi penali-costituzionali quali la dignità umana, la legalità, l’intervento minimo, la frammentarietà, la colpabilità, l’individualizzazione della pena, l’offesa, tra altri, estraendosi, quindi, dalla base costituzionale, l’importanza dell’adeguata selezione dei beni giuridici con dignità tale da essere oggetto di tutela penale3.

2 In questo senso, la critica di Birnbaum a Feuerbach secondo il quale la concezione di quest’ultimo non trasmetteva, infatti, attraverso la sua teoria, qual era l’oggetto di lesione criminalizzato dallo Stato.

3 Da ciò la ragione per cui il bene giuridico è tanto importante alla propria dogmatica penale, potendosi riassumere le sue più diverse funzioni dalla dottrina di Nilo Batista: “IL bene giuridico compie, nel diritto penale, cinque funzioni: 1ª assiomatica (indicatrice delle valutazioni che hanno presieduto la selezione del legislatore); 2ª sistematico-classificatoria (come importante principio che fondamenta la costruzione di un sistema per la scienza del diritto penale e come il più notevole criterio per il raggruppamento di crimini, adottato dal nostro codice penale); 3ª esegetica (ancora che non circoscritto a essa, è innegabile che il bene giuridico, come ha detto Anibal Bruno, è ‘l’elemento centrale del precetto, costituendosi importante strumento metodologico nell’interpretazione delle norme giuridico-penali); 4ª, dogmatica (in innumerevoli momenti, il bene giuridico si offre come un tappo epistemologico per la teoria del crimine: si pensi ai concetti di risultato,

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Essendo così, non tutto quello che costituzionalmente si trova consacrato dovrà essere, per forza, oggetto di tutela dal diritto penale, ma soltanto quello che il legislatore, dinanzi alle ansie sociali, ne eleggerà come degno, in ragione della sua maggior importanza. In fin dei conti, come adduce Fernandes,

[...] la Costituzione, come norma mater, proporziona un quadro da tener ovviamente conto nella definizione e selezione di quel catalogo di beni (necessariamente frammentario, una volta che non tutti i beni giuridici sono protetti) sui quali il diritto penale dovrà estendere il suo mantello protettore, innalzandoli alla categoria dei beni giuridici-penalmente rilevanti (FERNANDES, 2001, p. 83).

Sebbene non sia al sicuro dalle critiche, nell’accezione di garantita dottrina, la comprensione dei beni giuridicamente tutelati coinvolge quelli descritti da

presupposti indispensabili a una pacifica e libera convivenza dentro lo Stato, in cui i diritti fondamentali siano rispettati. Beni giuridici sono, quindi, la vita, l’integrità fisica, la libertà personale, l’autodeterminazione sessuale, ma anche, per esempio, il corretto funzionamento della giustizia o la protezione contro la contraffazione di valuta. Perché una vita sociale, libera e sicura, dipende dal fatto che questi (e molti altri) beni siano protetti contro i danni provenienti da attacchi altrui. L’inverso di questa concezione è quella dove condotte che solo contrastano la morale desta (come, per esempio, azioni contrarie al buon costume che persone adulte portano a termine con il consenso reciproco), così come azioni di autolesione e la cooperazione con loro non possono essere penalizzate senza altri motivi, poiché dove tutti sono d’accordo nessuno risulta lesionato, e la convivenza umana non è danneggiata. Per questo sono anche inammissibili la protezione di semplici tabu e i precetti penali ‘simbolici’ bisognosi di un concreto effetto di protezione giuridica (ROXIN, 2013, p. 290)

L’edito costituzionale dei diritti umani è una costante nel chiamato costituzionalismo contemporaneo che, per questo, sta “positivando” i diritti più cari alla persona umana come diritti fondamentali. Di lì si poter dire, senza alcuna esagerazione, che le posizioni giuridiche che reggono la vita del cittadino si trovano stampate sulla Costituzione.

In questo scenario, l’avvicinamento del diritto penale alla Costituzione è evidente, poiché essendo il mezzo più aggressivo di pacificazione sociale, perché capace persino di togliere la libertà delle persone, è soggetto alle regole limitatrici del potere statale, che si trovano incartate nelle Costituzioni.

Pertanto, non è possibile concepire che il diritto penale possa, con la sua aggressività, proteggere i beni giuridici che non siano all’altezza della sanzione

tentativo, danno/pericolo, ecc.); 5ª critica (l’indicazione dei beni giuridici permette, di là delle generalizzazioni legali, di verificare le concrete possibilità e finalità del legislatore, creando, le parole di Bustos, opportunità per ‘la partecipazione critica dei cittadini nella loro fissazione e controllo’)”. (BATISTA, 2004, p. 96-97).

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che possa essere applicata, essendo pertanto pertinente considerare che i beni tutelati dal diritto penale debbano, in maniera diretta o indiretta, trovare sostegno sulla propria Costituzione.

Questa è la ragione per cui Palazzo sostiene che il diritto penale “potrebbe munire legittimamente di tutela solo i beni costituzionalmente rilevanti, mentre per tutti gli altri il legislatore dovrebbe invece utilizzare strumenti di tutela extra-penale, amministrativa o civile, ecc.” (PALAZZO, 2008, p. 70). Non che tale accezione sia al sicuro dalle critiche centrate sull’idea che il bene giuridico, in un senso stretto e chiuso, potrebbe dettare le regole di quello che deve o no essere criminalizzato, oppure che dovrebbe vincolare il legislatore penale unicamente a causa della sua natura4. Tuttavia, il bene giuridico rappresenta, almeno nel caso concreto, “[...] il modello critico con il quale si deve verificare la legittimità della funzione del diritto penale [...]” (BECHARA, 2009, p. 4).

Come segmento del diritto, il diritto penale, come anche il diritto civile, il diritto commerciale, il diritto del lavoro, insomma, mira a garantire l’armonica convivenza degli esseri in società5. Se il diritto in un senso ampio mira a prevenire oppure a sopprimere i conflitti apparsi tra gli individui che compongono il corpo sociale, ciascuno dei suoi segmenti non cessa di possedere tale connotazione. È necessario stabilirsi, allora, il carattere differenziatore del diritto penale, che capita in ragione della sua natura sanzionatrice, per mezzo della sanzione penale.

Jescheck (1981), attento a questo carattere sanzionatore del diritto penale, chiarisce che esso compie una funzione protettiva della società. Evidenzia, inoltre, che il diritto penale realizza la sua missione mediante funzioni repressive, nel punire infrazioni già compiute per mezzo della pena, e preventive, nello stabilire, seguendo una concezione di prevenzione speciale che adotta, che la pena debba contribuire al rafforzamento, nella persona del condannato, del rispetto al diritto (JESCHECK, 1981, p. 4-5).

In questo contesto, enfatizza, denotando l’importanza del diritto penale e del suo compito regolatore, che “el Derecho Penal asegura la inquebrantabilidad del orden jurídico por medio de la coacción estatal” (1981, p. 4). Non si ferma qui, però: più avanti, dispone che il diritto penale mira a proteggere i beni imprescindibili per la vita in società e che, quando sono incorporati all’ordine giuridico, si trasformano in beni giuridici che si sottomettono, se sono di alta

4 Intendimento questo che riceve feroce critica da Baratta (1994, p. 10), secondo il quale la frammentazione delle aree di tutela in ciascuna sfera (civile, penale, ecc.) non dipende unicamente dalla natura dei beni, ma anche dalle situazioni che li danneggiano.

5 In questo senso, evidenzia Paulo Queiroz: “la funzione del diritto penale è qualcosa molto meno ambiziosa: consentire la convivenza sociale per mezzo dell’ordinazione pacifica dei conflitti. Come segnala WELZEL, non è funzione dello Stato intervenire nella realizzazione della giustizia indipendentemente dal fatto che sia necessario per la propria esistenza come comunità giuridica, una volta che lo Stato non punisce perché esista la giustizia nel mondo, ma perché ci sia giuridicità nella vita della comunità” (QUEIROZ, 2008, p. 28-29).

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importanza, – derivandone il carattere frammentario del diritto penale – alla protezione penale (1981, p. 9-11).

In linea con l’idea che il diritto penale si presta, realmente, alla protezione dei beni giuridici, evidenzia Assis Toledo:

Il compito immediato del diritto penale è, pertanto, di natura eminentemente giuridica e, come tale, si riassume alla protezione di beni giuridici. Ci è impegnato, in effetti, tutto l’ordinamento giuridico. E qui s’intravede il carattere sussidiario dell’ordinamento penale; dove la protezione di altri rami del diritto possa essere assente, fallire o rivelarsi insufficiente, se la lesione o esposizione a pericolo del bene giuridico tutelato presenta una certa gravità, fino a qui si deve estendere il manto della protezione penale, come ultima ratio regum. Non oltre a questo.(TOLEDO, 1994, p. 13-14).6

Si osserva, dunque, che la protezione al bene giuridico è, predominantemente, il campo scelto dai dottrinari per lavorare l’’idea della funzione del diritto penale’7. In verità, il diritto penale è eminentemente tipico e, essendo prodotto della valutazione del corpo sociale, traduce, nel processo di formazione del tipo, gli aspiri di una società in un determinato tempo e luogo. Da ciò spunta, primamente, che il diritto penale si rivela, dal suo carattere sanzionatore, una garanzia di preservazione ai beni che mira a proteggere e anche un ordinatore dei rapporti sociali umani.

Prevale, quindi, nella dottrina, l’intendimento che il diritto penale ha come missione la tutela dei beni giuridici che orbitano nella Costituzione8, sia perché ci si deve trovare un riferimento valutativo adeguato per cercare quello che si deve criminalizzare, sia perché l’interprete deve tenere in vista che non si può chiamare crimine quello che riguarda fatti che, anche se dotati di apparente tipicità, configurino il proprio esercizio dei diritti fondamentali. Da qui il riferimento limitativo e garante del bene giuridico, anche perché, secondo Hassemer,

la prohibición de una conducta mediante la amenaza penal cuando no se pueda invocar un bien jurídico sería terror estatal. No sería outra cosa que una injerencia en la liberdad de acción del indivíduo, respecto de la cual el Estado que produce la injerencia no puede decir con que fin realiza esta injerencia. Este ‘fin’ es el

6 Nella stessa opera, sulle pagine 6 e 7, l’autore cita la posizione di Bettiol sulla missione del diritto penale – tutela di beni, valori e interessi –, le posizioni di Engisch e Welzel – protezione dei valori etico-sociali –, quella di Wessels – protezione dei valori elementari della vita comunitaria e mantenimento della pace sociale –, e quella di Jescheck.

7 Bacigalupo (2005) illustra che, classicamente, la funzione del diritto penale si suddivide in due linee di pensiero: “[...] da un lato, si sostiene che il diritto penale ha una funzione metafisica, consistente nella realizzazione della giustizia; dall’altro, che il diritto penale ha una funzione sociale, caratterizzata dalla prevenzione del delitto al fine di proteggere certi interessi sociali riconosciuti dal diritto positivo (beni giuridici)”. (BACIGALUPO, 2005, p. 21)

8 Sebbene molti siano gli intendimenti contrari, nel senso che la nozione di bene giuridico è pre-costituzionale e, per questo, “secondo la Costituzione, le norme penali non sono soggette ad alcuna esigenza che si possa derivare dalla teoria del bene giuridico in materia penale ”. (BURCHARD, 2013, p. 35)

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punto que tradicionalmente aporta el concepto de bien jurídico. La injerencia en la libertad de acción no tendría un objeto legitimante del que pudiera derivarse su sentido.

En esa medida, la cuestión relativa a si pueden existir hechos punibles que no se refieran al padecimiento de um bien jurídico penal, es retórica. Pues el bien jurídico es el fundamento necesario y constitucional tanto para la concepción de un deber de protección como para la determinación de una barrera a la injerencia y su ponderación en lo particular (HASSEMER, 2005, p. 74).

La selezione, pertanto, di un bene giuridico-penale significa una valutazione positiva su un determinato bene o valore, un riconoscimento della sua rilevanza per l’essere umano e per la società. Poiché “la concettualizzazione materiale di bene giuridico implica il riconoscimento che il legislatore innalza alla categoria di bene giuridico, il che, nella realtà sociale, si mostra già come un valore. [...] Non crea i valori cui si riferisce, ma si limita a proclamarli [...]” (PRADO, 2013, p. 98).

In questo modo, il primo giudizio valutativo sul bene giuridico è realizzato dal costituente che, secondo la realtà sociale, orienta il secondo filtro del legislatore penale ordinario, arrivandosi al bene giuridico-penale.

È il motivo per cui, di fronte al paradigma costituzionale e delle sistemate richieste sociali della società contemporanea, il bene giuridico-penale può essere di ordine individuale o trans-individuale, di titolarità diffusa, carattere collettivo, e che raggiunge tutti i membri della collettività in modo indistinto.

In tempi moderni, la “complessificazione” sociale della società ingrandisce i beni giuridici meta-individuali, il che causa il sorgimento di beni giuridico-penali trans-individuali, i quali, secondo Luís Greco, “facilitano la vita del legislatore” (2012, p. 351), giacché “[...] giustificano incriminazioni e marchi penali che non sarebbero prima facie giustificabili se avessimo soltanto il bene giuridico individuale” (2012, p. 352-353).

Come osserva Hassemer:

Il complesso di responsabilizzazione così ideato, densificato e percepito, così come l’interesse della “società di rischio” nella minimizzazione dell’insicurezza e nel comando globale di processi complessi hanno raggiunto non solo la Politica criminale come anche la teoria del Diritto Penale e la teoria del bene giuridico (HASSEMER, 2008, p. 226).

Il bene giuridico-penale collettivo è accettato dalla dottrina per mezzo della teoria personale del bene giuridico, che lo considera legittimo a condizione che abbia come riferimento l’individuo. Tale teoria può essere concepita su due accezioni: una radicale, sostenuta soprattutto da Zaffaroni e Ferrajoli, e altra moderata, difesa principalmente da Hassemer (GRECO, 2012).

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Secondo la teoria personalista radicale, il bene giuridico collettivo sarà penalmente legittimo solo se avrà come riferimento diretto l’individuo, a partir dal contatto con interessi o diritti delle persone, il che, in un certo modo, possiede un’inclinazione alla divisibilità del bene collettivo.

La posizione personalista moderata, invece, intende anche che il bene giuridico –penale collettivo debba avere una relazione con l’individuo, ma in maniera indiretta, ossia, non è passibile di ripartizione per imputazione agli individui (GRECO, 2012).

Tuttavia, il fatto è che tali teorie, alla fine, limitano la dignità del bene giuridico trans-individuale, realità che oggi non può essere ignorata. Poiché, nelle parole del cattedratico di Coimbra, tali tesi sembrano incompatibili

con il riconoscimento di veri beni giuridici collettivi. Essi devono essere prima accettati, senza tergiversazioni, come autentici beni giuridici universali, trans-personali o sovra-individuali. Che anche questa categoria di beni giuridici possa ricondursi, in ultimo termine, a interessi legittimi della persona, ecco quello che non sarà lecito contestare. Il carattere sovra-individuale del bene giuridico non esclude di certo l’esistenza d’interessi individuali che ci convergono: se tutti i membri della comunità si vedono danneggiati da condotte potenzialmente distruttive della vita, ognuno di loro non smette individualmente di esserlo anche e di avere un interesse legittimo nella preservazione delle condizioni vitali. (DIAS, 2003, p. 52).

All’ambiente, trattato come bene giuridico trans-individuale, è che saranno dedicate le linee seguenti, in cui ne saranno analizzate le peculiarità della tutela penale come reclamo della società moderna e, perché non dire, anche come desiderio costituzionale dei Paesi moderni.

5 LA TUTELA PENALE DELL’AMBIENTE

La questione della tutela dell’ambiente, prima ancora di qualsiasi considerazione dogmatica sul modo come realizzarla, si riferisce alla propria vita degli esseri. Questo perché, come evidenzia Figueiredo Dias (2003), “in questione è la propria sussistenza della vita nel pianeta ed è necessario, se vogliamo offrire una chance ragionevole alle generazioni che verranno, che l’umanità diventi un soggetto comune della responsabilità per la vita” (DIAS, 2003, p. 46). Si tratta, dunque, di un bene la cui tutela diffusa è rivendicata da tutti, ma anche da ciascuno, anche perché l’essenzialità dell’ambiente per la vita è, infatti, una necessità individuale, la cui peculiarità della tutela è rivendicata anche come un diritto, o garanzia alla propria sopravvivenza, di ognuno.

D’ora in poi saranno intrecciate considerazioni sull’ambiente come bene giuridico di rilevanza penale e le peculiarità della tutela in questo ramo del diritto.

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5.1 Il bene gIurIdIco-penAle AmbIente

Con riferimento alla società contemporanea, Bauman rivela che, oggi,

il terreno sul quale si presume che le nostre aspettative di vita si basino è riconosciutamene instabile – come sono i nostri posti di lavoro e le imprese che li offrono, i nostri partner e le nostre reti di amicizia, la posizione che godiamo nella società più ampia e l’autonomia e l’autosufficienza che accompagnano. Il’progresso’ che è già stato la manifestazione estrema dell’ottimismo radicale e una promessa di felicità universalmente condivisa e permanente, si è allontanata totalmente verso il polo opposto, distopico e fatalista dell’anticipazione: esso adesso rappresenta la minaccia di un cambiamento inesorabile e ineludibile che, invece di augurare la pace e la tranquillità, annunciano soltanto la crisi e la tensione e impedisce che ci sia un momento di riposo (BAUMAN, 2007, p.16).

Si evidenzia che l’incertezza e la volatilità non solo del capitale, ma dei propri rapporti tra gli esseri, è una caratteristica oggi marcante della società. Non si vuole dire qui che la vita, in passato, producesse, per sé, la sicurezza degli esseri rispetto al rischio del destino; il che si vede oggi, tuttavia, è un grande accorciamento, un maggiore stringimento del contatto dell’uomo con i rischi imposti dal nuovo modo di vita globalizzato, il che mette alla prova la propria vita umana.

Così, le sfumature della vita moderna, o postmoderna, sono richieste che s’impongono agli Stati come atte a essere regolate in vista del proprio mantenimento della pacificazione sociale, il che non può scappare dal campo di azione delle nuove politiche criminali, anche se si riconosce che il granaio di produzione delle norme penali ha tenuto tradizionalmente in conto il paradigma antropocentrico, eminentemente individualista.

La tutela dei beni giuridici più cari alla società, base sulla quale si difende il minimo intervento del diritto penale, è, per eccellenza, il punto di partenza per la comprensione di quello che deve o no essere oggetto di tutela di questo ramo del diritto. Ed è in questo contesto d’importanza del bene da tutelare che non può essere ignorato un qualsiasi ruolo al diritto penale nelle questioni concernenti alla propria sussistenza della vita planetario, il che giustifica anche il fatto che i beni, per eccellenza indispensabili alla sussistenza del proprio uomo, restino fuori dal campo di azione del diritto penale.

Su questa perspettiva, l’ambiente, in ragione della sua indispensabilità per la sopravvivenza delle presenti e future generazioni, sorge non solo come un bene la cui tutela è rivendicata dal diritto nel suo complesso, ma anche dal diritto penale in particolare.

La predisposizione del bene giuridico-penale si trova direttamente legata al suo valore sociale-costituzionale. Siccome il diritto penale protegge i beni giuridici più cari alla società contro le forme più gravi di lesione o minaccia

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di lesione, s’intende, come regola, e come già evidenziato nell’argomento precedente, che la garitta costituzionale di questi beni giuridici è imperativa, il che, nell’ambito delle costituzioni moderne, sta ricevendo grande attenzione dai più diversi Paesi, anche riguardo al mandato di criminalizzazione.

In Brasile, la Costituzione Federale del 1988 ha stabilito il mandato di criminalizzazione riguardante l’ambiente nel §3º dell’art. 225:

Art. 225. Tutti hanno diritto all’ambiente ecologicamente equilibrato, bene di utilizzo comune del popolo ed essenziale alla sana qualità di vita, imponendosi al Potere Pubblico e alla collettività il dovere di difenderlo e di preservarlo per le presenti e future generazioni.

[...]

§ 3º – Le condotte e attività considerate lesive all’ambiente sottoporranno i trasgressori, persone fisiche o giuridiche, a sanzioni penali e amministrative, indipendentemente dall’obbligo di riparare i danni causati (grassetto dell’autore).

Come stabilito nel secondo argomento, Portogallo, Spagna, Francia e Italia, sia in ambito costituzionale, sia per il riconoscimento delle Corti Supreme, ritengono ugualmente l’Ambiente diritto fondamentale, degno, pertanto, anche dalla sua importanza per la propria vita, delle più svariate fonti di tutela, tra le quali la penale.

In questo senso, l’affermazione del diritto all’ambiente come diritto umano fondamentale suona come voce corrente internazionale, meritando, anche se le scienze penali stiano trattando, sotto l’inclinazione dei diritti individuali, la sua dogmatica secolare, una preoccupazione del legislatore rispetto alla confezione di tipi penali incriminatori e di pene più adeguate alla caratteristica diffusa del bene tutelato.

Si evidenzia, però, che la difficoltà nell’accettarsi che il bene giuridico diffuso possa essere oggetto di tutela penale non si riferisce alla sua ammissione come oggetto materiale della condotta umana. Anzi, a questo proposito, gran parte dei codici penali mondiali del secolo passato riportavano già, ad esempio, i crimini di incendio e di epidemia come infrazioni penali di protezione alla società e degli interessi trans-individuali9. L’idea che un’autoregolazione possa poi risolvere le questioni affette alla post-modernità è tema superato, anche perché significherebbe chiedere “al mercato – in verità, il più autentico produttore di difficoltà e mancanza di speranza della società tecnica industriale – il rimedio per la malattia che lo stesso ha inoculato” (DIAS, 2003, p. 47), “il che porterebbe alla rinuncia di un modello di vita che ha fatto del consumo il proprio motore e dell’aumento della produzione l’orientatore di quasi tutta la conoscenza” (DIAS, 2003, p. 47).

9 Nel caso brasiliano, dal decennio 40 dello scorso secolo, il Codice Penale riportava già le figure dell’incendio (articolo 250) ed epidemia (articolo 267) come esempio dei chiamati crimini contro l’incolumità pubblica.

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La grande questione si riferisce al fatto che la magnitudine del bene giu-ridico diffuso reclama azioni prognostiche e non retrospettive, il che significa dire che il diritto penale deve rinunciare all’idea di lesività come un principio basilare che reclama danno effettivo – e, così, passato – al bene giuridico tute-lato. Questa la sfida da superare, una volta che, per tradizione, il diritto penale risale al passato, il che ha portato Cornelius Prittwitz a sostenere, nel Congres-so sulla Globalizzazione, Rischio e Ambiente, realizzato a Granada, Spagna, che “il Diritto Penale è l’unico ramo del Diritto che non conosce sentenze di-rezionate esplicitamente al futuro” (2013, p. 63). Comunque, come sostiene Figueiredo Dias, tocca alla dogmatica penale adattarsi al nuovo della vita, e non l’incontrario. Ormai,

Non ci sarà più luogo per un pensiero che, come il gufo, spicca il volo solo al crepuscolo, che lascia che le cose succedano per solo dopo cercare di porci rimedio e il cui intervento è, essenzialmente, retrospettivo e non prospettivo, conservatore e non propulsivo, annichilante e non protettore delle vittime del sistema, che siamo tutti noi (DIAS, 2003, p. 47).

Non si tratta, però, di compito semplice, giacché la tradizione individualista di tutela del bene giuridico ingessa la dogmatica penale in tal modo da contemplare la responsabilità penale soggettiva come quella che, senza eccezioni, dev’essere adottata dal diritto penale. È necessario, tuttavia, non ignorare che l’uomo è un essere sociale e che la viabilità, tanto quanto il più possibile, dei sistemi di protezione collettiva di fronte alle esigenze post-moderne di vita in una società globalizzata orienta la necessità di una nuova politica criminale.

La tutela penale dei beni giuridici di natura diffusa riguarda, quindi, la propria vita del diritto penale, che possiede, come ramo del diritto che è, una funzione precipua di pacificazione sociale in una società che vede, sempre di più, l’esistenza di conflitti coinvolgendo beni giuridici collettivi e diffusi, come quelli che implicano l’aggressione all’ambiente.

Essendo così, non è dato al diritto penale il privilegio di ignorare l’esistenza di nuovi beni giuridici che, in maniera frammentaria e sussidiaria devono essere oggetto di tutela penale. Da ciò potersi persino sostenere che nuovi interessi, nel seguente modo considerati da Sánchez (2011), conducono a una nuova politica criminale che deve dar luogo alla tutela dei beni giuridici collettivi. Poiché,

el derecho penal es un instrumento cualificado de protección de bienes jurídicos especialmente importantes. Sentado esto, parece obligado tener en cuenta la posibilidad de que su expansión obedezca, al menos en parte, ya la aparición de nuevos bienes jurídicos – de nuevos intereses o de nuevas valoraciones de intereses preexistentes –, ya al aumento de valor experimentado por algunos de los que existian con anterioridad, que podria legitimar su protección a través del Derecho penal. Las causas de la probable existencia de nuevos bienes jurídico-

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-penales son, seguramente, distintas. Por un lado, cabe considerar la conformación o generalización de nuevas realidades que antes no existian – o no con la misma incidencia –, y en cuyo contexto ha de vivir la persona, que se ve influida por una alteración de aquéllas (SÁNCHEZ, 2011, p. 11).

Se, ad esempio, l’ambiente, come bene giuridico diffuso il cui equilibrio è oggi reclamato come condizione della propria sopravvivenza umana, delle presenti e future generazioni, non potesse essere tutelato dal diritto penale, come sarebbe possibile sostenere che esso, essendo ramo del diritto, fosse strumento di pacificazione sociale e, più particolarmente, di difesa dei beni giuridici più importanti per la società?

Non c’è dubbio, pertanto, che, in ragione della sua suprema importanza, l’ambiente dev’essere oggetto di tutela dal diritto penale come diritto diffuso e che riguarda anche l’uomo come persona. Questa è la nota dominante, come si dice, negli ordinamenti dei più svariati Paesi. Tuttavia, se la tutela ambientale dev’essere trattata dal diritto penale, la difficoltà maggiore è stabilire la forma per la quale essa dovrà essere fatta perché i risultati siano effettivi e giustificati.

5.2 lA tutelA penAle: peculIArItà e perspettIve

Il diritto penale, come disciplina consacratrice della responsabilità soggettiva e ripiena di principi e regole che consacrano una dogmatica secolare, affronta, nella modernità, sfide provenienti da stimoli sociali imprecisi e oscillanti, i quali si propagano in movimenti razionali e discontinui. La “giuridizzazione” del fenomeno ecologico, così come l’esaltazione dei beni giuridici di natura diffusa progetta questo spettro indeterminato sul Diritto Penale, che deve rispondere alle richieste sociali attraverso un sistema punitivo sicuro, delimitato da garanzie materiali e processuali precise.

La Matematica, scienza-matrice della civilizzazione, tratta l’incertezza come fenomeno atavico, cioè, di carattere naturale, innato alla percezione umana. Aristotele, citando Zenone, strutturava già la premessa che “se le cose sono molte, le cose esistenti sono infinite, poiché ci sono sempre cose tra le cose esistenti e, nuovamente, altre cose tra quest’altre. Essendo così, le cose esistenti sono infinite” (CARVALHO, 2010, p. 59-60).

Dalla nozione d’“infinità”, si deduce l’imprecisione della percezione umana, punto che fondamenta la fallibilità. L’impegno sociale nel normalizzare è naturalmente attaccato a quello di cui si ha coscienza. Da questa costatazione, s’inferisce che si può reggere giuridicamente solo quello che si conosce, anche se da questa conoscenza deriva l’ignoranza o lo stesso “non sapere”.

È la ragione dello sconoscimento, delle perspettive della chiamata punizione ex ante, della peculiarità del bene giuridico diffuso al fine del raggiungimento della responsabilità penale del nemico dell’ambiente e della

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confezione stessa della norma penale, che nutriscono le sfide intraprese al legislatore al fine di garantire la tutela di un bene giuridico che, allo stesso tempo, è diffuso e individuale.

Il diritto penale, di secolare tradizione individualista, si vede nel compito di direzionare il suo campo di attuazione per la protezione dei beni giuridici che vanno oltre la persona umana, nonostante ci siano direttamente legati.

Da ciò decorre una serie di conseguenze, come se non bastassero le difficoltà già tradizionali della dogmatica penale tradizionale-secolare, e che riguardano la trasformazione stessa dei tipi penali in tipi “amministrativati”, con grande incidenza di elementari che risalgono al diritto amministrativo, esattamente perché esigono, nei comandi normativi più aperti (norme penali in bianco), disciplina alloggiata in altri diplomi normativi, provenienti o no dal Potere Legislativo. Non è, però, solo questo, poiché la natura del diritto in esame non ammette che il danno avvenga perché il diritto penale sia soltanto e semplicemente retrospettivo, poiché qui importa la tutela effettiva dell’ambiente e che è in contrasto col danno come presupposto di tutela. Da ciò la non occorrenza di delitti che hanno un legame tra la condotta e l’offesa al bene giuridico relativamente debole, ma che diventano imperiosi perché il diritto, e soprattutto quello penale, abbia posto e voce nella difesa di una società nella quale

tanto nel dominio dei principi, quanto in quello degli effetti o conseguenze, non ci sarà più luogo per un pensiero che, come il gufo, spicca il volo solo al crepuscolo, che lascia che le cose succedano per dopo cercar di porci rimedio e il cui intervento è, per questo, essenzialmente retrospettivo e non prospettivo, conservatore e non propulsivo, annichilante e non protettore delle vittime del sistema, che siamo tutti noi (DIAS, 2003, p. 47).

Dall’altra parte, non si possono ignorare le difficoltà naturali concernenti alla responsabilità penale della persona giuridica, esattamente quella che più minaccia o danneggia l’ambiente, che però, alla luce della risposta penale propriamente detta, non può vedere limitata la sua libertà, e che, per molti, non possiede, dalla sua natura unicamente giuridica, capacità di responsabilità soggettiva giacché non emette volontà di per sé, e neanche la capacità di colpabilità.

Per quanto riguarda la norma penale atta alla tutela dell’ambiente, la grande richiesta per l’intervento penale, marcatamente alla luce di quella caratterizzata da Sánchez come società di oggettiva insicurezza (2011, p. 37)10,

10 “La società post-industriale è non solo una ‘società di rischio’ tecnologico, ma una società con altre caratteristiche individualizzanti che contribuiscono alla sua caratterizzazione come società di ‘obiettiva’ insicurezza. Innanzitutto, si deve precisare che l’impiego dei mezzi tecnici, la commercializzazione di prodotti o l’‘utilizzo di sostanze i cui possibili effetti nocivi sono ancora sconosciuti e, in ultima analisi, si manifesteranno anni dopo la realizzazione della condotta, introducono un importante fattore d’incertezza nella vita sociale. Il cittadino anonimo dice: ’Ci stanno uccidendo, ma non riusciamo ancora a sapere con certezza né chi, né come, o a quale ritmo ’”. (SÁNCHEZ, 2011, p. 37).

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rivela, alla fine, nel modo della legge, una certa fuga dalla secolare caratteristica di tassatività e una conseguente maggiore permissività nella confezione di norme dai contenuti proibitivi più aperti, soggetti alla accessorietà amministrativa evidenziata dinanzi al carattere diffuso del bene giuridico tutelato. La maggior richiesta al diritto penale proporziona, alla fine, un movimento espansionista che, in Spagna, è avvenuto nel 1995 e che è stato oggetto delle seguenti considerazioni di autori iberici:

Tale espansione è di certo una caratteristica innegabile del Codice Penale spagnolo del 1995, e la valutazione positiva che importanti settori dottrinari stanno realizzando dello stesso lascia patente come la topica fuga (selettiva) verso il Diritto Penale non sia soltanto un problema di legislatori superficiali e frivoli, ma che comincia ad avere una copertura ideologica della quale aveva bisogno fino a poco tempo fa. In ogni caso, il legislatore del 1995, in effetti, non ha potuto sottrarsi neanche a un riconoscimento espresso – anche se parziale – da questo fenomeno, nell’alludere, sull’Esposizione dei Motivi del testo legale, all’esistenza di una ‘antinomia tra il principio dell’intervento minimo e le crescenti necessità di tutela in una società sempre più complessa’, antinomia che si risolverebbe nel testo, secondo il proprio legislatore, ‘dando prudente accoglienza a nuove forme di delinquenza, ma eliminando, allo stesso tempo, figure di delitto che hanno perso la loro finalità’ (SÁNCHEZ, 2011, p. 28).

In Italia, nonostante l’esistenza di sovrabbondanza di disposizioni concernenti l’ambiente, nel campo penale, si ha:

Il tema dell’ambiente e della sua tutela, a lungo ignorato dalla dottrina penalistica, soltanto negli ultimi decenni è stato affrontato con la meritata attenzione che ha finalmente permesso l’individuazione di una nozione di riferimento, e del più corretto modello d’incriminazione da utilizzare in sede penale. Nella legislazione italiana, la tutela penale dell’ambiente non ha mai trovato una sistemazione sistematica di riferimento, esistendo una serie indeterminata di norme inserite in leggi speciali, ciascuna volta a reprimere fenomeni di aggressione degli elementi essenziali dell’ambiente, quali ad esempio l’acqua, l’aria, il suolo, il sottosuolo e il paesaggio: ancora più ardua diventa la ricerca, se si mira a individuare una norma che si occupi espressamente della tutela dell’ambiente nella sua genericità e unità. (COLOMBINO, 2012, online).

E ancora:

Nel diritto penale dell’ambiente in vigore in Italia, le singole fattispecie assai di rado tipizzano direttamente condotte di alterazione dell’equilibrio ecologico94, prediligendo, invece, forme d’incriminazione ricostruite intorno al requisito dell’inosservanza di precetti amministrativi, al cui rispetto è subordinato lo svolgimento di attività considerate pericolose, per le quali il potere amministrativo stabilisce regole di condotta, pretendendone titoli abilitativi, concessivi o meramente autorizzatori. […] È ancora il diritto comunitario che impone un cambiamento nella disciplina attraverso l’adozione della direttiva 2008/99/CE. Era (ed è) largamente condivisa in dottrina l’idea che dall’attuazione della direttiva potesse derivare un espressivo miglioramento del livello di effettività del nostro sistema penale. Al

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momento gli spunti di riforma suggeriti dall’intervento europeo hanno trovato un riscontro solo parziale. L’implementazione interna delle disposizioni europee è ancora ferma a uno stadio iniziale: nello specifico, la legge delega 4 giugno 2010, n. 96 del 2010 ha portato all’adozione del (primo?) decreto legislativo 7 luglio 2011, n. 121, di cui a breve. (GUCCIONE, 2013, p. 45).

Anche in Brasile il movimento espansionista non è stato al riparo dalle critiche, essendo la Legge di Crimini Ambientali (Legge 9605/98) solitamente bollata di prolissa, casuistica e tecnicamente imperfetta (PRADO, 2013). Si tratta, infine, di legge abbondante in tipi penali che richiedono complementazione dall’organo amministrativo per il perfezionamento della condotta penalmente censurata. È il caso degli articoli 29, § 4º, I e IV; 34, caput e paragrafo unico, I e II, 35, I e II, 36, 37, IV, 38, 45, 50, 42, 56, 62, I, tutti della Legge 9605/98.

Si osserva, quindi, che nel caso si tratta di problemi affetti al diritto penale come disciplina di costruzione dogmatica mondiale, e non un problema tipico di questo o quel Paese. Sono, dunque, sfide dallo spettro macro, di natura oltre frontiere, e che richiedono la costruzione di una dogmatica particolarizzata effettivamente capace di tutelare il bene giuridico di natura diffusa.

Vale però avvertire che le trasformazioni sollecitate da un diritto penale che consacra la tutela del bene diffuso ambiente non passa, per forza, attraverso la moltiplicazione di leggi penali, come se il diritto penale fosse una vera panacea, capace di gerire tutti i problemi del mondo contemporaneo. È fatto che, d’immediato, l’effetto diretto della produzione legislativa in materia penale nella società di rischio (BECK, 2010) produce apparente effetto tranquillizzante a una collettività che, nelle parole di SÀNCHEZ (2011), è oggi sempre più consumistica dell’intervento penale. Tuttavia, il diritto penale non può essere semplicemente simbolico, ma deve garantire, nel modo più effettivo possibile e nei limiti di tolleranza dell’intervento, la tutela dei beni giuridici più espressivi, dei diritti e garanzie individuali e collettive, giacché, nelle parole di Queiroz (2008), che si riferisce a García-Pablos de Molina,

un diritto penale simbolico manca di ogni legittimità poiché manipola la paura del delitto e dell’insicurezza, reagisce con rigore non necessario e sproporzionato e si preoccupa esclusivamente di certi delitti e trasgressori, introduce infinite disposizioni eccezionali, nonostante la sua inefficacia o impossibile adempimento e, a medio termine, scredita il proprio ordinamento, minando il potere intimidatorio delle sue prescrizioni (QUEIROZ, 2008, p. 52).

Si deve evidenziare, comunque, che, dinanzi alla peculiarità diffusa del bene giuridico penalmente tutelato, la sfida sussiste nell’utilizzo della tecnica legislativa, che deve, allo stesso tempo, contemplare la protezione ambientale (e in quest’aspetto non è possibile scappare dall’appello al diritto amministrativo) e, trattandosi di norma penale, non fuggire dai suoi postulati tradizionali secolari. Definire i precisi limiti dell’equilibrio non è, tuttavia, compito facile. Figueiredo Dias rileva, però, che spetta al Diritto Penale una speciale funzione nelle nuove

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richieste sociali, nelle quali s’inseriscono la difesa dell’ambiente. Infine, come esterna il rispettato professore di Coimbra, la

molteplicità di condotte pericolose per le condizioni fondamentali di vita delle generazioni future, nella complessità che possono poi prendere e nella costante modificazione alla quale, a causa dell’evoluzione tecnologica, sono sottomesse, conduce a che, effettivamente, i delitti collettivi, come si vuole che in definitivo tipicamente si costruiscano, si trovino sottomessi a una clausola di accessorietà amministrativa. Vale a dire che il contenuto integrale dell’illecito solo può rivelarsi, in ultima analisi, anche in funzione di norme senza dignità penale. L’accessorietà amministrativa suscita alla dogmatica giuridico-penale, è vero, un lungo corteo di problemi, per alcuni dei quali ancora a malapena s’intravedono soluzioni consensuali. A questo punto, però, sarebbe anche salutare cominciare a fondamentare su una tanto antica quanto buona verità: quella che non sono le valutazioni politico-criminali che devono subordinarsi al lavoro (e alle difficoltà, e alle limitazioni in ogni momento storico) della dogmatica ed essere da esso condizionate, anzi è la dogmatica, come puro mezzo costruttivo-strumentale, che deve servire le proposizioni politico-criminali e a esse adeguarsi (DIAS, 2003, p. 55-56).

Si tratta, come detto, di compito arduo, giacché oltre alla peculiarità della norma rispetto alla chiamata accessorietà amministrativa, la frammentarietà e sussidiarietà del diritto penale devono farsi presenti visto la concezione di ultima ratio della legge penale. Nel caso brasiliano, preso come esempio in ragione dell’esistenza di legge specifica sulla tutela penale dell’ambiente (Legge 9605/98), si osserva nitidamente la prodigalità di delitti che riflettono la peculiarità della norma ambientale, ma che, tuttavia, potrebbero trovare sede adeguata nell’ambito extra-penale. In questo senso:

Di pronto, resta fondamentato il suo carattere altamente criminalizzatore, visto che erige alla categoria di delitto una grande quantità di comportamenti che, a rigore, non sono altro che semplici infrazioni amministrative o, al massimo, delle contravvenzioni penali, in totale dissonanza con i principi dell’intervento minimo e dell’insignificanza (v.g.. art. 32, 33, III, 34, 42, 44, 29, 52, 55, 60, ecc.) (PRADO, 2013, p. 164.)

Le sfide, pertanto, si riferiscono non solo alla difesa della tutela penale dell’ambiente, ma anche e soprattutto come, alla luce della peculiarità del diritto umano diffuso ambientale, effettivamente tutelarlo con leggi adeguate e che contemplino, rispettato il grado di determinabilità dell’illecito, la possibilità di punire ex ante perché il danno, a volte irreversibile, sia evitato.

Dall’altro lato, non si deve ignorare che i diversi segmenti del diritto e, di conseguenza, il proprio diritto penale come tale, sono oggi domandati a rispondere ai pericoli e danni imprevedibili e non interamente classificati nelle coordinate conosciute di tempo e spazio. Inoltre, il carattere sopranazionale del bene giuridico, alla fine, esige richieste legate alla globalizzazione e d’integrazione sopranazionale nella difesa di un bene che non appartiene a

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un individuo e neanche a uno Stato in particolare, ma a tutta la comunità, che reclama parametri più adeguati di punibilità, con la frequenza necessaria per la propria punizione dell’attività aziendale, quella che più aggredisce l’ambiente, specialmente perché, in gran parte, l’aggressione all’ambiente pattuisce con gli interessi spuri di determinata impresa.

Occorre, pertanto, ripensare, nell’ambito delle perspettive per un diritto penale che effettivamente risponda alle richieste della tutela dell’ambiente come diritto umano consacrato in gran parte degli ordinamenti, come diritto fondamentale.

il problema della responsabilità, ossia, assumere che la questione della responsabilità penale non può passare soltanto per l’ammissione della responsabilità individuale, e se è certo che già nella società industriale questo problema è stato posto, importa approfondirlo in modo ad ammettersi non solo la responsabilità degli enti collettivi, ma anche un più efficiente legame tra questa responsabilità e la responsabilità per attuazione in nome di altri, cosi come altre forme di responsabilità che eventualmente siano dichiarate convenienti, per evitarsi l’impunità dei veri trasgressori.

Perciò che diventi necessario riflettere su tutta la problematica inerente all’imputazione, all’autorialità, ma proprio anche alla colpa, soprattutto per quanto riguarda la distinzione tra dolo e negligenza, cosi come all’omissione, che acquisirà certamente una maggior rilevanza e, soprattutto, al pericolo, quest’ultimo come categoria indissociabile del rischio.

Come importerà anche riflettere sul bene giuridico. Sembrandoci evidente che il tradizionale bene giuridico, di natura liberale, individuale, non può qui rispondere alle esigenze imposte da azioni dannose o pericolose che allo stesso tempo possano creare danni o pericoli diffusi, collettivi, sovra-individuali, o persino multi-individuali (di radice individuale, ma moltiplicati per parecchi individui) (FERNANDES, 2001, p. 27-28).

Così, se si esige dal diritto penale la tutela in maniera effettiva dei beni giuridici più importanti e, se l’ambiente, diritto umano considerato fondamentale in gran parte dei Paesi, è meritevole di tale tutela, si ha come premessa e dinanzi alla perspettiva di un diritto penale che abbia posto e voce in futuro e di un ambiente che sia da esso tutelato in modo effettivo, l’impiego di sforzi, in ambito mondiale, in grado di capacitare la dogmatica penale alle nuove sfide della tutela del bene giuridico collettivo.

È necessario, di fronte alla rottura dei paradigmi nazionali, creare Tribunali Internazionali specifici per la tutela dell’ambiente in ambito penale e, senza qualsiasi ordine di tergiversazione, permettersi, con i necessari adattamenti dogmatici che possano essere cogenti, la responsabilità penale della persona giuridica, che, certamente, è quella che più aggredisce l’ambiente, non solo dinanzi allo scopo lucrativo societario, ma anche perché è la più ben dotata di risorse per portare avanti i suoi propositi.

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Rispetto alla norma, se si rendono necessarie le clausole amministrative, che si permetta, come conditio sine qua non di ottimizzazione della tutela penale, delitti che siano completati da precetti amministrativi, questo, chiaro, rispettata la necessità della tutela penale, la specificità della tutela penale e i caratteri minimi della determinabilità dell’illecito perché non si perda tutta la gamma di regole e principi assicuratori di sicurezza giuridica che la dottrina penale, per secoli, è riuscita a costruire.

Che si rompano, con responsabilità, i paradigmi classici in nome della miglior tutela di un bene giuridico che concerne alla propria vita degli esseri delle presenti e future generazioni e che, per questo, esige il diritto penale come effettiva garanzia, costituzionalizzata nelle più delle volte, di un diritto che si presenta allo stesso tempo come individuale e diffuso.

6 CONSIDERAZIONI FINALIPoiché imprescindibile alla vita degli esseri delle presenti e future

generazioni, l’ambiente è materia trattata in importanti documenti internazionali e, parlando in maniera dottrinale, classificato come diritto umano di terza generazione.

Sebbene in passato non meritasse la dovuta attenzione dei Paesi, oggi, in ragione della preoccupazione per la scarsità delle risorse naturali di fronte all’incontrollato sfruttamento dall’uomo, le Costituzioni moderne già dispongono sulla tutela dell’ambiente, sede in cui esso è considerato, ordinariamente, diritto fondamentale, quando non espressamente, attraverso l’interpretazione che si danno a esse (Costituzioni) dai Tribunali Supremi.

Considerato, quindi, dalla sua importanza, diritto umano e fondamentale, l’ambiente è bene giuridico con dignità sufficiente perché sia tutelato dal diritto penale. Tuttavia, si tratta di bene peculiare poiché è, allo stesso tempo, un diritto-garanzia individuale e diffuso, perché direttamente legato alla vita di ciascuno degli esseri e, allo stesso tempo, di tutti, delle presenti e addirittura delle future generazioni.

Tuttavia, tale peculiarità del bene giuridico ambiente fa sì che il diritto penale, abituato dalla dogmatica secolare alla tutela del bene giuridico di titolarità individualizzata, deva ricevere gli influssi del nuovo, in modo a consacrare una struttura tipica, volta alla protezione ex ante delle condotte che mettano in pericolo astratto di danno il bene giuridico e che sia contemplata da complementi provenienti dal diritto amministrativo.

Benché deva adeguarsi per l’efficiente tutela ambientale, la modificazione dogmatica finisce per generare, come pericoloso effetto collaterale, il maggior espansionismo penale dinanzi ai reclami per più intervento penale. Questo causa, a volte, inflazione legislativa non necessaria e culmina, in ragione dell’inosservanza del carattere frammentario e sussidiario del diritto penale, nella criminalizzazione delle condotte la cui tutela sarebbe sufficiente per altri

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rami del diritto, ad esempio di quello che è successo in Brasile con la chiamata legge dei crimini ambientali (Legge 9605/98).

Di fronte a ciò, si difende un intervento penale responsabile, capace di, senza distorcere il carattere di ultima ratio del diritto penale, trasformarlo in strumento costituzionale di difesa dell’ambiente, quello che si propone sia consacrato in ambito internazionale con la creazione di Tribunali Internazionali che puniscano crimini ambientali davanti alle azioni oltre-frontiere, anche di persone giuridiche, quelle appunto che, per l’adempimento dei loro desiderati contrattuali e perché aventi risorse finanziarie più robuste, sono quelle che più aggrediscono l’ambiente.

Si propone, dunque, che, come strumento di garanzia di un diritto d’importanza individuale e diffusa, sia l’ambiente ampiamente tutelato dal diritto penale, strumento costituzionale di difesa dei beni giuridici più importanti. Si difende, tuttavia, che l’intervento sia responsabile e che sia limitato all’effettivamente necessario.

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Parte Geral – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 79, 2018, 96-122, jan-fev 2018

Uma Leitura sobre a Fiscalização da Constitucionalidade na Constituição Portuguesa1

A Reading on the Supervision of Constitutionality in the Portuguese Constitution

DORA RESENDE ALvESDoutora em Direito pela Universidade de Visgo‑Espanha, Professora da Universidade Portuca‑lense Infante D. Henrique.

JOSé AUGUSTO SILvA LOPESPós‑Graduação em Direito pela Universidade de Coimbra, Professor da Universidade Portuca‑lense Infante D. Henrique.

RESUMO: O Estado de Direito, na sua evolução, veio criar mecanismos de interdependência entre os poderes clássicos. Assim surge a justiça constitucional, que, no caso português, tal como a conhece‑mos hoje, se desenha com a criação, em 1983, do Tribunal Constitucional. Diversos são os momentos e locais da fiscalização da constitucionalidade na Constituição da República Portuguesa. Atendendo aos pressupostos e objectivos, e considerando a natureza embrionária deste estudo, foi desenhada uma metodologia que se concentra na revisão da literatura sobre os vários temas abordados, com especial enfoque da questão nos conceitos do Direito Constitucional geral e particular português. Dedutivamente, será, assim, possível inferir o contributo do texto constitucional português para a matéria. O estado da arte, de pendor teórico‑académico, será coadjuvado e consolidado por meio da interpretação normativa e jurisprudencial sistemática e metodologicamente seleccionada dos textos legais nacionais. O intuito é situar o leitor no tema da fiscalização da constitucionalidade em Portugal.

PALAVRAS‑CHAVE: Fiscalização; constitucionalidade; Constituição.

ABSTRACT: The rule of law, in its evolution, has created mechanisms of interdependence between the classic powers. Thus arises the constitutional justice that, in the Portuguese case, as we know it today, is drawn with the creation in 1983 of the Constitutional Court. Several are the moments and places of the review of constitutionality in the Constitution of the Portuguese Republic. In order to meet the assumptions and objectives, and considering the embryonic nature of this study, a metho‑dology was designed that focuses on the literature review on the various topics addressed, with a special focus on the concepts of general and particular Portuguese Constitutional Law. Deductively, it will thus be possible to infer the contribution of the Portuguese constitutional text to the matter. The state of the art, theoretical and academic, will be assisted and consolidated through systematic and

1 Conforme palestra proferida no XXVIII Curso de Preparação para o Exame de Admissão ao Centro de Estudos Judiciários de 2016/2017 na Universidade Portucalense Infante D. Henrique, em novembro de 2016.

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methodologically selected normative and jurisprudential interpretation of national legal texts. The aim is to situate the reader in the subject of the review of constitutionality in Portugal.

KEYWORDS: Review; constitutional; Constitution.

SUMÁRIO: 1 Apresentação; 2 A fiscalização preventiva; 3 A fiscalização sucessiva; 4 A fiscalização sucessiva concreta; 5 A inconstitucionalidade por omissão; 6 Nota final; Referências.

1 APRESENTAÇÃOComo breve apresentação, o objectivo presente é trocar algumas impres-

sões sobre a fiscalização da constitucionalidade, conforme tema indicado para estudo na preparação para o exame de ingresso no Centro de Estudos Judi-ciários2.

A justiça constitucional, criação resultante da evolução do Estado para Estado Social e Democrático de Direito, é exercida nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da lei e compete ao Tribunal Constitucional e aos tribunais comuns3. A instituição do Tribunal Constitucional, realizada pela revisão constitucional de 19824, traz um conjunto de modalidades de controlo judicial da constitucionalidade e de certas formas de ilegalidade5.

A fiscalização pode ser preventiva ou sucessiva e, aqui, os termos do direito costumam complicar. Mas era necessária, de facto, essa tarefa de deter-minar um critério para a identificação, acrescentando-se que, no que se refere à distinção, o que conta é o momento.

Se o diploma já foi publicado no Diário da República6, a fiscalização é sucessiva, mas, se ocorrer antes dessa publicação, é, então, preventiva. Mas

2 O tema consta do último Aviso nº 320-A/2017 publicado no Diário da República, 2ª série, nº 5, de 6 de fevereiro de 2017, p. 738(6) a (13), com o Concurso de ingresso no curso de formação inicial de magistrados para os tribunais judiciais. Disponível em: <https://dre.pt/application/file/a/105726362>.

3 Artigos da Parte IV, Título I, da CRP e Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/1982 pelo art. 224.º, n.º 1, da CRP.

Sobre a competência dos tribunais nos arts. 3.º, n.º 2, 221.º, 223.º, n.º 1, e 204.º da CRP e 6.º da Lei do Tribunal Constitucional.

4 Lei Constitucional nº 1/1982, de 30 de setembro.5 António de Araújo e J. A. Teles Pereira, “A justiça constitucional nos 30 anos da Constituição portuguesa:

notas para uma aproximação ibérica”, Jurisprudência Constitucional, n. 6, p. 16, 2005.6 De mencionar o Diário da República nº 240, 1ª série, de 16.12.2016, p. 4728 a 4730, com o Decreto-

Lei nº 83/2016, de 16 de dezembro, que estabelece como serviço público o acesso universal e gratuito ao Diário da República, nele incluídos todo o seu conteúdo e as suas funcionalidades, fixando as condições da sua utilização, e procede à extinção do respetivo serviço de assinaturas e reafirma aspectos da lei de publicação, identificação e formulário dos diplomas portuguesa (Lei nº 74/1998, de 11 de novembro, já alterada pelas: Lei nº 2/2005, de 24 de janeiro; Lei nº 26/2006, de 30 de junho; Lei nº 42/2007, de 24 de agosto; e Lei nº 43/2014, de 11 de julho). Tal como na União Europeia, onde, desde 1º de julho de 2013, apenas a edição eletrónica do Jornal Oficial faz fé e produz efeitos jurídicos, nos termos do Regulamento (UE) nº 216/2013 do Conselho, de 4 de março de 2013, relativo à publicação eletrónica do Jornal Oficial da União Europeia. Determina que o Jornal Oficial é publicado sob forma eletrónica, nas línguas oficiais das instituições da União Europeia, JOUE L 69 de 13.03.2013, p. 1 a 3 (Regulamento nº 1, que estabelece o

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por que será importante esse critério? Porque pode-se fiscalizar sucessivamente uma determinada norma, mesmo que ela não esteja em vigor e, portanto, po-demos fazer um tipo de fiscalização sucessiva. Por essa razão, o critério é jus-tamente o da publicação, porque a fiscalização preventiva ocorre sempre antes da promulgação do diploma que parte do Presidente da República. Em todo o caso, o critério, e bem, é o da publicação.

2 A FISCALIZAÇÃO PREVENTIVAAs inconstitucionalidades não surgem, como muitas vezes os alunos jul-

gam, quando estão a aprender o direito constitucional, por um acaso ou descui-do. O que acontece é que o surgir de uma inconstitucionalidade é quase uma fatalidade de quem legisla, porque, na realidade, acontece, embora se tente evitar. Quando surge a apresentação de um projecto ou de uma proposta de lei na Assembleia da República, previamente à marcação da discussão na genera-lidade, há sempre uma comissão que vai avaliar a proposta ou o projecto de lei, entre outras, quanto à redacção e ao português, quanto à própria aproximação à linguagem comum dos actos legislativos. Vai também realizar uma história de todo o diploma, para, posteriormente, se ter a noção de qual é a evolução do pensamento do legislador e, de igual modo, verificar se, à luz da legislação já existente (sobre aquela matéria), aquela proposta, ou aquele projecto, clamo-rosamente viola a Constituição. Portanto, há sempre aqui uma triagem inicial possível com a fiscalização preventiva7.

Porém, ainda assim, poderão ocorrer questões de complexidade acres-cida, aquilo a que, a título pessoal, se costuma chamar de hardcore constitu-cional, e, portanto, que determinam a existência de uma inconstitucionalidade, designadamente material, sempre a mais complexa.

Dito isso, quando um diploma é aprovado no órgão legislativo compe-tente (se for na Assembleia, é aprovado em plenário da Assembleia da Repú-blica e, posteriormente, assinado pelo Presidente da Assembleia da República, nos termos do art. 19.º, alínea e), do Regimento Interno da Assembleia da Re-pública8), é depois submetido à reflexão por parte do Presidente da República.

Desencadeado o processo, o Presidente da República tem oito dias (art. 278.º, n.º 3, da CRP9) para decidir se promulga ou se desencadeia a fiscali-

regime linguístico da Comunidade Económica Europeia, no JO 17 de 06.10.1958, p. 385 e 386, rectificado no JO 34 de 29.05.1959, p. 630. Alterações pelos Regulamento (CE) nº 920/2005 do Conselho, de 13 de junho de 2005, em que fixa já 21 línguas oficiais e de trabalho (JOUE L 156 de 18.06.2005, p. 3 e 4); e Regulamento (CE) nº 1.791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006, JOUE L 363 de 20.12.2006, p. 1). Disponível em: <www.dre.pt>.

7 Arts. 278.º, 279.º e 136.º, n.º 5, da CRP e 57.º a 61.º da Lei do Tribunal Constitucional.8 O RAR – Regimento da Assembleia da República nº 1/2007, Diário da República nº 159, 1ª série, p. 5362

a 5398.9 E art. 57.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.

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zação preventiva. Oito dias é um prazo muito curto, mas tem uma certa lógica comparando com o prazo que o Presidente da República também tem para poder vetar politicamente o acto. Esse prazo, se for para acto da Assembleia da República, é de vinte dias, nos termos do número 1 do art. 136.º da CRP. Então, o Presidente da República tem oito dias para desencadear a fiscalização preventiva. Esse prazo é contabilizado em simultâneo com os vinte dias para o veto político. Ora, se o Presidente da República desencadear ao 5º dia a fisca-lização preventiva, ou seja, se faltarem três dias para o final do prazo, este acto tem um efeito interruptivo desse mesmo prazo10. Para recordar, há a supressão e a interrupção dos prazos, e esse é interruptivo. Assim, caso a apreciação do Tribunal Constitucional venha a declarar a não inconstitucionalidade da norma ou das normas, cuja apreciação o Presidente da República solicitou, o prazo de vinte dias renasce. Por isso é que, lendo o art. 136.º da CRP, diz que são vinte dias a contar da publicação da decisão do Tribunal Constitucional que não se pronuncie pela inconstitucionalidade da norma; logo, esses 20 dias renascem.

Os oito dias são importantes e são ao mesmo tempo uma inovação, ou seja, não existiam logo no texto de criação da Constituição e são o resultado de uma experiência histórica. Quando foi Presidente da República, o General Ramalho Eanes, pela sua acção, aplicou um terceiro tipo de veto. Já, nessa altu-ra, existia o veto político e o veto jurídico, mas, por essa altura, surgiu também o veto de bolso (pocket veto)11, ou o veto de gaveta (metia na gaveta e, en-quanto não fosse promulgado, funcionava a inexistência jurídica do acto, pelo art. 137.º da CRP) e, na prática, havia esse tertius genus de veto, que, obvia-mente, não era consentido em termos éticos12 e, portanto, a Constituição veio, justamente, de encontro a uma dimensão ética da comunidade e, nesse sentido, a revisão de 1982 inseriu esse prazo13.

O Presidente da República desencadeia a fiscalização preventiva, di-rigindo ao presidente do Tribunal Constitucional um requerimento14, em que alega que, no seu entendimento, quais são as normas daquele diploma que são, para ele, inconstitucionais15. Desse modo, compulsado todo o diploma, entende, por exemplo, que a norma constante na alínea a) do número 1 do art. 2.º do Decreto nº X padece ser uma inconstitucionalidade de violação pelo

10 “II – Com a interrupção o tempo decorrido até à causa interruptiva fica inutilizado, depois começa a correr novo prazo (n.º 5, alínea a), desse artigo e art. 326.º, n.º 1, do Código Civil)” (Acórdão da Relação de Lisboa (José Augusto Ramos), de 17 de dezembro de 2008, Proc. 10962/2008-1. Disponível em: <www.dgsi.pt>).

11 Por veto de bolso deve entender aquele em que “nenhuma ação positiva se faz necessária, apenas não dar-lhe continuidade” (Ernesto Rodrigues, O veto no direito comparado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 79).

12 O silêncio presidencial (“veto tácito” ou pocket veto) é considerado ilegítimo (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República portuguesa – Anotada, v. II, 2010, p. 203).

13 Aliás, a revisão de 1982 introduziu um prazo de cinco dias, depois alterado para oito na revisão de 1989. Ver Lei Constitucional nº 1/1982, de 30 de setembro (DR 227), e Lei Constitucional nº 1/1989, de 8 de julho.

14 Art. 51.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei do Tribunal Constitucional.15 Art. 51.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei do Tribunal Constitucional.

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art. 13.º da CRP (princípio da igualdade) ou padece uma inconstitucionalidade por violação do estado de direito, entre outros.

Duas notas: o que o Presidente da República pedir para apreciação é vinculativo para o Tribunal Constitucional, isto é, o Tribunal Constitucional só pode apreciar aquilo que o Presidente da República indicar (o Presidente da República delimita o objecto da apreciação, é o princípio do pedido)16; todavia, o Tribunal Constitucional não está restrito apenas, e tão só, aos fundamentos de inconstitucionalidade que o Presidente da República enuncia, isto é, ele pode dizer que entende que viola o princípio da igualdade e o Tribunal Constitucio-nal pronunciar-se pela inconstitucionalidade daquela norma, mas por violação do princípio da proporcionalidade. No seguimento do ditame latino iura novit curia, a indicação de direito não vincula o julgador17. E o Presidente da Repú-blica pode até desistir do seu pedido18.

Há aqui prazos muito curtos19. Evidentemente que, quando isto aconte-ce, há o contraditório, isto é, o órgão que produziu o diploma é ouvido e tem o prazo de dois ou três dias para se pronunciar20. Quase sempre oferecem o merecimento dos autos e, depois, o Tribunal pronuncia-se21.

O Tribunal pronuncia-se: ou pela inconstitucionalidade ou pela não in-constitucionalidade22-23. Há aqui, supostamente, um erro gramatical de dupla negativa: não inconstitucional. Mas é um suposto erro gramatical pretendido, porque, se o Tribunal Constitucional declarasse que o diploma era constitucio-nal, então, estaria irremediavelmente afastada qualquer possibilidade de fisca-lizar sucessivamente o mesmo diploma: Se o Tribunal Constitucional já tinha decidido, por que havia de ser de maneira diferente mais tarde? É por essa razão que ele declara como não inconstitucional.

Atenta aqui o Tribunal Constitucional a uma coisa importantíssima, aqui-lo a que se chama o sal e a pimenta da vida ou, para usar uma expressão de Figueiredo Dias: “Um pedaço da vida”, a que podemos acrescentar “um peda-

16 Art. 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional.17 Art. 51.º, n.º 5, 2.ª parte, da Lei do Tribunal Constitucional.18 Art. 53.º da Lei do Tribunal Constitucional.19 Arts. 52.º, 56.º e 60.º da Lei do Tribunal Constitucional.20 Art. 54.º da Lei do Tribunal Constitucional.21 Art. 61.º da Lei do Tribunal Constitucional.22 Muitos serão os exemplos, mas indicando um, no Acórdão nº 770/2014, Processo nº 485/2013 da 2ª Secção

do Tribunal Constitucional, no Diário da República, 2ª série, nº 26 de 6 de fevereiro de 2015, p. 3602. O Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do art. 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até 1/3 de prestações periódicas (limites à penhorabilidade de pensões ou prestações sociais).

23 O Tribunal Constitucional está impedido, nessa sede, de proferir sentenças manipulativas, ou seja, aquelas que acoplam ao juízo de inconstitucionalidade ou de não inconstitucionalidade, formulações sobre a semântica e sobre os efeitos do segmento normativo que é cuidado em sede de apreciação preventiva, mesmo para aqueles que defendem em outros registos de fiscalização. Nesse sentido, Vitalino Canas, Introdução às decisões de provimento do tribunal constitucional (Lisboa, 1994, p. 39).

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ço de vida cru”, pois, de facto, a vida traz dimensões e colorações totalmente diferentes à aplicação das normas, por vezes não equacionadas pelo legislador. Muitas vezes, elas só foram pensadas em um determinado sentido e a comu-nidade (todos nós), propende a aplicá-la em sentido ligeiramente inflectido ou ligeiramente diferente, e, por essa razão, e em um quadro de honestidade inte-lectual, quando o Tribunal Constitucional se pronuncia pela não inconstitucio-nalidade, como que diz: “Tanto quanto nos parece, tanto quanto conseguimos vislumbrar para a aplicação destas normas neste momento, parece-nos que não viola a Constituição”, mas não pode garantir que, depois, uma aplicação prática do direito não se identifique justamente essa inconstitucionalidade. Por essa razão, o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela não inconstitucionalidade.

Outro caso, ligeiramente diferente, é o dos referendos, porque são actos imediatamente realizados. Evidentemente que o referendo é instantâneo, por-tanto, o Tribunal Constitucional é obrigado (e é sempre obrigado nos termos do n.º 8 do art. 115.º da CRP24) a pronunciar-se previamente. O Presidente da Re-pública submete obrigatoriamente à fiscalização preventiva todas as propostas de referendo e o Tribunal Constitucional pronuncia-se sempre ou pela inconsti-tucionalidade ou pela constitucionalidade25.

Ainda, o Tribunal Constitucional pronunciou-se quanto à possibilidade de referendo relativamente à questão da adopção por homossexuais, e a de-clarou inconstitucional. Essa decisão teria de ser política e tem que partir do órgão legitimamente eleito pelos cidadãos. Também por essa razão declarou a inconstitucionalidade26. Mas se entendesse que não havia inconstitucionali-dade, nesse caso, diria que era constitucional porque a partir daí não há mais hipóteses de fiscalizar sucessivamente essa mesma realidade27. O referendo é feito e extingue-se.

A partir do momento em que o Tribunal Constitucional se pronuncia pela não inconstitucionalidade há outros efeitos a saber.

Um, obrigatório, é o veto do Presidente da República28. Quando o Tri-bunal Constitucional se pronuncia pela inconstitucionalidade, o Presidente da República deve vetar o diploma e o mesmo é devolvido ao órgão que o apro-vou, independentemente de ser o Governo ou a Assembleia da República29. Isso é importante porque o resultado será diferente consoante o órgão em causa. O

24 Daí que seja dispensável a fundamentação do pedido de fiscalização.25 V.g., Acórdão nº 617/2006 do Tribunal Constitucional, de 15 de novembro de 2006, Diário da República –

I Série, nº 223, 1º Suplemento, de 20 novembro 2006.26 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 176/2014, DR – I Série, nº 44, de 4 de março de 2014.27 No mesmo sentido, Jorge Miranda, Manual de direito constitucional (Coimbra, v. VI, 2005, p. 275). Em

sentido contrário, Carlos Blanco de Morais, Justiça constitucional – O direito do contencioso constitucional (2. ed. Lisboa, t. II, 2011, p. 116).

28 Com a consequente proibição de promulgar (art. 279.º, n.º 2, da CRP).29 Estamos por agora a deixar de lado o caso dos decretos legislativos regionais provenientes das Assembleias

Legislativas das Regiões Autónomas (conferir arts. 112.º, n.º 1 e n.º 4, 227.º, n.º 1, e 233.º da CRP).

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veto político do Presidente da República relativamente a um decreto do Gover-no é definitivo e absoluto (o diploma não produz mais efeitos).

Qual é o prazo para vetar? Será que poderemos socorrer de algum prazo ínsito na Constituição, uma vez que esta, de facto, não o especifica para esta situação? Na angústia que o então Presidente da República, General Ramalho Eanes, provocava a todos os doutrinadores do Direito Constitucional, houve quem tentasse fazer aqui o paralelismo, por analogia com o artigo 136.º da CRP, mas, sinceramente, não cremos que haja a procedência de motivos para o efeito. Na verdade, só se pode lançar mão da analogia quando razões práticas equivalentes procedem e, aqui, não procedem. Falamos de momentos diversos, com conotações e significâncias totalmente diversas e, portanto, entendemos que não se pode fazer qualquer tipo de analogia.

O prazo é, porém, entendemos, muito simples. É imediatamente30-31, logo que possível, com eyes wide shut (de olhos bem fechados). Porquê? Por-que a Constituição retirou todo e qualquer protagonismo na avaliação da in-constitucionalidade por parte do Presidente da República. A única coisa que o Presidente da República terá de fazer é remeter as suas dúvidas ao Tribunal Constitucional. Temos aqui um sistema de fiscalização concentrada do Tribunal Constitucional (o chamado sistema austríaco) e, portanto, fez-se all in one (ex-pressão do jogo de poker) no Tribunal Constitucional. Conferiu-se-lhe toda essa competência nessa vertente da fiscalização. Pode acontecer, por exemplo, de o Presidente da República estar no estrangeiro32, e, por isso o “logo que possível” deve ser entendido com adequação às circunstâncias. E basta ao Presidente da República remeter para os fundamentos do Tribunal Constitucional o vetar juridicamente com fundamentos expressos na decisão do Tribunal Constitucio-nal33. Quando possível, é só isto!

Há, então, duas situações.

Ou foi o Governo que elaborou o diploma ou foi a Assembleia da Repú-blica que fez o diploma. Mas note-se que, curiosamente, chamamos a ambos os diplomas decretos, porque decreto é a forma que assume o acto depois de apro-

30 Carlos Blanco de Morais, op. cit., p. 77 e 78.31 “[...] num prazo razoável, correspondente, no máximo, ao decurso do tempo até à publicação da decisão do

Tribunal.” (Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, Coimbra, v. VI, 2014, p. 318).32 Só em casos extremos é que um Presidente da República ou um Chefe de Estado deve praticar um acto de

Estado quando se encontra no estrangeiro. Só em casos, por exemplo, como aconteceu para Espanha, em que o Rei D. Juan Carlos, no estrangeiro, foi à sua embaixada, e aí (solo nacional) fez a requisição civil de todos os enfermeiros, porque estava fora, tinha de assinar um decreto de requisição civil e não havia margem para esperar que regressasse a Espanha para a poder assinar, sendo remetido pelo correio pelo País onde ele estava. No entanto, não se deve tratar de questões domésticas de Estado no estrangeiro. Ver, na nossa CRP, o art. 129.º.

33 Com efeito, defendemos que ao Presidente da República foi-lhe retirada qualquer intervenção, ainda que meramente aditiva ou complementar, relativamente aos fundamentos do veto. Esse corresponde ao da pronúncia do Tribunal Constitucional.

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vado e antes de ser promulgado34 e, como ainda não foi promulgado, o nome coincide. O acto de promulgação tem essa virtualidade jurídica, de transmutar o nome do ato. Depois, passará a ser lei se for da Assembleia da República ou decreto-lei se for do Governo35. Portanto, o decreto é vetado e remetido36 ao órgão que o aprovou (art. 279.º, n.º 1, da CRP).

Começando pela situação de ser do Governo. Se for do Governo, ele tem duas hipóteses. Ou desiste37 do diploma ou expurga.

Quanto à desistência, nada de mais natural que possa acontecer; se aquele objectivo político esbarra na Constituição, é melhor pensar, ponderar melhor, arranjar outras alternativas para atingir, porventura, o mesmo objectivo, mas por outra via jurídica38.

Quanto ao expurgar, isto é, retira-se a parte que está inconstitucional39, a parte que o Tribunal Constitucional assinalou, e volta a devolver40 o acto ao Presidente da República em uma nova apresentação.

Caso o Governo entenda que a melhor forma de expurgar a inconstitucio-nalidade assinalada passa por alterar outras normas e acrescentar novas, assim o faça. Ou, ainda, e tomando em consideração que os actos normativos, nesse caso, actos legislativos, têm, necessariamente, uma sistematização, essa purga pode ter desarticulado as restantes normas (ou parte delas) do diploma no seu conjunto. O diploma pode conter normas que, porventura, estavam escoradas precisamente naquelas que foram bulidas e que agora o Governo alterou. Com essa eventual desarticulação, elas próprias poderão tornar-se inconstitucionais. Por essa mesma razão, a Constituição vê a reapresentação do diploma como um novo diploma e permite que o Presidente da República desencadeie novamente

34 Vide art. 159.º do RAR.35 “[...] no direito constitucional português ‘decreto’ tanto é um acto de um órgão do poder executivo,

nomeadamente Presidente da República, ou Governo, ou Conselho de Revolução. Agora, como é no outro sentido que vem das nossas Constituições do século XIX, o nome que é dado aos actos parlamentares, na fase que decorre entre a aprovação definitiva nas Assembleias e a sua promulgação pelo Presidente da República [...] tratando-se de decreto da Assembleia dos Deputados, queremos precisamente dizer isso: é um projecto de lei que já foi aprovado mas que ainda não foi promulgado. É este o sentido tradicional n direito constitucional português.” (Jorge Miranda (PPD), Diário da Assembleia Constituinte, de 2 de junho de 1975 a 2 de abril de 1976, Lisboa, Assembleia da República, v. IV, 1995, p. 3828)

36 Note-se que a Constituição não assinala qualquer prazo para esse envio.37 Note-se que a desistência não obstaculiza a possibilidade de o órgão em causa aprovar novo diploma sobre a

mesma temática.38 A desistência determinará a impossibilidade de o Presidente da República poder promulgar o acto, o que, por

sua vez, implica a sua inexistência (art. 137.º da CRP).39 A expurgação poderá consistir unicamente na eliminação da parte inconstitucional constante da pronúncia

do Tribunal Constitucional ou traduzir-se em uma reformulação do texto do diploma a conceder-lhe uma compactação lógico-sistemática, que, inclusive, poderá passar pela introdução de novas normas (cf. art. 162.º do RAR).

40 Também aqui a Constituição não assinala qualquer prazo para essa devolução.

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a fiscalização preventiva (art. 279.º, n.º 2, 1.ª parte, e n.º 3, da CRP)41-42. Em princípio, quase sempre a reformulação é feita em conformidade, mas podia acontecer essa hipótese e o legislador constituinte, cauteloso, assim decidiu, e decidiu muito bem.

Portanto, o Governo só pode fazer essas duas coisas. Já a Assembleia da República pode fazer três, a expor.

Pode fazer as mesmas duas já faladas para o Governo, uma delas, desistir do diploma. E é muito mais razoável que seja a própria Assembleia a desis-tir, porque muitas vezes o diploma em causa necessita de uma maioria para aprovação, até absoluta43, e recorrentemente ocorre que nenhum partido tem maioria absoluta e também não há coligações, pelo que lhe é necessária uma negociação árdua. Ora, se depois se verifica uma inconstitucionalidade quase que se consegue ouvir o que não se diz: “Este diploma foi negociado, foi feito com preocupações específicas e cirurgicamente logrou-se o consenso neces-sário e, agora, é inconstitucional? É melhor desistir porque nesta alteração não vamos conseguir o consenso que necessitamos”.

A Assembleia da República pode alterar o diploma, que é o mais razoá-vel e o mais comum. Note-se que as alterações precisam de ser aprovadas pela mesma maioria que a Constituição determinar para a aprovação do diploma na primeira versão, pois trata-se de um novo diploma, e, por essa razão, muitas vezes a Assembleia desiste quando as inconstitucionalidades encontradas são inibidoras de potenciar novo consenso parlamentar. Mas pode também seguir uma terceira via.

Todavia, o diploma poderá ser confirmado in totum pela Assembleia da República44 sem o reformular. Ou seja, o Tribunal Constitucional disse: “Inconstitucional”45. O Presidente da República vetou, devolveu à Assembleia e

41 Caso ocorra nova inconstitucionalidade, por motivos diversos ou mesmo os mesmos, o processo do veto jurídico repete-se na íntegra, tal como o previsto nos arts. 279.º, 51.º e seguintes da LTC.

42 Justamente por ocorrer uma apresentação de um novo diploma, o Presidente da República passa a deter novo prazo para o veto político, a que alude o art. 136.º da CRP. Com efeito, o preceito em causa apenas refere que a contagem do prazo ocorre por referência à recepção, não especificando alguma em particular, pelo que entendemos que é de aplicar o brocardo latino ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus.

43 Por exemplo, no caso da tramitação das leis orgânicas ou outros casos específicos, arts. 166.º, n.º 2, e 168.º, n.º 5 e 6, da CRP.

44 Só a Assembleia da República poderá usar desta faculdade, o mesmo não ocorrendo com as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, na medida em que o legislador constituinte usou deliberadamente Deputados com letra maiúscula. Ora, a CRP, ao referir-se aos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, refere-se sempre com letra minúscula (cf. arts. 133.º, alínea b), 166.º, alínea b), 164.º, alínea j), 226.º, n.º 1 e n.º 4, 227.º, alínea e), 234.º, n.º 3, e 281.º, alínea g)), e devemos interpretar as normas reconstituindo a partir do texto o pensamento legislativo e devemos presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º do Código Civil). No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República portuguesa anotada (3. ed., 1993, p. 1008 e 1009); Carlos Blanco de Morais (op. cit., p. 94 e 95); contra, Jorge Miranda (op. cit., p. 269 e ss.) e Fernando Alves Correia (Direito constitucional, a justiça constitucional (Coimbra, 2001, p. 92).

45 Essa decisão irá relevar, nos termos do art. 280.º, n.º 5, da CRP e art. 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC.

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a Assembleia disse, então: “Muito bem, mas nós ainda assim queremos que ele seja publicado e entre em vigor exactamente como está, e se é inconstitucional, nós confirmamos”. Tem de o confirmar por uma maioria de 2/3 dos Deputados presentes, e desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectivi-dade de funções (art. 279.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP).

Pode parecer um pouco estranho a Assembleia poder confirmar as in-constitucionalidades, mas a justificação jurídica actual46 é simples. Quem é que faz a Constituição? Quem é que altera a Constituição? É a Assembleia da Repú-blica que tem poder de revisão e, portanto, se quisermos é uma espécie de revi-são ad hoc, como que subterrânea, não explícita, e sem tocar no texto, porque o texto constitucional mantém-se exactamente igual; então, o que a Assembleia vem dizer é que,

não obstante essa inconstitucionalidade, nós, que até temos o poder constituinte derivado, e se quiséssemos alterar a Constituição, alterávamos. Fa-zíamos aprovar este acto e já deixaria de haver inconstitucionalidade e, por-tanto, se assim é, se nós temos esse poder, nós manifestamos justamente essa autoridade que efectivamente temos.

Imaginemos agora que o diploma foi aprovado pela maioria de 2/3 dos Deputados presentes, correspondente a um número superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (art. 279.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP). A Assembleia, depois de confirmar o diploma, o mesmo segue47 para o Presi-dente da República, e aqui Constituição é silenciosa. Há aqui, manifestamente, uma lacuna voluntária, porque essa lacuna voluntária pretendeu fazer do Presi-dente da República um “árbitro”. Desse modo, temos o Presidente da República como detentor de um “poder arbitral” dessa questiúncula. Repare-se, porque isso é muito interessante: de um lado, temos a Assembleia da República ou o órgão de soberania (art. 110.º da CRP); do outro lado, temos o Tribunal Consti-tucional, também um órgão de soberania (de entre os tribunais, arts. 209.º, n.º 1, 202.º e, também, art. 110.º) e, no meio, o “árbitro”, que é também outro órgão de soberania (sempre art. 110.º).

Portanto, temos aqui três órgãos de soberania, sendo certo que um deles (Assembleia) é o órgão de soberania que representa todos os cidadãos portu-gueses, com uma legitimidade democrática directa (arts. 147.º e 113.º, n.º 1, da CRP). Do outro lado, temos o Tribunal Constitucional em que justamente a Constituição fez o tal all in preventivo (art. 221.º da CRP) e, depois, temos o Presidente da República, que também tem legitimidade democrática directa (art. 121.º da CRP). E o Presidente da República vai decidir se propende para a

46 Essa é a interpretação objectiva actualista, pois não se ignora que, segundo uma interpretação subjectiva histórica, a norma em causa visou dirimir, até 1982, o jogo de forças político entre a Assembleia da República e o Conselho da Revolução.

47 Note-se que a Constituição não assinala qualquer prazo para esse envio.

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decisão da Assembleia da República, ou se propende para a decisão do Tribu-nal Constitucional. Bem, aqui, evidentemente que não há arbitrariedade, mas sim discricionariedade.

Considera-se adequado que o Presidente da República decida48, quase sempre (por cautela jurídica), desta forma: se o Tribunal Constitucional se pro-nunciar pela verificação de uma inconstitucionalidade material, deverá o Presi-dente da República vetar sempre o acto, sem dúvidas de qualquer espécie. Se a inconstitucionalidade for orgânica, isto é, quem aprovou o acto é um órgão sem competência para o efeito, deverá o acto também ser vetado.

Já, em caso de inconstitucionalidade formal, dependerá da formalidade em questão, com este exemplo: supondo uma situação que aconteceu há relati-vamente pouco tempo e que foi corrigida a tempo, mas que podia ter avançado. Na votação da última lei de orçamento para 2015 (art. 106.º da CRP), houve um Deputado de um partido que declarou que ia votar contra. Trata-se de um Deputado com anteriores processos disciplinares, porque em uma matéria em que havia sido determinada a disciplina de voto partidária quebrara essa mesma disciplina de voto. Ora, no momento da votação a Presidente da Assembleia da República disse o resultado da votação em relação ao diploma em causa: “Foi aprovado com os votos a favor do PSD e CDS e votos contra PS e todas as outras em oposição”, dando por encerrada a votação. E, afinal, resultou daquela de-claração de cotação que o Deputado em questão votou a favor, quando no dia anterior tinha dito que ia votar contra. Porém, depois de alertada, a Presidente da Assembleia corrigiu e referiu que houve a abstenção do tal Senhor Deputa-do. Mais uma vez alertada, voltou a corrigir outra vez e disse: “Não, afinal hou-ve um voto contra”. Isto é, a votação poderia ter sido dada por encerrada com desconformidades, mas, nesse caso, foi possível uma correcção em tempo útil.

E vamos agora supor uma situação em que ninguém tinha alertado a Pre-sidente da Assembleia da República e, afinal, o Deputado tinha votado contra e não foi contabilizado dessa maneira esse voto. E vamos imaginar que esse voto contra tinha sido decisivo, ou, melhor, seria decisivo se contabilizado, mas como não se aperceberam o acto foi considerado válido, ou seja, bem aprova-do e, portanto, remetido ao Senhor Presidente da República quando depois se constatou que, na realidade, devia ter sido considerado não aprovado. Portanto, haveria aqui uma preterição de formalidade que é a verificação da maioria ade-quada ao diploma em votação.

Se o Tribunal Constitucional declarar inconstitucionalidade, justamente formal por violação da maioria exigida, o acto é devolvido à Assembleia (e vamos imaginar que era apenas necessária uma maioria simples) e, agora, na confirmação, os outros Deputados foram, entretanto, convencidos e votam a

48 Em uma visão quase pretoriana, muito ao jeito do que acontecia com o preceito que julgamos ter sido a referência da norma em causa: da Constituição da República do Brasil de 1937.

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favor, ou seja, 2/3 dos presentes (que corresponde agora a um número superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções). Em preterição daquela formalidade, que só exigia um regime de maioria simples. Portanto e apesar de não ter ocorrido, bastavam 110 votos a favor, 70 votos contra e o resto em possível abstenção (visto o art. 148.º da CRP) para a primeira votação, é agora reaprovada por maioria de, pelo menos, 117 Deputados. Com efeito, e analisado o que diz o n.º 2 do art. 279.º da CRP: “Desde que superior à maioria absoluta”, obriga a aprovação por, pelo menos, 117 Deputados. Se a maioria absoluta é 115 + 1. Como 116 não é superior, então, tem de ser 117, no míni-mo. Assim, teríamos 117 Deputados a dizer: “Concordamos com o diploma” (quando à partida só precisávamos de 110 ou menos, imagine-se). Não faz sen-tido, agora, o Presidente da República, só por essa questão tão diminuta e já sanada, vetar o diploma e obrigar a repetição ex novo de todos os procedimen-tos, quando, seguramente, o resultado vai ser a sua aprovação. O que se quer evidenciar é que, caso fosse uma questão formal dessas, não se vê qualquer problema na promulgação, mesmo após a declaração de inconstitucionalidade.

Parte da doutrina chama a esse procedimento (quando o Presidente da República concorda com o Tribunal Constitucional) converter o veto em defi-nitivo. É o que acontece na prática, o Presidente da República converte o veto definitivo.

Do ponto de vista teórico, podemos entender que não há uma conver-são do veto – porque esse é o acto que só resulta do Presidente da República quando recebe o diploma directamente do Tribunal Constitucional –, e como aqui o Presidente da República recebe o diploma directamente da Assembleia da República, o que há é a não promulgação do diploma e que determina a inexistência jurídica por via do art. 137.º da CRP. Na prática, o resultado é o mesmo, ou seja, o diploma “fica por ali”49.

Até agora falamos de actos comuns, as leis ordinárias comuns, mas há ainda as leis ordinárias de valor reforçado, com a excepção das leis orgâni-cas50, porque estas últimas têm um formalismo diferente, porque, a par das leis estatutárias (leis que aprovam os estatutos político administrativos das regiões autónomas, arts. 161.º, alínea b), e 226.º da CRP), são as segundas leis mais importantes do Estado, ou seja, estão logo a seguir da Constituição: são leis ordinárias de valor reforçado de alcance geral, que se impõe a todos e demais actos legislativos do Estado. E, por essa razão, o art. 278.º, nos seus números 4, 5, 6 e 7, da CRP, estabelece um regime ligeiramente diferente.

49 Não se trata de defender o uso do famigerado veto de bolso; trata-se, sim, de comunicar à Assembleia da República que não se promulgará o diploma por uso do poder arbitral. Note-se que o Presidente da República tem o poder de efectuar comunicações à Assembleia da República e pode perfeitamente usar desse poder nesse caso concreto.

50 Art. 166.º, n.º 2, da CRP.

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Abre-se aqui uma distinção da Constituição para as leis orgânicas, con-forme é mais adequado e muito importante na prática, só por uma razão. Houve um caso, em 2001, que transpareceu a ignorância, não só dos operadores po-líticos em Portugal, mas também dos meios de comunicação e conta-se muito simplesmente assim: a famosa lei da programação militar de 200151 – como lei orgânica, para ser aprovada, precisa de ser votada por maioria absoluta, ou seja, 116 Deputados52. Dá-se o caso em que as câmaras de televisão estavam ligadas e no dia da votação tinham assento na Assembleia pouco mais do que 70 Deputados e, sendo certo que 70 Deputados nunca serão 116, e, a agravar, nem todos votaram a favor. Em todo o caso, o diploma foi dado como aprovado por uma maioria absoluta, como é necessário.

Esse facto chamou a atenção dos media, foi notícia de abertura dos noti-ciários e deu azo a diversos debates de opiniões, aliás, todas muito interessantes de ouvir, quanto mais não fosse para colocar a descoberto alguma insuficiência no domínio do conhecimento da Constituição. Estaria em causa um acordo de cavalheiros, mas um costume constitucional contra legem53. Pois, em confe-rência de líderes54 quando se agendou a discussão e votação do projecto-lei em causa, acordou-se que a votação seria “por grupo parlamentar”. E que sig-nificava o quê? Significava que, se dez ou quinze Deputados daquele grupo de parlamentares votassem a favor, entendia-se que todo o grupo parlamentar em causa votava a favor. E terá sido isso que aconteceu. E mais: que em um caso desses, nunca se pediria a revisão da contagem de votos, a não ser que hou-vesse um requerimento à Mesa para o fazer55, mas, como os líderes já tinham acordado nessa linha, ninguém chegaria a esse ponto, e assim foi exactamente isso que aconteceu.

Nessa altura, o Primeiro-Ministro António Guterres disse: “Isso é uma questão de Parlamento e, portanto, o Governo não se vai imiscuir nos assuntos do Parlamento. Como tal, nada tem a ver connosco”. Evidentemente que o Primeiro-Ministro não tinha razão naquilo que disse, porquê? Porque a Cons-tituição atribui-lhe também o direito, quando estão em causa leis orgânicas, de desencadear a fiscalização preventiva. E o direito mesmo teria o PSD, cujo líder – Durão Barroso – tentou tirar dividendos políticos da situação, dado que nessa altura tinha mais de 1/5 dos Deputados à Assembleia da República para o fazer também. Isto porquê? Nos termos do n.º 5, o Presidente da Assembleia da República, na data em que envia ao Presidente da República o decreto, envia também para os grupos parlamentares e para o Primeiro-Ministro. No Parlamen-to, se uma força partidária tiver 1/5 dos Deputados, poderá per se desencadear

51 Lei Orgânica nº 5/2001, de 14 de novembro, que aprova a Lei de Programação Militar.52 Art. 168.º, n.º 5, da CRP.53 Quem defendia o efeito jurídico do costume contra legem era Marcelo Rebelo de Sousa e teve aqui um caso

que favoreceu tal tese (Direito constitucional, Faculdade de Direito, Policopiado, 1979, p. 48).54 Art. 94.º, n.º 3, do RAR.55 Art. 98.º, n.º 4, do RAR.

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o processo (n.º 4 do preceito em causa)56. Nada impede que o quórum exigido seja formado por associação adrede de Deputados. Mas o Primeiro-Ministro pode, por si só, desencadear a fiscalização preventiva. O Presidente da Repú-blica, Jorge Sampaio, resolveu a questão, alegando justamente a palavra dada e, um gentlemen agreement e promulgou57.

Evidentemente que promulgou após ter decorrido o prazo de oito dias. Porquê? Se a Constituição atribuiu o mesmo poder a outras entidades, não fazia sentido que ele pudesse promulgar, imagine-se, ao fim de dois dias, visto que retirava o efeito útil que a Constituição atribui às outras entidades (art. 278.º, n.º 6, da CRP).

Assim, se o Primeiro-Ministro ou 1/5 dos Deputados desencadear a fis-calização preventiva, o Presidente da República não pode desistir dela58, uma vez que estamos ao nível das leis orgânicas59. Quanto ao resto, ele pode desistir, daí que, nos termos do n.º 7, sem prejuízo do disposto n.º 1, pretende significar o seguinte: “Se estivermos a falar de dados do n.º 1, o Presidente da República pode desistir. Dos outros, ou seja, o que estão referidos no n.º 4, isto é, as leis orgânicas, já não pode desistir”.

3 A FISCALIZAÇÃO SUCESSIVAFalando agora da fiscalização sucessiva60.

A fiscalização sucessiva, como se disse há pouco, é uma fiscalização que ocorre depois da publicação, o que significa que podemos desencadear uma fiscalização sucessiva imediatamente a seguir da publicação do acto no Diário da República61, independentemente da entrada em vigor do diploma. Mas, du-rante esse período de vocatio legis, só pode ocorrer fiscalização sucessiva abs-tracta porque a concreta necessita de um caso em Tribunal e, se as normas não estão ainda em vigor, nunca podem ser aplicadas na prática e, portanto, nunca poderão dar origem a um conflito de interesses, a ser dirimido pelos Tribunais. E, portanto, durante esse período de vocatio legis, só pode haver fiscalização sucessiva abstracta, que é aquela que ocorre independentemente do processo judicial62.

56 Por uma questão de lógica cronológica, o texto do n.º 4 do art. 278.º da CRP devia ser o do n.º 5, e vice-versa.57 Disponível em: <http://jorgesampaio.arquivo.presidencia.pt/pt/noticias/noticias/doc-672.html>.58 Apesar do que dispõe o art. 53.º da LTC, que deve ser interpretada conjugadamente com o art. 278.º, n.º 7,

da CRP.59 Entendemos que essa impossibilidade ocorre, inclusive, quando é o próprio Presidente da República a

desencadear a fiscalização preventiva.60 Arts. 281.º da CRP e 57.º a 61.º Lei do Tribunal Constitucional.61 O jornal oficial. Arts. 119.º, n.º 1, alínea c), da CRP e 1.º e 3.º da Lei de Publicação, Identificação e

Formulário dos Diplomas, Lei nº 74/1998.62 E ocorre por via principal.

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Por exemplo, foi a situação referente ao Código do Processo Civil63, em que se estabeleceu um curto período de vocatio legis longo, porventura, para a hipótese de alguém desencadear a fiscalização sucessiva abstracta. Onde, ao não retirar inconstitucionalidade que foi assinalada pelo Tribunal Constitucio-nal, por causa do regime da injunção, a inconstitucionalidade manteve-se para o novo Código do Processo Civil, o que sempre defendemos, a par do que en-tendia o Professor Lebre de Freitas64, e que, entretanto, foi decidido com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, de 12 de maio de 201565.

Repare-se, agora, em uma questão que ocorreu recentemente a propósito da lei do orçamento de 2013. O Presidente da República entendeu que, uma vez que nenhum outro Presidente da República alguma vez desencadeou a fis-calização preventiva da lei do orçamento, em face do costume e devido à crise financeira actual, não seria justificável a adopção de uma posição na história de Portugal e preferiu a posição histórica dos Presidentes da República precedentes e, portanto, não desencadeou a fiscalização preventiva da lei do orçamento.

Um parêntesis para dizer que julgamos que este entendimento de que a necessidade de Portugal de um orçamento seria imperiosa para Portugal com-bater e superar a crise que nos assolava e assola poderá não ser assim tão rele-vante como o próprio Presidente revelou na sua mensagem de Ano Novo: “O Orçamento entrou hoje em vigor, no primeiro dia do ano de 2013. Se tal não acontecesse, o País ficaria privado do mais importante instrumento de política económica de que dispõe e as consequências para Portugal no plano externo seriam extremamente negativas”66.

Ora, incorreu em erro, quer político quer jurídico, uma vez que há me-canismos jurídicos de execução e de salvaguarda orçamental e que vigoram enquanto um orçamento não é aprovado nos termos regulamentares67 e acresce que, nos termos do n.º 8 do art. 278.º da CRP, o Tribunal Constitucional tem 25 dias68 para se pronunciar, mas esse prazo pode ser encurtado pelo Presidente da República, desde que justifique esse encurtamento, o que era justamente o

63 Código de Processo Civil pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho de 2013, no DR 121, p. 3518, rectificada no DR 154 de 12.08.2013. Programada para entrar em vigor no dia 1º de setembro de 2013.

64 Veja-se, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 73, v. I, jan./mar. 2013, sobre o novo Código de Processo Civil (uma visão de fora), p. 45/54.

65 Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150264.html>.66 Disponível em: <http://www.presidencia.pt/?idc=22&idi=70860>.67 Art. 58.º, n.º 4, da Lei nº 151/2015, de 11 de setembro, Diário da República, 1ª série, nº 178. Decreto-Lei

nº 253/2015, de 30 de dezembro, Diário da República, 1ª série, nº 254, que estabelece o regime de execução orçamental duodecimal entre 1º de janeiro de 2016 e a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2016.

68 Questão pertinente prende-se com o facto de eventualmente o Tribunal Constitucional não respeitar esse prazo constitucional. À míngua de uma sanção constitucional, entendemos que se trata de uma mera irregularidade, uma vez que a inconstitucionalidade não prejudica a produção de efeitos da pronúncia, embora acople consequência jurídicas e que, in casu, traduz-se na possibilidade do Presidente da República poder promulgar imediatamente ou exercer o veto jurídico.

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caso. O Tribunal Constitucional tem de estar preparado para responder com ce-leridade quando o país exige dele esse trabalho, e teria sido possível obter uma pronúncia em tempo razoável a não prejudicar os interesses do país.

Simultaneamente, disse o Presidente da República: “Por minha iniciativa, o Tribunal Constitucional irá ser chamado a pronunciar-se sobre a conformida-de do Orçamento do Estado para 2013 com a Constituição da República”69, o que realmente ocorreu70.

Portanto, dentro da fiscalização sucessiva, temos a abstracta. E começando por aqui, importa desde já dizer que há entidades, previstas no n.º 2 do art. 281.º da CRP, bem elencadas, com o poder de a desencadear.

No entanto, em nossa opinião, falta adicionar aí uma que seria o basto-nário da Ordem dos Advogados. Faz todo o sentido que o bastonário da Ordem dos Advogados tenha o poder de a desencadear. Repare-se, que “o advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas”71.

Os advogados, por intermédio da sua Ordem, buscam “promover o aces-so ao conhecimento e aplicação do direito [e] contribuir para o desenvolvi-mento da cultura jurídica e aperfeiçoamento da elaboração do Direito”72. Os advogados não buscam decisões apenas legalistas, mas sim as que se revelem conforme o Direito e, portanto, têm até uma função muito mais abrangente do que alguns operadores judiciários. E, por essa razão, faria todo o sentido que, em uma próxima revisão constitucional, se incluísse o bastonário da Ordem dos Advogados, isso porque, vendo quem lá está, vê-se quem lá falta e, quem falta, é o bastonário da Ordem dos Advogados73.

Os cidadãos não têm a possibilidade de, directamente, desencadear a fiscalização sucessiva abstracta. Terão de o fazer sempre por interposta pessoa, usando do seu direito de petição (art. 52.º da CRP) e dirigindo a uma qualquer entidade, prevista no n.º 2 do art. 281.º da CRP, sendo certo que o mais natu-ralmente adequado, atendendo ao conteúdo e à natureza das suas funções, será o Provedor de Justiça (art. 23.º da CRP). Portanto, o cidadão74 deverá rogar-lhe,

69 Disponível em: <http://www.presidencia.pt/?idc=22&idi=70860>.70 Essa temática será tema a que regressaremos porque algumas decisões do Tribunal Constitucional,

designadamente os cortes de subsídios, foram relevantes e ainda hoje continuam a ser relevantes e objecto de estudo por parte da doutrina, mas já veremos.

71 Art. 90.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro.

72 Art. 3.º, alíneas h) e i), do EOA.73 A Constituição da República de Angola no art. 230.º, n.º 2, alínea f), atribui tal competência à Ordem dos

Advogados.74 Note-se que um único cidadão detém essa prerrogativa constitucional.

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obviamente de modo fundamentando, que desencadeie a fiscalização sucessiva abstracta de determinada norma.

Por exemplo, também há cerca de três ou quatro anos, uma associação pretendia fundamentar uma iniciativa legislativa do cidadão (ILC)75 relativamen-te à aplicação do novo acordo ortográfico76 e pudemos emitir parecer demons-trando que não fazia sentido optar pela ILC, uma vez que o legislador tinha acabado de legislar em sentido contrário e era mais do que óbvio de que não iria contraditar-se tão pouco tempo depois. Fazia sentido, sim, desencadear a fiscalização sucessiva abstracta pedindo ao Provedor de Justiça que desencade-asse essa fiscalização sucessiva junto do Tribunal Constitucional, por violação do princípio da proporcionalidade.

Note-se que o Provedor de Justiça, caso o cidadão lhe peça para desen-cadear77, não é obrigado a fazê-lo. Em alguns pedidos, verifica-se a falta de fundamentação, sem rigor jurídico ou cuidado, fruto do nosso pouco activismo cívico. Ao contrário, por exemplo, de Inglaterra, em Portugal não há a propen-são do cidadão para se envolver com essas questões.

Desencadeada uma fiscalização sucessiva abstracta, o Tribunal Cons-titucional irá pronunciar-se. Desse modo, se for uma inconstitucionalidade originária (art. 282.º, n.º 1, da CRP), a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade determinará igualmente a repristinação das normas eventualmente revogadas pelo acto nulo. Porque produz efeitos retroactivos, ex tunc, ou seja, desde que a norma foi aplicada. Isto porque a norma está inquinada originariamente em uma inconstitucionalidade e, portanto, se “des-de então” já era inconstitucional, evidentemente que o Tribunal Constitucional deve declarar essa inconstitucionalidade desde esse momento anterior, que, no

75 Com base no art. 167.º da CRP e na Lei nº 17/2003, de 4 de junho. Note-se, no paralelo, a nível da União Europeia. O Tratado de Lisboa veio introduzir uma nova apetência de democracia participativa na feitura de actos legislativos da União Europeia. A partir de 1º de abril de 2012, os cidadãos europeus detêm o direito de requerer legislação europeia em assuntos que lhes interessem, com a entrada em vigor da iniciativa de cidadania europeia. Os particulares podem pedir à Comissão que proponha iniciativas legislativas, desde que consigam recolher um milhão de assinaturas, de pelo menos sete Estados-membros, e que a proposta seja em matéria da competência da União Europeia, nos termos do Regulamento (UE) nº 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania que estabelece os procedimentos e as condições para a apresentação de uma iniciativa de cidadania, JOUE L 65 de 11.03.2011, p. 1 a 22. Alterado pelo Regulamento Delegado (UE) nº 268/2012 da Comissão, de 25 de janeiro de 2012, que altera o Anexo I do Regulamento (UE) nº 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a iniciativa de cidadania, JOUE L 89 de 27.03.2012, p. 1 e 2, e pelo Regulamento Delegado (UE) nº 887/2013 da Comissão, de 11 de julho de 2013, JOCE L 247 de 18 de setembro de 2013, rectificado no JOUE L 354 de 11.12.2014, p. 90.

A primeira iniciativa de cidadania europeia bem-sucedida em curso (depois de mais de 20 lançadas desde 2012), traduzindo o empenho e interesse dos cidadãos europeus em participar na elaboração das políticas europeias, foi sobre o tema “Comunicação da Comissão sobre a iniciativa de cidadania europeia – A água e o saneamento são um direito humano! A água não é um bem comercial, mas um bem público!”, no documento COM (2014) 177 final e o Parecer do Comité Económico e Social Europeu 2015/C 012/05, JOUE L 351 de 20.12.2012, p. 1 a 32.

76 Ver nota final.77 Disponível em: <http://www.provedor-jus.pt/?idc=90>.

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caso, é inicial. E terá efeitos repristinatórios, ou seja, se essa norma, porventura, revogou outra, essa voltará a vigorar78.

Uma coisa interessante é a de saber como proceder se essa norma, entre-tanto, repristinada também o for, ela própria, inconstitucional. O Tribunal Cons-titucional também pode pronunciar-se quanto à questão da norma repristinada, mas sempre a pedido. Suponhamos que foi o Provedor de Justiça que desenca-deou a fiscalização sucessiva e o Tribunal decide-se pela “inconstitucionalida-de, com efeitos retroactivos e determina a repristinação das normas”79. Se agora, ou seja, perante essa decisão do Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, apercebendo-se que a norma repristinada é também inconstitucional, ele tem que voltar a proceder da mesma forma, em mensagem ao princípio do pedido.

Se a fiscalização for superveniente, a norma em crise é totalmente sã relativamente à Constituição que estava em vigor, no momento em que foi feita e publicada. Entretanto, dá-se a publicação de um novo texto constitucional – lei de revisão80. Por efeito de uma nova revisão constitucional, e só a partir daí, essa norma tornou-se inconstitucional.

Evidentemente, que só releva nesse tipo de inconstitucionalidade a in-constitucionalidade material, porque a formal e a orgânica são regidas pelo acertado brocardo tempus regit actum, e o mesmo é dizer que o diploma é re-gido, quanto a esses aspectos, à luz da legislação (nesse caso, da Constituição) que se encontra em vigor na data em que o mesmo foi elaborado.

A ciência a seguir é a da aplicação dos números 1 e 2 do art. 282.º da CRP.

Há que cuidar, em todo o caso, dos números 3 e 4 do mesmo preceito legal.

Assim, e pelo que reza o número 3, ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional, quando a norma respei-tar a matéria penal, disciplinar o ilícito de mera ordenação social e que seja de conteúdo menos favorável ao arguido. Aí, evidentemente, que o Tribunal Cons-titucional pode entender que, se essa norma, que é inconstitucional, desfavore-cia o arguido, deverão ser reconsiderados certos processos para se favorecer o arguido; caso contrário, ficam sempre ressalvados os casos julgados.

78 Entendemos que, quando o Tribunal conhece e declara a inconstitucionalidade originária de determinada norma, deverá, oficiosamente, mesmo que não lhe seja pedido, a repristinação das normas revogadas por aquela, uma vez que esse efeito jurídico é decorrência lógica da invalidade da norma revogatória, sem que, com isso, se viole o princípio da proibição de condenação em quantidade superior ou em coisa diversa da pedida. Com efeito, trata-se de matéria jurídica, pelo que é do conhecimento oficioso do Tribunal Constitucional, dado que a repristinação surge resultado ope legis ou ipso iuris.

79 A repristinação da norma revogada não carece de ser pedida, na medida em que, constituindo uma determinação legal, opera ipso iuris.

80 Art. 166.º, n.º 1, da CRP.

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A maior parte dos manuais de introdução de Direito afirma, categori-camente, que não há retroactividade de primeiro grau na ordem jurídica por-tuguesa. Todavia, erra por defeito, na medida em que ignora a norma em es-crutínio. Evidentemente que a retroactividade de primeiro grau não se verifica directamente, ope legis ou ipso iuris, mas porque está na lei, in casu, na lei constitucional, a qual permite, por decisão do Tribunal Constitucional, afectar os casos julgados. Poderemos dizer que o nosso ordenamento jurídico admite a retroactividade de primeiro grau. Mas é uma situação singular, dado que na maior parte dos casos, de facto, vale a não retroactividade de primeiro grau.

O n.º 4 art. 282.º da CRP foi utilizado há pouco tempo pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 353/2012, de 5 de julho de 201281), e pensamos que parcialmente mal, em um caso de segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo (o qual deverá ser fundamentado).

Claudicou, em todo o caso, o Tribunal Constitucional, não medida em que não pode actuar como legislador, e nesse aresto fê-lo ostensivamente82. Por força do princípio da separação de poderes, o Tribunal Constitucional não pode apontar caminhos ao legislador. O Tribunal Constitucional, em um primeiro acórdão, apontou caminhos, designadamente dizendo que só se estava a tribu-tar rendimentos do trabalho e decorrentes do rendimento do trabalho e não, por exemplo, rendimentos do capital83. O Tribunal Constitucional não deve seguir uma via de aconselhamento84-85.

81 Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120353.html>.82 Pode ler-se: “A diferença de tratamento é de tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia

da medida adoptada na prossecução do objectivo da redução do défice público para os valores apontados nos memorandos de entendimento não tem uma valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença, tanto mais que poderia configurar-se o recurso a soluções alternativas para a diminuição do défice, quer pelo lado da despesa (v.g., as medidas que constam dos referidos memorandos de entendimento), quer pelo lado da receita (v.g. através de medidas de carácter mais abrangente e efeito equivalente à redução de rendimentos). As referidas soluções, podendo revelar-se suficientemente eficientes do ponto de vista da realização do interesse público, permitiriam um desagravamento da situação daqueles outros contribuintes que auferem remunerações ou prestações sociais pagas por verbas públicas” (Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120353.html>).

83 “Ora, nenhuma das imposições de sacrifícios descritas tem equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes, independentemente dos seus montantes.” (Idem)

84 Curiosamente, na Constituição polaca há uma norma que determina que, se o Tribunal Constitucional se aperceber que um diploma vai causar consequências económico-financeiras, designadamente colidir com a lei orçamental, deverá criar-se uma comissão ad hoc, em que participam o Tribunal Constitucional, o Governo e representantes dos trabalhadores.

A Constituição da Polónia, de 3 de maio de 1791, foi a primeira da Europa e a segunda do mundo, embora logo seguida da Constituição francesa, de 3 de setembro do mesmo ano. Recentemente, foi consagrada pela Decisão da Comissão 2015/C 83/03, de 10 de março de 2015, que designa os 16 sítios aos quais é atribuída a Marca do Património Europeu em 2014, JOUE C 83 de 11.03.2015, p. 3. A União Europeia criou, em 2011, uma acção de atribuição da designação da Marca do Património Europeu (European Heritage Label), que destaca patrimónios que comemoram e simbolizam a integração europeia, os ideais e a história da União Europeia, pela Decisão nº 1194/2011/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011, JOUE L 303 de 22.11.2011, p. 1 a 9.

85 Dispõe o art. 190.º, n.º 3, segunda parte, da Constituição polaca: “Quando a decisão tenha consequências financeiras não previstas no orçamento, o Tribunal Constitucional deve especificar a data de cessação da força obrigatória do acto normativo em causa, após parecer do Conselho de Ministros” (tradução dos autores).

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A adopção dessa posição, julga-se, passou por dar um sinal do que pode-ria acontecer em decisões futuras e quis já marcar posição, apesar de tal capa-cidade não pertencer às suas funções86. O Tribunal Constitucional é o guardião do ordenamento jurídico, no plano constitucional, claro está, e, portanto, diz apenas: “Esta norma, conforme está, não entra no ordenamento”. Apenas pode vedar a norma e não deve apontar caminhos porque decisões de política legis-lativa cabem aos órgãos que a Constituição determinou, que são os órgãos com competência legislativa. O Tribunal Constitucional é o guardião e barómetro da constitucionalidade em Portugal.

Pelo número 4, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos de in-constitucionalidade ou da ilegalidade, com alcance mais restrito do que o pre-visto nos n.º 1 e n.º 2 do art. 282.º da CRP.

4 A FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA CONCRETAAgora falando da fiscalização sucessiva concreta87, aquela que, na práti-

ca, preenche de forma mais intensa a actividade do Tribunal Constitucional88.

Para que surja, é necessário decorrer um processo em um tribunal judi-cial ou administrativo. Ocorre por via incidental, isto é, um incidente da instân-cia, o que significa que o pedido principal nunca pode corresponder ao pedido de declaração de inconstitucionalidade.

O recurso aos tribunais por partes das pessoas (físicas ou colectivas) tem como finalidade o dirimir de, pelo menos, um conflito de interesses, por exem-plo, para a extinção ou modificação de uma relação jurídica. Um exemplo mais concreto, imagine-se que o senhorio pretende cessar a vigência de um contrato de arrendamento, por incumprimento do arrendatário e este, quando é citado para se defender, querendo evitar o seu despejo, irá contestar a acção, contra-dizendo a causa de pedir e, em ultima ratio, o pedido principal. A propósito da sua defesa e em razão da matéria em causa pode surgir uma questão de incons-titucionalidade e convirá ao arrendatário argui-la.

Como é que se alega? Não há uma forma padronizada de o fazer. O Tri-bunal Constitucional considera que tem que ser suficientemente argumentado ao ponto de o juiz do processo se ver obrigado a pronunciar-se. O Tribunal Constitucional já admitiu um recurso, dizendo que estava suficientemente bem alegado, na medida em que o próprio juiz do processo sentiu a necessidade de

86 Houve já quem dissesse que por este aresto o Tribunal Constitucional pretendeu dar uma “prova de vida”. Nesse sentido, Carlos Blanco de Morais, “As mutações constitucionais implícitas e os seus limites: autópsia de um acórdão controverso” (Separata de JURIS-MAT, Portimão, 2013, p. 62, nota 12).

87 Arts. 280.º da CRP e 51.º a 56.º da Lei do Tribunal Constitucional.88 Por exemplo, “96% do total das decisões proferidas no âmbito normativo entre 1993 e 1996 respeitaram ao

controlo concreto da constitucionalidade” (António de Araújo e J. A. Teles Pereira, “A justiça constitucional nos 30 anos da Constituição portuguesa: notas para uma aproximação ibérica”, Jurisprudência Constitucional, n. 6, p. 15, 2005).

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se pronunciar sobre aquela alegação. Assim, poderá formular-se um princípio geral a propósito dessa questão formulado nos seguintes termos: a alegação da inconstitucionalidade deverá ocorrer de modo a determinar o Tribunal a pronunciar-se sobre tal excepção89.

Depois, no próprio requerimento de requisição do recurso, a Lei Orgâ-nica do Tribunal Constitucional obriga que se indique a norma90, cuja inconsti-tucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e em que peça processual surge a questão de alegada inconstitucionalidade91. Há ainda que fundamentar o pedido de declaração da pretensa inconstitucio-nalidade referindo a norma da Constituição ou do princípio constitucional ou legal que se supõe violado. Há, também, que identificar a peça processual, em que se questiona a constitucionalidade e ser claro na identificação da norma considerada inconstitucional face a que artigo da Constituição92.

Até o encerramento de uma audiência de julgamento, poder-se-á fazer um requerimento e dizer: “Alega-se a inconstitucionalidade da norma constante da segunda parte da alínea Ω do n.º x do art. y.º da Lei n.º n, na probabilidade de essa disposição vir a ser aplicada ao caso concreto”, no sentido de o juiz da causa não a aplicar. Porque o juiz ainda não decidiu e, portanto, quando for decidir a causa, pode justamente cuidar dessa inconstitucionalidade.

Importante é saber até que momento é que se pode pedir a declaração da inconstitucionalidade de uma certa norma aplicável ao judicativo processo. A esse propósito poder-se-á formular um princípio geral nos seguintes termos: a

89 O disposto no n.º 2 do art. 72.º da LTC contribui, sobremaneira, para o estabelecimento deste princípio ao determinar que a inconstitucionalidade deve ser arguida no processo e junto do tribunal “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (destaque nosso).

90 “[...] como é evidente, a jurisdição constitucional só conhece da inconstitucionalidade de normas e não de outros actos jurídicos. Em particular, o Tribunal Constitucional não pode conhecer da inconstitucionalidade de decisões judiciais, por elas eventualmente violarem directamente normas constitucionais. As decisões judiciais só são impugnáveis junto do TC na medida em que elas apliquem normas arguidas de inconstitucionais ou na medida em que não apliquem normas por razões de inconstitucionalidade” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/1988. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19880162.html>). A mesma doutrina em outro aresto do Tribunal Constitucional: “Na verdade, recurso para o Tribunal Constitucional só existe quando esteja em causa a inconstitucionalidade de normas jurídicas, e não também de actos jurídicos de índole diversa, como, v.g., actos administrativos ou decisões judiciais (sobre esta fundamental distinção, v. o Acórdão nº 26/85, no Diário da República, 2ª série, de 26 de abril de 1985). É isso o que clara e expressamente resulta, não apenas do teor do art. 280º da Constituição, mas de todo o conjunto de normas e princípios constitucionais respeitantes à fiscalização da constitucionalidade e à natureza e configuração do Tribunal Constitucional. Este é um órgão jurisdicional aí basicamente concebido para o controlo normativo; e se a Cons tituição, além de lhe haver atribuído outras funções (que aqui não vêm ao caso), permite ainda [art. 213º, nº 2, alínea e)] que o legislador alargue o respectivo quadro de competências, o facto é que este último, pelo menos até agora, e nomeadamente na Lei nº 28/1982, não estendeu esse quadro, no que toca ao controlo da constitucionalidade, para além do que se encontra estabelecido no diploma fundamental” (Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19850090.html>).

91 Art. 75.º-A, n.º 2, in fine, da Lei do Tribunal Constitucional.92 Veja-se Isabel Alexandre, “A norma ou princípio constitucional ou legal violado como elemento do objecto dos

recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade ou da legalidade” (Jurisprudência Constitucional, n. 6, p. 30, 2005).

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arguição da inconstitucionalidade terá que ser concretizada em momento que permita ao juiz do processo poder decidir93.

O Tribunal pode, note-se, oficiosamente declarar a inconstitucionalidade das normas. Imagine que um juiz julga aplicável determinada norma e detecta--lhe uma inconstitucionalidade, isto é, no seu entendimento, a norma padece uma inconstitucionalidade. Se assim for que, declare na sua decisão, a título prejudicial, a inconstitucionalidade da norma em causa. Com efeito, nos termos do art. 204.º da CRP, nos feitos submetidos a juízo, os tribunais não podem aplicar normas consideradas inconstitucionais.

Nesse caso, o Tribunal deverá recusar a aplicação da norma que jul-gue inconstitucional e, se estiver perante uma inconstitucionalidade originária, deverá repristinar a norma revogada pela declarada inconstitucional e decidir o caso de acordo justamente com a norma repristinada. Todavia, se não hou-ver lugar a repristinação, porque a norma inconstitucional não havia revogado qualquer outra, deverá verificar se o judicativo caso concreto poderá ser deci-dido com recurso às regras da interpretação94.

Poderíamos ser precipitados e entender que este art. 204.º da CRP é ta-xativo e não contempla as ilegalidades; todavia, há que interpretar esse preceito conjugadamente com os arts. 280.º da CRP e 70.º da LTC.

À parte que arguiu a inconstitucionalidade, o que lhe interessa é só mes-mo a decisão, porque é dessa decisão que lhe será possível interpor recurso, nos termos dos arts. 280.º da CRP e 70.º e seguintes da LTC.

Uma questão a ter em conta é que não se declara inconstitucionalidade de artigos ou preceitos, apenas declara-se a inconstitucionalidade de normas. Porventura, um artigo pode só conter uma norma, mas nem sempre. Tem de se indicar que se declara inconstitucionalidade da norma constante de determina-do artigo de certo diploma.

Por isso é que o Tribunal Constitucional, quando se declara a inconsti-tucionalidade com sentido interpretativo, ou seja, indicando o sentido que é conforme com a Constituição ou indicando o sentido que é inconstitucional, indica expressa e exactamente isso.

Com efeito, não é razoável que as normas sejam inconstitucionais. É su-posto justamente o inverso, ou seja, que a ordem jurídica não detenha normas inconstitucionais. A função judicial, na sua actividade quotidiana de dirimir conflitos de interesses mediante a aplicação do direito, deve presumir que o di-

93 Note-se que a parte final do n.º 2 do art. 72.º da LTC é decisiva quanto a esse aspecto, ao determinar que a inconstitucionalidade deve ser arguida no processo e junto do tribunal “em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.

94 Por todos, vide J. Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador (2. Reimp., Coimbra: Coimbra, 1987, p. 192 e ss.).

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reito forma um todo correcto, perfeito, justo e conforme a Constituição. Assim, quando se detecta uma inconstitucionalidade, ela surge como uma excepção, sempre por via incidental, e sempre por meio de um incidente da instância inominado para resolver.

Se for suscitada a inconstitucionalidade de alguma norma e o tribunal judicial ou administrativo entender que efectivamente se verifica a inconstitu-cionalidade, não deverá aplicar a norma95, sendo que neste caso o Ministério Público, nos termos do n.º 3 do art. 280.º da CRP e art. 72.º, n.º 3, da LTC, é obrigado a recorrer para o Tribunal Constitucional, recorrendo directa e ime-diatamente96.

Havendo essa quebra de adesão ao direito, ainda que legítima e justifica-da, por essa via, a Constituição determina o recurso imediato, de forma a resol-ver logo essa questão, para não poder sentir-se quebra da confiança jurídica. O Tribunal Constitucional vai poder confirmar ou entender diversamente do juiz, e vai fazê-lo imediatamente em termos processuais.

Todavia, acrescente-se que o Ministério Público só recorre directamente quando estão em causa os diplomas previstos: actos legislativos, tratados e de-cretos regulamentares, ou seja, só diplomas que dependem da promulgação do Presidente da República. Os restantes diplomas, isto é, os não catalogados no n.º 3 do art. 280.º da CRP, não ficam, ipso iuris, abrangidos pela previsão do n.º 4 do mesmo preceito, isso porque, interpretando, uma vez mais, a contrario da norma constante do art. 70.º, n.º 2, da LTC, que não obriga ao esgotamento de todos os patamares de recurso ordinário, devemos concluir que o recurso das partes, com legitimidade, deverá ser interposto directamente junto do Tribunal Constitucional97.

Se ao processo couber recurso, e a arguição da inconstitucionalidade não tiver acontecido logo na primeira instância, não estão as partes impedidas

95 “III – Constitui violação da reserva do juiz, já que atribui poderes quase automáticos de composição definitiva a uma entidade administrativa, estando vedada a sindicabilidade da aposição da fórmula executória. IV – Deve assim entender-se que o n.º 2 do art. 814.º do Código de Processo Civil viola o disposto nos arts. 20.º, n.º 4, e 202.º, n.º 4, e 202.º, n.º 1, da CRP, devendo, ao abrigo do disposto no art. 204º da CRP, com fundamento em inconstitucionalidade material, ser recusada a aplicação daquele normativo. V – A desaplicação do n.º 2 do art. 814.º do Código de Processo Civil, com fundamento em inconstitucionalidade material conduz a que seja admissível a invocação de factos impeditivos em oposição a acção executiva fundada em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória.” (Acórdão da Relação de Lisboa (Maria Amélia Ameixoeira), de 06.12.2012. Disponível em: <www.dgsi.pt>)

96 As partes também poderão, nesse caso de recusa de aplicação de norma julgada inconstitucional, recorrer directamente para Tribunal Constitucional, considerando-se suspensos todos os prazos de interposição de outros recurso que porventura coubessem ao caso, conforme dispõe o n.º 1 do art. 75.º da LTC. E tal regime decorre da interpretação a contrario da norma constante do art. 70.º, n.º 2, da LTC, que não obriga ao esgotamento de todos os patamares de recurso ordinário. Em todo o caso, as partes não são obrigadas a recorrer directamente, pois podem ter outros e mais valiosos argumentos (do ponto de vista do processo concreto) para interporem o recurso ordinário cabível ao processo em causa.

97 É estranha a solução, uma vez que, nesse caso, o Ministério Público não poderá recorrer directamente para o Tribunal Constitucional, a não ser que seja parte no processo e detenha legitimidade e interesse em agir.

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de arguir no recurso, porque o art. 204.º da CRP também se aplica aos tribunais superiores, e, portanto, nas alegações e nas conclusões de recurso, pode-se justamente alegar a inconstitucionalidade pretendida.

Pelo n.º 5 do art. 280.º da CRP e art. 72.º, n.º 3, da LTC, o Ministério Público é obrigado98 a recorrer das decisões que apliquem norma caso o Tribu-nal Constitucional99 já se pronunciara pela inconstitucionalidade da norma100. Note-se que há uma decisão (anterior) do Tribunal Constitucional que, como órgão especializado, já julgou inconstitucional certa norma, daí que, se um juiz “comum” contrariar a decisão do Tribunal Constitucional, há que pacificar essa fissura no ordenamento jurídico e, portanto, também aqui o recurso do Ministé-rio Público é obrigatório e directo para o Tribunal Constitucional.

A parte ad cautelam poderá fazer um requerimento ao processo, dizendo que a decisão em causa dispõe em sentido contrário a um acórdão do Tribu-nal Constitucional (identificando-o) e, portanto, requer que seja dada vista ao Ministério Público para recorrer. Poderá também recorrer e recorre tal qual o Ministério Público, ou seja, directamente para o Tribunal Constitucional101.

É importante que as questões concretas sejam levadas ao Tribunal Consti-tucional, porque, pelo n.º 3 do art. 281.º da CRP102, ao fim de três casos concre-tos em que o Tribunal decida sempre da mesma forma, ou seja, sempre pela in-constitucionalidade de uma norma em casos de fiscalização concreta, poderá103

98 O Ministério Público é ainda obrigado a recorrer quando: i) há uma decisão positiva de inconstitucionalidade de norma constante de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar (art. 280.º, n.º 3, CRP e art. 72.º, n.º 3, da LTC); ii) uma decisão recusa a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional; e iii) o Tribunal Constitucional vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, quando o Ministério Público intervier no processo como recorrente ou recorrido (art. 79.º-D, n.º 1, da LTC).

99 Ou da Comissão Constitucional, nos termos do art. 70.º, n.º 1, alínea h), da LTC.100 Aqui cabem as decisões de pronúncia proferidas no âmbito da fiscalização preventiva da constitucionalidade

e que não impossibilitaram a entrada em vigor do diploma e da(s) norma(s) julgadas inconstitucionais (art. 279.º, n.º 2, da CRP).

101 Está aqui em causa a aplicação do princípio da igualdade de armas, sendo certo que o art. 280.º, n.º 4, só se aplica aos casos em que a parte argui a inconstitucionalidade e não há procedência desta excepção. O art. 70.º, n.º 2, da LTC apenas obriga a esgotar os patamares de recurso nos casos das alíneas b) e f) do n.º 1, e não neste caso, pois dispõe expressamente que “os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam” (destaque nosso). A igualdade de armas justifica a posição exposta no texto, pois decorre do art. 20.º da CRP e do art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Jornal Oficial das Comunidades Europeias, C 364/1 (Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>). É também preconizado como princípio pelo Ali/Unidroit Principles Of Transnational Civil Procedure, ponto 3 (Procedural Equality of the Parties) (Disponível em: <www.unidroit.org/instruments/transnational-civil-procedure>).

102 E art. 82.º da Lei do Tribunal Constitucional.103 Note-se que é um poder-dever, mas não há uma obrigação concreta, determinada por norma imperativa, antes

pelo contrário, por força do art. 82.º da LTC claramente que a norma em causa é dispositiva facultativa.

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decidir pela declaração, com a força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma. Ao fazê-lo, fá-lo-á com os efeitos previstos no art. 282.º da CRP.

5 A INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃOPor último, apenas uma menção à inconstitucionalidade por omissão,

que é um mecanismo que apenas alerta o legislador para ter que legislar, não há efeitos adicionais, visto o art. 283.º da CRP104. Passam-se anos sem que essa via seja utilizada105.

6 NOTA FINALPretendeu-se apresentar uma abordagem aos elementos constituintes do

sistema de fiscalização da constitucionalidade, em uma abordagem preparató-ria do estudo para o exame de ingresso no Centro de Estudos Judiciários. Deixa--se alguma bibliografia indicada para o efeito.

Outra vertente necessária, mas que não foi aqui focada, é o estudo da temática relativa aos direitos fundamentais.

O texto apresentado foi escrito de acordo com a antiga ortografia, prévia ao acordo ortográfico106.

REFERÊNCIASALEXANDRE, Isabel. A norma ou princípio constitucional ou legal violado como elemento do objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade ou

104 E arts. 67.º e 68.º LTC.105 Veja-se o estudo em Ana Catarina Santos, Papel político do tribunal constitucional (2011, p. 230).106 Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, convenção internacional assinada pela Academia das

Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Publicado no DR 193, I-A Série, de 23 de agosto de 1991, p. 4370 a 4388, foi ratificado pela Resolução da Assembleia da República nº 35/2008, de 16 de maio no DR 145, I Série, de 29 de julho, p. 4802, e pelo Decreto do Presidente da República nº 52/2008, de 29 de julho. A Resolução da AR prevê um período de transição pelo prazo de 6 anos para adopção oficial da nova ortografia, a contar de 13 de maio de 2009, data do depósito do instrumento de ratificação, segundo o Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros nº 255/2010, de 17 de setembro, no DR 182, I Série, p. 4116.

O Comunicado do Conselho de Ministros de 9 de dezembro de 2010 indica o conversor Lince como ferramenta gratuita de conversão ortográfica para a nova grafia (Disponível em: <www.portaldalinguaportuguesa.org>) e a Resolução do Conselho de Ministros nº 8/2011, de 25 de janeiro de 2011, aprovou a introdução da nova grafia a partir do ano lectivo de 2011/2012 por meio de uma adopção gradual do processo de conversão ortográfica.

As instituições, os órgãos e os organismos da União Europeia decidiram aplicar, a partir de 1º de janeiro de 2012, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. A partir dessa data, os textos publicados no Jornal Oficial da União Europeia foram redigidos segundo as regras da nova ortografia. Aviso constante do respectivo Jornal Oficial no mês de dezembro (nomeadamente JOUE C 350 de 01.12.2011 e C 351 de 02.12.2011).

O prazo de transição de 6 anos, a ter-se contado desde a data do depósito internacional da ratificação, terminou, então, a 13 de maio de 2015. Porém, nos termos do art. 119.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da CRP, só a publicação publicita e valida o acto de depósito, pelo que só aí se poderia ter começado a contar o prazo que só terminaria, por esse entendimento e com a vacatio legis de 5 dias, em 22 de setembro de 2016.

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Parte Geral – Jurisprudência

3826

Supremo Tribunal Federal26.05.2017 Segunda TurmaEDcl na Reclamação nº 26.391 São PauloRelator: Min. Gilmar MendesEmbte.(s): Jose Xaides de Sampaio AlvesAdv.(a/s): Sandro Luiz FernandesEmbdo.(a/s): Reitor da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita FilhoAdv.(a/s): sem representação nos autos

Agravo regimental em reclamação. 2. Aposentadoria especial de servidor público estadual portador de deficiência. Pedido de aplicação, por ana-logia, de norma federal. 3. Ausência de violação ao disposto na Súmula Vinculante nº 33. 4. Não cabimento da reclamação. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em 2ª T., sob a presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, receber os embargos de declaração como agravo regi-mental e, a este, negar seguimento, nos termos do voto do Relator.

Brasília, Sessão Virtual de 19 a 25 de maio de 2017.

Ministro Gilmar Mendes Presidente e Relator Documento assinado digitalmente

relAtórIo

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator): Trata-se de agravo regimen-tal contra decisão que negou seguimento a reclamação, por falta de aderência entre o ato reclamado e o enunciado de súmula vinculante tido por violado. Eis um trecho desse julgado:

“Observo que a autoridade reclamada, ao analisar o caso dos autos, consignou que não haveria fundamento legal para a concessão da aposentadoria especial. Nesse sentido, transcrevo a ementa do Parecer nº 145/2016, aprovado pela au-toridade reclamada:

‘Aposentadoria especial do servidor portador de deficiência. Art. 40, § 4º, I, da Constituição Federal.

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Necessidade de regulamentação legal. Aplicação, por analogia, de requisitos e condições previstas na LC 142/2013 tão somente a servidores amparados por mandados de injunção’ (eDOC 14, p. 3).

Por sua vez, a decisão desta Corte indicada como afrontada, a Súmula Vinculante nº 33, tem a seguinte redação:

‘Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o art. 40, § 4º, in-ciso III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.’

Assim, não se verifica estrita aderência entre o decidido no ato reclamado e o assentado por esta Corte na SV 33, eis que se tratam de diferentes espécies de aposentadoria especial, uma derivada da deficiência física, outra do exercício de atividades em condições prejudiciais, o que acarreta a inadmissibilidade da ação, por ausência de pressuposto de cabimento necessário.” (eDOC 22, p. 1)

Opostos embargos de declaração com pedido de efeitos infringentes pelo reclamante, foi determinada a complementação das razões na forma do art. 1.024, § 3º, do CPC (eDOC 25).

Nas razões de agravo regimental, sustenta-se que o Pleno deste Tribunal já acolheu diversos mandados de injunção por decisões que determinaram a aplicação, por analogia, da Lei Complementar nº 142/2013 ou do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 aos servidores públicos portadores de deficiência que pleiteiam a aposentadoria especial.

Afirma-se que a concessão de tal direito pode dar-se na via da reclama-ção por violação à Súmula Vinculante nº 33, “posto que, de outra sorte, haverá provocação de enxurrada de ações de mandado de injunção para assegurar o cumprimento da LC 142/2013, o que viria a contrariar os postulados da celeri-dade processual e da autoridade das decisões desse Supremo colegiado, além de abarrotar, mais ainda, esse assoberbado órgão jurisdicional” (eDOC 26, p. 3).

A parte recorrida pugna pelo desprovimento do recurso (eDOC 30).

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator): No agravo regimental, não ficou demonstrado o desacerto da decisão agravada.

O agravante não trouxe argumentos suficientes a infirmar a decisão, vi-sando apenas à rediscussão da matéria já decidida em conformidade com a jurisprudência pacífica deste Tribunal.

Como já demonstrado pela decisão ora agravada, o ato reclamado não violou a norma da Súmula Vinculante nº 33, pois esta não dispõe sobre a con-

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cessão de aposentadoria especial aos portadores de deficiência, mas sim aos que exercem atividades em condições prejudiciais.

Não é possível a interpretação extensiva ou analógica dos enunciados de súmula vinculante no julgamento de reclamações, que não se destinam a tutelar o direito da parte, mas a preservar a competência do Tribunal.

Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes:

“RECLAMAÇÃO – AGRAVO REGIMENTAL – SERVIDOR PÚBLICO – APOSEN-TADORIA ESPECIAL REQUERIDA COM BASE NO ART. 40, § 4º, III, DA CONS-TITUIÇÃO FEDERAL – ALEGAÇÃO DE AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE Nº 33 – AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA – RECLAMAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO – 1. A partir da publicação da Súmula Vinculante nº 33, a admi-nistração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, deve aplicar a seus servidores, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre a aposentadoria especial de que trata o art. 40, § 4º, III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica. 2. A afronta à Súmula Vin-culante nº 33 ocorre quando a Administração se furta de examinar o pleito de concessão de aposentadoria especial ao fundamento de que inexistente a nor-ma regulamentadora a que refere o art. 40, § 4º, III, da Constituição Federal, o que não é o caso dos autos, como deflui da própria inicial. 3. Agravo regimen-tal conhecido e não provido.” (Rcl 21360-AgR, Relª Min. Rosa Weber, 1ª T., DJe 22.03.2017)

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL – AGRAVO REGIMENTAL EM RE-CLAMAÇÃO – AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA ENTRE O CONTEÚDO DO ATO RECLAMADO E O DA SÚMULA VINCULANTE 14 – AGRAVO REGIMEN-TAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (Rcl 10419-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., DJe 24.11.2015)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.Extrato de Ata – 26/05/2017

segundA turmA extrAto de AtA

EDcl na Reclamação nº 26.391

Proced.: São Paulo

Relator: Min. Gilmar Mendes

Embte.(s): Jose Xaides de Sampaio Alves

Adv.(a/s): Sandro Luiz Fernandes (105702/SP)

Embdo.(a/s): Reitor da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho

Adv.(a/s): sem representação nos autos

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Decisão: A Turma, por unanimidade, recebeu os embargos de declara-ção como agravo regimental, a que se negou provimento, nos termos do voto do Relator. 2ª Turma, Sessão Virtual de 19 a 25.05.2017.

Composição: Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Edson Fachin.

Ravena Siqueira Secretária

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Parte Geral – Jurisprudência

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Supremo Tribunal Federal06.10.2017 Primeira TurmaAgRg no Recurso Extraordinário nº 1.064.450 Santa CatarinaRelator: Min. Luiz FuxAgte.(s): Renar Móveis S/AAdv.(a/s): Silvio Luiz de CostaAgdo.(a/s): Estado de Santa CatarinaProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral do Estado de Santa Catarina

ementA

AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TRIBUTÁRIO – ICMS – CORREÇÃO MONETÁRIA DE CRÉDITOS ESCRITURAIS – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS ALEGADAS OFENSAS À CONSTITUIÇÃO – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – MANDADO DE SEGURANÇA – INAPLICABILIDADE DO ART. 85, § 11, DO CPC/2015 – SÚMULA Nº 512 DO STF – AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

Acórdão

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata de julgamento virtual de 29.09 a 05.10.2017, por unanimidade, negou provi-mento ao agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 6 de outubro de 2017.

Ministro Luiz Fux Relator

relAtórIo

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de agravo interno interposto por Renar Móveis S/A contra decisão de minha relatoria, cuja ementa transcrevo:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TRIBUTÁRIO – ICMS – CORREÇÃO MONE-TÁRIA DE CRÉDITOS ESCRITURAIS – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS ALEGADAS OFENSAS À CONSTITUIÇÃO – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – RECURSO DESPROVIDO.”

Nas razões do agravo, a parte agravante sustentou que a matéria contro-vertida teria sido prequestionada, ainda que não expressamente mencionados os arts. 5º, XXIV, 37, caput, e 150, IV, da Constituição Federal.

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É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): A presente irresignação não merece prosperar.

Em que pesem os argumentos expendidos no agravo, resta evidenciado das razões recursais que a parte agravante não trouxe nenhum argumento capaz de infirmar a decisão hostilizada.

Com efeito, as alegadas ofensas aos arts. 5º, XXIV, 37, caput, e 150, IV, da Constituição Federal não foram objeto de debate no Tribunal de origem nem tampouco foram suscitadas em embargos de declaração, a fim de suprir even-tual omissão.

Nesse contexto, é forçoso concluir que a parte ora agravante se furtou em prequestionar, em momento oportuno, os dispositivos constitucionais apon-tados como violados nas razões do apelo extremo, atraindo, inarredavelmente, os óbices das Súmulas nºs 282 e 356 do STF, que dispõem, respectivamente, in verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada” e “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

Saliente-se que a exigência do prequestionamento não é mero rigorismo formal, pois ele consubstancia a necessidade de obediência aos limites impos-tos à atividade jurisdicional do Supremo Tribunal Federal, cuja competência fora outorgada pela Constituição Federal em seu art. 102. Nesse dispositivo, não há previsão de apreciação originária por este Pretório Excelso de questões como a que ora se apresenta. A competência para a apreciação originária de pleitos no STF está exaustivamente arrolada no citado dispositivo constitucional, não podendo sofrer ampliação na via do recurso extraordinário. Nesse sentido:

“A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a determinada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo para, somen-te então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja adotado en-tendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o processo guindado à sede extraordinário com remédio legal para compeli-lo a tanto – os embargos declaratórios.” (RE 128.518, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ de 08.03.1991)

“De acordo com a jurisprudência desta Corte, para se ter como prequestionada, a matéria deve ter sido trazida nas razões do recurso e abordada no acórdão recorrido, ou, caso omisso o tribunal recorrido, suscitada em embargos de de-claração. Da mesma forma, para que a ofensa surgida no acórdão recorrido seja considerada prequestionada,deve-se dar ao tribunal recorrido, via embargos de

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................129

declaração, oportunidade para manifestar-se acerca da violação apontada.” (AI 742.256-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª T., DJe de 17.05.2011)

Por oportuno, colaciona-se trecho do voto condutor do AI 140.623-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ de 18.09.1992:

“Ora, o fato de não estar explícito na Constituição, não afeta a exigibilidade do prequestionamento como pressuposto do recurso extraordinário. Antiga e firme jurisprudência desta Corte o reputa da própria natureza do recurso extraordiná-rio. Ao julgá-lo, o Tribunal não se converte em terceiro grau de jurisdição, mas se detém no exame do acórdão recorrido e verifica se nele a regra de direito recebeu boa ou má aplicação. Daí a necessidade de que no julgamento impugnado se tenha discutido a questão constitucional posta no extraordinário.”

Insta salientar que o presente agravo foi interposto sob a égide da nova lei processual, o que conduziria à aplicação de sucumbência recursal. Contu-do, por não ter havido condenação ao pagamento de honorários advocatícios nas instâncias anteriores, fica impossibilitada sua majoração (art. 85, § 11, do CPC/2015).

Ressalte-se, por oportuno, que não houve intimação para a apresentação de contrarrazões ao agravo, em obediência ao princípio da celeridade proces-sual e por não se verificar prejuízo à parte ora agravada, uma vez que voto pela manutenção da decisão agravada (art. 6º c/c art. 9º do CPC/2015).

Ex positis, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

prImeIrA turmA extrAto de AtA

AgRg no Recurso Extraordinário nº 1.064.450

Proced.: Santa Catarina

Relator: Min. Luiz Fux

Agte.(s): Renar Móveis S/A

Adv.(a/s): Silvio Luiz de Costa (25221/DF, 1658a/MG, 19758/PR, 54189A/RS, 5218/SC, 245959/SP)

Agdo.(a/s): Estado de Santa Catarina

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator. Primeira Turma, Sessão Virtual de 29.09 a 05.10.2017.

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Composição: Ministros Marco Aurélio (Presidente), Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

Disponibilizou processos para esta Sessão o Ministro Dias Toffoli, não tendo participado do julgamento desses feitos o Ministro Alexandre de Moraes em razão da ordem de sucessão na Primeira Turma.

Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma

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Parte Geral – Jurisprudência

3828

Superior Tribunal de JustiçaHabeas Corpus nº 398.780 – SP (2017/0104335‑1)Relator: Ministro Ribeiro Dantas Impetrante: Daniel Romeiro e outrosAdvogados: Roberto Podval – SP101458

Odel Mikael Jean Antun – SP172515 Daniel Romeiro – SP234983 Carlos Eduardo Mitsuo Nakaharada – SP310808 Paula Moreira Indalécio Gambôa – SP195105 Gisela Silva Telles – SP391054

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região Paciente: Enrico Picciotto

ementA

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA – POSSIBILIDADE – DOSIMETRIA DA PENA – FLAGRANTE ILEGALIDADE – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO – ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO

1. Após o julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP (STF, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, J. 17.02.2016), esta Corte pas-sou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afir-mado pelo art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”. Em outras pala-vras, voltou-se a admitir o início de cumprimento da pena imposta pelo simples esgotamento das instâncias ordinárias, ou seja, antes do trânsito em julgado da condenação, nos termos da Súmula nº 267/STJ.

2. O Supremo Tribunal Federal também reconheceu a repercussão geral do tema (ARE 964.246/SP, Rel. Min. Teori Zavascki) e, em 11.11.2016, decidiu, em Plenário Virtual, pela reafirmação de sua jurisprudência ex-ternada no mencionado HC 126.292/SP.

3. Quanto à alegação de que não seria possível dar início à execução da pena, pois a sentença condenatória teria garantido ao paciente o direito de recorrer em liberdade, tem-se que esta Corte firmou posicionamento no sentido de que não há falar em reformatio in pejus, pois a determi-nação de execução provisória da pena encontra-se dentre as competên-cias do juízo revisional e independe de recurso da acusação.

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4. A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de que o Tribunal de origem pode, mantendo a pena e o regime inicial aplicados ao réu, lastrear-se em fundamentos diversos dos adotados em primeira instância, ainda que em recurso exclusivo da defesa, sem confi-gurar ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, desde que observa-dos os limites da pena estabelecida pelo Juízo sentenciante, bem como as circunstâncias fáticas delineadas na sentença e na exordial acusatória.

5. A dosimetria da pena deve ser feita seguindo o critério trifásico descri-to no art. 68, c/c o art. 59, ambos do Código Penal, cabendo ao Magis-trado aumentar a pena de forma sempre fundamentada e apenas quando identificar dados que extrapolem as circunstâncias elementares do tipo penal básico.

6. In casu, a conduta social foi considerada negativa sem que fosse apre-sentada fundamentação apta a justificar tal medida, não sendo adequado valorar como conduta social o fato de que as fraudes nas negociações de títulos das dívidas públicas estaduais e municipais eram corriqueiras.

7. Quanto às consequências do crime, os fundamentos também são ini-dôneos, pois foram embasadas em dados genéricos e no resultado natural do delito, no momento em que o Magistrado afirma que “foram bastante gravosas”, bem como que o “prejuízo foi suportado por entes de direito público”.

8. Por outro lado, a valoração negativa das circunstâncias do crime está devidamente fundamentada, porquanto os elementos apresentados são acidentais e não integram a estrutura do tipo penal. O fato de o paciente ter tornado a prática das operações fraudulentas como a principal ativi-dade desenvolvida pela instituição que comandava, possuindo papel de liderança na atuação de várias instituições financeiras, com o objetivo de colocar em prática o esquema criminoso, extrapolam as condições pró-prias do tipo de gestão fraudulenta e evidenciam a maior reprovabilidade do crime praticado.

9. Estabelecida a pena-base acima do mínimo legal, por ter sido desfavo-ravelmente valorada circunstância do art. 59 do Código Penal, admite--se a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta.

10. No caso, conquanto a pena imposta ao paciente, primário, tenha sido estabelecida em patamar inferior a 4 anos, o regime semiaberto é o ade-quado para o cumprimento da pena reclusiva, diante da circunstância judicial desfavorável, que elevou a pena-base.

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................133

11. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, apenas para redimensionar a pena do paciente para 3 anos e 6 meses de reclu-são, a ser inicialmente cumprida em regime semiaberto, e pagamento de 60 dias-multa, mantida a legalidade da execução imediata da pena privativa de liberdade.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça “Prosseguindo no julgamento, a Turma, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Sustentaram oralmente na sessão de 19.09.217: Dr. Roberto Podval (p/pacte) e Ministério Público Federal.

Brasília (DF), 24 de outubro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Ribeiro Dantas Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas:

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Enrico Picciotto, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Colhe-se dos autos que o paciente foi condenado à pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos de reclusão, em regime semiaberto, pela prática do delito tipificado no art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 (gestão fraudulenta de instituição financeira), sendo-lhe permitido recorrer em liberdade.

O Tribunal de origem negou provimento à apelação do ora paciente e determinou a imediata expedição de mandado de prisão, para início de cum-primento da pena.

Neste habeas corpus, os impetrantes sustentam que: a) “a autoridade co-atora determinou o início da execução da pena ainda que não escoado o prazo para oposição de embargos declaratórios” (e-STJ, fl. 4); b) o acórdão impugnado “não poderia jamais ter determinado a prisão do paciente, agindo contraria-mente ao contido na sentença de primeira instância que se tornou imutável diante de ausência de recurso da acusação” (e-STJ, fl. 7); c) “a mudança do

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entendimento jurisprudencial da Suprema Corte não justifica, de forma algu-ma, a alteração da força e do poder de uma decisão transitada em julgado para a acusação” (e-STJ, fl. 7); d) “ao determinar a execução antecipada da pena imposta ao paciente, a autoridade coatora incidiu em nítida reformatio in pejus” (e-STJ, fl. 9); e) “a execução antecipada mostra-se ainda mais indevida em razão da plausibilidade de redução significativa da pena, de modo a alterar o regime de cumprimento ou até mesmo autorizar sua substituição por restriti-vas de direitos” (e-STJ, fl. 15); f) “os critérios utilizados pelo juízo de primeiro grau para majorar a pena-base do paciente incidem em evidente bis in idem, eis que as razões pelas quais houve o acréscimo na pena também são elementares do crime de gestão fraudulenta” (e-STJ, fl. 17).

Pleiteiam seja assegurada a liberdade do paciente até o trânsito em julga-do da condenação ou, ao menos, até o encerramento da jurisdição da segunda instância.

O pedido liminar foi deferido para suspender a execução provisória da pena até o esgotamento da jurisdição ordinária.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento, porém pela concessão da ordem, de ofício, “garantindo ao paciente o direito de aguardar em liberdade o esgotamento das vias recursais ordinárias” (e-STJ, fl. 447).

É o relatório.

ementA

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA – POSSIBILIDADE – DOSIMETRIA DA PENA – FLAGRANTE ILEGALIDADE – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO – ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO

1. Após o julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP (STF, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, J. 17.02.2016), esta Corte pas-sou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afir-mado pelo art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”. Em outras pala-vras, voltou-se a admitir o início de cumprimento da pena imposta pelo simples esgotamento das instâncias ordinárias, ou seja, antes do trânsito em julgado da condenação, nos termos da Súmula nº 267/STJ.

2. O Supremo Tribunal Federal também reconheceu a repercussão geral do tema (ARE 964.246/SP, Rel. Min. Teori Zavascki) e, em 11.11.2016,

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................135

decidiu, em Plenário Virtual, pela reafirmação de sua jurisprudência ex-ternada no mencionado HC 126.292/SP.

3. Quanto à alegação de que não seria possível dar início à execução da pena, pois a sentença condenatória teria garantido ao paciente o direito de recorrer em liberdade, tem-se que esta Corte firmou posicionamento no sentido de que não há falar em reformatio in pejus, pois a determi-nação de execução provisória da pena encontra-se dentre as competên-cias do juízo revisional e independe de recurso da acusação.

4. A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de que o Tribunal de origem pode, mantendo a pena e o regime inicial aplicados ao réu, lastrear-se em fundamentos diversos dos adotados em primeira instância, ainda que em recurso exclusivo da defesa, sem confi-gurar ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, desde que observa-dos os limites da pena estabelecida pelo Juízo sentenciante, bem como as circunstâncias fáticas delineadas na sentença e na exordial acusatória.

5. A dosimetria da pena deve ser feita seguindo o critério trifásico descri-to no art. 68, c/c o art. 59, ambos do Código Penal, cabendo ao Magis-trado aumentar a pena de forma sempre fundamentada e apenas quando identificar dados que extrapolem as circunstâncias elementares do tipo penal básico.

6. In casu, a conduta social foi considerada negativa sem que fosse apre-sentada fundamentação apta a justificar tal medida, não sendo adequado valorar como conduta social o fato de que as fraudes nas negociações de títulos das dívidas públicas estaduais e municipais eram corriqueiras.

7. Quanto às consequências do crime, os fundamentos também são ini-dôneos, pois foram embasadas em dados genéricos e no resultado natural do delito, no momento em que o Magistrado afirma que “foram bastante gravosas”, bem como que o “prejuízo foi suportado por entes de direito público”.

8. Por outro lado, a valoração negativa das circunstâncias do crime está devidamente fundamentada, porquanto os elementos apresentados são acidentais e não integram a estrutura do tipo penal. O fato de o paciente ter tornado a prática das operações fraudulentas como a principal ativi-dade desenvolvida pela instituição que comandava, possuindo papel de liderança na atuação de várias instituições financeiras, com o objetivo de colocar em prática o esquema criminoso, extrapolam as condições pró-prias do tipo de gestão fraudulenta e evidenciam a maior reprovabilidade do crime praticado.

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9. Estabelecida a pena-base acima do mínimo legal, por ter sido desfavo-ravelmente valorada circunstância do art. 59 do Código Penal, admite--se a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta.

10. No caso, conquanto a pena imposta ao paciente, primário, tenha sido estabelecida em patamar inferior a 4 anos, o regime semiaberto é o ade-quado para o cumprimento da pena reclusiva, diante da circunstância judicial desfavorável, que elevou a pena-base.

11. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, apenas para redimensionar a pena do paciente para 3 anos e 6 meses de reclu-são, a ser inicialmente cumprida em regime semiaberto, e pagamento de 60 dias-multa, mantida a legalidade da execução imediata da pena privativa de liberdade.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas:

Os impetrantes insurgem-se contra a determinação de imediata expedi-ção de mandado de prisão contra o paciente, para início de cumprimento de sua pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime semiaberto.

Após o julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP (STF, Relator Minis-tro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, J. 17.02.2016), esta Corte passou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”. Em outras palavras, voltou-se a admitir o início de cumprimento da pena imposta pelo simples esgotamento das instâncias ordinárias, ou seja, antes do trânsito em julgado da condenação, nos termos da Súmula nº 267/STJ.

Sobre o tema, confiram-se:

“DIREITO PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RE-CURSO PRÓPRIO – INADMISSIBILIDADE – MÉRITO – ROUBO QUALIFICADO – PACIENTE CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, GARANTIDO O DIREI-TO DE RECORRER EM LIBERDADE – RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA – SEN-TENÇA CONFIRMADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA – PRISÃO DETERMINADA PELO TRIBUNAL – POSSIBILIDADE – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA – LE-GALIDADE – RECENTE ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – ORDEM NÃO CONHECIDA

[...]

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................137

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência (HC 126292, julgado no dia 17 de fevereiro de 2016).

3. No particular, como a sentença condenatória foi confirmada pelo Tribunal de origem e porquanto encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias (bem como a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa do condenado), é possível dar início à execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condena-ção, sem que isso importe em violação do princípio constitucional da presunção de inocência. Ademais, a sentença assegurou ao paciente o direito de recorrer em liberdade, o que representa a prerrogativa de apelar em liberdade, como ocorreu, tendo em vista que os recursos especial e extraordinário não são dotados, regra geral, de efeito suspensivo.

4. Habeas corpus não conhecido. Cassada, de ofício, a liminar outrora deferida em benefício do paciente e recomendada a análise da detração penal.”

(HC 350.518/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., J. 17.05.2016, DJe 24.05.2016)

“PROCESSUAL PENAL E PENAL – HABEAS CORPUS – ROUBO MAJORADO – CONDENAÇÃO CONFIRMADA PELO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO – EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA – NOVO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO HC 126292 – HABEAS CORPUS DENEGADO

1. Não se constata ilegalidade no decreto de prisão quando proferido em acór-dão condenatório em sede de apelação criminal nos termos da nova orientação da Sexta Turma ao apreciar o HC 352.845/SP, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., J. 26.04.2016, DJe 03.05.2016, adotando recente orientação, fi-xada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, de 17.02.2016, DJe 17.05.2016), segundo o qual, a execução provi-sória da condenação penal, na ausência de recursos com efeito suspensivo, não viola ao constitucional princípio da presunção de inocência.

2. Habeas corpus denegado.”

(HC 354.470/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T. J. 02.06.2016, DJe 16.06.2016)

Acrescente-se que o Supremo Tribunal Federal também reconheceu a repercussão geral do tema (ARE 964.246/SP, Rel. Min. Teori Zavascki) e, em 11.11.2016, decidiu, em Plenário Virtual, pela reafirmação de sua jurisprudên-cia externada no mencionado HC 126.292/SP, em acórdão assim ementado:

“CONSTITUCIONAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PRINCÍPIO CONSTI-TUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII) – ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – POSSIBILIDADE – REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA – JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA – 1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supre-mo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal

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condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria.”

(ARE 964246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, J. 10.11.2016, DJe de 25.11.2016)

No mais, os impetrantes alegam que não seria possível dar início à exe-cução da pena, pois a sentença condenatória, confirmada pelo Tribunal de ori-gem, teria garantido ao paciente o direito de recorrer em liberdade.

Esta Corte já firmou posicionamento no sentido de que não há falar em reformatio in pejus, pois a determinação de execução provisória da pena en-contra-se dentre as competências do juízo revisional e independe de recurso da acusação, somente podendo ser sustada se concedido efeito suspensivo a eventual recurso especial interposto.

Sobre o tema, os seguintes precedentes desta Corte:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO (ORDINÁRIO OU ESPECIAL) – INADEQUAÇÃO – MÉRITO – ANÁLISE DE OFÍCIO – PRISÃO CAU-TELAR – ESTUPRO DE VULNERÁVEL – PACIENTE CONDENADO, EM PRIMEI-RA INSTÂNCIA, A 9 ANOS DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL FECHADO, GARANTIDO O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE – RECURSO EXCLU-SIVO DA DEFESA – SENTENÇA CONFIRMADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA – PRISÃO DETERMINADA PELO TRIBUNAL – POSSIBILIDADE – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA – LEGALIDADE – RECENTE ENTENDIMENTO DO SU-PREMO TRIBUNAL FEDERAL – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – ORDEM NÃO CONHECIDA

[...]

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que ‘a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não com-promete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal’ (STF, HC 126292, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, J. 17.02.2016, Processo Eletrônico DJe-100, divulgado em 16.05.2016, publicado em 17.05.2016).

3. No particular, como a sentença condenatória foi confirmada pelo Tribunal de origem e porquanto encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias (bem como a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa do condenado), é possível dar início à execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condena-ção, sem que isso importe em violação do princípio constitucional da presunção de inocência. Ademais, a sentença assegurou ao paciente o direito de recorrer em liberdade, o que representa a prerrogativa de apelar em liberdade, como ocorreu, tendo em vista que os recursos especial e extraordinário não são dotados, regra geral, de efeito suspensivo.

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4. De outra parte, não há que se falar em reformatio in pejus, pois a prisão decor-rente de decisão confirmatória de condenação do Tribunal de apelação não de-pende do exame dos requisitos previstos no art. 312 do CP. Está na competência do juízo revisional e independe de recurso da acusação. Precedentes da Corte.

5. Em relação ao art. 283 do CPP, tem prevalecido a interpretação de que quando do julgamento do HC 126.292/SP ainda estava em vigor o art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/1990, segundo o qual ‘os recursos extraordinário e especial serão rece-bidos no efeito devolutivo’. A essa regra somava-se aquela do art. 637 do CPP segundo a qual o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença. Com a revogação expressa do art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/1990, após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, as regras desse diploma passaram a regulamentar os recursos especial e extraordinário também no âmbito do processo penal, em razão do que dispõe o art. 3º do CPP. Sendo assim, daquilo que se depreende do art. 995 c/c o art. 1.029, § 5º, ambos do CPC, permanece sendo excepcional a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário na seara criminal (HC 133.387/DF, Relator(a): Ministro Edson Fachin, J. 14.06.2016, publicado em Pro-cesso Eletrônico DJe-124 Divulg. 15.06.2016 Public. 16.06.2016).

Nessa perspectiva, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por Tribunais de apelação.

6. Habeas corpus não conhecido. Cassada, de ofício, a liminar outrora deferida em benefício do paciente.”

(HC 352.216/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., J. 27.09.2016, DJe 04.10.2016)

“PENAL E PROCESSUAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO – PACIENTE CONDENADO PELO CRIME TIPIFICADO NO ART. 157, § 2º, I E II DO CÓDIGO PENAL – ADOÇÃO DA NOVA ORIENTAÇÃO DO SU-PREMO TRIBUNAL FEDERAL – POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA – ORDEM DENEGADA

1. A nova orientação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, trilhada por esta Corte, é no sentido da possibilidade de execução provisória de acórdão pe-nal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17.05.2016).

2. A garantia contida na sentença de que o ora paciente poderá aguardar o trân-sito em julgado da condenação em liberdade não se sobrepõe a esse novo en-tendimento, que autoriza a execução provisória da pena, uma vez esgotada a prestação jurisdicional na instância ordinária.

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3. Ordem denegada.”

(HC 346.443/RJ, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., J. 01.09.2016, DJe 12.09.2016)

“PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 1º, II, DA LEI Nº 8.137/1990.APELAÇÃO E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO JULGADOS – EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE PRISÃO – AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO – EXECU-ÇÃO PROVISÓRIA DA PENA – OFENSA À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – REFORMATIO IN PEJUS – INOCORRÊNCIA – ORDEM DENEGADA

1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 17.02.2016, no julgamento do HC 126.292/SP, decidiu, por maioria de votos, que a execução provisória da pena não afronta o princípio constitucional da presunção de inocência, de modo que, confirmada a condenação por colegiado em segundo grau, e ainda que pendentes de julgamento recursos de natureza extraordinária (recurso especial e/ou extraordinário), a pena poderá, desde já, ser executada. Não há falar em reformatio in pejus diante do contido na sentença de primeiro grau. Ressalva do entendimento da Relatora.

2. Ordem denegada.”

(HC 354.441/PE, Relª Min. Maria Thereza De Assis Moura, 6ª T., J. 02.06.2016, DJe 14.06.2016)

Saliente-se, ainda, que esta Corte realmente possui entendimento con-solidado no sentido de que a expedição de mandado de prisão para início de cumprimento da pena caracteriza constrangimento ilegal quando ocorre antes do esgotamento da jurisdição ordinária, tanto que o pedido liminar foi deferido neste habeas corpus para suspender a execução provisória, eis que, à época, havia embargos de declaração pendentes de julgamento na origem.

Ocorre que, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Regional Fede-ral da 3ª Região (Apelação nº 0003633-81.2000.4.03.6181), verifica-se que os embargos já foram apreciados e os réus interpuseram recursos especial e extra-ordinário, estando esgotada, assim, a jurisdição ordinária, e exauridos, portanto, os efeitos da liminar.

Quanto à dosimetria da pena, incorporo ao meu voto as considerações feitas pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, no sentido de que o seu refazimento em habeas corpus tem caráter excepcional, somente sendo admitido quando se verificar de plano e sem a necessidade de incursão probatória, a existência de manifesta ilegalidade ou abuso de poder.

Na espécie, o Magistrado singular, ao condenar o paciente pela prática do crime previsto no art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/2006, cujo preceito secundá-rio é reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa, fixou a respectiva pena-base 3 (três) anos acima do mínimo legal, por considerar desfavoráveis as circunstân-

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cias judiciais relativas às circunstâncias do crime, às consequências do delito e à conduta social, nos termos a seguir:

“As circunstâncias judiciais arroladas no caput do art. 59 do Código Penal brasi-leiro são parcialmente desfavoráveis aos acusados. Com efeito, trata-se de pesso-as de bons antecedentes, sem que dos autos conste qualquer circunstância desfa-vorável quanto à sua culpabilidade, antecedentes e personalidade, ou quanto aos motivos do crime. Entretanto, a conduta social desses acusados é inadequada, na medida em que a prática de operações fraudulentas tornou-se uma das prin-cipais, se não a principal atividade desenvolvida pela instituição que comanda-vam. Com efeito, como verificado as fraudes na negociação de títulos das dívidas públicas estaduais e municipais eram corriqueiras. Outrossim, as consequências do crime foram bastante gravosas, na medida em que, em última análise, o pre-juízo foi suportado por entes de direito público. Ademais, as circunstâncias do crime também são mais graves, uma vez que os acusados efetivamente coorde-navam a atuação de várias instituições financeiras, com vistas a por em prática o esquema criminoso, valendo-se inclusive de pessoas jurídicas interpostas como forma de encobrir a ilicitude de seus atos. Por fim, deve-se ter em mente que, apesar de esse crime não admitir a modalidade continuada, por ser habitual im-próprio ou eventualmente habitual, a realização de reiterados atos fraudulentos demonstra desprezo para com a ordem jurídica e demanda punição mais severa.

Por tais razões fixo a pena-base estabelecido pelo art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 acima do patamar mínimo em 6 anos de reclusão. Note-se que, apesar de ser superior à pena mínima, a reprimenda ora estabelecida ainda é equivalente a metade da pena máxima.” (fls. 114-115 – grifou-se)

O Tribunal a quo, por sua vez, manteve a condenação imposta na sen-tença, ratificando a dosimetria feita pelo magistrado de primeiro grau, acrescen-tando que:

“Embora primários e de bons antecedentes, a culpabilidade [em sentido lato] dos réus é acentuada, merecendo maior reprovação. A conduta adotada por ambos revelou-se de elevada nocividade, pois, além de altamente atentatória à estabili-dade, credibilidade e segurança do Sistema Financeiro Nacional, ao investidor e à higidez e fé pública das instituições financeiras, em atitude de total menosprezo ao bem jurídico protegido pela norma, tornou-se a principal atividade da empre-sa que comandavam. Ademais, a atuação negocial dos réus, com quebra de seus deveres éticos e profissionais perante a instituição, uma vez que coordenavam a atuação de várias instituições financeiras para por em prática um esquema criminoso, inclusive valendo-se de pessoas jurídicas para encobrir a ilicitude de seus atos.

Com efeito, a pena-base mínima é insuficiente para a repressão e prevenção do delito, razão pela qual deve ser mantida em 06 (seis) anos de reclusão, nos termos do decreto condenatório (fl. 58).

De início, como se vê, o Tribunal a quo acrescentou fundamentos diver-sos dos adotados pelo Juízo de primeiro grau.

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Entretanto, a jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de que o Tribunal de origem pode, mantendo a pena e o regime inicial aplicados ao réu, lastrear-se em fundamentos diversos dos adotados em primei-ra instância, ainda que em recurso exclusivo da defesa, sem configurar ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, desde que observados os limites da pena estabelecida pelo Juízo sentenciante, bem como as circunstâncias fáticas deli-neadas na sentença e na exordial acusatória.

Nesse sentido, cito o seguinte julgado:

“PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO – VIA INADEQUADA – RECEPTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – DOSIMETRIA – EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE – APELAÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA – INOVAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO PELA CORTE A QUO – REFORMATIO IN PEJUS – NÃO OCORRÊNCIA – PROFUNDIDADE DO EFEITO DEVOLUTIVO – [...]

2. O reexame da dosimetria da pena em sede de mandamus somente é possível quando evidenciado eventual desacerto na consideração de circunstância judi-cial, errônea aplicação do método trifásico ou violação a literal dispositivo de norma que acarrete flagrante ilegalidade.

3. In casu, a Corte estadual afastou a circunstância judicial dos maus anteceden-tes considerada pelo juízo sentenciante e ponderou a natureza do bem receptado (veículo automotor) para manter a exasperação da pena-base, porém em fração menor (1/6).

4. É dominante a jurisprudência desta Corte no sentido de que não há impedi-mento de o Tribunal a quo, em julgamento de apelação exclusivo da defesa, inovar na fundamentação, desde que não agrave a situação penal do réu. Pre-cedentes: RHC 47.188/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., J. 19.03.2015, DJe 30.03.2015 e HC 152.532/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., J. 15.03.2012, DJe 13.04.2012).

5. Habeas corpus não conhecido.”

(HC 316.941/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, 5ª T., DJe 04.03.2016 – grifou-se)

É certo que a dosimetria da pena deve ser feita seguindo o critério tri-fásico descrito no art. 68, c/c o art. 59, ambos do Código Penal, cabendo ao Magistrado aumentar a pena de forma sempre fundamentada e apenas quando identificar dados que extrapolem as circunstâncias elementares do tipo penal básico.

Relativamente à circunstância judicial da conduta social, vale ressaltar que, segundo a doutrina “deve-se observar como se comporta o réu em so-ciedade, ausente qualquer figura típica incriminadora” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 11. ed., RT, p. 427).

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Na mesma linha se encontra a jurisprudência desta Corte Superior, a qual é firme no sentido de que “a circunstância judicial da conduta social compreen-de o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos” (HC 358.951/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 05.05.2017; HC 31.218/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 04.12.2014).

No caso em apreço, entendo que a conduta social foi considerada nega-tiva sem que fosse apresentada fundamentação apta a justificar tal medida, não sendo adequado valorar como conduta social o fato de que as fraudes nas nego-ciações de títulos das dívidas públicas estaduais e municipais eram corriqueiras.

Outrossim, quanto às consequências do crime, os fundamentos também são inidôneos. Isso porque é cediço que a consequência do crime é o mal cau-sado pelo delito, que ultrapassa o resultado típico. In casu, as consequências do crime foram embasadas em dados genéricos e no resultado natural do delito, no momento em que o Magistrado afirma que “foram bastante gravosas”, bem como que o “prejuízo foi suportado por entes de direito público”.

A propósito, confira-se:

“PENAL E EXECUÇÃO PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECUR-SO ESPECIAL – NÃO CABIMENTO – FURTO QUALIFICADO – DOSIMETRIA – EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE – FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA – CON-SIDERAÇÃO DE AÇÕES PENAIS EM CURSO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 444/STJ – PREJUÍZO CAUSADO ÀS VÍTIMAS NÃO APURADO – CONDE-NAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS – IMPOSSIBILIDADE – HABEAS CORPUS NÃO CO-NHECIDO – ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO

[...]

‘O entendimento deste Tribunal firmou-se no sentido de que, em sede de habeas corpus, não cabe qualquer análise mais acurada sobre a dosimetria da reprimen-da imposta nas instâncias inferiores, se não evidenciada flagrante ilegalidade, tendo em vista a impropriedade da via eleita’ (HC 39.030/SP, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 11.4.2005).

A pena deve ser fixada com fundamentação concreta e vinculada, tal como exige o próprio princípio do livre convencimento fundamentado (arts. 157, 381 e 387 do CPP, e art. 93, inciso IX, segunda parte da Lex Maxima). Ela não pode ser es-tabelecida acima do mínimo legal com supedâneo em referências vagas e dados não explicitados.

[...]

V – As consequências do crime só podem ser negativamente valoradas quando extrapolados os efeitos do resultado ordinariamente previsto no tipo penal.

[...]

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Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir a re-primenda do paciente ao novo patamar de dois anos de reclusão, em regime ini-cialmente aberto, mantida a substituição da prisão por penas restritivas de direito, e para, confirmando a liminar de fls. 44-47, suspender a execução das penas restritivas de direitos até o trânsito em julgado da condenação.”

(HC 393.031/MG, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., J. 23.05.2017, DJe 06.06.2017)

Por outro lado, entendo que a valoração negativa das circunstâncias do crime está devidamente fundamentada, porquanto os elementos apresentados são acidentais e não integram a estrutura do tipo penal. O fato de o paciente ter tornado a prática das operações fraudulentas como a principal atividade desenvolvida pela instituição que comandava, possuindo papel de liderança na atuação de várias instituições financeiras, com o objetivo de colocar em prática o esquema criminoso, extrapolam as condições próprias do tipo de gestão frau-dulenta e evidenciam a maior reprovabilidade do crime praticado.

Assim, a dosimetria da pena merece reparo no que diz respeito ao quan-tum da exasperação havida.

Isso porque, ausentes outras circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, e não apresentado nenhum elemento concreto, além do reconhecimento do desvalor das circunstâncias do crime, que justifique a elevação da reprimen-da, revela-se desproporcional o recrudescimento da sanção como realizado pe-las instâncias ordinárias.

Em hipóteses semelhantes a dos autos, em que há apenas uma circuns-tância judicial negativa, a jurisprudência tem entendido adequada e suficiente a exasperação da pena-base no patamar de 1/6 (um sexto) da reprimenda mínima, conforme se depreende dos seguintes precedentes:

“PENAL – AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL – ROUBO – DOSIMETRIA – RECONHECIMENTO DE UMA ÚNICA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL – MAUS ANTECEDEN-TES – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE EM PATAMAR SUPERIOR A 1/6 (UM SEXTO) – ORDEM CONCEDI-DA, DE OFÍCIO – AGRAVO DESPROVIDO

I – É desarrazoada a exasperação da pena-base acima do mínimo legal, na fração de 1/5 (um quinto), em virtude do reconhecimento de uma única circunstância judicial desfavorável, sem fundamentação idônea e concreta referente a elemen-tos constantes dos autos. Adequada, portanto, a redução, pela decisão agravada, do patamar de aumento da pena-base à fração jurisprudencialmente fixada de 1/6 (um sexto).

II – A aplicação de reprimenda penal sem a devida motivação consiste em ile-galidade flagrante, cujo reconhecimento independe de revolvimento do acervo fático-probatório, tendo o condão de supedanear a concessão de habeas corpus, de ofício, por esta Corte.

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Agravo regimental desprovido.”

(AgRg-HC 348.838/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., J. 09.08.2016, DJe 22.08.2016)

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO – HOMICÍDIO SIMPLES – DOSIMETRIA – RECURSO DE APELAÇÃO EXCLUSIVO DA DEFESA – FUNDAMENTOS ACRESCIDOS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM – REFORMATIO IN PEJUS – INOCORRÊNCIA – EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO – NÃO AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO DO RÉU – EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS – QUALIFICADORAS REJEI-TADAS PELO CONSELHO DE SENTENÇA – SOBERANIA DOS VEREDICTOS PRESERVADA – QUANTUM DE AUMENTO NA PRIMEIRA FASE – RAZOABILI-DADE E PROPORCIONALIDADE – PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – REGIME PRISIONAL FECHADO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO – [...]

É firme o entendimento desta Corte Superior de Justiça de que o efeito devolu-tivo pleno do recurso de apelação autoriza ao Tribunal ad quem, ainda que em recurso exclusivo da defesa, a proceder à revisão das circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, reconhecidas pela sentença condenatória, melhor ex-plicitando-as, bem como a alteração dos fundamentos para justificar a manuten-ção do regime prisional; não havendo falar em reformatio in pejus se a situação do sentenciado não foi agravada.

Atendendo ao princípio constitucional da individualização da pena, o Juiz de primeiro grau, ratificado pelo Tribunal de origem, entendeu desfavoráveis as cir-cunstâncias do crime, em razão do horário (por volta das 16h30) e local de exe-cução do delito (estabelecimento público – um bar), bem como os motivos, tendo em vista que os motivos revelados (dívida de R$ 5,00, cinco reais) não têm ra-zoabilidade para a prática do delito de homicídio. Restou, portanto, devidamente preservado o decidido pelo Conselho de Sentença, que afastou as qualificadoras atinentes ao motivo torpe, bem como ao uso de recurso que dificultou a defesa da vítima.

A pena-base foi fixada em 8 anos de reclusão, ou seja, 2 anos acima do mínimo legal, o que corresponde a menos de 1/6 (um sexto) para cada uma das circuns-tâncias judiciais desfavoráveis (motivos, circunstâncias do delito e personalida-de), sobre o mínimo legal de 6 anos, relativo ao homicídio simples. Referida fração de aumento é aceita pela jurisprudência desta Corte como sendo razoável e proporcional pelo reconhecimento de uma circunstância judicial negativa. Pre-cedentes.

O Magistrado, ao optar pelo regime prisional mais adequado à repressão e pre-venção do delito, não está absolutamente adstrito ao quantum da pena imposta no caso concreto, devendo, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, guiar-se pelas diretrizes previstas no art. 59 do Estatuto Repressivo.

Na hipótese dos autos, tendo a pena definitiva sido aplicada em 7 anos e 3 meses de reclusão e reconhecida a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis

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ao paciente – tanto que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal –, resta perfeitamente justificado o regime prisional fechado, não havendo falar em exis-tência de constrangimento ilegal.

Habeas corpus não conhecido.”

(HC 210.600/MG, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador Convocado do TJ/SP), 6ª T., J. 05.04.2016, DJe 19.04.2016)

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO – LATROCÍNIO TENTADO – DESCLASSI-FICAÇÃO PARA A PRIMEIRA PARTE DO § 3º DO ART. 157 DO CP – IMPOS-SIBILIDADE – DILAÇÃO PROBATÓRIA – PRIMEIRA FASE – EXASPERAÇÃO DA PENA – CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME – FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE – QUANTIDADE DE AUMENTO – PROPORCIONALIDADE – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO

[...]

4. Para chegar a uma aplicação justa da lei penal, o sentenciante, dentro da discricionariedade juridicamente vinculada, deve atentar para as singularidades do caso concreto, cumprindo-lhe, na primeira etapa do procedimento trifásico, guiar-se pelas circunstâncias relacionadas no caput do art. 59 do Código Penal, as quais não deve se furtar de analisar individualmente.

5. Quanto às circunstâncias do crime, os elementos apresentados são aciden-tais e não integram a estrutura do tipo penal, pois destacam o modus operandi empregado, que revela a maior gravidade do crime. A colisão proposital de um caminhão contra um carro-forte e o disparo de vários tiros contra os ocupantes evidenciam a maior reprovabilidade do crime praticado, porquanto aumentaram os riscos sofridos pelas vítimas.

6. Não há ilegalidade no aumento da sanção em decorrência da valoração nega-tiva das circunstâncias do crime, pois o quantum de 4 anos corresponde a pouco mais 1/6 da reprimenda estabelecida, fração de aumento aceita pela jurisprudên-cia desta Corte como sendo razoável e proporcional pelo reconhecimento de uma vetorial negativa.

7. Habeas corpus não conhecido.”

(HC 333.374/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., J. 10.03.2016, DJe 17.03.2016)

Dessa forma, evidenciada flagrante ilegalidade, impõe-se proceder à nova dosimetria da pena, afastando a valoração negativa em relação às conse-quências do crime e à conduta social, bem como reduzir a fração do aumento da sanção em razão da valoração negativa das circunstâncias do crime.

Na primeira fase, considerando a presença de apenas uma circunstância judicial desfavorável, qual seja, as circunstâncias do crime, exaspero a pena em 6 (seis) meses, totalizando 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

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Ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes, bem como causas de aumento e diminuição de pena, torno a reprimenda definitiva em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 60 (sessenta) dias-multa.

Por fim, no que tange ao regime prisional, tem-se que, estabelecida a pena-base acima do mínimo legal, por ter sido desfavoravelmente valorada cir-cunstância do art. 59 do Código Penal, admite-se a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta, conso-ante pacífico entendimento desta Corte:

“PENAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO – NÃO CABIMENTO – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO – REGIME INICIAL SEMIABERTO – PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL – REGIME MANTIDO – WRIT NÃO CONHECIDO

Depreende-se da dosimetria realizada, a existência de circunstância judicial des-favoravelmente considerada para ambos os pacientes (circunstâncias do crime), fato que motivou a exasperação da pena-base, justificando, assim, a fixação do regime imediatamente mais gravoso, nos termos do art. 33, § 2º, b, e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal. (Precedentes).

Habeas corpus não conhecido.”

(HC 391.298/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., J. 16.05.2017, DJe 25.05.2017)

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO – RECEPTAÇÃO QUALIFICADA – REGIME ABERTO – IMPOSSIBILIDADE – PENA INFERIOR A 4 ANOS E PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – SUBSTITUIÇÃO DA PENA – IMPOSSIBILIDADE – NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO

[...]

2. Como é cediço, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que é necessária, para a fixação de regime mais gravoso, a apresentação de motivação concreta, fundada nas circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal ou na reincidência.

3. No caso, embora o paciente seja primário, condenado à pena privativa de liberdade inferior a 4 anos, as circunstâncias judiciais não eram todas favoráveis (maus antecedentes) e a pena-base foi fixada acima do mínimo legal. Assim, o regime semiaberto se mostra mais adequado, nos termos do art. 33, § 2º, alínea b e § 3º, do Código Penal.

[...]

5. Habeas corpus não conhecido.”

(HC 411.559/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., J. 19.09.2017, DJe 26.09.2017)

“[...]

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148 ....................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

REGIME INICIAL – REDIMENSIONAMENTO DA PENA – PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – ALTERAÇÃO PARA O MODO SEMIABERTO – VEDA-ÇÃO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA RESTRITI-VA DE DIREITOS

Afastada a reincidência, e restando fixada a pena em patamar inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, tem lugar o regime inicial semiaberto, mas a persistência da pena acima do mínimo legal, por conta de maus antecedentes, impede a preten-dida substituição da pena corporal.

[...]

2. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício a fim de reduzir a pena para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, mais multa, e alterar o regime inicial para o semiaberto.”

(HC 378.302/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., J. 15.08.2017, DJe 24.08.2017)

In casu, conquanto a pena imposta ao paciente, primário, tenha sido estabelecida em patamar inferior a 4 (quatro) anos, o regime semiaberto é o ade-quado para o cumprimento da pena reclusiva, diante da circunstância judicial desfavorável, que elevou a pena-base.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de ofício, para redimensionar a pena do paciente para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime semiaberto, e paga-mento de 60 (sessenta) dias-multa, mantida a legalidade da execução imediata da pena privativa de liberdade.

É como voto.

certIdão de JulgAmento quIntA turmA

Número Registro: 2017/0104335-1

Processo Eletrônico HC 398.780/SP

Matéria Criminal

Números Origem: 00036338120004036181 200061810036333 36338120004036181

Em Mesa Julgado: 19.09.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Subprocuradora-Geral da República:: Exma. Sra. Dra. Áurea M. E. N. Lustosa Pierre

Secretário: Me. Marcelo Pereira Cruvinel

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................149

AutuAção

Impetrante: Daniel Romeiro e outros

Advogados: Roberto Podval – SP101458 Odel Mikael Jean Antun – SP172515 Daniel Romeiro – SP234983 Carlos Eduardo Mitsuo Nakaharada – SP310808 Paula Moreira Indalécio Gambôa – SP195105 Gisela Silva Telles – SP391054

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Paciente: Enrico Picciotto

Corréu: Francisco Carlos Geraldo Calandrini

Assunto: Direito Penal – Crimes previstos na legislação extravagante – Crimes contra o sistema financeiro nacional

sustentAção orAl

Sustentaram oralmente: Dr. Roberto Podval (p/Pacte) e Ministério Público Federal

certIdão

Certifico que a egrégia Quinta Turma,ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Após o voto do Sr. Ministro Relator denegando a ordem, pediu vista o Sr. Minis-tro Joel Ilan Paciornik.”

Aguardam os Srs. Ministros Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca.

certIdão de JulgAmento quIntA turmA

Número Registro: 2017/0104335-1

Processo Eletrônico HC 398.780/SP

Matéria Criminal

Números Origem: 00036338120004036181 200061810036333 36338120004036181

Em Mesa Julgado: 24.10.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Ribeiro Dantas

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

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150 ....................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. João Pedro Bandeira de MeloSecretário: Me. Marcelo Pereira Cruvinel

AutuAção

Impetrante: Daniel Romeiro e outrosAdvogados: Roberto Podval – SP101458

Odel Mikael Jean Antun – SP172515 Daniel Romeiro – SP234983 Carlos Eduardo Mitsuo Nakaharada – SP310808 Paula Moreira Indalécio Gambôa – SP195105 Gisela Silva Telles – SP391054

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoPaciente: Enrico PicciottoCorréu: Francisco Carlos Geraldo CalandriniAssunto: Direito penal – Crimes previstos na legislação extravagante – Crimes contra o sistema financeiro nacional

sustentAção orAl

Sustentaram oralmente na Sessão de 19.09.2017: Dr. Roberto Podval (p/Pacte) e Ministério Público Federal

certIdão

Certifico que a egrégia Quinta Turma,ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Prosseguindo no julgamento, a Turma, por unanimidade, não conheceu do pe-dido e concedeu “habeas corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.

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Parte Geral – Jurisprudência

3829

Superior Tribunal de Justiça

AgInt‑AgInt no Recurso Especial nº 1.376.859 – MG (2013/0091391‑5)Relator: Ministro Gurgel de FariaAgravante: Estado de Minas Gerais Procurador: Ana Cristina Sette Bicalho Goulart e outro(s) – MG075627Agravado: Ricardo Martins dos SantosAdvogados: Humberto Lucchesi de Carvalho – MG058317

Rodrigo Menezes Carvalho e outro(s) – MG072326

ementA

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA – SUCESSIVAS RENOVAÇÕES – ILEGALIDADE – SÚMULA Nº 7 DO STJ – FGTS – DIREITO

1. Esta Corte modificou sua jurisprudência para acompanhar o STF que, após o reconhecimento da constitucionalidade do art. 19-A da Lei nº 8.036/1990 sob o regime da repercussão geral (RE 596.478/RR, Rel. p/ Ac. Min. Dias Toffoli, DJe 28.02.2013), entendeu serem “extensíveis aos servidores contratados por prazo determinado (CF, art. 37, inciso IX) os direitos sociais previstos no art. 7º da Carta Política, inclusive o FGTS, desde que ocorram sucessivas renovações do contrato” (RE-AgR 752.206/MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 29.10.2013).

2. Hipótese em que há o reconhecimento da ilegalidade das contratações temporárias do agravado, tendo em vista as renovações dos contratos sucessivos ocorridos ao longo do tempo.

3. Firmada pelo Tribunal de origem a premissa de nulidade das sucessi-vas contratações precárias, por não observância dos requisitos legais, ela não pode ser revista em recurso especial, em razão do óbice da Súmula nº 7 do STJ.

4. Agravo interno desprovido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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152 ....................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Brasília, 19 de setembro de 2017 (data do julgamento).

Ministro Gurgel de Faria Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria (Relator):

Trata-se de agravo interno interposto pelo Estado de Minas Gerais contra decisão que, reconsiderando o decisum de e-STJ fl. 464/465, deu provimento ao recurso especial para reconhecer o direito das contratadas aos depósitos do FGTS correspondentes ao período de serviço prestado ao ente estadual, inverti-dos os ônus sucumbenciais (e-STJ fl. 496/498).

O agravante sustenta, em síntese, que “a contratação do agravado foi regular, com respeito ao ordenamento jurídico em vigor” (e-STJ fl. 506).

Sem impugnação.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria (Relator):

No exame dos autos, observo que, em que pese aos argumentos expen-didos, não merece prosperar a presente irresignação.

Extrai-se o seguinte trecho do acórdão do Tribunal estadual (e-STJ fl. 339):

É dos autos que, de 28.07.1992 a 25.06.2006, o apelante exerceu as funções do cargo público de Oficial Judiciário dos quadros do TJMG (fls. 18-19), para o qual fora designado mediante portaria de 20.07.1992, pelo motivo da necessidade de servidores nas Secretarias de Juízo de Varas então recém instaladas, e até o provi-mento definitivo do cargo ou dispensa do Diretor do Foro (fl. 17).

A excepcionalidade a que aduz a lei põe-se como interesse público evidente: o de que o quadro de servidores esteja efetivamente completo. E justo os casos em que o cargo fica circunstancialmente vago – por pouco ou muito tempo – caracte-riza a não mais poder o indigitado interesse na continuidade da atividade estatal. Nisso não há nenhuma ilegalidade, menos ainda qualquer inconstitucionalidade.

Todavia, a duração da relação laboral por quase 14 (quatorze) anos evidencia a superveniente perda dos requisitos constitucionais da transitoriedade e da ex-cepcionalidade da contratação, o que a torna nula (art. 37, § 22, da CF/1988), mas não descaracteriza a natureza administrativa da relação jurídica em tela nem transmuta em celetista o vínculo jurídico existente entre as partes.

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................153

Como se vê, na espécie, a Corte de origem julgou parcialmente proce-dente a apelação, declarando a nulidade da contratação, entretanto não reco-nheceu o pleito de recolhimento do FGTS durante o período laborado.

Esta Corte modificou sua jurisprudência para acompanhar o Supre-mo Tribunal Federal que, após o reconhecimento da constitucionalidade do art. 19-A da Lei nº 8.036/1990 sob o regime da repercussão geral (RE 596.478/RR, Rel. p/ Ac. Min. Dias Toffoli, DJe 28.02.2013), entendeu serem “extensíveis aos servidores contratados por prazo determinado (CF, art. 37, inci-so IX) os direitos sociais previstos no art. 7º da Carta Política, inclusive o FGTS, desde que ocorram sucessivas renovações do contrato” (RE-AgR 752.206/MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 29.10.2013).

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – CONTRA-TO TEMPORÁRIO DECLARADO NULO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS – FGTS – OBRIGATORIEDADE DE PAGAMENTO – 1. O Superior Tribunal de Jus-tiça realinhou sua jurisprudência para acompanhar o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, após o reconhecimento da constitucionalidade do art. 19-A da Lei nº 8.036/1990 sob o regime da repercussão geral (RE 596.478/RR, Rel. p/ Ac. Min. Dias Toffoli, DJe 28.02.2013), reconheceu serem “extensíveis aos servidores contratados por prazo determinado (CF, art. 37, inciso IX) os direitos sociais previstos no art. 7º da Carta Política, inclusive o FGTS, desde que ocorram sucessivas renovações do contrato” (RE-AgR 752.206/MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 29.10.2013). Precedentes. 2. Hipótese em que as instâncias ordinárias consignaram que houve renovações sucessivas do contrato. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt-REsp 1.619.785/MG, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 02.05.2017).

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 – APLICABILIDADE – SER-VIDOR PÚBLICO – CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA E CONTINUADA PELA AD-MINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM OBSERVÂNCIA DO CARÁTER TRANSITÓRIO E EXCEPCIONAL DA CONTRATAÇÃO – NULIDADE RECONHECIDA – DIREITO AOS DEPÓSITOS DO FGTS – ART. 19-A DA LEI Nº 8.036/1990 – REALINHA-MENTO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE – ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFRONTO COM A ORIENTAÇÃO DA SUPREMA CORTE – VIOLAÇÃO AO ART. 37, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL – COMPETÊNCIA DO STF – I – Con-soante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento ju-risdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II – O Supremo Tribunal Federal, após o reconhecimento da cons-titucionalidade do art. 19-A da Lei nº 8.036/1990 sob o regime da repercussão geral (RE 596.478/RR, Rel. Para acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 28.02.2013), reconheceu serem “extensíveis aos servidores contratados por prazo determinado (CF, art. 37, inciso IX) os direitos sociais previstos no art. 7º da Carta Política, in-

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clusive o FGTS, desde que ocorram sucessivas renovações do contrato” (RE-AgR 752.206/MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 29.10.2013). III – Realinhamento da jurisprudência desta Corte que, seguindo orientação anterior do Supremo Tri-bunal Federal, afastava a aplicação do art. 19-A da Lei nº 8.036/1990 para esses casos, sob o fundamento de que a mera prorrogação do prazo de contratação de servidor temporário não teria o condão de transmutar o vinculo administrativo em trabalhista (RE 573.202/AM, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 05.12.2008; CC 116.556/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 04.10.2011, REsp 1.399.207/MG, Relª Min. Eliana Calmon, DJe de 24.10.2013, dentre outros). IV – O servidor público, cujo contrato temporário de natureza jurídico-adminis-trativo foi declarado nulo por inobservância do caráter transitório e excepcional da contratação, possui direito aos depósitos do FGTS correspondentes ao perí-odo de serviço prestado, nos termos do art. 19-A da Lei nº 8.036/1990. V – É entendimento pacífico desta Corte que o recurso especial possui fundamentação vinculada, não se constituindo em instrumento processual destinado a examinar possível ofensa à norma Constitucional. VI – Agravo Interno Improvido. (AgInt--REsp 1.632.650/MG, Relª Min. Regina Helena Costa, 1ª T., DJe 22.03.2017)

Por fim, firmada pelo Tribunal de origem a premissa de nulidade das sucessivas contratações precárias, por não observância dos requisitos legais, ela não pode ser revista em recurso especial, em razão do óbice da Súmula nº 7 do STJ.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

certIdão de JulgAmento prImeIrA turmA

Número Registro: 2013/0091391-5 AgInt-AgInt-REsp 1.376.859/MG

Números Origem: 10024096795703001 10024096795703002 10024096795703003 1203200600603009 24096795703

Pauta: 19.09.2017 Julgado: 19.09.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Gurgel de Faria

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Regina Helena Costa

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho

Secretária: Belª Bárbara Amorim Sousa Camuña

AutuAção

Recorrente: Ricardo Martins dos Santos

Advogados: Humberto Lucchesi de Carvalho – MG058317 Rodrigo Menezes Carvalho e outro(s) – MG072326

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................155

Recorrido: Estado de Minas GeraisProcurador: Ana Cristina Sette Bicalho Goulart e outro(s) – MG075627Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Empregado público/temporário

AgrAvo Interno

Agravante: Estado de Minas GeraisProcurador: Ana Cristina Sette Bicalho Goulart e outro(s) – MG075627Agravado: Ricardo Martins dos SantosAdvogados: Humberto Lucchesi de Carvalho – MG058317

Rodrigo Menezes Carvalho e outro(s) – MG072326

certIdão

Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência3830

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.694.658 – SP (2017/0189277‑8)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Município de IpatingaAdvogados: Patricia de Cassia Furno Olindo Franzolin – SP238206

Priscila Arruda de Oliveira – SP290820 Roque Roberto de Oliveira e outro(s) – SP320066

Recorrido: Mauro de Almeida PortesAdvogado: Alexandre Sartori da Rocha e outro(s) – SP156065

ementA

PROCESSUAL CIVIL – PREVIDENCIÁRIO – PENSÃO POR MORTE – RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO – EXTINÇÃO DE REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA – ANÁLISE DE LEI MUNICIPAL – SÚMULA Nº 280/STF – DATA DA APOSENTADORIA – REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO – SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ

1. Na hipótese dos autos, extrai-se do acórdão objurgado que o acolhi-mento da pretensão recursal demanda reexame de lei local, qual seja a Lei Municipal nº 821/1993, e do contexto fático-probatório, mormente para avaliar se a servidora beneficiária já estava aposentada quando da denúncia do convênio pelo Ipesp, bem como os termos do convênio. Incide, in casu, o óbice das Súmulas nºs 280/STF, 5 e 7/STJ.

2. Recurso Especial não conhecido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Jus-tiça: “‘A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).’ Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente) e Francisco Falcão vota-ram com o Sr. Ministro Relator.”

Brasília, 03 de outubro de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator):

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................157

Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, a, da CF) interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim emen-tado:

Pensionista de ex-servidora do município de Itatinga. Pretensão de receber pen-são por morte. Admissibilidade. Responsabilidade do município pelo pagamento dos benefícios. Arts. 2º, § 1º e 10 da Lei Federal nº 9.717/1998. Sentença de procedência mantida. Recursos improvidos.

Sustenta a parte recorrente, em Recurso Especial, violação dos arts. 2º e 10 da Lei nº 9.717/1998, sob o argumento de não ser legítima para responder à presente ação, tendo em vista que a responsabilidade pelo pagamento do benefício previdenciário é do Ipesp, por força de convênio firmado com a mu-nicipalidade.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos foram recebi-dos neste Gabinete em 21.02.2017.

O Tribunal de origem, ao decidir a vexata quaestio, consignou (fl. 197/e--STJ):

Trata-se de ação proposta por Mauro de Oliveira Portes contra a Prefeitura Muni-cipal de Itatinga objetivando o recebimento de pensão por morte.

Primeiramente, rejeito a impugnação à assistência judiciária gratuita, visto que havia de ser feita na forma da Lei nº 1.060/1950.

É certo que, por meio da Lei Estadual nº 6.047/1961, bem como da Lei Municipal nº 27/1961, a Municipalidade de Itatinga celebrou convênio com o Ipesp, o qual ficou responsável pelo pagamento dos benefícios previdenciários dos servidores. Contudo, com o advento da Lei Federal nº 9.717/1998, o Ipesp denunciou o convênio suspendendo o pagamento dos benefícios.

Assim, a municipalidade tem o dever de pagar os benefícios previdenciários an-teriormente devidos pelo Ipesp.

A própria Lei Federal nº 9.717/1998, em seu art. 2º, § 1º, estabelece a responsabi-lidade do Município pelos pagamentos dos benefícios previdenciários. Vejamos:

[...]

Extrai-se do acórdão objurgado que o acolhimento da pretensão recursal demanda reexame de lei local, qual seja a Lei Municipal nº 821/1993, e do contexto fático-probatório, mormente para avaliar se a servidora beneficiária já estava aposentada quando da denúncia do convênio pelo Ipesp e os termos do convênio.

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158 ....................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Incide, in casu, o óbice das Súmulas nºs 280/STF, 5 e 7/STJ.

Por tudo isso, não conheço do Recurso Especial.

É como voto.

certIdão de JulgAmento segundA turmA

Número Registro: 2017/0189277-8 REsp 1.694.658/SPNúmeros Origem: 00009017820128260282 20150000145792 274/2012 2742012 9017820128260282Pauta: 03.10.2017 Julgado: 03.10.2017Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman BenjaminPresidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete MagalhãesSubprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Mônica Nicida GarciaSecretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AutuAção

Recorrente: Município de IpatingaAdvogados: Patricia de Cassia Furno Olindo Franzolin – SP238206

Priscila Arruda de Oliveira – SP290820 Roque Roberto de Oliveira e outro(s) – SP320066

Recorrido: Mauro de Almeida PortesAdvogado: Alexandre Sartori da Rocha e outro(s) – SP156065Assunto: Direito Administrativo e outras matérias de direito público – Servidor público civil – Pensão

certIdão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Ma-galhães (Presidente) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

3831

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoReexame Necessário nº 0016503‑94.2011.4.01.3800/MGRelator(a): Juiz Federal Grigório Carlos dos SantosAutor: Saulo Antonio SoaresAdvogado: MG00078042 – Alexandre Matheus da Silveira Reijnen e outro(a)Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSProcurador: DF00025372 – Adriana Maia VenturiniRemetente: Juízo Federal da 10ª Vara – MG

ementA

PREVIDENCIÁRIO – AÇÃO ORDINÁRIA – APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO – RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL – CONVERSÃO – AGENTE RUÍDO – CONSECTÁRIOS LEGAIS

1. Conforme relatório, trata-se de remessa necessária em face de sen-tença de fls. 186/198 do Juízo da 10ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, que, nos autos de ação ajuizada em 19.03.2011, julgou proce-dente o pedido para reconhecer o exercício de atividades especiais nos períodos trabalhados pelo autor entre 16.12.1998 a 25.09.2007, deter-minando, ainda, a revisão da atual aposentadoria com aplicação do fator mais vantajoso, a partir da data de entrada do requerimento administra-tivo em 25.09.2007.

2. Do trabalho sujeito a condições especiais. Ruído. Aposentadoria. Es-pécies. Considerações gerais e específicas declinadas no voto.

3. Do caso concreto: Tempo especial: Conforme reiterada jurisprudên-cia do STJ, caracteriza-se como especial a atividade desenvolvida em ambiente com ruído médio superior a 80dB (oitenta decibéis), no pe-ríodo de vigência simultânea e sem incompatibilidades dos Decretos nº 53.831/1964 e 83.080/1979; superior a 90dB (noventa decibéis) com o advento do Decreto nº 2.172 em 05.03.1997; e superior a 85dB (oitenta e cinco decibéis) a partir da edição do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, que não pode ser aplicado retroativamente (STJ, recurso repetitivo, REsp 1398260/PR).

4. Assim, nos termos do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP de fls. 38/39, verifica-se que o autor esteve exposto a ruídos médios equiva-lentes a 91,0 dB no período de 16.12.1998 a 09.10.2007.

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5. Quanto à correção monetária, esta Câmara Regional vem adotando o entendimento de que deverão ser observados os critérios constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, sendo que a partir daí, com o objetivo de guardar co-erência com as recentes decisões do STF sobre a matéria e até que so-brevenha decisão específica, deverão ser adotados, os critérios de atua-lização estabelecidos no 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na redação da Lei nº 11.960/2009, sem prejuízo de que se observe na liquidação a decisão final do STF no RE com repercussão geral 870.947/SE, caso promova alguma alteração no índice ou no termo inicial/final da correção mone-tária.

6. Os juros de mora são fixados no percentual de 1% ao mês, a contar da citação, em relação às parcelas a ela anteriores, e de cada vencimento, quanto às subsequentes, incidindo essa taxa até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, a partir de quando deverão ser observados os termos da referia lei e suas alterações.

7. Dado parcial provimento à remessa.

Acórdão

Decide a Câmara, à unanimidade, dar parcial provimento à remessa ne-cessária, nos termos do voto do Relator.

2ª Câmara Regional Previdenciária de Minas Gerais do TRF da 1ª Região.

Brasília, 28 de agosto de 2017.

Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos Relator Convocado

relAtórIo

O Exmo. Sr. Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos (Relator Convocado): Trata-se de remessa necessária em face de sentença de fls. 186/198 do Juízo da 10ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, que, nos autos de ação ajuizada em 19.03.2011, julgou procedente o pedido para reconhecer o exercício de atividades especiais nos períodos trabalhados pelo autor entre 16.12.1998 a 25.09.2007, determinando, ainda, a revisão da atual aposentadoria com apli-cação do fator mais vantajoso, a partir da data de entrada do requerimento administrativo em 25.09.2007.

É o relatório.

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voto

O Exmo. Sr. Juiz Federal Grigório Carlos dos santos (Relator Convoca-do): Conforme relatório, trata-se de remessa necessária em face de sentença de fls. 186/198 do Juízo da 10ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, que, nos autos de ação ajuizada em 19.03.2011, julgou procedente o pedido para reconhecer o exercício de atividades especiais nos períodos trabalhados pelo autor entre 16.12.1998 a 25.09.2007, determinando, ainda, a revisão da atual aposentadoria com aplicação do fator mais vantajoso, a partir da data de entra-da do requerimento administrativo em 25.09.2007.

Bem.

Antes de adentrar o caso concreto, seguem fundamentos que norteiam, de forma geral, a abordagem do trabalho em condições especiais:

A CR/1988, no seu art. 201, § 1º, ressalva a adoção de critérios diferen-ciados para a concessão de aposentadoria ao trabalhador sujeito, em seu labor, a condições especiais que lhe prejudiquem a saúde ou a integridade física, conforme definido em lei.

A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, na qual se exige tempo de serviço reduzido, exercido sob condi-ções especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado. Está disciplinada atualmente nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991, com altera-ções das Leis nºs 9.032/1995, 9.528/1997 e 9.732/1998.

A Lei nº 8.213/1991, que disciplina o Regime Geral da Previdência So-cial – RGPS, no seu art. 57, §§ 3º ao 4º, em sua redação original, estabelecia as condições em que o segurado faria jus ao benefício da aposentadoria especial, verbis:

“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

[...]

§ 3º O tempo de serviço exercido alternadamente em atividade comum e em ati-vidade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser conside-radas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, segundo critérios de equivalência estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para efeito de qualquer benefício.

§ 4º O período em que o trabalhador integrante de categoria profissional en-quadrada neste artigo permanecer licenciado do emprego para exercer cargo de administração ou de representação sindical, será contado para aposentadoria especial.”

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No entanto, com a publicação da Lei nº 9.032, em 29.04.1995, a Lei nº 8.213/1991 sofreu inúmeras modificações no que se refere à aposentadoria especial, dando nova redação ao art. 57, alterando os §§ 1º ao 4º, criando os §§ 5º e 6º, e alterando também o art. 58. As principais alterações trazidas pela Lei nº 9.032/1995 encontram-se no art. 57, §§ 3º, 4º e 5º, quais sejam:

(a) a necessidade de comprovação, pelo segurado, do tempo de trabalho permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais prejudiciais à saúde (art. 57, § 3º);

(b) a necessidade de prova da efetiva exposição do segurado aos agentes prejudiciais à saúde (art. 57, § 4º); e,

(c) a possibilidade de conversão do tempo especial em comum (art. 57, § 5º).

Por conseguinte, desde a vigência da lei supramencionada é que se exige a comprovação da efetiva exposição ao agente prejudicial à saúde. Antes da vigência da Lei nº 9.032/1995, a contagem do tempo de serviço como espe-cial dava-se em função de identificar se o trabalhador pertenceu à atividade profissional prevista especialmente no Decreto nº 53.831/1964, e seu Ane-xo III, e no Decreto nº 83.080/1979, e Anexos I e II, consoante disposto no caput do art. 57 da Lei nº 8.213/1991. O tempo de serviço trabalhado até então deve ser considerado consoante a legislação vigente nessa época, conforme orientação do STJ (Cf. REsp 411146/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU1 p. 323 de 05.02.2007; REsp 425660/SC, Rel. Min. Félix Fischer, DJ p. 407 de 05.08.2002), a qual passou a ter previsão legislativa expressa no art. 70, § 1º, do Decreto nº 3.048/1999.

A partir da vigência da Lei nº 9.032/1995, não se trata mais de identificar a qual categoria profissional pertence o trabalhador, mas se exerceu atividade, qualquer que seja ela, sujeito a condições que prejudiquem a saúde ou a inte-gridade física, pela efetiva exposição a algum agente físico, químico ou biológi-co, ou combinação destes, constantes de relação definida pelo Poder Executivo (conforme a época, os Decretos nºs 53.831/1964, Anexo III, 83.080/1979, Ane-xos I e II, 2.172/1997, Anexo IV e 3.048/1999, Anexo II, descrevem os agentes químicos, físicos e biológicos definidos pelo Poder Executivo como nocivos à saúde). Não mais se trata de um direito da categoria profissional, mas de um direito individual do trabalhador.

Para a comprovação de efetiva exposição a agentes nocivos o segurado deverá entregar um formulário preenchido pelo empregador, chamado SB-40 (substituído pelos formulários DSS-8030 e DIRBEN 8030, e, atualmente pelo Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP), com descrição detalhada de to-das as atividades do empregado. Não se impunha que este documento fosse preenchido com base no laudo pericial, à exceção de exposição a agentes que exigissem medição técnica, como o ruído.

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Em 14.10.1996 fora publicada a MP 1.523/1996, reeditada até a MP 1.523-13, de 23.10.1997, republicada na MP 1.596-14 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.11.1997, que deu nova redação ao art. 58 da Lei nº 8.213/1991, criando os §§ 1º ao 4º. Passou-se a exigir que o formulário referido no parágrafo anterior – PPP – fosse preenchido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais, formulado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, devendo constar neste laudo informações sobre tecno-logia de proteção coletiva e individual que diminua a intensidade do agente prejudicial à saúde aos limites de tolerância.

Já a Lei nº 9.732, de 11.11.1998, alterou o texto do § 1º do art. 58 da Lei nº 8.213/1991, o qual passou a ter a seguinte redação:

“Art. 58. [...].

§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Se-guro Social, INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.”

Desse modo, a partir da MP 1.523/1996, convalidada pelas Leis nºs 9.528/1997 e 9.732/1998, além de o segurado ter de provar a efetiva expo-sição ao agente nocivo, deveria fazê-lo por meio de laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos termos da legislação trabalhista.

Contudo, como a regulamentação da Lei nº 9.528/1997 consolidara-se apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, vem o STJ enten-dendo que a exigência de laudo pericial somente se principiou nesta data, ou seja, “Até o advento da Lei nº 9.032/1995, em 29.04.1995, era possível o reco-nhecimento do tempo de serviço especial, com base na categoria profissional do trabalhador. A partir desta Norma, a comprovação da atividade especial é feita por intermédio dos formulários SB-40 e DSS-8030, até a edição do Decreto nº 2.172 de 05.03.1997, que regulamentou a MP 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), que passou a exigir o laudo técnico” (AgRg-REsp 493458/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, STJ – 5ª T., DJ p. 425 de 23.06.2003).

Assim, o reconhecimento da atividade como especial depende do pre-enchimento de requisitos existentes na data do efetivo exercício, quais sejam:

(a) até 28.04.1995 prevalecia o enquadramento por atividade descrita em formulário preenchido pela empresa, com a ressalva das hipóte-ses em que a atividade não estivesse enquadrada (porque a lista de atividades não era taxativa), quando, então, a demonstração teria que ser feita com base em outros elementos (geralmente laudo téc-nico);

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(b) entre 29.04.1995 e 04.03.1997, a comprovação da efetiva expo-sição a agentes nocivos era feita a partir de formulário preenchido pela empresa (SB-40 ou DSS-8030), em que o empregador descre-via todas as atividades do empregado;

(c) e a partir de 05.03.1997, a comprovação da efetiva exposição pas-sou a ser feito pelo preenchimento de formulário a cargo da empre-sa, a partir de laudo técnico de condições ambientais.

De qualquer forma, deve ser lembrado que o STJ, no julgamento do Re-curso Especial nº 1306113/SC, em regime de recursos repetitivos, consagrou o entendimento no sentido de que “À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como preju-diciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/1991)” (Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., julgado em 14.11.2012, DJe 07.03.2013). Sig-nifica dizer que a falta de descrição de determinada atividade nos decretos em estudo não impede, por si só, o seu enquadramento como especial, haja vista o caráter meramente exemplificativo do rol de agentes nocivos contido em tais diplomas.

No que se refere à viabilidade da conversão do tempo de serviço urbano comum em especial e vice-versa, quando levado ao cabo o balizamento da especialidade, não atinge, o segurado, tempo especial para a aposentadoria extraordinária – 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme o caso –, é importante tecer, ainda, as considerações adiante.

O § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/1991, acrescentado pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995, dispôs que:

“Art. 57. [...]

§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, se-gundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.”

Em se tratando de conversibilidade do tempo comum em especial ou o contrário, devem ser seguidas as regras da data em que se aperfeiçoaram todos os requisitos legais à concessão do benefício pretendido. Isso porque tal aspecto está relacionado à contagem do tempo de contribuição e não à prestação da atividade laboral.

A adoção desse divisor, de início, parte de entendimento pacífico do STF de que não há direito adquirido a regime jurídico, inclusive o previdenciário,

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aplicando-se à aposentadoria a norma vigente à época do preenchimento dos requisitos para a sua concessão (Cf. RE 409295 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., DJe-146 de 01.08.2011).

Seguindo essa lógica, solucionam-se diversas questões:

(a) a conversão de tempo de serviço comum em especial só é possível para os casos em que o segurado reuniu todos os requisitos de concessão do benefício requerido antes de 28.04.1995. Após essa data, o regime jurídico aplicável não mais prevê essa modalidade de conversão, pelo que impossível que o beneficiário dela se aproveite;

(b) Consoante entendimento firme do e. Superior Tribunal de Justiça, “em sendo o fator de conversão um critério exclusivamente matemático, que visa estabelecer uma relação de proporcionalidade com o tempo necessário à concessão da aposentadoria, o índice a ser adotado deve ser aquele vigente na ocasião do requerimento administrativo do benefício. A matéria, já foi julgada por meio do procedimento dos Recursos Repetitivos, do art. 543-C do CPC, no REsp 1.151.363/MG (AgRg-EDcl-EREsp 1.220.644/PR, Relª Min. Eliana Calmon, 1ª S., DJe 23.08.2013)”;

(c) Essa conversão se dá de acordo com a tabela seguinte, constante do art. 70, Decreto nº 3.048/1999, na redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003:

TEMPO A CONVERTERMULTIPLICADORES

MULHER (PARA 30) HOMEM (PARA 35)DE 15 ANOS 2,00 2,33DE 20 ANOS 1,50 1,75DE 25 ANOS 1,20 1,40

(d) a devida compreensão da matéria passa pela correta distinção entre as normas que tratam da definição do tempo especial e as normas que cuidam das regras para a conversão deste tempo em comum. Quanto àquelas, deverão observar o ordenamento jurídico vigente no momento do desempenho de atividades sujeitas a condições especiais, pois a estes fatos estritamente se relacionam. Quanto às outras, será aplicada a disciplina em vigor no momento em que reunidos os requisitos para deferimento do benefício previdenciário, visto que pertinentes ao cômputo de tempo de contribuição que ocorre neste momento.

Do agente agressivo ruído. Especificamente tratando da definição dos limites de tolerância do agente agressivo ruído, uma vez que houve aparente sobreposição de leis entre os Decretos nºs 53.831/1964 e 83.080/1979, lembro

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que o primeiro fixou o limite de insalubridade em 80dB (oitenta decibéis) e o último delimitou a agressividade à saúde em 90dB (noventa decibéis), ou seja, consiste atividade especial aquela desenvolvida em ambiente com ruído médio superior a 80dB (oitenta decibéis), dada a vigência simultânea e sem incompati-bilidades dos seus anexos, determinada pelo art. 292, do Decreto nº 611/1992. Com o advento do Decreto nº 2.172 em 05.03.1997 considera-se agente nocivo a exposição a níveis de ruído superior a 90dB (noventa decibéis); e superior a 85dB (oitenta e cinco decibéis) a partir da edição do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003. Essa análise harmoniza-se com aquela preconizada por reiterada jurisprudência do STJ (Cf. AgRg-REsp 1352046/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 08.02.2013).

Neste particular, importante esclarecer que a Primeira Seção do STJ, no julgamento do recurso repetitivo REsp 1398260/PR, sedimentou o entendimen-to de que não é possível atribuir retroatividade ao Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o nível de ruído considerado prejudicial à saúde do obreiro, que era de 90dB (noventa decibéis) na vigência do Decreto nº 2.172/1997, para 85dB (oitenta e cinco decibéis). Confira-se a ementa referida:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – MATÉRIA REPETITIVA – ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008 – RECURSO REPRESENTATIVO DE CON-TROVÉRSIA – PREVIDENCIÁRIO – REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – TEMPO ESPECIAL – RUÍDO – LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 06.03.1997 A 18.11.2003 – DECRETO Nº 4.882/2003 – LIMITE DE 85 DB – RETROAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO

Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC

1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, 3ª S., DJe 05.04.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.

2. O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 06.03.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex--LICC). Precedentes do STJ.

Caso concreto

3. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço decorrente da supressão do acréscimo da especialidade do período controvertido não prejudica a conces-são da aposentadoria integral.

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4. Recurso Especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 8/2008.”

(STJ, REsp 1398260/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., Julgado em 14.05.2014, DJe 05.12.2014, sem grifos no original)

Não há qualquer impossibilidade de utilizar-se o ruído médio como pa-râmetro para apurar-se sua nocividade, pois como claramente delineado no julgamento pelo TRF da 1ª Região da AMS 2001.38.00.021385-2/MG (Rel. Des. Federal Jirair Aram Meguerian, 2ª T., DJ de 12.08.2005), o ruído não pode ser sempre contínuo no mesmo nível, sem oscilação, que é consequência das leis da Física; é total e humanamente impossível medir a cada segundo e registrar as suas oscilações mínimas.

Registro, por oportuno, que o laudo técnico pericial é imprescindível para caracterização e comprovação do tempo de atividade sob condições es-peciais, quando se trata dos agentes nocivos ruído e calor, independentemente da época da prestação do trabalho, ônus que recaía sobre o segurado (Cf. STJ: REsp 436.661/SC, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 5ª T., DJ de 02.08.2004; REsp 440.955/RN, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª T., DJ de 01.02.2005).

Dos equipamentos de proteção coletiva e individual. No que concer-ne ao uso de equipamento de proteção individual (EPI) ou coletiva (EPC) pelo segurado, o STF, no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) nº 664.335, com repercussão geral reconhecida (Tema nº 555), decidiu que, comprovada sua real efetividade para neutralizar a nocividade do agente, sobe-ja descaracterizado o labor em condições especiais.

Com efeito, esclareceu o Relator do mencionado paradigma, a necessi-dade de demonstrar-se no caso concreto que o uso efetivo e permanente de EPC ou EPI é “suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete”. Por outro lado, assentou que, havendo divergência ou dúvida sobre a real efetividade do equipamento de proteção, impõe-se o reconhecimento do tempo especial em favor do segurado.

Em prosseguimento, definiu o STF que, no caso específico de exposição ao agente físico ruído a níveis acima dos limites de tolerância previstos na le-gislação, ainda que comprovada a utilização de EPI (protetores auriculares), deve-se manter a especialidade da atividade. Logo, a tese fixada pela Corte Constitucional é no sentido de que “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”. Entendeu-se que, ainda que os proteto-res auriculares reduzam o nível de ruído aos limites de tolerância permitidos, a potência do som “causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas”.

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O acórdão foi assim ementado:

“[...]. 10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. 11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações presta-das pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de diver-gência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. [...]. 14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário.”

(STF, ARE 664335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, Julgado em 04.12.2014, DJe-029 de 12.02.2015)

Nesse contexto, em consonância com o entendimento do STF no ARE 664.335, conclui-se, quanto ao uso de EPC ou EPI, que (Cf. Ap-Reex 5034731-08.2012.404.7100/RS, TRF 4ª R., 6ª T.):

(a) no que tange ao ruído, a exposição habitual e permanente acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI, ou de menção em laudo pericial à neutralização de seus efeitos nocivos. Isso porque o EPI, mesmo que consiga reduzir o ruído a níveis inferiores aos estabelecidos na legislação de regência, não tem o condão de deter a progressão das lesões auditivas decorrentes da exposição ao referido agente;

(b) no que diz respeito aos demais agentes nocivos, a utilização de equipamento de proteção somente descaracterizará a especialidade da atividade se comprovada, por laudo técnico, a sua real efetividade, e demonstrado nos autos o seu uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho, consoante entendimento do STJ que se coaduna com a recente decisão do STF a que se procura interpretar (AgRg-AREsp 174.282/SC, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 28.06.2012; REsp 1.108.945/RS, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 23.06.2009). Não basta para tanto, evidentemente, “o mero preenchimento dos campos específicos no PPP, onde simplesmente são respondidas as perguntas ‘EPI eficaz?’ e ‘EPC eficaz?’, sem qualquer detalhamento acerca da total elisão ou neutralização do

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agente nocivo” (Ap-Reex 5006915-15.2012.404.7112/RS, TRF 4ª R., 5ª T.), ou seja, “A indicação da eficácia deve ser declarada por profissional técnico habilitado, em documento específico para essa comprovação, no qual se aponte o resultado da perícia levada a efeito no caso concreto” (AC 0016049-80.2012.4.01.3800/MG, TRF 1ª R., 1ª T.).

DELINEAMENTO SOBRE AS MODALIDADES DE APOSENTADORIA

A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/1991, é devi-da ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições espe-ciais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.

Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, visto que o que enseja a outorga do be-nefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma em comento (15, 20, ou 25 anos), sob condições nocivas.

No tocante às demais modalidades de aposentadoria, há em nosso or-denamento jurídico três situações a serem consideradas, quais sejam: a) pre-enchimento dos requisitos em data anterior a 16.12.1998 (data da vigência da EC 20/1998) – integral aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço para o homem e 30 (trinta) anos para a mulher, e, proporcional com redução de 5 (cinco) anos de trabalho para cada; b) não preenchimento do período mínimo de 30 (trinta) anos em 16.12.1998, tornando-se obrigatória para a aposentadoria a observância dos requisitos contidos na EC 20/1998, sendo indispensável contar o segurado com 53 (cinquenta e três anos) de idade, se homem, e 48 (quarenta e oito) anos de idade, se mulher, bem como a integralização do percentual de contribuição (pedágio equivalente a 20% (vinte por cento) do tempo que, na data da publicação da emenda, faltaria para atingir o limite de tempo mínimo de contribuição, para aposentadoria integral, e, 40% (quarenta por cento) para a proporcional); c) e, por fim, a aposentadoria integral, prevista no § 7º do art. 201 da CR/1988, não se lhe aplicando as regras de transição discriminadas acima, sendo necessário, aqui, tão somente o tempo de contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, se homem, e 30 (trinta anos), se mulher.

Com relação ao salário-de-benefício, a Lei nº 9.876/1999, de 29.11.1999, alterou a metodologia de sua apuração, instituindo o fator previdenciário para o cálculo deste. Referida norma, no entanto, garantiu aos segurados, em seu art. 6º, o direito à concessão do benefício segundo as regras até então vigentes, desde que implementados os requisitos legais. Assim, apenas se cumpridos os requisitos para aposentadoria por tempo de contribuição com o tempo de labor até o advento da EC 20/1998 (ou da Lei nº 9.876/1999), o salário-de-benefício será calculado consoante os termos da redação original do art. 29 da Lei nº 8.213/1991.

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Por outro lado, no caso de restar satisfeito o cumprimento dos requisitos constitucionais e legais para concessão de aposentadoria por tempo de con-tribuição em mais de uma oportunidade, deverá o INSS conceder-lhe a mais benéfica. Nesse diapasão, se a hipótese mais vantajosa for a aposentadoria com o tempo de contribuição até a EC 20/1998, seguindo precedentes desde Tribu-nal, a RMI deverá ser apurada até a data na qual estiver configurado o direito adquirido.

Feitas todas essas considerações/delineamentos, passa-se ao caso con-creto dos autos.

O PRESENTE CASOTempo especial: Conforme reiterada jurisprudência do STJ, caracteriza-

-se como especial a atividade desenvolvida em ambiente com ruído médio superior a 80dB (oitenta decibéis), no período de vigência simultânea e sem incompatibilidades dos Decretos nºs 53.831/1964 e 83.080/1979; superior a 90dB (noventa decibéis) com o advento do Decreto nº 2.172 em 05.03.1997; e superior a 85dB (oitenta e cinco decibéis) a partir da edição do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, que não pode ser aplicado retroativamente (STJ, recur-so repetitivo, REsp 1398260/PR).

Assim, nos termos do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP de fls. 38/39, verifica-se que o autor esteve exposto a ruídos médios equivalentes a 91,0 dB no período de 16.12.1998 a 09.10.2007.

Quanto à correção monetária, esta Câmara Regional vem adotando o entendimento de que deverão ser observados os critérios constantes do Manual de Cálculos da Justiça Federal até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, sendo que a partir daí, com o objetivo de guardar coerência com as recen-tes decisões do STF sobre a matéria e até que sobrevenha decisão específica, deverão ser adotados, os critérios de atualização estabelecidos no 1º-F da Lei nº 9.494/1997, na redação da Lei nº 11.960/2009, sem prejuízo de que se obser-ve na liquidação a decisão final do STF no RE com repercussão geral 870.947/SE, caso promova alguma alteração no índice ou no termo inicial/final da correção monetária.

Os juros de mora são fixados no percentual de 1% ao mês, a contar da citação, em relação às parcelas a ela anteriores, e de cada vencimento, quanto às subsequentes, incidindo essa taxa até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, a partir de quando deverão ser observados os termos da referia lei e suas alterações.

Nesses termos, dou parcial provimento à remessa.

É o voto.

Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos Relator Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência

3832

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Criminal – Turma Especialidade I – Penal Previdenciário e Propriedade IndustrialNº CNJ 0000958‑35.2014.4.02.5001 (2014.50.01.000958‑4)Relator: Desembargador Federal Messod Azulay NetoApelante: Ministério Público FederalProcurador: Procurador Regional da RepúblicaApelado: Joao GoncalvesDefensor Público: Defensoria Pública da UniãoOrigem: 1ª Vara Federal Criminal (00009583520144025001)

ementA

PENAL – PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – CONTRABANDO (ART. 334, § 1º, ALÍNEAS C E D, DO CP) – MÁQUINA “CAÇA-NÍQUEIS” – SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – ART. 397, III, DO CPP – PRESENÇA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE DELITIVAS – RECURSO PROVIDO1. Materialidade configurada pelo Laudo Pericial nº 2085/2012, expedi-do pelo Departamento de Criminalística, da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, que atesta a existência de componentes eletrônicos estran-geiros no interior dos equipamentos analisados.

2. O esquema criminoso em que se insere o evento em questão irradia imensa repercussão social por envolver criminalidade organizada. Além disso, é fato notório a existência de componentes eletrônicos de origem estrangeira em máquinas “caça-níqueis”, como a apreendida na posse do ora apelado.

3. A ilegalidade de tal conduta não constitui novidade para o acusado, uma vez que já fora surpreendido em outra oportunidade fazendo uso de máquinas da mesma espécie no seu estabelecimento comercial.

4. Procedentes as alegações do Ministério Público Federal no sentido de dar prosseguimento à ação para que se possa concluir, a partir da instru-ção criminal, sobre a ocorrência ou não da conduta típica atribuída ao acusado.

5. Recurso provido.

Acórdão

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Membros da Segunda Turma Especializada do Tribunal Re-gional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em dar provimento ao recurso,

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nos termos do Voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 1º de março de 2016 (data do Julgamento).

Des. Fed. Messod Azulay Neto Relator

relAtórIo

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Fede-ral em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de Vitória/ES, que, com fulcro no art. 397, III, do CPP, absolveu sumariamente João Gonçalves da prática do crime de contrabando, previsto no art. 334, § 1º, c, d, do Código Penal.

Em síntese, narra a denúncia que, em 14.04.2012, foram apreendidas 06 (seis) Máquinas Eletrônicas Programáveis, conhecidas como “caça-níqueis”, no interior do estabelecimento comercial, situado no Bairro Tubarão, no Município de Serra/ES, de responsabilidade do acusado, ora apelado (fls.02/03).

Denúncia recebida em 25.11.2014 (fl. 05).

Laudo Pericial nº 2085/2012, expedido pelo Departamento de Crimina-lística, da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, que atesta a existência de componentes eletrônicos estrangeiros no interior dos equipamentos analisados (fls. 34/39 do apenso).

Sentença absolutória às fls. 21/25, in verbis:

“[...] Ante o exposto, julgo improcedente a pretensão punitiva estatal, para ab-solver sumariamente João Gonçalves, pela prática dos delitos imputados nestes autos, com fulcro no art. 397, III, do Código de Processo Penal. [...]” (grifo no original)

Recurso de apelação do MPF, pugnando pela reforma da sentença de absolvição sumária para que seja dado prosseguimento ao feito (fls. 26/34).

Contrarrazões pela manutenção da sentença de primeiro grau, sob a ale-gação de que: a) a materialidade delitiva não restou configurada; b) que o acu-sado não era dono das máquinas apreendidas; c) o acusado não sabia e não tinha condições de saber acerca da origem ilícita dos componentes eletrônicos existentes no material arrecadado. (fls. 36/41).

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso de apelação (fls. 48/51).

É o relatório.

À douta revisão.

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Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2015.

Des. Fed. Messod Azulay Neto Relator

voto

Como relatado, trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de Vitória/ES, que, com fulcro no art. 397, III, do CPP, absolveu su-mariamente João Gonçalves da prática do crime de contrabando, previsto no art. 334, § 1º, c, d, do Código Penal.

Assiste razão ao recorrente.

A matéria a ser tratada na presente ação é bastante complexa, porque, de fato, a importação e a exploração de máquinas “caça-níqueis” envolvem organizações criminosas e abarcam vários crimes, como corrupção, quadrilha e contrabando.

Trata-se de atividade vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, cuja forma de exploração é indicativa da proveniência criminosa de mercadorias, que são aceitas nos estabelecimentos comerciais sem qualquer nota fiscal, guia de importação ou verificação da sua origem.

A peça inaugural descreve fato típico, cuja narrativa, lastreada em laudo pericial conclusivo, aponta para a origem estrangeira dos componentes encon-trados nos equipamentos apreendidos.

Quanto à materialidade, o Laudo Pericial nº 2085/2012, expedido pelo Departamento de Criminalística, da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo, atesta a existência de componentes eletrônicos estrangeiros no interior dos equipamentos analisados.

Com efeito, desde a vigência da IN SRF 126/1999, a Receita Federal con-sidera produto de contrabando ou descaminho todo e qualquer componente eletrônico empregado em máquinas “caça-níqueis”, de modo que aquele que explora, em atividade comercial, esse tipo de equipamento, inevitavelmente in-corre no crime em comento, uma vez que utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional.

Já havia me manifestado, de par com os membros desta Turma, pela im-possibilidade do prosseguimento da ação penal, na maioria dos casos, ao fun-damento de que seria inviável que os donos dos estabelecimentos comerciais pudessem saber da origem estrangeira dos componentes eletrônicos existentes nas máquinas “caça-níqueis”.

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Ocorre, porém, que melhor refletindo sobre o assunto, meu posiciona-mento se modificou em virtude de entendimento segundo o qual o esquema cri-minoso em que se insere o evento em questão irradia imensa repercussão social por envolver criminalidade organizada. Além disso, é fato notório a existência de componentes eletrônicos estrangeiros em máquinas “caça-níqueis”, como as apreendidas na posse do acusado.

Ademais, mister se faz ressaltar que a ilegalidade de tal conduta não constitui novidade para o acusado, vez que já fora surpreendido em outra opor-tunidade fazendo uso de máquinas da mesma espécie no seu estabelecimento comercial (Ação Penal nº 2008.50.01.014740-3), como se verifica à fl. 13.

Posta assim a questão, entendo procedentes as alegações do Ministério Público Federal no sentido de dar prosseguimento à ação para que se possa concluir, a partir da instrução criminal e sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, quanto à ocorrência, ou não, da conduta típica atribuída ao acusado.

Posto isso, dou provimento ao recurso do MPF para anular a sentença recorrida, determinando o regular prosseguimento do feito.

É como voto.

Des. Fed. Messod Azulay Neto Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

3833

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoApelação Cível nº 0000173‑86.2010.4.03.6100/SP2010.61.00.000173‑4/SPRelator: Desembargador Federal Paulo FontesApelante: Ricardo Dias e outro(a) Marlene Martins Pena DiasAdvogado: SP221748 Ricardo Dias e outro(a)Apelado(a): Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: SP166349 Giza Helena CoelhoNº Orig.: 00001738620104036100 12ª Vr. São Paulo/SP

ementA

CIVIL E PROCESSO CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – CONTRATO DE RELACIONAMENTO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – DOCUMENTO HÁBIL – REVISÃO DO CONTRATO – LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – APELAÇÃO DESPROVIDA

1. Quanto à competência da Justiça Federal, a questão a qual se insurge os apelantes, já foi analisada no Agravo de Instrumento nº 0004122.85.2010.403.0000, no sentido de dar provimento ao recurso da CEF para impedir o deslocamento do processo ao Juizado Especial Federal, mantendo o feito na Justiça Federal, razão pela qual o tema não mais comporta qualquer discussão.

2. No tocante à taxa de juros em limite superior a 12% ao ano, a ju-risprudência do E. Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, cuidando-se de operações realizadas por instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, não incide a limitação prevista na lei de Usura (Decreto nº 22.626, 07.04.1933). Esse entendimento encontra-se consolidado na Súmula nº 596. Insta salientar que a parte ré, por ocasião das operações que originaram a presente ação, estava ciente da taxa co-brada pela instituição financeira, ora recorrida, a qual não se submetia ao limite constitucional de 12% ao ano, de que tratava o § 3º do art. 192 da Constituição Federal, atualmente revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29.05.2003. É que a Excelsa Corte já havia proclamado que o § 3º do art. 192 da Constituição Federal não era autoaplicável, depen-dendo de lei ordinária para a sua regulamentação, tendo restado crista-lizado tal entendimento na Súmula nº 648. Registre-se, por oportuno, que no julgamento do Recurso Especial nº 1.061530/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do Código de Processo Civil), o

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E. Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de que a estipu-lação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. A par disso, a abusividade na cobrança de juros ex-torsivos somente restaria configurada se a instituição financeira estivesse praticando taxa de juros em percentual superior à média praticada pelo mercado, hipótese, não verificada nos presentes autos.

3. No que diz respeito à capitalização de juros vale ressaltar que, dian-te da vedação contida no art. 4º do Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1.933, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 121. Com a edição Medida Provisória nº 1.963-17 de 31.03.00 (reeditada sob o nº 2.170-36, de 23.08.2001), a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a evolução legislativa, assentou o entendimento no sentido de que “é permitida a capitalização de juros com periodicida-de inferior a um ano em contratos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada” (REsp 973827/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Relª p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., julgado em 08.08.2012, DJe 24.09.2012). Conquanto recentemente o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.388.972/SC, também sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia, tenha firmado a tese de que: “A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mú-tuo é permitida quando houver expressa pactuação”, persiste a restrição temporal firmada no julgamento do REsp nº 973.827/RS e na Súmula nº 539 do STJ no sentido de somente ser permitida a capitalização de ju-ros nos contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Me-dida Provisória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001). A meu ver, a nova tese apenas reforça o entendimento que já existia em relação à necessidade de pactuação expressa. É importante destacar ain-da que o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 973.827, cuja ementa encontra-se supra transcrita, consolidou que a pactuação da capitalização dos juros tem que ser realizada de forma expressa e clara, bem como que basta a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal para que seja lícita a cobrança da capitalização. Neste sentido, confiram-se as Súmulas nºs 539 e 541 do Superior Tribunal de Justiça. No caso dos autos, admite-se a capitaliza-ção mensal dos juros remuneratórios, desde que expressamente pactua-dos, pois o contrato foi celebrado em 23.09.2008, data posterior à edição da aludida medida provisória. Logo, como no contrato de abertura de crédito rotativo de fls. 09/11 a taxa de juros anual (151,25%) ultrapassa o duodécuplo da taxa mensal (7,98%), houve pactuação da capitalização

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mensal dos juros remuneratórios, de modo que não há qualquer ilegali-dade na sua cobrança.

4. Não há mais controvérsia acerca da aplicabilidade dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal na ADIn 2591/DF e dis-posto no enunciado da súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça. Embora inegável a relação de consumo existente entre os litigantes, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, não significa ignorar por completo as cláusulas contratuais pactuadas, a legislação aplicável à espécie e o entendimento jurisprudencial consolidado.

5. Apelação improvida.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unani-midade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 04 de setembro de 2017.

Paulo Fontes Desembargador Federal

relAtórIo

Trata-se de recurso de apelação interposto por Ricardo Dias e outra em face da sentença proferida nos autos da ação monitória ajuizada pela Caixa Econômica Federal – CEF contra [réus], objetivando a cobrança da dívida oriun-da do Contrato de Relacionamento – Abertura de Contas e Adesão a Produtos e Serviços – Pessoa Física – Crédito Rotativo, firmado em 23 de setembro de 2008.

A sentença, ora impugnada, rejeitou os embargos monitórios e julgou procedente o pedido formulado na inicial da ação monitória, para condenar os réus a pagar à autora a quantia indicada na exordial, acrescida de comi-nações contratuais e legais, bem como custas processuais e verba honorária, fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observada a Lei nº 1.060/1950.

Sustenta a parte ré-embargante as seguintes teses:

a) incompetência da Justiça Federal para julgar o presente feito;

b) necessidade de limitação da taxa de juros a 12%;

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c) ilegalidade da capitalização mensal dos juros (anatocismo);

d) aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte Regional.

É o relatório.

voto

INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A questão a qual se insurge os apelantes, já foi analisada no Agravo de Instrumento nº 0004122.85.2010.403.0000, no sentido de dar provimento ao recurso da CEF para impedir o deslocamento do processo ao Juizado Especial Federal, mantendo o feito na Justiça Federal, razão pela qual o tema não mais comporta qualquer discussão.

B) LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS A 12%

No tocante à taxa de juros em limite superior a 12% ao ano, a jurispru-dência do E. Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, cuidando--se de operações realizadas por instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, não incide a limitação prevista na lei de Usura (Decreto nº 22.626, 07.04.1933). Esse entendimento encontra-se consolidado na Súmula nº 596, verbis:

“As disposições do Decreto nº 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional.”

Insta salientar que a parte ré, por ocasião das operações que originaram a presente ação, estava ciente da taxa cobrada pela instituição financeira, ora recorrida, a qual não se submetia ao limite constitucional de 12% ao ano, de que tratava o § 3º do art. 192 da Constituição Federal, atualmente revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29.05.2003.

É que a Excelsa Corte já havia proclamado que o § 3º do art. 192 da Constituição Federal não era autoaplicável, dependendo de lei ordinária para a sua regulamentação, tendo restado cristalizado tal entendimento na Súmula nº 648, que diz:

“Súmula nº 648: A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.”

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Ressalte-se, por oportuno, que o E. Pretório editou a Súmula Vinculante nº 07, cujo enunciado repete os termos da Súmula nº 648 acima transcritas, razão pela qual descabe qualquer discussão acerca da limitação constitucional dos juros remuneratórios.

Conclui-se, portanto, que as limitações impostas pelo Decreto nº 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros cobradas pelas instituições bancárias ou financeiras em seus negócios jurídicos, cujas balizas encontram-se no contrato e nas regras de mercado, salvo as exceções legais.

Registre-se, por oportuno, que no julgamento do Recurso Especial nº 1.061530/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do Códi-go de Processo Civil), o E. Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Restou, ainda, estabelecido em aludido julgamento que é admitida a re-visão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabal-mente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto.

A par disso, a abusividade na cobrança de juros extorsivos somente resta-ria configurada se a instituição financeira estivesse praticando taxa de juros em percentual superior à média praticada pelo mercado, hipótese, não verificada nos presentes autos.

Nesse sentido:

“Os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média de mercado somen-te quando cabalmente comprovada, no caso concreto, a significativa discre-pância entre a taxa pactuada e a taxa de mercado para operações da espécie.” (AgRg-REsp 1163591/MG, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., Julgado em 05.11.2015, DJe 03.12.2015)

Em suma, os embargantes-apelantes não lograram demonstrar que a insti-tuição financeira esteja praticando taxa de juros em percentual superior à média praticada pelo mercado, afastando a existência da suposta abusividade.

C) CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS (ANATOCISMO):

No que diz respeito à capitalização de juros vale ressaltar que, diante da vedação contida no art. 4º do Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1933, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 121 que assim preconiza:

“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.”

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Adotando o mesmo entendimento, o E. Superior Tribunal de Justiça po-sicionou-se, por reiteradas vezes, pela vedação da capitalização mensal dos juros, mesmo que convencionada, sob o fundamento de que subsiste o preceito do art. 4º do Decreto nº 22.626/1933, contrário ao anatocismo, cuja redação não foi revogada pela Lei nº 4.595/1964, sendo permitida a sua prática somente nos casos expressamente previstos em lei, entre eles as cédulas e notas de crédi-tos rurais, industriais e comerciais, mas não para o contrato de mútuo bancário. (REsp 150992/RS, STJ, 3ª T., Rel. Min. Waldemar Zveiter, 3ª T., J. 05.05.1998, DJu 08.06.1998, vu).

Contudo, com a edição Medida Provisória nº 1963-17 de 31.03.2000 (re-editada sob o nº 2.170-36, de 23.08.2001), a jurisprudência do E. Superior Tri-bunal de Justiça, acompanhando a evolução legislativa, no julgamento do REsp 973.827, conforme a sistemática dos recursos representativos de controvérsia, firmou novo entendimento no sentido de ser permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. Confira a ementa:

“CIVIL E PROCESSUAL – RECURSO ESPECIAL REPETITIVO – AÇÕES REVISIO-NAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO – CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – CAPI-TALIZAÇÃO DE JUROS – JUROS COMPOSTOS – DECRETO Nº 22.626/1933 – MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36/2001 – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – MORA – CARACTERIZAÇÃO

1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória nº 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstân-cia de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles pas-sam a incidir novos juros.

2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de ‘taxa de juros simples’ e ‘taxa de juros compostos’, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto nº 22.626/1933.

3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:

‘É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.’

‘A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual

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superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.’

4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou mo-ratórios.

5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusu-las contratuais questionadas.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.”

(REsp 973827/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC) Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Relª p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julga-do em 08.08.2012, DJe 24.09.2012)

Conquanto recentemente o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamen-to do REsp 1.388.972/SC, também sob a sistemática dos recursos representati-vos de controvérsia, tenha firmado a tese de que: “A cobrança de juros capitali-zados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação”, persiste a restrição temporal firmada no julgamento do REsp 973.827/RS e na Súmula nº 539 do STJ no sentido de somente ser permitida a capitalização de juros nos contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001). A meu ver, a nova tese apenas reforça o entendimento que já existia em relação à necessida-de de pactuação expressa.

É importante destacar ainda que o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 973.827, cuja ementa encontra-se supra transcrita, conso-lidou que a pactuação da capitalização dos juros tem que ser realizada de forma expressa e clara, bem como que basta a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal para que seja lícita a cobran-ça da capitalização. Nesse sentido, transcrevo o seguinte trecho do voto ven-cedor da Exma. Ministra Maria Isabel Gallotti e do Exmo. Ministro Raul Araújo:

“A segunda tese que proponho para os efeitos do art. 543-C é, portanto, ‘A pactua- ção mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.’

Anoto que, no presente caso, a pretensão deduzida na inicial foi a de reduzir o próprio valor das 36 prestações acordadas, cuja evolução está demonstrada no anexo a este voto, ou seja, voltou-se o devedor contra a taxa de juros compostos, especificada no contrato e embutida nas prestações fixas. Este foi também o fun-damento exclusivo do acórdão para reputar presente a capitalização ilegal de ju-ros. Não demonstrada a abusividade em termos de mercado, conforme acentuado no voto do Relator, deve ser mantida a taxa efetiva de juros remuneratórios con-tratada.

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No caso concreto, divergindo parcialmente do relator, voto pela legalidade do regime de juros compostos adotado expressamente no contrato como método de cálculo das prestações. Mantenho, portanto, as taxas mensal e anual contra-tadas.”

(Exma. Ministra Maria Isabel Gallotti)

“[...] no caso, noto que o próprio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, examinando o contrato, considerou suficiente a menção às taxas, porque diz: ‘O exame do contrato mostra que foram pactuados juros de 3,16% a.m. e de 45,25664% a.a., o que demonstra a prática de cobrança de juros sobre juros mensalmente.’

Quer dizer, o Tribunal também entendeu que não há dificuldade alguma em, fazendo-se o comparativo entre taxa mensal e taxa anual, constatar-se a existên-cia de juros compostos.”

(Exmo. Ministro Raul Araújo)

Colaciono os seguintes precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PARA ANTECIPAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE IRPF/13º SALÁRIO – JUROS – CAPITALIZAÇÃO – POSSIBILIDADE – TAXA ANUAL SUPERIOR AO DUODÉCUPLO DA MENSAL – ACORDO DEMONSTRADO – RECURSO PROVIDO – 1. Apelação interposta pela CEF em face de sentença que julgou parcialmente procedente os embargos à execução, afastando-se a incidência da capitalização mensal de juros. 2. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamen-to do Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº 1112880, de relato-ria da Ministra Nancy Andrighi, pacificou o entendimento segundo o qual, nos contratos de mútuo bancário, celebrados após a edição da MP 1.963-17/2000 (reeditada sob o nº 2.170-36/2001), tal como o destes autos, admite-se a capita-lização mensal de juros, desde que expressamente pactuada. 3. ‘[...] a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para caracterizar a expressa pactuação e permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada, hipótese dos autos’ (AgRg-REsp 1260463/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., Julgado em 11.06.2013, DJe 14.06.2013). 4. No caso dos au-tos, portanto, a previsão no contrato bancário dos percentuais das taxas de juros anual (41,74%) e mensal (2,95%) mostra-se suficiente para demonstrar o acordo entre as partes, de modo que é de se admitir a capitalização mensal dos juros remuneratórios. 5. Apelação provida.”

(TRF 5ª R., AC 00099630220114058300, Des. Fed. Francisco Cavalcanti, 1ª T., DJe Data: 18.07.2013, p. 161)

“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO MONITÓRIA – CAPITALI-ZAÇÃO DE JUROS – APLICAÇÃO DE TAXA ANUAL DE JUROS SUPERIOR A 12% AO ANO – POSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE PREVISÃO EXPRESSA EM CONTRATO – 1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Es-pecial Repetitivo nº 973.827/RS, da Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão,

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firmou a tese de que ‘É permitida a capitalização de juros com periodicidade in-ferior a um ano em contratos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada” (enunciado da Súmula nº 539, do STJ) e que ‘A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada’. 2. No caso concreto, o contrato não especifica as taxas de juros, a forma de cálculo do saldo devedor e nem os percentuais aplicáveis a título de comissão de permanência. Há, apenas, uma previsão genérica na cláu-sula quarta de que ‘sobre o valor de casa operação incidirão juros praticados pela Caixa, IOF e tarifa de contratação’, o que não se presta a servir de fundamento para a capitalização de juros e a incidência de juros anuais superiores a 12%. 3. Os demonstrativos de débitos dos contratos objeto da lide possuem a indicação da incidência da taxa de juros de 5% ao mês e trazem a aplicação da comissão de permanência, razão pela qual não são suficientes para cumprir o requisito da pactuação expressa e clara da capitalização e da taxa mensal de juros. Ademais, este documento somente foi gerado após o inadimplemento do contrato, e não há nos autos nenhum comprovante de que, no momento da contratação, a parte ré tenha sido informada acerca de tais dados. 4. Apelação conhecida e improvida. Sentença confirmada. 1. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, decidem os membros da 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.”

(TRF 2ª R., AC 00185994220054025101, Geraldine Pinto Vital de Castro, 8ª T.Esp.)

Neste sentido, confiram-se as Súmulas nºs 539 e 541 do Superior Tribu-nal de Justiça:

“É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em con-tratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31.03.2000 (MP 1.963-17/2000, reeditada como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.”

“A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.”

No caso dos autos, admite-se a capitalização mensal dos juros remunera-tórios, desde que expressamente pactuados (ou, nos termos da tese firmada pelo STJ, conste no contrato que a taxa de juros anual seja superior ao duodécuplo da mensal), pois o contrato foi celebrado em data posterior à edição da aludida medida provisória (23.09.2008).

Logo, como no contrato de abertura de crédito rotativo de fls. 09/11 a taxa de juros anual (151,25%) ultrapassa o duodécuplo da taxa mensal (7,98%),

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houve pactuação da capitalização mensal dos juros remuneratórios, de modo que não há qualquer ilegalidade na sua cobrança.

D) APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDORNão há mais controvérsia acerca da aplicabilidade dos dispositivos do

Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme posicio-namento do Supremo Tribunal Federal na ADIn 2591/DF e disposto no enun-ciado da Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Todavia, no caso, não vislumbro qualquer dificuldade na interpretação das cláusulas contratuais pactuadas, visto que o contrato, embora de adesão, foi redigido de forma clara a possibilitar a identificação de prazos, valores ne-gociados, taxa de juros, encargos a incidir no caso de inadimplência, e demais condições, conforme preconiza o § 3º do art. 54 do Código de Defesa do Con-sumidor, que estipula o seguinte:

“Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracte-res ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.”

A par disso, embora inegável a relação de consumo existente entre os litigantes, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, não significa ig-norar por completo as cláusulas contratuais pactuadas, a legislação aplicável à espécie e o entendimento jurisprudencial consolidado.

Diante do exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

Paulo Fontes Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

3834

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 5007456‑68.2017.4.04.0000/PRRelator: Luís Alberto D’Azevedo AurvalleAgravante: Banco do Brasil S/AAgravado: Marta GorgenAdvogado: Inacio Zeno FranzenInteressado: Banco Central do Brasil – Bacen

ementA

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA – APLICAÇÃO DO ART. 275 DO CC

Nas hipóteses de cumprimento provisório de sentença com condenação em caráter solidário, aplica-se o disposto no art. 275 do Código Civil que prevê que “o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores solidários a dívida em comum”.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimi-dade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 10 de maio de 2017.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Relator

relAtórIo

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em sede de cumprimento de sentença referente a acórdão proferido pelo Superior Tribu-nal de Justiça nos autos de ação civil pública, determinou a exclusão do Bacen do polo passivo da lide executiva.

O agravante sustenta a existência de litisconsórcio passivo necessário.

Foi deferido o pedido de antecipação de tutela.

Com as contrarrazões, vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

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186 ....................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

voto

Ao analisar o pedido de antecipação de tutela foi proferida a seguinte decisão:

[...]

A questão não comporta maiores digressões.

Da leitura do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que a condenação foi em caráter solidário. É o que se vê da transcrição a seguir:

Condeno os réus, solidariamente, ao pagamento das diferenças apuradas entre o IPC de março de 1990 (84, 32%) e o BTNs fixado em idêntico período (41,28%) aos mutuários que efetivamente pagaram com atualização do financiamento por índice ilegal, corrigidos monetariamente os valores a contar do pagamento a maior pelos índices aplicáveis aos débitos judiciais, acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11.01.2003), quando passarão para 1% ao mês, nos termos do art. 406 do Código Civil de 2002.” (grifos no original)

Por sua vez, dispõe o Código Civil:

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos deve-dores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Portanto, o recurso merece acolhida.

Ante o exposto, defiro a antecipação de tutela recursal.

[...]

Não configurados elementos hábeis para alterar o entendimento inicial, mantenho-o, por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.

É o voto.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Relator

extrAto de AtA dA sessão de 10.05.2017

Agravo de Instrumento nº 5007456-68.2017.4.04.0000/PROrigem: PR 50000639320174047016Relator: Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo AurvallePresidente: Vivian Josete Pantaleão CaminhaProcurador: Dr. Paulo Gilberto Cogo LeivasAgravante: Banco do Brasil S/A

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................187

Agravado: Marta GorgenAdvogado: Inacio Zeno FranzenInteressado: Banco Central do Brasil – BacenCertifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10.05.2017, na

sequência 308, disponibilizada no DE de 11.04.2017, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento.

Relator Acórdão: Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo AurvalleVotante(s): Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior Desª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha

Luiz Felipe Oliveira dos Santos Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

3835

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoApelação Cível nº 594568/PB (0002353‑89.2011.4.05.8200)Apte.: INSS – Instituto Nacional do Seguro SocialRepte.: Procuradoria Representante da EntidadeApdo.: Esmeraldina Rodrigues PereiraOrigem: 5ª Vara Federal da Paraíba (Privativa de Execuções Fiscais)Relator: Desembargador Federal José Vidal Silva Neto (Convocado) – Terceira Turma

ementA

PROCESSUAL CIVIL – PAGAMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – ILIQUIDEZ DO TÍTULO EXECUTIVO – NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA – EXECUÇÃO FISCAL – VIA PROCESSUAL INADEQUADA1. Apelação contra sentença que extinguiu a execução fiscal, sem jul-gamento do mérito, declarando a nulidade da Certidão da Dívida Ativa – CDA originária de ressarcimento ao erário pelo pagamento indevido de benefício previdenciário.

2. O inciso I do art. 803 do Código de Processo Civil estabelece que “é nula a execução se o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível”.

3. Os créditos referentes a valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, por serem provenientes de responsabilidade civil, carecem da liquidez e certeza necessárias para a inscrição em dí-vida ativa, revelando-se, portanto, inviável a cobrança de tais valores por meio de execução fiscal. Precedente do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.350.804/PR, sob o rito do antigo art. 543-C do Código de Processo Civil.

4. Apelação improvida.

Acórdão

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 1º de junho de 2017 (data do Julgamento).

Desembargador Federal José Vidal Silva Neto Relator Convocado Justiça Federal

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relAtórIo

O Exmo. Desembargador Federal José Vidal Silva Neto (Relator Convo-cado):

O INSS – Instituto Nacional do Seguro Social interpõe apelação contra sentença que extinguiu a execução fiscal, sem julgamento do mérito, declaran-do a nulidade da Certidão da Dívida Ativa – CDA originária de ressarcimento ao erário pelo pagamento indevido de benefício previdenciário.

Sustenta a apelante que a previsão contida no § 2º do art. 39 da Lei nº 4.320/1964 permite a inscrição em Dívida Ativa de débito oriundo do paga-mento indevido de benefício previdenciário, bem como sua cobrança através da execução fiscal, na forma da Lei nº 6.830/1980. Aduz que a certeza e liqui-dez do título ocorrem em razão da existência de procedimento administrativo no qual a questão foi submetida ao crivo do contraditório, bem como da legiti-midade da Advocacia-Geral da União para inscrição na dívida ativa respaldada no Decreto nº 3.048/1999.

Sem contrarrazões.

É o relatório.

votoO Exmo. Desembargador federal José Vidal Silva Neto (Relator Convo-

cado): A Lei nº 6.830/1980, nos §§ 1º e 2º de seu art. 2º, dispõe que constitui a Dívida Ativa da Fazenda Pública tanto aquela definida como tributária quanto a não tributária.

No entanto, “conforme dispõem os arts. 2º e 3º da Lei nº 6.830/1980, e § 2º do art. 39 da Lei nº 4.320/1964, o conceito de dívida ativa envolve apenas os créditos certos e líquidos. Assim, tanto a dívida ativa tributária como a não tributária requer o preenchimento desses requisitos” (STJ, REsp 200902435090, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T, DJe 25.10.2010).

Por sua vez, o inciso I do art. 803 do Código de Processo Civil estabelece que “é nula a execução se o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível”.

Fixadas estas premissas, conclui-se que os créditos referentes a valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, por serem pro-venientes de responsabilidade civil, carecem da liquidez e certeza necessárias para a inscrição em dívida ativa, revelando-se, portanto, inviável a cobrança de tais valores por meio de execução fiscal.

Desta forma, para a restituição de tais valores é necessário o prévio pro-nunciamento judicial que reconheça a obrigação de pagar quantia certa, consti-tuindo-se, assim, um título executivo judicial provido dos atributos da liquidez, certeza e exigibilidade.

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190 ....................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Neste sentido pacificou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justi-ça, no julgamento do REsp 1.350.804/PR, sob o rito do antigo art. 543-C Código de Processo Civil.

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, DO CPC) – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDAMENTE PAGO QUALIFICADO COMO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – ART. 154, § 2º, DO DECRETO Nº 3.048/1999 QUE EXTRAPOLA O ART. 115, II, DA LEI Nº 8.213/1991 – IMPOSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATI-VA POR AUSÊNCIA DE LEI EXPRESSA – NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA – EXECUÇÃO FISCAL – IMPOSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA

1. [...] Omissis.

2. À míngua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de co-brança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 que devem sub-meter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito para apuração da res-ponsabilidade civil. Precedentes: REsp 867.718/PR, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, J. 18.12.2008; REsp 440.540/SC, 1ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, J. 06.11.2003; AgRg-AREsp 225.034/BA, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, J. 07.02.2013; AgRg-AREsp 252.328/CE, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, J. 18.12.2012; REsp. 132.2051/RO, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 23.10.2012; AgRg-AREsp 188047/AM, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 04.10.2012; AgRg-REsp 800.405/SC, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 01.12.2009.

3. Situação em que a Procuradoria-Geral Federal – PGF defende a possibilidade de inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário indevidamente recebido por particular, qualificado na certidão de inscrição em divida ativa na hipótese prevista no art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991, que se refere a benefício pago além do devido, art. 154, § 2º, do Decreto nº 3.048/1999, que se refere à restituição de uma só vez nos casos de dolo, fraude ou má-fé, e arts. 876, 884 e 885, do CC/2002, que se referem a enriquecimento ilícito.

4. Não há na lei própria do INSS (Lei nº 8.213/1991) dispositivo legal semelhante ao que consta do parágrafo único do art. 47, da Lei nº 8.112/1990. Sendo assim, o art. 154, §4º, II, do Decreto nº 3.048/1999 que determina a inscrição em dívi-da ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal.

5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1.350.804/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., DJe 28.06.2013).

Com essas considerações, nego provimento à apelação.

É como voto.

Desembargador Federal José Vidal Silva Neto Relator Convocado

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

3836 – Acumulação de cargos públicos – área da saúde – carga horária máxima semanal – pos-sibilidade

“Administrativo. Acumulação de cargos públicos. Área da saúde. Possibilidade. Carga horária má-xima semanal. Parecer AGU GQ-145/1998. Higidez física e mental do servidor. Orientação da Primeira Seção do STJ. Compatibilidade de horários. Cinge-se a controvérsia à verificação da pos-sibilidade da parte autora acumular dois cargos na área da saúde. A Constituição Federal, em regra, veda a cumulação remunerada de cargos ou empregos públicos, permitindo, excepcionalmente, o exercício de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regula-mentadas (art. 37, XVI, alínea c, com redação dada pela EC 34/2001), bastando, tão somente, que o servidor comprove a compatibilidade entre os horários de trabalho. A Primeira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do MS 19.336/DF, DJe 14.10.2014, consolidou o entendi-mento no sentido da impossibilidade de cumulação de cargos de profissionais da área de saúde, quando a jornada de trabalho for superior a 60 (sessenta) horas semanais, na forma do Parecer GQ 145/1998, da AGU. No caso concreto, a autora foi impedida de tomar posse no cargo de Enfermei-ro junto ao ministério da Saúde Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, onde teria uma carga horária de 40 (quarenta) horas semanais, com base na justificativa de incompatibilidade de horário, tendo em vista que já exercia o mesmo cargo público no Município de Além Paraíba/MG, onde cumpria uma carga horária de 30 (trinta) horas semanais, com o que ultrapassaria, em tese, o limite de 60 horas semanais imposto pelo Parecer GQ 145/1998, da AGU. Verifica-se que a autora exerce o cargo de Enfermeiro no Pronto Atendimento da Prefeitura Municipal de Além Paraíba, onde exerce uma carga horária de 16 horas semanais (fl. 77), e pretende tomar posse no mesmo cargo, no Hospital dos Servidores do Estado, para exercer uma carga horária semanal de 40 (qua-renta) horas. Na hipótese, a princípio, há compatibilidade de horários no exercício dos cargos em questão, na medida em que a jornada de trabalho da parte autora não ultrapassaria o limite de 60 horas semanais, consideradas razoáveis para que não haja o comprometimento da qualidade de serviço prestado, pois, como se sabe, o profissional da área de saúde necessita estar em boas condições físicas e mentais, para poder cumprir o seu mister de forma eficiente. Embora a autora labore, em um de seus vínculos, com carga horária reduzida, é certo que, conforme vem decidindo esta colenda Turma ‘adotando-se o Princípio da Razoabilidade, é lícita a acumulação de cargos, eis que a carga horária efetivamente prestada, ainda que reduzida por conta da Portaria nº 1.281 do Ministério da Saúde, encontra-se dentro das 60 horas semanais, não havendo razões concretas de, por ora, obstar o Autor de exercer suas funções’ (TRF 2ª R., AC 0037436-62.2016.4.02.5101, Rel. Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler, 8ª T.Esp., unânime, DJe de 13.01.2017). Recurso provido para determinar que a ré dê posse à autora no cargo de Enfermeiro junto ao Hospital dos Servidores do Estado, abstendo-se de exigir que a mesma peça exoneração do mesmo cargo que exerce junto á Prefeitura de Além Paraíba, condenando a União a restituir as custas recolhidas pela autora e em honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa (R$ 38.400,00), devidamente atualizado, na forma do art. 85, § 3º, I do CPC/2015.” (TRF 2ª R. – AC 0006027-10.2012.4.02.5101 – 8ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Vera Lucia Lima – DJe 27.10.2017 – p. 413)

3837 – Aneel – transferência de ativos de iluminação pública aos municípios – Resolução Nor-mativa nº 414/2010 – embargos de declaração – omissão inexistente

“Direito processual civil. Administrativo. Ação ordinária. Apelação. Transferência de ativos de iluminação pública aos municípios. Resolução Normativa nº 414/2010 da Aneel. Embargos de declaração. Omissão inexistente. Prequestionamento rejeitado. 1. São manifestamente improce-dentes os presentes embargos de declaração, pois não se verifica qualquer omissão no julgamento impugnado, mas mera contrariedade das embargantes com a solução dada pela Turma, que, à luz da legislação aplicável e com respaldo na jurisprudência, consignou expressamente que ‘é cediço na doutrina e na jurisprudência que as agências reguladoras estão adstritas aos poderes que lhe são atribuídos por lei. Isto importa dizer que só podem reger conteúdo não disposto em lei prévia se as-

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sim lhe for permitido pelas competências que receberam legalmente, e nos estritos limites que lhe forem impostos’. 2. Asseverou o acórdão que ‘na espécie, é necessário que se delineiem os limites da atuação regulamentar da Aneel. Neste sentido, é de se reconhecer que não há dispositivo legal que expressamente permita à Aneel gerar obrigações a entes públicos, dentre as competências que lhe foram atribuídas por força do art. 3º da Lei nº 9.427/1996. Contudo, deve-se ter em vista que a obrigação do Município para com o serviço de iluminação pública independe da Aneel, já que detém assento constitucional, inclusive com previsão específica para a forma de custeio (art. 149-A). Assim, de se afastar o argumento de que a Resolução nº 414/2010 da Aneel está atri-buindo tal obrigação a despeito de não deter força de lei. A agência está, em verdade, devidamente alinhada à suas atribuições, por exemplo, de ‘gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e a pres-tação dos serviços de energia elétrica’ (art. 3º, IV, Lei nº 9.427/1996). 3. Consignou o acórdão que ‘Não obstante, a análise da situação concreta revela que, neste caso, a atuação da Aneel importa, materialmente, na própria regência do patrimônio do Município, uma vez que lhe atribui a pro-priedade dos ‘Ativos Imobilizados em Serviço – AIS’, até então de titularidade da distribuidora, de maneira cogente. No que pese ser claro que a Aneel não detém competência expressa para tanto, devem ser destacados os pontos a seguir. Em primeiro lugar, na medida em que a Aneel detém, sem dúvida, competência para ‘regular o serviço concedido, permitido e autorizado e fiscalizar permanentemente sua prestação’ (art. 3º, XIX, Lei nº 9.427/1996) e gerir os contratos de concessão de serviços públicos de energia elétrica, e que tais contratos, por definição, importam em obri-gações mútuas entre os contratantes, não há como não se derivar que a Aneel pode estabelecer regulamentações que impliquem em alteração das obrigações contratuais originalmente firmadas, ou tradicionalmente cumpridas, criando-as ou extinguindo-as. Negar a naturalidade desta con-sequência acabaria por esvaziar a própria função da agência, na medida em que orientada ao satisfatório oferecimento do serviço público, devendo, sempre que necessário, intervir nas relações entre concedente e concessionária em favor do interesse público (art. 29, III, Lei nº 8.987/1995, função do poder concedente delegada à Aneel por força da Lei nº 9.427/1996). Em segundo lu-gar, no específico caso da concessão de distribuição elétrica outorgada à CPFL, a União, poder concedente, atua por intermédio da Aneel, em conformidade com o já referido art. 3º, IV da Lei nº 9.427/1996. Importa dizer, portanto, que a Agência Nacional de Energia Elétrica representa a União, de modo a poder impor, também por estas circunstâncias, obrigações ao Município, advin-das de alterações contratuais’. 4. Aduziu-se que ‘a despeito de todo o arrazoado até aqui, deve-se sopesar que também dentre as competências da Aneel consta zelar pela boa qualidade do serviço [...]’ (art. 29, VII, Lei nº 8.987/1995) e ‘estabelecer, para cumprimento por parte de cada conces-sionária e permissionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, as metas a serem periodicamente alcançadas, visando a universalização do uso da energia elétrica;’ (art. 3º, XII, Lei nº 9.427/1996). Ou seja, até por ser o seu propósito, deve a Aneel visar a boa qualidade do serviço público prestado, buscando seu aperfeiçoamento. Assim, sua atuação na gerência contratual deve ser orientada às políticas e diretrizes do governo federal (art. 3º, I, Lei nº 9.427/1996), buscando es-tabelecer metas e critérios de desempenho, de modo a atender satisfatoriamente a população, en-quanto destinatária do serviço. Nem se diga que a Aneel não deve regular o serviço de iluminação pública, já que de competência municipal. Isto porque até o presente momento este serviço é pres-tado, tradicionalmente e de boa-fé, como obrigação acessória em contrato de concessão (o que já atrairia sua competência), em que, como dito, a União atua por intermédio da agência. E mesmo se o município resolver prestar o serviço por meio de concessão, quer se considere isto atividade acessória ao contrato firmado com a União ou contrato independente, cabe legalmente à Aneel ge-rir tal serviço, vez que as competências constantes do art. 3º da Lei nº 9.427/1996 não distinguem o âmbito federativo do serviço concessionado, muito embora a Aneel deva respeito à autonomia municipal, neste caso. Tanto assim é que o inciso IV do referido artigo inclusive aventa a possibi-lidade de fiscalização mediante convênio com órgãos estaduais’. 5. Concluiu o acórdão que ‘não há qualquer evidência concreta nos autos de que o município de Dumont esteja apto a gerir os AIS

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................193

que lhe seriam transferidos. Não há informação sobre previsão orçamentária, instituição de Cosip ou de presença de efetivo técnico capacitado para a manutenção dos ativos. Note-se que o ônus dessa prova é da Aneel, na medida em que detém o dever legal de zelar pelo serviço prestado e, portanto, garantir que os AIS só sejam transferidos aos municípios uma vez estejam estes aptos a manter a qualidade do serviço, sob pena de danos sensíveis aos munícipes. Não o fazendo, atua de maneira ilegal, porque contrariamente às funções que lhe foram legalmente atribuídas. Nestes termos, a Aneel deveria, então, incentivar o acerto entre distribuidora e município, ao invés de impor, indistintamente, a obrigação de adequação, até porque sabida a larga desigualdade de infraestrutura entre os diversos municípios do país [...]. Tendo em vista o acolhimento da preten-são da Municipalidade, necessária a inversão da condenação em honorários advocatícios, para que os réus sejam compelidos ao pagamento dos ônus de sucumbência, mantido o parâmetro e o quantum fixados na sentença’. 6. Não houve qualquer omissão no julgamento impugnado, nem a título de prequestionamento, porquanto lançada fundamentação bastante e exauriente, revelando, na realidade, a articulação de verdadeira imputação de erro no julgamento, e contrariedade das embargantes com a solução dada pela Turma, o que, por certo e evidente, não é compatível com a via dos embargos de declaração. Assim, se o acórdão violou os arts. 5º, §§ 1º e 2º do Decreto nº 41.019/1957; 29 da Lei nº 8.987/1995; 2º e 3º, XVIII, XXI da Lei nº 9.427/1996; 85, §§ 11 e 12 do CPC; 21, XIII, b, 30, V, 149-A, 175 da CF, como mencionado, caso seria de discutir a matéria em via própria e não em embargos declaratórios. 7. Para corrigir suposto error in judicando, o re-médio cabível não é, por evidente, o dos embargos de declaração, cuja impropriedade é manifesta, de forma que a sua utilização para mero reexame do feito, motivado por inconformismo com a interpretação e solução adotadas, revela-se imprópria à configuração de vício sanável na via eleita. 8. Embargos de declaração rejeitados.” (TRF 3ª R. – EDcl-AC 0009732-85.2015.4.03.6102/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 23.10.2017 – p. 294)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.427/1996:

“Art. 3º Além das atribuições previstas nos incisos II, III, V, VI, VII, X, XI e XII do art. 29 e no art. 30 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, de outras incumbências expressamente previstas em lei e observado o disposto no § 1º, compete à Aneel: (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004) (Vide Decreto nº 6.802, de 2009).

I – implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995;

[...]

XII – estabelecer, para cumprimento por parte de cada concessionária e permissionária de ser-viço público de distribuição de energia elétrica, as metas a serem periodicamente alcançadas, visando à universalização do uso da energia elétrica;

[...]

§ 2º No exercício da competência prevista no inciso XI, a Aneel deverá definir o valor da subven-ção prevista no inciso XIII do art. 13 da Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a ser recebida por cooperativas de eletrificação rural, concessionárias ou permissionárias, para compensar a reduzida densidade de carga de seu mercado, quando for o caso. (Incluído pela Lei nº 13.360, de 2016)

§ 3º A subvenção a que se refere o § 4º será calculada pela Aneel a cada revisão tarifária ordi-nária da principal concessionária de distribuição supridora da cooperativa de eletrificação rural, concessionária ou permissionária, devendo o valor encontrado ser atualizado pelo Índice Nacio-nal de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou outro que o substituir, nos processos subsequentes de reajuste tarifário.”

3838 – Ato administrativo – licença de instalação e funcionamento – estação-rádio – lei super-veniente – incidência

“Reexame necessário. Ato administrativo. Licença de instalação e funcionamento. Lei supervenien-te. Adequação. Ato jurídico perfeito. Sucumbência. Fazenda Pública. Honorários advocatícios.

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Parâmetros legais. 1. Em atenção à garantia do ato jurídico perfeito, preserva-se da incidência de lei superveniente, a licença de autorização de instalação e funcionamento de estação-rádio base anteriormente concedida. 2. Vencida a Fazenda Pública, mantém-se o valor dos honorários advo-catícios se fixados segundo as circunstâncias da prestação do serviço e as especificidades da cau-sa.” (TJMG – RN-Cv 1.0456.08.062915-1/002 – 7ª C.Cív. – Rel. Oliveira Firmo – DJe 27.10.2017)

3839 – Concurso público – aprovação em cadastro de reserva – pretensão de nomeação – preterição por contratação temporária – falta de comprovação – existência de vagas – ilegalidade da contratação – configuração

“Administrativo. Processual civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Enunciado Admi-nistrativo nº 3/STJ. Concurso público. Aprovação em cadastro de reserva. Pretensão de nomeação. Preterição por contratação temporária. Falta de comprovação. Existência de vagas. Ilegalidade da contratação. 1. A teor do RE 837.311/PI, julgado sob o regime da repercussão geral, como regra o candidato aprovado em cadastro de reserva não é titular de direito público subjetivo à nomeação, não bastando para a convolação da sua expectativa o simples surgimento de vagas ou a abertura de novo concurso, antes exigindo-se ato imotivado e arbitrário da Administração Pública. 2. Para que a contratação temporária configure-se como ato imotivado e arbitrário, a sua celebração deve deixar de observar os parâmetros estabelecidos no RE 658.026/MG, também julgado sob a sistemá-tica da repercussão geral, bem como há de haver a demonstração de que a contratação temporária não se destina ao suprimento de vacância existente em razão do afastamento temporário do titular do cargo efetivo e de que existem cargos vagos em número que alcance a classificação do can-didato interessado. 3. Em tese, a convocação de candidatos em número maior do que o de vagas ofertadas inicialmente não implica necessariamente a lógica de que foi criado um contingente adicional equivalente, diante da plausibilidade de que essa convocação decorra da desistência de candidatos, da exoneração de servidor recém-nomeado, do indeferimento da posse por descum-primento dos requisitos do cargo, da inaptidão em exames pré-admissionais, dentre outras razões semelhantes. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.” (STJ – RMS 55.311 – (2017/0235897-3) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 31.10.2017 – p. 2326)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão em epígrafe, que trata de recurso ordinário interposto com fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado:

“EMENTA – MANDADO DE SEGURANÇA – CANDIDATA APROVADA EM CONCURSO PÚBLI-CO – CARGO DE PROFESSOR DE GEOGRAFIA DA CARREIRA PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO BÁSICA – APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL – NÃO COM-PROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE VAGA PURA E PRETERIÇÃO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – SEGURANÇA DENEGADA.”

(TJMS – Mandado de Segurança nº 1404823-32.2017.8.12.0000, Foro Unificado, 4ª S.Cív., Relator (a): Des. Júlio Roberto Siqueira Cardoso, J. 26.06.2017, p: 27.07.2017)

Consta nos autos que a recorrente foi aprovada em concurso público realizado para o provimento de cargo de Professor de Educação Básica, sendo ofertadas 25 vagas, a impetrante classificou-se no 173º (centésimo septuagésimo terceiro) lugar.

A mesma assevera que no curso da validade do certame foram criados 45 vagas adicionais e que foram nomeados 137 candidatos, faltando apenas 36 para alcançar a sua classificação, e que foram designados 194 servidores temporários, ela própria uma delas.

Aduziu a recorrente que há mais de 300 cargos vagos, residindo a preterição arbitrária e imo-tivada.

Vale trazer o parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso ordinário, nos termos da seguinte ementa:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – RECURSO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA – CONCURSO PÚBLICO – CANDIDATA APROVADA FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL – ÔNUS DA PROVA DO IMPETRANTE – ALEGADA PRETERIÇÃO – NÃO DEMONSTRADO QUE ILEGAIS AS CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS E QUE OS CONTRATADOS

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................195

OCUPAM CARGO EFETIVO VAGO – PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO ORDI-NÁRIO.”

Assim, o nobre Relator, em seu voto entendeu:

“[...]

Essa causa de pedir é absolutamente improcedente.

O primeiro argumento destacado pela recorrente é o de que foram ofertadas 25 vagas, mas foram nomeados 137 candidatos aprovados e que isso induzia a conclusão de que para alcançar a sua classificação faltariam apenas 36 nomeações, tendo em vista a sua aprovação na 173ª (centésima septuagésima terceira) colocação.

Essa alegação por si só é falha: partindo da premissa de que os atos administrativos são dotados de oficialidade e de legitimidade presumida, se o edital afirma existirem 25 vagas, em princípio é de se ter como verdadeiro apenas esse contingente.

A circunstância de serem convocados ou nomeados cem candidatos a mais não implica logi-camente que havia mais do que os 25 cargos vagos, isso por ser perfeitamente possível que vários dos candidatos convocados e nomeados não tenham tomado posse, seja por desistência voluntária, seja porque perderam o prazo de nomeação, ou ainda porque não apresentaram a documentação pedida, porque não foram aprovados nos exames pré-admissionais, ou porque tomaram posse, mas depois pediram exoneração, enfim, há uma pluralidade de motivos que po-dem ensejar essa convocação e nomeação adicional e nenhuma delas tem necessária correlação com o surgimento de vagas adicionais.

Dessa forma, a afirmação de que isso constitui presunção em favor da recorrente tanto não se reveste de lógica quanto tampouco encontra guarida no cabedal probatório.

[...]

Além disso, a contratação temporária também não é por si só ilegal.

Na verdade, ela tem assento constitucional, isto é, foi o próprio constituinte que estabeleceu a possibilidade de a Administração Pública, observadas certas balizas, proceder à contratação temporária como forma de arregimentar mão de obra, fugindo à regra do concurso público prévio.

[...]

Assim, se o candidato interessado afirma que há contratação temporária, que essa contratação é ilegal e que isso redunda no seu direito de ser nomeado, deve comprovar que não se observaram as balizas do RE 658.026/MG e que tampouco a contratação era para o suprimento de vacância temporária de cargo, somente com isso se caracterizando o ato administrativo como imotivado e arbitrário, para efeito do disposto no RE 837.311/PI.

Por outro lado, também deve comprovar que esses contratados temporários ocupam cargo públi-co, isso porque a contratação normalmente é feito para o desempenho de função pública, cuja acepção técnica não se confunde com a de cargo público, como revela José dos Santos Carvalho Filho (in Manual de Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2015, 28. ed., p. 634):

Todo cargo tem função, porque não se pode admitir um lugar na Administração que não tenha a predeterminação das tarefas do servidor. Mas nem toda função pressupõe a existência de cargo.

No mesmo sentido é a lição de Odete Medauar (In Direito Administrativo Moderno, São Paulo: RT, 2007, 11. ed., p. 261 e seguintes):

Para que as pessoas atuem, de modo contínuo, em nome da Administração, torna-se necessário um título legal. De regra, esse título é representado por um ato de nomeação, por um contrato, por um ato de designação. Tais títulos permitem que uma pessoa física exerça atividades em nome da Administração, com a qual mantém, assim, vínculo de trabalho; portanto, atribuem à pessoa o exercício de função pública.

[...]

Para o desempenho de função pública pode ser atribuído à pessoa um cargo público. Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades, criado por lei em número determinado, com nome certe e remuneração especificada por meio de símbolos numéricos e/ou alfabéticos. Todo cargo implica o exercício de função pública. O ato administrativo que atribui, a uma pessoa, exercício inicial de um cargo é a nomeação.

A função publica pode ser exercida sem estar revestida da conotação de cargo. Sob esse aspecto, o sentido da expressão se especifica para significar o tipo de vínculo em que as atividades são

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exercidas por pessoas que não ocupam cargos, pois somente detêm funções. Portanto, nem toda função pública implica exercício de cargo. Por exemplo: exercem funções públicas os contrata-dos por tempo determinado nos termos do art. 37, inc. IX, da CF, os antigos admitidos a título precário. (Destaques não são do original)”

Por todo o exposto, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.

Ambiental

3840 – Ação civil pública – dano ambiental – reexame de provas – impossibilidade“Processual civil. Ambiental. Agravo interno no recurso especial. Código de Processo Civil de 2015. Aplicabilidade. Ação civil pública. Dano ambiental. Acórdão que consigna a suficiência das obrigações impostas em razão das peculiaridades do caso concreto. Revisão. Impossibilida-de. Súmula nº 7/STJ. Incidência. Argumentos insuficientes para desconstituir a decisão atacada. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regi-me recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015 para o presente Agravo Interno, embora o Recurso Especial estivesse sujeito ao Código de Processo Civil de 1973. II – No caso, rever o entendimento do Tribunal de origem, que consignou a suficiências das obrigações impostas aos ora Recorridos, em razão das peculiaridades fáticas do caso concreto, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice con-tido na Súmula nº 7/STJ. III – A Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. IV – Agravo Interno improvido.” (STJ – AgInt-REsp 1.646.448 – (2016/0336721-7) – 1ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 17.08.2017)

3841 – Ação civil pública – usurpação de patrimônio – inércia da administração pública“Administrativo. Ação civil pública. Lavra de brita. Demora do DNPM em expedir nova guia de utilização. Indenização indevida. Cumprimento das condicionantes das licenças ambientais exi-gidas. Improvimento do recurso da união. 1. É desarrazoado, uma vez constatada a inércia da administração, que se exija ressarcimento pecuniário por usurpação de patrimônio mineral ten-do por base ínfimo período de tempo em que o licenciamento estaria vencido, sendo que este foi renovado pelo próprio DNPM, regularizando legitimamente a continuidade das atividades da empresa. A demora da autora União em renovar ou expedir nova guia de utilização não pode ser levada a débito/prejuízo da empresa ré. 2. Quanto aos alegados danos ambientais, a mineração em tela causou dano ambiental de pequeno impacto, e a ré vem cumprindo todas as condicionan-tes das Licenças Ambientais às suas próprias expensas, sem que haja qualquer prova de que haja danos ambientais não recuperados oportunamente ou em desacordo com as referidas Licenças.” (TRF 4ª R. – AC 5009544-74.2012.4.04.7204 – 3ª T. – Relª Marga Inge Barth Tessler – J. 18.07.2017)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em comento trata do julgamento de recurso de Apelação interposto pela União para pleitear ressarcimento pelos danos que entende que sofreu por conta da exploração mineral da Ré, ora apelada.

Ocorre que o pleiteado pela União Federal decorre de período em que a Recorrida esteve irregular perante a licença necessária para a exploração que praticou. Contudo, tanto o juízo a quo quanto o colegiado consideraram que não restava razão à Autora, ora Apelante, conforme podemos aproveitar do voto do Desembargador Relator:

“Os recursos minerais são de propriedade da União, e a exploração dos recursos minerais per-tencentes à União é feita unicamente sob regime de concessão, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra, nos termos do art. 20, IX, e art. 176, caput e § 1º, todos da Constituição Federal.

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................197

É garantida e devida à União a compensação financeira pela exploração dos recursos minerais. A CFEM foi criada pela Lei nº 7.990/1989, art. 6º, verbis:

Art. 6º A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para fins de aproveita-mento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.

[...]

O recolhimento dos valores devidos a título de CFEM relativos a toda brita lavrada na área em foco está demonstrado por meio dos documentos acostados aos autos pela própria autora União.

[...]

Embora seja em tese devido o ressarcimento pela lavra ilegal, o presente caso guarda pecu-liaridades, vez que a atividade desenvolvida pela ré estava revestida de todas as formalidades legais exigíveis.

Dos autos, constata-se que a ré Setep Construções S/A sucedeu a titular inicial do Alvará de Licenciamento nº 3.334/2007, no ano de 2009. Nesta senda, beneficiou-se do Alvará Retifi-cador nº 4.481 e da Guia de Utilização nº 64/2008 – salienta-se que o primeiro documento estabelecia validade por 2 (dois) anos enquanto o segundo por apenas 12 (doze) meses (ou seja, até 12.05.2010 e 26.06.2009, respectivamente).

[...]

Solicitou a empresa ao DNPM uma declaração de validade para a Guia de Utilização nº 64/2008 até a emissão de nova guia durante o prazo de avaliação da renovação, o que foi atendido mediante declaração do Engenheiro Ariel Arno Pizzolatti, Chefe do IIº Distrito do DNPM, auto-rizando a lavra de rocha basáltica até a emissão de nova guia ou Portaria de Lavra (evento 22, PROCADM2).

Assim, a empresa ré seguiu com suas atividades de extração até que houvesse renovação ex-pressa do DNPM, que emitiu a nova Guia de Utilização nº 28/2010 em 10.05.2010, válida por mais 12 meses.

Portanto, a lavra foi desenvolvida mediante prévia e reiterada autorização do DNPM, preenchen-do todas as formalidades necessárias.

Solicitou a empresa ao DNPM uma declaração de validade para a Guia de Utilização nº 64/2008 até a emissão de nova guia durante o prazo de avaliação da renovação, o que foi atendido mediante declaração do Engenheiro Ariel Arno Pizzolatti, Chefe do IIº Distrito do DNPM, auto-rizando a lavra de rocha basáltica até a emissão de nova guia ou Portaria de Lavra (evento 22, PROCADM2).

Assim, a empresa ré seguiu com suas atividades de extração até que houvesse renovação ex-pressa do DNPM, que emitiu a nova Guia de Utilização nº 28/2010 em 10.05.2010, válida por mais 12 meses.

Portanto, a lavra foi desenvolvida mediante prévia e reiterada autorização do DNPM, preenchen-do todas as formalidades necessárias.

[...]

Por tudo quanto dito, não merecem provimento as alegações da União em seu recurso de ape-lação.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.”

Assim, em votação unânime, foi negado o provimento à apelação interposta pela União Federal.

Constitucional

3842 – Direito fundamental – saúde – atuação do Poder Judiciário – tratamento oncológico – possibilidade

“Administrativo e constitucional. Direito fundamental à saúde. Atuação do Poder Judiciário. Trata-mento oncológico. Possibilidade. 1. A devolução cinge-se ao cabimento da condenação da parte ré a prestar tratamento oncológico à autora, portadora de neoplasia maligna no colo do útero, grau. 2. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis solidários pela

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saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde (RE 855178-RG, Relator(a): Min. Luiz Fux, Julgado em 05.03.2015, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-050, Divulg. 13.03.2015, Public. 16.03.2015). 3. Dentro do critério da reserva do possível, ao Judiciário caberá determinar a efeti-vação da norma constitucional pelo Estado, dentro de sua viabilidade financeira e desde que este se encontre omisso. 4. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Agravo Regimental na Suspensão da Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, assentou a possibilidade de, após a análise minuciosa das circunstâncias de cada caso concreto e a realização de juízo de ponderação, o Poder Judiciário garantir o direito à saúde por meio do fornecimento de medicamento ou tratamento indispensável para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida do paciente da rede pública de saúde. 5. Em se tratando de paciente com neoplasia malig-na, a Lei nº 12.732/2012 prevê que paciente tem direito de se submeter ao primeiro tratamento de quimioterapia e radioterapia no SUS no prazo de até 60 dias, conforme dispõe o art. 2º, prazo que pode ser reduzido em casos de urgência. 6. No caso em comento, a apelada comprovou, através de laudo médico (fl. 14) assinado pelo Dr. Ulysses Vital de Bruno, médico da UPA de Nilópolis, em 29.04.2014, que é portadora de câncer ósseo com metástase por órgãos vizinhos, necessitando com urgência de transferência para hospital de referência (Inca), providência cujo êxito não foi obtido administrativamente. 7. Somente após a antecipação dos efeitos da tutela a autora obteve ordem no sentido da prestação do necessário atendimento oncológico emergencial, não haven-do, contudo, que se confundir a repercussão do fato consumado com a falta de interesse de agir e a consequente perda de objeto. 8. Impõe-se, portanto, a manutenção da sentença, eis que em perfeita consonância com o ordenamento jurídico em vigor. 9. Remessa e apelações improvidas.” (TRF 2ª R. – AC 0001006-55.2014.4.02.5110 – 5ª T.Esp. – Rel. Alcides Martins – DJe 23.08.2017 – p. 976)

3843 – Mandado de segurança – Poder Legislativo estadual – nova convocação e eleição para membros da mesa diretora – anulação da eleição anterior – prejudicialidade do mandamus – matéria sub judice – impossibilidade

“Constitucional. Mandado de segurança. Poder Legislativo estadual. Nova convocação e eleição para membros da mesa diretora. Anulação da eleição anterior com fundamento na autotutela da administração pública. Prejudicialidade do mandamus. Matéria sub judice. Impossibilidade. Proce-dimento de anulação em desacordo com normas do regimento interno. Vício de forma. Ofensa ao devido processo legal. Direito líquido e certo de membro anteriormente eleito. Ordem concedida. 1. Não há que se falar em extinção do feito sem resolução do mérito pela perda superveniente do objeto, com a edição da Resolução nº 176, que anulou as eleições dos cargos da Mesa Diretora, a qual o impetrante pretende alcançar, haja vista que o objeto desta ação é justamente a verificação de legalidade da eleição para os cargos de mesa diretora em que concorreu o impetrante e a edição de atos administrativos posteriores, sobretudo a Resolução nº 176, de 16.02.2017. 2. O impetrado não poderia convocar nova eleição para cargos da Mesa Diretora da AL/AP até o julgamento do Mandado de Segurança proposto por ele mesmo (Processo nº 000271853.2016.8.03.0000) ser concluído pelo Pleno do TJAP, porque a eleição realizada no dia 06.12.2016, aconteceu em es-trita obediência aos comandos do Regimento Interno da AL/AP. 3. A concessão de urgência, nos casos sujeitos à deliberação do Plenário, depende de requerimento escrito do autor da proposição, conforme disposto no art. 161, caput, do Regimento Interno da AL/AP, formalidade não observada. 4. A deliberação para aprovação da Resolução nº 176, de 16.02.2017 também não poderia ocorrer na mesma sessão em que proposta, conforme regras do art. 162, daquele mesmo diploma norma-tivo. 5. A Comissão de Constituição, Justiça, Redação e Cidadania da AL/AP é o órgão competen-te para manifestar-se sobre todos os assuntos, especialmente quanto ao aspecto constitucional, legal, jurídico e de técnica legislativa, e sobre o mérito das proposições, situação não observada no procedimento. 6. A aprovação dos projetos de resolução é ato eminentemente administrativo vinculado e, nesses casos, a Administração deve praticá-los sem margem de liberdade de deci-

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são, não cabendo ao agente apreciar conveniência e oportunidade na sua edição, senão seguir rigorosamente o que diz a lei. 7. Em razão disso, por conter vício de forma na sua elaboração e aprovação, a Resolução nº 0176, de 16.02.2017 é ato nulo. 8. As regras que tratam da eleição da Mesa Diretora da AL/AP estão contidas nos arts. 4º a 10 do Regimento Interno do Poder Legislativo estadual. Assim, no primeiro dia útil seguinte à posse, ainda em Sessão Preparatória, serão eleitos o Presidente e os demais membros da Mesa Diretora para a Primeira e Segunda Sessões Legislativas, conforme disposto no art. 4º, caput, do Regimento Interno, ao passo que similar procedimento é adotado para escolha dos membros da Terceira e Quarta Sessões Legislativas de cada Legislatura, conforme previsto no art. 7º, do mesmo Regimento. 9. Em tais hipóteses, isto é, para a escolha dos membros da Mesa Diretora para cada uma das Sessões Legislativas que compõem a Legislatura, torna-se imprescindível a formação de chapa composta pelos interessados aos cargos de Presi-dente, 1º e 2º Vice-Presidentes, 1º, 2º, 3º e 4º Secretários, que serão legitimamente eleitos desde que escolhidos com a observância das exigências e formalidades constantes do art. 9º e 10, §§ 1º, 2º e 3º, do Regimento Interno. 10. O registro da chapa é necessário, portanto, somente quando a eleição for em conjunto para todos os cargos da mesa, sempre no início de cada Sessão Legisla-tiva. 11. Nesse contexto, a convocação para a eleição do dia 06.12.2016 (fl. 37), cuja cópia da ata encontra-se às fls. 27 a 36, a ser realizada em decorrência da renúncia dos membros da mesa anterior, não alcançaria o cargo de Presidente. 12. Tratando-se de eleição distinta daquela em que se escolhe a Mesa Diretora no início de cada Sessão Legislativa, a eleição individual, como ocor-reu, disputando-se em votação cargo a cargo, não conflita com as normas regimentais da AL/AP. 13. Ordem concedida para anular o ato de convocação da Sessão Legislativa Extraordinária publi-cada no diário eletrônico do Poder Legislativo do dia 07.02.2017 (edição 0397), tornando sem efei-to a eleição dele decorrente e, em consequência, declarar nula a Resolução nº 176, de 16.02.2017, por conter vício de forma em sua elaboração e aprovação, violando o devido processo legal inter-no.” (TJAP – AgInt 0000347-82.2017.8.03.0000 – Rel. Des. Joao Lages – DJe 15.08.2017 – p. 22)

Penal/Processo Penal

3844 – Crime ambiental – contra a flora – crime de dano às unidades de conservação – crime de impedimento à regeneração natural de florestas

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Crime ambiental. Crimes contra a flo-ra. Crime de dano às unidades de conservação. Crime de impedimento a regeneração natural de florestas. Arts. 40 e 48 da Lei nº 9.605/1998. Alegação de ofensa ao art. 5º, XXXIX, lIV e lV, da Constituição Federal. Princípios da legalidade penal, da ampla defesa, do contraditório e do devi-do processo legal. Ofensa reflexa ao texto da Constituição Federal. Alegada ofensa ao art. 5º, Xl, da Constituição Federal. Irretroatividade da lei penal. Matéria de índole infraconstitucional. Ofensa indireta à Constituição Federal. Violação à cláusula de reserva de plenário. Inocorrência. Agravo regimental desprovido.” (STF – AgRg-RE-Ag 1.052.676 – Distrito Federal – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 29.09.2017)

3845 – Crime contra a ordem tributária – condenação transitada em julgado – pagamento do tributo – causa de extinção da punibilidade

“Habeas corpus. Impetração em substituição ao recurso cabível. Utilização indevida do remédio constitucional. Violação ao sistema recursal. Não conhecimento. 1. A via eleita revela-se inade-quada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Crime contra a ordem tributária. Condenação transitada em julgado. Pagamento do tributo. Causa de extinção da punibilidade. Art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. Coação ilegal caracterizada. Concessão da or-dem de ofício. 1. Com o advento da Lei nº 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional

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e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordena-mento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu art. 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado. 3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.” (STJ – HC 362.478 – SP – 016/0182386-0) – 5ª T – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 20.09.2017)

Comentário Editorial SÍNTESEO Superior Tribunal de Justiça entendeu que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.O relator do habeas corpus reconheceu que a Lei nº 9.964/00, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), estabeleceu que a extinção da punibilidade em crime tributário só poderia ser declarada com o pagamento integral do débito, e desde que isso ocorresse antes do recebimento da denúncia.Ocorre que.com a edição da Lei nº 10.684/2003, não foi fixado um limite temporal dentro do qual o pagamento da obrigação tributária e seus acessórios significaria a extinção da punibilida-de do agente pela prática de sonegação fiscal.Vale trazer trecho do voto do relator:“Com o advento da Lei nº 10.684/2003, optou o legislador por ampliar o lapso temporal durante o qual o adimplemento do débito tributário redundaria na extinção da punibilidade do agente responsável pela redução ou supressão de tributo, nos termos do seu art. 9º, § 2º, verbis:Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurí-dica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.[...]§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica rela-cionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribui-ções sociais, inclusive acessórios.Da leitura do dispositivo colacionado, depreende-se que o legislador ordinário não fixou um limite temporal dentro do qual o adimplemento da obrigação tributária e seus acessórios signi-ficaria a extinção da punibilidade do agente pela prática da sonegação fiscal. Embora tenha se instaurado certa dúvida acerca do alcance da norma em comento, pacificou-se na jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios o entendimento de que o adimplemento poderia se dar tanto antes como depois do recebimento da denúncia. A doutrina, ao tratar da matéria, refere-se à interpretação jurisprudencial que vem sendo dada pelos tribunais pátrios, assinalando que ‘como a regra em comento não traz nenhum marco para sua incidência, o pagamento se pode dar a qualquer tempo’” (FISCHER, Douglas. Delinquência econômica e estado social e democrático de direito. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 191).Tal entendimento, aliás, também é compartilhado pelo Pretório Excelso, conforme se infere do seguinte precedente:EMENTA: AÇÃO PENAL – Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/2003, c/c art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extin-gue a punibilidade do crime tributário. (HC 81929, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Rel. p/ Ac. Min. Cezar Peluso, 1ª T., J. 16.12.2003, DJ 27.02.2004, p. 00027, Ement. v. 02141-04, p. 00780)

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Embora no caso que deu origem ao precedente citado o adimplemento do débito tributário tenha ocorrido ainda no transcurso da ação penal deflagrada contra acusado, não se pode negar que o legislador ordinário, olvidando-se de estabelecer um limite temporal para a quitação da dívida apta a dar ensejo à extinção da punibilidade do agente, procurou ampliar as possibilidades de ar-recadar a exação devida, deixando transparecer que, uma vez em dia com o Fisco, o Estado não teria mais interesse em atribuir-lhe uma reprimenda corporal em razão da sonegação verificada.Trata-se, na verdade, de uma forma a mais posta à disposição do Estado para seduzir o contri-buinte inadimplente a recolher aos cofres públicos o tributo que deve, satisfazendo, assim, os anseios arrecadatórios da administração pública.Portanto, se no histórico das leis que regulamentam o tema o legislador ordinário, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, optou por retirar o marco temporal previsto para o adimplemento da obrigação tributária redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, é vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite, ou seja, dizer o que a Lei não diz, em verdadeira interpretação extensiva não cabível na hipótese, por-quanto incompatível com a ratio da legislação em apreço. E, assim, não há como se interpretar o art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003 de outro modo, senão considerando que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.Nesse sentido: HABEAS CORPUS – PENAL – ICMS – CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA – ADESÃO AO PROGRAMA DE PARCELAMENTO INCENTIVADO (PPI) E POSTERIOR PAGAMENTO DO DÉBI-TO, APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, § 2º, DA LEI Nº 10.684/2003 – PLEITO DE SOBRESTAMENTO DA EXECUÇÃO PENAL ATÉ O JULGAMENTO DE REVISÃO CRIMINAL – HABEAS CORPUS CONCEDIDO – 1. O art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003 estabelece expressamente que da quitação integral do débito tribu-tário pela pessoa jurídica, decorre a extinção da punibilidade. 2. É entendimento jurisprudencial desta Corte Superior que com o advento da Lei nº 10.684/2003 o pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a punibilidade quanto aos crimes contra a ordem tributária. Preceden-te. 3. Habeas corpus concedido para sobrestar a execução do feito até que se julgue a Revisão Criminal. (HC 232.376/SP, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., J. 05.06.2012, DJe 15.06.2012)HABEAS CORPUS – [...] SONEGAÇÃO FISCAL – CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO – PAGAMENTO DO TRIBUTO – CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – ART. 9º, § 2º, DA LEI Nº 10.684/2003 – OCORRÊNCIA – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA – 1. Com o advento da Lei nº 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco tem-poral previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu art. 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão consi-derando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado. 3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória. 4. Ordem parcial-mente concedida para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. (HC 180.993/SP, de minha Relatoria, 5ª T., J. 13.12.2011, DJe 19.12.2011)Embora tenha se instaurado certa dúvida acerca do alcance da norma em comento, pacificou--se na jurisprudência dos tribunais superiores pátrios o entendimento de que o adimplemento poderia se dar tanto antes como depois do recebimento da denúncia.

Com base nesse entendimento, já consolidado na jurisprudência, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.

3846 – Crime de desacato – alegada violação do art. 5º, IV e X, da CF/1988 – controvérsia de índole infraconstitucional

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Penal e processual penal. Crime de desacato. Art. 331 do Código Penal. Alegada violação do art. 5º, IV e X, da CF/1988. Controvérsia de índole

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infraconstitucional. Agravo regimental desprovido.” (STF – AgRg-RE 1.021.432 – Espírito Santo – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 06.10.2017)

3847 – Crime de descaminho – aplicação do princípio da insignificância – impossibilidade“Agravo regimental em habeas corpus. Penal. Crime de descaminho (CP, art. 334). Trancamento da ação penal. Pretensão à aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Contumácia delitiva cabalmente demonstrada. Precedentes. Registro de outros procedimentos administrativos fiscais da mesma natureza. Atinge o montante de R$ 57.978,89 reais a soma dos tributos elididos pelo agravante em suas autuações por suposto crime de descaminho. Agravo regimental não pro-vido.” (STF – AgRg-HC 144.862 – Paraná – 2ª T. – Rel. Min. Dias Toffoli – J. 10.10.2017)

Processo Civil e Civil

3848 – Ação anulatória – inscrição indevida do nome do autor nos cadastros restritivos de crédito – responsabilidade objetiva

“Apelação cível. Ação anulatória c/c indenização. Inscrição indevida do nome do autor nos ca-dastros restritivos de crédito. Responsabilidade objetiva. Art. 14 e 29 do CDC. Danos morais con-figurados. Quantum. Honorários advocatícios. Parâmetros. 1. A teor dos arts. 14 e 29, do CPC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, ainda que por equiparação, por defeitos relativos à prestação dos serviços. 2. A inclusão indevida enseja dano moral e direito à indenização em tese, indepen-dente de qualquer outra prova, porque neste caso é presumida a ofensa à honra e ao bom nome do consumidor. 3. A reparação moral tem função compensatória e punitiva. A primeira, compen-satória, deve ser analisada sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta ilícita. 4. A fixação dos honorários advocatícios deve ser confor-me apreciação equitativa dos preceitos estabelecidos para a valoração da atuação dos patronos (art. 85 do NCPC).” (TJMG – AC 1.0433.13.012409-5/001 – 11ª C.Cív. – Rel. Alberto Diniz Junior – DJe 25.07.2017)

3849 – Ação de busca e apreensão – contrato de alienação fiduciária de veículo“Direito civil e consumerista. Agravo de instrumento. Ação de busca e apreensão. Contrato de alie-nação fiduciária de veículo. Constatação sumária de abusividade dos juros remuneratórios. Discre-pância da taxa de juros em relação à média de mercado. Suspensão da liminar. Recurso conhecido e parcialmente provido. Decisão reformada. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão interlocutória que determinou a busca e apreensão do veículo objeto de alienação fiduciária em virtude de se considerar constituída a mora. 2. Entretanto, constatou-se a abusivi-dade em um dos encargos, durante o período de normalidade contratual, desconstituindo, assim, a mora o que impede, nesse momento, a busca e apreensão do veículo em questão. 3. Por tal razão, conhece-se do presente agravo de instrumento para dar-lhe parcial provimento, no sentido de reformar o decisum no ponto de declarou constituída a mora e, consequentemente, suspender a ordem de busca e apreensão do veículo descrito na inicial, destacando que referida suspensão está condicionada à caução ou ao depósito indicados à fl. 71, advertindo-se a recorrente quanto à possibilidade de se restabelecer os efeitos da mora em caso de depósito insuficiente.” (TJCE – AI 0621820-28.2016.8.06.0000 – Rel. Heráclito Vieira de Sousa Neto – DJe 25.07.2017 – p. 28)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de Agravo de Instrumento com pedido de atribuição de efeito suspensivo interposto em face de decisão interlocutória que deferiu a liminar para determinar a busca e apreensão do veículo descrito na petição inicial.

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................203

Na presente irresignação, a agravante defende o descabimento da busca e apreensão do auto-móvel, uma vez que há uma Ação Revisional proposta anteriormente ao ajuizamento da Ação de Busca e Apreensão.

Arrazoa que, nas cláusulas 4ª e 6ª, a agravada acrescenta diversas taxas ao valor do final do contrato, tais como IOF, Taxa de Cadastro e Taxa de Avaliação do Bem. Noticia que, nas cláu-sulas 8ª, 10ª e 12ª, a instituição bancária cobra juros extorsivos, além de haver cumulação de comissão de permanência com correção monetária. Por fim, requer a concessão de efeito sus-pensivo ao presente recurso, no sentido de que seja “cancelada” a liminar de busca e apreensão.

Concedi o efeito suspensivo requestado ao presente Agravo de Instrumento, no sentido de sus-pender a ordem de busca e apreensão do veículo descrito na inicial, com a condição de que a agravante efetue o depósito do valor da dívida recalculada pela taxa de juros remuneratórios média de mercado ou preste caução idônea, sendo advertida dos efeitos da mora em caso de depósito insuficiente.

O TJCE deu parcial provimento ao presente Agravo de Instrumento, no sentido de reformar o decisum no ponto de declarou constituída a mora e, consequentemente, suspender a ordem de busca e apreensão do veículo descrito na inicial, destacando que referida suspensão está condi-cionada à caução ou ao depósito indicados, advertindo-se a recorrente quanto à possibilidade de se restabelecer os efeitos da mora em caso de depósito insuficiente, tudo a ser comprovado nos autos originários, em Primeiro Grau.

Na obra Curso avançado de processo civil, com coordenação de Luiz Rodrigues Wambier o instituto da ação de depósito está assim analisado:

“As obrigações básicas do depositário são a guarda e conservação da coisa depositada, tendo o cuidado e a diligência que teria, caso lhe pertencesse, e a devolução, quando reclamada, com todos os frutos e acréscimos.

Embora possa ser estipulado prazo para a restituição, o depositário é obrigado a devolver a coisa assim que for exigida, exceto se pender litígio sobre a coisa, ou houver fundada suspeita de se tratar de coisa furtada ou roubada, situação em que cabe ao depositário denunciar o fato, requerendo seja o objeto recolhido ao depósito público.

O que distingue esse instituto das demais modalidades obrigacionais é a possibilidade da prisão civil, somente admissível porque expressamente autorizada pelo art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, que, por regra, proíbe a prisão por dívida, excepcionando com os casos de depositário infiel e inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

A devolução é característica marcante do depósito. Por isso, a ação de depósito tem por fina-lidade exigir a restituição da coisa depositada, tanto no caso de depósito contratual (também denominado voluntário), como de depósito legal. Inobstante outras pretensões possam decorrer do depósito, a ação, regulada pelos arts. 901 a 906, somente se presta à restituição, o que resulta claro ante a literalidade do art. 901.” (WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 1999. p. 160-161)

3850 – Ação de cobrança – cotas condominiais – obrigação propter rem“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Cotas con-dominiais. Obrigação propter rem. Harmonia entre o acórdão recorrido e a jurisprudência do STJ. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. 1. O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurisprudência do STJ não merece reforma. 2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem so-bre situações fáticas idênticas. 3. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido, com majoração dos honorários advocatícios.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 911.118 – (2016/0110416-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 21.08.2017 – p. 1289)

3851 – Ação de consignação em pagamento – contribuição sindical – ofensa ao art. 535 do CPC – não configuração

“Processual civil. Tributário. Ação de consignação em pagamento. Contribuição sindical. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada. Falta de prequestionamento. Súmula nº 282/STF. 1. Hipótese em que o tribunal local asseverou: ‘Com efeito, da simples leitura do voto condutor do julgado, verifica-se que a conclusão da Turma julgadora foi no sentido de que, na espécie, afigurar-se-ia

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incabível a determinação, nesta demanda, de devolução dos valores pagos, a título de contribui-ção sindical, após o início da vigência da Lei nº 8.112/1990’ (fl. 599, e-STJ). 2. Não se configura a ofensa ao art. 535 do CPC/1973, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 3. Não se pode conhecer da irresignação contra a ofensa ao art. 462 do CPC/1973, uma vez que o mencionado dispositivo legal não foi analisado pela instância de origem. Ausente, portanto, o indispensável requisito do prequestiona-mento, o que atrai, por analogia, o óbice da Súmula nº 282/STF. 4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (STJ – REsp 1.670.580 – (2017/0098703-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.06.2017 – p. 1922)

3852 – Ação de indenização – dano moral e lucros cessantes – direito autoral – estabele-cimento comercial – motel – prescrição trienal – honorários de sucumbência – cálculo

“Processual civil. Agravo interno. Recurso especial. Ação inibitória, de indenização de danos mo-rais e lucros cessantes. Direito autoral. Estabelecimento comercial. Motel. Prescrição trienal. Ho-norários de sucumbência. Cálculo. Valor da condenação. 1. É de três anos o prazo prescricional para a cobrança de direitos autorais, em virtude da disponibilidade de equipamentos de rádio e televisão em quartos de motel, nos termos do art. 206, § 3º, V, do CC/2002. Precedentes. 2. Ha-vendo condenação, devem ser os honorários advocatícios calculados sobre esse valor. 3. Agravo interno parcialmente provido, apenas para estabelecer que os honorários de sucumbência sejam calculados sobre o valor da condenação.” (STJ – AgInt-REsp 1.511.132 – (2015/0004914-4) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 21.08.2017 – p. 1330)

Trabalhista/Previdenciário

3853 – Bancário – doenças ocupacionais – tendinose e epicondilite – nexo de causalidade – responsabilidade do empregador – alcance

“Doenças ocupacionais. Tendinose e epicondilite. Empregada bancária. Nexo de causalidade. Responsabilidade do empregador. Trabalho como concausa. 1. O fato da doença ser de natureza degenerativa não obsta o reconhecimento do nexo de causalidade com o trabalho, se comprovado que a atividade laboral tenha contribuído para o desencadeamento ou agravamento do processo degenerativo, constituindo concausa para o agravo à saúde da vítima, na forma do disposto no art. 21, I, da Lei nº 8.213/1991. 2. Presença de Nexo Técnico-Epidemiológico (NTEP) com a ativi-dade explorada pelo réu, bancos múltiplos, com grau de risco 3 para acidentes do trabalho (Rela-ção de Atividades Preponderantes e Correspondentes Graus de Risco pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas – Anexo V Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 6.957/2009, que guardam relação com as moléstias diagnosticadas (epicondilite e tenossinovi-te). 3. A ausência da adoção das medidas previstas nos documentos ambientais obrigatórios (PPP, PPRA, PCMSO, LTCAT, etc.) induz presunção de nexo de causalidade/concausalidade da doença que causou a perda parcial da capacidade laborativa da parte autora. 4. Evidenciado que as doen-ças que acarretaram redução na capacidade laborativa se desenvolveram por motivos relacionados à forma como era prestado o trabalho no Banco réu, impõe-se a responsabilização do empregador pelo agravo de saúde ocorrido, máxime considerando que a parte autora executava trabalho envol-vendo movimentos repetitivos com esforço ao longo da jornada. 5. Conclusões do laudo médico mantidas diante verificação de que o labor repetitivo e a associação de fatores, contribuíram, no mínimo, como concausa para a enfermidade, na forma do art. 479 do CPC/2015. Delitos ambien-tais trabalhistas. Art. 132 do CP e art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991. Expedição de ofícios. Tendo em conta que o descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho constitui contravenção penal, em tese, na forma do art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, como também a desconsideração de riscos sem adoção de qualquer medida preventiva/compensatória do ambiente de trabalho e falta de treinamento na atividade exigida do trabalhador é conduta que constitui, em tese, o crime do art. 132 do CP, cabível a comunicação ao Ministério Público do

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Trabalho, em cumprimento ao disposto no art. 7º da Lei nº 7.347/1985 e arts. 5º, II, e 40 do CPP.” (TRT 4ª R. – RO 0001418-90.2013.5.04.0030 – 2ª T. – Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’Ambroso – DJe 05.04.2017)

3854 – Comissões – remuneração variável – não habitualidade – irrelevância – integração em todas as verbas – alcance

“Recurso de revista. Remuneração variável. Comissões. Não habitualidade. Repercussão nas de-mais parcelas. 1. Deflui do art. 457, § 1º, da CLT que a remuneração do empregado é composta de todas as verbas de natureza salarial, nas quais se incluem as comissões. Por ostentar natureza salarial, as comissões devem repercutir, no período de sua percepção, no cálculo do descanso semanal remunerado, 13º salário, férias acrescidas de 1/3, FGTS e 40%, além do aviso-prévio. 2. Não se exige, para fins de integração salarial, que as comissões sejam pagas com habitualidade. 3. Recurso de revista do Reclamante de que se conhece e a que se dá provimento, no particular. Agravo de instrumento em recurso de revista adesivo. Remuneração variável. Diferenças. Ausência de prequestionamento. 1. Inadmissível recurso de revista fundado em violação direta da Constitui-ção Federal e por ofensa a dispositivo de lei, se o v. acórdão regional ressente-se de tese jurídica a respeito e a parte não se precatou de interpor embargos de declaração para obter o indispensável prequestionamento. Inteligência da Súmula nº 297 do Tribunal Superior do Trabalho. 2. Agravo de instrumento em recurso adesivo interposto pela Reclamada de que se conhece e a que se nega provimento.” (TST – ARR 384600-85.2009.5.12.0039 – 4ª T. – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJe 07.04.2017)

3855 – Contrato de trabalho – demissão seguida de contratação em curto espaço de tempo – unicidade – reconhecimento

“1. Unicidade contratual. Demissão seguida de contratação em curto espaço de tempo. Procedi-mento fraudulento. Aplicação do previsto nos arts. 9º, 552 e 553 da lei consolidada. Em que pesem a quitação de eventuais parcelas rescisórias, a dispensa seguida de nova contratação em exíguo espaço temporal leva a se entender que na verdade as ‘dispensas’ não passaram de artifício frau-dulento para impedir a aplicação das normas de proteção do trabalho, não passando pelo crivo do art. 9º da Lei Consolidada. 2. Horas in itinere. Negociação coletiva não compensatória. Inaplica-bilidade do entendimento esposado no julgamento do RE 895759 pelo excelso Supremo Tribunal Federal. Inválidas normas coletivas suprimindo integralmente as horas de percurso, pois isso impli-ca em renúncia ao próprio direito. Inaplicabilidade do que esposado no julgamento do RE 895759 pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, à falta de qualquer compensação do direito transacionado. 3. intervalo superior a duas horas. Ausência de autorização em norma coletiva. Efeitos. Nos termos da norma emanada do § 5º do art. 71 da CLT, o intervalo previsto no caput daquele dispositivo legal poderá ser reduzido e/ou fracionado, quando compreendido entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho. Não existindo referida autorização, será remunerado como jornada suplementar. Recurso do autor provido.” (TRT 24ª R. – RO 0000214-77.2013.5.24.0022 – Rel. Des. Francisco das C. Lima Filho – DJe 11.04.2017 – p. 13)

Comentário Editorial SÍNTESETrata a ementa em destaque da análise do instituto da unicidade contratual.

O Relator, em seu voto, assim se pronunciou:

“Entre os dois primeiros contratos decorreu pouco mais de dois meses (fls. 48 e 71), enquanto o rompimento do segundo e início do terceiro transcorreram menos de seis meses (fl. 92), levando à incidência na norma constante dos arts. 452 e 453 da Consolidação das Leis do Trabalho. Em que pese à quitação de eventuais parcelas rescisórias, a dispensa seguida de nova contratação em exíguo espaço temporal leva a se entender que na verdade as ‘dispensas’ não passaram de artifício fraudulento para impedir a aplicação das normas de proteção do trabalho, não passando pelo crivo do art. 9º da Lei Consolidada.

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De outro lado, não se concebe a necessidade de demissão seguida de admissão nas mesmas condições do contrato ‘rompido’, se não uma evidente tentativa de burlar as normas de proteção do trabalho, data venia.

Nesse quadro, correta a sentença ao declarar a unicidade contratual com as consequências dela decorrentes. Nego provimento ao recurso.”

O art. 452 da CLT reza que:

“Art. 452. Considera-se por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de 6 (seis) meses, a outro contrato por prazo determinado, salvo se a expiração deste dependeu da execu-ção de serviços especializados ou da realização de certos acontecimentos.”

É pertinente ressaltar o art. 9º da CLT, in verbis:

“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos na presente Consolidação.”

O doutrinador Valentin Carrion tece o seguinte comentário:

“Os preceitos da Consolidação ou quaisquer outros preceitos trabalhistas estão protegidos contra seu inadimplemento, pois as normas gerais da CLT, especialmente o Capítulo I, são uma verda-deira lei de introdução ao Direito do Trabalho brasileiro; os princípios nelas contidos aplicam-se também a todas as outras normas legais posteriores.” (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 66)

Importante, ainda, destacar que:

E, mesmo nos contratos por prazo determinado, as recontratações são objeto de questionamento quanto à sua regularidade:

“Um exemplo que poderia ilustrar essa proposta é quanto ao contrato de safra, cujo entendimen-to, muitas vezes, coloca-o sob as rigorosas regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), arts. 451 e 452, no que diz respeito a sua prorrogação e sucessividade, descaracterizando-o como um típico contrato sazonal, dependente de fatores climáticos determinantes de safra e entressafra. Apesar de estar inserido no grande gênero, contrato a prazo determinado, tem tipo-logia peculiar e legislação específica. Ora, o próprio Decreto nº 5.889/1973 é expresso, quanto a sua configuração (art. 14, caput e parágrafo único), prevendo mesmo uma indenização legal no termo final do contrato. No entanto, muitas demandas trabalhistas são julgadas procedentes, porque o Juízo considera que a sucessividade em espaço curto (a CLT, art. 452, menciona o período ‘dentro de seis meses’), e com relação à prorrogação, prevê, segundo o mesmo diploma legal, art. 451, que em sendo mais de uma vez, passará a vigorar como contrato sem determi-nação de prazo. O entendimento é que essa recontratação, possivelmente, estaria disfarçando uma fraus legis por parte do empregador. E orientando-se pelo princípio da continuidade da relação de emprego e o princípio tutelar, muitas decisões judiciais são favoráveis ao petitum do demandante.” (AMARAL, Maria Alice Batista Gurgel. Três séculos de Direito do Trabalho: da Revolução Industrial à Revolução Tecnológica (séculos XVIII-XXI) – A urgência de novas posturas. Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br. Acesso em: 20 abr. 2017)

Tributário

3856 – CDA – redirecionamento – sócio – dissolução irregular – não configuração“Embargos à execução fiscal. Legalidade da certidão da dívida ativa. Redirecionamento. Sócio. Dissolução irregular não restou caracterizada. Recurso parcialmente provido. As questões ligadas à penhora dos bens na execução não podem ser suscitadas em sede de embargos, mas, ao contrário, devem ser arguidas nos próprios autos da execução. Não se vislumbra qualquer irregularidade ou nulidade formal na CDA de molde a contaminar a execução. Na hipótese de tributo sujeito a lan-çamento por homologação, a constituição do crédito se dá com a entrega da declaração pelo su-jeito passivo, independentemente de qualquer atuação por parte do Fisco, nos moldes do art. 150 do Código Tributário Nacional. Não ocorreu a prescrição, haja vista que da data da constituição do crédito até o ajuizamento da ação, não decorreu prazo superior a 05 (cinco) anos. A inclusão dos sócios no polo passivo da execução fiscal é, em tese, legítima nas hipóteses de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III,

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do CTN; e de dissolução irregular da sociedade, cabendo à Fazenda a prova de tais condutas. A dissolução irregular é caracterizada pelo encerramento das atividades da sociedade em seu domi-cílio fiscal sem comunicação e formalização de distrato perante os órgãos competentes, conforme Súmula nº 435 do E. Superior Tribunal de Justiça. A simples devolução do Aviso de Recebimento – AR não é indício suficiente de dissolução irregular, sendo necessária a diligência de Oficial de Justiça (AgRg-REsp 1129484/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 16.03.2010, DJe 26.03.2010, EDcl-REsp 703.073/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 02.02.2010, DJe 18.02.2010). Não restou caracterizada a dissolução irregular da empresa. Estão ausentes os pressupostos autorizadores para a manutenção do sócio no polo passivo da lide. Ape-lação parcialmente provida.” (TRF 3ª R. – AC 0026336-12.2011.4.03.9999/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 24.06.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Código Tributário Nacional:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributá-rias resultantes de atos praticados, com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

[...]

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade adminis-trativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.”

• Súmula do Superior Tribunal de Justiça:

“435 – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

3857 – Certidão de dívida ativa – presunção de certeza e liquidez – art. 3º da Lei nº 6.830/1980 – cabimento

“Tributário e processual civil. Agravo interno em agravo de instrumento. Execução fiscal. Certidão de dívida ativa. Presunção de certeza e liquidez. Art. 3º da Lei nº 6.830/1980. Desconstituição. Ônus do executado. Recurso desprovido. I – As Certidões de Dívida Ativa gozam de presunção de certeza e de liquidez, conforme art. 3º da Lei nº 6.830/1980, que somente é afastada por prova inequívoca, a cargo do Executado. II – Agravo Interno conhecido e desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 2013.02.01.014226-7 – 3ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcello Granado – DJe 22.07.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 6.830/1980:

“Art. 3º A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez.”

3858 – Cofins – isenção – associação civil sem fins lucrativos – cursos/palestras/feiras/patrocí-nio – não configuração

“Direito processual civil. Tributário. Art. 557, CPC. Cofins. Isenção. Associação civil sem fins lu-crativos. Realização de cursos, palestras, feiras, patrocínio. Tributação. Recurso desprovido. 1. O art. 557 do Código de Processo Civil é aplicável quando existente jurisprudência dominante acerca da matéria discutida e, assim igualmente, quando se revele manifestamente procedente ou impro-cedente, prejudicado ou inadmissível o recurso, tendo havido, na espécie, o específico enquadra-mento do caso no permissivo legal, como expressamente constou da respectiva fundamentação. 2. Consolidada a jurisprudência o sentido de que a isenção, de que trata o § 1º do art. 14 da MP 2.158-35/2001, não se aplica em relação à receita, auferida a título de remuneração ou patrocínio, em contraprestação ou em razão de serviços profissionais de ensino e treinamento, sendo válida a IN SRF 247/2002, no que extraiu da legislação o sentido de que apenas goza de isenção fiscal

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a receita derivada de atividade própria de tais entes sem qualquer caráter de contraprestação. 3. Agravo inominado desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0000660-17.2014.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 16.06.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESECódigo de Processo Civil:

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribu-nal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.”

3859 – Execução fiscal – FGTS – penhora sobre imóvel – suspensão do feito – cabimento“Tributário e processual civil. Execução fiscal. FGTS. Penhora sobre imóvel. Oposição de embar-gos de terceiros. Suspensão até o julgamento dos referidos embargos. Feito conexo ao agravo de instrumento, AGTr141466. Pendente a discussão sobre a titularidade de imóvel sujeito à constri-ção, é prudente a suspensão do presente feito até o julgamento dos embargos de terceiros, nos termos da liminar referida no AGTR 141466, que controverte sobre o mesmo bem. Agravo de ins-trumento parcialmente provido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0000705-94.2015.4.05.0000 – (141552/PE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Vladimir Souza Carvalho – DJe 14.07.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em comento é oriundo de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pela União em face da r. sentença da ação mandamental.

A r. sentença concedeu parcialmente a segurança, reconhecendo a inexigibilidade da Contribui-ção para a Funrural, incidente sobre a comercialização da produção rural, pelo fato do Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade da contribuição sobre a receita bruta pro-veniente da comercialização da produção do empregador rural, pessoa física, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/1991, in verbis:

Lei nº 8.212/1991:

“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.”

Sustenta a União a constitucionalidade da contribuição de empregador rural pessoa física sobre o produto de sua comercialização após a edição da Lei nº 10.256/2001, e se a inexigibilidade for mantida, que a contribuição seja regida pelo sistema anterior, em que a base de cálculo era a folha de salários.

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Uma vez que a inconstitucionalidade declarada pelo STF no RE 363.852 não está fundamenta-da somente em vício formal – necessidade de lei complementar para a criação de nova exação – mas, também, em vícios materiais – ofensa ao princípio da isonomia e ocorrência da bitributa-ção -, não há como se afirmar que com a Lei nº 10.256/2001 a razão de inconstitucionalidade deixou de existir, pois a contribuição ainda está viciada no seu aspecto material.

Assim, embora a Lei nº 10.256/2001 não tenha sido objeto do referido recurso extraordinário, não tornou válida a cobrança da Contribuição para o Funrural porque, ainda que superveniente à Emenda Constitucional nº 20/1998, está fundada na mesma base de cálculo considerada inconstitucional.

Outro não é o entendimento desta Egrégia Turma:

PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (FUNRURAL) – RE-CEITA BRUTA DA COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL – PRODUTOR RURAL – PROVA MATERIAL – PRESCRIÇÃO – DECLARAÇÃO PELO STF DA INEXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................209

1. O autor comprovou sua condição de produtor rural, por meio da juntada de notas fiscais de comercialização de considerável quantidade de gado, demonstrando, assim, a utilização de empregados no exercício de sua atividade rural. Precedente do Tribunal: AC 0002587-97.2010.4.01.3809/MG, 7ª T., Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, e-DJF1 06.09.2013, p. 439.

2. O STF consolidou entendimento quanto à inconstitucionalidade da incidência tributária sobre a comercialização da produção rural do produtor pessoa física (Lei nº 8.212/1991 com a reda-ção dada pela Lei nº 9.527/1997), uma vez que a respectiva incidência sobre a comercialização de produtos agrícolas pelo produtor rural, pessoa natural, configura bitributação, ofensa ao prin-cípio da isonomia e criação de nova fonte de custeio sem lei complementar.

3. Esta Corte pela 7ª e 8ª Turmas tem estendido a interpretação à alteração feita pela Lei nº 10.256/2001, editada após a Emenda à Constituição nº 20/1998.

4. Reconhecida a inconstitucionalidade das Leis nºs 8.540/1992 e 9.528/1997, não se verifi-ca, evidentemente, a repristinação, de modo a legitimar a exigência da mencionada contribuição sobre a ‘folha de salários’ com base na Lei nº 8.212/1991 (Lei de Introdução ao Código Civil: ‘a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência’).

5. Tendo o pedido de restituição/compensação sido efetuado após a vigência da Lei nº 10.637, de 30.12.2002, que alterou a redação do art. 74 da Lei nº 9.430/1996, possível a com-pensação com débitos referentes a tributos e contribuições de quaisquer espécies, desde que administrados pela Secretaria da Receita Federal, mediante a apresentação de declaração pelo contribuinte, conforme entendimento firmado pelo STJ (REsp 908.091/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, J. 13.02.2007, publicado no DJ de 01.03.2007, p. 248).

6. A compensação somente poderá ser efetivada após o trânsito em julgado da decisão, nos termos da disposição contida no art. 170-A do CTN (introduzida pela Lei Complementar nº 104/2001).

7. Correção do indébito exclusivamente pela taxa Selic, em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federal.

8. Os honorários advocatícios foram arbitrados com observância aos parâmetros do § 4º do art. 20 do CPC, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante este que está em consonância com a jurisprudência da Turma (AC 0005337-08.2010.4.01.3701/MA, Rel. Juiz Fed. Roberto Carvalho Veloso (Conv.), 02.05.2014 e-DJF1 p. 637).

9. Ante a circunstância de que a integração do INSS à lide não se deu em razão de determi-nação judicial, mas por requerimento do próprio autor na petição inicial, são devidos honorários advocatícios à autarquia previdenciária, mesmo porque, citada, ela compareceu nos autos re-querendo sua exclusão da lide.

10. Apelação adesiva da parte autora parcialmente provida para reformar a sentença na parte em que, reconhecida a inconstitucionalidade da Lei nº 10.256/2001, determina a aplicação do regime de tributação definido na legislação precedente, vale dizer, cobrança da contribuição incidente sobre a folha de salários.

11. Apelação da União e remessa oficial desprovidas (Ap 0006306-74.2011.4.01.3802/MG, Rel. Juiz Fed. Conv. Alexandre Buck Medrado Sampaio, TRF 1ª R., 8ª T., e-DJF1 20.06.2014, p. 271).

Inexistente a repristinação da Lei nº 8.212/1991 de modo a legitimar a cobrança da menciona-da contribuição sobre a folha de salários tendo em vista o disposto no art. 2º, § 3º, da LINDB.

Assim, não merece reforma a sentença que reconheceu o direito ao afastamento da incidência da Contribuição para o Funrural.

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.

É o voto.”

Assim, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao recurso de apelação e à remessa oficial.

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

RDU, Porto Alegre, Volume 14, n. 79, 2018, 210-223, jan-fev 2018

Uma Transferência do Objetivo para a Subjetividade1

A Transfer From the Objective to the Subjetivity

PROF. DR. THOMAS vESTINGDoutor pela Universidade de Bremen – Alemanha, com a tese Formação de unidades políticas e realização técnica. Docente da Goethe‑Universität Frankfurt am Main.

I

A fórmula da “Transferência do Objetivo para a Subjetividade” surge com Charles Bally, um aluno de Saussure2. Bally utilizou essa fórmula em um ensaio sobre o estilo livre indireto no francês moderno (Le style indirect libre en francais moderne), o qual foi publicado em 1912, no jornal mensal germânico--românico (Germanisch-Romanischen Monatsschrift).

Este ensaio trata do discurso indireto ou livre indireto. Quem experimen-tou pela primeira vez o discurso livre indireto – segundo Franco Moretti em O burguês (2013) – foi o Romance de Formação. Madame Bovary, de Flaubert, era, portanto, desde já, o ponto final lógico de um desenvolvimento, no qual a literatura europeia deixava para trás sua função didática e substituía o contador de histórias onisciente por uma longa passagem de discurso indireto livre3. Algo como quando Emma Bovary, depois de sua primeira infidelidade, tranca-se em seu quarto e, imediatamente, como que em “delírio” (“Taumel”), caminha em direção ao espelho:

Claro que, quando ela se deparou com seu rosto no espelho, ficou surpresa. Nun-ca antes estiveram seus olhos tão grandes, tão escuros, tão profundos. Ela havia transformado algo extremamente delicado em toda a sua fisionomia.

Várias vezes disse ela: “Eu tenho um amor! um amor!” e ela se intoxicava com a ideia, de que lhe foi concedido um segundo desabrochar. Ela experimentaria a partir de agora finalmente o prazer do amor, essa sorte febril, na qual ela já havia deixado de acreditar. Ela deparava-se com algo maravilhoso, e tudo prometia paixão, êxtase, euforia; a imensidão azul brilhante estava ao redor dela, o cume do sentimento brilhava perante seus pensamentos, e a vida habitual mostrava-se

1 Artigo do autor Prof. Dr. Thomas Vesting, traduzido por João Lucas Oliveira, revisado por Júlio Carvalho e Pedro Ribeiro.

2 Também foi um dos editores do Cours (de linguistique generale), aulas de Saussure sobre as questões fundamentais da ciência linguística geral.

3 Moretti, Der Bourgeois: Eine Schlüsselfigur der Moderne (O burguês: uma figura-chave do moderno), p. 144. Moretti segue aqui Auerbach, Mimesis, p. 453.

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simplesmente muito distante, profundamente para baixo, na escuridão, ao pé dessa altura.4

Para Franco Moretti, o discurso indireto livre pertence ao estilo prosaico específico do romance burguês. O estilo burguês de prosa é para Moretti não apenas um indicador, mas também um fator, um tipo de ação, um “instrumen-to” linguístico (no sentido de Emile Beneviste), com cuja ajuda o mundo e a sociedade são colocados em ordem5. A fórmula de Bally acerca da transferência do objetivo para a subjetividade significa, então, mais precisamente, a predo-minância de descrições analíticas, impessoais e imparciais na prosa burguesa6. Justamente o discurso livre indireto possibilita um tipo de cruzamento de duas vias da fala, uma forma literária que permite oscilar entre subjetividade e ob-jetividade. Como Moretti também disse, a forma prosaica original do discurso livre indireto assegura, por um lado, a perspectiva da figura, ou mais propria-mente, não esconde a subjetividade do protagonista7. Por outro lado, por causa de elementos próprios da fala suprapessoal, o protagonista seria submetido a uma “uniformização” e a uma padronização8. Como exemplo, Moretti refere-se a Emma, de Jane Austen, onde os “tempos verbais narrativos objetificam sua conduta e seus sentimentos e, como consequência disso, de alguma forma a aliena de si mesma”9.

II

Eu gostaria de apropriar-me da fórmula “transferência do objetivo para a subjetividade” e utilizá-la em sentido mais geral. Eu também não quero me restringir à mistura de discurso direto e indireto no discurso indireto livre, mas pretendo, na verdade, concentrar, de forma geral, tal fórmula sobre o procedi-mento de produção linguística da realidade. Sendo mais preciso: de produção linguística da realidade sob a condição de que essa realidade é produzida por autores que precisam se esconder enquanto produtores a fim de se poder man-ter uma objetividade independente de impressões subjetivas, ou melhor, uma validade universal de sua realidade prosaica. Nesta perspectiva, a fórmula de transferência do objetivo para a subjetividade descreve um procedimento que não apenas é constitutivo para a prosa literária dos romances burgueses, mas que, com sua ajuda, também permite encontrar uma porta de entrada relevante para a comunicação moderna própria da Ciência do Direito, bem como para o seu estilo de discurso – sua prosa.

4 Gustave Flaubert, Madame Bovary (1857), traduzido por Elisabeth Edl (Hanser 2012), p. 215.5 Moretti, Der Bourgeois: Eine Schlüsselfigur der Moderne, 2014, p 36.6 Ibidem, p. 139.7 Ibidem, p. 141.8 Ibidem, p. 142.9 Ibidem, p. 140.

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Nessa abordagem com Franco Moretti, parto do pressuposto de que o es-tilo de prosa jurídico é um tipo de ação, um “instrumento” linguístico, com cuja ajuda o mundo e a sociedade são organizados10. A prosa judicial e jurídica é, desde o começo, o produto de uma estratégia retórica que produz uma realida-de prosaica historicamente determinada – e nenhuma verdade. Contudo, ela é, em termos práticos, necessária. Isso já era válido para a literatura pré-moderna, como em Hobbes. O desempenho dessa prosa consiste em, por meio da forma-ção de símbolos e imaginação, deixar transparecer uma ordem obrigatória além das circunstâncias dadas pela tradição e pela religião. A impressão de livros e a (pré-)moderna literatura possibilitam, com outras palavras, (i) construir, depois do colapso da ordem geral aristotélico-cristã, própria da idade média, uma mol-dura artificial (secular) original para as relações, passíveis de regulação, entre os homens; e (ii) encontrar para a objetividade e para a consistência dessa moldura uma forma estético-literária11.

No mundo moderno, tanto o direito quanto a prosa jurídica, adquirem a tarefa não menos importante de abrir possibilidades disponíveis e horizontes de sentido anteriormente inexistentes, nos quais os sujeitos podem investir em si mesmos – por exemplo, através da descoberta de uma pessoa artificial como centro de uma comunidade política, concebida para fins de representação e implementação de preocupações e interesses comuns –, principalmente depois que o recurso à naturalidade de uma ordem e de uma entidade fundadas por Deus não teve mais a capacidade de produzir uma validade universal.

Eu gostaria de diferenciar três configurações próprias de deslocamento do objetivo para a subjetividade:

(1) um deslocamento do objetivo para a subjetividade por meio de um estilo de prosa, o qual se refere à uma validade universal, cuja ob-jetividade é afirmada ou pressuposta como autoevidente;

(2) um deslocamento do objetivo para a subjetividade por meio de um estilo de prosa que contém uma maioria de sujeitos e múlti-plos reflexos de significado, os quais se coordenam e primeiramente precisam encontrar ou produzir a sua validade universal sintético--objetiva;

(3) um deslocamento do objetivo para a subjetividade por meio de um estilo de prosa, o qual dissolve a validade universal em fragmentos

10 Ibidem, p. 36.11 O direito (pré-)moderno é visto desde o início como parte desse processo fundamental da organização da

realidade por meio de artefatos linguísticos, através de verdades prosaicas, cuja unicidade interior talvez tenha sido reconhecida pela primeira vez em Nova ciência (1744), de Giambattista Vico: Vico faz menção ao novo iminente âmbito da verdade em todos os tipos de conduta e ação humana e busca compreender esse âmbito como “poético”, em que pela primeira vez a história também foi incluída no campo da ars humana. Cf.. Hans Blumenberg, Schriften zur Technik (Textos sobre técnica), Berlin, 2015, p. 28, p.75; Viktoria Kahn, The Future of Illusion. Political Theology and Early Modern Texts, Chicago 2014, p. 6 s.

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e instantes e – de uma forma paradoxal – a personaliza e a indivi-dualiza.

III

Primeiramente, em respeito à primeira configuração, a transferência do objetivo para a subjetividade através de uma prosa que se refere a uma validade universal, cuja objetividade é afirmada como autoevidente.

Essa configuração é aquela da prosa burguesa no sentido entregue por Moretti, pela qual a Ciência do Direito também foi dominada no século XIX. Para tanto, precisa-se salientar o fato não tão evidente de que a Ciência do Direito alemã vem à tona inicialmente por meio da impressão de livros. Assim como as fases fundadoras das literaturas nacionais foram marcadas por roman-ce de carta escrito por um autor, romance de formação ou por autobiografia (e moderna literatura e autoria são apenas dois lados da mesma moeda), a fase de fundação da Ciência do Direito moderna na Alemanha foi determinada por trabalhos individuais monográficos. Assim como Rousseau é inserido enquanto autor literário no centro da atividade estética e identificado pelo seu público até com suas próprias figuras e seus próprios heróis12, da mesma forma tornam--se heróis da Ciência do Direito alemã autores como Savigny, Windscheid, Gerber, Laband ou Otto Mayer. Eles escrevem como autores individuais gran-des manuais e constroem entre as capas desses manuais sistemas elaborados com a pretensão de um isolamento sem lacunas13. Nesses sistemas predomina um estilo prosaico, que significa descrições impessoais objetivas e imparciais, frequentemente interligadas com uma concepção de Ciência do Direito seme-lhante a das ciências naturais, que o compreende como suporte lógico e con-ceitual da clareza. Alguns exemplos que comprovam isso:

1. Primeiro exemplo: o Espírito do Povo de Savigny em meados de 1840

Seja porque a autoridade do Direito (civil) não pode mais ser conduzida à autoridade da vontade divina, nem mesmo à tradição sagrada ancorada nessa vontade, seja porque, portanto, precisa ser concebido um novo fundamento do dever-ser intramundano para o caráter vinculante do Direito, Savigny transfere o fundamento do Direito para o Espírito do Povo. Em relação a esse Espírito do Povo, entende Savigny ser uma consciência social da cultura e da história. Não se trata de um “Povo” em um sentido empírico, de uma realidade política e so-cial da nação histórica, especialmente não em sentido de um conceito de nação

12 Vgl. Blanning, Romantic Revolution, p. 10, 11.13 A isso pertencem especialmente Savigny e seus oito volumes de System des heutigen römischen Rechts

(1849) (Sistema do Direito romano atual), Windscheid e seus três volumes de Lehrbuch des Pandektenrechts (1870) (Manual do direito pandectista), assim como Paul Laband e seus quatro volumes de Staatsrecht des Deutschen Reiches (1876) (Direito constitucional do Império alemão). Sim, esses autores são não apenas heróis da Ciência do Direito alemão, os quais ainda hoje são considerados clássicos (inalcançáveis), até mesmo o próprio direito foi comparado e identificado por um longo tempo com suas obras.

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individualista, da Nação como soma de indivíduos livres e iguais. Na verdade, constrói Savigny uma entidade ideal, um corpo ideal ou imaginário14, cuja ob-jetividade suprapessoal não pode ser contestada. A esse fim é modelado como sujeito o plano coletivo com a ajuda de uma fala suprapessoal na primeira pes-soa do plural – “nós”. E esse sujeito, o Espírito do Povo, é objetivado no sentido de que a partir de agora toda autoridade jurídica e todo caráter vinculante para cada consciência individual necessariamente advém dele.

Se nós nos perguntarmos aliás por um sujeito, no qual e para o qual o direito positivo tem um dever-ser, então nós encontremos como tal o Povo. Na cons-ciência comum do Povo vive o direito positivo, e, por conseguinte, nós temos que o chamar também de Direito do Povo. Contudo, não se deve, de forma alguma, pensar na consciência do Povo, como se ela fosse cada membro indivi-dual do Povo, cuja arbitrariedade criasse o direito, porque essa arbitrariedade de cada indivíduo poderia selecionar talvez acidentalmente o mesmo direito, talvez, contudo, e mais provavelmente, um direito diverso. Na verdade, a consciência comum do Povo é o Espírito do Povo, vivo e eficaz socialmente em todos os in-divíduos. Ele produz o direito positivo, o qual é, portanto para a consciência de cada indivíduo, não acidentalmente, mas, necessariamente, um único e mesmo direito. Se nós aceitarmos com base nele uma origem invisível do direito positivo, precisaremos, por causa disso, renunciar a todas as evidências documentais deste mesmo direito.15

2. Segundo exemplo: o Estado como sujeito de direito por Paul Laband depois de 1871

Uma operação comparável é verificada por Paul Laband aproximada-mente trinta anos mais tarde em direito estatal. Lá o Povo não é mais designado como “sujeito de direito”, mas sim o Império alemão recém-criado em Ver-salhes. Ser sujeito de direito significa, para o Império alemão, poder ser uma pessoa jurídica capaz de responder legalmente e de exprimir vontade16. A esse ponto, a personalidade age igualmente como garante da objetividade da forma da subjetividade jurídica17, e o corpo coletivo concebido dessa forma também conserva aí a sua procedência decorrente da subjetividade, quando esse mes-mo corpo coletivo é tratado novamente como um caso especial do corpo in-

14 Meder, Doppelte Körper, p. 182.15 Savigny, System des heutigen römischen Rechts (Sistema do Direito romano atual). Vol. 1, Berlim 1840,

p. 14, 15; cf., sobre o assunto, também: J. Rückert, Methode und Zivilrecht beim Klassiker Savigny (1779-1861) (Método e direito civil no clássico Savigny). In: idem./Seinecke (Hrsg.). Methodik des Zivilrechts von Savigny bis Teubner (Método do direito civil desde Savigny até Teubner), 2012, p. 35, 42.

16 P. Laband, Das Staatsrecht des Deutschen Reiches (Direito estatal do Império alemão). Vol. I, Tübingen 1876, reimpressão da 5a Edição,. 1964, p. 56, 57.

17 Cf. K.-H. Ladeur, Finding our text: “Der Aufstieg des Abwägungsdenkens als ein Phänomen der ‘sekundären Oralität’ und die Wiedergewinnung der Textualität des Rechts in der Postmoderne” (Encontrando nosso texto: “A ascenção do pensamento da ponderação como um fenômeno da ‘oralidade secundária’ e a reconquista da textualidade do direito na pós-modernidade”) (In: Ausgberg/Lenski (Orgs,.). Die Innenwelt der Außenwelt der Innenwelt des Rechts (O mundo interior do mundo exterior do mundo interior do direito), 2012, p. 173 ss., p. 182 (quase literalmente assumido).

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dividual. Assim como qualquer pessoa física (racional) pode ser portadora de direitos e obrigações, pode também o Estado ser tratado como pessoa jurídica, a fim de que seja possível, por exemplo, nomear funcionários como sujeitos de direito ou até mesmo comprar um lápis. O direito estatal pode, então – objeti-vamente –, existir na forma da subjetividade. Ele tem uma vontade autônoma, a qual, por exemplo, um funcionário administrativo ou um juiz que decide um caso exerce e faz valer mediante um procedimento concludente lógico – por-tanto, puramente objetivo. Em relação a isso, o autor Laband, o qual bem sabe como são seus protagonistas, não deixa a menor dúvida:

A decisão jurídica consiste na subsunção de um conjunto de fatos e dados pre-existentes (tipicidade) ao direito válido, ela é, como toda conclusão lógica, in-dependente da vontade; não existe qualquer liberdade para se determinar, se a dedução e suas implicações devem ou não ocorrer, ela se dá – como se diz – por si mesma, com uma necessidade interna... Apesar disso, deve o juiz exercer e fa-zer valer não a sua vontade, mas aquela do direito positivo, ele é a viva vox legis, ele não elabora a premissa maior, mas ele a aceita, quando dada por um poder que se coloca acima dele.18

3. Terceiro exemplo: o direito subjetivo público por Georg Jellinek (um 1900)

No contexto da discussão da pergunta, sobre se indivíduos, também além do direito privado, poderiam ser reconhecidos pelo Estado como portadores de direitos, desenvolve Jellinek a figura do direito público subjetivo. Para ele, o di-reito público subjetivo é um status, não apenas um reflexo da atividade estatal. O direito é possível apenas entre sujeitos de direito, e sujeito de direito é aquele “que em seu interesse pode colocar a ordem jurídica em movimento”19.

Esses direitos (os direitos públicos subjetivos, T.V.) distinguem-se, contudo, dos direitos privados essencialmente, porque se baseiam diretamente na personalida-de. Eles não têm nenhum objeto que seja diferente da pessoa, ao contrário dos direitos privados. As pretensões que surgem destes direitos... emanam diretamen-te das capacidades, as quais a ordem jurídica outorga aos indivíduos. Todas essas capacidades descrevem uma relação duradoura do indivíduo com o Estado, são condições jurídicas, que se repousam sobre elas, e formam o fundamento das pretensões publicistas particulares. Cada pretensão regulada pelo direito público decorre, por conseguinte, diretamente de uma determinada posição da pessoa em relação ao Estado, a qual, correspondentemente ao modelo do direito clássi-co, pode ser delineada como um status.20

18 P. Laband, Das Staatsrecht des Deutschen Reiches. Vol. II, Tübingen 1876, reimpressão da 5a Edição. 1964, p. 178.

19 Jellinek, Allgemeine Staatslehre (Teoria geral do Estado),p. 418.20 Idem.

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Iv

Os exemplos mostram como os procedimentos de transferência do objeti-vo para a subjetividade alimentam a construção da Ciência do Direito no século XIX. Assim como a literatura burguesa, a Ciência do Direito também cultiva um estilo prosaico, no qual o autor, com seu conhecimento a respeito da verdade objetiva, age como instância superior, de liderança21. Jellinek sabe que o direito subjetivo se manifesta como pretensão, a qual se origina da posição dos indiví-duos na relação deles com o Estado (o que, a propósito, está muito próximo da coisa). Uma diferença entre os procedimentos de composição da literatura e os de composição da Ciência do Direito pode ser vista, no máximo, da seguinte maneira: quanto à prosa, a Ciência do Direito trabalha de maneira muito mais forte na sua do que a Literatura na dela em estruturar retoricamente a operação de uma transferência do objetivo para a subjetividade, de tal forma que a fala suprapessoal e a objetividade abafam ou até mesmo sufocam qualquer traço ou resquício de uma posição individual, subjetiva ou, ainda, excêntrica. Trata-se tão logo de esconder a subjetividade do protagonista. Quem gostaria ainda de afirmar que a construção, feita por Laband, do Império alemão de 1871 como sujeito de direito traria à tona apenas um sentimento individual, um ânimo tem-porário, um humor ou um interesse particular22!

v

Agora acerca da segunda configuração: o deslocamento do objetivo para a subjetividade em um estilo de prosa, que obtém a maioria dos sujeitos e di-versos reflexos de significado, que se coordenam e precisam primeiramente encontrar ou produzir a sua validade universal estética-objetiva.

Essa configuração refere-se, originalmente, à transição do procedimento prosaico desde o final do século XIX. O final do século XIX não é apenas a era de uma segunda Revolução Industrial, na qual as formas de vida mais heterogê-neas se chocam uma contra a outra, mas também é a era da ascensão de uma cultura de massa sem precedentes, para além dos livros impressos, com mídias até então desconhecidas, como jornais diários, fotografia, filme mudo, rádio ou livros de bolso23. Nessa situação, a consciência burguesa tropeça em uma profunda crise de identidade. Eu gostaria, contudo, de colocar ênfase nesse ponto de forma diferente da posta por Franco Moretti. Nas análises elaboradas

21 Auerbach, Mimesis,p. 498.22 A Ciência do Direito do século XIX evita até mesmo a menor suspeita a respeito do surgimento de uma tal

impressão, porque a Ciência do Direito corrobora e sustenta a objetividade e a suprapersonalidade de seus resultados por meio de um método sistemático. Em seu centro situam-se, inclusive, como em Savigny, a vinculação e a conexão de conceitos jurídicos distintos e de regras jurídicas à “uma grande unidade”, portanto, a um sistema.

23 Mais detalhadamente, T. Vesting, Die Medien des Rechts (Os Meios de Comunicação do Direitodo Direito), IV, p. 12 ss.

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por Moretti acerca do estilo de narrativa moderna, fica claro que se trata, em última instância, do desmascaramento da pretensão da prosa burguesa por ob-jetividade: para ele, na verdade, o discurso livre indireto é um procedimento da internalização de padrões de pensamento predominantes socialmente: de fato, a prosa burguesa alcança uma objetividade estética sem paralelos, mas apenas a alcança, de maneira a não mais conhecer ao final do século XIX – como em Flaubert Bouvard et Pécuchet (1881), o que ela deve preservar do seu objeto. Ao final, a seriedade original da prosa burguesa conduz a nada mais do que obras perfeitas, que carecem de qualquer sentido e propósito24.

Essa perspectiva é assaz dirigida ao colapso do mundo burguês na litera-tura do final do século XIX. Por outro lado, isso depende da descrição da alte-ração da prosa literária, antes de tudo, com compostura e de forma adequada e razoável, ou seja, sem um Pathos (uma emotividade) trágico à la Weber (ao qual Moretti se refere com prazer).

Se antes o estilo de prosa burguês tinha contado com a universalidade das suas formas, movem-se agora com mais força categorias flexíveis e oscilan-tes em primeiro plano, um estilo de prosa, que não mais simples e facilmente pressupõe ou sustenta a universalidade de suas categorias, mas que migra com mais força para motivos dinâmicos25. Esse estilo de prosa compreende também o autor, instigando o fim do narrador soberano e do conhecimento associado a ele sobre a verdade objetiva e, de forma não menos importante, vinculando os autores ao fenômeno da cultura de massa. Isso vale preferencialmente em res-peito à utilização de formas recursivas processuais de formação de significado, as quais se referem à reprodutibilidade, um fenômeno constitutivo da cultura de massa.

vI

Pode-se verificar já em Nietzsche uma influência ou reação ao fenôme-no da cultura de massa. Tal influência, contudo, encontra-se desde o final do século XIX também na literatura, tanto na sua autoreflexão quanto no seu estilo de prosa que se modifica.

Como exemplo de uma autorreflexão, deve-se fazer brevemente uma alusão a Hugo von Hofmannsthal. Hofmannsthal rotula a nova situação de um “mundo de referências”26. Como para muitos de seus contemporâneos o seu ponto de partida é de que o mundo antigo burguês-aristocrático caiu aos pedaços. “Nós temos que nos despedir do mundo, antes que ele imploda”27.

24 Moretti, Der Bourgeois: Eine Schlüsselfigur der Moderne, 2014, p. 147.25 Auerbach, Mimesis,p. 499.26 Hofmannsthal, Der Dichter und seine Zeit (O poeta e seu tempo); aqui ele cita segundo Schorske, Vienna,

p. 19.27 Hofmannsthalcitado segundo Schorske, Vienna,p. 8.

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Hofmannsthal, entretanto, não para no cenário de desintegração estetizante da cultura burguesa-aristocrática, mas encara a fuga, tão disseminada na Viena de seu tempo, para a estética e para a arte mais como parte do problema, e menos como parte da sua solução28. Pois a arte não existe, segundo Hofmannsthal, apenas para a beleza ou para a graça, não apenas para o meio, que permite ao homem fugir da rotina diária. Com a arte, está atrelada simultaneamente uma esfera de instinto, do natural e do irracional, uma conexão, que Hofmannsthal considera como perigosa, mas que abre ao mesmo tempo ao sujeito – em um tipo de movimentação dialética – a possibilidade de um acesso ao mundo do social e ao Estado – e isso arranca da paralisia do narcisismo. A cultura moderna surge, por um lado, como irremediavelmente pluralista, sem coerência ou dire-ção. Sua essência, escreve Hofmannsthal em 1905, é ambiguidade e incerteza; por outro lado, pode ela, contudo, “descansar sobre aquilo que é oscilante e ela está consciente, de que aquilo é o oscilante, onde outras gerações acreditavam nas festividades”29. Com isso, Hofmannsthal torna visível a crise da cultura civil, mas também traz à consciência um paradigma novo e viável30.

Com esse recurso ao que é oscilante, sobre o qual Nietzsche também já havia falado, Hofmannsthal abre uma porta para abordagens sintético-ob-jetivas de interpretação, nas quais, inicialmente, o universal se produz em um processo contínuo. A vida correta emerge para Hofmannsthal não mais como subordinação a uma universalidade estável, cuja necessidade permanece certa e firme, mas sim como resultante de uma sensibilidade humana que se renova constantemente, a qual destaca sempre novas formas de referências e relações. Essa convicção deixa crescer em Hofmannsthal, finalmente, a percepção de que energias conflitantes da cultura em massa precisam de válvula. Essa válvula é a participação de cada um no processo político, por meio do qual Hofmanns-thal sugere com isso algo bem específico, relativo à participação contínua dos indivíduos na “Cerimônia do Todo”31. Apenas em uma forma cerimonial ritu-alística, da qual ninguém se sente excluído, as energias antagônicas podem se harmonizar umas com as outras e novas formas dinâmicas de vida e de Estado podem ser construídas.

Em Hofmannsthal, a realidade é dissolvida também em referências diver-sificadas e ambíguas, as quais o autor encontra, mas não são controladas por ele, nem pelos seus conceitos. Correspondências para esse movimento também são encontradas – preferencialmente na literatura depois da Primeira Guerra Mundial – em outros países e línguas. Erich Auerbach, por exemplo, mostrou,

28 Até seu casamento e até sua maior abertura, como consequência do casamento, para aquilo que ele chama de “o social”, de fato Hofmannsthal aposta no mapa da arte como fonte de toda a realidade. Mas Hofmannsthal reconhece o perigo, que ameaça o sujeito fora do autoconfinamento no templo da arte.

29 Hofmannsthal, Der Dichter und seine Zeit; aqui citado segundo Schorske, Vienna, p.19. Essa fórmula é repetida mais tarde por Luhmann.

30 Vgl. Ladeur, Finding,p. 189; Wellbery, Seiltänzer des Paradoxalen (Equilibrista do paradoxo),p. 235.31 Schorske, Vienna, p. 21.

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a exemplo do procedimento literário de Virginia Woolf em To The Lighthouse (1927), que o autor agora como narrador abdica de fatos objetivos e quase tudo o que foi dito é reproduzido como um reflexo na consciência das pessoas do romance32. Mais ainda: não foram mais inseridas em cena pelo autor apenas impressões de consciência de um único sujeito, mas sim de “muitos sujeitos, frequentemente alternantes”. O efeito gerado é que as respectivas pessoas trou-xessem para o jogo uma realidade própria, e que, além dessa realidade, uma realidade objetiva separada dela aparentasse não mais existir33. Pode-se tam-bém dizer, resumidamente, que, em qualquer momento entre o final do século XIX e o começo do século XX, a intenção e a capacidade da voz do narrador de encenar uma realidade objetiva sobre um único sujeito desapareceram, e, no lugar de uma representação de consciência subjetiva de uma única pessoa, “entra uma representação de consciência de várias pessoas, direcionada a uma síntese”34.

vII

A prosa jurídica também desde o fim do século XIX deixa para trás uma evidência que corre exatamente em paralelo com isso. Para o direito civil poder--se-ia fazer menção a Jhering, em sua fase mais tardia, no que toca à sua juris-prudência dos interesses. Essa jurisprudência traz à tona a “luta” dos interesses, tanto de indivíduos quanto de grupos. Eu quero restringir-me a alguns poucos exemplos próprios tanto de teoria geral do Estado quanto de teoria constitucio-nal. O que Hofmannsthal descreve como um “mundo de referências”, e Auer-bach como uma “representação da consciência de várias pessoas, direcionada a uma síntese”, ocorre na teoria geral do Estado alemã da República de Weimar como uma “integração”, depois da Segunda Guerra Mundial, como “formação de unidade política” e, mais recentemente, em um pequeno texto do Presidente do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como “constituição do meio”.

Se não existe dúvida, para um autor como Laband, de que a relação entre Estado e indivíduos pode ser construída como uma relação jurídica entre duas pessoas intrinsicamente estáveis, para Rudolf Smend, um dos juristas de teoria geral do Estado e de teoria constitucional de Weimar, essa relação e seus polos tornam-se justamente aquele problema, sobre o qual ele aplica o, por ele tão conhecido, “princípio do sentido da integração”35. Por detrás desse princípio encontra-se o pensamento de que a unidade (ou entidade) do Estado não pode ser mais simplesmente pressuposta, mas sim que o tremor de todas as autori-dades de teoria geral do Estado e de teoria constitucional, associado à Primeira

32 Auerbach, Mimesis, p. 496.33 Auerbach, Mimesis, p. 498.34 Ibidem, p. 499.35 Smend, Verfassung und Verfassungsrecht (Constituição e direito constitucional). In: Staatsrechtliche

Abhandlungen (Tratados de direito estatal), p. 119 ss., 120.

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Guerra Mundial, exige que se conceba essa relação de forma dinâmica, como “autorrenovação constante”, como “nova compreensão e ação conjunta perpé-tua”, como processualidade eterna36. Não é possível para Smend contemplar a comunidade política como “um eu coletivo que se assenta em si mesmo”. Pelo contrário, o Estado, enquanto “estrutura de unidade”, é apenas compreensível como “dialética que fluentemente se realiza e se transforma”37.

A teoria geral do Estado e a teoria constitucional têm a ver com o Estado enquan-to visto como uma parte da realidade espiritual. Figuras coletivas espirituais, en-quanto partes da realidade, não são substâncias estaticamente existentes, mas sim a unidade de sentido da vida espiritual real, da ação espiritual. Sua realidade é a de uma atualização funcional, reprodução [...] – apenas neste processo tornam--se elas em cada instante novamente reais.

Então em particular o Estado não é um todo inativo, que deixa emanar de si ma-nifestações de vida individuais, leis, documentos diplomáticos, sentenças, ativi-dades administrativas. Todavia, ele está afinal apenas disponível nestas manifes-tações de vida individuais, na medida em que elas são atividades de um contexto mais global, bem como nas renovações e formações contínuas ainda mais im-portantes, as quais meramente envolvem esse contexto próprio... É esse processo nuclear da vida estatal..., para o qual eu [...] propus o termo integração.38

Nesse texto é mostrado até que ponto o Estado, como sujeito de direi-to, deve entrar em relação com outros sujeitos, sobre cuja consciência nem o Estado nem o autor têm um conhecimento abrangente. Ao invés disso, trata-se de uma maioria de sujeitos, que o Estado deve ganhar para si em um processo contínuo, com o qual Smend também expressamente classifica grupos39. Em outras palavras, a integração de Smend mira à produção de um todo, ou melhor, aspira a ganhar as forças sociais, diferentes interesses e visões de mundo para o “todo estatal”40. Para esse propósito, Smend exige o procedimento de integra-ção objetiva, sob o qual ele compreende “simbolizações integradoras” como bandeiras, brasões, chefes de Estado, cerimônias políticas e festas nacionais, experiência conjunta de guerra ou uma paisagem do país como o Rio Reno; reflexões, que não estão tão largamente distantes da “cerimônia da totalidade” de Hofmannsthal.

No sentido inverso, também em Carl Schmitt pode-se demonstrar a de-pendência do Estado de indivíduos e agrupamentos voluntariosos que prece-dem o Estado. A diferença consiste apenas em que, para Schmitt, não se trata de um raciocínio sintético-objetivo, mas de um mito da decisão, com cuja ajuda Schmitt acredita poder reencontrar uma objetividade estável. Ainda em Schmitt,

36 Ibidem, p.135, p. 138.37 Idem.38 Ibidem,p. 13639 Cf. apenas Smend, Verfassung, p. 149.40 Schmitt, BdP [Begriff des Politischen], p. 26.

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poder-se-ia falar também de uma dinâmica de intensificação extrema e pola-rização: a ascensão de um mundo de referências – como em Hofmannsthal, Virgina Woolf ou Smend – não é respondida com uma procura por uma nova forma dinâmica, mas com um aprimoramento dos elementos polarizantes. A esse propósito encontra-se, por exemplo, o conceito do político de Carl Schmitt. Aqui é totalizado o polarizante, ou melhor, “a possibilidade real de agrupa-mento de amigos e inimigos”: o político surge, então, como o polarizante, e o polarizante como o totalizante, o qual anula todas as outras diferenciações e faz do Estado novamente uma entidade determinante e autoritária, por exemplo, um sujeito (soberano) único.

vIII

Finalmente, bem breve sobre a terceira configuração: a transferência do objetivo para a subjetividade mediante um estilo de prosa, o qual dissolve a universalidade em fragmentos e instantes e – de uma forma paradoxal – a per-sonaliza e a individualiza.

Essa configuração é aquela do nosso presente. Pode-se encontrá-la, na filosofia, em Luta por reconhecimento, de Axel Honneth, bem como podem-se observar suas primeiras evidências literárias em figuras como Emma Bovary. O sociólogo francês Alain Ehrenberg fala, neste contexto, de uma reviravolta do individualismo, e ele quer dizer com isso que o subjetivo, os afetos, as emo-ções, os sentimentos, a vida psíquica, o sofrimento (o qual tradicionalmente foi tratado até de forma negativa), atualmente, movem-se em primeiro plano e são trazidos à tona contra as instituições e contra a descoberta de uma realidade comum e de uma universalidade.

Tal movimentação pode ser demonstrada no Direito. Aqui se impõe, en-tre outros, a compreensão do direito de liberdade como o direito à autointer-pretação individual, o qual eu chamo de “novo individualismo do Direito”. Esse novo individualismo jurídico também conhece apenas uma coisa: uma autodeterminação sem nomos, uma autonomia da qual permanece apenas o autos, enquanto concepções unificadoras e a necessidade de manutenção de uma ordem objetiva impessoal são vistas como incompatíveis com a liberdade.

Por fim, eu faço uma citação de um voto minoritário de uma decisão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha sobre a lei de unificação do acor-do coletivo, a qual formidavelmente comprova essa tendência.

Em última análise, nós também não podemos prosseguir com acórdão, enquanto ele se assentar na suposição defendida pelo governo federal, de que a subscrição subsequente de um acordo coletivo de uma outra organização sindical limita a perda do próprio acordo coletivo... Por trás disso encontra-se uma tendên-cia perigosa a uma noção unificadora de interesses do empregado; o exercício do direito fundamental à liberdade do art. 9, inciso 3, item 1 da Constituição (Grundgesetz) é reinstaurado aqui a favor de uma concepção de adequabilidade

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objetiva. Isso aparece de uma forma não apenas absolutamente irreal, conside-rando a estrutura atual do trabalho remunerado, e dá o preço da negociação coletiva.... Isso contradiz a ideia fundamental do art. 9, inciso 3 da Constituição (Grundgesetz), a qual conta com o autodeterminado comprometimento político--tarifário dos membros de qualquer profissão. O direito à liberdade do art. 9, inci-so 3 da Constituição (Grundgesetz) protege também a diversidade dos interesses no pluralismo de coalizão e não justifica qualquer “ato de sujeição” como parte de uma “mendicância coletiva”.41

Aqui se cultiva uma “cultura da diferença”, a qual, no lugar de uma re-alidade em comum, bem como de uma universalidade, insere uma concepção errante de autodeterminação. Essa noção é vista como legítima, contanto que esse “comprometimento” seja direcionado apenas contra a “tendência perigo-sa [...] de uma concepção unificadora” e contra “concepções de veracidade objetiva”. Se antes a prosa burguesa (e não apenas essa) valia como objetiva e certa, o que era universal e necessário, hoje vale um autoaprisionamento (Selbstverhaftetheit) flutuante.

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41 Posição divergente do Ministro Paulus e da Ministra Baer no acórdão do Primeiro Senado de 11.07.2017, Rn. 19.

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

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As Origens dos Debates sobre o Controle de Contas no Brasil do Século XIX

The Origins of the Fiscal Policy Discussion in Nineteenth-Century Brazil

JULIO CESAR vELLOZOGraduação em História pela Universidade de São Paulo (2009), Mestrado em Culturas e Iden‑tidades Brasileiras pela Universidade de São Paulo (2012), Doutorado no programa de Histó‑ria Social da FFLCH/USP. É Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e dos programas de mestrado e doutorado da FADISP. Foi membro titular do Conse‑lho Técnico Científico (CTC) da CAPES. Tem experiência na área de História, História do Direito, História constitucional, Pensamento Social Brasileiro, História do Império do Brasil.

ANDRé LEMOS JORGEAdvogado com Graduação pela PUC/SP, Juiz Titular do TRE/SP (2014/2016), Conselheiro CTC CAPES‑MEC (2005/2008), Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP, Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP, Pós‑Graduado em Direito Penal pela Escola Superior do MP/SP, Di‑retor do Mestrado em Direito da UNINOVE‑SP. Cursando Pós Doc em Salamanca‑Espanha. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Constitucional, Administrativo, Eleitoral e Educacional. Diretor de Pós‑Graduação da FMU (2008/2010). Consultor Pedagógico do Centro Universitário ALFA Goiânia.

RESUMO: O presente artigo discute as tentativas de instalação de um órgão responsável por realizar o controle de contas no Brasil durante o Império, antes de um órgão desse tipo ser de fato instaura‑do, em 1890. Nele buscamos demonstrar que, ao contrário do que afirma a historiografia a respeito do assunto, nem o Conselho de Fazenda, criado em 1808, nem as primeiras propostas de controle orçamentário feitas no Brasil independente podem ser vistas como órgãos voltados ao controle de contas. As únicas propostas que podem ser vistas como antecessoras do controle de contas atual são aquelas feitas por Manuel Alves Branco. Além disso, buscamos demonstrar que as polêmicas em torno do tema foram uma das dimensões da disputa de poder entre a coroa e o parlamento brasileiro que marcariam o Império.

PALAVRAS‑CHAVE: História do controle de contas; história do direito administrativo; responsabilida‑de dos empregados públicos; história do Brasil no século XIX.

ABSTRACT: This article addresses the attempts to establish a body responsible for carrying out the government’s fiscal policy in Brazil during the Empire, before a body like this was actually established, in 1890. In this paper we seek to demonstrate that, contrary to what the historiography regarding the matter usually says, nor the Finance Council, created in 1808, nor the first proposals for budget control made in independent Brazil can be seen as organs focused on fiscal policy. The only proposals that can be seen as predecessors of the current fiscal policy are those made by Manuel Alves Branco.

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In addition, we sought to demonstrate that the controversies surrounding the theme were one of the dimensions of the power struggle between the crown and the Brazilian parliament that would mark the Empire period.

KEYWORDS: History of fiscal policy; history of administrative law; accountability of public employees; history of Brazil in the nineteenth century.

SUMÁRIO: Introdução; Mitos de origem; As propostas do Marquês de Barbacena; Fortalecer o parla‑mento contra a coroa: o papel de Manuel Alves Branco; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOEste texto tem como objetivo discutir as propostas de estabelecimento de

um órgão responsável pelo controle das contas públicas que surgiram durante o Império, marcadamente entre os anos de 1826, quando o parlamento deba-teu o assunto pela primeira vez, e 1890, quando a instauração do Tribunal de Contas da União foi aprovada por meio de uma lei ordinária1. Conforme de-monstrado pela historiografia acerca do assunto, a instituição de um tribunal de contas no Brasil aconteceu por meio da aprovação de uma proposta feita por Rui Barbosa quando o jurista baiano ocupava o Ministério da Fazenda (Silva, 1998, p. 75-76; Siqueira, 1998, p. 151). A partir desse momento, o país passaria a ter um órgão vinculado ao parlamento com a atribuição de realizar essa ati-vidade, malgrado as diferentes configurações que o tribunal teria ao longo do tempo.

Apesar do empenho indiscutível de Rui Barbosa para que uma instituição nesses moldes viesse a existir, é preciso aquilatar corretamente seu papel nesse processo, uma vez que à altura de sua fundação o debate sobre o assunto já era bastante antigo. Assim, embora a instauração do Tribunal de Contas tenha sido impulsionada pelo jurista baiano, sua participação representa, antes, o ponto de chegada do que o de partida na história dos esforços para a criação de um controle de contas independente no Brasil, um debate complexo e multilateral realizado desde os primeiros dias do parlamento brasileiro.

O debate sobre o controle de contas no Brasil fez parte de uma luta de fundo acerca do arranjo constitucional que a jovem nação independente teria. Essa demanda de institucionalização esteve continuamente atravessada por uma dura disputa acerca da distribuição dos poderes entre o Executivo e o Legislativo. Conforme demonstrou Bartolomé Clavero, a ordem dos poderes, ou

1 O Tribunal de Contas é criado pelo Decreto nº 966-A, de 7 de novembro de 1890. Desconsiderando essa realidade, a Constituição de 1891 adotou a seguinte redação: “É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso”. A regulamentação do órgão, no entanto, só viria pelo Decreto nº 1.166, de 17 de dezembro de 1892, que vinha para cumprir a Lei nº 23, de 30 de outubro do mesmo ano. A reunião de instalação da instituição aconteceu em 17 de janeiro de 1893.

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seja, o papel que cada departamento teria na ordem constitucional inaugurada pelas Revoluções Atlânticas foi um dos temas decisivos, se não o mais impor-tante, dos debates e das polêmicas políticas do final do século XVIII e início do século XIX, tanto na Europa quanto nas Américas (2007, p. 17-28).

Estudar os debates acerca da instauração desse órgão realizados durante o Império nos parece importante ao menos por três motivos. Em primeiro lugar, porque ele está ligado a um tema crucial do liberalismo político em sua primei-ra floração: a possibilidade de responsabilizar os agentes públicos por seus abu-sos. Dada a enorme importância que o orçamento tem no exercício cotidiano do poder, responsabilizar os agentes de Estado por eventuais abusos era funda-mental para estabelecer limites ao Poder Executivo. Conforme a historiografia mais recente tem demonstrado, a responsabilidade dos empregados públicos constitui um travejamento decisivo do liberalismo, que estava ocupado em criar mecanismos de limitação dos poderes do Estado e de defesa das garantias indi-viduais (Vellozo, 2017, p. 22). Em segundo lugar, abordar o tema possibilita en-tender melhor como esses instrumentos de controle eram pensados pelos libe-rais brasileiros, o que pode ser um dado interessante para outras pesquisas que se dediquem a polêmicas contemporâneas sobre o seu papel (Merquior, 2014). Em terceiro lugar, visitar criticamente o debate realizado durante o Império ser-ve para relativizar visões laudatórias construídas por uma historiografia que se empenhou ativamente em mitificar tanto o primeiro regime republicano quanto a figura de Rui Barbosa, um personagem cuja indiscutível importância dispensa construções encomiásticas que acabam por nublar a compreensão história dos temas decisivos nos quais o jurista baiano se envolveu.

Para produzir este artigo, realizamos uma ampla pesquisa bibliográfica e buscamos explorar os Anais do Parlamento Brasileiro em diferentes momen-tos da história. Entendemos que essa seja uma fonte histórica insubstituível para uma compreensão mais precisa da história das ideias políticas e jurídicas. Dada a própria natureza de sua atividade, o parlamento é um local no qual as posições políticas, os interesses dos diferentes grupos e os projetos sobre o que deve ser o Estado se confrontam. Como o texto final de uma lei muitas vezes camufla os embates presentes em sua produção, estudar as discussões e disputas travadas durante sua concepção muitas vezes é o único meio para compreendermos os sentidos que um diploma jurídico tinha em determinado momento da história.

MITOS DE ORIGEMA ideia de dotar um setor do funcionalismo público da prerrogativa de

controlar as contas do governo de modo independente ou relativamente inde-pendente só adquire sentido a partir do momento em que é formulada a ideia da separação entre os poderes, o que ocorre apenas no século XVIII. Há, portanto, uma identidade entre o controle de contas e o surgimento do constitucionalis-

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mo, ou, se quisermos, do constitucionalismo moderno2. Embora outros autores encontrem identidades históricas longínquas entre a atividade do controle de contas e os institutos de passado mais remoto (Rosa, 1940), nós consideramos que essa seja uma atividade típica da modernidade liberal, de modo que seus modelos só poderão ser buscados no período aberto com as chamadas Revolu-ções Atlânticas3, que inauguram o tempo em que vivemos.

A maior parte dos textos que traçam uma história do controle de contas no Brasil aponta o Conselho de Fazenda, instituído em 28 de julho de 1808 como parte do aparato de Estado trazido com a corte de Dom João VI, como um antecessor do Tribunal atual, inaugurando a atividade em nosso país4. Em-bora difundida, essa posição é bastante duvidosa já que sua criação foi o relan-çamento, em solo brasileiro, de um órgão português de caráter análogo. Essa natureza de replicação está explicitada no próprio decreto que o institui, onde se lê que este teria exatamente

as mesmas prerrogativas, honras, privilégios, autoridade e jurisdição no Estado do Brasil e ilhas adjacentes, que tinha e exercitava o Conselho da Fazenda de Portugal; conservando a respeito das colônias ultramarinas, das Ilhas dos Açores, Madeira, Cabo Verde, S. Tomé e mais senhorios e domínios de África e Ásia, a mesma jurisdição que lhe competia e era pertinente ao Conselho do Ultramar do mesmo reino.5

As atribuições descritas do conselho limitavam-se ao controle fiscal, tra-tando-se de um organismo típico de Antigo Regime cuja atividade fundamental era aumentar as rendas da metrópole, evitando os variados descaminhos da fiscalidade na colônia6. A diferença fundamental estava no fato de a cabeça do Império ter se deslocado para o Brasil, de modo que aquele órgão precisava ser adaptado à nova situação. Em nossa visão, um órgão cuja função era dar efi ciência aos mecanismos do exclusivo colonial metropolitano (Novais, 1986) não tem parentesco algum com a atividade do controle das contas públicas.

2 Por constitucionalismo moderno compreendemos o novo tipo de ordenamento jurídico que emergiu a partir das Revoluções Atlânticas, inaugurada pela Independência dos Estados Unidos, em 1776, e pelos textos constitucionais produzidos por ela. Levamos em conta o caráter polêmico do conceito, especialmente pela utilização do qualificativo “moderno”, que estabelece que a marca distintiva do constitucionalismo, ou seja, o elemento que lhe dava particularidade, seria ser um dos frutos da modernidade, vista em sentido amplo. Bartolomé Clavero, que prefere falar em pré-constitucionalismo para se referir ao período anterior à Revolução das Treze Colônias, sustenta que a diferença do momento constitucional para os anteriores é tão grande que se pode falar apenas em constitucionalismo, sem qualquer tipo de qualificativo. Cf. Clavero, 1997, p. 11-29; Clavero, 1989, p. 79-145. Ver, também, Fioravanti, 2001, p. 11-15.

3 Para o conceito de Revoluções Atlânticas, ver: Godechot, 1969; Godechot, 1956; Palmer, 1964.4 Caso, por exemplo, de Agenor de Roure, que afirmou que o órgão seria o primeiro esforço para o estabelecimento

do controle de contas no país (Roure, 1979).5 Alvará de 28 de junho de 1808. Cria o Erário Régio e o Conselho da Fazenda. Coleção de leis do Brasil –

1808. Rio de Janeiro, v. 1, 1891. p. 74-90. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/alvara/anterioresa1824/alvara-40209-28-junho-1808-572257-publicacaooriginal-95382-pe.html>. Acesso em: 31 jul. 2017.

6 Para os mecanismos que tinham como função exercer o controle sobre a fiscalidade no Brasil Colônia, ver: Maxwell, 2009, p. 54-108; Gouvêa, 2001, p. 285-317.

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Posteriormente, a concertação das elites brasileiras que viabilizou a In-dependência resultou na convocação de uma reunião de deputados de todo o Império incumbidos de criar uma Constituição para o País. Assim, em abril de 1823 é formada a Assembleia Constituinte do Império do Brasil, que desenvol-veu seus trabalhos até ser dissolvida por Dom Pedro I em novembro daquele mesmo ano (Rodrigues, 1982, p. 198-245). Dois meses antes da dissolução, no entanto, a Comissão de Constituição, responsável por apresentar a proposta a ser votada pela casa, havia concluído seu trabalho e apresentado um ante-projeto de Constituição. A historiografia costuma creditar a Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, a autoria desse texto (Lynch, 2014, p. 22; Rodrigues, 1974, p. 102).

Para uma boa compreensão do conteúdo desse texto histórico, é impor-tante notar a extensão da influência das ideias de José Bonifácio em sua fei-tura, uma influência que fica bastante clara quando notamento que a comis-são que elaborou a proposta contava o próprio Bonifácio e com outros dois parentes seus: o já mencionado Antônio Carlos de Andrada, que fora rebelde em Pernambuco, mas que já se encontrava devidamente pacificado com o ir-mão, e José Ricardo da Costa Aguiar, sobrinho do Patriarca da Independência. Quando a comissão foi formada, Bonifácio era o mais importante ministro de Dom Pedro I, o que significa que a comissão encarregada de construir o texto era, em princípio, defensora das prerrogativas do primeiro imperador. No meio do processo, no entanto, surge um contratempo aos planos da coroa quando Bonifácio e Pedro I rompem relações e o ministro acaba sendo demitido do car-go em junho daquele ano. Assim, o projeto apresentado em setembro já é feito sob a influência de um grupo oposicionista, o que fala bastante sobre o caráter do texto e ajuda a explicar os motivos que levaram o Imperador a empreender o violento ato da dissolução.

Na prática, o projeto de Constituição apresentado pela comissão atribuía o controle das contas públicas ao parlamento, que fixaria as despesas anuais por meio da aprovação de um orçamento proposto pelo gabinete ministerial e que, ao final daquele exercício, realizaria a apuração dos gastos, avaliando se eles teriam sido feitos corretamente e se os ministros teriam cumprido o que havia sido determinado pelo parlamento7. Após a dissolução da assembleia, o novo texto, outorgado por Dom Pedro I em 1824, manteve essa estrutura básica, malgrado diferenças de redação.

Esse mecanismo de decisão e controle da execução orçamentária pelo parlamento é consequência dos poderes que os textos constitucionais atribuíam ao parlamento desde o final do século XVIII. Segundo autores como António Manuel Hespanha e António Schioppa, o primeiro momento constitucional

7 Conforme os arts. 42, § II, e 81, § II. Projeto de Constituição para o Império do Brasil. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados (doravante, APB-CD), sessão de 1º de setembro de 1823.

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é marcado pela emergência de um grande protagonismo do parlamento, vis-to como o poder mais legítimo por ser portador da soberania popular. Desse modo, proposta de estabelecimento de um órgão encarregado de realizar o con-trole de contas foi parte da pauta dos deputados mais liberais, que àquela altura buscavam dar mais poderes ao parlamento em detrimento dos outros poderes.

No caso brasileiro, especialmente na primeira metade do século XIX, isso significava defender a diminuição dos poderes concentrados no Imperador, transferindo-os às localidades por meio de mecanismos de fortalecimento das prerrogativas provinciais ou diretamente ao parlamento.

A Constituição de 1824 já havia realizado grande parte da distribuição dos poderes entre Executivo, Moderador, Legislativo e Judiciário. Restava, en-tretanto, uma margem de definições a serem feitas pelas leis regulamentares, que deveriam ser discutidas e aprovadas posteriormente pelo parlamento. Foi assim que os deputados e senadores acabaram ampliando a latitude dos pode-res do parlamento e dos poderes locais, sempre em detrimento das prerrogativas da coroa. Isso foi feito por meio de uma série de diplomas, a exemplo da Lei de Responsabilidade do Ministros e Conselheiros de Estado, da lei que instituiu juízes de paz com amplas prerrogativas e da que colocou em funcionamento o Supremo Tribunal de Justiça do Império.

Após esse primeiro momento de ajuste na distribuição dos poderes repre-sentado pela aprovação dessas leis regulamentares, a luta entre parlamento e coroa continuou, marcando os elementos mais relevantes das disputas políticas durante todo o século XIX. As propostas de instituição de um órgão de controle de contas durante o Império só são plenamente compreensíveis quando vistas neste contexto, como uma das iniciativas que buscavam ampliar as prerrogati-vas do parlamento, diminuindo as possibilidades do Poder Executivo, exercido por ministros nomeados pelo Imperador.

Essa concepção de que caberia ao parlamento fixar a peça orçamentária e depois conferir se sua aplicação havia sido correta tinha como fulcro a ideia de responsabilidade dos empregados públicos, questão central à época em to-das as experiências constitucionais e especialmente cara às que optaram por um modelo monárquico constitucional. No Brasil, a Lei de Responsabilidade dos Ministros e Conselheiros de Estado foi a primeira lei regulamentar – como eram chamadas as leis que colocavam dispositivos da Constituição em funcionamen-to – a ser aprovada pelos deputados, já nos primeiros dias de funcionamento do parlamento. Essa priorização da questão da responsabilidade dos empregados públicos estava relacionada à percepção de que era necessário estabelecer fron-teiras claras entre as atribuições dos parlamentares e as do Executivo, criando mecanismos concretos que impedissem que o Executivo usurpasse atribuições que eram do Legislativo. Não à toa, quando a comissão responsável por apre-sentar a lei que regrava a responsabilidade dos empregados públicos apresen-tou os frutos do seu trabalho, a opção dos parlamentares foi por começar por

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uma legislação que tratasse exclusivamente da responsabilidade dos ministros e conselheiros, já que essas eram as figuras que mais poderiam abusar dos po-deres que a constituição reservava aos parlamentares. A assertividade dos re-presentantes na defesa de suas prerrogativas era tanta que o projeto que saiu da Câmara para o Senado tipificava a usurpação de atribuições do Legislativo pelo Executivo como crime de traição passível até de pena capital (Vellozo, 2017, p. 22-27).

Nessa disputa, podemos identificar uma linha divisória bastante nítida. Houve um setor, mais próximo do Imperador e defensor do reforço da coroa, que buscou dar ao Executivo o papel de exercer na prática o controle de contas, instituindo um órgão que fosse de indicação do imperante. Já um outro setor, justamente o mais liberal, lutou para que o órgão fosse um auxiliar do Poder Legislativo, reforçando suas atribuições, ainda que dentro dos limites colocados pela Carta de 1824.

AS PROPOSTAS DO MARQUÊS DE BARBACENAEm 1826, o parlamento brasileiro reunia-se, pela primeira vez, de acordo

com os parâmetros estabelecidos na Constituição de 1824. Nessa ocasião, o senador Felisberto Caldeira Brant, futuro Marquês de Barbacena, que se nota-bilizaria como um dos mais importantes homens de Estado durante a primeira metade do século XIX, faria a primeira proposta para criar um órgão cuja ativi-dade precípua seria o controle de contas.

A proposição de instauração do órgão vinha no bojo do projeto de or-ganização dos ministérios. Tratava-se do art. 10, que tinha a seguinte redação: “Haverá um tribunal de revisão de contas — com seu regimento”. Trata-se de um texto bastante lacônico, mas visitando o debate suscitado pela proposta é possível identificar as diferentes visões sobre a questão no parlamento brasi-leiro.

O cerne do debate ocorreu na discussão do artigo imediatamente ante-rior, que estabelecia a criação de um “Administrador-Geral do Tesouro”. Diante da sugestão, o Marquês de Inhambupe, parlamentar muito ligado à coroa e sem-pre cioso da manutenção das prerrogativas do Poder Executivo, deixou claro que não desejava o estabelecimento de mecanismos de controle muito estritos. Sua posição, bastante reveladora de um pensamento típico à época, era a de que nenhuma proposta de criação de novos postos deveria avançar sem que viesse acompanhada de um regimento prevendo suas atribuições8.

A resposta de Barbacena diante dessa objeção deixa claro que sua dis-posição em estabelecer um controle de contas estava profundamente ligada aos mecanismos de responsabilidade dos ministros:

8 Anais do Senado do Império do Brasil (doravante, ASIB), sessão de 6 de julho de 1826.

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Se uma das coisas essenciais em um governo constitucional é a responsabilidade dos ministros, como se pode esta verificar sem o exame das contas? No atual sistema, o ministro cobra todas as rendas da nação, paga todas as despesas, e diz no fim: as cobranças foram exatas, os pagamentos foram legais, e com isso está decidido tudo.

Semelhante modo de administração não pode continuar em um governo cons-tituído como o nosso. Se ao menos a nação pudesse descansar na palavra do ministro, de que tudo assim havia sido feito, ainda bem; mas é absolutamente impossível que o ministro possa entrar no exame de tudo, e dar a sua afirmação, sem que muitas coisas repousem no bom conceito dos seus empregados.9

Barbacena legitimava sua proposta amparando-a na experiência inglesa, a mais invocada pelos parlamentares do período como exemplo de governo bem-sucedido. Segundo ele, naquele país o “ministro arrecada todas as ren-das do Estado e faz a distribuição dela para os pagamentos das despesas pelas grandes divisões”, e, ao final do processo, os funcionários do Executivo devem responder a um “tribunal de revisão de contas”: “1º se estão certas, 2º se estão legais, 3º se são legítimas”.

Ministro das finanças à época, o Marquês de Inhambupe argumentou que a preocupação de Barbacena era infundada, uma vez que não havia no país abusos que justificassem aquela medida. Sendo assim, o responsável pe-las finanças do Império não via “uma necessidade absoluta para se fazer esta inovação”. Em sua tréplica, Barbacena demonstrou o caráter moderno de sua proposição: “Pode continuar o sistema de ser o ministro quem receba tudo, quem pague, e quem aprove suas contas, ou não pode? Suponho que ninguém ousará a afirmativa”.

Ainda mais assertivo na defesa do projeto, o Senador Borges da Fonseca faz uma intervenção que esclarece ainda melhor o caráter do órgão que se pro-punha instaurar:

Eu não descubro outro meio de se poder por um obstáculo a semelhantes abusos senão dividindo o trabalho. O ministro da fazenda não pode fazer tudo: ele tem a seu cargo as grandes operações financeiras: tem de apresentar os cálculos da despesa; tem de receber e pagar; é obrigado a aparecer todos os dias no tesouro; tem de ouvir as partes e de lhes fazer justiça; tem, finalmente, mil ocupações que, acumuladas em um só homem, não se podem preencher. Mas já não suce-derá assim, havendo um administrador geral e um tribunal de exame de contas, composto de homens inteligentes, independentes, e de reconhecida probidade. Talvez se não evitem todos os abusos, evitar-se-há, porém, uma grande parte deles; e se o novo sistema não satisfaz, a experiência tem mostrado que então muito menos o antigo.10

9 ASIB, sessão de 6 de julho de 1826.10 ASIB, sessão de 6 de julho de 1826.

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O conteúdo dessas falas mostra a diferença crucial entre a antiga propos-ta de criação do Conselho de Fazenda e o Projeto de Barbacena. Enquanto o Conselho pretendia ser um instrumento de ampliação da arrecadação da coroa portuguesa, a proposta de 1826 já adquire alguns contornos do exercício de controle de contas, na medida em que sugere a formação de um órgão próprio, incumbido da tarefa. Na votação, entretanto, a proposta de criação do Tribunal de Revisão de Contas foi derrotada e o art. 10º da lei acabou suprimido sob a alegação de que não se poderia aprovar a criação de uma instância sem que houvesse um regimento que estabelecesse suas atribuições de maneira clara, na linha dos argumentos de Inhambupe.

A derrota não desanimou Barbacena, que, tendo se tornado Ministro da Fazenda em 1830, apresentou à Câmara dos Deputados uma proposta global intitulada: “Da organização do Tribunal do Tesouro Público Nacional”, em que propunha uma reorganização completa de toda a atividade fazendária do Impé-rio. A proposta de reorganização incluía a criação de um organismo de controle de contas. O formato do órgão, no entanto, representava um verdadeiro recuo em relação ao que o ministro havia sustentando seis anos antes11.

Nessa segunda proposta de Barbacena, o tribunal seria composto por um presidente, um inspetor-geral e um procurador fiscal, todos indicados pelo Imperador (art. 2º). Haveria, além disso, uma secretaria, uma contadoria de revisão, uma tesouraria-geral e um cartório (art. 3º), todos como estruturas auxi-liares ao órgão. A estrutura de decisão do tribunal era bastante centralizada, na medida em que somente o presidente tinha voto deliberativo, tendo os outros dois membros apenas voto consultivo (art. 5º).

As competências do Tribunal do Tesouro Nacional seriam a direção e fiscalização da receita e despesa nacional, a inspeção da arrecadação e a dis-tribuição e contabilidade de todas as rendas públicas. Todas as decisões admi-nistrativas sobre esses temas deveriam ser resolvidas pelo órgão, que tomaria, anualmente, contas a todas as repartições públicas, mandando proceder contra os empregados públicos que houvessem cometidos irregularidades, inclusive os das províncias. O órgão também inspecionaria cidadãos que administrassem al-gum tipo de dinheiro público, ainda que esses não fossem subordinados direta-mente ao “mesmo tesouro” e que estivessem, legalmente, sob outra jurisdição. Como exemplo de casos que se encaixariam nessa condição, o próprio texto da lei cita o das “fábricas e oficinas nacionais”, que passariam a ser subordinadas ao tribunal12.

O projeto determinava que o presidente do órgão seria sempre o Ministro dos Negócios da Fazenda que estivesse ocupando o cargo. Cabia a ele apre-

11 APB-CD, sessão de 19 de julho de 1830.12 Entre os tipos de instituições pensadas pela proposta de governo apresentada por Barbacena estava a Fábrica

de Ferros Ypiranga. Para saber mais sobre o funcionamento daquela unidade fabril, ver: Santos, 2009.

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sentar, com o auxílio dos outros membros, anualmente, até o dia 15 de maio do ano corrente, o seu relatório com receita e despesa do tesouro nacional à Assembleia-Geral Legislativa, assim como a proposta de orçamento próximo. A mesma estrutura se reproduziria nas províncias, onde órgãos análogos desen-volveriam os seus trabalhos com atribuições similares.

Pelas características supracitadas, vê-se que se tratava de uma estrutu-ra fortemente centralizada em torno do Ministro dos Negócios da Fazenda, dando-lhe melhores condições de realizar a gestão cotidiana, a fiscalização da execução dos recursos e das compras governamentais e a construção da peça orçamentária a ser apresentada aos parlamentares a cada ano. Como o vértice do órgão é o próprio ministro, exclui-se da proposta qualquer tipo de indepen-dência: o sujeito político, que deveria ter sua atividade controlada e, em caso de abuso, ser objeto de responsabilização, centraliza o controle de contas. Isso faz com que o órgão proposto por Barbacena nessa segunda ocasião seja fun-damentalmente um instrumento anexo ao Executivo, sem condições de operar como um órgão auxiliar do parlamento em suas atribuições. Por esse motivo, não é possível considerar essa segunda proposta de Barbacena como antecesso-ra de um tribunal de contas no sentido moderno que a instituição atual assumiu, uma vez que a lógica e a função do órgão proposto são completamente dife-rentes daquelas assumidas pelos tribunais de contas atuais. Percebendo clara-mente a limitação da proposta de Barbacena, o Deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos denunciou, diante do autor, a diferença nodal entre a sua primeira proposta, apresentada em 1826, e a segunda, que estava sendo discutida na-quele momento, quatro anos mais tarde:

Quando o Senhor Ministro se encarregou de apresentar um projeto de reorga-nização do tesouro, tive esperanças de que este projeto havia de conter as ne-cessárias garantias, por isso que o Sr. Marquês de Barbacena, como Senador do Império, tinha apresentado ao Senado em 1826 no projeto, e então reconheci que ele queria um tribunal independente; entretanto agora aparece matéria nova, e um capítulo que considero totalmente inútil; que faz esta contadoria? Vai tomar contas?

Ora, Senhores, a simples ideia de que os oficiais são de livre nomeação do go-verno, que pode demitir ao seu bel-prazer, não apresenta garantia alguma de sua independência; isto é inquestionável, os empregados farão o que o Ministro lhe acenar, e então não é mais do que um espantalho, portanto não posso conceder que passe uma lei tão importante como esta sem o essencial, que é um tribunal de contas independente, isto é, de membros independentes do governo [...].13

13 APB-CD, sessão de 26 de agosto de 1830.

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FORTALECER O PARLAMENTO CONTRA A COROA: O PAPEL DE ALVES BRANCOSe as propostas anteriores guardavam poucas semelhanças com o nosso

atual órgão responsável por fiscalizar as contas públicas, uma nova página seria aberta em 1835, quando o Deputado Manoel do Nascimento Castro e Silva su-geriu “a criação de um tribunal ou repartição especial de contas, independente do tesouro, e só responsável à assembleia geral, ao qual seja cometida a revisão e exame de todas as contas de receita e despesa geral do Império, deixando o tesouro público uma contadoria geral”. Ministro da Fazenda de Diogo Antônio Feijó à época, Castro e Silva incluiu a proposta em um relatório circunstanciado sobre a vida financeira do país, um documento de praxe do ministério.

No entanto, a assertividade da proposta – que pela primeira vez marcava claramente a independência do órgão em relação ao Executivo – era imediata-mente seguida por sua relativização: “[...] Há porém inconvenientes que deixo de enumerar, além da despesa que exige esta criação, e que por longo tempo entorpeceriam a marcha da repartição, sem desembaraçar os estorvos da conta-doria do tesouro e seus multiplices trabalhos”14. Desse modo, o Ministro frisava que, embora a instituição fosse desejável, sua instalação deveria ser realizada em um futuro oportuno em que o tesouro pudesse bancar essa despesa sem grande sacrifício orçamentário.

Dois anos depois, o deputado apresentaria um complexo e ambicioso projeto de reorganização do Tesouro Nacional. Em seu preâmbulo, defendia novamente a criação de um tribunal independente e subordinado ao parlamen-to, chamado por ele de Supremo Tribunal de Contas. Mais uma vez, no entanto, o deputado empurra a efetivação de sua própria proposta para um futuro mais promissor:

Por certo a criação e estabelecimento do supremo tribunal de contas, onde ve-nham parar todas as das repartições do Império, por onde se arrecadam e despen-dem os dinheiros nacionais, e de que há a esperar grandíssimas vantagens, não é possível realizar-se por ora, enquanto sobre a avultada despesa que demanda, ainda se precisa (para formar-lhe sólida base, e assegurar-lhe uma próspera dura-ção em proveito das finanças) que se firme de maneira segura e incontestável, de conformidade com a Constituição e lei das reformas, a recíproca harmonia das províncias entre si e com o governo central, em matérias da pública administra-ção; que se aplanem as muitas dificuldades que obstam à precisa prontidão das comunicações de uns a outros pontos do Império; e que se creem e se preparem cidadãos idôneos e habilitados para tão transcendente incumbência.15

A polêmica que se estabelece logo após a proposta é interessante por mostrar que, àquela altura, em 1830, a necessidade de independência em re-lação ao Executivo já estava completamente clara para uma parcela bastante

14 APB-CD, sessão de 8 de maio de 1835.15 APB-CD, sessão de 9 de setembro de 1837.

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representativa dos deputados. O liberal Francisco de Paula Souza, por exemplo, que se opunha frontalmente à Pedro I, ressaltou a necessidade da independên-cia na tomada de contas, afirmando que, para tanto, o critério mais importante era que a nomeação dos cargos não fosse feita pelo Executivo, mas pelo Legisla-tivo, antecipando as características mais modernas que os tribunais de controle de contas assumiriam no futuro16. Não sem lamentar, no entanto, o próprio deputado lembrava, não sem lamentar profundamente, que a Constituição de 1824 estabelecia que a indicação de todos os cargos cabia exclusivamente ao Imperador17, o que impedia que os membros do tribunal fossem indicados pelos deputados. A exclusividade do Poder Executivo na indicação de todos os car-gos públicos estava bastante estabelecida no Brasil desde os primeiros dias da independência, a ponto de ter sido discutida, por exemplo, no que respeitava aos empregados do próprio parlamento, que não puderam ser indicados pelos deputados e senadores devido a essa interpretação da Constituição18.

A oposição ao estabelecimento de algum mecanismo de contas indepen-dente foi feita por Calmon du Pin, futuro Marquês de Abrantes, que defendeu explicitamente que a independência do Executivo fazia com que ele não pu-desse sofrer qualquer tipo de fiscalização permanente do corpo legislativo, que deveria apurar responsabilidades apenas ao final dos exercícios. Os membros de uma instância como aquela deveriam ser indicados pelo Imperador e não deveriam proferir nenhum juízo: “Em todas as nações este tribunal de contas de fazenda não impõe pena aos ministros: este tribunal é uma espécie de fieira na qual devem ser preparadas e dispostas as contas do ministério e facilitar sua aprovação, que só o corpo legislativo pode dar”.

Bernardo Pereira de Vasconcelos, que à época ainda não havia feito a sua conversão conservadora, respondeu afirmando que a independência do Executivo se resumia ao fato de que “seus atos não podem ser destruídos por nenhuma outra autoridade”, o que não significava que esses atos não devessem ser fiscalizados permanentemente e, após isso, julgados por outros poderes19. O debate acabou se esvaindo sem que qualquer órgão independente de fiscaliza-ção fosse proposto de forma clara.

Um projeto de lei instituindo um órgão de fato independente do Execu-tivo, que cumprisse o papel de fiscalizador e, especialmente, de garantidor do papel do Legislativo na decisão acerca do orçamento nacional, só surgiria em 1837, por meio de um proposta apresentada pelo Ministro das Fazenda Manuel

16 “Pelas razões do ilustre deputado que me precedeu [Bernardo Pereira de Vasconcelos] vejo que não pode passar, porque se tornará ilusório nas esperanças, cedo pela constituição todos os empregados públicos de nomeação do poder executivo; portanto não pode ficar esta nomeação à Assembleia Geral, e parecem que não pode haver esta garantia”. Francisco de Paula Souza, APB-CD, sessão de 25 de agosto de 1830.

17 APB-CD, sessão de 26 de agosto de 1830.18 APB-CD, sessões dos meses de maio e junho de 1826.19 APB-CD, sessões dos meses de maio e junho de 1826.

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Alves Branco. Antes de entrarmos na proposta do futuro, segundo Visconde de Caravelas, no entanto, é importante compreendermos seus posicionamentos políticos já que eles lançam luz aos sentidos que um controle de contas inde-pendente adquiria em meio aos debates políticos do século XIX.

Manuel Alves Branco foi um dos mais importantes representantes dos li-berais que atuaram no parlamento brasileiro durante o primeiro reinado, sendo muito ligado ao que Sérgio Buarque de Holanda denominou como grupo liberal paulista, que tinha nas figuras de Nicolau Pereira Vergueiro, Diogo Antônio Feijó e Francisco de Paula Souza seus principais expoentes no cenário na- cional20.

Trata-se da mesma corrente de opinião que, vinte anos antes, havia de-fendido na Câmara dos Deputados a aprovação de uma lei de responsabilidade dos empregados públicos de larga abrangência e bastante severa contra even-tuais abusos cometidos pelo Executivo (Vellozo, 2017). Muito forte nesse grupo, a lógica subjacente era a de que o parlamento deveria ser portador dos poderes mais importantes e que os mecanismos de responsabilização dos funcionários da coroa eram o instrumento mais eficiente para conter a permanente invasão das prerrogativas do parlamento por parte do Poder Executivo. O programa sustentado por esse grupo incluía outras bandeiras políticas que visavam ao enfraquecimento das prerrogativas concentradas na coroa, a exemplo da cons-trução de um modelo de Estado no qual instrumentos de justiça exercidos por juízes leigos nas localidades tivessem grande força21 e da defesa da extinção do Conselho de Estado. Sendo assim, não é de se estranhar que Manuel Alves Branco, um dos mais importantes líderes desse grupo, fosse o proponente de um projeto de lei que, como veremos a seguir, tinha como principal consequência o estabelecimento de mecanismos que ampliavam o controle do parlamento sobre a execução orçamentária levada a cabo pelo Poder Executivo.

No dia 25 de agosto de 1837, Alves Branco propôs a criação de um Tri-bunal de Revisão de Contas separado do tesouro. Suas atribuições seriam tomar e rever anualmente as contas de todos os empregados de recebimento e despesa geral do Império do Brasil. Caberia a esse tribunal aprovar as contas, dando quitação para com as contas aceitas, e mandar proceder contra os “omissos e prevaricadores”. Segundo estabelecia o art. 3º da proposta, o tribunal deveria “conferir as contas parciais tomadas com os balanços ministeriais e fazer todos os anos relatórios de seus trabalhos à Assembleia Geral Legislativa”22.

20 HOLANDA, Sérgio Buarque. História geral da civilização brasileira. 6. ed. São Paulo: Difel, t. II, v. II, 1985. p. 416-472.

21 DANTAS, Mônica Duarte. Constituição, poderes e cidadania na formação do Estado-nacional brasileiro. In: Instituto Prometheus (Org.). Rumos da cidadania. A crise da representação e a perda do espaço público. São Paulo: Instituto Prometheus, v. 1, 2010. p. 19-58.

22 APB-CD, sessão de 25 de agosto de 1837.

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O embaraço colocado pelo fato de a Constituição de 1824 determinar que todos os cargos públicos eram de nomeação do Imperador era minorado por Alves Branco com a determinação de que, depois de indicados, os membros do tribunal “não poderão mais perder os seus lugares sem sentença do Poder Judiciário ou resolução da Assembleia Geral”. O presidente do Tribunal, à di-ferença do que estava consignado no caso do Tribunal do Tesouro, não seria o ministro das finanças, mas um de seus membros, sempre em caráter temporário. Desse modo, a impossibilidade do Poder Executivo de remover os membros daquele órgão contribuiria para que sua atuação pudesse se dar de modo inde-pendente.

O projeto de Alves Branco teria o apoio de alguns deputados e a oposição de outros, entre eles a de Bernardo Pereira de Vasconcelos, outrora entusiasta da instalação de um tribunal de contas independente. A essa altura, o deputado mineiro já havia realizado sua conversão conservadora, tendo se transformado em um dos líderes mais importantes do chamado Regresso, e poucos meses depois seria uma figura fundamental para a derrubada do ministério do qual Alves Branco fazia parte.

Em 12 de julho de 1845, quando os liberais estavam de volta ao poder, já no Segundo Reinado, Manuel Alves Branco ocupou novamente o ministério. Não tardou para voltar à carga com suas propostas modernizadoras das finanças públicas. Na data referida, foi até a Câmara dos Deputados e apresentou uma série de propostas. Entre elas, uma nova formulação sobre o Tribunal do Tesou-ro e a uma nova proposta de instalação de um Tribunal de Contas. O fato de o ministro ter apresentado as duas propostas em separado já demonstra que, em sua visão, as atribuições eram completamente distintas. No caso da proposta do Tribunal do Tesouro, tratava-se de mais uma versão do que já havia sido defen-dido por Barbacena e por Castro Maya em diferentes ocasiões: uma instância auxiliar do Ministério dos Negócios da Fazenda que tinha por objetivo levar a cabo o contencioso administrativo referente aos assuntos fazendários, além de estabelecer mecanismos de controle sobre a arrecadação e gestão, e preparar as peças orçamentárias a serem apresentadas ao parlamento. A novidade residia na proposição de um Tribunal de Contas, realizada pela segunda vez na história do parlamento brasileiro.

Segundo a proposta de Alves Branco, o Tribunal de Contas teria um pre-sidente e três vogais, que receberiam os mesmos ordenados e honras destinados aos membros do Tribunal do Tesouro e seriam nomeados da mesma maneira (ou seja, pelo Imperador). Depois de descrever as atribuições destes e de outros funcionários da nova instância, o projeto explicitava as atribuições do órgão:

1º Julgar anualmente as contas de todos os responsáveis por contas, seja qual for o ministério a que pertençam, mandando-lhes dar quitação quando correntes, e condenando-os, quando alcançados, a pagarem o que deverem dentro de um prazo improrrogável, de que se dará parte ao ministro e secretário de estado dos

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negócios da fazenda, para mandar proceder contra eles na forma das leis se não o fizerem.

2º Marcar os responsáveis por dinheiros públicos, o tempo em que devem apre-sentar suas contas ao secretário do tribunal; suspender os omissos, mandando prender os desobedientes e contumazes, e finalmente julgando à sua revelia as contas que tiverem de dar, pelos documentos que tiver, ou puder obter de quais-quer cidadãos, autoridades, ou repartições públicas.23

Em seu art. 9º, o projeto estipulava que o Tribunal de Contas seria

competente para julgar das provas de fato, deduzidas por documentos justificati-vos, de qualquer perda de dinheiros públicos por casos fortuitos, ou força maior; mas se no exame de qualquer conta reconhecer que o responsável cometeu no exercício de suas funções, dolo, falsidade, concussão ou peculato, dará parte ao ministro da fazenda para mandar proceder contra o mesmo na forma da lei.

Já o art. 11º fixava o modo de proceder do Tribunal:

As contas apresentar-se-hão primeiro na secretaria, donde serão remetidas à con-tadoria respectiva. O contador a fará examinar por dois oficiais, tanto no que respeita ao cálculo aritmético, como no que respeita à legalidade da arrecada-ção, ou da despesa, remetendo-a outra vez com um relatório seu à secretaria. Recebida a conta o secretário a entregará na próxima sessão do tribunal ao pre-sidente, que a distribuirá a um dos vogais, o qual depois de a examinar e fazer examinar pelos outros, a relatará em uma das sessões seguintes para ser discutida e decidida.24

Dos julgamentos das contas, caberia recurso primeiro ao próprio tribu-nal e, depois disso, ao conselho de Estado, que “decidirá a questão com voto deliberativo, não se dando mais lugar a recurso algum”25. Por fim, o art. 17º estabelecia que o Tribunal deveria apresentar

todos os anos, dentro do primeiro mês da sessão legislativa, a S.M. Imperial e ao corpo legislativo um relatório, no qual não só confira o balanço apresentado pelo governo no ano anterior com as contas tomadas a ele relativas, justificando-as uma pelas outras, como também se apresentem todas as irregularidades, omis-sões e abusos que tiver encontrado na arrecadação, fiscalização, e distribuição dos dinheiros públicos, e os defeitos das leis e regulamentos que parecerem ne-cessitar de reforma.26

A luta de Alves Branco, no entanto, foi vã, ao menos naquele momento. A polarização entre liberais e conservadores acabou por se revestir de modo mais claro em uma disjuntiva entre o fortalecimento das prerrogativas do Executivo e

23 APB-CD, sessão em 12 de julho de 1845.24 APB-CD, sessão em 12 de julho de 1845.25 APB-CD, sessão em 12 de julho de 1845.26 APB-CD, sessão em 12 de julho de 1845.

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a ampliação das atribuições do parlamento. Essa realidade ficou absolutamente clara em outros debates, como, por exemplo, naqueles relativos às atribuições do poder moderador e à existência e prerrogativas do Conselho de Estado.

Embora não nos pareça correto afirmar que a partir da década de 1850 teria se instalado um Tempo Saquarema, como afirmou Ilmar Mattos, uma hege-monia global das ideias do grupo conservador que se mantinha, mesmo quando os liberais estavam no poder, é indiscutível que, especialmente a partir dessa década, os liberais não tiveram força para impor sua pauta a ponto de conse-guirem instituir um elemento tão contundente de controle sobre as ações do Executivo quanto um tribunal de contas independente (Mattos, 1987, p. 22)27.

Desse modo, a partir da segunda metade do século XIX, a instituição de mecanismos que implementassem um controle independente das contas do governo perdeu força, praticamente saindo da pauta do parlamento. Aqui e ali, houve líderes políticos que retornaram a levantar essa ideia, inclusive entre os mais conservadores, como João Maurício Wanderley, o barão de Cotegipe, conhecido por sua militância em favor da manutenção da escravidão. A apro-vação da proposta, no entanto, teria de aguardar que a República vingasse entre nós.

CONCLUSÃOA historiografia que tratou da instituição do controle de contas entre nós

considerou que as origens da instituição estavam no início do século XIX, com a instituição do Conselho de Fazenda. Esse órgão, no entanto, não guardava qual-quer semelhança com as instituições atuais, sendo muito mais a recriação de or-ganismos outrora existentes na metrópole e que tinham como função precípua exercer o controle da fiscalidade, ou seja, garantir a arrecadação de impostos.

As propostas realizadas pelo Visconde Barbacena também não podem ser vistas sob esse prisma, especialmente a segunda, na medida em que o orga-nismo sugerido pelo senador não guardava qualquer tipo de independência em relação ao Executivo. A análise minuciosa do projeto demonstra que, na ver-dade, o Executivo se “autocontrolava”, sendo o ministro, inclusive, ele mesmo presidente do tribunal.

Os principais defensores da instauração de um mecanismo de controle de contas independente, cuja lógica fosse auxiliar o parlamento em sua tarefa de controlar o orçamento, foram os parlamentares que se identificariam com o Partido Liberal. Isso porque era da natureza desse grupo a defesa do fortaleci-mento das prerrogativas do parlamento em detrimento daquelas dos Poderes Executivo e Moderador. A expressão mais acabada dessa luta foi Manuel Alves

27 MATTOS, Ilmar R. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987.

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Branco, que, em pelo menos duas oportunidades, buscou estabelecer um órgão responsável pela realização de um controle de contas independente.

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Clipping JurídicoCompatibilidade entre deficiência de candidato e funções do cargo só pode ser avaliada no estágio probatório

Por unanimidade de votos, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a reinserção de uma candidata com deficiência em concurso público, do qual havia sido excluída porque a comissão examinadora do certame concluiu que sua deficiência seria incompatível com a função a ser desempe-nhada. O caso envolveu concurso para o cargo de escrevente técnico judiciário. A perícia da comissão examinadora considerou a candidata inapta em exame médico, por ser portadora de distonia focal, deficiência que seria incompatível com o exercício do cargo. A distonia focal pode afetar um ou mais músculos e causar contrações e movimentos involuntários. Contra a decisão da comissão, a candidata impetrou mandado de segurança, que foi negado pelo tribunal de origem. Segundo o acórdão, as questões fáticas relativas aos laudos produzidos no período de avaliação não podem ser elucidadas no mandado de segurança, em virtude de seu rito sumário especial, que não admite dilação probatória. Estágio probatório: No STJ, entretanto, o relator, ministro Francisco Falcão, observou que a avaliação da compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência da candidata só poderia ser feita por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório, conforme estabelece o art. 43, § 2º, do Decreto nº 3.298/1999. “Considerando a ilegalidade na exclusão da candidata do certame, é de se reconhe-cer o direito líquido e certo da impetrante a voltar a figurar na lista especial e geral de aprovados no concurso público para provimento de cargos de escrevente técnico judiciário”, concluiu o relator (Esta notícia refere-se ao processo: RMS 51307). (Fonte: Superior Tribunal de Justiça)

Comissão aprova proposta que facilita visualização de preços em gôndolas de supermercados

A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara aprovou pro-posta que disciplina a oferta e as formas de afixação de preços de produtos para consumidores com acuidade visual limitada, ou seja, pessoas que tenham dificuldades para visualizar as informações nas gôndolas por problema na visão. O texto aprovado é o substitutivo do deputado Aureo (SD-RJ) ao Projeto de Lei nº 8.344/2017, de autoria do deputado Rômulo Gouveia (PSD-PB). Aureo incluiu no texto a exigência de disponibilizar as informações de preço e validade dos produtos também em braile, sempre que for tecnicamente possível. A proposta aprovada determina que, nos supermerca-dos, as informações de preços deverão ser disponibilizadas de forma a permitir claro entendimento de seu conteúdo por pessoas com acuidade visual limitada, sem que essas tenham de realizar qualquer manobra física para aumentar seu entendimento da informação. A questão de que o projeto se ocupa é relevante, pois informações de preço que somente são lidas quando próximas dos olhos implicarão um constante curvar-se ou abaixar-se para a leitura de informações em prateleiras inferiores. “A re-petição dessa ação por pessoas idosas é, sem dúvida, muito desgastante. Caso as informações fossem disponibilizadas à altura da vista de uma pessoa mediana ou seu tamanho fosse ampliado para visuali-zação a distância, essa dificuldade seria certamente mitigada”, argumentou o relator. Para ele, o custo para implantação da obrigação do projeto é mínimo e seria compensado pelo aumento de afluxo de clientes de terceira idade ou com deficiência. Tramitação: O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas Comissões de Defesa do Consumidor e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Fonte: Câmara dos Deputados Federais)

Projeto concede isenção de IPI para veículo comprado por produtor rural

O deputado Heuler Cruvinel (PSD-GO) apresentou projeto de lei (PL 8.353/2017) na Câmara dos De-putados que concede isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos adquiridos por produtores rurais que exerçam a atividade, comprovadamente, há pelo menos cinco anos. A isenção vale para utilitários de fabricação nacional e para automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de até duas mil cilindradas. A proposta altera a Lei nº 8.989/1995, a mesma que concede a isenção de IPI para taxistas e pessoas com deficiência. Cruvinel explicou que o foco do projeto é reduzir o custo de veículos adquiridos por pequenos produtores rurais, como os hortifrutigranjeiros que comercializam sua produção nas Ceasas. Tramitação: O projeto tramita de forma conclusiva nas Comis-sões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Fonte: Câmara dos Deputados Federais)

Trabalhador não prova nulidade processual quando preposto substituído virou testemunha

A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou agravo regimental de um trabalhador que alegou nulidade processual por cerceamento de defesa, porque um empregado da Um Investimentos S.A.

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Corretora de Títulos e Valores Mobiliários, indicado inicialmente por ela como preposto na ação, foi substituído, e atuou como testemunha. Não há nulidade processual no caso, afirmou a relatora, ministra Kátia Magalhães Arruda. Ela explicou que, no processo do trabalho, o empregado pode ser tanto preposto quanto testemunha, não havendo nenhum impedimento para que a empresa indique-o como preposto ou testemunha – desde que, nos mesmos autos, evidentemente, o mesmo empregado não atue nas duas funções. Conforme a relatora, a exceção impeditiva não ocorreu na situação. “Não se trata de trabalhador que tenha atuado nestes autos, ao mesmo tempo, como testemunha e preposto. Também não há notícia de que fosse preposto em outros processos”, destacou. O reclamante interpôs agravo regimental contra decisão monocrática (despacho) da ministra, em que foi negado provimento ao seu agravo de instrumento. No agravo regimental, ele sustentou que o depoimento da testemunha em questão foi decisivo para a improcedência de sua ação judicial, uma vez que se distanciou da ve-racidade dos fatos ao replicar os argumentos de defesa da empresa, e que, dessa forma, jamais deveria ser aproveitado o depoimento. Mas, de acordo com a ministra, a situação verificada no caso concreto não leva à conclusão de que o empregado estaria impedido de ser ouvido como testemunha, até por não ter sido comprovado qualquer outro empecilho processual. “A questão apresentada pelo recorren-te leva apenas ao campo da valoração do testemunho admitido, cabendo às instâncias ordinárias dar o peso e o grau de credibilidade que entenderem pertinentes na fase de instrução do processo”, afirmou. Nesse sentido, a Súmula nº 126 impede o reexame de fatos e provas em sede de recurso de revista. Com o julgamento pela 6ª Turma do TST, continua valendo o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que afastou a nulidade processual. O TRT se fundamentou no seguinte: a empresa indicou um empregado como preposto; em seguida, antes da audiência inaugural, fez a substituição, indicando outro empregado como preposto e que compareceu em juízo representando a empregadora; o primeiro empregado foi ouvido como testemunha e não atuou nos autos como pre-posto. Concluiu, então, pela não aplicação do art. 447, § 2º, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual o representante da parte não pode ser testemunha (Processo: AgRg-AIRR 535-38.2010.5.02.0020). (Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região)

Transportadora é condenada a contratar deficientes e pagar indenização por danos morais co-letivos

A 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis determinou que uma transportadora da cidade contrate nove trabalhadores com deficiência para preencher a cota estabelecida em lei, além do pagamento de 27 mil reais de indenização por danos morais coletivos. Em janeiro de 2014, a empresa foi notificada a apresentar os laudos que comprovassem o número de trabalhadores reabilitados ou pessoas com deficiência. Desde então, uma série de cobranças e fiscalizações foi feita pela via administrativa na tentativa de que a empresa cumprisse as determinações legais. Em julho de 2015, a empresa informou que continuava empregando apenas uma pessoa com deficiência. Já, em março deste ano, informou ao MPT que contratou nove pessoas com deficiência; no entanto, não apresentou os documento que comprovassem a assinatura desses contratos, atitude que o Ministério Público classificou como uma possível tentativa de ludibriar o MPT. Conforme a empresa comunicou ao MPT em setembro de 2017, a empresa possui 290 empregados, número que gera uma obrigação de contratar nove pessoas com deficiência, o que corresponde a 3% do total da equipe. Na ocasião, o laudo apontou ainda que ape-nas dois trabalhadores preenchiam essa cota na equipe. Dessa forma, o MPT acionou a Justiça do Tra-balho para obrigar a empresa a cumprir a lei. Além da contratação dos empregados, a transportadora foi condenada a pagar 27,5 mil reais de indenização por danos morais coletivos. Desse total, 7,5 mil serão destinadas a crianças carentes do projeto da Associação de Escolinhas de Futebol de Rondonó-polis e os outros 20 mil serão destinados a outro projeto social a critério do MPT. O não pagamento da indenização implicará em uma multa de 100% do valor acordado. Segundo MPT, as cotas para preen-chimento de vagas de trabalho nas empresas por pessoas com deficiência possuem finalidade de inte-gração de desenvolvimento pessoal para essas pessoas. “A legislação exige o imediato cumprimento, pela empresa, da política de inserção social das pessoas com deficiência. É necessário que a empresa seja compelida a contratar beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, para a integralização de sua cota de empregados PCDs”, afirmou. A empresa se comprometeu a cumprir a legislação vi-gente durante uma audiência de conciliação realizada em novembro deste ano em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho. Conforme o art. 93 da Lei nº 8.213/1991, empresa com mais 100 funcionários está obrigada a preencher de 2 a 5% dos seus cargos com beneficiários reabili-tados ou pessoas com deficiência. A empresa que possui de 201 a 500 empregados, como é o caso da

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transportadora, deve contratar 3% do total de funcionários (PJe: 0001332-79.2017.5.23.0021). (Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região)

Suspensa restrição que impedia Roraima de celebrar convênios voltados para comunidades in-dígenas

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, deferiu liminar para suspender as inscrições do Estado de Roraima nos cadastros de inadimplência da União (Cadin, CAUC e Siafi) que estejam impedindo a celebração de quinze convênios voltados para ações sociais e serviços em comu-nidades indígenas e em municípios da faixa de fronteira. A decisão se deu durante o plantão do recesso do STF, no exame de medida cautelar na Ação Cível Originária (ACO) nº 2968. Na ACO, ajuizada em 21.12.2016 contra a União, o Estado alegou que a inscrição em cadastros de inadimplência não teria sido precedida do exercício do contraditório e não teria sido respeitado o devido processo legal. Sustenta que a restrição estaria impedindo o recebimento de transferências voluntárias de recursos federais, a renovação de contratos e convênios e a realização de operações de crédito com instituições financeiras, atuando como um meio coercitivo para o pagamento de débitos para com os órgãos ou as entidades federais. A medida estaria ainda frustrando a execução de ações em diversas comunidades indígenas, em alguns municípios localizados em área de fronteira e que se inserem no Programa Ter-ritórios de Cidadania. As propostas de convênio apresentadas a órgãos públicos federais que estariam aguardando celebração alcançam, segundo o Estado de Roraima, 18,9 milhões de reais. Decisão: Ao deferir a liminar, a ministra Cármen Lúcia destacou que os documentos trazidos nos autos eviden-ciam que o Estado de Roraima apresentou mais de uma dezena de propostas de convênio dirigidos à implementação de projetos em municípios do interior do Estado, e que essas propostas teriam tido sua aprovação obstada pela pendência de registros de inadimplência nos cadastros federais. E citou precedentes nos quais, em casos semelhantes, o STF determinou a suspensão dos efeitos dos registros, para afastar a restrição ao recebimento de transferências voluntárias de recursos federais. Segundo a ministra, a manutenção da inscrição de inadimplência pode acarretar a suspensão das transferências voluntárias de recursos pela União, o impedimento de celebração de ajustes com entes e, ainda, im-pedir a obtenção de garantia da União às operações de crédito celebradas com instituições financeiras nacionais e internacionais. “Tanto importa restrição ao acesso do ente federado a recursos essenciais para a concretização de políticas públicas em favor dos cidadãos, tendo-se por configurado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, concluiu (Processos relacionados: ACO 2968). (Fonte: Supremo Tribunal Federal)

Extinta ADPF que questionava súmula do TST sobre atraso em remuneração de férias

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), extinguiu, sem resolução do mérito, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 501, ajuizada pelo go-vernador do Estado de Santa Catarina, João Raimundo Colombo, contra a Súmula de jurisprudência predominante nº 450 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O enunciado prevê que o trabalhador re-ceberá em dobro se o empregador atrasar o pagamento da remuneração das férias. Segundo o relator, é incabível o emprego de ADPF contra enunciado de súmula de jurisprudência. O autor da ação sustenta que a súmula do TST ofende os preceitos fundamentais consubstanciados no princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF) e da legalidade e da reserva legal (art. 5º da CF). Afirma que a aplicação da regra em relação a empregados públicos vinculados a empresas públicas gera prejuízos expressivos às finanças estaduais. Para o relator, o pedido não especifica ato do Poder Público com conteúdo que possa conduzir a efetiva lesão a preceito fundamental. Segundo Moraes, o entendimento do Supremo é no sentido de que enunciados de súmula nada mais são que expressões sintetizadas de entendimentos consolidados na Corte. O ministro destacou ainda que o cabimento de ADPF somente é viável desde que observado o princípio da subsidiariedade, que exige o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais ou a verificação da inutilidade de outros meios para a preservação do preceito. “Na ADPF em questão, em lugar de se confirmar a inexistência ou a inutilidade de outro meio capaz de colocar fim à alegada violação, somente se sustenta não se contar com via mais eficaz”, observou. (Fonte: Supremo Tribunal Federal)

Fechamento da Edição: 22.01.2018

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.586, de 28.12.2017 – dou de 29.12.2017

Dispõe sobre o tratamento tributário das atividades de exploração e de desen-volvimento de campo de petróleo ou de gás natural; institui regime tributário especial para as atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos; altera as Leis nºs 9.481, de 13 de agosto de 1997, e 12.973, de 13 de maio de 2014; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 62, de 21 de novembro de 1966.

leI nº 13.576, de 26.12.2017 – dou de 27.12.2017

Dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).

leI nº 13.546, de 19.12.2017 – dou de 20.12.2017

Altera dispositivos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trân-sito Brasileiro), para dispor sobre crimes cometidos na direção de veículos auto-motores.

leI nº 13.545, de 19.12.2017 – dou de 20.12.2017

Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre prazos processuais.

leI nº 13.535, de 15.11.2017 – dou de 18.12.2017

Altera o art. 25 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para garantir aos idosos a oferta de cursos e programas de extensão pelas institui-ções de educação superior.

Fechamento da Edição: 22.01.2018

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Garantias Processuais e constitucionalismo

•A Constitucionalização do Direito na Perspec-tiva do Novo CPC: uma Mudança na Relação Interacional do Processo para a Efetivação do Estado Democrático de Direito (Luiza FerreiraOdorissi e Carla Dalenogare Castilho) ...................9

•A Incompatibilidade entre o Novo Código de Processo Civil e os Fundamentos Que Sustentam o Decisionismo, o Ativismo e o Voluntarismo Judicial (Lucas Ribeiro Moriggi) ...........................31

Autor

carla DalenoGare castilho e luiza Ferreira oDorissi

•A Constitucionalização do Direito na Perspec-tiva do Novo CPC: uma Mudança na Relação Interacional do Processo para a Efetivaçãodo Estado Democrático de Direito .........................9

lucas ribeiro moriGGi

•A Incompatibilidade entre o Novo Código de Processo Civil e os Fundamentos Que Sustentam o Decisionismo, o Ativismo e o Voluntarismo Judicial ................................................................31

luiza Ferreira oDorissi e carla DalenoGare castilho

•A Constitucionalização do Direito na Perspec-tiva do Novo CPC: uma Mudança na Relação Interacional do Processo para a Efetivação doEstado Democrático de Direito ..............................9

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

Fiscalização Da constitucionaliDaDe

•Uma Leitura sobre a Fiscalização da Constitu-cionalidade na Constituição Portuguesa (DoraResende Alves e José Augusto Silva Lopes) ..........96

meio ambiente

•A Proteção Penal do Meio Ambiente como Direito Humano Constitucional (Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro) ..............................................65

Autor

Dora resenDe alves e José auGusto silva loPes

•Uma Leitura sobre a Fiscalização da Constitu-cionalidade na Constituição Portuguesa ..............96

José auGusto silva loPes e Dora resenDe alves

•Uma Leitura sobre a Fiscalização da Constitu-cionalidade na Constituição Portuguesa ..............96

luiz Gustavo Gonçalves ribeiro

•A Proteção Penal do Meio Ambiente como Di-reito Humano Constitucional ...............................65

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

Debates sobre o controle De contas no brasil

•As Origens dos Debates sobre o Controle de Contas no Brasil do Século XIX (Julio CesarVellozo e André Lemos Jorge) ............................224

subJetiviDaDe

•Uma Transferência do Objetivo para a Subjeti-vidade (Thomas Vesting) ....................................210

Autor

anDré lemos JorGe e Julio cesar vellozo

•As Origens dos Debates sobre o Controle de Contas no Brasil do Século XIX ..........................224

Julio cesar vellozo e anDré lemos JorGe

•As Origens dos Debates sobre o Controle de Contas no Brasil do Século XIX ..........................224

thomas vestinG

•Uma Transferência do Objetivo para a Subje-tividade .............................................................210

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

ação monitória

•Civil e processo civil – Ação monitória – con-trato de relacionamento – Código de Defesa do Consumidor – Documento hábil – Revisão do contrato – limitação da taxa de juros – Capitali-zação mensal – Apelação desprovida (TRF 3ª R.) ................................................................3833, 175

aPosentaDoria esPecial De serviDor Público

•Agravo regimental em reclamação. 2. Aposenta-doria especial de servidor público estadual por-tador de deficiência. Pedido de aplicação, por

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DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .................................................................................................................247 analogia, de norma federal. 3. Ausência de vio-lação ao disposto na Súmula Vinculante nº 33. 4. Não cabimento da reclamação. 5. Agravo regi-mental a que se nega provimento (STF)....3826, 123

aPosentaDoria Por temPo De contribuição

•Previdenciário – Ação ordinária – Aposentadoria por tempo de contribuição – Reconhecimento de tempo especial – Conversão – Agente ruído– Consectários legais (TRF 1ª R.) ..............3831, 159

contrabanDo

•Penal – Processual penal – Apelação criminal – Contrabando (art. 334, § 1º, alíneas c e d, do CP) – Máquina “caça-níqueis” – Sentença de absolvição sumária – Art. 397, III, do CPP – Presença de indícios de autoria e de materia-lidade delitivas – Recurso provido (TRF 2ª R.) ................................................................3832, 171

execução Provisória

•Agravo de instrumento – Execução provisória de sentença proferida em ação civil pública – Condenação solidária – Aplicação do art. 275do CC (TRF 4ª R.) .....................................3834, 185

Gestão FrauDulenta De instituição Financeira

•Processual penal – Habeas corpus – Gestão fraudulenta de instituição financeira – execução provisória da pena – Possibilidade – Dosimetria da pena – flagrante ilegalidade – Constrangi-mento ilegal caracterizado – Habeas corpus não conhecido – Ordem concedida de ofício (STJ) ................................................................3828, 131

icms

•Agravo interno no recurso extraordinário – Tri-butário – ICMS – Correção monetária de crédi-tos escriturais – Ausência de prequestionamento das alegadas ofensas à constituição – Incidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF – Mandado de segurança – Inaplicabilidade do art. 85, § 11, do CPC/2015 – Súmula nº 512 do STF – Agravo interno desprovido (STF) ..........................3827, 127

Pensão Por morte

•Processual civil – previdenciário – pensão por morte – responsabilidade do município – Extin-ção de regime próprio de previdência – Aná-lise de lei municipal – Súmula nº 280/STF – Data da aposentadoria – Reexame do contexto fático-probatório – Súmulas nºs 5 e 7/STJ (STJ) ................................................................3830, 156

serviDor Público

•Administrativo – Servidor público – Contratação temporária – Sucessivas renovações – Ilega-lidade – Súmula nº 7 do STJ – FGTS – Direito(STJ) .........................................................3829, 151

título executivo

•Processual civil – Pagamento indevido de be-nefício previdenciário – Iliquidez do título exe-cutivo – Não inclusão no conceito de dívida ativa não tributária – Execução fiscal – Via pro-cessual inadequada (TRF 5ª R.) ................3835, 188

EMENTÁRIO

Administrativo

acumulação De carGos Públicos

•Acumulação de cargos públicos – área da saú-de – carga horária máxima semanal – possibili-dade ........................................................3836, 191

aneel

•Aneel – transferência de ativos de iluminação pública aos municípios – Resolução Norma-tiva nº 414/2010 – embargos de declaração– omissão inexistente ...............................3837, 191

ato aDministrativo

•Ato administrativo – licença de instalação e fun-cionamento – estação-rádio – lei superveniente– incidência .............................................3838, 193

concurso Público

•Concurso público – aprovação em cadastro de reserva – pretensão de nomeação – preterição por contratação temporária – falta de com- provação – existência de vagas – ilegalidade da contratação – configuração ......................3839, 194

Ambiental

ação civil Pública

•Ação civil pública – dano ambiental – reexame de provas – impossibilidade .....................3840, 196

•Ação civil pública – usurpação de patrimônio – inércia da administração pública .............3841, 196

Constitucional

Direito FunDamental

•Direito fundamental – saúde – atuação do Poder Judiciário – tratamento oncológico – possibili-dade ........................................................3842, 197

manDaDo De seGurança

•Mandado de segurança – Poder Legislativo estadual – nova convocação e eleição para membros da mesa diretora – anulação da elei-ção anterior – prejudicialidade do mandamus –matéria sub judice – impossibilidade .......3843, 198

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248 ..........................................................................................................DPU Nº 79 – Jan-Fev/2018 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Penal/Processo Penal

crime ambiental

•Crime ambiental – contra a flora – crime de dano às unidades de conservação – crime de impedimento à regeneração natural de florestas ................................................................3844, 199

crime contra a orDem tributária

•Crime contra a ordem tributária – condenação transitada em julgado – pagamento do tributo –causa de extinção da punibilidade...........3845, 199

crime De Desacato

•Crime de desacato – alegada violação do art. 5º, IV e X, da CF/1988 – controvérsia de índoleinfraconstitucional ...................................3846, 201

crime De Descaminho

•Crime de descaminho – aplicação do princípioda insignificância – impossibilidade ........3847, 202

Processo Civil e Civil

ação anulatória

•Ação anulatória – inscrição indevida do nome do autor nos cadastros restritivos de crédito – responsabilidade objetiva ........................3848, 202

ação De busca e aPreensão

•Ação de busca e apreensão – contrato de aliena-ção fiduciária de veículo .........................3849, 202

ação De cobrança

•Ação de cobrança – cotas condominiais – obri-gação propter rem ...................................3850, 203

ação De consiGnação em PaGamento

•Ação de consignação em pagamento – contri-buição sindical – ofensa ao art. 535 do CPC – não configuração .....................................3851, 203

ação De inDenização

•Ação de indenização – dano moral e lucros cessantes – direito autoral – estabelecimento comercial – motel – prescrição trienal – hono-rários de sucumbência – cálculo ..............3852, 204

Trabalhista/Previdenciário

bancário

•Bancário – doenças ocupacionais – tendinose e epicondilite – nexo de causalidade – responsabi-lidade do empregador – alcance ..............3853, 204

comissões

•Comissões – remuneração variável – não ha-bitualidade – irrelevância – integração em to-das as verbas – alcance ............................3854, 205

contrato De trabalho

•Contrato de trabalho – demissão seguida de contratação em curto espaço de tempo – unici-dade – reconhecimento ...........................3855, 205

Tributário

cDa•CDA – redirecionamento – sócio – dissolução

irregular – não configuração ....................3856, 206

certiDão De DíviDa ativa

•Certidão de dívida ativa – presunção de certe-za e liquidez – art. 3º da Lei nº 6.830/1980 –cabimento ...............................................3857, 207

coFins

•Cofins – isenção – associação civil sem fins lucrativos – cursos/palestras/feiras/patrocínio –não configuração .....................................3858, 207

execução Fiscal

•Execução fiscal – FGTS – penhora sobre imóvel – suspensão do feito – cabimento ............3859, 208

CLIPPING JURÍDICO

•Comissão aprova proposta que facilita visua-lização de preços em gôndolas de supermer-cados .................................................................242

•Compatibilidade entre deficiência de candida-to e funções do cargo só pode ser avaliada noestágio probatório ..............................................242

•Extinta ADPF que questionava súmula do TSTsobre atraso em remuneração de férias ..............244

•Projeto concede isenção de IPI para veículocomprado por produtor rural .............................242

•Suspensa restrição que impedia Roraima de celebrar convênios voltados para comunidadesindígenas ...........................................................244

•Trabalhador não prova nulidade processual quando preposto substituído virou testemunha ....242

•Transportadora é condenada a contratar defi-cientes e pagar indenização por danos moraiscoletivos ............................................................243

RESENHA LEGISLATIVA

leis

•Lei nº 13.586, de 28.12.2017 – DOU de 29.12.2017 ........................................................245

•Lei nº 13.576, de 26.12.2017 – DOU de27.12.2017 ........................................................245

•Lei nº 13.546, de 19.12.2017 – DOU de20.12.2017 ........................................................245

•Lei nº 13.545, de 19.12.2017 – DOU de 20.12.2017 ...................................................245

•Lei nº 13.535, de 15.11.2017 – DOU de18.12.2017 ........................................................245