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Direito Público ANO XII – Nº 68 – MAR-ABR 2016 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CONSELHO TÉCNICO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFT), Alvaro Cruz (PUC Minas), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Anderson Teixeira (Unisi‑ nos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Sarmento (UERJ), Ederson Porto (Unisinos), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando Rodrigues Martins (UFU, Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP), Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Sarlet (PUC‑RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo)Joaquim Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade Federal da Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS), Maria Claudia Antunes (Univali), Marinella Araujo (PUC Minas), Pierdo‑ menico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Salete Oro Boff (IMED Faculdade Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger (Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Wilson Engelmann, (Unisinos) COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alvaro Luis de A. S. Ciarlini, Gretha Leita Maia, Ignácio Nunes Fernandes, Osvaldo Ferreira de Carvalho, Rafael de Oliveira Costa, Renato de Almeida Oliveira Muçouçah ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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Direito PúblicoAno XII – nº 68 – MAr-Abr 2016

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato

Dalide Correa

edItor-chefePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula

Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano

(Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira

Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

conselho técnIco edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFT), Alvaro Cruz (PUC Minas), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Anderson Teixeira (Unisi‑

nos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Sarmento (UERJ), Ederson Porto

(Unisinos), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando Rodrigues Martins (UFU, Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira

Mendes (IDP), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP), Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Sarlet (PUC‑RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio

Eufrásio Toledo)Joaquim Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade Federal da

Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS), Maria Claudia Antunes (Univali), Marinella Araujo (PUC Minas), Pierdo‑menico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Salete Oro Boff (IMED Faculdade

Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger (Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Wilson Engelmann, (Unisinos)

colAborAdores destA edIçãoAlvaro Luis de A. S. Ciarlini, Gretha Leita Maia, Ignácio Nunes Fernandes,

Osvaldo Ferreira de Carvalho, Rafael de Oliveira Costa, Renato de Almeida Oliveira Muçouçah

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 12, n. 68; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

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Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

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Carta do Editor

Este número da Direito Público toca em tema crucial para a arquitetura jurídica e política do nosso sistema constitucional – a seguridade social e a judi-cialização dos seus aspectos essenciais. A seguridade social é direito fundamen-tal dependente, para a sua eficácia elementar, de esforços financeiros públicos e desafia constantemente o analista do Direito, no campo da compreensão da eficácia mínima dos direitos dessa ordem e sob o aspecto da desconcertante dependência existencial desse direito para com os poderes constituídos de ín-dole política (o Legislativo e o Executivo). De fato, os direitos fundamentais, que devem a sua origem ao intuito de impor os seus ditames aos Poderes cons-tituídos, depende, quanto a esse direito eminentemente social, desses mesmos Poderes para ganhar concretitude que os dote de significado. A judicialização da polêmica agrega ao assunto outros tantos fatores de inquietude, trazendo à baila questões suscitadas pelas implicações necessárias sobre o princípio básico da separação dos poderes. A revista busca enfrentar alguns ângulos das contro-vérsias nascidas do fenômeno da assunção pelo Judiciário da efetivação desses direitos sociais. Esperamos que a leitura seja convidativa e estimulante!

Paulo G. Gonet Branco

Editor-Chefe

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Direito FunDamental à Segurança Social

DoutrinaS

1. O Direito Fundamental à Segurança Social e Seu Panorama na Ordem Constitucional BrasileiraOsvaldo Ferreira de Carvalho .....................................................................9

2. A Posição do Município no Sistema Único de Saúde – Reflexões a Respeito da Solidariedade no Cumprimento das Políticas Públicas de Assistência FarmacêuticaAlvaro Luis de A. S. Ciarlini......................................................................24

JuriSpruDência

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................40

2. Ementário .................................................................................................66

Parte GeralDoutrinaS

1. O Direito dos Servidores Públicos à Negociação ColetivaRenato de Almeida Oliveira Muçouçah ...................................................73

2. Dubitando Ad Veritatem Parvenimus: da Responsabilidade do Legislador por Improbidade Administrativa na Edição de Leis Inconstitucionais de Efeitos ConcretosRafael de Oliveira Costa ...........................................................................95

JuriSpruDência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................109

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................120

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................124

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................129

5. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................139

ementário

1. Administrativo ........................................................................................145

2. Ambiental ..............................................................................................153

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3. Constitucional ........................................................................................1634. Penal/Processo Penal..............................................................................1685. Processo Civil e Civil ..............................................................................1756. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................1807. Tributário ...............................................................................................183

Seção EspecialteoriaS e eStuDoS cientíFicoS

1. A Resistência à Efetivação dos Direitos Fundamentais no BrasilGretha Leite Maia ...................................................................................190

Doutrina eStrangeira

1. Algunas Consideraciones Acerca de la Justicia Juvenil en Argentina y Brasil: La Discusión Sobre la Reducción de la Imputabilidad Penal como Máximo del IrracionalismoIgnácio Nunes Fernandes .......................................................................205

Clipping Jurídico ..............................................................................................227

Resenha Legislativa ..........................................................................................237

Bibliografia Complementar .................................................................................238

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................239

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEWTodos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo

Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os con-vites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Pú-blico.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 9-23, mar-abr 2016

Direito Fundamental à Segurança Social

O Direito Fundamental à Segurança Social e Seu Panorama na Ordem Constitucional Brasileira

The Fundamental Right to Social Security and Its View on the Brazilian Constitutional Order

OSvALDO FERREIRA DE CARvALhODoutorando em Direito pela Universidade de Lisboa, Professor Universitário.

Submissão: 20.12.2014Decisão Editorial: 29.02.2016Comunicação ao Autor: 29.02.2016Origem do artigo: Lisboa/Portugal

RESUMO: Este artigo versa sobre o direito fundamental à segurança social e seu panorama na ordem constitucional brasileira, de modo que a segurança social se caracteriza como um sistema de pro‑teção e justiça social. Neste estudo, sustenta‑se que a segurança social é um direito fundamental público subjetivo, irrenunciável, inalienável e intransmissível. Pretende‑se, ainda, elucidar que, em nosso sistema jurídico‑constitucional, a justiça social é o fim da ordem social e se exprime na equâ‑nime distribuição dos benefícios sociais para quantos deles necessitem e que a segurança social é o modelo protetivo que se destina a institucionalizar os seus preceitos. Além disso, indicam‑se os princípios regentes da segurança social no plano constitucional.

PALAVRAS‑CHAVE: Segurança social; direito fundamental; princípios.

ABSTRACT: This article focus on the fundamental right to social security and its view in the Brazilian constitutional order, so that social security is characterized as a system of protection and social justice. In this study, support that social security is a subjective public fundamental right, inalienable, indivisi‑ble and non‑transferable. The purpose this article is to also clarify that in our legal and constitutional system, social justice is the end of Social Order and is expressed in the equitable distribution of social benefits for those who need them and social security is the protective model that is designed to ins‑titutionalize its precepts. In addition, it is indicated the governing principles of social security at the constitutional level.

KEYWORDS: Social security; fundamental right; principles.

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10 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 9-23, mar-abr 2016

SUMÁRIO: Introdução; 1 A ideia de segurança social; 1.1 Do direito à saúde; 1.2 Do direito à previ‑dência social; 1.3 Do direito à assistência social; 2 Princípios da segurança social; 2.1 Noção de prin‑cípios; 2.2 Princípio da solidariedade; 2.3 Princípio da universalidade; 2.4 Princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços a populações urbanas e rurais; 2.5 Princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; 2.6 Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios; 2.7 Princípio da equidade na forma de participação no custeio; 2.8 Diversidade da base de financiamento; 2.9 Princípio do caráter democrático e descentralizado da gestão do sistema; 2.10 Princípio da contrapartida ou da precedência de custeio; 2.11 Regra nonagesimal ou da trimes‑tralidade na cobrança das contribuições previdenciárias; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOO debate acerca da segurança social tem alcançado mais abundante re-

ceptividade no meio acadêmico. A segurança social foi erigida à categoria de direito fundamental no elenco dos direitos fundamentais sociais do art. 6º da Constituição brasileira de 1988. Ademais, tratou-se de consagrar, em seu tex-to, um regime constitucional da segurança social (ou seguridade social) – essa última expressão foi a escolhida pelo constituinte brasileiro –, ao abarcar os três eixos: saúde, previdência social e assistência social. Neste artigo, vamos privilegiar a designativo segurança social por ser o mais adequado uso no plano técnico-linguístico.

Este artigo objetiva, pois, traçar um panorama o mais abrangente possível quanto à formatação da segurança social pelo regime constitucional brasileiro que busca atender a padrões adequados de bem-estar social e, acima de tudo, com o escopo de assegurar a todos uma vida digna e saudável.

O direito à segurança social constitui um típico direito social de natureza positiva cuja realização exige o fornecimento de prestações por parte do Estado, impondo-lhe verdadeiras obrigações de fazer e de prestar. O direito à seguran-ça social impede a sua revogação, mas não a sua reforma, e confere a todas as pessoas o direito aos benefícios assegurados pelo sistema.

A segurança social como política social é método de economia coletiva. Sendo método de economia coletiva, a comunidade é chamada a fazer um pacto técnico-econômico em que a solidariedade social é a que serve de guia.

Assim, procurar-se-á delinear a ideia de segurança social coligada com a concepção de solidariedade, bem como os principais princípios regentes da segurança social.

1 A IDEIA DE SEGURANÇA SOCIAL

Com o final da Segunda Guerra, um novel conceito de proteção social surgiu com a instituição do Estado de Bem-Estar (Welfare State): o conceito de segurança social.

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������11

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n� 68, 2016, 9-23, mar-abr 2016

O conceito de segurança social como hoje concebemos lança suas raízes no Relatório Beveridge apresentado ao Parlamento Britânico em novembro de 1942 por Sir. William Henry Beveridge. Há dois modelos de proteção social: o continental (alemão de 1883) e o atlântico (inglês de 1942)1. O modelo conti-nental origina-se no modelo alemão de Bismarck e tem como característica a contributividade. Já o modelo atlântico de proteção social lança raízes mais re-motas na política do Presidente Roosevelt ao implementar a política New Deal fulcrado na filosofia do Welfare State.

A segurança social como sistema visa ao alcance do bem-estar e justiça sociais. O direito à segurança social constitui um dos mais elementares direitos à sobrevivência e à existência condigna2. A segurança social é um sistema em que o Estado garante a libertação da necessidade3. A segurança social é a forma que o Estado tem de assegurar aos cidadãos uma tutela de base que ampara suas necessidades essenciais.

No quadro do sistema jurídico em geral e também do direito à segurança social, há um princípio que serve de pedra angular: a dignidade da pessoa hu-mana4. Tal princípio não é uma mera abstração, não representa uma pura idea-lidade, visto que sua qualidade de princípio jurídico vigora em regra mediante normas positivas e realiza-se por consenso social que suscita ao se projetar “[...] na consciência jurídica constituinte da comunidade”5.

A garantia que assegura a satisfação das necessidades essenciais faz nas-cer, para os integrantes da sociedade, o direito público subjetivo oponível con-tra o Estado quando este não cumpre as garantias fixadas constitucionalmente com o nítido objetivo de assegurar a todos uma vida digna e saudável. Tal pano-rama guarda sintonia com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mais precisamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19486, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 19667, as-sim como, no âmbito do Sistema Regional Interamericano, a Declaração Ame-ricana de Direitos e Deveres do Homem (1948)8 e o Protocolo de San Salvador

1 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 10. ed. compl., rev. e ampl. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 120.

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada. 4. ed. rev. São Paulo: RT; Coimbra, PT: Coimbra Editora, v. 1, 2007. p. 814.

3 O estado de necessidade, em termos gerais, pode ser definido como um estado de insuficiência do indivíduo, dentro de seu meio social ou de carência de bens e serviços suficientes para uma digna subsistência.

4 LOUREIRO, João Carlos. Constituição da segurança social: sujeitos, prestações e princípios. Separata de: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. LXXXIV, p. 192, 2008.

5 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2012. p. 48.

6 Art. 25, n. 1.7 Art. 9º.8 Art. 16.

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12 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 9-23, mar-abr 2016

Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Di-reitos Econômicos Sociais e Culturais de 19889.

O direito à segurança social é público, subjetivo, irrenunciável, inalie-nável e intransmissível. Para o Professor Wagner Balera, o Sistema Nacional de Seguridade (Segurança) Social, do ponto de vista sistemático, visa à implemen-tação do ideal estágio de bem-estar e da justiça sociais, e, para a construção dessa estrutura, o legislador adotou técnicas de seguro social (previdência so-cial) e de seguro privado (previdência complementar)10.

Logo, para Wladimir Novaes Martinez, a seguridade (segurança) social constitui técnica de proteção social ao abarcar “[...] um completo plano de be-nefícios, seletivo e distributivo, arrolando prestações assistenciárias e serviços sociais custeados globalmente por toda a sociedade de consumidores, mediante exações tributárias ou não”11. O objetivo principal continua sendo o indivíduo socialmente tido, não se estendendo ao seu patrimônio.

1.1 do dIreIto à sAúde

Saúde como direito fundamental de todos nada mais é do que uma for-ma, meio, instrumento de se garantir uma existência de vida digna aos integran-tes da comunidade local e global.

Para além da vinculação com o direito à vida, o direito à saúde (aqui considerado em sentido amplo) encontra-se umbilicalmente atrelado à proteção da integridade física (corporal e psíquica) do ser humano, igualmente posições jurídicas de fundamentalidade indiscutível12.

Já se vislumbra a razão pela qual, precisamente no caso do direito à saú-de, merece tanto destaque a circunstância – comum, em termos gerais, porém com significativas variações, a outros direitos fundamentais (como é o caso da moradia) – tão bem percebida por João Carlos Loureiro, no sentido de que a saúde é um bem fortemente marcado pela interdependência com outros bens e direitos fundamentais, apresentando, de tal sorte, “[...] zonas de sobreposição com esferas que são autonomamente protegidas”13, como é o caso da vida,

9 Art. 9º – Direito à Previdência Social.10 BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. São Paulo: LTr, 2000. p. 11.11 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 3. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 292.12 Nesse sentido: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito

constitucional. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014. p. 592.13 LOUREIRO, João Carlos. Direito à (proteção da) saúde. Separata de: Estudos em Homenagem ao Professor

Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, Coimbra, p. 666, 2006.

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integridade física e psíquica, privacidade, educação, ambiente, moradia, ali-mentação e trabalho14.

O conceito inclusivo de saúde expressa a organização social e econô-mica do país, o que situa nítida e intencionalmente o direito à saúde como elemento basilar da construção da cidadania brasileira.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua saúde como o estado de completo bem-estar físico, social e mental, e não simplesmente a ausência de dores ou enfermidades.

A saúde apresenta ainda uma dimensão coletiva e individual. A dimen-são coletiva é caracterizada pelo estabelecimento de marcos mínimos de defesa e fiscalização da saúde pública (controle sanitário dos alimentos e produtos de consumo humano, controle na produção de medicamentos etc.). Nessa dimen-são, o conceito de medicina social é essencialmente ativo e dirigido, e tem por objetivo não apenas a recuperação biológica dos doentes, mas a manutenção e a preservação do estado de saúde satisfatório em toda a população.

Por sua vez, a dimensão individual abarca o enfoque preventivo e repa-rador (ou curativo). Preceitua o art. 196 da CF/1988 o seguinte:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políti-cas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promo-ção, proteção e recuperação.

O art. 196 da Constituição garante o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Veicula, a bem do rigor, princípios de observância obrigatória pelo administrador. O princípio da universalidade indica que todo ser humano, ante sua condição humana inerente, tem direito e acesso às pres-tações de saúde. Observam-se, todavia, sempre os limites e parâmetros do prin-cípio federativo que veda tratamento diferenciado aos integrantes da sociedade com fulcro no art. 19, III, da Constituição Federal.

Além disso, só o acesso igualitário assegura a correta distribuição dos recursos públicos na área de saúde, promovendo, pois, a equidade no sistema. Em resumo, a garantia do direito à vida traz, como primeiro pressuposto, a efe-tividade do direito constitucional do direito à saúde.

O direito à saúde não é algo de secundário ou supérfluo, conforme lição de Ana Paula de Barcellos, mas compreende, por seu turno, uma posição sub-

14 LOUREIRO, João Carlos. Direito à (proteção da) saúde. Separata de: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, Coimbra, p. 666, 2006.

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jetiva vinculada à satisfação de uma necessidade vital, pressuposto essencial da dignidade humana15.

1.2 do dIreIto à prevIdêncIA socIAl

A previdência social originou-se das lutas por melhores condições de tra-balho as quais resultaram em diferentes sistemas protetivos, de acordo com as situações de cada indivíduo envolvido. Alguns limitaram a proteção ao neces-sário à sobrevivência, enquanto outros foram além, buscando implementar até a substituição plena da remuneração. Tais variações colocam em destaque as diferentes estruturas dos sistemas de proteção. Basicamente, todos pretendiam uma previdência social como garantia, ao menos, do mínimo vital, de modo viável financeiramente16.

A previdência social, no direito positivo brasileiro, é fixada como com-ponente da seguridade social., haja vista a previsão do art. 194 da Constituição. Da mesma forma, é tradicionalmente apontada como direito fundamental de segunda dimensão17, configurando garantia positiva típica do Estado Social18. A previdência social é direito social consagrada no art. 6º da Constituição bra-sileira, geograficamente localizada dentro do título Dos Direitos e Garantias Fundamentais. A jusfundamentalidade dos direitos sociais, como é o caso da previdência social, é consequência inequívoca da elevação da dignidade da pessoa humana à centralidade do ordenamento jurídico.

Na passagem do Estado Liberal para o Estado Social, o Estado empenha--se, então, consciente e deliberadamente, no processo produtivo, na redistribui-ção do produto social e na direção ou mesmo planificação do processo econô-mico. A justiça social e a prossecução da igualdade material – e não já apenas da igualdade perante a lei – são elevadas a fins essenciais do Estado, que assim se afirma como Estado Social19.

15 BARCELLOS, Ana Paula. O direito a prestações de saúde: complexidades, mínimo existencial e o valor das abordagens coletiva e abstrata. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Org.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 825.

16 IBRAHIM, Fábio Zambitte. A previdência social como direito fundamental. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 1054.

17 A propósito, veja-se: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito cons­titucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 137-138.

18 O Estado Social de Direito, também denominado de Estado do Bem-Estar, distingue-se justamente por ter avocado para si a tarefa de realização da justiça social, de tal modo que, juntamente com os direitos sociais, pode ser rotulado ao mesmo tempo produto, complemento, corretivo e limite do Estado Liberal de Direito e dos clássicos direitos de defesa de matriz liberal-burguesa. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 235.

19 NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da República portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 31.

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Por qualquer setor dogmático, desde o liberalismo libertário até as ver-sões comunitárias de sociedade, passando pelo procedimentalismo haberma-siano, os direitos sociais, e a previdência social em particular, ocupam lugar de relevo, como instrumentos de garantia da liberdade real, da vida ordenada e da democracia. O seguro social é o meio capaz de materializar a necessária e possível integração entre liberdade e igualdade20.

O mundo ocidental tem adotado, de modo contundente, uma predileção pelo modelo de seguro social, estabelecendo um custeio específico, com base nas remunerações e nos benefícios fixados a partir daquelas, limitando-se a ação governamental à manutenção da vida digna.

Um sistema previdenciário eficaz, em conjunto com outras ações sociais, não deve limitar-se à garantia do mínimo vital, mas atender aos riscos sociais crescentes em uma sociedade pós-moderna, com a garantia de uma remune-ração compatível e inclusão social efetiva. O sistema previdenciário, repita-se, não busca tão somente a manutenção de um mínimo de sobrevivência, mas algum valor que permita ao segurado uma vida digna.

De todo modo, a previdência social, ao buscar assegurar a cada um dos integrantes do universo de protegidos o mínimo essencial para a vida, vai além da função protetiva. Pouco refletido é o papel igualmente relevante de instru-mento do desenvolvimento econômico e social, o que é desejável em qualquer concepção de Estado no mundo ocidental. Não obstante as vantagens já visí-veis da globalização, estas não produziram o desenvolvimento sustentável ou a redução das desigualdades sociais. Em muitos casos, a globalização apenas serviu para extremar as desigualdades, sobretudo entre comunidades mais bem amparadas, em detrimento de países em desenvolvimento.

A política de proteção social deve deixar de ser vista como um gargalo ao crescimento econômico, mas, sim, como verdadeiro pressuposto para a cons-trução de uma sociedade livre, justa e solidária.

1.3 do dIreIto à AssIstêncIA socIAl

A assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, é política de segurança social não contributiva que provê os mínimos sociais. É concretizada mediante um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento às necessidades básicas.

20 IBRAHIM, Fábio Zambitte. A previdência social como direito fundamental. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 1062.

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Quanto ao regime constitucional de assistência social ou assistência aos desamparados, configura-se como a expressão máxima do princípio da solida-riedade e mesmo do respeito à dignidade da pessoa humana, porquanto repre-senta proteção político-jurídica especial destinada a indivíduos e grupos sociais vulneráveis ou necessitados21.

O art. 203 da Constituição Federal de 1988 preceitua que

a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promo-ção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Os sujeitos protegidos são todos aqueles que não possuem renda para en-frentar a sua própria subsistência, nem família que os ampare, ou seja, pobres, na acepção jurídica do termo.

Além disso, como destacado no texto constitucional, a obrigação estatal de prestar assistência social independe de contribuição à seguridade social, daí o caráter solidário e redistributivo de tal prática.

A primeira manifestação institucionalizada de assistência social no mun-do é comumente atribuída a uma lei inglesa de 1601, a Lei dos Pobres (Poor Law)22.

Na França, a Revolução de 1789 institucionalizou uma nova relação en-tre o indivíduo e o Estado que contribuiu para a estrutura atual da assistência. Apesar de não ter dado frutos legislativos substanciais, os trabalhos desenvol-vidos pelo Comitê de Medicité de L’Assemblée Constituante conferiu traços de originalidade ao assistencialismo, ao reconhecer que a desestruturação das classes sociais estabelecidas no Ancien Régime, o laicismo estatal e a genera-lização da proteção solidária transmudaram a assistência social de um favor voluntário em direito subjetivo23.

21 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014. p. 623.

22 PEDRO, Maria Esther Gómez de. El Estado del Bienestar: presupuestos éticos y políticos. Madrid: Fundación Universitaria Española, 2002. p. 257.

23 TAVARES, Marcelo Leonardo. Assistência social. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 1124.

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A Constituição Federal de 1988 reuniu as coberturas de previdência, as-sistência e saúde em um sistema de segurança social, imantando-as com prin-cípios e objetivos comuns (art. 194). Além disso, consolidou a assistência como um conjunto de prestações vinculadas aos princípios básicos fundamentadores do Estado Social e Democrático de Direito, em especial à dignidade da pessoa humana.

A assistência social é um direito fundamental social e representa para o Estado um dever a ser realizado mediante ações diversas que visem a atender às necessidades básicas do indivíduo, em situações críticas da existência humana, como maternidade, infância, adolescência, velhice e para as pessoas que têm limitações físicas.

As prestações de assistência social são destinadas a indivíduos sem con-dições de prover o próprio sustento de forma permanente ou provisória, inde-pendentemente se, individualmente, eles contribuem para o sistema de segu-rança social.

2 PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA SOCIAL

2.1 noção de prIncípIos

O conceito de princípios, consoante elucida João Carlos Loureiro, assu-me uma pluralidade de sentidos que vão desde um plano fundacional a uma perspectiva metodológica24. Sob esse influxo, utilizaremos a formulação prin­cípios25 para designar as linhas de força constitucionais que tecem o direito à segurança social.

Os princípios representam a consciência jurídica da sociedade. Possuem a elevada missão de velar pelos valores eternos do homem. Os princípios são alicerces da ciência. Como ideias jurídicas materiais, são manifestações espe-ciais da ideia de Direito26.

24 LOUREIRO, João Carlos. Constituição da segurança social: sujeitos, prestações e princípios. Separata de: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. LXXXIV, p. 191, 2008.

25 Para Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio é “[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 807-808).

26 Nesse sentido: HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 10. ed. compl., rev. e ampl. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 90.

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2.2 prIncípIo dA solIdArIedAde

O princípio fundante de um sistema de segurança social é o da solidarie-dade. O art. 3º, I, da Constituição Federal de 1988 estabelece que um dos ob-jetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. O sistema público de segurança social não é exclusivo, coexistindo com formas cooperativas e sociais de solidariedade.

A ideia de solidariedade salienta que o sistema de segurança social pres-supõe a responsabilidade coletiva das pessoas e o concurso do Estado para a realização das finalidades do sistema em relação a todos, como garantia da coesão social. Segundo Canotilho e Vital Moreira, o princípio da solidariedade comporta várias dimensões: (1) solidariedade nacional, expressa na ideia de transferência de recursos entre os cidadãos; (2) solidariedade laboral, traduzi-da na existência e funcionamento de mecanismos redistributivos no âmbito de proteção de base profissional; (3) solidariedade intergeracional, assente na com-binação de métodos de financiamento em regime de repartição e de capitali-zação; (4) solidariedade particular pela contribuição de instituições particulares (igrejas, empresas) para os objetivos da segurança social27.

Solidariedade social significa a contribuição do universo dos protegidos em benefício da minoria28. Precisamos eliminar a ideia de que os benefícios previdenciários só são concedidos a quem está em situação de impossibilidade de obtenção de recursos para sustento pessoal e de sua família, pois isso não corresponde à totalidade das situações. O sistema protetivo visa a amparar ne-cessidades sociais que acarretem a perda ou a diminuição de recursos, bem como situações que provoquem o aumento de gastos. No momento da contri-buição, é a sociedade quem contribui; no momento da percepção da prestação, é o indivíduo quem usufrui. Daí vem o pacto de gerações ou princípio da soli-dariedade entre gerações. Os não necessitados de hoje, contribuintes, serão os necessitados de amanhã, custeados por novos não necessitados que surgem29.

A solidariedade assenta no valor da dignidade. A solidariedade perante os mais vulneráveis é, pois, uma exigência da própria dignidade30.

27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada. 4. ed. rev. São Paulo: RT; Coimbra, PT: Coimbra Editora, v. 1, 2007. p. 815.

28 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 10. ed. compl., rev. e ampl. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 93.

29 Nesse sentido: HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 10. ed. compl., rev. e ampl. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 93.

30 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição portuguesa anotada. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, v. 1, 2010. p. 91-92.

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2.3 prIncípIo dA unIversAlIdAde

A universalidade é uma característica dos direitos humanos como di-reitos de todas as pessoas. As prestações decorrentes do sistema de segurança social devem ser destinadas às pessoas que delas necessitem, da forma o mais abrangente possível.

O princípio da universidade afirma que o direito à segurança social é um direito de todos, e não restrito aos cidadãos de um específico Estado31. O princípio da universalidade não somente não consente situações de pessoas sem cobertura social como retira base constitucional àquelas situações em que certas categorias de pessoas, embora cobertas por esquemas privativos de se-gurança social, se mantêm fora do sistema público, as quais já deviam ter sido integradas no sistema público32.

2.4 prIncípIo dA unIforMIdAde e equIvAlêncIA dos benefícIos e servIços A populAções urbAnAs e rurAIs

Por uniformidade, deve-se entender a vedação de proteção social diversa às populações urbanas e rurais. Como vivemos num Estado de segurança social, adota-se o designativo populações urbanas e rurais e não mais trabalhadores urbanos e rurais.

A Constituição brasileira vedou o tratamento desigual para a população urbana e rural, corrigindo distorção histórica. A expressão equivalência fornece dimensão econômica aos serviços prestados e refere-se à igualdade geométrica, à equivalência de proporções. A dimensão da prestação da segurança social é efetivada pela própria sociedade, que define sua participação na elaboração dos planos de segurança social e na elaboração do orçamento próprio.

Por equivalência, deve-se entender a vedação do estabelecimento de critérios diversificados para cálculo dos benefícios previdenciários. A unifor-midade indica mesmo nível de proteção para as populações urbanas e rurais33.

Com o disciplinamento da Constituição Federal de 1988, por meio das Leis nºs 8.212/1991 e 8.213/1991, temos apenas uma previdência social que abrange as populações urbanas e rurais. A intenção constitucional é a elimi-nação completa de qualquer discriminação entre essas duas populações. Só o tempo nos dirá se foi alcançado este objetivo constitucional.

31 LOUREIRO, João Carlos. Constituição da segurança social: sujeitos, prestações e princípios. Separata de: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. LXXXIV, p. 201, 2008.

32 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada. 4. ed. rev. São Paulo: RT; Coimbra, PT: Coimbra Editora, v. 1, 2007. p. 816.

33 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 10. ed. compl., rev. e ampl. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 103.

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2.5 prIncípIo dA seletIvIdAde e dIstrIbutIvIdAde nA prestAção dos benefícIos e servIços

A seletividade é um objetivo de contraposição ao da universalidade. Um ameniza o outro. Enquanto, objetivamente, a universalidade determina que o Estado procure proteger a pessoa da maior gama possível de situações, a seleti-vidade possibilita a ponderação dos critérios de atendimento pela necessidade, dando vantagem aos mais carentes34.

A regra da distributividade autoriza a escolha de prestações que, sendo direito comum a todas as pessoas, contemplam de modo mais abrangente os que demonstrem possuir maiores necessidades.

2.6 prIncípIo dA IrredutIbIlIdAde do vAlor dos benefícIos Este princípio comporta dois aspectos, a saber: o da irredutibilidade no-

minal e a irredutibilidade real do valor. Segundo Wagner Balera, a prestação pecuniária “não pode sofrer modificação nem em sua expressão quantitativa (valor nominal), nem em sua expressão qualitativa (valor real)”35.

O princípio da irredutibilidade visa a manter o poder real de compra, protegendo os benefícios dos efeitos maléficos da inflação.

O que a Constituição Federal assegura é que os benefícios deverão sofrer reajuste periódico que lhe garanta a manutenção, em caráter permanente, do valor real. Agora, se este reajuste será pautado pela adoção de um determina-do índice, apurado por determinada instituição, ou mesmo pela periodicidade deste reajuste, são aspectos não definidos pela norma constitucional. Esse deta-lhamento ficou sob o encargo do legislador ordinário.

2.7 prIncípIo dA equIdAde nA forMA de pArtIcIpAção no custeIo

O princípio da equidade pode ser entendido como justiça e igualdade na forma de custeio. Decorre da capacidade econômica do contribuinte prevista no art. 145, § 1º, da Constituição Federal. O princípio da equidade na forma de participação no custeio possui um plus especializante perante o princípio da capacidade contributiva, obrigando o legislador ordinário, no exercício do seu mister, a considerar outros fatores da atividade econômica da empresa como condições de trabalho, número de trabalhadores, benefícios sociais concedidos pelo tomador aos trabalhadores. O art. 195, § 9º, da Constituição Federal indica os elementos para a busca da equidade na forma de participação do custeio.

34 CUNHA, Luiz Cláudio Flores da. Direito previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 39.

35 BALERA, Wagner. Introdução ao direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1998. p. 51.

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2.8 dIversIdAde dA bAse de fInAncIAMento

A Constituição prevê diversas bases de sustentação do sistema de segu-rança social, visando dar segurança e estabilidade. A diversidade de base de financiamento está expressa no art. 195, caput, I, II, III e IV.

A segurança social será financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais: (a) dos empregadores, incidem sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, a pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (EC 20), a receita ou o faturamento (EC 20) e o lucro (EC 20); (b) dos trabalhadores e demais segurados da previdência social, não incidindo contribuições sobre aposentadorias e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social; (c) sobre a receita de concursos de prognósticos; (d) do importador de bens ou serviços ou de quem a lei a ele equiparar.

Caso as bases estabelecidas constitucionalmente para financiamento da seguridade social revelarem-se insuficientes, surge a possibilidade da utilização de um mecanismo de emergência expresso no art. 195, § 4º, da CF/1988, ao preceituar que a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manu-tenção ou expansão da segurança social, obedecido o disposto no art. 154, I, da Constituição Federal.

2.9 prIncípIo do cAráter deMocrátIco e descentrAlIzAdo dA gestão do sIsteMA

Informa o princípio da gestão democrática e descentralizada que a ad-ministração dos negócios referentes à segurança social, em todos os seus níveis – desde a fase de planejamento orçamentário (a fase em que se descobre o montante de recursos necessários para custear todos os benefícios e serviços), passando pela aplicação desses recursos, chegando até o acompanhamento dos programas –, deve contar com a efetiva participação dos empregados, emprega-dores, aposentados e do Governo.

2.10 prIncípIo dA contrApArtIdA ou dA precedêncIA de custeIo

Este princípio é um dos fundamentos do equilíbrio atuarial do sistema de segurança social. Como as receitas são calculadas para atender a despe-sas previstas, a criação, majoração ou extensão de determinados benefícios ou serviços de saúde, previdência e assistência social devem pressupor a fonte de custeio suficiente para os gastos com tais prestações.

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2.11 regrA nonAgesIMAl ou dA trIMestrAlIdAde nA cobrAnçA dAs contrIbuIções prevIdencIárIAs

O art. 195, § 6º, da Constituição estabelece que as contribuições previ-denciárias só poderão ser exigidas após decorridos 90 dias da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, seja para maior ou menor, não se aplicando o princípio do art. 150, III, b, da Constituição (princípio da anterio-ridade). O lapso temporal de 90 dias configura a vacatio legis, período que os contribuintes têm para se adentrar às novas exigências da lei de custeio previ-denciário. No caso de majoração ou diminuição da alíquota, vige a alíquota anterior até o final do período da vacatio legis.

CONCLUSÃO

O propósito deste artigo foi, em linhas gerais, destacar a ideia de um direito fundamental à segurança social ao evidenciar sua estrutura e seus prin-cípios regentes na ordem constitucional brasileira.

Logo, a segurança social constitui um sistema fixado pela Constituição como instrumento mediante o qual o Estado e toda a sociedade são chamados a concretizar o bem-estar e a justiça sociais. O bem-estar, harmonizado com a justiça, é assumido como valor dotado de potencial suficiente para transformar a situação social (erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais) identificada pelo constituinte.

Quando a segurança social, combinação da igualdade com a solidarie-dade, oferecer correspondente quantia de saúde, de previdência e de assistên-cia a todos aqueles que reclamam algum tipo de proteção, conclui-se que o bem-estar e a justiça estão concretizados.

A política de proteção social é condição indispensável para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 9-23, mar-abr 2016

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 24-39, mar-abr 2016

Direito Fundamental à Segurança Social

A Posição do Município no Sistema Único de Saúde – Reflexões a Respeito da Solidariedade no Cumprimento das Políticas Públicas de Assistência Farmacêutica

ALvARO LuIS DE A. S. CIARLInIGraduado em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (1987), Mestre em Filosofia e Doutor em Direito, ambos pela Universidade de Brasília, Magistrado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Professor em curso de Mestrado, Pós‑Graduação lato sensu e Graduação em Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual Civil, Admi‑nistrativo e Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Constitucio‑nal, Direitos Sociais, Ações Coletivas e Remédios Jurídicos Constitucionais.

Submissão: 11.02.2016Decisão editorial: 03.03.2016Comunicação ao autor: 03.03.2016

RESUMO: A atual Política Nacional de Assistência Farmacêutica, adotada no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), suscita interesse a respeito do lugar que deve ser reservado ao Município quando da imposição, pelo Judiciário, da obrigação de entregar medicamento aos utentes do siste‑ma, pedindo reflexões a respeito da visível impropriedade do caráter de devedor solidário que lhe é atribuído pelos Tribunais brasileiros.

PALAVRAS‑CHAVE: SUS; assistência farmacêutica; Município; solidariedade; Tribunais.

ABSTRACT: The current National Policy of Pharmaceutical Assistance, adopted under the Brazilian Health System (SUS), allows inquire about the position that should be adopted by the municipality when the judiciary enforces obligation to deliver medicine to system users, asking for reflections on the visible inadequacy of joint debtor character assigned to it by the Brazilian Courts.

KEYWORDS: SUS; pharmaceutical assistance; county; solidarity; Courts.

A partir do regime político e jurídico inaugurado com a promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988, merece análise a participação do Município na promoção das políticas públicas garantidoras do direito à saúde, notadamente no tema da assistência farmacêutica.

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Diante das características do Sistema Único de Saúde, ente complexo e multifacetado que conta com a participação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é necessário avaliar qual é especificamente o espaço reservado a esses partícipes como responsáveis pela promoção e recuperação da saúde dos utentes do sistema. Especificamente quanto ao objeto da presente pesquisa, é preciso aquilatar se é ou não juridicamente justificável a compreen-são hoje em curso no Poder Judiciário brasileiro a respeito do reconhecimento da solidariedade do Município na prestação desses serviços de saúde, ao lado da União e dos Estados1.

O propósito deste estudo, portanto, é examinar a saúde como um direito fundamental de segunda dimensão2 diante do persistente problema da judiciali-zação de suas demandas3 e da correlata percepção de que a efetividade dessas pretensões exige também a previsão e aplicação de recursos financeiros. Isso deve levar-nos à constatação inexorável de que, em face dos custos financeiros desses serviços4, é indispensável a alocação estratégica de recursos orçamentá-rios suficientes e necessários para seu financiamento5.

Firmada essa premissa, ressalte-se que a efetividade dos direitos subjeti-vos constitucionais relaciona-se diretamente com o grau de organização políti-

1 A questão atual da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do caráter in solidum da obrigação de fornecer medicamentos, produtos, insumos e serviços de saúde aos utentes do sistema pode ser bem compreendida diante da leitura da ementa de julgado da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, tendo como Relator o Ministro Luiz Fux, representativa do entendimento já firmado na jurisprudência da Corte: STF, RE 717290-AgRg/RS, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux; Publicação: DJe 04.04.2014.

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ADMINISTRATIVO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – DEVER DO ESTADO – SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO – ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL – 1. O fornecimento de tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado e deve ser prestado de forma solidária entre os entes da Federação. Precedentes: ARE 772.150/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 17.10.2013, RE 716.777-AgRg/RS, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 16.05.2013, e ARE-AgRg 744.223, Relª Min. Rosa Weber, DJe 11.09.2013. 2. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: ‘PACIENTE PORTADORA DE DOENÇA ONCOLÓGICA – NEOPLASIA MALIGNA DE BAÇO – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DE PESSOAS CARENTES – DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO – CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO’. 3. Agravo regimental desprovido.” (Ressalvam-se os grifos)

2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 189.

3 CITTADINO,Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação de poderes. In: VIANNA, Luis Werneck (Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG/IUPERJ/FAPERJ, 2002. p. 17-42.

4 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rigths – Why Liberty depends on taxes. New York: W. W. Norton & Company, 1999. p. 128.

5 CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Direito à saúde – Paradigmas procedimentais e substanciais da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 25-38.

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ca da sociedade6. Por isso, é viável a afirmação de que o direito à saúde é essen-cialmente positivo7, a necessitar que, além da alocação de recursos, proceda-se também à prática de ações estatais eficientes de planejamento e de execução de programas de gestão. Então, pode-se deduzir que existe uma correlação necessária entre 1) a possibilidade de atendimento aos direitos fundamentais; 2) a alocação e a aplicação de recursos públicos; e 3) a correta execução dessas estratégias de gestão.

Essas considerações são suficientes para demonstrar a existência de uma tensão permanente entre a ocorrência de um deficit na efetividade dos direitos fundamentais8, principalmente em virtude da “lei da escassez”9, e as expecta-tivas nutridas pelos sujeitos de Direito, na seara constitucional, de que sejam observados os respectivos direitos fundamentais10.

Estabelecido o pressuposto de que o direito à saúde deve ser financiado e levado a efeito por ações administrativas específicas, decorrentes da elabo-ração e execução de políticas públicas, ou seja, diante da compreensão de que a cobertura dos custos da realização dos direitos representa, ao lado da estruturação dos meios administrativos de gestão do sistema, um autêntico cri-tério de efetividade desses serviços à população, é viável supor, convém insistir, que o atendimento ao direito à saúde não pode prescindir da observância dos mencionados critérios de organização, financiamento e gestão dos meios que permitam o cumprimento desses programas financeiros e orçamentários11. Isso, aliás, soa intuitivo diante da leitura do art. 196, segunda parte, da Constituição da República.

Há de ser sublinhado também que a Constituição, ao prever, em seu art. 6º, o “direito à saúde” como direito social, elevou essa prerrogativa à ca-tegoria de “direito fundamental”, ou seja, interiorizou no sistema jurídico bra-sileiro um direito a ser fruído por “toda pessoa”12. Como já ressaltado, trata-se

6 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. Op. cit., p. 231.7 DELDUQUE, Maria Célia; MARQUES, Sílvia Badim; CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Judicialização das políticas

de saúde no Brasil. In: ALVARES, Sandra Mara Campos; DELDUQUE, Maria Célia; DINO NETO, Nicolau (Org.). Direito sanitário em perspectiva. Brasília: ESMPU, Fiocrus, 2013. p. 209-213.

8 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. Op. cit., p. 121. A questão da escassez é devidamente tratada por SUNSTEIN, Cass. Direitos sociais e econômicos? Lições da África do Sul. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdição e direitos fundamentais. Porto Alegre: v. I, t. II, 2006. p. 15-28.

9 CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Op. cit., p. 25-38.10 Idem., p. 25.11 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. Op. cit., p. 226-227.12 Conforme a previsão contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada aos 10 de dezembro de

1948, e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 3 de janeiro de 1976.

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de uma autêntica liberdade positiva13, ora delineada no art. 5º, § 1º, do mesmo Texto14.

Do ponto de vista da execução de políticas públicas para o fim de tornar efetivos tais direitos subjetivos constitucionais, foram previstas as normas dos arts. 196, 197 e 198 da Constituição, a prescrever a regulamentação, fiscaliza-ção e controle do Sistema Único de Saúde. Como diretrizes centrais do sistema foram eleitas a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade15, em uma rede regionalizada e hierarquizada16.

Ao lecionar a respeito dos direitos econômicos, sociais e culturais, e so-bre a respectiva proteção jurídica destes, J. J. Gomes Canotilho explica que seus elementos constitutivos se encontram conectados ao que a atual doutrina dos direitos fundamentais chama de “pressupostos de direitos fundamentais”17. Essa conjuntura múltipla de fatores é formada pela “capacidade econômica do Estado” e outros elementos apontados como “clima espiritual da sociedade, estilo de vida e distribuição de bens”, sem olvidar do “nível de ensino, desen-volvimento econômico, criatividade cultural, convenções sociais” e da “ética filosófica ou religiosa”. Para o constitucionalista, esses topoi condicionam, de forma positiva e negativa, a existência e a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais18.

Para Canotilho, os dados da realidade acabam por condicionar “decisi-vamente o regime jurídico constitucional do estatuto positivo dos cidadãos”19.

O notável Professor lusitano não defende uma concepção meramente programática dos direitos sociais, mas também não se deixa orientar pela ideia de que esses direitos produzem eficácia imediata e direta. Canotilho defende, em verdade, que as tarefas constitucionalmente impostas ao Estado, para que sejam observados os mencionados direitos, “devem traduzir-se na edição de medidas concretas e determinadas e não em promessas vagas e abstractas”. Por isso mesmo, muito embora o legislador tenha uma ampla “liberdade de conformação”20 em relação ao conteúdo das normas ou ao modo de organizar

13 GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia? A genealogia filosófica de uma grande aventura humana. Trad. Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 285-286.

14 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil.15 SCHWARTZ, Germano. Gestão compartida sanitária no Brasil – Possibilidade de efetivação do direito à saúde.

In: SCHWARTZ, Germano (Org.). A saúde sob os cuidados do direito. Passo Fundo: UFP, 2003. p. 108-162 (p. 144).

16 CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Op. cit., p. 28.17 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.

p. 431.18 Idem, ibidem.19 Idem, ibidem.20 Idem, p. 440.

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sua efetivação21, é inegável que os direitos fundamentais sociais são dotados de “vinculatividade normativo-constitucional”22.

É importante destacar ainda que, no tema da efetividade dos direitos so-ciais, os entendimentos jurisprudenciais hoje reinantes no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal já se consolidaram ao afirmar que as nor-mas constitucionais garantidoras do direito à saúde têm aplicabilidade imedia-ta, em virtude da “preponderância do direito à vida” e da fundamentalidade das pretensões à saúde23. Como elemento deontológico justificador dessa assertiva tem sido utilizado o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana24.

Fixados esses lineamentos e 1) diante da peculiar posição do Município na Federação brasileira; 2) em face ainda da atual percepção a respeito da fun-damentalidade do direito à saúde, bem como dos desafios financeiros à con-secução de sua efetividade; 3) a partir das características do Sistema Único de Saúde, notadamente tendo-se em perspectiva a previsão constitucional de sua natureza de ente descentralizado; e, finalmente, 4) em virtude da realidade da autonomia municipal e de suas atribuições locais, bem como da necessidade de financiamento dessas atividades, a despeito da precariedade de suas receitas fiscais, pode-se indagar: Qual deve ser a real participação do Município nas ações e serviços de saúde no sistema hierarquizado e regionalizado previsto no art. 198 da Constituição da República Federativa do Brasil?

Enfim, convém perguntar ainda: É coerentemente justificável atribuir aos Municípios o lugar de devedor solidário ao cumprimento da pretensão ao rece-bimento de medicamentos e serviços de saúde?

Cumpre observar inicialmente que o sistema jurídico brasileiro instituiu a obrigação solidária passiva como um dado complexo objetivado em uma relação jurídica obrigacional. Nesse caso, a vinculação jurídica se forma com a participação de dois ou mais sujeitos passivos obrigados.

Para Álvaro Villaça Azevedo25, na constituição do vínculo obrigacional solidário, devem coexistir, em uma determinada relação jurídica, mais de um credor, um ou mais devedores ou, simultaneamente, vários credores e devedo-res. Nesse caso, cada credor poderá exercer a pretensão de exigir e cada deve-dor terá o dever de prestar, integralmente, in solidum, o objeto da obrigação.

21 Idem, ibidem.22 Idem, ibidem.23 Do STJ, exemplificativamente: AgRg-AG 246642/RS, 1ª T., Rel. Min. Garcia Vieira, Publ. DJ de 16.11.1999;

AgRg-AG 253938/RS, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, Publ. DJ de 28.02.2000; REsp 325337/RJ, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, Publ. DJ de 03.09.2001. Do STF, exemplificativamente: AgRg-RE 255627/RS, 2ª T., Rel. Min. Nelson Jobim, Publ. DJ de 23.02.2001; RE 195192/RS, 2ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, Publ. no DJ de 31.03.2000.

24 CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Op. cit., p. 25-38.25 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Atlas, 2004. p. 96.

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Esse mesmo conceito se encontra descrito nas prescrições do art. 512 do Código Civil português26 e do art. 264 do Código Civil27 brasileiro.

De acordo com a premissa firmada no art. 264 do Código Civil28 pátrio, a ocorrência da solidariedade pede a constituição do objeto da relação jurídica obrigacional como um todo, situação em que cada um dos credores pode exigir a totalidade da prestação, ou mesmo cada um dos devedores poderá pagar a dívida integralmente. Por força do art. 266 do mesmo Código29, percebe-se que essa vinculação complexa requer a pluralidade de partes, a unidade da pres-tação e, finalmente, a multiplicidade de vínculos.

Interessa-nos na presente pesquisa a dimensão da unidade da prestação, justamente pela peculiaridade de que o sujeito passivo solidário, ao ser chama-do para o cumprimento da obrigação, responde integralmente por esta.

Outra peculiaridade relevante é que tanto o credor “beneficiado com o pagamento, ou algum outro modo de extinção da obrigação”30, quanto o deve-dor31 responderão, ou exigirão a prestação, em face dos demais, observadas as respectivas parcelas da obrigação recebidas ou efetivamente pagas.

Transposta a questão para a obrigação assumida pelos entes da Federa-ção brasileira, cumpre assinalar que, nos termos do nosso sistema constitucio-nal, o Município não é apenas uma entidade autônoma32, mas, em questões de saúde pública, está inserido em um “federalismo de cooperação”33, nos moldes dos arts. 23, incisos II34, e 24135, ambos da Constituição da República. É inegá-vel também que nossa realidade política federativa é dotada de uma caracterís-tica peculiar, que é a descentralização36.

26 Portugal. Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966.27 Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 28 Idem.29 Idem.30 ESPÍNOLA, Eduardo. Garantia e extinção das obrigações. Campinas: Bookseller, 2005. p. 337.31 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado do direito privado. Campinas: Bookseller, t. XIII, 2000.

p. 142-143. 32 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.

p. 46-48. 33 KRELL, Andreas J. Leis de normas gerais, regulamentação do Poder Executivo, e cooperação inter­

governamental em tempos de reforma federativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 126.34 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

[...].”35 “Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios

públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”

36 Para Karl Loewenstein, o “federalismo” constitui um campo de ação específico, mas reciprocamente agrupado com os “direitos individuais e as garantias fundamentais” e o “pluralismo”: “[...] los controles verticales

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A posição do Município nessa ordem deve suscitar, portanto, além das questões atinentes à distribuição de recursos tributários37, também um lugar de destaque no tema da descentralização38 de políticas públicas. É inegável que a atual posição do Município revelou uma série de novas atribuições políticas e de responsabilidades administrativas, notadamente em virtude de sua vocação para a gestão e ordenação dos assuntos relativos ao interesse local39. Em síntese, trata-se de entidade política necessária, com autonomia e atribuições mínimas estabelecidas de forma rígida no Texto Constitucional40, que previu sua nature-za federativa (art. 1º), dando-lhe atribuições próprias (art. 30), com autonomia (arts. 29 e 30) e a devida discriminação de suas respectivas rendas (art. 156)41, isso sem olvidar da essencialidade da respectiva participação na organização político-administrativa42 da República Federativa do Brasil (art. 18)43.

O exame desse tema ganha notória importância no presente momen-to, pois inúmeras demandas judiciais individuais ao recebimento de serviços, produtos e insumos necessários ao tratamento da saúde dos utentes do sistema têm sido submetidas diariamente ao Poder Judiciário por intermédio de ações individuais cominatórias. Nessas ações, a causa de pedir usualmente formulada consiste na alegação de que o poder público é omisso quanto à obrigação de fornecer determinado medicamento prescrito a um paciente. Essa omissão, na linguagem corrente adotada nos Tribunais brasileiros, vulneraria o direito uni-versal à saúde previsto na Constituição.

A despeito dos intermináveis debates sobre a incorporação de certos me-dicamentos ao rol de fármacos, tecnologias e insumos fornecidos pelo Sistema

funcionan en una línea ascendente y descendente entre la totalidad de los detentadores del poder instituido y La comunidad como tal o algunos de sus componentes. Bajo La rubrica de los ‘controles verticales’, se agrupan tres campos diferentes de acciones recíprocas: 1. El federalismo: el enfrentamiento entre dos soberanías diferentes estatales separadas territorialmente y que se equilibran mutuamente. La existencia de fronteras federales limita el poder del Estado central sobre en Estado miembro, y a la inversa. [...]” (LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de La Constituición. 2. ed. Trad. Eduardo Espin. Barcelona: Ariel, 1979. p. 353).

37 SOUZA, Celina. Federalismo e conflitos distributivos: disputa dos Estados Federados por recursos orça-mentários. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 2, p. 345-384, 2003.

38 Sobre a formação do “sistema comunal na América” e a contribuição dos agrupamentos humanos locais, fundados em laços de solidariedade, e a comunidade como elemento descentralizado e essencial à democracia, consulte-se: TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro 1: Leis e Costumes. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 70-94.

39 BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 311.40 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. 41 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

p. 68.42 Para MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 44: “O Município

ocupa a Federação como entidade de terceiro grau”. Isso, por certo, pressupõe as entidades de segundo grau, no caso, os Estados-membros e de primeiro grau, ou seja, a União.

43 BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Op. cit., p. 310.

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Único de Saúde44, em virtude, ainda, da existência de tratamentos padroniza-dos, já constantes nas políticas públicas respectivas, nos moldes dos arts. 196 e 198 da Constituição Federal e da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 199045, busca-se também estabelecer se o conceito de integralidade previsto na Lei nº 12.401/2011 efetivamente abrangeria todo e qualquer tipo de tratamento ou medicamento, ainda que experimental.

A partir da edição da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde por meio de sua Resolução nº 338, de 6 de maio de 200446, foram ratificados os três pilares já anteriormente fixa-dos na Política Nacional de Medicamentos inaugurada pela Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 199847, quais sejam: 1) a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos; 2) a promoção do seu uso racional; e 3) o acesso da população aos medicamentos considerados essenciais, previstos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename.

É importante ressaltar que a política nacional de medicamentos do Sis-tema Único de Saúde pressupõe a adoção de um rol padronizado de produtos, para ofertá-los regularmente aos utentes do sistema, com a devida atenção às peculiaridades do “mercado farmacêutico”, que fornece uma infinidade de fár-macos com idênticos princípios ativos e com indicações terapêuticas análogas.

Por isso, o sistema pretende promover a seleção dos medicamentos ofer-tados pelo mercado, procedendo às respectivas escolhas diante de critérios do-tados de razoável “cientificidade”, tudo isso com o objetivo de obter segurança e eficácia no tratamento dispensado aos que se utilizam do sistema.

A novidade prevista na Lei nº 12.401/201148 consiste justamente no es-tabelecimento de um critério juridicamente aceitável para a integralidade. Para tanto, ao alterar a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a nova norma edi-tada em 2011 regulou a assistência terapêutica e também previu a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do SUS, prescrevendo, em seu art. 19-M, em síntese, que o atendimento ao príncipio da integralidade pressupõe a inserção do fármaco em protocolo clínico ou diretriz terapêutica, ou nas relações de medicamentos mantidas pelo gestor federal do SUS, ou, ainda, de forma su-plementar, com respaldo nas listas de medicamentos dos gestores estaduais ou municipais.

44 V.g., TJDFT, Acórdão nº 803766, 20130110005702-APC, Rel. Alfeu Machado, 1ª T.Cív., Rev. Leila Arlanch, Data de Julgamento: 17.07.2014, Publicado no DJe 22.07.2014, p. 68.

45 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.46 Brasil. CNS, Resolução nº 338, de 6 de maio de 2004.47 Brasil. MS, Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 1998.48 Brasil. Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011.

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Diante da novel orientação legislativa adotada no âmbito do SUS, a partir das diretrizes previstas no Decreto nº 7.646/2011, em composição com o dis-posto na Lei nº 12.401/2011, os conceitos de universalidade e de integralidade das ações de saúde devem estar devidamente respaldados: 1) no melhor conhe-cimento técnico-científico disponível, bem como 2) na proteção do cidadão nas ações de assistência, prevenção e promoção à saúde por meio de processo seguro de incorporação de tecnologias pelo sistema, ou mesmo 3) na incorpo-ração de tecnologias por critérios racionais e parâmetros de eficácia, eficiência e efetividade adequados às necessidades de saúde; e, finalmente, 4) na incorpo-ração de tecnologias que sejam relevantes para o cidadão e para o sistema de saúde, baseada na relação custo-efetividade.

Além da definição dos medicamentos essenciais, a Política Nacional de Assistência também estabeleceu um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde. Especificamente quanto ao critério de finan-ciamento do sistema49, foi definida, no Pacto de Gestão, editado pela Portaria MS-GM nº 399, de 22 de fevereiro de 2006, a responsabilidade dos três gestores do SUS: União, Estados e Distrito Federal e Municípios.

Para viabilizar a consecução desse plano de gestão, foi editada a Portaria MS-GM nº 204, de 29 de janeiro de 200750, a normatizar, por meio da institui-ção do conceito de “bloco”, o modo pelo qual seria promovido o financiamento da assistência farmacêutica em três distintos “componentes”: 1) o básico; 2) o estratégico; e 3) o de medicamentos de dispensação excepcional.

O primeiro dos “componentes” elencados, ou seja, o denominado “Com-ponente Básico da Assistência Farmacêutica”, tem por objetivo possibilitar a aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica próprios à atenção básica em saúde e com fundamento no elenco de referência nacional para doenças e outros agravos mais comuns, ou mesmo para atender a progra-mas específicos51.

Esse componente básico é atualmente regulado pela Portaria MS-GM nº 1555, de 30 de julho de 201352, definidora dos critérios de financiamento e execução desse substrato, bem como do elenco de referência dos medica-mentos e insumos complementares para a Assistência Farmacêutica na Atenção Básica em Saúde.

49 PEPE, Vera Lúcia Edais et al. In: ALVARES, Sandra Mara Campos et al (Org.). Direito sanitário em perspectiva. Brasília: ESMPU, Fiocrus, 2013. p. 150-167.

50 Brasil. Portaria MS-GM nº 204, de 29 de janeiro de 2007. O art. 4º da referida portaria assim dispõe: “Art. 4º Estabelecer os seguintes blocos de financiamento: I – atenção básica; II – atenção de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar; III – vigilância em saúde; IV – assistência farmacêutica; V – gestão do SUS; e VI – investimentos na rede de serviços de saúde”.

51 PEPE, Vera Lúcia Edais et al. Op. cit., p. 150-167.52 Brasil. Portaria MS-GM nº 1555, de 30 de julho de 2013.

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No caso da Portaria nº 1555, que trata, como dito, do financiamento dos medicamentos do componente básico, o Município estará submetido aos crité-rios elencados nos respectivos arts. 3º, 4º, 6º, 10 e 1753.

53 “Art. 3º O financiamento do Componente Básico da Assistência Farmacêutica é de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme normas estabelecidas nesta Portaria, com aplicação, no mínimo, dos seguintes valores de seus orçamentos próprios:

[...]

III – Municípios: R$ 2,36 (dois reais e trinta e seis centavos) por habitante/ano, para financiar a aquisição dos medicamentos e insumos constantes dos Anexos I e IV da Rename vigente no SUS, incluindo os insumos para os usuários insulinodependentes estabelecidos na Portaria nº 2.583/GM/MS, de 10 de outubro de 2007, constantes no Anexo IV da Rename vigente no SUS.

[...]

§ 2º Para fins de alocação dos recursos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, utilizar-se-á a população estimada nos referidos entes federativos pelo Censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 1º de julho de 2011, enviada ao Tribunal de Contas da União em 9 de novembro de 2011.

§ 3º Além do disposto no § 2º, nos Municípios com acréscimos populacionais resultantes de fluxos migratórios, conforme documentos oficiais do IBGE, esse acréscimo populacional será considerado para o cálculo do valor per capita a ser repassado a esses Municípios pelos demais entes federativos envolvidos, conforme pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e, se houver, Comissão Intergestores Regional (CIR).

§ 4º Para evitar a redução no custeio deste Componente, os Municípios que tiveram a população reduzida nos termos do Censo IBGE 2011 em relação à população estimada nos termos do Censo IBGE 2009 terão os recursos federais, estaduais e municipais alocados de acordo com a estimativa do Censo IBGE 2009.

§ 5º Os recursos financeiros oriundos do orçamento do Ministério da Saúde para financiar a aquisição de medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica serão transferidos a cada um dos entes federativos beneficiários em parcelas mensais correspondentes a 1/12 (um doze avos) do valor total anual a eles devido.

§ 6º Os valores definidos nos termos dos incisos II e III do caput podem ser majorados conforme pactuações nas respectivas Comissões Intergestores Bipartite (CIB), devendo ser pactuada, também, a periodicidade do repasse dos Estados aos Municípios.

§ 7º Os valores definidos nos termos do § 1º podem ser majorados pelo Distrito Federal para aplicação em seus limites territoriais.

Art. 4º As Secretarias de Saúde do Distrito Federal e dos Municípios poderão, anualmente, utilizar um percentual de até 15% (quinze por cento) da soma dos valores dos recursos financeiros, definidos nos termos dos incisos II, III e § 1º do art. 3º, para atividades destinadas à adequação de espaço físico das farmácias do SUS no Distrito Federal e nos Municípios, à aquisição de equipamentos e mobiliário destinados ao suporte das ações de Assistência Farmacêutica e à realização de atividades vinculadas à educação continuada voltada à qualificação dos recursos humanos da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica à Saúde, obedecida a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, e as leis orçamentárias vigentes, sendo vedada a utilização dos recursos federais para esta finalidade.

[...]

Art. 5º Cabe ao Ministério da Saúde o financiamento e a aquisição da insulina humana NPH 100 UI/ml e da insulina humana regular 100 UI/ml, além da sua distribuição até os almoxarifados e Centrais de Abastecimento Farmacêutico Estaduais e do Distrito Federal.

Parágrafo único. Compete às Secretarias Estaduais de Saúde a distribuição da insulina humana NPH 100 UI/ml e da insulina humana regular 100 UI/ml aos Municípios.

Art. 6º Cabe ao Ministério da Saúde o financiamento e a aquisição dos medicamentos contraceptivos e insumos do Programa Saúde da Mulher, constantes do Anexo I e IV da Rename vigente, sendo a sua distribuição realizada nos seguintes termos:

I – entrega direta ao Distrito Federal, aos Municípios das capitais dos Estados e aos Municípios com população superior a 500.000 (quinhentos mil) habitantes; e

II – nas hipóteses que não se enquadrarem nos termos do inciso I do caput, entrega às Secretarias Estaduais de Saúde para posterior distribuição aos demais Municípios.

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Em relação ao “Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica”, convém ressaltar que seu escopo é a aquisição de medicamentos para tratamen-to de doenças endêmicas, valendo sublinhar que o financiamento respectivo destina-se às ações de assistência dos programas estratégicos como o controle: 1) de endemias focais (Malária, Leishmaniose, Chagas, etc.); 2) da Tuberculose; 3) da Hanseníase; 4) de DST/Aids; 5) do sangue e hemoderivados; 6) da alimen-tação e nutrição; 7) do tabagismo; 8) de doença enxerto x hospedeiro; 9) do Lúpus Eritematoso; e 10) do Mieloma Múltiplo54.

Nesses casos, competem à União a aquisição e o necessário forneci-mento dos respectivos medicamentos aos Estados e ao Distrito Federal, a quem foram incumbidos, quando e se o caso, sua armazenagem e distribuição aos Municípios.

Art. 7º Os quantitativos dos medicamentos e insumos do Programa Saúde da Mulher, da insulina humana NPH 100 UI/ml e da insulina humana regular 100 UI/ml de que tratam os arts. 5º e 6º serão estabelecidos conforme os parâmetros técnicos definidos pelo Ministério da Saúde e a programação anual e as atualizações de demandas encaminhadas ao Ministério da Saúde pelas Secretarias Estaduais de Saúde com base de cálculo nas necessidades dos Municípios.

Art. 8º A execução das ações e serviços de saúde no âmbito do Componente Básico da Assistência Farmacêutica é descentralizada, sendo de responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 9º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela seleção, programação, aquisição, armazenamento, controle de estoque e prazos de validade, distribuição e dispensação dos medicamentos e insumos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, constantes dos Anexos I e IV da Rename vigente, conforme pactuação nas respectivas CIB, incluindo-se:

I – plantas medicinais, drogas vegetais e derivados vegetais para manipulação das preparações dos fitoterápicos da Rename em Farmácias Vivas e farmácias de manipulação do SUS;

II – matrizes homeopáticas e tinturas-mães conforme Farmacopeia Homeopática Brasileira, 3ª edição, para as preparações homeopáticas em farmácias de manipulação do SUS; e

III – a aquisição dos medicamentos sulfato ferroso e ácido fólico do Programa Nacional de Suplementação de Ferro a partir de agosto de 2013.

Art. 10. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disponibilizarão, de forma contínua, os medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica indicados nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para garantir as linhas de cuidado das doenças contempladas no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.

Art. 11. Com o objetivo de apoiar a execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, as Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios podem pactuar nas respectivas CIB a aquisição, de forma centralizada, dos medicamentos e insumos pelo gestor estadual de saúde, na forma de Atas Estaduais de Registro de Preços ou por consórcios de saúde.

§ 1º Na hipótese de utilização de Atas Estaduais de Registro de Preços, o edital elaborado para o processo licitatório disporá sobre a possibilidade de sua utilização pelos Municípios.

§ 2º Nos procedimentos de aquisição, as Secretarias de Saúde seguirão a legislação pertinente às licitações públicas no sentido de obter a proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

Art. 12. No sentido de fortalecer a produção pública de medicamentos, as Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios poderão pactuar que o montante correspondente aos recursos financeiros estaduais a ser aplicado no âmbito do Componente Básico da Assistência Farmacêutica seja implementado por meio de medicamentos produzidos em laboratórios públicos oficiais, cujo valor unitário de aquisição será informado na respectiva CIB.

Art. 13. Para dar suporte à gestão da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica à Saúde, o Ministério da Saúde disponibiliza aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica (Hórus).”

54 PEPE, Vera Lúcia Edais et al. Op. cit., p. 162.

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O “Componente Especializado da Assistência Farmacêutica”, regula-mentado pela Portaria GM-MS nº 1554, de 30 de julho de 2013, tem por escopo proceder ao tratamento de doenças raras ou de baixa prevalência, bem como de doenças de alta prevalência, nas quais o paciente apresentou alterações como intolerância, refratariedade aos medicamentos de primeira linha do tratamento, ou mesmo nos casos de agravamento do quadro clínico dos pacientes. Os me-dicamentos desse componente, em particular, estão divididos em três distintos grupos, dotados de peculiares características, responsabilidades e modos de or-ganização55:

a) no primeiro grupo, previsto no art. 5º da Portaria nº 1554, cons-tam os medicamentos sob responsabilidade da União, justamente aqueles concernentes à (ao): a.1) maior complexidade da doença a ser tratada em ambulatório; a.2) caráter refratário relacionado à primeira e/ou à segunda linha de tratamento, ou intolerância do paciente aos respectivos fármacos; a.3) elevado impacto financeiro do medicamento; e a.4) inclusão dos medicamentos em ações de desenvolvimento produtivo no complexo industrial da saúde.

b) no segundo, estabelecido no art. 6º da Portaria 1554, os medica-mentos sob responsabilidade dos Estados e Distrito Federal, ou seja, aqueles que são dotados de: b.1) complexidade menor da doença a ser tratada ambulatorialmente em relação aos elencados no pri-meiro grupo; e b.2) refratariedade à primeira linha de tratamento ou intolerância do paciente.

c) no terceiro, consoante a previsão do art. 13 da mesma portaria, os medicamentos sob responsabilidade dos Municípios e do Distrito Federal, “e compõem parte do elenco do Componente Básico da Assistência Farmacêutica” e sua disponibilização se dará, em caso de demanda, “para a garantia das linhas de cuidados definidas nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas” a serem definidos pelo Ministério da Saúde56.

Verifica-se, portanto, que se encontra em curso, na Administração Públi-ca, a construção de um modelo de participação de cada uma das três entidades federadas no tema da promoção e execução de políticas públicas na esfera da assistência farmacêutica. Pode-se observar que essas medidas estão razoavel-mente em sintonia com a necessária natureza descentralizada, não só da gestão, mas também, e por isso mesmo, do próprio sistema federativo, a exigir o devido cuidado com a coordenação das atividades cooperadas desempenhadas por

55 Idem, p. 162-163.56 Idem, p. 164-165.

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cada um dos entes integrantes, que se encontram orientados por critérios de financiamento específicos57.

Ora, o modelo administrativo em curso no Sistema Único de Saúde, quanto à distribuição dos ônus e responsabilidades a cada um desses entes federados, deve ser observado com especial atenção. Em verdade, a dinâmica ora exposta sinaliza para o fato de que a atribuição do caráter de solidariedade às eventuais obrigações impostas ao sistema deve ser analisada com mereci-da acuidade, pois, nesse caso, a intervenção do Poder Judiciário, mesmo que embasada no argumento de defesa de um específico direito fundamental, con-trariaria o fundamento central do nosso sistema federativo “de cooperação”, justamente sua natureza descentralizada e autônoma, mas coordenada e legiti-mamente justificada pelo imperativo de obtenção da máxima eficácia de seus meios.

A questão pede prudência, pois, uma vez já estabelecidos esses crité-rios de distribuição das respectivas obrigações de cada ente federado, de modo compatível com os respectivos meios de financiamento, em harmonia com o disposto na Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 201258, tal circuns-tância está a exigir dos juízes a devida justificação, diante de nossa realidade federativa, da possibilidade de impor, ao Administrador Público, qualquer outra ordem de valoração ético-jurídica e política, fundamentada na retórica dos di-reitos subjetivos59.

Isso requer a devida análise da questão de saber qual a medida da legiti-midade do agir judicial60 a respeito de um dado tema para o qual a esfera polí-tica administrativa já possui uma regra de conduta amparada em determinadas escolhas e parâmetros e se não há, a priori, motivos para discordar do critério administrativo escolhido61.

57 Arts. 66 a 70 da Portaria GM-MS nº 1554, de 30 de julho de 2013.58 “Art. 1º Esta Lei Complementar institui, nos termos do § 3º do art. 198 da Constituição Federal:

I – o valor mínimo e normas de cálculo do montante mínimo a ser aplicado, anualmente, pela União em ações e serviços públicos de saúde;

II – percentuais mínimos do produto da arrecadação de impostos a serem aplicados anualmente pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios em ações e serviços públicos de saúde;

III – critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados aos seus respectivos Municípios, visando à progressiva redução das disparidades regionais;

IV – normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal.”

59 CIARLINI, Alvaro Luis de Araujo. Op. cit., 2011. p. 139-140.60 NINO, Carlos Santiago. The constitution of deliberative democracy. London: Yale University Press, 1998.

p. 198-199.61 CIARLINI, Alvaro Luis de Araujo. Direito à saúde e respeito à Constituição. In: Gestão pública e relação

público privado na saúde. Coleção Pensar em Saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2011. p. 87.

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Ao tratar das questões alusivas à tutela judicial do direito à saúde, é im-portante que o magistrado entenda que se encontra na posição complexa e pa-radoxal entre dois polos diametralmente opostos. O primeiro deles consiste na própria demanda individual dos cidadãos, com o escopo de obter, do Estado, a prestação de tratamento, ou a concessão de medicamentos em virtude da ocor-rência de doenças e outros agravos. O segundo, em assegurar que o atendimen-to às pretensões individuais não ponha em risco a necessária autonomia do sis-tema administrativo ou a funcionalidade do próprio Sistema Único de Saúde62.

Por isso mesmo, espera-se que a deliberação judicial que contemple o deferimento de prestações positivas ao fornecimento de medicamentos leve em conta a complexidade de nosso sistema federativo, sem olvidar do devido cuidado em relação aos esforços de estruturação já empreendidos no âmbito administrativo, que têm por objetivo a ordenação dos meios de gestão e finan-ciamento do Sistema Único de Saúde, em estrita consonância com os arts. 196 e 198 da Constituição da República.

Finalmente, a afirmação de que “o direito à saúde é direito de todos e dever do Estado” não pode, por si só, importar na imposição, pelo Poder Judi-ciário, da solidariedade de obrigações como modo de vinculação dos entes que compõem a federação brasileira, em suas três esferas de poder público, sem a devida observância dos meios de estruturação e distribuição de suas autônomas atribuições, pela própria natureza do SUS, aos distintos entes federados, e pelas correlatas regras de financiamento relativamente à União, aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios.

De forma paradoxal, portanto, sob a justificativa de promover e dar efetivi-dade ao direito fundamental à saúde (art. 196, primeira parte, da Constituição da República), o atual entendimento a respeito do caráter solidário da obrigação de fornecimento de medicamentos representa, concretamente, injustificável empe-cilho à consecução das diretrizes, igualmente constitucionais, que propugnam a instituição, dentro das distintas esferas de atribuição dos respectivos entes federa-dos, “das políticas sociais e econômicas” aptas a promoverem a “redução do risco de doença e de outros agravos”, bem como “o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, sem esquecer da necessidade da promoção, pelo Poder Público, “nos termos da lei”, a indispensá-vel “regulamentação, fiscalização e controle” dessas atividades63.

REFERÊNCIASAZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Atlas, 2004.

62 CIARLINI, Alvaro Luis de Araujo. Op. cit., p. 87.63 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, arts. 196, segunda parte, 197 e 198.

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������39

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 24-39, mar-abr 2016

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Direito Fundamental à Segurança Social

3256

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.142.630 – PR (2009/0102844‑1)Relatora: Ministra Laurita VazRecorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSProcurador: Fabiano Haselof Valcanover e outro(s)Recorrido: Ministério Público FederalRecorrido: Associação dos Aposentados e Pensionistas do BrasilAdvogado: Marcelo Augusto Angioletti e outro(s)

eMentA

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA DESTINADA À TUTELA DE DIREITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA (NO CASO, REVISÃO DE BENEFÍCIOS) – EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO – RECONHECIMENTO

1. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, os interesses individuais homogêneos classificam-se como subespécies dos interesses coleti-vos, previstos no art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Prece-dentes do Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, a Lei Complemen-tar nº 75/1993 (art. 6º, VII, a) e a Lei nº 8.625/1993 (art. 25, IV, a) legitimam o Ministério Público à propositura de ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, sociais e cole-tivos. Não subsiste, portanto, a alegação de falta de legitimidade do Parquet para a ação civil pública pertinente à tutela de direitos indi-viduais homogêneos, ao argumento de que nem a Lei Maior, no alu-dido preceito, nem a Lei Complementar nº 75/1993, teriam cogitado dessa categoria de direitos.

2. A ação civil pública presta-se à tutela não apenas de direitos indivi-duais homogêneos concernentes às relações consumeristas, podendo o seu objeto abranger quaisquer outras espécies de interesses transin-dividuais (REsp 706.791/PE, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 02.03.2009).

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������������41

3. Restando caracterizado o relevante interesse social, os direitos in-dividuais homogêneos podem ser objeto de tutela pelo Ministério Pú-blico mediante a ação civil pública. Precedentes do Pretório Excelso e da Corte Especial deste Tribunal.

4. No âmbito do direito previdenciário (um dos seguimentos da se-guridade social), elevado pela Constituição Federal à categoria de direito fundamental do homem, é indiscutível a presença do relevan-te interesse social, viabilizando a legitimidade do Órgão Ministerial para figurar no polo ativo da ação civil pública, ainda que se trate de direito disponível (STF, AgRg-RE-AgRg/RE 472.489/RS, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 29.08.2008).

5. Trata-se, como se vê, de entendimento firmado no âmbito do Su-premo Tribunal Federal, a quem a Constituição Federal confiou a última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, en-tendimento esse aplicado no âmbito daquela Excelsa Corte também às relações jurídicas estabelecidas entre os segurados da previdência e o INSS, resultando na declaração de legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública em matéria previdenciária (STF, AgRg-AI 516.419/PR, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 30.11.2010).

6. O reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária mostra-se patente tan-to em face do inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também, em razão da inegável economia processual, evitan-do-se a proliferação de demandas individuais idênticas com resulta-dos divergentes, com o consequente acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário, o que, certamente, não contribui para uma prestação jurisdicional eficiente, célere e uniforme.

7. Após nova reflexão sobre o tema em debate, deve ser restabelecida a jurisprudência desta Corte, no sentido de se reconhecer a legitimi-dade do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação civil pública destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária.

8. Recurso especial desprovido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar

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42 �������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

provimento. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi vota-ram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (data do Julgamento).

Ministra Laurita Vaz Relatora

relAtórIo

A Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucio-nal, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ementado, essencialmente,nos seguintes termos, in verbis:

“MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – BENEFICIÁRIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – LEGITIMIDADE ATIVA

O Ministério Público Federal tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos dos beneficiários da Previdência Social. Precedentes desta Corte e do STF.

Sendo o Ministério Público Federal autor da ação civil pública, desnecessária sua atuação como custos legis, conforme decidiu esta 5ª Turma por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 2002.72.05.001195-1/SC, Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, DE de 13.05.2008.

PREVIDENCIÁRIO – REVISÃO DE BENEFÍCIO – RENDA MENSAL INICIAL – IRSM DE FEVEREIRO DE 1994 (39,67%)

‘O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a par-tir de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%)’, nos termos da Súmula nº 77 deste TRF/4ª Região. [...].” (fl. 175)

Nas razões do recurso especial, além de dissídio pretoriano, aponta o INSS violação aos arts. 1º, 2º e 6º, todos da Lei Complementar nº 75/1993, bem como ao art. 21 da Lei nº 7.347/1985 c/c os arts. 81, 82 e 92, da Lei nº 8.078/1990.

Pugna pela extinção do feito sem julgamento do mérito, alegando a ilegi-timidade do Ministério Público Federal para promover ação civil pública perti-nente a reajustes e revisões de benefícios previdenciários.

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������������43

Aduz, inicialmente, que os direitos relativos a benefícios previdenciários são disponíveis, e que a Constituição Federal, em seu art. 127, atribui ao Minis-tério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, entende que, ausente o caráter da indisponibilidade, não estaria o Órgão Minis-terial legitimado para a propositura da ação civil pública (fls. 196/197).

Sustenta a ilegitimidade do Ministério Público para a defesa de qualquer direito individual homogêneo, asseverando que, uma interpretação sistemática, sob o prisma da Constituição Federal (arts. 127 e 129, III), levando em conta a ordem cronológica em que foram editados os principais diplomas que tratam das funções do Ministério Público, conduz à conclusão de que não é função do Parquet a proteção de direitos individuais, ainda que homogêneos, e que o Ministério Público “somente possui legitimidade para a ACP destinada à defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos – ou seja – não a tem quanto aos interesses ou direitos individuais homogêneos, pois destes não cogita a CF/1988 (art. 129, III), nem a LC 75/1993 (art. 83, III)” (fls. 198/199).

Alega, ainda, a ilegitimidade ad causam do Ministério Público para de-fesa de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como a inadequação da ação civil pública para tal fim. Para tanto, aduz que a ação civil pública, embora sirva para a defesa do consumidor, não serve para a defe-sa de direitos individuais homogêneos de outras espécies de interesses, como, no caso, os interesses dos segurados da Previdência Social, por falta de previsão legal (fl. 202), e, ainda, que “a relação jurídica entre os benefíciários e o INSS nada tem de relação de consumo, uma vez que não se trata de fornecimento de bens ou serviços” (fl. 206).

Oferecidas as contrarrazões (fls. 229/235), e admitido o recurso na ori-gem, ascenderam os autos à apreciação desta Corte.

É o relatório.

eMentA

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA DESTINADA À TUTELA DE DIREITOS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA (NO CASO, REVISÃO DE BENEFÍCIOS) – EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO – RECONHECIMENTO

1. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, os interesses individuais homogêneos classificam-se como subespécies dos interesses coleti-vos, previstos no art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Prece-dentes do Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, a Lei Complemen-tar nº 75/1993 (art. 6º, VII, a) e a Lei nº 8.625/1993 (art. 25, IV, a)

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legitimam o Ministério Público à propositura de ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, sociais e cole-tivos. Não subsiste, portanto, a alegação de falta de legitimidade do Parquet para a ação civil pública pertinente à tutela de direitos indi-viduais homogêneos, ao argumento de que nem a Lei Maior, no alu-dido preceito, nem a Lei Complementar nº 75/1993, teriam cogitado dessa categoria de direitos.

2. A ação civil pública presta-se à tutela não apenas de direitos indivi-duais homogêneos concernentes às relações consumeristas, podendo o seu objeto abranger quaisquer outras espécies de interesses transin-dividuais (REsp 706.791/PE, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 02.03.2009).

3. Restando caracterizado o relevante interesse social, os direitos in-dividuais homogêneos podem ser objeto de tutela pelo Ministério Pú-blico mediante a ação civil pública. Precedentes do Pretório Excelso e da Corte Especial deste Tribunal.

4. No âmbito do direito previdenciário (um dos seguimentos da se-guridade social), elevado pela Constituição Federal à categoria de direito fundamental do homem, é indiscutível a presença do relevan-te interesse social, viabilizando a legitimidade do Órgão Ministerial para figurar no polo ativo da ação civil pública, ainda que se trate de direito disponível (STF, AgRg-RE-AgRg/RE 472.489/RS, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 29.08.2008).

5. Trata-se, como se vê, de entendimento firmado no âmbito do Su-premo Tribunal Federal, a quem a Constituição Federal confiou a última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, en-tendimento esse aplicado no âmbito daquela Excelsa Corte também às relações jurídicas estabelecidas entre os segurados da previdência e o INSS, resultando na declaração de legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública em matéria previdenciária (STF, AgRg-AI 516.419/PR, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 30.11.2010).

6. O reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária mostra-se patente tan-to em face do inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também, em razão da inegável economia processual, evitan-do-se a proliferação de demandas individuais idênticas com resulta-dos divergentes, com o consequente acúmulo de feitos nas instâncias

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������������45

do Judiciário, o que, certamente, não contribui para uma prestação jurisdicional eficiente, célere e uniforme.

7. Após nova reflexão sobre o tema em debate, deve ser restabelecida a jurisprudência desta Corte, no sentido de se reconhecer a legitimi-dade do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação civil pública destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária.

8. Recurso especial desprovido.

voto

A Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

A controvérsia posta em análise no presente recurso consiste em verificar se o Ministério Público Federal tem legitimidade para figurar no polo ativo de ação civil pública relativa à matéria de natureza previdenciária.

A questão de fundo, não atacada no apelo nobre, diz respeito à revisão de benefícios previdenciários concedidos a partir de março de 1994, com in-clusão da variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%) nos salários--de-contribuição integrantes do período básico de cálculo, antes da conversão em URV. A Corte de origem entendeu ser cabível a revisão, e, tal como a ma-gistrada de primeiro grau, restringiu os efeitos do julgado à Subseção Judiciária de Curitiba/PR, na forma do art. 16 da Lei nº 7.347/1985.

A preliminar em discussão já foi objeto de vários julgados proferidos no âmbito da Terceira Seção deste Tribunal, cuja jurisprudência oscilou, inicial-mente, ora a favor, ora contrariamente à legitimidade do parquet para o ajuiza-mento de ação civil pública no trato de questões previdenciárias.

Posteriormente, veio esta Corte a sedimentar a atual orientação, desfavo-rável à tese da legitimidade, com base nas seguintes premissas: (a) o benefício previdenciário traduz direito disponível, não abrangido pelo art. 127 da Consti-tuição Federal, que assegura ao Ministério Público a defesa dos interesses indi-viduais indisponíveis e (b) as relações jurídicas entre o INSS e os beneficiários do regime de Previdência Social não são relações de consumo, afastando, as-sim, a aplicação do art. 81, III, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que trata dos direitos individuais homogêneos.

E com base nesse entendimento, este Tribunal tem recusado a legitimi-dade ad causam do Ministério Público em ações civis públicas que objetivam discutir questões ligadas à seguridade social, como, por exemplo, direitos rela-tivos à concessão de benefício assistencial a idosos e portadores de deficiência,

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revisão de benefícios previdenciários, equiparação de menores sob guarda ju-dicial a filhos de segurados, para fins previdenciários.

Em que pese o atual e respeitável posicionamento, acima explanado, entendo que deve haver nova reflexão sobre o tema ora em debate, em face das razões adiante expostas, calcadas, sobretudo, no relevante interesse social envolvido no ajuizamento da ação civil pública de natureza previdenciária.

Pois bem.

Registre-se, desde logo, que não prospera a genérica alegação autárqui-ca de ilegitimidade ad causam do Ministério Público para defesa de “qualquer direito individual homogêneo”, ou, ainda, de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como não subsiste a alegação de inadequação da ação civil pública para a tutela de direitos individuais homogêneos sem re-lação de consumo.

Tais insurgências encontram obstáculo, de início, na Lei Complemen-tar nº 75/1993, cujo art. 6º, quanto ao ponto, estabelece textualmente que, in verbis:

“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

[...]

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

[...]

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e co-letivos;

[...]

XII – propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogê­neos.” (grifei)

É o que também se observa da Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacio-nal do Ministério Público) que, em seu art. 25, autoriza o Ministério Público a figurar como titular da ação civil pública para a proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. Confira-se, por oportuno, o texto da aludida norma, litteris:

“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

[...]

IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

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a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente [...], e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homo­gêneos;” (grifei)

Vale ainda registrar que, após a alteração promovida pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), incluindo o art. 21 na Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), o alcance desse instru-mento processual restou ampliado, de modo a abranger a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos fora das relações de consumo.

Nesse sentido já se manifestou esta Corte Superior de Justiça, conforme se verifica do seguinte julgado, in verbis:

“RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE SERVIDORES PÚBLICOS FE-DERAIS – CABIMENTO – LEGITIMIDADE DO SINDICATO – PRECEDENTES

1. De acordo com a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Jus-tiça, o art. 21 da Lei nº 7.347/1985, com redação dada pela Lei nº 8.078/1990, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores.

2. Recurso especial improvido.” (REsp 706.791/PE, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 02.03.2009 – grifei)

Acerca do tema, conclusiva é a lição doutrinária de Hugo Nigro Mazzili, ao afirmar que, litteris:

“E a defesa de ‘interesses individuais homogêneos? Só os interesses individuais homogêneos de consumidores podem ser protegidos no processo coletivo, ou qualquer interesse individual homogêneo pode ser objeto de ação civil pública da Lei nº 7.347/1985, sejam eles de consumidor ou não?

Como em momento algum a LACP se refere expressamente aos interesses indi-viduais homogêneos, uma análise mais apressada poderia fazer crer que essa espécie de interesses transindividuais estaria fora da cobertura da ação civil pú-blica, exceto, apenas, quanto aos interesses individuais homogêneos relativos aos consumidores, que poderiam ser defendidos por meio de ação coletiva prevista no CDC. Nesse teor, aliás, alguns acórdãos chegam a afirmar que ‘os interesses e direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 21 da Lei nº 7.347/1985, somente poderão ser tutelados, pela via da ação coletiva, quando os seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores’.

Esse entendimento restritivo não se sustenta, porém, em face do sistema conju-gado da LACP e do CDC, que se integram reciprocamente. Com efeito, estão também alcançados pela tutela coletiva os interesses individuais homogêneos, de qualquer natureza, relacionados ou não com a condição de consumidores dos lesados. Por isso, e em tese, cabe também a defesa de ‘qualquer interesse

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individual homogêneo’ por meio da ação civil pública ou coletiva, até porque seria inconstitucional impedir o acesso coletivo à jurisdição.

Inexiste taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses transindivi­duais. Por isso, além das hipóteses já expressamente previstas em diversas leis (defesa de meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, crianças e adoles-centes, pessoas portadoras de deficiência, investidores lesados no mercado de valores mobiliários, ordem econômica, economia popular, ordem urbanísticas) – quaisquer outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos podem em tese ser defendidos em juízo por meio da tutela coletiva, tanto pelo Ministério Público como pelos demais co-legitimados do art. 5º da LACP e art. 82 do CDC.” (in A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patri-mônio público e outros interesses. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 718/719 – grifei)

Melhor sorte não assiste ao INSS quando, pugnando por uma interpre-tação sistemática sob o prisma de dispositivos da Constituição Federal, alega que (a) o inciso III do aludido art. 129 da Lei Maior viabiliza a legitimidade do Ministério Público apenas para a defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos, mas não para a defesa de direito individual homogêneo e que (b) sendo disponíveis os direitos relativos a benefícios previdenciários, o Mi-nistério Público não teria legitimidade para a ação civil pública, uma vez que estaria ausente o caráter de indisponibilidade a que alude o art. 127 da Carta Magna.

Ressalte-se, nesse ponto, que a legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública, embora disciplinada em lei complementar e em leis ordiná-rias, como visto, é tema de envergadura constitucional, tratado diretamente pela Carta Magna nesses artigos.

E, sendo certo que a Constituição Federal confiou ao Supremo Tribunal Federal a última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, a so-lução do tema em apreço, mormente das questões em torno dos mencionados preceitos constitucionais, reclama necessária incursão, também, na jurispru-dência daquela Augusta Corte.

A começar pelo art. 129, inciso III, da Constituição Federal, registre-se que o Pretório Excelso, apreciando o RE 163.231/SP, firmou diretriz jurispru-dencial no sentido de que, no gênero “interesses coletivos”, ao qual se refere tal inciso, compreendem-se os “interesses individuais homogêneos”, como su-bespécie, cuja tutela pode ser requerida pelo Ministério Público mediante ação civil pública.

A propósito, confira-se a ementa do referido julgado, in verbis:

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“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONSTITUCIONAL – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS – MENSALIDADES ESCOLARES – CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI--LAS EM JUÍZO

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

[...]

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo­se em subespécie de direitos coletivos.

4.1 Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogê­neos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina­se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.

[...]

Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimi-dade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coleti-vidade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.” (Tribunal Pleno, DJ de 29.06.2001, Rel. Min. Maurício Corrêa – grifei)

Em outra oportunidade, ao apreciar o RE 195.056/PR, embora recusan-do a legitimação do Órgão Ministerial no feito, o Supremo Tribunal Federal assentou que “Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar­se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta­se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. CF, art. 127, caput, e art. 129, III” (Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 30.05.2003).

E em julgado mais recente:

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50 �������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA – LEGITIMIDADE ATIVA – MINISTÉRIO PÚBLICO – DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – SÚMULA STF Nº 286 – INAPLICABILIDADE

[...]

2. O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos (CF/1988, arts. 127, § 1º, e 129, II e III). Precedente do Plenário: RE 163.231/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 29.06.2001.

3. Agravo regimental improvido.” (AgRg-RE 514.023/RJ, 2ª T., Relª Min. Ellen Gracie, DJ de 05.02.2010)

Desse modo, cai por terra a tese recursal de que o Ministério Público não tem legitimidade para a ação civil pública quanto aos direitos individuais ho-mogêneos, ao argumento de que nem a Constituição Federal, em seu art. 129, III, e nem a Lei Complementar nº 75/1993, em seu art. 83, III, teriam cogitado de tais direitos (fl. 199).

E não se perca de vista que o art. 6º, VII, a, da Lei Complementar nº 75/1993, bem como o art. 25, IV, a, da Lei nº 8.625/1993, dispositivos an-teriormente citados, estabelecem ser competência do Ministério Público pro-mover a ação civil pública não apenas para a defesa de direitos individuais homogêneos, como, também, para a proteção de interesses sociais e coletivos.

Ainda nesse particular, registrem-se os seguintes julgados, destacados dentre outros, em que a Corte Especial deste Tribunal firmou orientação no sen-tido de que, havendo relevante interesse social, é cabível o manejo da ação civil pública pelo Órgão Ministerial para defesa de direitos individuais homogêneos:

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO – CONTRATOS DE FINANCIAMEN-TO – SFH – SÚMULA Nº 168/STJ

1. O Ministério Público possui legitimidade ad causam para propor ação civil pública objetivando defender interesses individuais homogêneos nos casos como o presente, em que restou demonstrado interesse social relevante. Precedentes.

[...]

3. Embargos de divergência não conhecidos.” (EREsp 644.821/PR, Corte Especial, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 04.08.2008)

“AGRAVO REGIMENTAL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – PROCESSO CIVIL – JULGAMENTO MONOCRÁTICO – JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA ACERCA DA MATÉRIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH) – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE ATIVA – PRECEDENTES

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������������51

[...]

II – O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa de mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), uma vez que os contratos para a aquisição da casa própria são firmados por pessoas hipossufi-cientes, restando caracterizado, assim o relevante interesse social. Precedentes da ‘e. Corte Especial’.

Agravo regimental desprovido.” (AgRg-EREsp 274.508/SP, Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 10.04.2006)

Também não há como prevalecer a alegação autárquica, fundada no art. 127 da Constituição Federal, de que, em se tratando, in casu, de direitos disponíveis, o Órgão Ministerial não teria legitimidade ad causam.

O fato de o direito perseguido por determinada classe ou grupo de pes-soas ser disponível não constitui fundamento suficiente para afastar a sua tutela pelo Parquet, mediante a ação civil pública, pois, conforme já proclamado, há muito, nesta Quinta Turma, “Há certos direitos e interesses individuais homogê­neos que, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, mas verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela ação civil pública” (REsp 95.347/SE, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 01.02.1999).

Não é outro o posicionamento de Ada Pelegrini Grinover:

“Muito embora a Constituição atribua ao MP apenas a defesa de interesses indi-viduais indisponíveis (art. 127), além dos difusos e coletivos (art. 129), III), a rele-vância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos levou o legislador ordinário a conferir ao MP a legitimação para agir nessa moda-lidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX).

A dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da CF.” (in A Ação Civil Pública e a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, n. 5, jan./mar. 1993, p. 213).

Assim, para fins de legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública, quando se tratar de direitos individuais homogêneos, ainda que dispo-níveis, o que deve ser observado é a presença do relevante interesse social de que se reveste o direito a ser tutelado.

E isso ocorre com os direitos sociais insertos na Constituição Federal, conforme resta claro do seguinte julgado, recentemente prolatado por esta Cor-

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te, tendo em mira a incumbência constitucional atribuída ao Ministério Público no art. 127, caput, da Lei Maior, litteris:

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITOS INDIVIDUAIS HO-MOGÊNEOS – RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – MINISTÉRIO PÚBLICO – LE-GITIMIDADE – REGISTRO PROFISSIONAL NO CONSELHO DE MEDICINA VE-TERINÁRIA – EXAME

[...]

2. O Superior Tribunal de Justiça reconhece a legitimidade ad causam do Minis-tério Público, seja para a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos seja para a proteção dos chamados direitos individuais homogêneos, sempre que ca­racterizado relevante interesse social.

[...]

5. O Ministério Público é legítimo para defender, por meio de ação civil pública, os interesses relacionados aos direitos sociais constitucionalmente garantidos.

Agravo regimental improvido.” (AgRg-REsp 938.951/DF, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 10.03.2010 – grifei)

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Suprema Corte, que tem reconhecido a legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública destinada à proteção de direitos sociais, tais como a moradia e a educação.

Nesse sentido, vale observar o pronunciamento monocrático da lavra do Min. Carlos Velloso, no qual restou assente que “Se se tem presente, por exem-plo, a relevância que a Constituição empresta à moradia, consagrada como direito social, assim direito fundamental, CF, art. 6º [...] a interpretação abran-gente, ora preconizada, tal como preconizamos relativamente à educação, no acórdão do RE 195.056/PR, linhas atrás indicado, para o fim de tornar o órgão do Ministério Público legitimado para a defesa do direito ou interesse aqui discuti-do, decorrente de um direito fundamental, ajusta-se ao espírito da Carta, porque confere maior eficácia aos princípios por ela consagrados” (RE 247.134/MS, DJ de 09.12.2005 – grifei).

Por oportuno, anote-se o entendimento adotado no já citado RE 163.231/SP, quando a Corte Constitucional assinalou que, “Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postula-tória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.” (grifei)

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E tal como o fez quanto à moradia e à educação – que, na linha do enten-dimento do Pretório Excelso, podem ser objeto de tutela pelo Ministério Público –, a Constituição Federal, em seu art. 6º, elevou a previdência social à categoria de garantia fundamental do homem, inserindo-a no rol dos direitos sociais.

Veja-se que os direitos sociais, nas palavras de Alexandre de Moraes, “são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras li-berdades positivas de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, vi­sando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamen­tos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal” (in Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 177 – grifei).

A relação existente entre o art. 1º, da Constituição Federal, acima citado, e as funções institucionais do Ministério Público foi demonstrada com precisão quando do julgamento do RE 228.177/MG, relatado pelo Min. Gilmar Mendes, conforme se percebe do seguinte trecho extraído desse julgado:

“[...] a Constituição, ao tratar do Ministério Público como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe do indisponível dever de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os ‘interesses sociais e individuais indisponíveis’ (art. 127, caput). E não há dúvida de que o dispositivo constitucional do art. 127, caput, remete para os valores fundamentais protegi-dos pela Constituição, especialmente os expressos em direitos e interesses de-correntes da dignidade da pessoa humana, a soberania, a cidadania, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político, como fundamen-tos da República, tal como definido no art. 1º” (RE 228.177/MG, 2ª T., DJe de 05.03.2010).

Desse modo, há de se constatar, no âmbito do direito previdenciário, um dos seguimentos da seguridade social, expressamente elencado no rol dos direitos sociais, a indiscutível presença do relevante interesse social, que viabi-liza a legitimidade do Órgão Ministerial para figurar no polo ativo da ação civil pública.

Ainda do magistério doutrinário de Hugo Nigro Mazzilli, extrai-se a se-guinte lição:

“Em vista de sua distinção, o Ministério Público está legitimado à defesa de quais-quer interesses ‘difusos’, graças a seu elevado grau de dispersão e abrangência, o que lhes confere conotação social. E quanto aos interesses ‘coletivos’ (em sentido estrito) e ‘individuais homogêneos’, estaria o Ministério Público sempre autori­zado à sua defesa?

Há três linhas principais de respostas que costumam ser dadas a essa indagação.

[...]

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Assim, passemos à terceira linha de resposta à indagação acima, e que é aquela por nós preconizada. Para esta posição, deve­se levar em conta, em concreto, a efetiva conveniência social da atuação do Ministério Público em defesa de inte­resses transindividuais. Essa conveniência social em que sobrevenha atuação do Ministério Público deve ser aferida em concreto a partir de critérios como estes: a) conforme a natureza do dano (p. ex., saúde, segurança e educação públicas); b) conforme a dispersão dos lesados (a abrangência social do dano, sob o aspecto dos sujeitos atingidos); c) conforme o interesse social no funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico (previdência social, captação de poupança popular, questões tributárias etc.)

[...]

Enfim, se em concreto a defesa coletiva de interesses transindividuais assumir relevância social, o Ministério Público estará legitimado a propor a ação civil pública correspondente. Convindo à coletividade como um todo a defesa de um interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, aí sim é que não se há de re-cusar ao Ministério Público assuma sua tutela. Corretamente destacou Consuelo Yoshida que a legitimidade ad causam ativa e o interesse processual do Ministé-rio Público na tutela jurisdicional coletiva dos direitos individuais homogêneos decorrem da relevância social dos interesses materiais envolvidos.

Assim, é incorreto dizer, ‘simpliciter’, que o Ministério Público não pode defen­der interesses individuais homogêneos disponíveis. Se a defesa de tais interesses envolver larga abrangência ou acentuado interesse social, deverá ser empreendi­da pela instituição” (ob. cit., p. 106/108 e 110 – grifei).

Convém destacar a lição do Min. Sepúlveda Pertence em judicioso voto--vogal proferido no julgamento do RE 195.056/PR, anteriormente citado.

Na ocasião, Sua Excelência, chamava a atenção para a análise do art. 127 da Constituição Federal sob a ótica da expressão “interesses sociais” contida nesse dispositivo, no que denominou de interesse social segundo a constituição, expressão essa que, como se pode perceber, tem perfeita aplica-ção à seguridade social. Veja-se:

“[...] para orientar a demarcação, a partir do art. 129, III, da área de interesses individuais homogêneos em que admitida a iniciativa do MP, o que reputo de maior relevo, no contexto do art. 127, não é o incumbir à instituição a defesa [...]

[...] a eventual disponibilidade pelo titular de seu direito individual, malgrado sua homogeneidade com o de outros sujeitos, não subtrai o interesse social acaso existente na sua defesa coletiva.

Ao contrário, são de direitos disponíveis as hipóteses mais notórias de indiscutida legitimação do MP para a ação civil pública de defesa de interesses homogêneos, a começar daqueles dos consumidores e dos outros casos de anterior previsão legal, já referidos.

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O problema é saber quando a defesa da pretensão de direitos individuais homo­gêneos, posto que disponíveis, se identifica com o interesse social ou se integra no que o próprio art. 129, III, da Constituição denomina patrimônio social. Não é fácil, no ponto, a determinação do critério da legitimação do Ministério Público.

[...]

Penso, como visto, que a adstrição da legitimidade do MP aos casos de previ-são legal expressa, embora razoavelmente objetiva, seria um critério insuficiente para a identificação do interessa social na defesa de direitos coletivos: dado que deriva da Constituição a legitimação do MP para a hipótese, não se pode reputar exaustivo o critério que delega ao legislador o poder de demarcar a função de um órgão constitucional essencial à jurisdição.

Creio, assim, que – afora o caso de previsão legal expressa – a afirmação do inte­resse social para o fim cogitado há de partir da identificação do seu assentamento nos pilares da ordem social projetada pela Constituição e na sua correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República, nela consagrados.

[...]

Esse critério – que se poderia denominar de interesse social segundo a Constitui­ção – ainda que nem sempre explicitado em tese, parece estar subjacente a di­versas decisões judiciais, algumas já citadas, que tem reconhecido a legitimação do MP para a defesa de direitos individuais homogêneos, seja ou não a hipótese simultaneamente enquadrável no âmbito da tutela dos consumidores: recorde-se, por exemplo, as questões relativas ao custo da educação privada [...], à seguri­dade social, à saúde – desde o caso dos usuários de planos de assistência ao do conjunto de trabalhadores carentes, vítimas de doença profissional oriunda das condições de trabalho de determinada empresa (STJ, REsp 58.682, 08.10.1996, Direito, RDA 207/283).” (grifei)

É oportuno o exemplo da seguridade social citado no trecho acima transcrito, pois, conforme preconiza a Lei Complementar nº 75/1993, em seu art. 5º, II, d, é função institucional do Ministério Público da União zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos à seguridade social. Res-salte-se, ainda, que, conforme estabelece esse mesmo art. 5º, em seu inciso I, é função institucional do Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais.

Também por ser pertinente à análise do tema deduzido no presente ape-lo, traz-se à colação recente julgado do Supremo Tribunal Federal, prolatado no AgRg/RE 472.489/RS, interposto pelo INSS, no qual era discutido o direito dos segurados da previdência social à obtenção de certidão parcial de tempo de serviço.

Nesse julgado, restou rechaçada a alegação do INSS de violação aos arts. 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal, sendo reconhecida a le-

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gitimidade do Ministério Público para a defesa daqueles direitos individuais homogêneos, tendo em vista a existência do relevante interesse social discutido na ação.

Merecem transcrição as doutas razões veiculadas nesse julgado, litteris:

“Esse entendimento – que reconhece legitimidade ativa ao Ministério Público para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quan-do impregnados de relevante natureza social – reflete-se na jurisprudência firma-da por esta Suprema Corte [...].

[...]

Tenho para mim que se revela inquestionável a qualidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em sede de processo coletivo – hi-pótese em que estará presente ‘o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF, art. 127, caput e CF, art. 129, IX)’ (NERY JUNIOR, Nelson. O Ministério Público e as Ações Coletivas, in Ação Civil Pública, p. 366, Coord. por Édis Milaré, 1995, RT – grifei) –, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque revestidos de inegável relevância social, como sucede com o direito de petição e o de obtenção de certidão em repartições públicas (CF, art. 5º, XXXIV), que traduzem prerrogativas jurídicas de índole emi-nentemente constitucional, ainda mais se analisadas na perspectiva dos direitos fundamentais à previdência social (CF, art. 6º) e à assistência social (CF, art. 203).

Na realidade, o que o Ministério Público postulou nesta sede processual nada mais foi senão o reconhecimento – e consequente efetivação – do direito dos segurados da Previdência Social à obtenção da certidão parcial de tempo de serviço.

Nesse contexto, põe-se em destaque uma das mais significativas funções institu-cionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento de que lhe assiste a posição eminente de verdadeiro ‘defensor do povo’ (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público, p. 224/227, item n. 24, b, 3. ed. 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de impor, aos poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da República assegura aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para tanto, promover as medidas necessárias ao adimple-mento de tais garantias, o que lhe permite a utilização das ações coletivas, como a ação civil pública, que representa poderoso instrumento processual concretiza-dor das prerrogativas fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta Po-lítica, ‘[...] sendo irrelevante o fato de tais direitos, individualmente considerados, serem disponíveis, pois o que lhes confere relevância é a repercussão social de sua violação, ainda mais quando têm por titulares pessoas às quais a Constituição cuidou de dar especial proteção‘ [...].

[...]

A existência, na espécie, de interesse social relevante, amparável mediante ação civil pública, ainda mais se põe em evidência, quando se tem presente – consi­

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derado o contexto em causa – que os direitos individuais homogêneos ora em exame revestem­se, por efeito de sua natureza mesma, de índole eminentemente constitucional, a legitimar, desse modo, a instauração, por iniciativa do Ministé­rio Público, de processo coletivo destinado a viabilizar a tutela jurisdicional de tais direitos.” (Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., DJe de 29.08.2008 – grifei)

Tal julgado restou assim ementado:

“DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – SEGURADOS DA PREVIDÊN-CIA SOCIAL – CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO – RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA – DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OB-TENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS – PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL – EXISTÊN­CIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITI­MAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ‘DEFENSOR DO POVO’ (CF, ART. 129, II) – DOUTRINA – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO

O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada cole-tividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações.

A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pres-supostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumen-tos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública.

O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos di-reitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obten-ção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes.” (grifos no original)

Registre-se que o entendimento em prol da legitimidade do Parquet para a ação civil pública tanto em matéria relativa à previdência social quanto à matéria rela-tiva à assistência social vem sendo reiteradamente adotado no âmbito do Supre-mo Tribunal Federal, resultando, inclusive, em reforma de acórdãos prolatados pelas Quinta e Sexta Turmas deste Superior Tribunal de Justiça.

Com efeito, ao apreciar, por decisão monocrática, o Ag 516.419/PR (DJe de 12.02.2010), o relator do feito, Min. Cezar Peluso, acolheu o agravo e proveu o Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público, reconhecendo ao Parquet a legitimidade para ação civil pública, cujo objeto era a revisão de be­nefícios previdenciários.

É o que se verifica dos seguintes trechos dessa decisão:

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“1. Trata-se agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento de recurso extraordinário interposto de acórdão do Superior Tribunal de Justiça e assim ementado:

‘PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REVI-SÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – DIREITOS INDIVIDUAIS DISPO-NÍVEIS – AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE O INSS E O SE-GURADO – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM

I – Trata-se de Ação Civil Pública objetivando a condenação da autarquia à revisão da renda mensal inicial de benefícios previdenciários concedidos an-teriormente à vigência da Lei Maior, com a correção dos 24 primeiros salários de contribuição integrantes do PBC pelos índices das ORTNs/OTNs/BTNs.

II – A quaestio trazida à baila diz respeito a direito que, conquanto pleitea-do por um grupo de pessoas, não atinge a coletividade como um todo, não obstante apresentar aspecto de interesse social. Sendo assim, por se tratar de direito individual disponível, evidencia-se a inexequibilidade da defesa de tais direitos por intermédio da ação civil pública. Destarte, as relações jurídi-cas existentes entre a autarquia previdenciária e os segurados do regime de Previdência Social não caracterizam relações de consumo, sendo inaplicável, in casu, o disposto no art. 81, III, do Código de Proteção e Defesa do Consu-midor. Precedentes.

Recurso conhecido e provido.’ (fl. 07)

Sustenta o recorrente, com base no art. 102, III, a, ofensa ao disposto nos arts. 127 e 129, II e III, da Constituição da República. Aduz que ‘Por sua vez, a indisponibi-lidade do direito não está relacionada com o direito patrimonial. No caso, tendo sido atingido direito fundamental do homem, como é a previdência social, tem--se por violado interesse indisponível, ainda que desse mesmo interesse decorra parcela patrimonial.’ (fl. 30)

2.Consistente o recurso.

A tese adotada está em desconformidade com a jurisprudência desta Corte, que reconhece a legitimação ad causam do Ministério Público, assim para a tutela de interesses e direitos difusos e coletivos – os transindividuais de natureza indivi-sível –, como para a proteção de direitos individuais homogêneos, sempre que estes, tomados em conjunto, ostentem dimensão de grande relevo social, ligada a valores e preceitos que, hospedados na Constituição da República Federal, sejam pertinentes a toda a coletividade. Nesses casos, a atuação do Ministério Público afeiçoa-se a seu perfil institucional, voltado ao resguardo do interesse social e dos direitos coletivos, considerados em sentido amplo (CF, art. 127 e 129, incs. III e IX). [...].

[...]

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3. Do exposto, acolho o agravo e, desde logo, conheço do recurso extraordinário e dou­lhe provimento, para declarar a legitimidade do Ministério Público.” (grifos no original)

Registre-se que, contra tal decisão, o INSS interpôs agravo regimental, aduzindo que, em se tratando de direitos individuais disponíveis, de interesse de grupo ou de classe de pessoas, o Parquet não possuiria legitimidade para discutir a conces-são/revisão de benefícios previdenciários por meio de ação civil pública.

O regimental foi relatado pelo Min. Gilmar Mendes, tendo a Segunda Turma do Pretório Excelso, à unanimidade, negado provimento ao recurso autárquico, em acórdão assim ementado, in verbis:

“Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. 3. Relevância social. Ministério Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência dominante. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg-AI 516.419/PR, DJe de 30.11.2010)

O mesmo posicionamento foi adotado no RE 613.044/SC (DJe de 25.06.2010), da relatoria da Min. Carmen Lúcia, restando declarada a legitimidade do Par­quet para a propositura de ação civil pública que objetivava discutir critérios de concessão de benefício assistencial a idosos e portadores de deficiência física (art. 203, V, da Constituição Federal):

“[...]

1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

‘PREVIDENCIÁRIO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA – LEI Nº 8.742/1993 – MODIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS LEGAIS TEXTUALMENTE PREVISTOS PARA A CONCESSÃO – ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – DIREITOS PATRIMO-NIAIS DISPONÍVEIS – RELAÇÃO DE CONSUMO DESCARACTERIZADA – PRECEDENTES DO STJ – RECURSO DO INSS PROVIDO

1. O Ministério Público não detém legitimidade ad causam para a propositura de ação civil pública que verse sobre benefícios previdenciários, uma vez que se trata de direitos patrimoniais disponíveis e inexistente relação de consumo. Precedentes.

2. Prejudicado o exame do recurso especial da União.

3. Recurso especial da autarquia provido para declarar a ilegitimidade ativa do Ministério Público’ (fl. 514).

[...]

2. O Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 93, inc. IX, 127 e 129, inc. III, da Constituição da República.

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[...]

4. Razão jurídica assiste ao Recorrente.

5. A controvérsia em debate cinge-se à legitimidade do Ministério Público para a interposição de ação civil pública na qual se discutem os critérios adotados pela autarquia previdenciária para a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser legítima a atuação do Ministério Público na defesa de direitos que, embora individuais, possuam relevante interesse social, pois os chamados direitos individuais ho-mogêneos estariam incluídos na categoria de direitos coletivos abrangidos pelo art. 129, inc. III, da Constituição da República (RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 29.06.2001).

Ressalte-se, nesse sentido, o voto proferido pelo Relator do Agravo de Instrumen-to no Recurso Extraordinário nº 472.489, Ministro Celso de Mello, no qual se reconheceu o direito de segurados da Previdência Social à obtenção de certidão parcial de tempo de serviço e a legitimidade do Ministério Público para propor ação com esse objetivo [...].

[...]

6. Na espécie vertente, pretende o Recorrente ver declarada sua legitimidade para a propositura de ação civil pública na qual se discutirão os critérios ado-tados pela autarquia previdenciária para a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição da República.

Não há como deixar-se de reconhecer o relevante interesse social que a questão apresenta, ainda que não trate de relação de consumo, como afirmado a título de óbice pelo Tribunal de origem. Além disso, é de se considerar que a Constituição da República dispensa atenção especial aos portadores de deficiência e aos ido-sos (art. 203, inc. V).

O acórdão recorrido, portanto, diverge da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

7. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1ª-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tri-bunal Federal) para declarar a legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação civil pública nos termos postos e determino o retorno dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para que prossiga no julgamento do recurso espe­cial.” (Grifos no original)

Também foi reconhecida naquela Augusta Corte a legitimidade do Minis-tério Público para o ajuizamento de ação civil pública nos seguintes julgados monocráticos:

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(a) RE 549.419/DF, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 06.08.2010, objeto da ação civil pública: revisão de benefício previdenciário;

(b) RE 607.200/SC, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 06.08.2010, objeto da ação civil pública: revisão de benefícios previdenciários;

(c) RE 491.762/SE, Relª Min. Carmen Lúcia, DJe de 26.02.2010, objeto da ação civil pública: equiparação de menores sob guarda judicial a filhos de segura-dos, para fins previdenciários;

(d) RE 444.357/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 11.11.2009, objeto da ação civil pública: critério de concessão do benefício assistencial a porta-dores de deficiência e idosos (art. 203, V, da Constituição Federal).

Impende ainda ressaltar que o reconhecimento da legitimidade do Mi-nistério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária implicaria inegável economia processual, evitando a proliferação de demandas indivi- duais idênticas com o consequente acúmulo de feitos nas instâncias do Judi- ciário.

A propósito:

“RECURSO ESPECIAL – PREVIDENCIÁRIO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MINISTÉ-RIO PÚBLICO FEDERAL

‘O Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais homogê-neos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público.’

‘O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução unifor-me para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige, a repetição de processos idênticos.’

Recurso conhecido, mas desprovido.” (REsp 413.986/PR, 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 11.11.2002)

Acrescente-se, ainda, a lição de Rodolfo Camarco Mancuso, para quem “[...] especialmente nos casos em que há expressiva dispersão dos lesados (por exemplo, aplicadores em caderneta de poupança de certo Banco, prejudica-dos pelo incorreto índice remuneratório), haverá extrema conveniência em que o trato jurisdicional da matéria se faça em modo molecular, assim evitando a atomização do fenômeno coletivo em múltiplas demandas individuais, ao risco de decisões discrepantes, em processos mais demorados e onerosos” (in Interesses difusos, conceito e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 49 – grifei).

Na hipótese sob exame, a ação civil pública titularizada pelo Parquet tem por objeto a revisão dos benefícios previdenciários de inúmeros aposentados, tendo a Corte de origem assinalado, com proficiência, que, in verbis:

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“No caso dos autos, o interesse social sobressai, pois evidenciado pelo avultado número de beneficiários da Previdência Social que tiveram calculada de forma errônea e prejudicial a renda mensal inicial de seus benefícios previdenciários, com significativa redução de seus proventos ao longo dos anos, a projetar re-flexos não apenas nas suas próprias vidas e nas de suas famílias, mas em toda a sociedade, com um empobrecimento injustificado a levá-los a um processo de exclusão social expressamente repelido pela Constituição Federal e à oneração dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social.

A Ação Civil Pública, portanto, é o instrumento adequado, face à economia e praticidade da medida, a obviar o inconveniente do ajuizamento de centenas de ações individuais e a injustiça de não se reparar o prejuízo daqueles que, por ignorância ou dificuldade de meios, não vão à Justiça vindicar seus direitos.” (fl. 165)

Assevere-se que, embora esta Corte tenha firmado jurisprudência des-favorável à tese de legitimidade do Ministério Público em matéria previdenci-ária, alguns posicionamentos demonstram ainda existir polêmica em torno da questão.

É o que se deu, por exemplo, quando do julgamento do REsp 396.081/RS (DJe de 03.11.2008), em que se discutia a legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública cujo objeto era garantir o direito de crianças e adolescentes, sob guarda judicial, à inscrição no RGPS como dependentes, para fins previ-denciários.

Na ocasião, embora decidindo conforme a atual jurisprudência, a relato-ra do feito, Min. Maria Thereza de Assis Moura, com sua habitual competência, ressalvou o seu ponto de vista exatamente em razão do relevante interesse so-cial presente na lide, manifestando-se nos seguintes termos, litteris:

“Consoante previsão do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/1985, introdu-zido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, ‘não será cabível ação civil públi-ca para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados’.

Conquanto referido dispositivo legal não tenha aplicação para os feitos que ver-sam sobre benefícios previdenciários, mas apenas para os casos que cuidam de contribuições previdenciárias, predomina na Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça a tese de que não é cabível a propositura de ação civil pública que verse sobre a concessão de benefícios previdenciários, por cuidarem de direitos individuais disponíveis.

[...]

Com a devida vênia da tese que prepondera na Terceira Seção deste egrégio Tri-bunal, entendo que, em casos como o presente, ainda que os direitos defendidos

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sejam divisíveis, há legitimidade do Ministério Público diante da existência de relevante interesse social na causa, que versa sobre interesses individuais homo-gêneos consubstanciados em interesses de crianças e adolescentes sob guarda judicial de serem inscritas como dependentes no Regime Geral da Previdência Social.

[...]

No entanto, em respeito à jurisprudência firmada pela Terceira Seção, com a ressalva do meu entendimento acerca do tema, adoto a tese segundo a qual o Ministério Público não tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública em defesa de direito à percepção de benefício previdenciário.”

Diga-se o mesmo do douto voto-vogal vencido proferido pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, prolatado julgamento do REsp 661.701/SC (DJe de 18.05.2009) – cujo acórdão foi posteriormente reformado pelo Supremo Tribu-nal Federal, no já citado RE 613.044/SC –, in verbis:

“1. Senhores Ministros, gostaria de mencionar, não propriamente lembrando, mas apenas frisando, à douta Turma que a categoria da legitimidade processual é muito cara ao processo civil e que surgiu em cena ainda no Século XIX, com a questão do interesse de agir e da possibilidade jurídica quando o processo civil foi estruturado nos seus começos para regular ações e litígios simplesmente binários, ou seja, um indivíduo contra outro. Essa categoria – disse isso em um julgamento da Seção em que fiquei vencido – não dá conta do processo civil contemporâneo em que os direitos coletivos e multitudinários surgiram com a força decorrente dos direitos fundamentais e com tal força avassaladora que quebrou essa catego-ria tradicional do processo civil, que é da legitimidade. No caso, é evidente que o direito subjetivo ou material está patente e presente e que o Ministério Público, ao propor essa ação, na verdade, resguarda e tutela um direito multitudinário de pessoas sabidamente hipossuficientes e que, deixadas ao relento da proteção do Ministério Público, com certeza não demandarão esses direitos ou haverá até retardo admirável na demanda, com prejuízo evidente para a subsistência das pessoas hipossuficientes ou pobres. A Defensoria Pública poderia também propor a ação, mas nem todas as comarcas nem todos os Estados possuem Defensoria Pública tão capilarizada e tão presente, tão dinâmica até diria e tão empenhada quanto o Ministério Público.

2. Daí por que, Ministro Arnaldo Esteves Lima, reconhecendo a grande pondera-bilidade de suas palavras, penso que não há prejuízo para ninguém em se admitir que o Ministério Público promova esse tipo de ação e haverá uma vantagem evi-dente para as pessoas que são credoras desses benefícios. Quando, na verdade, esses benefícios deveriam ser pagos na via administrativa, sem necessidade de demanda alguma.

3. Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, com o devido respeito a V. Exa. e ao seu voto, penso que esse rigor na apuração da legitimidade subjetiva ativa do Minis-tério Público, vem em desfavor das pessoas que estão carecendo de proteção, daí

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por que quem quer que promova a ação no sentido de amparar os carentes deve merecer acolhida a iniciativa.

4. Assim, mais uma vez, reconhecendo a grande lucidez do voto de V. Exa., peço vênia, respeitosamente, para reconhecer que o Ministério Público tem legitimi-dade ativa para propor ações em benefício de hipossuficientes que têm direito a perceber benefícios previdenciários. A questão posta no recurso especial é exclu-sivamente da legitimidade.

5. Peço vênia a V. Exa. para negar provimento ao recurso do INSS pelas razões que acabei de alinhavar. E julgo prejudicado o recurso especial da União.”

Tenho, por fim, que as razões veiculadas tanto na doutrina quanto na jurisprudência anteriormente apreciadas embasam, a meu ver, a mudança de posicionamento desta Corte, no sentido de que, diante da presença do relevan-te interesse social envolvido no assunto, seja reconhecida a legitimidade do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação civil pública na defesa de direitos de natureza previdenciária, cujas normas, constitucionais e infracons-titucionais, têm por destinatários, em grande parte, pessoas desvalidas social e economicamente.

Assim, entendo que deve ser restabelecida a antiga jurisprudência desta Corte, que, com sabedoria e justiça, já reconheceu a legitimidade do Parquet sobre a questão, conforme inicialmente afirmado e exemplificado no preceden-te a seguir citado, in verbis:

“AGRAVO INTERNO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREI-TOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – LEGI-TIMIDADE – PRECEDENTES DO STJ

I – Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ‘O Ministério Pú-blico possui legitimidade para propor ação coletiva visando proteger o interesse, de todos os segurados que recebiam benefício de prestação continuada do INSS, pertinente ao pagamento dos benefícios sem a devida atualização, o que estaria causando prejuízo grave a todos os beneficiários. Sobre as atribuições dos inte-grantes do Ministério Público, cumpre asseverar que a norma legal abrange toda a amplitude de seus conceitos e interpretá-la com restrições seria contrariar os princípios institucionais que regem esse órgão.’ (REsp 211019/SP, Rel. Min. Felix Fischer)

II – Agravo interno desprovido.” (AgRg-AgRg-Ag 422.659/RS, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 05.08.2002)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������������65

certIdão de JulgAMento quIntA turMA

Número Registro: 2009/0102844-1

Processo Eletrônico REsp 1.142.630/PR

Número Origem: 200370000707147

Pauta: 02.12.2010 Julgado: 07.12.2010

Relatora: Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Brasilino Pereira dos Santos

Secretário: Bel. Lauro Rocha Reis

AutuAção

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Procurador: Fabiano Haselof Valcanover e outro(s)

Recorrido: Ministério Público Federal

Recorrido: Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil

Advogado: Marcelo Augusto Angioletti e outro(s)

Assunto: Direito previdenciário – Benefícios em espécie

certIdão

Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento.”

Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília, 07 de dezembro de 2010

Lauro Rocha Reis Secretário

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Assunto Especial – Ementário

Direito Fundamental à Segurança Social

3257 – Assistência social – Loas – benefício de prestação continuada

“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (Loas), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que compro-vem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 que: ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fun-damento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem conside-radas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da Loas. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei nº 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabe-lecido pela Loas. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela Loas e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei nº 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei nº 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola; a Lei nº 9.533/1997, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever an-teriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patama-res econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, pará-grafo único, da Lei nº 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um sa-lário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionali-dade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (STF – RE 580963 – Rel. Min. Gilmar Mendes – TP – J. 18.04.2013 – Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-225, Divulg. 13.11.2013, Public. 14.11.2013)

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������67

3258 – Seguridade social – aposentadoria especial – definições fornecidas pelo Poder Judiciário

“Recurso extraordinário com agravo. Direito constitucional previdenciário. Aposentadoria especial. Art. 201, § 1º, da Constituição da República. Requisitos de caracterização. Tempo de serviço prestado sob condições nocivas. Fornecimento de Equipamento de Proteção Indi-vidual – EPI. Tema com repercussão geral reconhecida pelo plenário virtual. Efetiva exposi-ção a agentes nocivos à saúde. Neutralização da relação nociva entre o agente insalubre e o trabalhador. Comprovação no Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP ou similar. Não caracterização dos pressupostos hábeis à concessão de aposentadoria especial. Caso concre-to. Agente nocivo ruído. Utilização de EPI. Eficácia. Redução da nocividade. Cenário atual. Impossibilidade de neutralização. Não descaracterização das condições prejudiciais. Benefí-cio previdenciário devido. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso extraordiná-rio. 1. Conduz à admissibilidade do Recurso Extraordinário a densidade constitucional, no aresto recorrido, do direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/1988), com re-flexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/1988), à saúde (arts. 3º, 5º e 196, CRFB/1988), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/1988) e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193 e 225, CRFB/1988). 2. A eliminação das atividades laborais nocivas deve ser a meta maior da Sociedade – Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais –, que devem voltar-se incessantemente para com a defesa da saúde dos trabalhadores, como enuncia a Constituição da República, ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/1988), a valorização social do trabalho, a preservação da vida e da saúde (arts. 3º, 5º, e 196, CRFB/1988), e o meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193, e 225, CRFB/1988). 3. A aposentadoria especial prevista no art. 201, § 1º, da Constituição da República, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos ‘casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar’. 4. A apo-sentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste natu-ralmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contri-buição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo. 5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/1988, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deve-ras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma consti-tucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/1988). Precedentes: RE 151.106-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28.09.1993, 1ª T., DJ de 26.11.1993; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, J. 03.03.1998, 2ª T., DJ de 04.09.1998. 6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/1988, e depois da Medida Provisória nº 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei nº 8.213/1991, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pon-tos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita

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a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribui-ção, respectivamente. 7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção – FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambien-te de trabalho hígido a seus trabalhadores. 8. O risco social aplicável ao benefício previden-ciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saú-de ou à integridade física (CRFB/1988, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido pre-sente na relação entre agente nocivo e o trabalhador. 9. A interpretação do instituto da apo-sentadoria especial mais consentânea com o Texto Constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em ‘condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física’. 10. Consectariamen-te, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for re-almente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentado-ria especial. 11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentado-ria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. 12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auri-cular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da nor-malidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos per-centuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a con-cessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. 13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores. 14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissio-gráfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual

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– EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 15. Agravo conhe-cido para negar provimento ao Recurso Extraordinário.” (STF – ARE 664335 – Rel. Min. Luiz Fux – TP – J. 04.12.2014 – Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-029, Divulg. 11.02.2015, Public. 12.02.2015)

3259 – Seguridade social – assistência social – levantamento de FGTS por cônjuge supérs-tite

“Administrativo. Alvará judicial. Levantamento de PIS e FGTS por cônjuge do falecido. Au-sência de habilitação junto à Previdência Social. Dependência econômica. Art. 1º da Lei nº 6.858/1980. 1. Com amparo no art. 1º da Lei nº 6.858/1980, a Corte de origem afastou o direito da recorrente de perceber os saldos de FGTS e PIS titularizados por seu falecido marido na medida em que, nada obstante sua dependência financeira, não se encontrava habilitada junto à Previdência Social em tal condição. 2. Esse requisito deve ser examinado sob o prisma da teleologia que inspirou o legislador ao dispor sobre a habilitação previden-ciária, qual seja, facilitar a comprovação junto à administração pública da situação de de-pendência econômica daqueles que postulam o benefício da seguridade social. 3. Ademais, no caso da esposa do de cujus, essa dependência previdenciária é legalmente presumida, de sorte que sua habilitação prescinde da produção de qualquer espécie de prova além do vínculo conjugal. 4. A exegese emprestada pelo Poder Judiciário à regra no caso concreto não pode escapar de seus evidentes fins sociais, autorizando-se o levantamento dos valores perseguidos pela recorrida, a qual, apesar de não estar habilitada junto à Previdência Social, revela-se inequivocamente como dependente do falecido. 5. Adotar orientação diversa sig-nificaria desprezar a manifesta intenção da lei ao conferir maior importância a um detalhe burocrático desimportante na espécie – haja vista a presunção de dependência do cônjuge – em detrimento da pacificação social, desvirtuando-se requisito estipulado para tornar mais célere o levantamento do montante ao erigi-lo como verdadeiro empecilho à percepção do PIS e do FGTS pela ora recorrente. 6. Recurso especial provido.” (REsp 1289346/DF – Rel. Min. Castro Meira – 2ª T. – J. 12.06.2012 – DJe 20.06.2012)

3260 – Seguridade social – benefício de prestação continuada – Loas – definições legais não modificadas pelo Poder Judiciário

“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (Loas), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que compro-vem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fun-damento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem conside-radas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da Loas. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei nº 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à con-

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trovérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabeleci-do pela Loas. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela Loas e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei nº 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei nº 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola; a Lei nº 9.533/1997, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever an-teriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patama-res econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (STF – RE 567985 – Rel. Min. Marco Aurélio – Rel. p/ Ac. Min. Gilmar Mendes – TP – J. 18.04.2013 – Acórdão Eletrônico DJe 194, Divulg. 02.10.2013, Public. 03.10.2013)

3261 – Seguridade social – igualdade de gênero – união homoafetiva

“1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Perda parcial de obje-to. Recebimento, na parte remanescente, como ação direta de inconstitucionalidade. União homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Convergência de objetos entre ações de natureza abstrata. Julgamento conjunto. Encampação dos fundamentos da ADPF 132/RJ pela ADI 4.277/DF, com a finalidade de conferir ‘interpretação conforme à Consti-tuição’ ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. Proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles. A proibição do preconcei-to como capítulo do constitucionalismo fraternal. Homenagem ao pluralismo como valor sócio-político-cultural. Liberdade para dispor da própria sexualidade, inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é da autonomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada. Cláusula pétrea. O sexo das pessoas, salvo disposição constitu-cional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de ‘promover o bem de todos’. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana ‘norma geral negativa’, segundo a qual ‘o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido’. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da ‘dignidade da pessoa humana’: direito à auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empí-rico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tu-teladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. Tratamento constitucional da instituição da família. Reconhecimento de que a Constituição Federal não empresta ao substantivo ‘fa-mília’ nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. A família como categoria sociocultural e princípio espiritual. Direito subjetivo de constituir família. Interpretação não-

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-reducionista. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituí-da, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão ‘família’, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por ‘intimidade e vida privada’ (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subje-tivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralis-mo como categoria sociopolítico-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coe-rência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. União estável. Normação constitucional referida a homem e mulher, mas apenas para especial proteção desta última. Focado propósito constitucional de estabelecer relações jurí-dicas horizontais ou sem hierarquia entre as duas tipologias do gênero humano. Identidade constitucional dos conceitos de ‘entidade familiar’ e ‘família’. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierar-quia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constitui-ção para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu § 3º. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia ‘entidade fa-miliar’, não pretendeu diferenciá-la da ‘família’. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado ‘entidade familiar’ como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emer-gem ‘do regime e dos princípios por ela adotados’, verbis: ‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adota-dos, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’. 5. Di-vergências laterais quanto à fundamentação do acórdão. Anotação de que os Ministros Ricar-do Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação le-gislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. Interpretação do art. 1.723 do Código Civil em conformidade com a Constituição Federal (técnica da ‘interpretação conforme’). Reconhecimento da união homoafetiva como família.

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Procedência das ações. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se neces-sária a utilização da técnica de ‘interpretação conforme à Constituição’. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável hete-roafetiva.” (STF – ADPF 132 – Rel. Min. Ayres Britto – TP – J. 05.05.2011 – DJe-198 Divulg. 13.10.2011, Public. 14.10.2011, Ement. v. 02607-01, p. 00001)

3262 – Seguridade social – regime tributário – impossibilidade de o Poder Judiciário in-terferir em eventuais distorções na arrecadação tributária

“Tributário. Contribuição para o SAT/RAT. Fixação de alíquota. Legalidade. Precedentes. Re-enquadramento da atividade de risco. Necessidade de regime próprio mais adequado. Poder Judiciário. Ausência de função legislativa. Observância de parâmetros estatísticos. Ocorrên-cia. Recurso especial improvido. 1. A jurisprudência do STJ e do STF reconhece a legalidade do enquadramento das atividades perigosas desenvolvidas por empresa por meio de decre-to, escalonadas em graus de risco leve, médio ou grave, com vistas a fixar a contribuição para o Seguro de Acidentes do Trabalho – SAT/RAT (art. 22, II, da Lei nº 8.212/1991). 2. O art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/1991 estabelece que a alteração do enquadramento da empresa, em atenção às estatísticas de acidente de trabalho que reflitam investimentos realizados na prevenção de sinistros, constitui ato atribuído pelo legislador exclusivamente ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social, de modo que não cabe ao Poder Judiciário corrigir eventuais distorções na distribuição da carga tributária, redefinindo alíquotas destinadas pelo legislador a determinados segmentos econômicos, postura que implicaria indevida assunção, pelo Judiciário, do papel de legislador positivo, contrariamente à repartição das competên-cias estabelecida na Constituição Federal. Precedentes. 3. ‘A necessidade de estudos estatís-ticos para fins de alteração da alíquota relativa à Contribuição ao SAT decorre do disposto no art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/1991 (norma primária). Ressalte-se que, em se tratando de ato do Poder Público (sujeito ao regime de Direito Público), milita em favor do regulamento a presunção de conformidade com a norma primária. Nesse contexto, incumbe ao ente in-conformado com a alíquota fixada/alterada, seja pessoa de direito público ou privado, com-provar a ausência de observância de estudos estatísticos, na forma prevista no art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/1991’ (EDcl-AgRg-REsp 1.500.745/AL, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 23.06.2015, DJe 30.06.2015), hipótese não vislumbrada pela Corte de origem, que reconheceu a legalidade da majoração porquanto baseado em dados técnico-estatísticos. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1538487/RS – Rel. Min. Humberto Martins – 2ª T. – J. 15.09.2015 – DJe 23.09.2015)

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Parte Geral – Doutrina

O Direito dos Servidores Públicos à Negociação Coletiva

The Right of Public Servants to Collective Bargaining

REnATO DE ALmEIDA OLIvEIRA muçOuçAhProfessor Adjunto II dos Cursos de Graduação e Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia/MG (UFU), Professor do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Graduado em Direito pela Universidade Esta‑dual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Mestrado e Doutorado em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e Pós‑Doutorado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão.

Submissão: 12.01.2016Decisão Editorial: 28.01.2016Comunicação ao Autor: 28.01.2016Origem do Autor: Maranhão

RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar a ratificação da Convenção nº 151 do OIT pelo Brasil, partindo de uma análise acerca da possibilidade de se considerar os direitos previstos em tal tratado como direitos fundamentais, após a sua incorporação pelo ordenamento jurídico brasileiro. Além dis‑so, pretende‑se analisar, de modo mais específico, o direito à negociação coletiva dos trabalhadores do setor público, que é previsto nessa Convenção, a partir do modo como tal instituto vem sendo tratado pelo Estado brasileiro, e também quais seriam os efeitos do reconhecimento da negociação coletiva como um direito fundamental. Para tanto, buscou‑se o estudo hipotético‑dedutivo das ques‑tões existentes nas lacunas do Direito brasileiro, via análise dedutiva de bibliografia especializada e as hipóteses de resposta apresentadas. Também foram analisados julgados que guardam pertinência temática com o artigo, para que se chegasse a conclusões em defesa da fundamentalidade do Direi‑to em exame e maneiras de dar‑lhe efetividade.

PALAVRAS‑CHAVE: OIT; negociação coletiva; Administração Pública; direitos fundamentais; cláusu‑las negociais.

ABSTRACT: This article aims to examine the ratification of 151 ILO Convention by Brazil, starting from an analysis of the possibility of considering the rights provided for in such a treaty as fundamental rights, after its incorporation into the Brazilian legal system. In addition, intend to analyze, more spe‑cifically, the right to collective bargaining of public sector workers, which is set out in that Convention, to examine how this institute is being addressed by the Brazil, and also what are the effects of the recognition of collective bargaining as a fundamental right. For this purpose, sought the hypothetical‑‑deductive study of the existing issues in the gaps of Brazilian law, via deductive analysis of relevant literature and the alternative answers provided. Were also analyzed judged that hold theme relevance to the article, in reaching the conclusions in defense of fundamentality of the right in question and ways to give it effectiveness.

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KEYWORDS: ILO; collective bargaining; Public Administration; fundamental rights; negotiated terms.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Negociação coletiva de trabalho no setor público; 2 As convenções da OIT enquanto tratados internacionais de direitos humanos; 3 A Convenção nº 151 da OIT e o direito fundamental dos trabalhadores do setor público à negociação coletiva; Considerações finais; Refe‑rências.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, reconhecendo a necessidade de se conferir um tratamento isonômico entre os trabalhadores da iniciativa privada e aqueles do setor público, assegurou a estes últimos vários dos direitos fun-damentais que, em outros momentos históricos, foram garantidos apenas aos empregados das empresas privadas, a exemplo dos direitos à greve e à sindica-lização.

Inegavelmente, a formação do Estado brasileiro carrega consigo um viés autoritário. Os períodos democráticos do País foram vividos apenas entre 1946 e 1964, e de 1985 até a atualidade. Após a independência do Brasil, quando houve a real necessidade de criar-se um aparato burocrático com quadros de boa formação intelectual, o Império fez a opção por investir na formação uni-versitária, especialmente em Direito (nas cidades de São Paulo e Olinda). Num país em que a imensa maioria da população era analfabeta, pouco se investiu na formação básica, pois o Estado necessitava de certa elite, profissionalmente qualificada, para atuar no serviço público.

Ainda no Império, a sindicalização restou proibida, vez que era consi-derada nociva ao interesse público. Durante a República Velha, que trouxe ao País a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, não havia menção ao sindicalismo: revogou-se a anterior proibição constitucional e silenciou a respeito do tema. Em não se garantindo direito, mas não sendo expressamente vedada a sindicalização e a greve, passou-se a uma fase de tolerância no plano legal (embora não necessariamente tal tolerância se tenha visto no plano fático). A lacuna permitiu que algumas décadas depois, máxime com a chegada dos imigrantes europeus, movimentos sindicais ganhassem caráter não só jurídico, mas também político. Somente a partir da década de 1930 as Constituições começaram a prever direitos de natureza sindical, incluindo a negociação cole-tiva. O ápice desta caminhada democrática foi a Constituição Federal de 1988 e a construção social do direito a partir daí decorrente.

Entretanto, apesar de a Carta Magna ter trazido avanços significativos em vários aspectos, o ordenamento jurídico pátrio ainda mantém tratamento discri-minatório entre os trabalhadores do setor privado e do público. É o que ocorre, por exemplo, em relação ao direito à negociação coletiva, taxativamente previs-

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to para o setor privado como garantia fundamental (art. 8º, VI, da Constituição Federal), mas sem definição alguma no que concerne ao setor público.

É inquestionável que, em razão da histórica vulnerabilidade e hipossu-ficiência do trabalhador em face do empregador, a negociação coletiva surgiu como um importante instituto voltado para assegurar aos trabalhadores do setor privado a capacidade de discutir e apresentar suas reivindicações à classe pa-tronal, para que mínimas condições de dignidade pessoal e social pudessem ser concretizadas e atendidas. Por outro lado, é também evidente que, mesmo que muitos dos trabalhadores do setor público só possam ser demitidos em caso de cometimento de infração disciplinar e após a instauração e conclusão de pro-cesso administrativo disciplinar – o que lhes confere estabilidade incomparável àquela garantida na iniciativa privada, ex vi do art. 41 da Constituição Federal –, ainda assim não estará afastada a sua hipossuficiência diante das instituições públicas paras as quais trabalham e que os remuneram.

Os servidores públicos, além de estarem sujeitos às ordens e diretivas de suas chefias, ainda lidam com peculiaridade bastante singular, que diz respeito ao fato de trabalharem para quem define as “regras do jogo” unilateralmente, que é o Estado, sob certo contexto econômico mundial em que cada vez mais direitos de empregados e de servidores públicos são vistos como regalias.

Em se tratando de Administração Pública, esses direitos dos servidores públicos são tidos como gastos que o Estado deveria deixar de ter na medi-da do possível, até mesmo para atender aos ditames da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que, embora traga limites claros ao administrador para o bom emprego do dinheiro público, certas vezes serve como objeção para que a Administração sistematicamente negue a valorização de seus quadros (e a prestação com qualidade de serviços), alegando aumento de despesas, as quais comprometerão os cofres públicos acima dos limites fixa-dos nesse plano normativo.

A negociação coletiva de trabalho poderia – ou poderá – funcionar como importante instrumento de pacificação social e de pacto político diante das peculiaridades da Administração Pública. Apesar de o Estado brasileiro ainda não ter previsão específica acerca da possibilidade de aplicar-se a negociação coletiva em âmbito público, houve, recentemente, um importante avanço, que corresponde ao fato de o Brasil ter assinado e ratificado a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio da qual se compro-mete a assegurar o direito dos empregados e servidores públicos à negociação coletiva.

Por ser um tema cujo estudo demanda conhecimentos de direito cons-titucional, direito internacional, direito do trabalho e direito administrativo, o tratamento dedutivo da pesquisa bibliográfica, que analisará obras acerca do

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tema proposto, também contará com a análise indutiva de julgados e posições do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho acerca de assuntos relacionados ao tema estudado, de maneira a apresentar respostas quanto às lacunas encontradas em teste dedutivo de hipóteses (método hipo-tético-dedutivo). Também os postulados garantistas de Luigi Ferrajoli1 poderão trazer subsídios para a análise dos resultados apresentados como tentativas de resposta ao problema aventado.

1 NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO NO SETOR PÚBLICO

Analisando-se de modo específico a Convenção nº 151 da OIT, é mister salientar a relevância e as consequências de se reconhecer a fundamentalida-de do direito à negociação coletiva na esfera da Administração Pública. Para tanto, convém, inicialmente, tecer algumas considerações sobre o instituto da negociação coletiva e a sua compatibilidade com o regime de trabalho do setor público.

José Augusto Rodrigues Pinto explica que

[...] a negociação coletiva deve ser entendida como o complexo de entendimen-tos entre representações de categorias de trabalhadores e empresas, ou suas re-presentações, para estabelecer condições gerais de trabalho destinadas a regular as relações individuais entre seus integrantes ou solucionar outras questões que estejam perturbando a execução normal dos contratos.2

É importante verificar a conceituação de negociação coletiva prevista no art. 2º da Convenção nº 154 da Organização Internacional do Trabalho, diplo-ma este que foi estabelecido com o objetivo de incentivar a negociação cole-tiva. O Brasil ratificou a mencionada Convenção em setembro de 1994, com a promulgação do Decreto nº 1.256, de 29 de setembro daquele ano. No bojo de seu texto, há um conceito amplo de negociação coletiva a também envolver, como atores sociais, a Administração e os servidores públicos.

A negociação coletiva, por envolver atores que representam coletiva-mente os dois polos da relação trabalhista e, dessa maneira, poder versar so-bre várias questões inerentes aos direitos dos trabalhadores, constitui-se em um importante mecanismo para possibilitar a convivência amistosa em ambientes marcados por conflitos inerentes à relação entre capital e trabalho, ainda que o representante do “capital”, nesse caso, seja o Estado – que, ao menos em tese, não tem objetivos lucrativos.

1 FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: uma discussão sobre direito e democracia. Trad. Alexander Araújo de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

2 PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 168.

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Em outras palavras, como afirma Luciana Bullamah Stoll, a negociação coletiva é o processo dinâmico “voltado ao atingimento do ponto de equilíbrio entre interesses divergentes visando satisfazer, transitoriamente, as necessidades presentes dos grupos de trabalhadores e de equalizar os custos de produção”3. Em grande parte dos países do mundo, a relação entre servidores públicos e Estado, seja em se tratando de Administração direta ou indireta, começa a ser contratualizada ou privatizada, no sentido de igualar-se às regras da negocia-ção coletiva no setor privado. A Itália é, nesse sentido, um bom exemplo. Até meados da década de 1990, entendia-se que a relação do servidor com a Admi-nistração tinha natureza dúplice: uma relação orgânica, hierárquica, e também uma relação de serviço, que deveria ter suas fontes no direito administrativo4.

Iniciou-se na Itália, todavia, um movimento de contratualidade (ou pri­vatização) nas relações entre o servidor e a Administração Pública. A rigor, o termo contratualidade ora relatado refere-se à mudança na disciplina da relação entre Estado e servidor, que passa a assemelhar-se àquela do setor privado; por essa razão, aliás, começa-se a firmar a tese de que há um contrato entre ente público e seus trabalhadores, o que deixa de qualificar tal relação jurídico-tra-balhista meramente como ato administrativo. Com o objetivo de tornar o Estado mais eficiente, estimular o aprimoramento profissional dos trabalhadores do se-tor público – inclusive para tomar parte na União Europeia –, os italianos, por meio de reformas legislativas na década de 1980, passaram a aplicar não tanto o direito administrativo, e sim o direito do trabalho aos seus servidores, até mes-mo para que estes tivessem a chance de angariar conquistas como aquelas dos empregados privados, pela própria força dos trabalhadores em suas lutas sindi-cais democráticas. Esse movimento, no entanto, vem sendo freado aos poucos.

Em 2001, os servidores passaram a ter direito mais amplo à negociação coletiva com o Estado, que antes era fragmentada e setorizada: o ente público, representado pela Aran, passou a negociar diretamente, com os diversos entes sindicais de servidores públicos, questões específicas do funcionalismo público, vez que a relação entre servidor e Administração continua a ter natureza espe-cial. No entanto, em tudo o que for compatível com o Erário público (que já de-verá traçar metas orçamentárias para possíveis acordos, estabelecidos por meio da Aran), o direito do trabalho, com as ressalvas do direito administrativo, é o conjunto de normas que deverá (ou deveria) reger primordialmente as relações de trabalho no setor público, especialmente para garantir aos servidores certos direitos antes só garantidos aos particulares5.

3 STOLL, Luciana Bullamah. Negociação coletiva no setor público. São Paulo: LTr, 2007. p. 26.4 GHERA, Edoardo. Diritto del lavoro. 17. ed. Bari: Cacucci, 2012. p. 277.5 SCOGNAMIGLIO, Renato. Diritto del lavoro. 2. ed. Bari: Laterza, 2005. p. 85-89.

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Esse movimento tem origem no final da década de 1960: o funcionalismo público italiano, que, por ser fragmentado e heterogêneo em seus interesses, pouco conseguia do Estado, passou a contar com os mesmos mecanismos de negociação coletiva já previstos para o setor privado. A partir da Lei nº 93/1983, os diplomas coletivos no setor público passaram a alcançar toda a Adminis-tração, e não apenas pequenos segmentos desta. Essa tendência, denominada como a contratualidade da relação jurídico-administrativa, por permitir a su-premacia do negociado sobre o legislado na Administração, nos anos noventa acabou por ser qualificada como privatização do serviço público, no sentido de conferir ao funcionalismo apenas as previsões mínimas da lei, e uma redução de direitos quase sempre avalizada pelos sindicatos.

A partir da reforma liberal promovida pela Lei Biagi, com o incentivo do governo Berlusconi, a partir de 2003 (culminando com a Lei nº 133/2008), passou-se a controlar cada vez mais os limites da negociação coletiva de traba-lho com o setor público, difundindo-se uma visão empresarial da Administração Pública – mais pelas leis em geral do que pelos diplomas coletivos. Os governos italianos perceberam que a negociação coletiva, ainda que “privatizasse” em parte o setor público, possuía condições de unificar os mundos do trabalho público e privado, que o Estado tenta separar pela regulação administrativa. A expressão mais recente de tentar formar a Administração como entidade empre-sarial deu-se pela Lei nº 183/2014, em que pese a rejeição demonstrada pelos sindicatos dos servidores públicos6.

Há experiências jurídicas, como a espanhola, que já se tentou reprodu-zir no Brasil, embora sem sucesso: trata-se da figura do empregado público. Tentando imprimir à economia e às funções estatais um modelo de viés liberal, observou-se a existência da dualidade de regimes no setor público, ou seja, o servidor estatutário e o celetista. Este último desenvolveria contratos mais dinâmicos – e menos seguros para o trabalhador – com a Administração. Hoje, porém, a regra é a do regime administrativo (ou estatutário) para servidores públicos quanto às carreiras de Estado, mas, ainda na atualidade, há diversos municípios que não possuem Estatuto para seus servidores. Diante da ausência de regramento específico para tais servidores, deve a Administração valer-se da CLT e, por consequência inquestionável, da negociação coletiva com esses trabalhadores7.

Na Espanha, a experiência relatada foi admitida por Franco ainda no início da década de 1960, concebendo-se a contratação, pela Administração, de pessoal tanto com regime administrativo quanto sob regime particular. Seria

6 CARINCI, Franco et al. Derecho del trabajo: el derecho sindical. Trad. José Antonio Fernández Avilés. 6. ed. Granada: Comares, v. 1, 2015. p. 310-317.

7 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 466-467.

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apenas uma técnica de gestão dos recursos humanos, idêntico truísmo visto no Brasil três décadas depois. Presumia-se maior agilidade ao Estado, inclusive sem garantia de estabilidade, quando se contratava com base no Estatuto dos Traba-lhadores (no Brasil há que se recordar: o regime privado, sem estabilidade – e que admite até mesmo denúncia vazia do contrato de emprego – é adotado nas empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem a atividade econômica). Não restam dúvidas, conforme o art. 4º, c, do Estatuto dos Traba-lhadores (ET), de que todo empregado possui direito à negociação coletiva8.

Os servidores públicos espanhóis, na atualidade, têm seu trabalho regi-do pelo Estatuto Básico do Servidor Público (EBEP); tal diploma normativo já prevê expressamente o direito de sindicalização dos servidores como efetivo direito à negociação coletiva. Mais ainda: prevê a existência de representantes dos servidores (como nos comitês de empresa) e participação institucional dos estatutários nos locais de trabalho. Determinados direitos previstos aos traba-lhadores em geral – incluindo Convenções e Tratados Internacionais – devem ser regulamentados para serem aplicados aos servidores públicos da Espanha.

Não bastassem tais previsões, o EBEP se propõe a admitir, como fonte subsidiária de direito, tudo que contiver o Estatuto dos Trabalhadores, dirigido ao setor privado. Dessa forma, ainda que porventura haja má vontade por parte da Administração, sindicatos do setor privado (desde que representativos de parcela dos servidores, conforme percentuais legalmente fixados) poderão ne-gociar interesses dos servidores públicos9. Até mesmo planos salariais e quadros de carreira para o funcionalismo público podem ser estabelecidos via negocia-ção coletiva.

Parcela minoritária da doutrina espanhola, porém, sustenta o que no Brasil se tem como regra: a Constituição não permite nem proíbe a negociação coletiva dos trabalhadores com a Administração. Tanto no Brasil como no Rei-no ibérico existe o reconhecimento constitucional do direito à sindicalização no setor público como direito fundamental, mas não se reconhece direito de reivindicar negociação coletiva; em outras palavras, o direito de associação torna-se a “finalidade”, e não um “meio” de conquista de direitos (e qual a fun-ção mais importante de um sindicato, senão entabular negociações coletivas?).

No Brasil e na Espanha, as Cortes Constitucionais já trouxeram soluções díspares ao problema: no país sul-americano, consideraram incompatível o sis-tema estatutário, que obedece aos princípios da legalidade e da reserva legal, entre outros, com o celetista, que admite a negociação coletiva. Já o país ibérico considera a negociação coletiva como corolário da liberdade sindical prevista

8 ALONSO OLEA, Manuel. Derecho del trabajo. Atualiz. Maria Emilia Casas Baamonde. 26. ed. Madrid: Civitas, 2009. p. 131-136.

9 ALOSO OLEA, Manuel. Op. cit., p. 757-767.

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na Constituição, além de interpretar a palavra trabalhadores, prevista no ET (que, no Brasil, existe no próprio art. 7º da Carta Magna), de forma genérica e que também se dirige aos trabalhadores da Administração, mesmo que es-tatutários, por ser norma subsidiária ao Estatuto dos Trabalhadores, consoante asseverado alhures10.

Desde 1988, os estudiosos, ao se debruçarem sobre o tema da negocia-ção coletiva quanto aos servidores públicos, apontam diversas impossibilidades para concretizá-la. Um argumento recorrente é a supremacia do interesse públi-co: essa questão remete com frequência, aliás, ao chamado “regime unilateralis-ta” praticado pelo Estado. Exemplifica-se a afirmação com a tutela dos direitos e deveres, por exemplo, dos servidores públicos civis da União: encontram-se es-tabelecidos em um diploma normativo, qual seja, a Lei nº 8.112/1990, principal instrumento aplicável às relações estatutárias. É o Estado que dita, de maneira unilateral, o que concederá ou não aos seus servidores.

Amauri Mascaro Nascimento denomina tal fenômeno como monismo estatal, ao contrário do pluralismo de fontes que existiria no direito do trabalho aplicado ao setor privado11. Para esse autor, há as normas estatais e as não esta-tais, como os diplomas negociais coletivos (acordo e convenção), além dos usos e costumes. Nenhuma norma aplicável aos servidores públicos teria origem em órgão não estatal, o que tornaria os regimes estatutário e celetista incompatíveis entre si.

Diversa, porém – e que parece mais escorreita – é a posição de Everaldo Gaspar Lopes de Andrade, para o qual não se pode tecer essa divisão binária na pós-modernidade. A Espanha e a Itália, por exemplo, já produzem diplomas negociais coletivos tripartites, ou seja, com a presença de empregadores e em-pregados, mediado pelo Estado, que também faz valer seus interesses12. Não sem motivos é que, de tempos para cá, alguns países – sobretudo europeus – têm estabelecido normas aplicáveis de forma transnacional, vez que o capital e a força humana de emprego foram transnacionalizados e, em grande medida, homogeneizados.

A globalização do capital, do trabalho e também das formas de trabalho tornaram-se questões que não poderão mais ser resolvidas, em pleno século XXI, nos planos estritamente nacionais. Por essa razão, já se fala em contratos coletivos (no Brasil, o termo legal é convenção ou acordo) transnacionais, in-cluindo todos os segmentos em que haja, efetivamente, trabalho – e o setor pú-

10 PAES, Arnaldo Boson. Negociação coletiva na função pública: abordagem crítica do modelo brasileiro a partir do paradigma espanhol. São Paulo: LTr, 2013. p. 166-175.

11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ordenamento jurídico trabalhista. São Paulo: LTr, 2013. p. 159.12 ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. Direito do trabalho e pós­modernidade: fundamentos para uma teoria

geral. São Paulo: LTr, 2005. p. 208-211.

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blico, por óbvio, encontra-se aí contemplado. A tendência é oferecer uma con-trarresposta à globalização hegemônica, que visa a desregulamentar o trabalho e o remunerar cada vez de forma menos digna. Esse contraponto à globalização hegemônica serve para garantir, em nível mundial, respeitando-se as peculia-ridades culturais de cada país, um processo que pode ser denominado como de emancipação social. Por óbvio, a negociação coletiva de trabalho é um dos mais eficazes instrumentos para dação de direitos sociais aos trabalhadores e, consequentemente, para a promoção de sua emancipação social e individual13.

O Estado, portanto, em tempos hodiernos, não pode afirmar a suprema-cia de seu interesse contra tudo e todos, pois ele não é mais apenas produtor de normas jurídicas, mas também sujeito dessas mesmas normas. Por decorrência lógica, não se pode alegar que o Estado estabelece unilateralmente as normas a serem seguidas; como se viu, na sociedade pós-moderna, tal processo se dá de forma cada vez mais internacionalizada e com pluralidade de agentes.

Por essa produção eminentemente estatal dos diplomas jurídicos e do discurso voltado à proteção apenas do valor legal, que não questiona a legi-timidade, é que a proteção aos direitos fundamentais resta fraca e não raro ineficiente, em especial quando o assunto versa sobre direitos dos trabalhado-res, máxime quando sejam eles de cunho social. Esses discursos jurídicos não existem também por mera fatalidade, pois o poder – sobretudo o econômico – busca a produção de uma suposta verdade, e porque pela produção da su-posta verdade é que se produz a riqueza; todos “estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é lei e produz o discurso verdadeiro que decide, transmite e reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder”14.

Portanto, a lei, associada a mecanismos de poder, preenche, de verdade, os discursos jurídicos que são interpretados até mesmo por quem vive a norma. Mas, afinal, a quem estes discursos jurídicos servem? Michel Foucault adverte: o poder não é apenas uma dominação exercida por um indivíduo sobre outros, ou um grupo sobre outros, ou uma classe sobre outras, mas sim algo que “funciona e se exerce em rede”15. A argumentação jurídica que negligencia os direitos fun-damentais dos trabalhadores, assim como inúmeros outros mecanismos existen-tes em cadeia no corpo social, constituem toda a “micromecânica do poder que representou um interesse para a burguesia a partir de determinado momento”16.

13 SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 22-25.

14 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. Roberto Machado. 21. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2005. p. 180.

15 Id., p. 183.16 Id., p. 185.

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Ora, convenções coletivas de trabalho celebradas com a Administração Pública é uma eficiente forma de controlá-la e talvez por isto, como se verá no texto, haja tanta resistência quanto à sua implementação no Brasil. Nesse aspecto eminentemente trabalhista, o Estado age como se seus servidores, a sociedade e a Administração vivessem em compartimentos estanques, e passa a exercer – muitas vezes de forma violenta – seus discursos jurídicos de poder. Nesse sentido, basta verificar, como adiante se falará, a Ação Direta de Incons-titucionalidade nº 492, julgada em 12 de novembro de 1992, quando o STF declarou, por maioria, a inconstitucionalidade da alínea d do art. 240 da Lei nº 8.112/1990.

Outro argumento lançado contra a negociação coletiva no setor público, bastante ventilado na ação citada, é o respeito ao princípio da legalidade. Não se poderia, pois, estabelecer-se questões trabalhistas – especialmente aquelas vinculadas ao salário – porque a remuneração deve estar prevista em lei, cuja iniciativa deverá ser do chefe do Executivo. Todavia, isso não é empecilho para a negociação coletiva: como se sabe, a Lei de Diretrizes Orçamentárias é apre-sentada pela Presidência da República ao Congresso após vários acordos polí-ticos firmados com outros entes; o mesmo se diga quanto às Constituições Esta-duais (e servidores dos Estados-membros) e Leis Orgânicas de municípios (com relação aos servidores municipais). A Convenção Coletiva de trabalho poderia, sem dúvidas, refletir-se na Lei de Diretrizes Orçamentárias17. Isto nada mais é do que a democratização da sociedade, no sentido exposto por Boaventura de Sousa Santos.

Setores estratégicos ligados à própria sobrevivência do Estado, em regra, não têm direito sequer à sindicalização. É o que ocorre com os militares. Ainda assim, desde há muito, os pareceres da Organização Internacional do Trabalho recomendam que tais proibições poderão existir, mas, em contrapartida, o Esta-do deverá encontrar meios eficazes de negociação com tais setores18. Tais traba-lhadores poderiam, por exemplo, valer-se das câmaras setoriais de negociação, existentes desde o governo Collor, que, apesar de concebido num contexto de liberalização da economia, pode dar respostas ágeis quanto a conflitos entre servidores e Administração. Sublinhe-se a tendência que cada vez mais se cons-tata: a composição destas câmaras é tripartite, ou seja, o Estado – no mais das vezes em sua figura maior, a chefia do Executivo – foge ao monismo jurídico ca-racterizado pela unilateralidade das normas destinadas aos servidores públicos.

Desta forma, cabe analisar as transformações havidas no ordenamento jurídico brasileiro após a ratificação e promulgação da Convenção nº 151 e da

17 RESENDE, Renato de Sousa. Negociação coletiva de servidor público. São Paulo: LTr, 2012. p. 204-210.18 VALTICOS, Nicolas. Derecho internacional del trabajo. Trad. José Maria Treviño. Madrid: Tecnos, 1977.

p. 278.

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Recomendação nº 159 da Organização Internacional do Trabalho e verificar a possibilidade ou não de negociação coletiva no setor público brasileiro, como ocorre em nações como Espanha, Itália ou mesmo em nosso vizinho Uruguai, como adiante se falará.

2 AS CONVENÇÕES DA OIT ENQUANTO TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

As Convenções da Organização Internacional do Trabalho são tratados internacionais, na medida em que esse diploma “é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”19. De maneira bastante simples, as Convenções da OIT são instru-mentos abertos por prazo indeterminado aos Estados para ratificação, por meio dos quais os países firmam o compromisso de assegurar os direitos ali previstos.

Assim, o que é necessário esclarecer, para o aprofundamento da análise do tema deste artigo, é se tais Convenções podem ou não ser qualificadas como tratados internacionais de direitos humanos, pois somente os tratados que pos-suem tal natureza é que produzem direitos que podem vir a ser considerados como direitos fundamentais, de acordo com o art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição brasileira de 1988.

Mas, antes de se passar a fazer tal investigação, é necessário que se façam alguns esclarecimentos preliminares acerca da categoria “direitos humanos”, tendo em vista a pluralidade de significados atribuídos a essa denominação, seja no âmbito da academia, seja no âmbito das entidades que militam na área.

Jorge Miranda20 esclarece que, na expressão direitos fundamentais, reve-lam-se os mesmos direitos humanos, mas positivados na ordem jurídica, mor-mente no plano da Constituição. No plano internacional, porém, prevalece o termo direitos humanos, demonstrando ficar mais clara a preocupação com o ser humano individualmente considerado, constituindo uma espécie de “míni-mo ético” a ser seguido pelos Estados. De fato, a afirmação encontra respaldo não apenas na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, como também na francesa Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, embora ambas possuam propósitos bastante distintos em termos históricos.

O homem não pode realmente protagonizar uma existência livre, plena-mente humana, caso se encontre diante do não atendimento de necessidades básicas para sua existência. Para existir e ser livre de fato, o homem precisa ver concretizadas estas necessidades. E se há meios materiais e técnicos para que tais necessidades básicas sejam concretizadas, elas devem sê-lo. Francisco

19 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 14.

20 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, v. 4, 2000. p. 51-55.

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J. Contreras Peláez, que estabelece essas reflexões, considera-as em princípio bastante ingênuas21. Provavelmente porque, como quer Paulo Bonavides, esses direitos de segunda dimensão (ou direitos sociais) tiveram historicamente uma normatividade baixa, ou de eficácia duvidosa22.

De qualquer sorte, os direitos sociais, ou direitos à igualdade, existem justamente por reconhecer, no homem, a sua desigualdade material. Mas, para realização plena da igualdade entre os homens, é preciso verificar, segundo Norberto Bobbio: a) quais os sujeitos entre os quais se devem repartir os bens e os ônus; b) quais bens e quais ônus devem ser repartidos entre os indivíduos; c) qual o critério a ser adotado para a repartição23.

A principal característica dos direitos de segunda dimensão diz respeito ao fato de que, em regra, a sua realização depende de uma prestação por par-te do Estado, em vez da abstenção do ente (como ocorre com os de primeira dimensão), razão pela qual se diz que são direitos de caráter positivo. Porém, como ressaltam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Branco, os direitos de segunda dimensão também abrangem os direitos trabalhistas oriundos das conquistas das lutas dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e os meios ne-cessários para o exercício de suas reivindicações24.

O mundo, em verdade, passa por um processo que pode ser denominado como garantismo, ou paradigma garantista: direitos fundamentais, específicos ou não, devem ser garantidos pelo Estado em diversas formas. O ente público, nessa visão, não apenas impõe limitações para tolher direitos individuais, mas também cria vínculos com a sociedade. Não deve apenas proibir as lesões, como também se obriga a prestações, a fim de equilibrar as relações entre ca-pital e trabalho. Isso pode significar o início de um caminho rumo à verdadeira autonomia contratual dos trabalhadores, para que se rompesse em definitivo o liame entre trabalho e sobrevivência: com maior poder e mais direitos conferi-dos, os trabalhadores poderiam aos poucos libertar-se de trabalhos que apenas lhes conferem subsistência, com pouca ou nenhuma dignidade25. E se o Estado segue tal paradigma, que é o ponto fulcral e definidor dos direitos humanos, também haverá de submeter-se às leis que impõem aos particulares, sobretudo

21 CONTRERAS PELÁEZ, Francisco J. Derechos sociales: teoría e ideología. Madrid: Tecnos, 1994. p. 41.22 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 564.23 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. Trad. Marco Aurélio

Nogueira. São Paulo: Unesp, 1995. p. 96.24 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014. p. 145. Embora os autores se refiram a direitos fundamentais, é evidente que a caracterização de tais direitos também se aplica aos direitos humanos, tendo em vista que, como dito acima, a classificação dos direitos em gerações vem sendo utilizada tanto para classificar os direitos fundamentais quanto os direitos humanos, sendo que a diferença entre essas duas categorias de direitos não diz respeito ao conteúdo ou à natureza dos direitos, mas sim ao instrumento normativo em que estão previstos.

25 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 85-86.

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por meio do exemplo: tratar seus próprios servidores com iguais direitos àqueles impostos para o setor privado (e, quem sabe, também igualar os empregados da iniciativa privada quanto a certas garantias existentes apenas no âmbito do funcionalismo público).

É nesse ponto que se pode observar que os direitos trabalhistas, entre os quais se insere o direito à negociação coletiva, possuem natureza de direitos humanos, razão pela qual as Convenções da OIT, que asseguram direitos aos trabalhadores, podem ser consideradas como tratados internacionais de direitos humanos. Também corrobora essa afirmação o fato de a Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU prever, em seu art. 23º, a proteção aos direitos dos trabalhadores e até mesmo o direito à sindicalização como direitos de ci-dadania26.

O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal instituiu no Brasil um sistema aberto de direitos fundamentais, o que significa dizer que o catálogo de direitos previsto no Título II da Lei Maior não pode ser considerado taxativo. Há até mesmo a previsão de direitos fundamentais inespecíficos, ou seja, aqueles que, previsto a indivíduos ou grupos, se exercidos no local do trabalho ou para ele, tornam-se direitos fundamentais de cunho social. Direitos de personalidade, como o de imagem, podem ganhar inegável conteúdo de direito social27. Entre-tanto, a aplicabilidade do dispositivo, no que diz respeito aos tratados interna-cionais de direitos humanos, tem sido objeto de muitas controvérsias no âmbito da doutrina e da jurisprudência.

Na tentativa de elucidar tal questão, o poder constituinte derivado, quan-do da edição da EC 45/2004, inseriu na Carta Magna o § 3º no art. 5º, o qual prevê que os tratados internacionais de direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

O entendimento atual do Supremo Tribunal Federal a respeito do assun-to é no sentido de que os direitos previstos em tais tratados teriam hierarquia superior à da legislação infraconstitucional, mas seriam inferiores à Constitui-ção, possuindo, assim, o status sui generis de norma supralegal28. Entretanto, há

26 Quanto aos direitos de terceira dimensão, que são considerados aqueles que possuem natureza transindividual, englobando os direitos de titularidade difusa ou coletiva, e às teorias doutrinárias que consideram existir outras dimensões além dessas três propostas, não serão apresentados maiores comentários pelo fato de tal aprofundamento ser prescindível para a análise do tema deste trabalho.

27 GUTIÉRREZ PÉREZ, Miguel. Ciudadanía en la empresa y derechos fundamentales inespecíficos. Murcia: Laborum, 2011. p. 17-19.

28 No HC 88.240, Relª Min. Ellen Gracie, DJ 24.10.2008, assentou-se: “A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação”. No mesmo sentido, o HC 94.702, da mesma relatora e publicado

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também corrente doutrinária bastante significativa29 a considerar que a previsão do art. 5º, § 3º, da Constituição da República não implicaria o reconhecimento de que apenas e tão só os tratados aprovados de acordo com o procedimento formal estabelecido pela Emenda Constitucional nº 45/2004 poderiam ter status de norma constitucional. Para essa corrente, o art. 5º, § 3º, não configuraria um requisito para a atribuição de estatura constitucional aos tratados de direitos humanos, mas apenas tornaria os direitos previstos nos tratados, além de mate­rialmente, também formalmente constitucionais.

De fato, não há como negar que seriam absolutamente inúteis as dis-posições do art. 5º, § 2º, da Carta Magna no sentido de considerar os direitos humanos presentes em tratados internacionais como parte integrante do rol de direitos fundamentais protegidos pela Constituição, caso se considerasse que apenas com o advento do art. 5º, § 3º, é que os direitos previstos nos tratados de direitos humanos poderiam passar a equivaler aos direitos fundamentais já presentes no Excelso texto.

No mais, a Constituição poderá possuir diversos intérpretes, como afirma Peter Häberle30; com efeito, não está ela apenas vinculada ao que o Estado e os seus órgãos jurisdicionais afirmam, mas também às partes dos processos, aos ju-ristas, aos legisladores e aos grupos sociais organizados, máxime em sindicatos. A interpretação constitucional é, pois, um conceito sempre aberto, admitindo--se novas alternativas de solução a um caso concreto, e não apenas um proces-so passivo de submissão a uma ordem.

Destarte, ao se ampliar o leque de possíveis intérpretes da Constituição, busca-se a integração da realidade nesse processo interpretativo31, o que im-plica afirmar que o direito à negociação coletiva no setor público é revestido da marca de fundamentalidade. Embora seja direito fundamental inespecífico, existe e ganha legitimidade pela interpretação de todos – de legisladores a julga-dores –, incluindo, por óbvio, a própria sociedade que vive o direito e também os trabalhadores do setor público e os próprios gestores administrativos. Todas essas interpretações contribuem para o primado do trabalho e de sua valoriza-ção, nos exatos termos do art. 1º do Excelso Texto.

na mesma data. Esses precedentes citam e seguem o HC 90.171, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 17.08.2007. Nesse sentido, MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 139-140.

29 A título exemplificativo, pode-se citar PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013; e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo § 3º do art. 5º da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 378, n. 101, p. 89-109, mar./abr. 2005.

30 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. p. 30.

31 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. p. 13-19.

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3 A CONVENÇÃO Nº 151 DA OIT E O DIREITO FUNDAMENTAL DOS TRABALHADORES DO SETOR PÚBLICO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Apesar de o ambiente laboral das instituições públicas também ser mar-cado por uma conflitualidade entre trabalhadores e a Administração, para além de tais trabalhadores igualmente possuírem reivindicações pautadas por seus sindicatos de classe, a legislação brasileira não assegura taxativamente o direito à negociação coletiva a tal classe, embora a Constituição Federal tenha feito sensíveis avanços no sentido de equiparar os trabalhadores do setor público aos da iniciativa privada32.

Tal resistência advém do fato de que, no Brasil, a concessão de aumentos e reajustes aos trabalhadores do setor público depende de lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo e de previsão orçamentária. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 492, em 12 de novembro de 1992, o STF declarou, por maioria, a inconstitucionalidade da alínea d do art. 240 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Após vários julgados que reproduziram o entendimento acima narrado, o Supremo Tribunal Federal o consolidou editando a Súmula nº 679, com sucinto enunciado: “A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser ob-jeto de convenção coletiva”33. A súmula, à época de sua edição e mesmo antes dela, representa um retrocesso na experiência brasileira. Em muitos municípios brasileiros, reivindicações e greves de servidores públicos acabaram por lograr sucesso para o estabelecimento de diversas questões do funcionalismo públi-co, inclusive salário. Mesmo em âmbito nacional, foi criada, em 2003, a Mesa Nacional de Negociação Permanente, a fim de instituir sistema de negociação permanente em âmbito federal34.

Também é útil salientar que a jurisprudência do Tribunal Superior do Tra-balho negava aos servidores públicos o direito à negociação coletiva, como se vê na redação original da Orientação Jurisprudencial nº 5 da Seção de Dissídios Coletivos do TST, criada em 27 de março de 1998: “Aos servidores públicos não foi assegurado o direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivos de trabalho”35. A vedação não se aplicava, porém, aos chamados emprega-

32 A título de exemplo, pode-se citar o direito à sindicalização e à greve, que foi previsto aos servidores e empregados públicos pela Constituição de 1988 de maneira inédita, e o disposto no art. 39, § 3º, que estendeu vários direitos trabalhistas previstos no art. 7º da Carta Magna aos trabalhadores do setor público.

33 Publicado no Diário da Justiça em 09.03.2003, p. 4. Republicado em 10.03.2003, p. 4, e 13.03.2003, p. 4.

34 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Negociação coletiva de trabalho nos setores público e privado. São Paulo: LTr, 2015. p. 177.

35 Embora a OJ em questão faça menção a “servidores públicos”, é possível concluir que a orientação jurisprudencial dizia respeito aos empregados públicos, haja vista que somente estes estão submetidos à juris - dição da Justiça do Trabalho.

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dos públicos, ou às pessoas que fossem subordinadas a pessoas jurídicas de direito privado que, embora com capital público, procedessem à exploração de atividade econômica. Nesse caso, segue-se o art. 173, § 1º, da Constituição Federal36.

Tal situação, entretanto, começou a se modificar em 2010, quando o Brasil ratificou a Convenção nº 151 e a Recomendação nº 159 da Organização Internacional do Trabalho, as quais versam sobre as relações de trabalho na Administração Pública e preveem o direito dos trabalhadores do setor público à negociação coletiva. Em 7 de março de 2013, entrou em vigor o Decreto nº 7.944/2013, que promulgou a Convenção e a Recomendação acima men-cionadas, completando o procedimento necessário para que elas produzissem efeitos no Brasil.

Uma primeira repercussão importante que é digna de nota diz respeito à alteração do entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho quanto à possibilidade de realização de negociação coletiva no âmbito dos entes estatais que tivessem empregados contratados pelo regime de direito pri-vado. Com efeito, após a ratificação da convenção supramencionada, a Orien-tação Jurisprudencial nº 5 da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) sofreu subs-tancial alteração:

Dissídio coletivo. Pessoa jurídica de direito público. Possibilidade jurídica. Cláu-sula de natureza social. Em face de pessoa jurídica de direito público que man-tenha empregados, cabe dissídio coletivo exclusivamente para apreciação de cláusulas de natureza social. Inteligência da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 206/2010.37

Assim, embora tenha permanecido a restrição em relação à negociação coletiva que tenha por objetivo os aumentos e reajustes dos servidores públi-cos, em razão da necessidade de previsão orçamentária delineada em projeto de lei de iniciativa do chefe do Executivo, respeitando-se os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), não se pode negar que a alteração da redação do OJ 5 da SDC representa um importante avan-ço no que diz respeito à possibilidade de os servidores públicos apresentarem reivindicações por meio de suas entidades de representação de classe, caso se adote interpretação extensiva do verbete sumular. As convenções e os acordos poderão versar sobre os mais diversos temas, como compensação de horários no trabalho, proibição de quaisquer atos discriminatórios etc.

Além disso, considerando que tanto os empregados públicos quanto os servidores públicos submetidos ao regime estatutário são contemplados pelas

36 RESENDE, Renato de Sousa. Op. cit., p. 177.37 Publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, n. 1071, p. 103, 25 set. 2012.

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disposições da Convenção nº 151 da OIT, como prevê o art. 1º, I, do Decreto nº 7.944/2013, e que as Convenções da OIT devem ser consideradas como tra-tados internacionais de direitos humanos em razão do disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, não há dúvida de que, com a ratificação da Convenção e da Recomendação já citadas, surgiu, para os trabalhadores do setor público brasileiro, o direito fundamental à negociação coletiva. Feita essa afirmação, cumpre analisar algumas das principais consequências do reconhecimento des-se direito fundamental.

Sabe-se que a caracterização de determinados direitos como fundamen-tais traz uma série de implicações jurídicas ao ordenamento, na medida em que repercutem sobre a atividade legislativa do Estado, seja incitando o Poder Legislativo a regulamentar tais direitos, seja coibindo a elaboração de normas contrárias a esses direitos fundamentais.

Todavia, poderá haver uma consequência particularmente importante para a viabilização do exercício do direito fundamental à negociação coletiva dos servidores e empregados públicos, que corresponde à possibilidade de tal direito ser regulamentado pelo Poder Judiciário, ainda que provisoriamente, por meio de mandado de injunção, eis tratar-se de um direito integrado à Consti-tuição Federal.

Com efeito, sendo evidentemente necessária a existência de uma regula-mentação legal no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro para que o direito fundamental à negociação coletiva possa ser exercido (e o direito à negociação coletiva é corolário e decorrência lógica do direito à sindicalização), conclui-se que a omissão do legislador em regulamentar tal direito ensejará a interposição de mandado de injunção, nos termos do art. 5º, LXXI, da Constituição Federal.

Desde o julgamento dos Mandados de Injunção nºs 670, 708 e 712, os quais versaram sobre o direito de greve dos servidores públicos, o entendimen-to do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de que, ao proferir uma decisão em sede de mandado de injunção, o Judiciário, além de declarar a existência da omissão legislativa, poderá criar regulamentação provisória do direito cujo exercício esteja prejudicado por essa omissão, de modo a viabilizar a efetividade de uma garantia constitucional38.

Logo, ainda que o Poder Legislativo relute em proceder à regulamenta-ção do direito dos empregados e servidores públicos à negociação coletiva, as entidades sindicais poderão pleitear regulamentação provisória junto ao Judici-ário de modo a possibilitar o exercício desse direito.

38 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1117.

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Entende-se que, inobstante as objeções apresentadas pelo STF e pelo TST à existência de negociações coletivas que versem sobre a remuneração de em-pregados e servidores públicos – ante a exigência de previsão legal que asse-gure os reajustes e/ou aumentos concedidos a tais trabalhadores –, é possível estabelecer uma regulamentação que permita que a negociação não se restrinja apenas às cláusulas de natureza social, abrangendo pelo menos uma parte do procedimento necessário para a alteração da remuneração dos trabalhadores.

Experiência jurídica interessante para a solução de impasses de natureza econômica entre servidores e empregados públicos e a Administração é aquela existente no Uruguai. Há negociações informais quanto a reajustes salariais do funcionalismo que são pactuadas entre o sindicato da categoria e os Poderes Executivo e Legislativo. Por força da Convenção nº 151 da OIT, esses acordos oriundos de negociação coletiva, embora informais, ganham peso e obrigam os entes estatais a concederem, em forma de lei, o que foi pactuado39. A negocia-ção coletiva tem, portanto, função jurídica e também política, o que deve ser explorado pela doutrina e jurisprudência brasileiras.

O Estado moderno é apenas uma das partes integrantes do sistema socio-político existente na sociedade, sistema este que é submisso ao ordenamento jurídico que ele mesmo cria40; a Administração torna-se, pois, sujeito de direito e de deveres na órbita jurídica, e entre estes deverá compreender-se a negocia-ção coletiva não apenas de natureza social, mas também econômica, ainda que seja feita por pactos políticos. Todas essas disposições informalmente ajustadas ganham respaldo jurídico por meio da norma supralegal existente no Decreto nº 7.944/2013, e por meio da vinculação que o Estado cria com os diversos setores em termos de garantia de direitos sociais, como explícito na citada lição de Luigi Ferrajoli.

Apesar de ainda não existir o instituto da negociação coletiva de natu-reza econômica aplicável aos trabalhadores do setor público no ordenamento jurídico brasileiro, desde o ano de 2003 existe a Mesa Nacional de Negociação Permanente do serviço público federal, composta pelas bancadas do governo e dos sindicatos. Seu objetivo é viabilizar o diálogo da Administração Pública, sobretudo por meio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com as entidades sindicais que representam os servidores públicos.

Tem sido bastante comum a existência de negociações entre a Adminis-tração Pública Federal e as entidades sindicais no tocante até mesmo a questões de natureza econômica, que têm resultado na elaboração de medidas provisó-

39 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Dogmática da liberdade sindical: direito, política, globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 298-299.

40 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2012. p. 197.

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rias, posteriormente convertidas em lei, ou em projetos de lei que concedem au-mentos e reajustes a tais servidores, estabelecendo até mesmo planos de cargos vantajosos para eles41.

A título de exemplo, citem-se casos analisados por Silvestrin, cuja pes-quisa mostra que alguns termos de acordos firmados entre a Administração e entidades sindicais representativas dos servidores públicos do Ministério do Trabalho e Emprego e do Instituto Nacional de Seguro Social, em 2008, efetiva-mente resultaram em majoração da remuneração de tais servidores conquista-da, inicialmente, por meio de medida provisória e, posteriormente, por leis que refletiam os acordos já firmados42. Tratava-se, pois, de medida já concertada entre os atores sociais envolvidos, atores esses que, curiosamente, se encontra-vam todos ligados ao Estado.

Assim, se já há exemplos de leis que estabelecem aumentos e reajustes e que criam planos de carreira para servidores públicos a partir de negociações ocorridas entre a Administração Pública Federal e entidades sindicais, mesmo sem que haja regulamentação legal de tais negociações, já se pode concluir que é possível admitir essa forma de negociação como parte do procedimento necessário para o regramento – até mesmo, frise-se – de questões de natureza econômica aos trabalhadores do setor público.

Isto tem acontecido porque, mesmo que não seja possível obrigar o Po-der Legislativo a legislar em favor dos servidores e empregados públicos, o Po-der Executivo pode se comprometer a criar medidas provisórias ou, pelo menos, propor projeto de lei prevendo os aumentos ou reajustes para os seus servidores que resultarem do processo negocial, já que se trata de matéria legislativa cuja iniciativa é exclusiva do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, da Cons-tituição Federal). É possível conceber, portanto, uma regulamentação de nego-ciação coletiva que, vinculando ou não a atuação legislativa do parlamento, es-tabeleça a obrigação do chefe de cada Poder de propor projeto de lei respectivo ou, no caso específico do Executivo, a criar uma medida provisória para tornar concreto o que foi objeto de consenso na negociação coletiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente artigo, observou-se ser possível afirmar que, com a ratificação da Convenção nº 151 e da Recomendação nº 159 da OIT pelo Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº 206/2010 e do Decreto nº 7.944/2013, os

41 SILVESTRIN, Edilene Freccia. Estudo comparativo das negociações coletivas realizadas junto às categorias dos servidores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Monografia de Especialização em Negociação Coletiva. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010. p. 68.

42 SILVESTRIN, Edilene Freccia. Op. cit., p. 92-115.

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trabalhadores do setor público passaram a ter o direito fundamental à negocia-ção coletiva, tendo em vista que tal afirmação encontra amparo nas normas ins-critas no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição, embora silente acerca do tema, permitiu que se revogasse qualquer disposição contrária à negociação coletiva no setor público, vez que o aludido diploma internacional possui o caráter sui generis de norma supralegal.

Em verdade, o instrumento normativo internacional preenche lacuna on-tológica no ordenamento jurídico brasileiro, pois direitos coletivos de nature-za trabalhista, ainda que numa relação de trabalho de cunho administrativo, sempre são representados por um triângulo equilátero: direito à sindicalização, à negociação coletiva e à greve. A razão é simples: por meio de sindicatos, os interesses coletivos dos trabalhadores são defendidos; para a defesa de tais direitos, o sindicato tem o dever-poder de entabular negociação com o ente público e, restando frustrada a possibilidade de acordo, é reconhecido o direi-to fundamental à greve, instrumento legítimo para autotutela de interesses dos trabalhadores.

A Constituição Federal de 1988 cometeu falha grosseira: reconheceu os direitos fundamentais de sindicalização e de greve aos servidores públicos sem, contudo, estabelecer a possibilidade de negociação coletiva de trabalho. Isso permite, grosso modo, que os sindicatos de servidores públicos restem esva-ziados em uma de suas principais funções e poderes, qual seja, a de negociar. Além disso, o direito de greve no serviço público até hoje não foi regulamen-tado senão pela via do mandado de injunção, que aplica ao caso os mesmos procedimentos previstos na Lei nº 7.783/1989, que cuida da greve no setor público. Havia, portanto, um marco nebuloso para o funcionamento do sistema sindical: caso os servidores se sentissem insatisfeitos, a rigor, deveriam, desde logo, proceder à greve, pois poder de negociar inexistia.

Viu-se, porém, que a negociação coletiva no setor público obteve expe-riências exitosas no Brasil, desde negociações em sindicatos do funcionalismo municipal até a citada Mesa Nacional de Negociação Permanente, vincula-da ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. As possibilidades de negociação coletiva no setor público paulatinamente se ampliaram, como se observa, por exemplo, no Decreto nº 7.674/2012. Os diplomas internacionais citados foram recebidos no plano nacional como normas supralegais, o que, só por si, já baliza um mínimo de regulamentação legal para o exercício do direito à negociação coletiva, que, por ser corolário decorrente dos direitos fundamen-tais à sindicalização e à greve, é também direito fundamental.

A experiência jurídica uruguaia, desde já, é caminho de todo válido para que se admita a negociação com entidades sindicais de servidores públicos no afã de tratar de questões remuneratórias. O Brasil também poderá assim proce-

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der, pois a função da negociação coletiva ultrapassa os limites do jurídico para adentrar o político: trata-se, acima de tudo, de um processo de concertação social, tendo como princípios norteadores a paz social e a colaboração.

No mais, até a incipiente experiência brasileira demonstra que já é possí-vel superar alguns posicionamentos consolidados na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de não admitir, em hipótese alguma, negociações coletivas que tenham por objeto a remune-ração de servidores ou empregados públicos. Ora, nada impede que o sindi-cato passe a contar, em sua negociação, além de representantes do Executivo, também de outros do Legislativo. O acordo, embora político, poderá ter força para depois vincular os agentes públicos, superando os óbices que os Tribunais brasileiros sempre colocam à questão.

Por óbvio, no plano ideal, seria preciso legislação apta a regulamentar o exercício desse direito pelo setor público de forma bastante ampla, como observado nas experiências italianas e espanholas ou, ainda, mandado de in-junção para que o Judiciário traçasse regras mínimas para a negociação coletiva compulsória no setor público. A superação de óbices dessa natureza é de suma importância para que a futura regulamentação do direito supramencionado não o deixe tão aquém do poder negocial que é concedido às entidades sindicais dos trabalhadores da iniciativa privada, de maneira a vincular a atuação da Administração ao cumprimento de acordos politicamente pactuados com o funcionalismo. Não há obstáculos, pois, para que essa atuação também possa vincular o Poder Legislativo, caso haja representantes parlamentares especifica-mente designados para participar do processo negocial.

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Parte Geral – Doutrina

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Dubitando Ad Veritatem Parvenimus: da Responsabilidade do Legislador por Improbidade Administrativa na Edição de Leis Inconstitucionais de Efeitos Concretos

Dubitando Ad Veritatem Parvenimus: Legislators’ Responsibility for Administrative Misconduct in Enacting Unconstitutional Laws with Concrete Effects

RAFAEL DE OLIvEIRA COSTAGraduado em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG/Universidade de Wisconsin (EUA), Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Professor Visitante na Univer‑sidade da Califórnia‑Berkeley (EUA), Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.

Decisão Editorial: 29.02.2016Comunicação ao Autor: 29.02.2016

RESUMO: O presente estudo busca analisar a responsabilidade de vereadores, deputados e sena‑dores, no exercício da função legiferante, pela prática de improbidade administrativa, questão aqui escolhida para debate por representar, indubitavelmente, um dos grandes desafios do combate à corrupção na contemporaneidade. Assim é que, a partir das contribuições trazidas pela legística material, procura‑se estabelecer o “fechamento hermenêutico” das normas que regem a interpre‑tação das normas constitucionais e infraconstitucionais acerca da responsabilidade do legislador pela prática de improbidade, concluindo que, ao aprovarem lei inconstitucional de efeitos concretos que autoriza agentes a praticarem determinados atos, deputados, senadores e vereadores devem responder, conjuntamente com aquele que lhe conferir executividade, pelas sanções previstas na Lei nº 8.429/1992.

PALAVRAS‑CHAVE: Hermenêutica constitucional; improbidade administrativa; responsabilidade do legislador.

ABSTRACT: This study analyzes the responsibility of council members, deputies and senators, in the exercise of legislative function, by practicing administrative misconduct. It considers the contribu‑tions made by legistics to establish a “hermeneutical closure” of rules governing the interpretation of constitutional norms and statutes about the responsibility of legislators in misconduct practices. We conclude that, by enacting an unconstitutional law with concrete effects that authorize other agents to practice certain acts, deputies, senators and council members should be jointly responsible with the agent that enforced the law.

KEYWORDS: Administrative misconduct; constitutional hermeneutics; legislators responsibility’s.

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SUMÁRIO: Introdução; 1 Da responsabilidade do legislador por improbidade administrativa na edição de leis inconstitucionais de efeitos concretos; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOTradicionalmente, em nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade

de agentes públicos pode acarretar consequências em três esferas: a civil, a pe-nal e a administrativa. Na esfera penal, o agente responderá pelo ato tipificado em lei como crime ou contravenção. Na esfera administrativa, o ato pode carac-terizar infração às normas administrativas previstas na legislação que disciplina a matéria. Por fim, na esfera cível, o ato poderá acarretar a responsabilidade pelos danos materiais, morais ou estéticos.

Não obstante a importância dessa classificação, é possível identificar uma quarta esfera de responsabilidade de agentes públicos, decorrente da prática de atos de improbidade administrativa. Isso porque a aplicação das sanções pre-vistas na Lei Federal nº 8.429/1992 ocorre em processo judicial autônomo, sem afastar a responsabilidade do agente no âmbito civil, criminal e administrativo.

No âmbito constitucional, a responsabilização de agentes públicos pela prática de atos de improbidade administrativa encontra previsão no art. 37, § 4º, da Carta Magna:

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políti-cos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Trata-se de norma de eficácia limitada, cuja aplicabilidade ganhou al-cance prático com a edição da Lei Federal nº 8.429/1992. O diploma definiu contornos concretos para os princípios da legalidade, impessoalidade e da mo-ralidade administrativas, com base no art. 37, caput, da Constituição, impondo ao agente público o exercício de suas atribuições orientado por padrões de comportamento que se baseiam na imparcialidade, na honestidade e na probi-dade. O legislador constituinte e o infraconstitucional instituíram balizas de na-tureza cogente para coibir quaisquer práticas que, de alguma forma, busquem finalidade diversa do interesse público.

Assim, a improbidade administrativa pode ser entendida como uma imo-ralidade administrativa qualificada (Martins Júnior, 2009, p. 119), em razão de sua ilicitude acentuadamente grave.

Contudo, passados mais de vinte anos da edição da Lei nº 8.429/1992, algumas conclusões parecem possíveis.

Com efeito, tal diploma legislativo constitui um grande avanço em termos de controle judicial da Administração Pública, munindo a sociedade brasileira,

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em última análise, de importantes ferramentas para a repressão e a prevenção do mau uso da coisa pública.

Por outro lado, igualmente inegável que a sua aplicação tem sido fonte de insegurança aos jurisdicionados. Afinal, não raras vezes é aplicado a situa-ções que não deveriam estar sob o seu julgo, assim como, em tantas outras, tem deixado de ser aplicada, quando deveria sê-lo.

Mais recentemente, a Lei Federal nº 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, veio a ampliar a tutela do patrimônio público, ao dispor acerca da responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira.

Nesse contexto, o presente estudo objetiva, ao fazer uso do raciocínio hipotético­dedutivo e valer-se de dados de natureza primária (acórdãos e leis) e secundária (entendimentos doutrinários), analisar a possibilidade de responsa-bilização de vereadores, deputados e senadores, no exercício da função legisla-tiva, pela prática de atos de improbidade administrativa, em razão da edição de leis inconstitucionais de efeitos concretos.

Esse o nosso plano de estudos. Passemos à sua concretização.

1 DA RESPONSABILIDADE DO LEGISLADOR POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NA EDIÇÃO DE LEIS INCONSTITUCIONAIS DE EFEITOS CONCRETOS

A teoria da responsabilidade estatal foi desenvolvida para permitir o res-sarcimento de prejuízos decorrentes da prática de atos administrativos.

Inicialmente, a teoria da não responsabilização do Estado baseava-se na ideia de que não era possível ao ente público, personificado na figura do rei, lesar seus súditos. Assim, como o monarca não cometia erros, não se afigurava possível pleitear eventual reparação pelos danos causados.

Influenciada pelo liberalismo, a teoria da responsabilidade por culpa co-mum pretendeu equiparar o Estado ao indivíduo, tornando-o responsável quan-do seus agentes atuassem com culpa ou dolo e incumbindo ao particular o ônus de demonstrar a existência do elemento subjetivo (responsabilidade subjetiva).

De outro modo, a teoria da responsabilidade civil por culpa adminis-trativa ou culpa anônima não desconsidera a indispensabilidade do elemento subjetivo, mas não exige a demonstração da culpa/dolo de determinado agente público. Em outras palavras, a responsabilidade do Estado independe da indi-vidualização do agente que agiu ao menos culposamente, bastando a demons-tração, pelo particular, do dano, nexo e falha no serviço. No Brasil, é a teoria adotada, em regra, quando ocorre omissão do Estado, seja pela não prestação ou pela prestação deficiente de um serviço público.

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Por fim, a teoria do risco administrativo torna dispensável a demonstra-ção da falta do serviço ou da culpa do agente público: em existindo dano decor-rente de uma atuação de um agente, deve o Estado reparar o particular, objeti-vamente, sem prejuízo da análise de excludentes. Trata-se de teoria encampada pelo art. 37, § 6º, da Constituição, regendo especialmente as hipóteses de res-ponsabilidade pela prática de atos comissivos praticados por agentes públicos.

No que concerne especificamente ao campo dos atos legislativos, nosso ordenamento não admitia a responsabilidade civil do Estado. O Poder Legislati-vo, a rigor, possui duas funções típicas: editar atos normativos primários, aptos a inovar o ordenamento jurídico, e fiscalizar a atuação de toda a Administra-ção Pública. Com efeito, a lei age de forma geral, abstrata e impessoal e suas determinações constituem ônus generalizados impostos a toda a coletividade. Por esse motivo, sustentava-se ser incabível a responsabilidade do Estado pelo ato de legislar, uma vez que a lei é ato de soberania e deve ser cumprida pelos cidadãos de forma coercitiva.

Contudo, mais recentemente, a jurisprudência passou a admitir a conde-nação do Estado em razão de prejuízos derivados de atos legislativos (art. 37, § 6º, da Constituição). A responsabilidade estatal por danos causados por leis inconstitucionais vem sendo reiteradamente admitida pelo Supremo Tribunal Federal, desde que a vítima demonstre especial e anormal prejuízo decorrente da norma inválida e a declaração formal de inconstitucionalidade da lei. Esse entendimento tem prevalecido, também, diante de danos causados em razão da omissão legislativa do Estado, como ocorre, por exemplo, com a não efetivação da revisão geral da remuneração dos servidores públicos1.

Portanto, a responsabilidade do legislador vem sendo amplamente admi-tida pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente no que concerne à repara-ção de danos decorrentes de leis inconstitucionais ou de efeitos concretos.

Nesse liame, o principal questionamento que pretendemos enfrentar nes-te trabalho diz respeito à possibilidade de o agente público, no exercício da função de legislar, ser responsabilizado (e em que medida) pela violação aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais.

Imaginemos, por exemplo, hipótese em que vereadores de determinado município aprovem lei de efeitos concretos, autorizando o Chefe do Poder Exe-cutivo Municipal a firmar contrato de doação de determinado imóvel, mesmo sabendo que o projeto de lei não encontra amparo em interesse público justi-ficado. Ora, é evidente que qualquer cidadão gostaria de receber em doação bens públicos, agregando ao seu patrimônio imóvel sem quaisquer ônus. Nesse caso, ao legislarem para atender a interesses particulares, os vereadores acabam

1 BRASIL. STF, AgRg-RE 548.967, Relª Min. Carmen Lúcia, J. 20.11.2007.

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por extrapolar o poder que lhes é conferido constitucionalmente, atuando com finalidade diversa daquela prevista na norma constitucional que lhes atribui competência para aprovarem normas de caráter geral e abstrato.

É preciso deixar claro que diplomas normativos como o mencionado em nosso exemplo têm natureza formal de lei de efeitos concretos, mas, substan-cialmente, refletem verdadeiro atos administrativos, uma vez que não apresen-tam abstração ou generalidade. A propósito, a lição de Hely Lopes Meirelles:

Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido [...]. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imedia-tamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança (RT 242/314, 289/152, 291/171, 441/66) (pela ação popular e pela ação civil pública também). (Meirelles, 2007, p. 41-42)

Seria possível, em casos tais, responsabilizar os agentes públicos na seara da improbidade administrativa?

Sobre o tema, existem basicamente duas correntes.

A primeira delas defende a impossibilidade de se responsabilizar o agen-te público pela edição de lei de efeitos concretos, sob o argumento de que a imunidade parlamentar serve de obstáculo à responsabilidade estatal. Verea-dores, deputados e senadores são invioláveis por seus votos, nos termos do art. 29, VIII, e art. 53, ambos da Constituição, razão pela qual não podem ser responsabilizados pela aprovação de projetos de lei. Advoga-se, ainda, que res-ponsabilizar agentes públicos pela prática de improbidade administrativa seria uma afronta à atividade legislativa e à necessidade de demonstração de dolo ou culpa no agir.

De outro modo, tratando-se, tão somente, de lei de efeitos concretos, com o correspondente resultado previamente determinado (doação de determi-nado bem); que materializa, em verdade, ato administrativo; e que viola os prin-cípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e supremacia do interesse público, parte da doutrina e da jurisprudência sustenta a possibili-dade de sua invalidação pelo Poder Judiciário e consequente responsabilização dos responsáveis pela prática de improbidade2.

2 Como se não bastasse, o art. 22, XXIII, da Constituição Federal dispõe que incumbe privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. É verdade, ainda, que o Município possui a atribuição para legislar sobre doações, assunto de interesse local, mas não podem ser desconsiderados os parâmetros estabelecidos pela Lei nº 8.666/1993, sob pena de afronta ao

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A ação por improbidade administrativa não é meio processual adequado para impugnar ato legislativo propriamente dito. Isso não significa, todavia, que todos os atos a que se denomina formalmente de “lei” estejam infensos ao controle jurisdicional por seu intermédio. Leis que usualmente passaram a receber a de-nominação de “leis de efeitos concretos”, e que são antes atos administrativos que legislativos, embora emanados do Poder Legislativo, podem ter sua eventual lesividade submetida a controle pela via da ação por improbidade administrativa. (Decomain, 2007, p. 64-66)

Entendemos que razão assiste à segunda corrente. Isso porque o Legislati-vo tem o poder-dever de aprovar leis que agasalhem o interesse público e o Exe-cutivo tem o poder-dever de aplicá-las de ofício. Contudo, ao legislador é ve-dado editar leis inconstitucionais que desconsiderem o interesse público. Não é essa a atitude que se espera de agente político que deve, sempre, buscar o bem comum. Em se tratando de lei equiparada a ato administrativo, todos os respon-sáveis pela aprovação e implementação do diploma incorrem em improbidade, sujeitando-se, portanto, às sanções previstas na Lei Federal nº 8.429/1992, nos termos de seu art. 3º:

As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Não bastasse, dispõe ainda a Lei Federal nº 12.846/2013 que:

Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Em assim sendo, ao aprovarem lei inconstitucional de efeitos concre-tos que autoriza outros agentes a praticarem determinados atos, deputados, se-nadores e vereadores deverão responder, a nosso ver, conjuntamente com o

art. 22, XXIII, da Constituição. Frise-se, por oportuno, que o art. 37, XXI, da Constituição ainda dispõe que, “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Ademais, a obrigação de realizar licitação, sob a modalidade de concorrência, está definida em lei federal, mais precisamente no art. 17, I, da Lei nº 8.666/1993: “Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: [...] b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; [...]”.

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agente que lhe conferir executividade e eventuais pessoas físicas e jurídicas3 que tenham contribuído para sua implementação, pela prática de improbidade administrativa. No mesmo sentido, Fábio Medina Osório admite “a submissão dos atos tipicamente legislativos à Lei de Improbidade quando a norma ostentar verdadeira feição de ato administrativo, ou seja, operar diretamente efeitos con-cretos” (Osório, 1998, p. 106).

Urge ponderar, contudo, que nem todos os que participaram da votação devem responder pela prática de improbidade administrativa, como se todos os membros da Câmara Municipal, Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados ou Senado Federal devessem figurar no polo passivo da demanda. Segundo entendemos, apenas aqueles que tenham votado favoravelmente à aprovação do diploma normativo é que incorrem na prática de improbidade, uma vez que incabível a responsabilização sem que esteja demonstrado o dolo ou a culpa.

O argumento de que vereadores, deputados e senadores são invioláveis por seus votos, nos termos do art. 29, VIII, e art. 53, ambos da Constituição, isentando-os de responsabilidade pela aprovação dos projetos de lei, também não merece, a nosso ver, melhor sorte. Isso porque, ao interpretar desse modo os mencionados dispositivos, a inviolabilidade constituiria verdadeira cláusula de irresponsabilidade dos agentes políticos. Por esse motivo, a norma sobre a inviolabilidade deve ser interpretada restritivamente: a não responsabilidade incide, apenas, nos campos penal e civil. Conforme ressaltamos anteriormente, a improbidade administrativa não tem caráter penal, já que a própria Constitui-ção cuidou de ressalvar que as penalidades deveriam ser fixadas sem prejuízo da ação penal cabível (art. 37, § 4º). Ressalte-se, ainda, que as penalidades previstas na Lei Federal nº 8.429/1992 são aplicáveis independentemente dos crimes de responsabilidade, previstos na Lei Federal nº 1.079/1950. Não se ol-

3 Ressalte-se, por oportuno, que a Lei Federal nº 12.846/2013, em seu art. 5º, dispõe ainda que “constituem atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei; III – comprovadamente, utilizar- -se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV – no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração Pública; V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”.

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vide, também, que, entre as penas previstas na Lei nº 8.429/1992, algumas delas têm natureza civil (o ressarcimento dos danos e a multa). Contudo, as demais sanções não têm natureza civil. Ora, a suspensão dos direitos políticos constitui sanção de natureza política; a perda da função pública e a proibição de con-tratar com o Poder Público têm natureza administrativa e, por fim, a proibição de receber benefícios fiscais ou creditícios tem natureza fiscal e administrativa.

Por esses motivos, entendemos que a prática do voto por um parlamentar e a cláusula de imunidade não são capazes de afastar a responsabilidade do agente público, especialmente quando implica a prática de improbidade admi-nistrativa. Em última instância, para aqueles que assim entendem, a inviolabili-dade abrangerá eventuais sanções de natureza civil, o que não impossibilita a aplicação de outras penalidades, as quais possuem natureza diversa. Contudo, a cláusula de inviolabilidade prevista constitucionalmente não tem sequer o condão de afastar as sanções de natureza civil. Isso porque o telos da norma abrange apenas aquelas condutas praticadas em conformidade com a Constitui-ção. Em outras palavras, ao se valer do voto para aprovar lei de efeitos concretos que viola frontalmente a Carta Magna, essa conduta não encontra amparo na cláusula de inviolabilidade, que deve ser interpretada restritivamente.

Conforme ressaltamos anteriormente, o neoconstitucionalismo pretende superar a legalidade estrita, buscando a implementação de uma nova herme-nêutica constitucional e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos funda-mentais que primem pela defesa da moralidade e honestidade na atuação do Legislador4. Por esse motivo,

acompanhamos, sem restrições, a lição de Eduardo Sotto Kloss: “Quem diz Direi-to diz, pois, responsabilidade. Perfilhamos ainda seu entendimento de que a ideia de República (res publica – coisa pública) traz consigo a noção de um regime institucionalizado, isto é, onde todas as autoridades são responsáveis, ‘onde não há sujeitos fora do Direito’”. (Bandeira de Mello, 2003, p. 943)

Assim, a unicidade do fenômeno hermenêutico demanda a devida res-ponsabilização daquele que, agindo em contrariedade com a Constituição, pre-tende favorecer interesses particulares.

E nem se afirme que, assim o fazendo, aplicar-se-ia à política a mesma lógica do sistema judicial, desconsiderando os códigos operacionais desses sis-temas. Por mais paradoxal que possa parecer, para Luhmann (1985) o fecha-mento operacional do sistema permite a sua abertura cognitiva e, desse modo, o Direito porta-se como um sistema aberto para as demandas sociais, venham

4 Nesse sentido, conferir: BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 58, p. 133.

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elas de qualquer outro sistema (política, economia, entre outros). O sistema da política possui estrutura similar e também exerce uma função que o diferen-cia no interior da sociedade, qual seja, a de formular decisões que vinculem a coletividade, baseando-se no código situação/oposição (Campilongo, 2000). A diferenciação entre Direito e Política não significa o isolamento desses dois sistemas. Existe um canal de comunicação entre eles, mas essa comunicação é estruturalmente especificada pela Constituição. A Constituição, na moderni-dade, surge como o meio adequado para a comunicação entre a Política e o Direito (Neves, 2009). Em outras palavras, a Constituição fornece “os critérios de organização política do poder e os critérios de geração do Direito” (Corsi, 2001, p. 173).

Em princípio, o Legislativo e o Judiciário desempenham atribuições di-versas e bem definidas. O Legislativo encontra-se imerso em um contexto com um alto grau de complexidade, em que é vasto o plexo de matérias que se pode tornar objeto de seleção/decisão. Daí a necessidade de uma programação tele-ológica, própria da produção legislativa, canalizando o desejo de mudança do Direito vigente (Corsi, 2001).

A programação condicional, tipicamente utilizada na aplicação das leis pelo Judiciário, diverge diametralmente desse estado de coisas. Ela assume uma relação de se/então, ou seja, ocorrida uma hipótese, tem-se uma determinada consequência. Isso é provido pelo filtro do Legislativo, que dá ao Direito um programa sob a forma da condição se/então (Corsi, 2001).

Devemos ressaltar que essa associação entre programação teleológica e Poder Legislativo, de um lado, e programação condicional e Poder Judiciário, de outro, não se dá de forma hermética. É claro que o Judiciário opera com pro-gramações teleológicas, como acontece com os princípios constitucionais ou com as normas classificadas pela doutrina constitucional brasileira de progra-máticas. O que se pretende deixar claro é o primado da atuação de cada uma das espécies de programação. No Legislativo, há um primado operacional de programações teleológicas. No Judiciário, ao contrário, prevalecem as progra-mações condicionais. Em assim sendo, é possível concluir que:

No transcurso do processo histórico de afirmação do constitucionalismo, o novo telos jurídico-civilizacional do Ocidente se configura em torno da Constituição como referencial de fundação, preservação, validação, legitimação, dinamização e atualização do sentido e do alcance do senso de juridicidade/antijuridicidade do Direito. E, ao longo das fases do constitucionalismo, as normas, os atos e as omissões passaram a ser aferíveis, no Direito, pela sua adequação ou inadequa-ção com o senso de juridicidade/antijuridicidade decorrente da Constituição.5

5 OLIVEIRA, Márcio Luís de. A constituição juridicamente adequada: transformações do constitucionalismo e atualização principiológica dos direitos, garantias e deveres fundamentais. Belo Horizonte: Arraes, 2013. p. 230.

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Ao interpretar as normas constitucionais, não se pode aplicar à política a mesma lógica do Direito: o Judiciário, ao atuar principalmente com programa-ções condicionais, não pode permanecer inerte diante da necessidade de res-ponsabilização de agentes públicos, especialmente porque as normas passaram a ser aferíveis, no Direito, pela sua adequação ou inadequação com o senso de juridicidade/antijuridicidade decorrente da Constituição. Não fosse assim, tería-mos cláusula de irresponsabilidade de parlamentares e violação ao princípio da inafastabilidade de jurisdição, uma vez que eventuais leis de efeitos concretos, verdadeiros atos administrativos, contaminadas com desvio ou abuso de poder, seriam intangíveis pelo Judiciário, violando a Constituição.

Nesse liame, bastaria a aprovação de uma lei para que eventuais agentes públicos pudessem praticar condutas que viessem a isentá-los de responsabili-dade, uma vez que os parlamentares estariam respaldados pela inviolabilidade, e os executores, porque teriam praticado conduta em conformidade com a lei6.

6 Sobre o tema, vale a pena ressaltar a ementa do seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Ação civil pública por improbidade administrativa. Malferimento a princípios que norteiam a Administração Pública. Aprovação de lei que transformou área rural em área de expansão urbana. Tentativa de regularização de loteamento clandestino. Possíveis danos ao meio ambiente. Recurso voltado contra a decisão que excluiu da lide os vereadores da câmara municipal. Edis podem ser réus em ação civil pública por improbidade administrativa, porquanto a imunidade civil e penal não abrange atos dessa natureza. Recurso ao qual se dá provimento” (TJSP, Câmara Especial do Meio Ambiente, AI 516.428-5/9-00, 30.11.2006, Comarca de São José dos Campos/SP, Agravante: Ministério Público, Agravado: Henrique Martins Filho e outros). O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no mesmo sentido: “Administrativo. Ação civil pública. Improbidade. Majoração ilegal da remuneração e posterior transformação em ajuda de custo sem prestação de contas. Dano ao Erário. Obrigação de ressarcir o combalido cofre municipal. Restabelecimento das sanções cominadas na sentença. 1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra prefeito, vice-prefeito e vereadores do Município de Baependi/MG, eleitos para a legislatura de 1997/2000, imputando-lhes improbidade pelas seguintes condutas: a) edição das Leis nºs 2.047/1998 e 2.048/1999, fixando seus subsídios para a mesma legislatura – em contrariedade aos arts. 29, V, e 37, XI, da Constituição –, sobretudo porque baseados em dispositivo da EC 19/1998 não regulamentado; e b) edição, num segundo momento, da Lei nº 2.064/1999, que suspendeu as leis antes mencionadas e transformou em ajuda de custo os valores majorados às suas remunerações, independentemente de comprovação de despesas, com vigência até a regulamentação pendente. [...] 6. A edição de leis que implementaram o aumento indevido nas próprias remunerações, posteriormente camuflado em ajuda de custo desvinculada de prestação de contas, enquadra a conduta dos responsáveis – tenham agido com dolo ou culpa – no art. 10 da Lei nº 8.429/1992, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário, sujeitando-os às sanções previstas no art. 12, II, da mesma lei. 7. No próprio acórdão consta que havia manifestações do Tribunal de Contas e do STF em sentido contrário à conduta por eles adotadas. 8. A ausência de exorbitância das quantias pagas não afasta a configuração da improbidade nem torna legítima sua incorporação ao patrimônio dos recorridos. Módicos ou não, os valores indevidamente recebidos devem ser devolvidos aos cofres públicos. Precedente do STJ. [...] 13. Recurso especial parcialmente provido” (REsp 723.494/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 01.09.2009). E mais recentemente: “Administrativo. Processual. Improbidade administrativa. Majoração de subsídios de vereadores. Incidência das Súmulas nºs 280/STF e 7/STJ. Aplicabilidade da LIA a agentes políticos. Elemento subjetivo. [...] 12. Inexiste, in casu, restrição à aplicabilidade da LIA. Não se cuida aqui de ato legislativo típico, de conteúdo geral e abstrato. Debate-se aqui norma de autoria do presidente da Câmara, cujos efeitos são concretos e delimitados à majoração de subsídios próprios e dos demais vereadores, em manifesta afronta ao texto constitucional e a despeito de inúmeros alertas feitos por instituições civis e pelo Ministério Público. 13. Em situações análogas, o STF e o STJ admitiram o repúdio de tal conduta com amparo na LIA, sem cogitar da aludida presunção de legitimidade/legalidade, por se tratar de ato ímprobo amparado em norma (cf. STF, RE 597.725, Relª Min. Cármen Lúcia, publicado 25.09.2012; STJ, AgRg-REsp 1.248.806/SP, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 29.06.2012; REsp 723.494/MG, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 08.09.2009; AgRg-Ag 850.771/PR, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJ 22.11.2007; REsp 1.101.359/CE, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe 09.11.2009). 14. Precedente desta

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Não bastasse, a tese da imunidade civil e penal resta ainda enfraquecida pela percepção de que o desvio de finalidade decorre do fato de que é vedado editar leis inconstitucionais que desconsiderem o interesse público. Indubitavel-mente, não é esta a atitude que se espera de agente político que deve, sempre, buscar o bem comum. Pensamento contrário permitiria criar casta de servido-res que estaria a salvo do crivo do Poder Judiciário, inclusive em hipóteses de malversação de recursos, em contrariedade ao intento da Constituição e da Lei Federal nº 8.429/1992. A função legislativa também se subordina aos princípios que balizam os atos administrativos, previstos no art. 37, caput, da Constituição, especialmente os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealda-de às instituições.

E não se venha a confundir a inconstitucionalidade com a improbidade. Se houver ilegalidade na condução do processo legislativo, a apuração deve se dar sob a égide normogenética. A inconstitucionalidade pode causar o afasta-mento da norma do mundo jurídico pelos meios ordinários de controle, o que, contudo, não é suficiente à caracterização de improbidade. Diversamente é a hipótese aventada, em que muitas vezes há a formação de conluio entre mem-bros do Poder Legislativo e terceiros, com interesse direto no diploma normati-vo a ser elaborado.

Em suma, ao aprovarem lei inconstitucional de efeitos concretos que au-toriza outros agentes a praticarem determinados atos, não há dúvidas de que deputados, senadores e vereadores deverão responder, conjuntamente com o agente que lhe conferir executividade, pela prática de improbidade adminis-trativa, em decorrência da moralidade e da honestidade que devem nortear a atuação do Legislador.

CONCLUSÃO

Em que pese a tradicional divisão da responsabilidade de agentes públi-cos em três grandes esferas (civil, penal e administrativa), não se pode ignorar o papel singular que vem assumindo a responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa.

Turma, relatado pelo eminente Ministro Castro Meira, lastreado em doutrina de Pedro Roberto Decomain, no sentido de que ‘a ação por improbidade administrativa não é meio processual adequado para impugnar ato legislativo propriamente dito. Isso não significa, todavia, que todos os atos a que se denomina formalmente de ‘lei’ estejam infensos ao controle jurisdicional por seu intermédio. Leis que usualmente passaram a receber a denominação de ‘leis de efeitos concretos’, e que são antes atos administrativos que legislativos, embora emanados do Poder Legislativos, podem ter sua eventual lesividade submetida a controle pela via da ação por improbidade administrativa’ (REsp 1.101.359/CE, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe 09.11.2009). 15. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido” (REsp 1316951/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 13.06.2013).

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Ora, os agentes públicos devem exercer suas atribuições orientados por padrões de comportamento que se baseiam na imparcialidade, na honestidade e na probidade, pautando-se em padrões éticos que têm como fim último lo-grar a consecução do bem comum, seja qual for a esfera de poder ou o nível político-administrativo da Federação em que atuem.

Nesse liame, o neoconstitucionalismo pretende, sem recorrer a catego-rias metafísicas, estabelecer uma leitura moral e ética do Direito. Há uma neces-sária reaproximação entre o Direito e a Filosofia, buscando-se a implementação de uma nova hermenêutica constitucional e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais a partir da dignidade humana.

Por esse motivo, ao aprovarem lei inconstitucional de efeitos concretos que autoriza outros agentes a praticarem determinados atos, vem prevalecendo corrente jurisprudencial que entende que deputados, senadores e vereadores devem responder, conjuntamente com o agente que lhe conferir executividade, pela prática de improbidade administrativa.

Frise-se, por oportuno, que não vem encontrando guarida o argumento de que seriam invioláveis por seus votos, nos termos do art. 29, VIII, e art. 53, ambos da Constituição. Isso porque, à luz do princípio da supremacia da Cons-tituição e da unicidade do fenômeno hermenêutico, tem-se entendido, majori-tariamente, ser possível responsabilizar aquele que, agindo em contrariedade com a Carta Magna, pretende favorecer interesses particulares. Não fosse assim, teríamos cláusula de irresponsabilidade de parlamentares e violação ao princí-pio da inafastabilidade de jurisdição, uma vez que eventuais leis de efeitos con-cretos, verdadeiros atos administrativos, contaminadas com desvio ou abuso de poder, seriam intangíveis pelo Judiciário.

Em suma, a partir das recentes conquistas obtidas pela hermenêutica constitucional, tem-se admitido a responsabilidade dos parlamentares, em de-corrência da moralidade e da honestidade que devem nortear a atuação do legislador. Ao se ignorar essa perspectiva, corre-se o risco de se fazer uma inter-pretação que desconsidera a integração dos diversos diplomas legais destinados a tutelar, de forma efetiva, o patrimônio público.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0040642‑35.2009.4.01.0000

Ação Rescisória nº 2009.01.00.042037‑2/MG

Processo Orig.: 0010880‑90.2007.4.01.9199

Relatora: Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso

Autor: Empresa Mecânica M. Rosário Ltda. – massa falida

Advogado: Fernando Elias dos Reis Costa

Réu: Fazenda Nacional

Procurador: Cristina Luisa Hedler

eMentA

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – PRESCRIÇÃO – TERMO AD QUEM ANTES DA VIGÊNCIA DA LC 118/2005 – DATA DA CITAÇÃO PESSOAL FEITA AO DEVEDOR – AUSÊNCIA DE MOROSIDADE DA JUSTIÇA – INAPLICÁVEL A SÚMULA Nº 106/STJ – AÇÃO PROPOSTA CONTRA EMPRESA COM DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA – ATRASO NA CITAÇÃO – ERRO DA EXEQUENTE

1. Ajuizada a ação executiva antes da edição da LC 118/2005, o ter-mo ad quem para a interrupção da prescrição é a data da citação pessoal feita ao devedor. O marco interruptivo dessa prescrição ocor-rerá na data do ajuizamento do feito somente no caso em que a de-mora na citação for imputada ao mecanismo da justiça, na forma do art. 219, § 1º, do CPC; da Súmula nº 106/STJ; e do REsp 1.120.295/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos.

2. A demora na citação ocasionada por equívoco da exequente não pode ser imputada à Justiça.

3. Está prescrita a ação em que transcorridos mais de cinco anos entre a data da constituição definitiva do crédito e a citação do síndico da massa falida.

4. Pedido rescisório que se julga procedente.

5. Rejulgada a causa para dar provimento à apelação da embargante e declarar prejudicada a apelação da Fazenda Nacional.

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Acórdão

Decide a Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, julgar procedente o pedido rescisório, nos termos do voto da relatora.

Brasília/DF, 26 de março de 2014.

Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora

relAtórIo

A Exma. Sra. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso (Rela-tora):

A presente ação foi proposta com base no art. 485, V, do Código de Processo Civil, pela Massa Falida da Empresa Mecânica M. Rosário Ltda., para rescindir acórdão da Sétima Turma deste Tribunal (fls. 39-43) que – nos autos dos Embargos à Execução Fiscal nº 2007.01.99.010588-5/MG, no qual se ale-gava a prescrição e a impossibilidade de cobrança do encargo de que trata o DL 1.025/1969 da Massa Falida – negou provimento às apelações.

Alega a autora que o acórdão que se busca rescindir afrontou a literalida-de da lei ao assentar que o termo ad quem da prescrição é a data da distribuição do feito, e não a citação pessoal feita ao devedor, nos termos da redação do parágrafo único do art. 174 do CTN vigente à época.

Entende que não pode ser aplicada a Lei Complementar nº 118/2005, a qual vigia na data em que proferido o acórdão, pois deve ser considerada a lei em vigor à época dos fatos.

Por fim, pede que nova decisão seja proferida, e que se tenha como parâ-metro a efetiva data da constituição do crédito (30.05.1998) e a data da citação (13.06.2003).

Foi deferido o pedido de justiça gratuita ao autor (fls. 56-58).

Em contestação, a Fazenda Nacional defende a inexistência de violação a literal disposição de lei. Entende que o acórdão rescindendo está de acordo com o entendimento firmado no REsp 1.120.295/SP.

Sustenta que, uma vez que se trata de lançamento de ofício, com noti-ficação do contribuinte efetuada em 30.04.1998, a constituição definitiva do crédito tributário teria ocorrido em 31.05.1998, com o decurso do prazo de 30 dias sem a impugnação do lançamento pelo contribuinte, e a consumação da

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prescrição em 31.05.2003. Assim, concluiu, que não se operado a prescrição, uma vez que a ação executiva foi proposta em 04.07.2002.

Alega que, ainda que a citação tenha ocorrido em data posterior, deve ser aplicado ao caso a regra contida no § 1º do art. 219 do CPC.

Parecer do Ministério Público Federal pela improcedência do pedido (fls. 82-83).

É o relatório.

voto

A Exma. Sra. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso (Rela-tora):

O trânsito em julgado do acórdão rescindendo ocorreu em 15.08.2007 (fl. 44). Tempestiva, portanto, a presente ação rescisória ajuizada em 15.07.2009.

Inicialmente, vale destacar que a ação rescisória, pela natureza do pro-vimento a que se destina (rescisão de decisão acobertada pela coisa julgada material), e em razão dos questionamentos que provoca (estabilidade das rela-ções jurídicas x injustiça), reclama utilização consciente e exata, sob pena de se instaurar clima de insegurança no meio social.

Assim, seu manejo indiscriminado deve ser combatido, mormente quan-do sua natureza é desvirtuada para espécie de recurso ordinário com prazo mais alongado.

Das partes e dos respectivos patronos deve ser exigida a boa-fé proces-sual de não se utilizar, de forma inconsequente, de expedientes que venham a procrastinar a entrega da prestação jurisdicional, eternizando a angústia dos envolvidos no litígio.

Esse entendimento, longe de restringir a função jurisdicional, serve para democratizá-la, uma vez que mantém descongestionadas suas vias de acesso.

No caso, a autora alega que o acórdão rescindendo violou o parágrafo único do art. 174 do Código Tributário Nacional.

A Execução Fiscal nº 4110248533, em que executados os créditos dis-cutidos no acórdão rescindendo, foi proposta em 04.07.2002. À época, o pará-grafo único do art. 174 do Código Tributário Nacional tinha a seguinte redação:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

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I – pela citação pessoal feita ao devedor;

A partir da vigência da LC 118/2005, que alterou a redação do art. 174, parágrafo único, I, do CTN, a prescrição se interrompe pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal. Essa alteração, contudo, somente é aplicável aos casos em que o despacho que ordenou a citação da parte exe-cutada tenha ocorrido em momento posterior à entrada em vigor da referida lei complementar, em 09.06.2005, o que não ocorre no caso, uma vez que tal despacho foi lavrado em 01.08.2002.

A ação executiva foi ajuizada quando vigente o dispositivo legal que determinava a interrupção da prescrição na data da citação pessoal feita ao devedor.

Existe, entretanto, vasta jurisprudência no sentido de que ajuizada a de­manda dentro do prazo prescricional e realizada a citação do executado fora dele, o marco interruptivo deve retroagir à data do ajuizamento do feito somen­te no caso em que a demora na citação for imputada ao mecanismo da Justiça (STJ, AgRg-REsp 1253910/PR, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 04.02.2013).

Necessário, portanto, analisar a situação peculiar do caso.

O crédito foi constituído em 30.05.1998 (fl. 19) e a ação executiva foi proposta contra Mecânica M. Rosário Ltda. em 04.07.2002 (fl. 16). Embora o juiz tenha determinado a citação do executado em 01.08.2002, o cumprimen-to da decisão não foi possível em razão de já ter sido decretada a falência da empresa executada, conforme certidão à fl. 26. Diante dessa informação o Juiz determinou a intimação, primeiro do síndico e depois do Ministério Público Federal, os quais foram cientificados, e em 06.06.2003 foi determinado o cum-primento da decisão de citação, citação essa que embora não tenha cumprido as formalidades do CPC, foi efetivada pela intimação do síndico em 13.06.2003 (fl. 27 v), o qual se deu por citado (fl. 28).

Ora, no caso, não cabe a aplicação da Súmula nº 106/STJ, pois a demora da citação não pode ser imputada ao mecanismo da Justiça. Deveria a exequen-te, Fazenda Nacional, ter proposto a execução fiscal contra a Massa Falida, e não contra a empresa Mecânica M. Rosário Ltda. O equívoco na definição do polo passivo causou demora na citação da executada, por necessidade de dili-gências processuais.

Embora o REsp 1.120.295/SP, submetido ao regime dos recursos repeti-tivos, tenha firmado o entendimento de que o art. 174 do CTN deve ser inter-pretado em conjunto com o disposto no art. 219, § 1º, do CPC, tal interpretação só se dará se a demora na citação for imputada exclusivamente ao serviço ju-

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diciário, na forma do mesmo artigo, § 2º, do CPC, o que, como já visto, não é o caso dos autos.

Assim, não uma vez que não se afigura possível retroagir o marco inter-ruptivo da prescrição à data do ajuizamento do feito, deve ser considerada pres-crita a Execução Fiscal nº 411.02.004853-3, pois transcorridos mais de cinco anos entre a data da constituição definitiva do crédito (30.05.1998 – fl. 19) e a data da efetiva citação (13.06.2003 – fl. 27v).

DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para desconstituir o acórdão proferido na Apelação Cível nº 2007.01.99.010588-5/MG.

Em consequência, rejulgando a causa, dou provimento à apelação do embargante para declarar prescrita a Execução Fiscal nº 411.02.004853-3 e, em consequência, julgar extinto o processo, com resolução do mérito. Prejudica-da a apelação da Fazenda Nacional. Condeno a embargada ao reembolso das custas e ao pagamento dos honorários de advogado, que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais).

Em relação à ação rescisória, condeno a Fazenda Nacional ao pagamen-to de honorários de advogado que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), com base no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC. Sem depósito, em razão do deferimento da justiça gratuita (fls. 56-58).

É como voto.

decIsão

A assistência judiciária integral e gratuita e a ampla defesa estão previstas no art. 5º, LV e LXXIV, da Constituição Federal. A Lei nº 1.060/1950, por sua vez, assegura à parte o direito de requerer a concessão dos benefícios da justiça gratuita a qualquer tempo (AC 1998.01.00.089785-0, TRF 1ª R., Rel. Des. Fede-ral Hilton Queiroz, DJ 09.04.1999.

Em relação à concessão do benefício às pessoas jurídicas, as jurispru-dências desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça são assentes no sentido de que, desde que demonstrada a impossibilidade de arcar com as despesas do processo sem prejudicar a própria manutenção, é possível seu deferimento.

No entanto, ainda que se trate de massa falida, tal pretensão deve vir acompanhada de provas e alegações robustas e não de mera declaração de impossibilidade de arcar com as custas do processo, faculdade que a Lei nº 1.060/1950 concebeu, apenas, para pessoas físicas.

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Nesse sentido, este TRF se pronunciou no sentido das ementas que ora transcrevo:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PEDIDO DE ASSISTÊN-CIA JUDICIÁRIA GRATUITA FORMULADO POR PESSOA JURÍDICA

Mesmo que não se tenha, como regra absoluta, a impossibilidade de empresa comercial, com fins lucrativos, pleitear o benefício da assistência judiciária gra-tuita, este tipo de requerimento tem que vir acompanhado de provas e alegações sólidas e não de mera declaração de impossibilidade de arcar com as custas do processo, o que a Lei nº 1.060/1950 concebeu, apenas, para pessoas físicas (Pre-cedentes deste Tribunal e do STJ).

Nega-se provimento ao agravo de instrumento.

(Ag 2003.01.00.021665-3 /MG, Relª Des. Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues, 6ª T., DJ de 09.12.2003)

PROCESSUAL CIVIL – DESPESAS PROCESSUAIS – PESSOA JURÍDICA – JUSTIÇA GRATUITA – CABIMENTO – HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA – NECESSIDA-DE DE PRÉVIA COMPROVAÇÃO

Nos termos da legislação de regência, poderá a pessoa jurídica beneficiar-se dos favores da Justiça gratuita, desde que comprove, documentalmente, nos autos, que, em face do seu estado de hipossuficiência financeira encontra-se impossibi-litada de arcar com as despesas processuais, o que não se configura, na espécie dos autos. Precedentes do STF e do STJ sobre a matéria.

Agravo desprovido.

(Ag 2001.01.00.025740-8/MG, 6ª T., Des. Fed. Souza Prudente, DJ de 23.10.2002)

No caso dos autos, não há qualquer comprovação, sendo que as meras alegações trazidas pela autora não são suficientes para o deferimento da assis-tência judiciária.

Assim, indefiro o pedido da assistência judiciária requerida.

Por conseguinte, proceda-se à intimação da autora, Empresa Mecânica M. Rosário Ltda. – massa falida, para que, no prazo de cinco dias, faça o devido depósito estabelecido no art. 488, II, do CPC.

Publique-se. Cumpra-se.

Brasília/DF, 14 de setembro de 2009.

Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������115

decIsão

A assistência judiciária integral e gratuita e a ampla defesa estão previstas no art. 5º, LV e LXXIV, da Constituição Federal. A Lei nº 1.060/1950, por sua vez, assegura à parte o direito de requerer a concessão dos benefícios da justiça gratuita a qualquer tempo (AC 1998.01.00.089785-0, TRF 1ª R., Rel. Des. Fede-ral Hilton Queiroz, DJ 09.04.1999.

Em relação à concessão do benefício às pessoas jurídicas, as jurispru-dências desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça são assentes no sentido de que, desde que demonstrada a impossibilidade de arcar com as despesas do processo sem prejudicar a própria manutenção, é possível seu deferimento.

No entanto, ainda que se trate de massa falida, tal pretensão deve vir acompanhada de provas e alegações robustas e não de mera declaração de impossibilidade de arcar com as custas do processo, faculdade que a Lei nº 1.060/1950 concebeu, apenas, para pessoas físicas.

Nesse sentido, este TRF se pronunciou no sentido das ementas que ora transcrevo:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PEDIDO DE ASSISTÊN-CIA JUDICIÁRIA GRATUITA FORMULADO POR PESSOA JURÍDICA

Mesmo que não se tenha, como regra absoluta, a impossibilidade de empresa comercial, com fins lucrativos, pleitear o benefício da assistência judiciária gra-tuita, este tipo de requerimento tem que vir acompanhado de provas e alegações sólidas e não de mera declaração de impossibilidade de arcar com as custas do processo, o que a Lei nº 1.060/1950 concebeu, apenas, para pessoas físicas (Pre-cedentes deste Tribunal e do STJ).

Nega-se provimento ao agravo de instrumento.

(Ag 2003.01.00.021665-3/MG, Relª Desª Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues, 6ª T., DJ de 09.12.2003)

PROCESSUAL CIVIL – DESPESAS PROCESSUAIS – PESSOA JURÍDICA – JUSTIÇA GRATUITA – CABIMENTO – HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA – NECESSIDA-DE DE PRÉVIA COMPROVAÇÃO

Nos termos da legislação de regência, poderá a pessoa jurídica beneficiar-se dos favores da Justiça gratuita, desde que comprove, documentalmente, nos autos, que, em face do seu estado de hipossuficiência financeira encontra-se impossibi-litada de arcar com as despesas processuais, o que não se configura, na espécie dos autos. Precedentes do STF e do STJ sobre a matéria.

Agravo desprovido.

(Ag 2001.01.00.025740-8/MG, 6ª T., Des. Fed. Souza Prudente, DJ de 23.10.2002)

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116 ���������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

No caso dos autos, não há qualquer comprovação, sendo que as meras alegações trazidas pela autora não são suficientes para o deferimento da assis-tência judiciária.

Assim, indefiro o pedido da assistência judiciária requerida.

Por conseguinte, proceda-se à intimação da autora, Empresa Mecânica M. Rosário Ltda. – massa falida, para que, no prazo de cinco dias, faça o devido depósito estabelecido no art. 488, II, do CPC.

Publique-se. Cumpra-se.

Brasília/DF, 14 de setembro de 2009.

Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora

decIsão

Estes embargos de declaração foram opostos pela Massa Falida da Em-presa Mecânica M. Rosário Ltda. à decisão de minha lavra em que indeferi seu pedido de assistência judiciária gratuita, haja vista a inexistência, nos au-tos, de comprovação de faz jus aos benefícios da assistência judiciária gratuita (fls. 47-48).

Sustenta o embargante que omissa a decisão, haja vista que não dispõe de numerário para arcar com suas obrigações junto aos credores privilegiados (verbas trabalhistas), ou seja, sua situação financeira é negativa. Afirma que im-possível a comprovação imediata, haja vista que tal prova se fará pelo quadro geral de credores, ainda não ultimado.

Por tal razão, requer o acolhimento dos embargos, para que lhe seja concedido o benefício.

Cinge-se a questão posta nos presentes autos à determinação do requisito necessário à concessão da gratuidade da justiça às pessoas jurídicas com fins lucrativos: se a simples declaração de insuficiência ou se a comprovação ine-quívoca da impossibilidade de arcar com as despesas do processo.

A assistência judiciária integral e gratuita e a ampla defesa estão previstas no art. 5º, LV e LXXIV, da Constituição Federal. A Lei nº 1.060/1950, por sua vez, assegura à parte o direito de requerer a concessão dos benefícios da justiça gratuita a qualquer tempo (AC 1998.01.00.089785-0, TRF 1ª R., Rel. Des. Fede-ral Hilton Queiroz, DJ 09.04.1999).

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������117

Em relação à concessão do benefício às pessoas jurídicas, a jurisprudência desta Corte, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal dis-põe que, desde que demonstrada a impossibilidade de arcar com as despesas do processo sem prejudicar a própria manutenção, é possível seu deferimento (STJ, REsp 338159/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 22.04.2002; STJ, AGRMC 3058/SC, Rel. Min. Franciulli Neto, DJ de 23.04.2001; STJ, AgRg nos Embargos de Declaração na RCL nº 1905/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 20.09.2002; TRF 1ª R., Ag 2003.01.00.021665-3/MG, Relª Desª Fed. Maria Isabel Gallotti Rodrigues, 6ª T., DJ de 09.12.2003; TRF 1ª R., Ag 2001.01.00.025740-8/MG, 6ª T., Rel. Des. Fed. Souza Prudente, DJ de 23.10.2002).

No entanto, tal pretensão deve vir acompanhada de provas e alegações robustas, não de mera declaração de impossibilidade de arcar com as custas do processo, faculdade que a Lei nº 1.060/1950 concebeu, apenas, a pessoas físicas.

Nesse sentido, a Corte Especial do STJ, quando da sessão de 01.08.2002, uniformizando a jurisprudência daquela Corte de Justiça quanto ao tema, pro-nunciou-se que: admite­se a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, com fins lucrativos, desde que as mesmas comprovem, de modo satisfatório, a impossibilidade de arcarem com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade.

Assentou que a comprovação da miserabilidade jurídica pode ser feita por documentos públicos ou particulares, desde que estes retratem a precária saúde financeira da entidade, de maneira contextualizada. Exemplificadamen­te: a) declaração de imposto de renda; b) livros contábeis registrados na junta comercial; c) balanços aprovados pela Assembléia, ou subscrita pelos Diretores, etc. (EREsp 388.045/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 22.09.2003).

A plausibilidade jurídica das alegações reside na decretação de falência da autora, o que é fato notório nestes autos, quando todos os créditos, bens e ações em nome da empresa falida foram revertidos para a Massa. Assim, inclusi-ve, decidiu o TRF da 4ª Região, nos termos da ementa que ora colaciono, verbis:

QUESTÃO DE ORDEM – RECURSO ADESIVO NÃO APRECIADO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – MASSA FALI-DA – CORREÇÃO MONETÁRIA – DECRETO-LEI Nº 858/1969

1. Verificando-se que o recurso da empresa embargante não foi apreciado junta-mente com aquele interposto pela outra parte, suscita-se questão de ordem para o julgamento daquele.

2. Concedida a assistência judiciária gratuita à embargante, tendo em conta seu notório estado de insolvência, já que falida.

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3. O Decreto-Lei nº 858/1969 é perfeitamente aplicável aos débitos fiscais das massas falidas. Precedentes do TRF 4ª Região e do STJ.

(QUOAC – Questão de Ordem em Apelação Cível nº 572462, Rel. Juiz Wellington M. de Almeida, DJ 19.11.2003 – sem grifo no original)

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração com efeitos infringen-tes, concedo a assistência judiciária gratuita ao autor.

Cite-se a ré União (Fazenda Nacional) para contestar o pedido inicial no prazo de 30 dias.

Publique-se. Intime.

Brasília/DF, 10 de agosto de 2010.

Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora

despAcho

Manifeste-se a parte autora, em 10 (dez) dias, sobre a contestação de fls. 60-68.

Publique-se. Intime-se.

Brasília/DF, 19 de outubro de 2010.

Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora

despAcho

Apresentem as partes, autor e réu, suas razões finais no prazo sucessivo de 10 dias.

Decorrido o prazo, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal.

Após, voltem-me conclusos.

Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.

Brasília/DF, 17 de março de 2011.

trIbunAl regIonAl federAl dA 1ª regIão secretArIA JudIcIárIA

3ª Sessão Ordinária do(a) Quarta Seção

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������119

Pauta de: 26.03.2014 Julgado em: 26.03.2014

AR 0040642-35.2009.4.01.0000/MG

Relatora: Exma. Sra. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Aldenor Moreira de Sousa

Secretário(a): Augusto César da Silva Ramos

Autor: Empresa Mecânica M. Rosário Ltda. – massa falida

Adv.: Fernando Elias dos Reis Costa

Réu: Fazenda Nacional

Procur.: Cristina Luisa Hedler

Nº de Origem: 108809020074019199 Vara:

Justiça de Origem: Tribunal Regional Federal Estado/Com.: MG

sustentAção orAl certIdão

Certifico que a(o) egrégia(o) Quarta Seção, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, julgou procedente o pedido rescisório, nos termos do voto da Relatora.

Votaram com a Exma. Sra. Relatora os Exmos. Srs. Desembargador Fede-ral Reynaldo Fonseca, Desembargador Federal Novély Vilanova, Juiz Federal convocado Roberto Carvalho Veloso (Ato Presi/Asmag nº 394/2014), Juiz Fede-ral convocado Rodrigo de Godoy Mendes (Ato Presi/Asmag nº 1.256/2013, em substituição ao Desembargador Federal José Amilcar Machado, afastado por compromisso na Esmaf) e Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral.

Brasília, 26 de março de 2014.

Augusto César da Silva Ramos Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

3264

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIII – Agravo de Instrumento nº 2013.02.01.005660‑0Nº CNJ: 0005660‑26.2013.4.02.0000Relator: Desembargadora Federal Lana RegueiraAgravante: Alfredo Silvino Barreto BastosAdvogado: Espedito Jose MoreiraAgravado: União Federal/Fazenda NacionalOrigem: Primeira Vara Federal de Campos (200451030011945)

eMentA

AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA – COMPROVAÇÃO – HONORÁRIOS

I – Restando comprovado, por meio de documentos hábeis, residir a família do executado no imóvel penhorado, faz jus o agravan-te ao benefício da impenhorabilidade, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/1990.

II – Pelo princípio da causalidade, é cabível a fixação de honorários quando acolhida exceção de pré-executividade, ainda que em sede de agravo de instrumento. Precedentes.

III – Agravo de Instrumento provido.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Egrégia Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2015.

Lana Regueira Desembargadora Federal

relAtórIo

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Alfredo Silvino Barreto Bastos contra decisão que indeferiu sua exceção de pré-executividade ao fun-

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������121

damento de que a apreciação da matéria ali veiculada depende de dilação pro-batória e de que não houve comprovação de que se trata de bem de família, verbis:

“No caso, verifico que os documentos adunados pelo excipiente não são sufi-cientes para provar que o bem penhora se enquadra na classificação de bem de família, não podendo prosperar a alegação do executado.”

Sustentam em suas razões que resta perfeitamente comprovada a nature-za de bem de família do imóvel penhorado, consoante documentos que anexa à suas razões, requerendo assim a reforma da decisão agravada.

O agravante propôs medida cautelar para impedir a praça do imóvel, tendo obtido liminar em seu favor.

O recurso foi contrarrazoado pela Fazenda Nacional às folhas 89/93.

É o relatório.

voto

Desembargadora Federal Lana Regueira (Relatora):

A questão que se coloca à apreciação por esta Corte centra-se em se veri-ficar se há documentos suficientes para o reconhecimento do caráter de bem de família do imóvel penhorado, como alega o agravante em suas razões.

Verificando-se os autos, efetivamente restam provados os fatos necessá-rios ao reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel, pois do próprio auto de penhora e avaliação, consta que o imóvel serve à residência da família do executado, confiram-se trechos do auto lavrado pela oficial de justiça:

“[...] Constatei que o imóvel está sendo ocupado por duas filhas do executado, Sra. Aniele Sabino Bastos e Valeska Martins Bastos, esta casada com o Sr. Agui-naldo Francisco Santos e mãe de três filhos menores, com 04, 07 e 14 anos de idade. [...] O espaço destinada ao canil foi transformado em um pequeno escri-tório; a antiga sauna foi transformada em um quarto onde dorme Aniele. [...] na parte da frente do terreno existe uma casa de laje, constituída de dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma área de serviço. Os cômodos são todos pequenos e simples e o material usado para acabamento de qualidade bem popular. Nessa casa residem Valeska com o esposo e seus três filhos.”

O vínculo familiar com o executado está comprovado pelas certidões de casamento, nascimento e identidades acostados às fls. 57/63.

Assim, é de se dar provimento ao presente agravo de instrumento de-terminando o levantamento da penhora efetuada sobre o imóvel em ques-

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tão confirmando-se, portanto, a decisão liminar deferida na Medida Cautelar nº 2013.02.01.0159620, apensa.

Outro aspecto a ser ressaltado é o cabimento dos honorários em favor dos agravantes, os quais são devidos em respeito ao princípio da causalidade, conforme os seguintes julgados:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBAR-GOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – DE-CLARAÇÃO DE ILEGITIMIDADE TRIBUTÁRIA PASSIVA DOS SÓCIOS-GEREN-TES – VERBA HONORÁRIA – CABIMENTO

1. ‘Não obstante a exceção de pré-executividade se trate de mero incidente pro-cessual na ação de execução, o seu acolhimento com a finalidade de declarar a ilegitimidade passiva ad causam do recorrente torna cabível a fixação de ho-norários advocatícios, ainda que tal ocorra em sede de agravo de instrumen-to’ (REsp 884.389/RJ, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., Julgado em 16.06.2009, DJe 29.06.2009).

2. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AgRg-EDcl-REsp 1532540/PE, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., J. 10.11.2015, DJe 18.11.2015)

PROCESSUAL CIVIL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REVISÃO – MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ

1. O Tribunal a quo consignou que “destarte, tendo a executada feito despesas com a oposição de sua defesa, exceção de pré-executividade, alegando o paga-mento do débito em dobro, a União Federal, que deu causalidade à demanda, merece ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios.

Na hipótese dos autos, os honorários devem ser fixados no valor de RS 10.000,00 com fundamento no disposto no § 4º do art. 20 do CPC, ou seja, sopesando o grau de zelo do profissional, a natureza e importância da causa, o trabalho reali-zado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.” (fl. 345, e-STJ)

2. A revisão da verba honorária implica, como regra, reexame de matéria fático--probatória, o que é vedado em Recurso Especial (Súmula nº 7/STJ).

Excepciona-se apenas a hipótese de valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura neste caso.

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-AREsp 529.658/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 12.08.2014, DJe 10.10.2014)

Nesses termos, considerando o tempo transcorrido para o deslinde da questão e o trabalho desempenhado pelo causídico dos executados, tanto nesta

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sede recursal quanto nos autos originários (exceção de pré-executividade, em-bargos de declaração, agravo de instrumento e Medida Cautelar) fixo os hono-rários advocatícios em R$ 2.000,00.

Isto posto, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o levantamento da penhora sobre o imóvel dos agravantes, fixando os honorários sucumbenciais em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

É como voto.

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Parte Geral – Jurisprudência

3265

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 06.08.2015Apelação Criminal nº 0000171‑28.2011.4.03.6118/SP2011.61.18.000171‑0/SPRelator: Desembargador Federal Luiz StefaniniApelante: Paulo Marcelo Lopes dos SantosAdvogado: SP234915B Ana Lucia da Silva Campos (Int. pessoal)Apelado(a): Justiça PúblicaNº Orig.: 00001712820114036118 1ª Vr. Guaratinguetá/SP

eMentA

ESTELIONATO – SEGURO-DESEMPREGO – SAQUE FRAUDULENTO – MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS – REDUÇÃO DA PENA – APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA

1. A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio da r. sentença trabalhista encartada às fls. 01/05, que reconheceu o vínculo de emprego entre o apelante e a empresa “Panificadora e Lanchonete Souza Ltda. – EPP” no período compreendido entre 01.04.2007 a 08.01.2008, sendo que o seguro-desemprego foi rece-bido pelo réu em quatro parcelas, entre maio de 2007 e outubro do mesmo ano, isto é, dentro do período em que o acusado encontrava--se empregado e recebendo salário, a comprovar sem qualquer dúvi-da a fraude por ele perpetrada, já que em tais condições o benefício em questão era indevido.

2. Provam, ademais, a materialidade os ofícios do Ministério do Tra-balho de fls. 60/61 e 64/65, os quais informam que o apelante rece-beu as quatro parcelas do seguro-desemprego, no valor cada qual de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais), nas seguintes datas: 28.05.2007, 06.08.2007, 30.08.2007 e 01.10.2007 (fl. 65).

3. Autoria e dolo incontestes, seja porque as provas documentais não deixam dúvida de ter o réu recebido o seguro-desemprego em perío-do no qual continuava empregado e auferindo salário, seja porque em juízo o apelante confessou ser verdadeira a acusação, que tinha consciência de que o recebimento do benefício naquelas condições era ilegal e que deu entrada pessoalmente no pedido perante a Caixa

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������125

Econômica Federal para recebê-lo, confirmando tê-lo recebido du-rante quatro meses.

4. Reprimenda restritiva de direitos de prestação pecuniária convo-lada em multa, fixada em dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, nos termos do art. 44, § 2º, do Código Penal, suficiente à repres-são do delito perpetrado, sendo ainda mais adequada e proporcional à situação pessoal do condenado.

5. Condenação mantida. Apelação parcialmente provida.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação defensiva, apenas para con-volar a pena de prestação pecuniária em multa, que fixo em dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, com fundamento no art. 44, § 2º, do Código Penal, mantendo-se, no mais, a r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 28 de julho de 2015.

Luiz Stefanini Desembargador Federal

relAtórIo

Trata-se de apelação interposta por Paulo Marcelo Lopes dos Santos, em face da r. sentença de fls. 225/230, proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Fede-ral de Guaratinguetá/SP, que o condenou como incurso nas penas do art. 171, § 3º, do Código Penal, a um ano e quatro meses de reclusão, em regime inicial aberto, e multa de treze dias-multa, no valor unitário mínimo legal, substituída a reprimenda privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, con-sistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e prestação pecuniária de dois salários mínimos em favor da União.

Em razões de fls. 245/250, a defesa alega, em síntese, que o acusado não agiu com dolo, sendo pessoa honesta e trabalhadora, imputando a fraude a seu ex-patrão, proprietário da padaria onde o réu trabalhava.

Requer, pois, a sua absolvição, ou, quando não, seja a pena aplicada no mínimo legal, especialmente, a pena de multa, observada a situação de misera-bilidade do apelante.

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126 ���������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Contrarrazões ministeriais às fls. 252/255, pelo improvimento da ape-lação.

Em parecer de fls. 258/260, a Procuradoria Regional da República opi-nou pelo desprovimento da apelação defensiva.

É o relatório.

À revisão.

Luiz Stefanini Desembargador Federal Relator

voto

Segundo a denúncia de fls. 144/147, no período compreendido entre maio de 2007 e outubro do mesmo ano, o acusado obteve vantagem indevida para si, em prejuízo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), consistente no recebimento indevido de quatro parcelas do benefício de seguro-desemprego, mantendo em erro funcionários da Caixa Econômica Federal, mediante a omis-são fraudulenta de que, no período em que recebeu o benefício, encontrava-se empregado.

Apurou-se que a despeito de ter sido rescindido o contrato de trabalho com a empresa “Panificadora e Lanchonete Souza Ltda. – EPP”, o acusado nela continuou trabalhando sem registro em CTPS, tendo o vínculo trabalhista, po-rém, sido posteriormente reconhecido pela Justiça do Trabalho em ação traba-lhista.

Assim, restou demonstrado que o acusado recebeu quatro parcelas do benefício de seguro-desemprego, no valor cada uma de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais), ao mesmo tempo em que continuou empregado e recebendo salário na suprarreferida empresa, cujo vínculo foi posteriormente reconhecido em sede judicial, circunstância que caracteriza fraude no recebimento do bene-fício, pois a Caixa Econômica Federal não foi comunicada pelo apelante acerca da continuidade, ainda que informal, de seu vínculo trabalhista.

Brevemente sintetizados os fatos, verifico que a materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio da r. sentença trabalhista encartada às fls. 01/05, que reconheceu o vínculo de emprego entre o apelante e a em-presa “Panificadora e Lanchonete Souza Ltda. – EPP” no período compreendido entre 01.04.2007 a 08.01.2008, sendo que o seguro-desemprego foi recebido pelo réu em quatro parcelas, entre maio de 2007 e outubro do mesmo ano, isto é, dentro do período em que o acusado encontrava-se empregado e recebendo

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salário, a comprovar sem qualquer dúvida a fraude por ele perpetrada, já que em tais condições o benefício em questão era indevido.

Provam, ademais, a materialidade os ofícios do Ministério do Trabalho de fls. 60/61 e 64/65, os quais informam que o apelante recebeu as quatro parcelas do seguro-desemprego, no valor cada qual de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais), nas seguintes datas: 28.05.2007, 06.08.2007, 30.08.2007 e 01.10.2007 (fl. 65).

A autoria, da mesma forma, é inconteste, seja porque as provas documen-tais supracitadas não deixam dúvida de ter o réu recebido o seguro-desemprego em período no qual continuava empregado e auferindo salário, seja porque em juízo o apelante confessou ser verdadeira a acusação, que tinha consciência de que o recebimento do benefício naquelas condições era ilegal e que deu entra-da pessoalmente no pedido perante a Caixa Econômica Federal para recebê-lo, confirmando tê-lo recebido durante quatro meses.

Ademais, a tese da defesa de que o réu assim teria agido por indução ou imposição de seu então empregador, com ares inclusive de coação, não restou demonstrada nos autos e, de qualquer forma, ainda que coação ou ato do gê-nero tivesse realmente havido com vistas a se entabular algum acordo forçado entre patrão e empregado, tal circunstância poderia conduzir tão somente a penalidades ao empregador na esfera trabalhista, mas de forma alguma retira a atuação criminosa do apelante, ou seja, ainda que eventualmente tenha ele sido coagido a pedir demissão e a renunciar verbas trabalhistas, fato este não provado e que não está em discussão nestes autos, certo é que tal circunstância não autorizaria ou tornaria legítima a conduta de o acusado receber o seguro desemprego ao mesmo tempo em que continuava empregado, e sobre essa ile-galidade ele mesmo se declarou ciente em juízo.

Nesse sentido, o MM. Juízo a quo decidiu acertadamente:

“[...] Ademais, ainda que o referido acordo tenha efetivamente existido, o que, repita-se, não restou provado, tal fato não teria o condão de excluir o elemento subjetivo na espécie. Isso porque, conforme o próprio acusado afirmou, ‘conhe­cia o fato de que receber o seguro­desemprego era errado’. Ora, ainda que obri-gado a aceitar acordo informal, pedir demissão, renunciar a verbas trabalhistas, exercer atividades sem registro em CTPS, o acusado jamais foi compelido a re­quer o benefício do seguro­desemprego e a receber quatro parcelas no valor de R$ 380,00 (trezentos e oitenta) reais, juntamente com seu salário. Somente assim agiu porque assim quis, pois poderia ter continuado a trabalhar da mesma forma e receber apenas o salário, que continuou igual, conforme informação dada pelo próprio réu em Juízo”. grifo nosso.

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Dessa forma, não há qualquer dúvida acerca do dolo na conduta do apelante, razão pela qual mantenho a sua condenação, nos exatos termos da r. sentença a quo.

Passo à análise da dosimetria da pena.

Pena-base fixada no piso, em um ano de reclusão, ante as circunstâncias judiciais favoráveis. Na segunda fase reconhecida a atenuante da confissão es-pontânea, sem redução da pena, à luz da Súmula nº 231 do STJ.

Na terceira fase foi aplicada a causa de aumento do § 3º do art. 171 do Código Penal, majorando-se a pena em 1/3 (um terço), resultando, pois, na pena final de um ano e quatro meses de reclusão.

Pena de multa aplicada com a devida proporcionalidade em treze dias--multa, no valor unitário mínimo.

Fixado o regime inicial aberto e substituída a pena corporal por duas pe-nas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e prestação pecuniária de dois salários mínimos em favor da União.

Quanto à tese da defesa de miserabilidade do réu, requerendo, com isso, a redução da pena de prestação pecuniária, entendo procedente, pois o acusa-do é pessoa simples e trabalhava como ajudante geral à época dos fatos, rece-bendo apenas um salário mínimo, não havendo notícias nos autos de sua atual situação financeira.

Dessa forma, convolo a reprimenda restritiva de direitos de prestação pecuniária em multa, que fixo em dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, nos termos do art. 44, § 2º, do Código Penal, que, somada à pena de prestação de serviços à comunidade aplicada, é suficiente à repressão do delito perpetrado, sendo ainda mais adequada e proporcional à situação pessoal do condenado.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação defensiva, apenas para convolar a pena de prestação pecuniária em multa, que fixo em dez dias--multa, no valor unitário mínimo legal, com fundamento no art. 44, § 2º, do Código Penal, mantendo-se, no mais, a r. sentença.

É o voto.

Luiz Stefanini Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 5001629‑63.2015.4.04.7205/SCRelatora: Juíza Federal Carla Evelise Justino HendgesApelante: Haru Climatização e Serviços Ltda.Advogado: Kátia Waterkemper Machado

Dante Aguiar ArendApelado: União – Fazenda Nacional

eMentATRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – NULIDADE NÃO CONFIGURADA – CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO INCRA – NATUREZA – INTERVENÇÃO NA ATIVIDADE ECONÔMICA – SEBRAE – EC 33/2011 – RECEPÇÃO

1. Presentes os requisitos do art. 202 do CTN, repetidos no art. 2º, § 5º, da Lei de Execução Fiscal, não há falar em nulidade da inscrição em dívida ativa.

2. Nos termos do art. 3º, parágrafo único, da LEF, a dívida ativa regu-larmente inscrita é dotada de presunção juris tantum de certeza e li-quidez, só podendo ser afastada por prova inequívoca. Portanto, cabe o ônus da prova à parte embargante, que não juntou documentos, comprovando a inexigibilidade, a incerteza ou a iliquidez da CDA, resta mantido o título executivo e incólume a execução dela decor-rente.

3. A contribuição de 0,2%, destinada ao Incra, qualifica-se como con-tribuição interventiva no domínio econômico e social, encontrando sua fonte de legitimidade no art. 149 da Constituição de 1988. Essa contribuição pode ser validamente exigida das empresas comerciais ou industriais, que nessa mesma atividade vicejam.

4. Como a contribuição ao Incra não possui natureza previdenciá-ria, não foi extinta pelas Leis nºs 7.789/1989 e 8.212/1991, sendo plenamente exigível. A EC 33/2001 não alterou a exigibilidade da contribuição.

5. A contribuição ao Sebrae, cuja constitucionalidade já foi reconhe-cida pela STF, não é nova, tratando-se, na verdade, de adicional às

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alíquotas das contribuições ao Sesc/Senac, apesar de ser totalmente autônoma e desvinculada daquelas que a originaram.

6. A EC 33/2001 não alterou a exigibilidade da contribuição.

7. Sentença mantida.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por una-nimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 15 de dezembro de 2015.

Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges Relatora

relAtórIo

Trata-se de recurso de sentença que julgou improcedentes os embargos à execução fiscal. Sem honorários em face do encargo legal.

A embargante, em suas razões recursais, sustenta a nulidade dos títulos executivos, uma vez que não preenchem os requisitos previstos em lei. Alega a inconstitucionalidade das contribuições destinadas ao Sebrae e ao Incra.

Com as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

voto

REQUISITOS DA CDA – PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA

A Certidão de Dívida Ativa, pelo que se observa, foi constituída consoan-te as exigências legais, contendo os elementos mencionados no art. 2º, § 6º, da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF), abarcando, igualmente, os requisitos mencionados pelos arts. 202 e 203 do CTN. Os elementos elencados pelo ordenamento jurídico estão devidamente identificados, como a origem do débito, valores, forma de atualização, acréscimos legais, enfim, o título possui todos os requisitos necessários para que a embargante/executada reconheça o

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que lhe é exigido e possa exercer a ampla defesa. Os juros e os encargos são calculados de acordo com as normas legais, que estão indicadas nas CDAs, assim como a natureza do débito e os seus fundamentos, inexistindo qualquer empecilho à ampla defesa por parte da parte embargante.

Ressalto que a certidão de dívida ativa refere o número do processo ad-ministrativo que precedeu sua emissão, os fundamentos legais do débito exe-cutado – em que também é especificada a sua natureza – e o período da dívida executada, não se tendo configurado dificuldade na elaboração da defesa da ora embargante, como se verifica na inicial. Ademais, constata-se que se trata de débito confessado pelo contribuinte.

Qualquer prova contra a Dívida Ativa regularmente inscrita deve ser feita pelo contribuinte/executado (art. 3º e parágrafo único, da Lei nº 6.830/1980), face à presunção de certeza e liquidez.

Essa presunção que milita em favor da dívida ativa regularmente inscrita é matéria decorrente da legislação tributária (art. 204 do CTN e art. 3º da Lei nº 6.830/1980), cabendo ao sujeito passivo a prova inequívoca para sua des-constituição, o que não ocorreu nos presentes autos. Nesse sentido é importan-te trazer a lição de Maria Helena Rau de Souza, ao comentar o art. 3º da Lei nº 6.830/1980 (in Manoel Alvares et alii, Execução Fiscal, doutrina e jurispru-dência, Editora Saraiva, 1998, p. 78):

“[...] a lei faz defluir a presunção de certeza e liquidez do ato de inscrição, por-quanto pressupõe esta última, exatamente, como ato administrativo autônomo do lançamento, o controle específico e suplementar da legalidade do ato de consti-tuição do crédito, onde é procedida a verificação da certeza e liquidez da dívida, bem como o transcurso do prazo para pagamento na esfera administrativa. Assim a regularidade de inscrição, a qual a norma em comento atribui o efeito de gerar a presunção em foco, diz não somente com aspectos formais (requisitos extrín-secos do termo de inscrição), mas também com aspectos substanciais à própria constituição do crédito”.

Tal presunção, como tantas outras existentes no ordenamento jurídico, é legítima, principalmente por se tratar de créditos públicos. Da mesma forma, presume-se que os agentes públicos estão laborando em prol da coletividade, buscando fazer cumprir as normas postas, o que legitima os procedimentos e permite aceitarem-se dispositivos legais nesse sentido. Ademais, a inscrição em dívida ativa, com a posterior extração da respectiva CDA, é resultado de um procedimento administrativo, o qual goza da presunção de legitimidade e veracidade, atributos somente descaracterizados por prova inequívoca em con-trário, a qual a autora não logrou êxito em produzir.

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Ademais, sequer há necessidade que a certidão de dívida ativa venha ins-truída por demonstrativo discriminado de cálculo (art. 614, inciso II, do CPC) ou cópia do processo administrativo, documentos que não se afiguram indispensá-veis à propositura da ação, prevalecendo, neste aspecto, a especialidade da LEF.

CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA

A exação debatida deriva daquela criada pelo § 4º do art. 6º da Lei nº 2.613/1955, sob a denominação de adicional à contribuição previdenciária, destinada ao extinto Serviço Social Rural, assim dispondo a referida lei:

§ 4º A contribuição devida por todos os empregadores aos institutos e caixas de aposentadoria e pensões é acrescida de um adicional de 0,3% (três décimos por cento) sobre o total dos salários pagos e destinados ao Serviço Social Rural, ao qual será diretamente entregue pelos respectivos órgãos arrecadadores. (grifei)

Inicialmente, a contribuição financiou a prestação de serviços sociais no meio rural (saúde, alimentação, educação, habitação).

Seguiu-se uma longa série de alterações legislativas: Lei Delegada nº 11/1962; Lei nº 4.214/1963 (Estatuto do Trabalhador Rural); Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra); Lei nº 4.863/1965; Decreto-Lei nº 276/1967 (que trans-feriu a assistência social aos trabalhadores rurais para o Funrural); Decreto--Lei nº 582/1969; Decreto-Lei nº 1.110/1970 (criação do Incra); Decreto-Lei nº 1.146/1970.

Sobreveio a Lei Complementar nº 11/1971, que criou o Programa de As-sistência ao Trabalhador Rural (Prorural), executado pelo Funrural. Confirmou--se a permanência da prestação de assistência social aos trabalhadores rurais (serviço de saúde e serviço social, respectivamente, arts. 12 e 13 da lei comple-mentar) a cargo do Funrural. Restou aumentada a alíquota das contribuições ao Fundo, de 0,4% para 2,6%, cabendo 0,2% ao Incra.

A contribuição perdeu, assim, o propósito inicial de financiamento de serviços sociais no meio rural. Não incidem, portanto, as Leis nºs 7.787/1989, 8.212/1991 e 8.213/1991, que regulam as contribuições destinadas ao financia-mento da Seguridade Social.

Quanto à definição da natureza jurídica específica da exação, inicialmen-te, estou de acordo com a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a contribuição ao Incra caracteriza-se como contribuição de intervenção no domínio econômico (Primeira Seção, Embargos de Divergência em REsp nº 722.808/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgados em 25.10.2006).

Entretanto, no que diz com o cumprimento do requisito da referibilidade, exigível em se tratando de contribuições de tal ordem, entendo que não foi feliz

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a análise feita por aquele tribunal. No ponto, adoto como razões de decidir as considerações feitas pelo eminente Juiz Federal Leandro Paulsen na Apelação Cível nº 2005.71.12.00.4272-3/RS:

“Concordo plenamente com a abordagem feita, à luz da posição do STJ, sobre a natureza jurídica da contribuição ao Incra. É mesmo uma Cide.

Contudo, há se analisar a questão da referibilidade das contribuições.

Faz-se colocações sobre o que não é necessário para a caracterização da referi-bilidade, como o fato de os contribuintes serem beneficiários das atividades. Há coisas que efetivamente não são necessárias, que não constituem requisito.

Há que se questionar, contudo, o que seria necessário para caracterizar a referi-bilidade.

Entendo que, embora a decisão do STF sobre o Sebrae não tenha sido muito consistente na análise da referibilidade, pois em embargos de declaração e com poucas manifestações de voto, o que realmente importa naquela decisão é que o STF aceitou que se tem de fazer o juízo de referibilidade, que é traço das contri-buições. Se o fez corretamente relativamente à contribuição ao Sebrae ou não, é questão superada, mas fez o juízo de referibilidade, dizendo que a atuação junto às pequenas e microempresas diz respeito a todo o comércio e a toda a indústria, tendo, portanto, nexo também com as médias e grandes empresas, razão pelas quais são validamente chamadas a ser contribuintes.

Mas, quanto à contribuição ao Incra, qual é o nexo necessário?

Tenho que só podem ser chamados a contribuir aqueles que se sujeitam à inter-venção e, no caso, a intervenção para fiscalizar e fazer com que os imóveis rurais cumpram sua função social só diz respeito ao mundo rural.

E mais: a questão é constitucional, razão pela qual não me sinto vinculado pela decisão do STJ acerca da referibilidade. Na minha visão – que, por certo, pode estar equivocada, mas tenho de decidir com ela, pois isso é o que legitima o voto –, se não fizermos juízo de referibilidade, estaremos reconhecendo, equivocada-mente, que as contribuições não são mais que impostos com finalidade, o que é vedado pelo art. 167, IV, da CF.

Por isso, tratando-se, no caso, de empresa urbana, entendo que não é devida a contribuição.

A referibilidade, a meu ver, requer uma relação consistente entre o contribuinte e a finalidade a que se destina a contribuição. Embora já se tenha afirmado que não é necessária uma vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de auferir benefícios com a aplicação dos recursos arrecadados pelas contribuições de intervenção no domínio econômico (STF, RE 396.266-3/SC, Rel. Min. Carlos Velloso), é certo que, sob pena de se fazer tabula rasa do art. 167, IV, da Cons-tituição Federal, algum nexo diferenciado e consistente há de haver entre finali-dade da contribuição e contribuinte. Tal nexo, a meu ver, está diretamente rela-

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cionado à parcela de intervenção estatal dentro de uma determinada atividade econômica.

Efetivamente, o financiamento da reforma agrária é do interesse de toda a socie-dade. Entretanto, interesses gerais se atendem por meio de impostos, que não per-mitem vinculação (art. 167, IV, da CF). Se há a necessidade de instituição de uma contribuição específica para o financiamento da reforma agrária e a manuten-ção da função social da propriedade rural, ela apenas pode ser exigida daqueles que exercem atividade econômica relacionada especificamente ao mundo rural, destinando-se a contribuição ao resguardo dos objetivos estatais dentro dessa ati-vidade econômica específica. Assim, muito embora uma empresa rural não tenha qualquer vinculação direta com a reforma agrária, nem venha a auferir benefícios de uma contribuição destinada a financiá-la – talvez até mesmo tenha interesses contrários a ela – deve suportar os custos da intervenção estatal específica em seu ramo de atividade econômica. Quanto às empresas urbanas, participam do financiamento de tais objetivos unicamente através do pagamento de impostos, que, como já afirmei, destinam-se ao custeio dos objetivos gerais da sociedade, porém não podem estar sujeitas a uma contribuição de intervenção específica em atividade econômica com a qual não têm relação, a não ser indiretamente. Esse é, a meu ver, o nexo causal consistente que se exige para que se distinga a contri-buição de intervenção no domínio econômico de mero imposto assim denomina-do, possibilitando preservar o comando do art. 167, IV, da Constituição Federal.

No caso dos autos, tratando-se de empresa urbana, a contribuição não poderia dela ser exigida.”

Contudo, a e. Primeira Seção desta Corte, na sessão de 05.07.2007, ao julgar os EIAC 2005.71.15.001994-6/RS, Relator o e. Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik, firmou posicionamento amplamente majoritário em sentido diverso.

Nesse precedente, também restou reconhecida a natureza de contribui-ção de intervenção no domínio econômico; todavia, quanto à referibilidade, entendeu-se, na linha de recente posicionamento do e. STJ, ser dispensável tal nexo entre o contribuinte e a finalidade da contribuição, concluindo-se – sob influência da consideração de a todos beneficiar a reforma agrária – pela exigi-bilidade da exação em face de todos os empregadores. O acórdão restou assim ementado:

“TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO AO INCRA – RECEPÇÃO PELA CF/1988 – CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – REFERI-BILIDADE

1. O adicional de 0,2% sobre a folha de salários, devido ao Incra, foi recepcio-nado pela Constituição de 1988 na categoria de contribuição de intervenção no domínio econômico, pois objetiva atender os encargos da União decorrentes das atividades relacionadas à promoção da reforma agrária.

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2. Destinando-se a viabilizar a reforma agrária, de molde que a propriedade rural cumpra sua função social, não se pode limitar a exação apenas aos contribuintes vinculados ao meio rural. O interesse de sanar os desequilíbrios na distribuição da terra não concerne exclusivamente aos empresários, produtores e trabalhado-res rurais, mas à toda sociedade, condicionado que está o uso da propriedade ao bem-estar geral e à obtenção de uma ordem econômica mais justa.

(Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região, ano II, n. 156, Porto Alegre, sexta-feira, 13 de julho de 2007, p. 5-6)

Dessa forma, dando prevalência à função uniformizadora inerente à Pri-meira Seção, adiro a esse entendimento.

CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO SEBRAE

Não prospera o argumento da embargante acerca da inconstitucionalida-de da contribuição ao Sebrae.

O antigo Cebrae foi desvinculado da Administração Pública Federal e transformado em serviço social autônomo pelo art. 8º da Lei nº 8.029/1990, criando o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae, sem qualquer vinculação com os outros serviços já existentes, com personalida-de jurídica de direito privado, distinta dos demais.

A Lei nº 8.154/1990 alterou o § 3º do art. 8º da Lei nº 8.029/1990, in-cluindo as alíneas a, b e c, criando um adicional de 0,3% às contribuições devidas aos serviços sociais previstos no art. 1º do Decreto-Lei nº 2.318/1986 (Sesi/Senai e Sesc/Senac), destinando-se esses adicionais à implementação do Sebrae, contemplado com uma contribuição de 0,6% para atender sua finalida-de primordial de incrementar políticas de apoio às micro e pequenas empresas.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionali-dade do § 3º do art. 8º da Lei nº 8.029/1990, com as alterações, no julgamento do RE 396266/SC, cuja ementa é a seguinte:

CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO – SEBRAE – CONTRI-BUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – LEI Nº 8.029, DE 12.04.1990, ART. 8º, § 3º – LEI Nº 8.154, DE 28.12.1990 – LEI Nº 10.668, DE 14.05.2003 – CF, ART. 146, III; ART. 149; ART. 154, I; ART. 195, § 4º

I – As contribuições do art. 149, CF – contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas – posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, CF, isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. A contribuição social do art. 195, § 4º, CF, decorrente de “outras fontes”, é que, para a sua instituição, será observada a técnica da competência residual da União: CF, art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é imposto. Por isso, não se

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exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base impo-nível e contribuintes: CF, art. 146, III, a. Precedentes: RE 138.284/CE, Min. Carlos Velloso, RTJ 143/313; RE 146.733/SP, Min. Moreira Alves, RTJ 143/684.

II – A contribuição do Sebrae – Lei nº 8.029/1990, art. 8º, § 3º, redação das Leis nºs 8.154/1990 e 10.668/2003 – é contribuição de intervenção no domínio econômico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do DL 2.318/1986, Sesi, Senai, Sesc, Senac. Não se inclui, portanto, a contribuição do Sebrae, no rol do art. 240, CF.

III – Constitucionalidade da contribuição do Sebrae. Constitucionalidade, portan-to, do § 3º do art. 8º da Lei nº 8.029/1990, com a redação das Leis nºs 8.154/1990 e 10.668/2003.

IV – RE conhecido, mas improvido.

(STF, RE 396266/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 27.02.2004, p. 22)

Tratando-se de contribuição de intervenção no domínio econômico, deve a contribuição ao Sebrae ser paga por todas as empresas à vista do princí-pio da solidariedade social (art. 195, caput, da Constituição), e não apenas pelas micro e pequenas empresas. Entendimento diverso iria de encontro à intenção do legislador, que pretendeu criar apoio e estímulo a esse segmento empresa-rial, razão pela qual todas as empresas devem contribuir. A contribuição ao Se-brae somente pelas micro e pequenas empresas, que dela se beneficiam, longe de configurar um estímulo, traria mais desvantagem ao setor, onerando-o ainda mais. Em virtude do princípio da solidariedade social, não existe, necessaria-mente, a correspondência entre contribuição e prestação, entre o contribuinte e os benefícios decorrentes da exação.

Apesar das contribuições de intervenção no domínio econômico e de in-teresse das categorias profissionais estarem previstas no art. 149 da Constituição Federal, esta não obriga sua instituição mediante lei complementar. Somente devem ser submetidas à lei complementar caso tratarem de definição de normas gerais, na forma como previsto no art. 146, III, da Magna Carta de 1988, quando então não serão mais consideradas como contribuições, mas como tributos. De regra, as contribuições podem ser instituídas por lei ordinária. Como a contri-buição de intervenção no domínio econômico devida ao Sebrae não se trata de tributo nem de imposto discriminado na Constituição, não necessita que seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes sejam definidos por lei comple-mentar (art. 146, III, a, CF/1988). Somente a instituição de contribuições novas deverão observar a técnica da competência residual da União (art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º, da CF/1988). Contudo, a contribuição ao Sebrae não é nova, tratando-se, na verdade, de adicional às alíquotas das contribuições

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������������������������������������137

ao Sesi/Senai e ao Sesc/Senac, apesar de ser totalmente autônoma e desvincula-da daquelas que a originaram.

Dessa forma, demonstrada a desnecessidade de lei complementar para sua instituição, não há falar em inconstitucionalidade da contribuição ao Sebrae.

Quanto à alegação de que as contribuições para o Incra e Sebrae são inexigíveis em face da Emenda Constitucional nº 33/2001, cumpre anotar que não diviso incompatibilidade entre as exações impugnadas, que incidem so-bre a folha de salários, e a disposição constitucional acima mencionada. A EC 33/2001 não alterou a exigibilidade da contribuição.

Resta, pois, mantida a sentença em sua integralidade.

PREQUESTIONAMENTO

Saliento, por fim, que o enfrentamento das questões apontadas em grau de recurso, bem como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as embasam. Deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamen-to jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado. Dessa forma, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de comina-ção de multa (art. 538 do CPC).

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges Relatora

eXtrAto de AtA dA sessão de 15.12.2015

Apelação Cível nº 5001629-63.2015.4.04.7205/SC

Origem: SC 50016296320154047205

Relator: Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges

Presidente: Rômulo Pizzolatti

Procurador: Dr. Luiz Carlos Weber

Apelante: Haru Climatização e Serviços Ltda.

Advogado: Kátia Waterkemper Machado

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Dante Aguiar Arend

Apelado: União – Fazenda Nacional

Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 15.12.2015, na sequência 308, disponibilizada no DE de 03.12.2015, da qual foi intimado(a) União – Fazenda Nacional, o Ministério Público Federal, a De-fensoria Pública e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação.

Relator Acórdão: Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges

Votante(s): Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges Des. Federal Rômulo Pizzolatti Juiz Federal João Batista Lazzari

Maria Cecília Dresch da Silveira Secretária de Turma

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Parte Geral – Jurisprudência

3267

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoPoder JudiciárioGabinete do Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre JúniorAC 584265/PE (2009.83.04.000412‑3)Apte.: Joaquim José da Silva espólio e outrosInv./Sind.: Agimiro Gonçalves da SilvaAdv./Proc.: Leonardo da Luz Parente e outroApdo: UniãoOrigem: 20ª Vara Federal de Pernambuco (Competente p/ Execuções Penais)Relator: Des. Federal Edilson Pereira Nobre Júnior

eMentA

ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO – UTILIDADE PÚBLICA – APELAÇÃO – PRELIMINAR – LAUDO DE AVALIAÇÃO JUNTADO PELA UNIÃO – AFASTAMENTO – ÁREA DESAPROPRIADA CORRETA – LAUDO COMPLEMENTAR QUE CALCULA VALOR DAS BENFEITORIAS COM O COEFICIENTE DE DEPRECIAÇÃO – DETERMINAÇÃO DESTA CORTE EM PROVIMENTO DE APELO ANTERIOR – FIXAÇÃO DO VALOR DA BENFEITORIA DE PLANTAÇÃO DE ALGAROBA COM BASE EM VALOR UTILIZADO NA REGIÃO EM DETRIMENTO DE PORTARIA MINISTERIAL – VALOR JUSTO – APELANTES QUE CONCORDAM COM O VALOR FIXADO PELO LAUDO PERICIAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO INFERIOR AO OFERTADO – POSSIBILIDADE – JUROS E CORREÇÃO CONFORME ENTENDIMENTO DO STJ – IMPROVIMENTO

1. Descabida o acolhimento da preliminar de nulidade processual, ante a alegação de que a UNIÃO não juntou laudos de avaliação discriminando o valor de indenização para cada um dos herdeiros e atuais proprietários, vez que estes foram juntados pelo ente político.

2. Correta a sentença em utilizar a área correspondente a 17,34 hec-tares, já que o proprietário dos outros 17,34 hectares é a Sra. Maria Ana Ribeiro, área essa que foi objeto da Ação de Desapropriação nº 0000723-06.2013.4.05.8304.

3. No que toca à alegação de que o valor das benfeitorias foi fixado com o coeficiente de depreciação, verifico que, ao contrário do que alegam os apelantes, esta Corte anulou a sentença anterior proferida, determinado, em consequência, que fosse realizada nova perícia ju-dicial, a qual deveria obedecer aos comandos insertos no art. 12 da Lei nº 8.629/1993.

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4. Referido dispositivo legal, em seu inciso V, determina que a justa indenização deve observar os aspectos de funcionalidade, tempo de uso e estado de conservações das benfeitorias. Assim, com o acerto o laudo complementar ao analisar o coeficiente de depreciação das benfeitorias.

5. Quanto à alegação de que a fixação do valor da benfeitoria de algaroba não levou em consideração valor mínimo determinado na portaria nº 268/05 do Ministério da Integração Nacional, aduz os apelantes que somente esta benfeitoria não foi fixada com parâmetro nesta portaria, ocorre que em todas as benfeitorias o perito judicial não fixou com base na tabela de preço, vez que esta é pouco no meio pericial, para tanto o perito utilizou-se, neste caso, de meio mais utili-zado na região do imóvel, que é o preço do pé, meio este que condiz com a melhor definição de uma indenização justa.

6. Demais disso, quando da prolação da primeira sentença, os ape-lantes deixaram de apelar contra o valor fixado pelo juízo a quo a título indenizatório, tendo sequer oferecido recurso adesivo ao apelo da União, o que demonstra a concordância deste com o valor ali fixado. Se houvesse discordância quanto ao valor, seria quanto à re-dução do valor a título de benfeitorias efetuado por ordem desta Corte para que a perícia judicial observa-se os coeficientes de depreciação (fls. 775/781). Vale ressaltar que não foi oferecido pelos ora apelantes impugnações aos laudos complementar e de esclarecimento (certidão de fl. 886).

7. Em relação à fixação do valor indenizatório ao apelante Antonio Parente de Sá ter sido fixado pela sentença inferior àquele ofertado administrativamente, destaco que não há respaldo legal para que o valor possa ser fixado a menor do que ofertado administrativamente, tanto é que se o valor da indenização fixado na sentença foi inferior ao preço ofertado pela expropriante não haverá diferença positiva apta a servir de base de cálculo dos honorários advocatícios, nos ter-mos do art. 27, §1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941.

8. Correção monetária e juros moratórios e compensatórios fixados conforme jurisprudência pacífica do STJ.

9. Apelação improvida.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o nú-mero em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os De-

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sembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, nos termos do voto do Relator.

Recife (PE), 15 de dezembro de 2015 (data do julgamento).

Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior (Rela-tor):

Trata-se de apelação interposta pelo espólio de Joaquim José da Silva, Ar-gimiro Gonçalves da Silva, Antônio Parente de Sá e Maria Givoneide Gonçalves contra sentença, fls. 894/898v e 945/945v, que julgou procedente a pretensão do DNOCS, declarando incorporado ao patrimônio da União imóvel desapro-priado para fins de utilidade pública e interesse social, fixando o valor de R$ 73.269,93 a título de indenização em favor dos ora apelantes.

Sustentam, em suma, a reforma da sentença ante os seguintes fundamen-tos: a) preliminarmente, nulidade da sentença por ausência de cumprimento por parte da União de determinação judicial imposta à fl. 101; b) o valor da terra nua não corresponde ao total da área atingida dos apelantes; c) os valores das benfeitorias devem sem valorados sem a utilização de coeficiente de funcio-nalidade; d) o valor da benfeitoria de plantação de algaroba não foi feito com base em tabela de preço oficial; e) o valor da indenização das benfeitorias do apelante Antônio Parente de Sá fixado judicialmente não pode ser menor que o fixado administrativamente; f) os juros e correção devem levar em consideração a data da propositura da ação; e g) os juros compensatórios devem incidir sobre o total da indenização apurada e não apenas pela diferença.

Contrarrazões apresentadas, fls. 938/944.

A Procuradoria Regional da República da 5ª Região, à fl. 999, manifes-tou-se no sentido de não opinar na presente demanda por ausência de interesse púbico a justificar a intervenção do MPF.

É o relatório.

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142 ���������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior (Re-lator):

Preliminarmente, entendo descabido o acolhimento de nulidade proces-sual, ante a alegação de que a União não juntou laudos de avaliação discrimi-nando o valor de indenização para cada um dos herdeiros e atuais proprietários, vez que estes foram juntados pelo ente político às fls. 111/118.

No mérito, alegam os apelantes que o valor da terra nua não corresponde ao total da área atingida dos apelantes, sob o fundamento de que a área regis-trada em cartório é maior do que área desapropriada.

Ocorre que a área que foi desapropriada não corresponde àquela área registrada de 74,9882 hectares, mas somente 34,68 hectares deste total, tanto que, ao ser questionado pelo juízo a quo, a perícia judicial informa que exis-te área remanescente que não foi desapropriada (item 8.1.21 do laudo às fls. 423/551).

Assim, correta a sentença em utilizar a área correspondente a 17,34 hectares, já que o proprietário dos outros 17,34 hectares é a Sra. Maria Ana Ribeiro, área essa que foi objeto da ação de desapropriação nº 0000723-06.2013.4.05.8304.

No que toca à alegação de que o valor das benfeitorias foi fixado com o coeficiente de depreciação, verifico que, ao contrário do que alegam os apelan-tes, este egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, fls. 775/781, anulou a sentença anterior proferida, determinado, em consequência, que fosse realizada nova perícia judicial, a qual deveria obedecer aos comandos insertos no art. 12 da Lei nº 8.629/1993.

Referido dispositivo legal, em seu inciso V, determina que a justa indeni-zação deve observar os aspectos de funcionalidade, tempo de uso e estado de conservações das benfeitorias1. Assim, com o acerto o laudo complementar de fls. 791/813 ao analisar o coeficiente de depreciação das benfeitorias.

Quanto à alegação de que a fixação do valor da benfeitoria de algaroba não levou em consideração valor mínimo determinado na Portaria nº 268/2005

1 Art. 12. Considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos: (Redação dada Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001).

[...]

V – funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias. (Incluído dada Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

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do Ministério da Integração Nacional (a qual consta às fls. 212/233), aduz os apelantes que somente esta benfeitoria não foi fixada com parâmetro nesta por-taria, ocorre que em todas as benfeitorias o perito judicial não fixou com base na tabela de preço, vez que esta é pouco no meio pericial, para tanto o perito utilizou-se, neste caso, de meio mais utilizado na região do imóvel, que é o preço do pé, meio este que condiz com a melhor definição de uma indenização justa (vide fl. 635).

Demais disso, verifico que quando da prolação da primeira sentença, os apelantes deixaram de apelar contra o valor fixado pelo juízo a quo a título indenizatório, tendo sequer oferecido recurso adesivo ao apelo da União, o que demonstra a concordância deste com o valor ali fixado. Se houvesse dis-cordância quanto ao valor, seria quanto à redução do valor a título de benfei-torias efetuado por ordem desta Corte para que a perícia judicial observa-se os coeficientes de depreciação (fls. 775/781). Vale ressaltar que não foi oferecido pelos ora apelantes impugnações aos laudos complementar e de esclarecimento (certidão de fl. 886).

Em relação à fixação do valor indenizatório ao apelante Antonio Parente de Sá ter sido fixado pela sentença inferior àquele ofertado administrativamente, destaco que não há respaldo legal para que o valor possa ser fixado a menor do que ofertado administrativamente, tanto é que se o valor da indenização fixado na sentença foi inferior ao preço ofertado pela expropriante não haverá diferença positiva apta a servir de base de cálculo dos honorários advocatícios, nos termos do art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/19412.

Por fim, no que tange aos juros e à correção monetária, verifico que a sentença observa a fixação destes acréscimos com base na jurisprudência paci-ficada, quais sejam: a) a correção incide a partir do laudo de avaliação do bem expropriado3; b) os juros compensatórios calculam-se sobre a diferença entre os 80% do valor da oferta inicial depositada e o que foi fixado em sentença para a

2 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA – JUSTA INDENIZAÇÃO – ADOÇÃO DO LAUDO DO PERITO JUDICIAL – SÚMULA Nº 7/STJ – TRANSAÇÃO PARTICULAR – INEXISTÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL – FUNDAMENTO INATACADO – SÚMULA Nº 182/STJ – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DESCABIMENTO. [...] 6. Hipótese em que o valor da indenização fixado na sentença foi inferior ao preço ofertado pela expropriante, pelo que não há diferença positiva apta a servir de base de cálculo dos honorários advocatícios. Precedente do STJ. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido. (REsp 1068095/SP, Relª Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, J. 10.11.2009, DJe 19.11.2009) – g.n.

3 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA – SÚMULA 119/STJ – PERCENTUAL DOS JUROS COMPENSATÓRIOS – SÚMULA Nº 408/STJ – TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL – TERMO A QUO DA CORREÇÃO MONETÁRIA – DATA DO LAUDO PERICIAL. [...] 5. Incide correção monetária nas ações expropriatórias a partir do laudo de avaliação do bem expropriado. Precedentes desta Corte e do STF. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. (STJ – REsp 1185738 MG 2010/0044584-5, Relª Min. Eliana Calmon, Data de Julgamento: 28.05.2013, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 12.06.2013) –g.n.

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indenização, ou seja, os valores que ficaram indisponíveis ao expropriado, que somente serão recebidos após o trânsito em julgado4; c) juros compensatórios incidentes após a imissão na posse5 e moratórios a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que deveria ter sido efetuado o pagamento6.

Com essas considerações, nego provimento à apelação.

É como voto.

4 ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO UTILIDADE PÚBLICA – INDENIZAÇÃO – JUSTO VALOR – SÚMULA Nº 7/STJ – JUROS COMPENSATÓRIOS – TERMO INICIAL – IMISSÃO NA POSSE – PATAMAR – JUROS DE MORA – TERMO INICIAL – BASE DE CÁLCULO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS – DIFERENÇA ENTRE 80% DO VALOR DA OFERTA INICIAL E O DA INDENIZAÇÃO FIXADO NA SENTENÇA – [...] 6. A base de cálculo dos juros moratórios é a mesma dos juros compensatórios, qual seja, a diferença entre os 80% do valor da oferta inicial depositada e o que foi fixado em sentença para a indenização, ou seja, os valores que ficaram indisponíveis ao expropriado, que somente serão recebidos após o trânsito em julgado. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (STJ – REsp 1272487 SE 2011/0194767-6, Rel. Min. Humberto Martins, Data de Julgamento: 14.04.2015, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 20.04.2015) –g.n.

5 ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO UTILIDADE PÚBLICA – INDENIZAÇÃO – JUSTO VALOR – SÚMULA Nº 7/STJ – JUROS COMPENSATÓRIOS – TERMO INICIAL – IMISSÃO NA POSSE – PATAMAR – JUROS DE MORA – TERMO INICIAL – BASE DE CÁLCULO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS – DIFERENÇA ENTRE 80% DO VALOR DA OFERTA INICIAL E O DA INDENIZAÇÃO FIXADO NA SENTENÇA – [...] 3. “Os juros compensatórios destinam-se a compensar o que o desapropriado deixou de ganhar com a perda antecipada do imóvel, ressarcir o impedimento do uso e gozo econômico do bem, ou o que deixou de lucrar, motivo pelo qual incidem a partir da imissão na posse do imóvel expropriado, consoante o disposto no verbete sumular nº 69 desta Corte: ‘Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel’” (AgRg-REsp 1.458.700/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., J. 03.03.2015, DJe 18.03.2015.) [...]. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (STJ – REsp 1272487 SE 2011/0194767-6, Relator: Ministro Humberto Martins, Data de Julgamento: 14.04.2015, T2 – 2ª T., Data de Publicação: DJe 20.04.2015) – g.n.

6 ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – JUROS MORATÓRIOS – TERMO INICIAL – 1. Os juros moratórios fluem a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ocorrer. [...] 2. Recurso Especial provido. (STJ – REsp 1182509 SP 2010/0032396-2, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 15.04.2010, T2 – 2ª T., Data de Publicação: DJe 19.05.2010) –g.n.

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

3268 – Autarquia – Ibama – criação doméstica de ave silvestre – ausência de permissão – finalidade comercial – não comprovação

“Processual civil. Embargos de declaração. Direito ambiental e administrativo. Criação do-méstica de ave silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade com-petente. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Animal já domesticado e bem tratado. Finalidade comercial. Não configurada. Alegação de ofensa ao art. 97 da Consti-tuição Federal. Prequestionamento. Acórdão livre de omissão, obscuridade ou contradição. Embargos rejeitados. 1. Devem ser rejeitados os embargos de declaração opostos contra acórdão proferido a salvo de omissão, contradição ou obscuridade. 2. O acórdão pronun-ciou-se devidamente sobre a controvérsia posta nos autos, deixando claro que: não ficou demonstrado, por parte do Ibama, de que a autora desenvolva atividade econômica ligada à comercialização de animais silvestres, pelo contrário, restou comprovado através do Ofício nº 1BPMF-010/206/01 (fl. 151), do Boletim de Ocorrência às fls. 152-v, e da conclusão do Ministério Público à fl. 163, que ave da espécie ‘Arara Canindé’ encontra-se sob os cuida-dos da apelada, atualmente há mais de 30 (trinta anos), sem que tenham sido constatados quaisquer indícios de maus-tratos ao animal, sendo desta forma, questionável se a retirada do animal do cativeiro doméstico efetivamente atende ao seu bem-estar, considerando o seu tempo de vida doméstica e a sua adaptação ao meio em que vive; na questão analisada, não se identifica qualquer vantagem em transpor a ave para o seu habitat natural, ao revés, tal atitude seria mais nociva à preservação de sua vida, do que mantê-la com a sua criadora, visto que o animal teria que reaprender a proteger-se de predadores, buscar seu próprio ali-mento, bem como abrigar-se das intempéries; a atuação do Ibama ainda que com respaldo legal para atuar em defesa dos animais, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, posto que a finalidade maior das normas de direito ambiental aplicável à questão é a proteção aos animais silvestres. Assim, o acórdão conclui que a devolução do animal à natureza, depois de tantos anos sob os cuidados da apelada, revela-se despropor-cional aos objetivos pretendidos pela autarquia ambiental. 3. Não há que se falar em afronta ao preceituado no art. 97, da Constituição Federal, pois não se trata de afastamento da norma legal ou declaração de inconstitucionalidade, mas, sim, uma interpretação das normas em relação ao caso concreto apresentado nos autos. 4. É desnecessária a manifestação expressa do julgador acerca dos dispositivos legais e constitucionais tidos por violados, para fins de prequestionamento da matéria. Ademais, ainda que os embargos tenham como propósito o prequestionamento da matéria, faz-se imprescindível, para o conhecimento do recurso, que se verifique a existência de algum dos vícios previstos no art. 535 do Código de Processo Civil. O que não é o caso. 5. Embargos de declaração rejeitados.” (TRF 3ª R. – EDcl-Ap-RN 0004582-14.2001.4.03.6103/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos – DJe 01.10.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEPassamos a comentar o acórdão em epígrafe que se trata de embargos de declaração opostos pelo Ibama, em face do acórdão assim ementado:

“DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO – CRIAÇÃO DOMÉSTICA DE AVE SILVESTRE SEM A DEVIDA PERMISSÃO, LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE – PRIN-CÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – ANIMAL JÁ DOMESTICADO E BEM TRATADO – FINALIDADE COMERCIAL – NÃO CONFIGURADA – AGRAVO DESPROVIDO

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146 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

1. Para a aplicação do disposto no art. 557 do CPC não há necessidade de a jurisprudência dos Tribunais ser unânime ou de existir súmula dos Tribunais Superiores a respeito. Ademais, o recurso pode ser manifestamente improcedente ou inadmissível mesmo sem estar em confronto com súmula ou jurisprudência dominante. Precedentes do STJ.

2. Não ficou demonstrado, por parte do Ibama, de que a autora desenvolva atividade econômica ligada à comercialização de animais silvestres, pelo contrário, restou comprovado através do Ofí-cio nº 1BPMF-010/206/01 (fl. 151), do Boletim de Ocorrência às fls. 152-v, e da conclusão do Ministério Público à fl. 163, que ave da espécie ‘Arara Canindé’ encontra-se sob os cuidados da apelada, atualmente há mais de 30 (trinta anos), sem que tenham sido constatados quaisquer indícios de maus-tratos ao animal, sendo, desta forma, questionável se a retirada do animal do cativeiro doméstico efetivamente atende ao seu bem-estar, considerando o seu tempo de vida doméstica e a sua adaptação ao meio em que vive.

3. Na questão sub judice, não se identifica qualquer vantagem em transpor a ave para o seu habitat natural, ao revés, tal atitude seria mais nociva à preservação de sua vida, do que mantê--la com a sua criadora, visto que o animal teria que reaprender a proteger-se de predadores, buscar seu próprio alimento, bem como abrigar-se das intempéries.

4. A atuação do Ibama ainda que com respaldo legal para atuar em defesa dos animais, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, posto que a finalidade maior das normas de direito ambiental aplicável à questão é a proteção aos animais silvestres. Conclui--se que a devolução do animal à natureza, depois de tantos anos sob os cuidados da apelada, revela-se desproporcional aos objetivos pretendidos pela autarquia ambiental.

5. Agravo desprovido.”

Alega o embargante que não há qualquer autorização legislativa ou constitucional que autorize o Poder Judiciário a permitir a guarda doméstica e definitiva de animal silvestre.

Aduzindo que o entendimento adotado no acórdão violou os dispositivos: art. 225, § 1º, VII, e § 3º, da Constituição Federal; arts. 1º e 3º da Lei nº 5.197/1967; arts. 25, 29, 70 e 72 da Lei nº 9.605/1998 e o Decreto nº 6.514/2008, violando diretamente o art. 97 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respec-tivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

Portanto, o nobre Relator expôs o seu entendimento:

“[...]

O acórdão deixou claro que: não ficou demonstrado, por parte do Ibama, de que a autora desenvolva atividade econômica ligada à comercialização de animais silvestres, pelo contrário, restou comprovado através do Ofício nº 1BPMF-010/206/01 (fl. 151), do Boletim de Ocor-rência às fls. 152-v, e da conclusão do Ministério Público à fl. 163, que ave da espécie ‘Arara Canindé’ encontra-se sob os cuidados da apelada, atualmente há mais de 30 (trinta anos), sem que tenham sido constatados quaisquer indícios de maus-tratos ao animal, sendo desta forma, questionável se a retirada do animal do cativeiro doméstico efetivamente atende ao seu bem--estar, considerando o seu tempo de vida doméstica e a sua adaptação ao meio em que vive; na questão analisada, não se identifica qualquer vantagem em transpor a ave para o seu habitat natural, ao revés, tal atitude seria mais nociva a preservação de sua vida, do que mantê-la com a sua criadora, visto que o animal teria que reaprender a proteger-se de predadores, buscar seu próprio alimento, bem como abrigar-se das intempéries; a atuação do Ibama ainda que com respaldo legal para atuar em defesa dos animais, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, posto que a finalidade maior das normas de direito ambiental aplicável à questão é a proteção aos animais silvestres. Assim, o acórdão conclui que a devolução do animal à natureza, depois de tantos anos sob os cuidados da apelada, revela-se desproporcional aos objetivos pretendidos pela autarquia ambiental.

[...] não há que se falar em afronta ao preceituado no art. 97, da Constituição Federal, pois não se trata de afastamento da norma legal ou declaração de inconstitucionalidade, mas, sim, uma interpretação das normas em relação ao caso concreto apresentado nos autos.

Nesse sentido, é o entendimento adotado pela Suprema Corte. Veja-se:

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������147

‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO – RESERVA DE PLENÁRIO – Descabe confundir reserva de Plenário – art. 97 da Constituição Federal – com interpretação de normas legais. RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA FÁTICA E LEGAL – O recurso extraordinário não é meio próprio ao revolvimento da prova, também não servindo à interpretação de normas estritamente legais. AGRAVO – ART. 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – MULTA – Se o agravo é mani-festamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do art. 557 do Código de Processo Civil, arcando a parte com o ônus decorrente da litigância de má-fé.’

(STF, 1ª T., RE-Ag 676934, Rel. Min. Marco Aurélio, 28.05.2013)

O que se percebe é que o embargante busca a revisão do julgado, o que não é possível em sede de embargos de declaração.

Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.

É como voto.”

Assim, o Tribunal Regional da 3ª Região rejeitou os embargos de declaração.

3269 – Autarquia – INSS – efeitos da revelia – inaplicação

“Apelação cível. Direito previdenciário. Efeitos da revelia inaplicáveis ao INSS cessação de benefício anterior. Indícios de fraude. Ausência de demonstração de boa-fé. Presunção de legitimidade dos atos administrativos não afastada. Cobrança regular. I – Os efeitos da re-velia não se aplicam ao INSS, porque se trata de autarquia, integrante da Fazenda Pública Federal. Ademais, a revelia não conduz obrigatoriamente à procedência do pedido, por-quanto permanece necessária a avaliação das provas produzidas nos autos para a formação do convencimento do magistrado. II – Da análise dos documentos dos autos, verifica-se que não restou comprovada a boa-fé da autora no recebimento do benefício cessado, prova que lhe competia. Há indícios de que o benefício não foi concedido em decorrência de mero erro administrativo do INSS, mas, sim, de fraude. III – A autora não trouxe aos autos provas suficientes para afastar a presunção de legitimidade que possuem os atos administrativos, devendo, portanto, ser considerado válido o processo administrativo do INSS, que resultou no cancelamento do benefício e apurou o montante da dívida, que deve ser tida como de-vida. IV – O simples fato de um benefício previdenciário ser suspenso não gera a presunção de dano moral, cabendo à autora demonstrar que sua esfera de dignidade foi realmente afetada, o que inocorreu no caso. Ademais, cabe destacar que realmente havia indícios de irregularidades no processo concessório do benefício. V – Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0002290-82.2011.4.02.5117 – 1ª T.Esp. – Rel. Antonio Ivan Athié – DJe 21.12.2015)

3270 – Concurso público – candidato – cadastro reserva – designação temporária – direi-to subjetivo à nomeação – ausência

“Agravo interno na apelação cível. Direito constitucional, administrativo e processual civil. Candidato aprovado em cadastro de reserva. Designação temporária. Direito subjetivo à no-meação. Ausência. Recurso desprovido. 1. A mera contratação temporária pelo ente público, ainda que no prazo de validade do certame, não enseja, por si só, o direito à nomeação do candidato aprovado fora do número de vagas do edital, uma vez que o inc. IX do art. 37 da CF admite tal contratação para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, sendo imprescindível a demonstração pelo candidato que invoca a preterição de manifesta necessidade de pessoal da Administração Pública e de existência de cargo público vago, seja por criação de lei ou por força de vacância. 2. Em que pese a designação tempo-rária de servidores pela Municipalidade, durante a validade do certame não foram criadas vagas para o cargo pretendido pelas agravantes, o que obsta a convolação da expectativa de nomeação em direito subjetivo, por se tratar de requisito indispensável à configuração

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da preterição a existência de vagas aptas ao preenchimento, mormente considerando que a agravante fora aprovada em 125º lugar, quando o certame oferecera 25 vagas para o car-go de Professor de 1ª a 4ª séries. 3. Recurso desprovido.” (TJES – Ag-Ap-Reex 0005720-53.2013.8.08.0014 – Rel. Des. José Paulo Calmon Nogueira da Gama – DJe 19.01.2016)

3271 – Desapropriação – imóvel particular – construção de rodovia – juros compensató-rios – cabimento

“Apelação cível e reexame necessário. Administrativo. Desapropriação indireta. Imóvel par-ticular ocupado para construção de rodovia pelo Deinfra. Sentença de procedência. Indeni-zação decretada com base em laudo confeccionado por perito judicial. Parâmetro adequado. Reclamo dos autores. Juros moratórios. Termo inicial. Exegese do art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1942. Juros compensatórios. Cabimento. Reforma no ponto. Termo ad quem. Inclu-são da verba condenatória no regime de precatórios. Correção monetária. Ajuste em sede de remessa oficial. Aplicabilidade da Lei nº 11.960/2009. Honorários advocatícios. Percentual de 5% sobre o valor da condenação, ex vi do disposto no art. 27, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Cálculo que inclui juros compensatórios e moratórios. Precedentes do STJ e desta Corte. Recurso acolhido e remessa parcialmente provida.” (TJSC – AC 2014.053712-2 – Rel. Des. Edemar Gruber – DJe 18.01.2016)

Destaque Editorial SÍnTESESelecionamos os seguintes julgados no mesmo sentido:

“DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – IMPLANTAÇÃO DA BR-470 – VALOR DA INDENIZAÇÃO – JU-ROS COMPENSATÓRIOS – LEI Nº 11.960/2009 – EMOLUMENTOS REGISTRAIS – Hipótese em que a prova pericial dá conta de que 3,7539 hectares de propriedade do autor foram ocupados com a construção da BR-470, sem regular procedimento de desapropriação e sem o respectivo pagamento de indenização, o que justifica a condenação do DNIT ao ressarcimento pela perda da propriedade. Eventual valorização sobre o remanescente do imóvel que possa advir com as obras não pode ser descontada do valor da indenização porque isso afrontaria o princípio da justa indenização, a qual deve ser equivalente ao patrimônio expropriado. Nas desapropriações indiretas, os juros compensatórios são devidos desde a data da ocupação do imóvel, tal como dispõem os Enunciados nºs 69 e 114, da Súmula do STJ. Acolhida a data da ocupação apon-tada pelos expropriados (março de 2006) porque o DNIT não trouxe informações que pudessem esclarecer essa questão e porque o perito corroborou a afirmação da parte autora. Quanto ao período a partir da entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009 (julho de 2009), a decisão acerca dos critérios aplicáveis a título de juros e correção monetária fica relegada para quando da exe-cução do julgado, à luz do entendimento pacificado que porventura já tenha sido emanado dos tribunais superiores, sem prejuízo da aplicação de eventual legislação superveniente que trate da matéria, sem efeitos retroativos.O DNIT está isento do pagamento dos emolumentos registrais, conforme dispõe o Decreto-Lei nº 1.537/1977. Apelação parcialmente provida para (a) afastar a condenação ao pagamento de emolumentos registrais; (b) determinar que, quanto ao período a partir da entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009 (julho de 2009), a decisão acerca dos critérios aplicáveis a título de juros e correção monetária fica relegada para quando da execução do julgado, à luz do entendimento pacificado que porventura já tenha já emanado dos tribunais superiores, sem prejuízo, obviamente, da aplicação de eventual legislação superveniente que trate da matéria, sem efeitos retroativos.” (TRF 4ª R. – Ap-RN 5003412-05.2015.4.04.7104 – 4ª T. – Rel. Cândido Alfredo Silva Leal Junior – J. 10.12.2015) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 110000477645. Acesso em: 19 jan. 2016)

“RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDI-RETA – CONSTRUÇÃO DE RODOVIA – IMÓVEL SITUADO EM ÁREA RURAL – INDENIZAÇÃO – JUROS COMPENSATÓRIOS – JUROS DE MORA – SÚMULA Nº 618 DO STF E ART. 15-B DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941 – RECURSOS DESPROVIDOS – SENTENÇA MANTIDA – 1. Na avaliação do bem, o MM. Juiz não está adstrito ao laudo pericial, devendo considerar também os demais elementos trazidos aos autos, e o valor de mercado praticado na região para a fixação

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������149

de indenização correta e justa. Provas colhidas que indicam tratar-se de bem situado em zona rural. 2. Por força do disposto na Súmula nº 618, do STJ, em se tratando de desapropriação indireta, os juros compensatórios, que buscam recompensar o desapropriado pelo impedimento do uso e gozo do seu imóvel, devem ser fixados no percentual de 12% (doze por cento) ao ano, a partir da imissão provisória na posse do bem. 3. Conforme determinação, expressa, do art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1941 (Medida Provisória nº 2.183-56/2001), os juros de mora devem incidir no percentual de 6% (seis por cento) ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício finan-ceiro seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito. 4. Recursos desprovidos. Sentença ratificada.” (TJMT – Ap-RN 137379/2013 – Relª Desª Maria Erotides Kneip Baranjak – DJe 18.03.2015 – p. 137) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 148000150416. Acesso em: 19 jan. 2016)

3272 – Militar – pensão – rateio entre cônjuge e ex-cônjuge que recebe pensão alimentí-cia – ordem de preferência – inexistência

“Administrativo. Pensão militar. Rateio entre cônjuge e ex-cônjuge que recebe pensão ali-mentícia. 1. O rateio da pensão militar por morte entre a viúva e a ex-esposa que recebe pensão alimentícia deve ocorrer de forma igualitária, em razão da inexistência de ordem de preferência entre elas na legislação de regência. Inteligência do art. 7º da Lei nº 3.765/1960. Precedentes. 2. Recurso desprovido.”(TRF 3ª R. – AC 0000732-58.2011.4.03.6116/SP – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Peixoto Junior – DJe 08.01.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEA ementa em epígrafe é oriunda de ação ajuizada pela viúva de um militar contra União e a ex-esposa onde almejava que fosse estabelecido o direito desta a apenas 10% da pensão por morte, respeitando-se desta maneira, o montante da obrigação do de cujus, de maneira que seja concedida a autora não mais 4/8 e sim 57,5% do benefício deixado pelo de cujus.

Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido autoral, motivo este que culminou na interposição do recurso de apelação, onde a autora sustentou que já havia sido estabelecido anteriormente o percentual de 10% a título de pensão para a ex-esposa. Logo, com a fixação deste percentual, após a morte do militar, deveria ser mantido o mesmo valor estipulado ante-riormente, em observância aos princípios da coisa julgada, da tutela jurisdicional, da família e, ainda, o da segurança jurídica.

Enfatizou que quando a norma diz ‘rateio’ da pensão em partes iguais, na verdade o que o legislador pretendeu foi manter a continuidade do pensionamento da ex-esposam no percentual já fixado anteriormente.

Na análise recursal, a 2ª Turma do TRF 3ª Região entendeu que, conforme estabelecido no art. 7º, I, da Lei nº 3.765/1960, in verbis, a pensão deverá ser dividida igualitariamente entre cônjuge e ex-cônjuge.

“Art. 7º A pensão militar é deferida em processo de habilitação, tomando-se por base a declara-ção de beneficiários preenchida em vida pelo contribuinte, na ordem de prioridade e condições a seguir:

I – primeira ordem de prioridade:

a) cônjuge;

b) companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável como entidade fa-miliar;

c) pessoa desquitada, separada judicialmente, divorciada do instituidor ou a ex-convivente, des-de que percebam pensão alimentícia;

d) filhos ou enteados até vinte e um anos de idade ou até vinte e quatro anos de idade, se estu-dantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez; e

e) menor sob guarda ou tutela até vinte e um anos de idade ou, se estudante universitário, até vinte e quatro anos de idade ou, se inválido, enquanto durar a invalidez.

[...]

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§ 1º A concessão da pensão aos beneficiários de que tratam o inciso I, alíneas a, b, c e d, exclui desse direito os beneficiários referidos nos incisos II e III.

§ 2º A pensão será concedida integralmente aos beneficiários do inciso I, alíneas a e b, ou dis-tribuída em partes iguais entre os beneficiários daquele inciso, alíneas a e c ou b e c, legalmente habilitados, exceto se existirem beneficiários previstos nas suas alíneas d e e.

§ 3º Ocorrendo a exceção do § 2º, metade do valor caberá aos beneficiários do inciso I, alíneas a e c ou b e c, sendo a outra metade do valor da pensão rateada, em partes iguais, entre os beneficiários do inciso I, alíneas d e e.”

Assim, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença.

Do voto do Relator colhemos os seguintes precedentes:

“[...] Em exegese da legislação, aplicável a jurisprudência do STJ é no sentido de exigência do rateio de forma igualitária:

‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDO COMO REGIMENTAL – CABIMENTO – FUNGI-BILIDADE RECURSAL – APLICABILIDADE – ADMINISTRATIVO – MILITAR – PENSÃO POR MORTE – RATEIO IGUALITÁRIO – EX-ESPOSA E VIÚVA – PERCEBIMENTO ANTERIOR DE PENSÃO ALIMENTÍCIA PELA EX-ESPOSA – IRRELEVÂNCIA – 1. Evidenciado o manifesto ca-ráter infringente dos embargos, recebo-os como agravo regimental, com fulcro no Princípio da Fungibilidade, uma vez que a pretensão da Embargante não se coaduna com a finalidade dos declaratórios de sanar omissão, contradição ou obscuridade que, por ventura, existam na deci-são recorrida. 2. De acordo com a legislação vigente à época do óbito do instituidor da pensão ocorrido em 12.06.2003, o rateio da quota-parte destinada à ex-esposa, viúva, companheira deve ocorrer de forma igualitária, em razão da inexistência de ordem de preferência entre elas na legislação de regência, bem como pela expressa dicção legal contida no § 2º do art. 7º da Lei nº 3.765/1960. 3. O percebimento de pensão alimentícia pela ex-esposa em percentual distinto daquele estabelecido para a pensão por morte não tem o condão de impedir o pagamento desse benefício nos percentuais estabelecidos em Lei. 3. Embargos de declaração recebidos como regimental, ao qual se nega provimento. (STJ, AgRg-REsp 1.165.512, Proc. 2009/0220797-7, RJ, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, J. 02.02.2012, DJe 13.02.2012)’

‘ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLI-CO – PENSÃO POR MORTE – BENEFÍCIO CUJO VALOR DEVE SER RATEADO, IGUALMENTE, ENTRE A VIÚVA E A EX-ESPOSA QUE RECEBIA PENSÃO ALIMENTÍCIA – LEI Nº 8.112/1990 – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA FORMADA NA AÇÃO DE DIVÓRCIO – AGRAVO IMPROVIDO – 1. Nos termos do art. 217 c/c o art. 218, § 1º da Lei nº 8.112/1990, o rateio da pensão vitalícia entre as beneficiárias habilitadas deve ser feito em cotas-partes iguais. Prece-dentes. 2. Não se pode falar em desrespeito à coisa julgada decorrente da ação de divórcio, que fixou o valor da pensão alimentícia em favor da ex-esposa, porquanto com a morte do servidor público federal cessou aquela relação jurídica e surgiu uma nova, de natureza previdenciária, regulada por legislação específica. 3. A decisão judicial transitada em julgado possui limites objetivos e subjetivos, desta forma seus efeitos ficam delimitados pelo pedido e pela causa de pedir apresentados na petição inicial do processo de conhecimento, não podendo beneficiar ou prejudicar terceiros que não integraram a relação jurídica. 4. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg-REsp 993.646, Proc. 2007/0229109-1, RJ, 5ª T., Rel. Des. Conv. Walter de Almeida Guilherme, DJe 03.02.2015)’

‘ADMINISTRATIVO – MILITAR – PENSÃO POR MORTE – UNIÃO ESTÁVEL CARACTERIZADA – INVERSÃO DO JULGADO – SÚMULA Nº 7/STJ – DIVISÃO DO BENEFÍCIO ENTRE EX-ESPOSA, COMPANHEIRA E FILHO MENOR – 1. Com base nas provas carreadas aos autos, o Tribunal a quo decidiu estar configurada a união estável entre o de cujus e a companheira, segunda beneficiária. Infirmar tal posicionamento implicaria, necessariamente, o revolvimento do acervo fático-probatório, o que é inviável em recurso especial, a teor do enunciado da Súmula nº 7 desta Corte. 2. O Tribunal de origem decidiu em consonância com a jurisprudência deste Supe-rior Tribunal de Justiça, assente no sentido de que, com o advento da Constituição Federal de 1988, que reconheceu como entidade familiar a união estável (art. 226, § 3º), a companheira passou a ter o mesmo direito que a ex-esposa, para fins de recebimento da pensão por morte. 3. Considerando a existência de filho menor de idade, que faz jus a 50% da pensão por morte, e por não haver ordem de preferência entre a ex-esposa e a companheira, a outra metade do benefício deverá ser dividida entre elas. Portanto, correto o rateio na proporção definida pela

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Administração militar. Precedentes. 4. Recurso especial conhecido em parte e não provido. (STJ, Rel. Min. Castro Meira, Data de Julgamento: 05.04.2011, 2ª T.)’

‘DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – MILITAR – PEN-SÃO – COMPANHEIRA – DESIGNAÇÃO PRÉVIA – DESNECESSIDADE – UNIÃO ESTÁVEL COM-PROVADA – RATEIO COM EX-CÔNJUGE – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES – RECURSO CO-NHECIDO E IMPROVIDO – 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que 50% da pensão por morte de militar é devida aos filhos e a outra metade deve ser dividida entre a ex-esposa e a companheira, não havendo falar em ordem de preferência entre elas. 2. Nos casos em que estiver devidamente comprovada a união estável, a ausência de designação prévia de companheira como beneficiária não constitui óbice à concessão de pensão vitalícia. Precedentes. 3. Reconhecida a união estável com base no contexto probatório trazido aos autos, é vedada, em sede de recurso especial, a reforma do julgado, sob pena de afronta à Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial conhecido e improvido. (STJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Data de Julgamento: 18.03.2008, 5ª T.)’”

No mesmo sentido é a jurisprudência desta E. Corte:

“ADMINISTRATIVO – MILITAR – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – PENSÃO POR MORTE – UNIÃO ESTÁVEL – COMPROVAÇÃO DA CONVIVÊNCIA – NECESSIDADE – RATEIO COM EX--CÔNJUGE – POSSIBILIDADE – TERMO INICIAL – DATA REQUERIMENTO ADMINISTRATI-VO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – JUROS, A PARTIR DA CITAÇÃO – 1. A aplicação do Decreto nº 20.910, de 06.01.1932, e da Lei nº 4.597, de 19.08.1942, pelos quais é estabelecida a prescrição quinquenal contra a Fazenda Pública, estendido também ao INSS, deve observar a distinção entre, de um lado, o próprio direito, que à míngua de denegação administrativa expressa não se sujeita à prescrição, dado ser objeto de relação jurídica continuativa, e, de outro, as prestações devidas. Somente estas prescrevem, se vencidas até 5 (cinco) anos antes da propositura da ação, nos termos da Súmula nº 85 do Superior Tribunal de justiça. 2. O § 3º do art. 226 da Constituição da República, reconheceu a união estável como entidade familiar, exigindo para sua caracterização a união duradoura e estável entre homem e mulher com o objetivo de constituir uma família. Por outro lado, a Lei nº 3.765/1960, que dispõe sobre pensões militares, no art. 7º, I, b, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.215-1, de 31.08.2001, prevê o deferimento da pensão militar a companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável como entidade familiar. 3. Pacificado o entendimento no sentido de que faz jus à pensão militar a convivente declarada como beneficiária, ou que comprove a união estável, a teor do § 3º do art. 226 da Constituição da República, o direito ao rateio do benefício de ex-cônjuge é assegurado se receber pensão ali-mentícia do instituidor. Consolidou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de justiça no sentido que o rateio do benefício deverá ser realizado em proporção igualitária, dado inexistir ordem de preferência entre viúva e ex-cônjuge, ressalvada a habilitação de outros beneficiários (STJ, REsp 1206475, Rel. Min. Castro Meira, J. 05.04.2011; AAREsp 1031654, Rel. Min. Felix Fisher, J. 26.08.2008; REsp 856757, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 18.03.2008; REsp 628140, Relª Min. Laurita Vaz, J. 09.08.07; Ag-REsp 554432, Rel. Min. Gilson Dipp, J. 10.02.2004). 4. Quanto ao termo inicial do pagamento de benefício previdenciário, regra geral, considera-se a data do requerimento administrativo ou, à míngua daquele, a data da citação (STJ, AADREep 1141037, Rel. Min. Og Fernandes, J. 02.05.2013; TRF 3ª R., AC 06008365919964036105, Rel. Juiz Fed. Alexandre Sormani, J. 15.09.2009). 5. Dispõe o art. 21, caput, do Código de Processo Civil que se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e propor-cionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas. Ao falar em compensação, o dispositivo aconselha, por motivos de equidade, que cada parte arque com os honorários do seu respectivo patrono. 6. A alegação da prescrição deduzida pela União não merece prosperar. A autora comprovou o requerimento administrativo da pensão militar em 15.09.1994, as diligências para tal, conforme protocolos de 09.99 e 04.00, e o indeferimento do pedido publicado em 07.01.2002. Esta ação foi proposta em 19.12.2006, portanto, não ocorreu a prescrição. Também não se acolhe a insurgência da união em relação ao pagamento das parcelas atrasadas, em face de ser a data do pedido administrativo o termo a quo para pa-gamento de benefício previdenciário. Nesse quadro, não a socorre a alegação de ter cumprido as normas legais, tendo em vista a impossibilidade de se imputar à autora o prejuízo causado pelo indeferimento da pretensão, devendo prevalecer o quanto disposto no art. 37, § 6º, da Consti-tuição da República. Transcrevo, por oportuno, excerto do REsp 576.667, Relª Min. Laurita Vaz, J. 17.10.2006: a despeito de não constar a companheira entre os dependentes elencados no

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art. 77 da Lei nº 5.774/1971, à época do óbito do instituidor da pensão, já havia sido promul-gada a atual Carta Magna, reconhecendo como entidade familiar a união estável. Por essa razão, faz jus a ora recorrida ao benefício da pensão por morte pleiteado. Em relação aos juros, deve ser especificado que são devidos a partir da citação conforme disposto no art. 219 do Código de Processo Civil. 7. A pretensão da autora em receber pensão na integralidade, ao fundamento de a corré não ter necessidade da metade que recebe, bem como o direito da ex-esposa ser originário de ato fraudulento, não merece acolhida. Do fato de a ex-esposa ter buscado reaver o direito à pensão alimentícia, que houvera dispensado quando do desquite, não permite inferir a ocorrência de eventual vício no acordo homologado, ao fundamento de que a finalidade daquele teria sido a de reconstituir o direito da ex-esposa à pensão, em consonância com o § 1º do art. 7º da Lei nº 3.765/1960. De todo modo, descabe nesta sede suscitar questão relativa a nulidade que teria ocorrido em outro procedimento judicial. 8. Reexame necessário parcialmente provido para declarar a sucumbência recíproca, restando prejudicado a apelação da corré. Parcialmente provido recurso da União para explicitar a incidência dos juros a partir da citação. Recurso da autora não provido. (TRF 3ª R., Ap-RN 0002108-34.2006.4.03.6123, SP, 5ª T., Rel. Des. Fed. André Custódio Nekatschalow, J. 14.10.2013, DEJF 21.10.2013, p. 750)”

“ADMINISTRATIVO – MILITAR – RATEIO DE PENSÃO ENTRE COMPANHEIRA E ESPOSA – UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA – HONORÁRIOS – A Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, tornou explícito o amparo concedido à entidade familiar constituída pela união estável entre o homem e a mulher. Ausência de dúvidas quanto à dependência econômica e à união estável entre a autora e o militar instituidor da pensão, porquanto os documentos carreados ao proces-so, a exemplo da cópia do processo de Justificação Judicial, e os depoimentos testemunhais colhidos em audiência de justificação servem como provas contundentes. Direito reconhecido à autora ao rateio do benefício com a ex-esposa beneficiária de pensão alimentícia. Honorários ad-vocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação conforme a fixação na sentença, pois compatível com o § 4º do art. 20, do CPC. Apelação da União e remessa oficial improvidas. (TRF 3ª R. Ap-RN 0020313-93.2000.4.03.6100, SP, Turma do Projeto Mutirão, Rel. Juiz Fed. Conv. Leonel Ferreira, J. 24/11/2011, DEJF 13.02.2012, p. 346) [...]”

3273 – Militar – promoção – ressarcimento de preterição – requisitos – comprovação

“Constitucional e administrativo. Mandado de segurança. Policial militar. Promoção, em ressarcimento de preterição, à graduação hierarquicamente superior. Lei Complementar es-tadual nº 515/2014, art. 29, § 2º fixação de prazo para a autoridade impetrada efetivar a promoção almejada. Comprovação de todos os requisitos exigidos para promoção à época da entrada em vigor da novel lei. Alegada observância ao limite prudencial da lei de respon-sabilidade fiscal. Argumento inaplicável. Entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Omissão injustificada. Direito líquido e certo evi-denciado. Concessão parcial da segurança.”(TJRN – MS 2015.011017-0 – Pleno – Rel. Des. Glauber Rêgo – DJe 07.01.2016)

3274 – Responsabilidade civil do Estado – ação policial – revista pessoal vexatória – pri-são em flagrante – posterior absolvição – dano moral – inexistência

“Direito administrativo. Responsabilidade do Estado. Indenização por danos morais. Ação policial. Revista pessoal vexatória. Prisão em flagrante por suposto crime eleitoral. Posterior absolvição no processo-crime. Identificação datiloscópica dos presos. Fatos da causa. Ape-lação desprovida. 1. As provas dos autos não indicam que houve revista pessoal, na rodovia federal, de forma vexatória e humilhante, sendo isolada e incongruente, frente ao conjunto probatório, a versão dos autores de que teriam sido colocados nus quando da ação policial. 2. A prisão em flagrante observou os ditames legais, expedindo-se o alvará de soltura em razão do pagamento de fiança, não restando dano moral a ser indenizado diante da posterior absolvição junto ao Tribunal Regional Eleitoral, após condenados no primeiro grau, já que

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fundamentada a reforma da sentença na insuficiência da prova para a condenação, ressal-tando, porém, a existência de indícios de crime e autoria ao tempo da prisão em flagrante, circunstanciados pelo fato de estarem os autores na posse de propaganda eleitoral e de di-nheiro, na véspera da eleição, sem esclarecimento e prova da origem e destinação. Embora insuficiente para um juízo de mérito condenatório, a absolvição não elidiu a validade da prisão feita em flagrante, para efeito de gerar causalidade jurídica para impor dever de inde-nização ao Estado por danos morais. 3. A identificação datiloscópica pela autoridade policial de dois dos autores, presos em flagrante, foi justificada por razões de segurança jurídica, nas circunstâncias do caso concreto. Mas ainda que assim não fosse, resta claro dos autos que o procedimento policial não foi apto a gerar dano moral indenizável, não tendo sido esta a causa da lesão, narrada pelos autores, à respectiva honra e reputação pessoal, familiar, social e profissional. 4. A exposição pública, em razão da divulgação noticiosa da prisão, pela im-prensa, que teria gerado os danos morais, não foi praticada pelo Estado ou seus agentes, mas decorreu do livre exercício da liberdade de imprensa, sem que tenha concorrido, com cau-salidade jurídica, a ação policial, que foi adstrita à verificação dos indícios de autoria e ma-terialidade delitiva, quando do flagrante, feito com a observância de todos os procedimentos e cautelas legais. 5. Inexistindo prova de conduta causal da Administração capaz de vinculá--la ao resultado reputado lesivo, não se autoriza reconhecer a responsabilidade civil para efeito de condenação à reparação de danos morais. 6. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0002719-74.2011.4.03.6005/MS – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 14.01.2016)

Ambiental

3275 – Ação civil pública – corte de exemplares arbóreos – entorno de pista de pouso e decolagem – compensação ambiental – configuração

“Ação civil pública. Ministério Público Estadual. Corte de exemplares arbóreos no entorno da pista de pouso e decolagem do Aeroporto Campo de Marte. Risco às operações aeroportuá-rias. Obstrução da visualização das aeronaves pela torre de controle. Ato do Secretário Mu-nicipal do Verde e Meio Ambiente. Legalidade. Compensação ambiental. Plantio de mudas na proporção 1:1. Adequação. 1. Pretende-se na presente ação declarar a nulidade do ato do Secretário do Municipal do Verde e Meio Ambiente que autorizou o corte de 8.321 (oito mil, trezentos e vinte e um) exemplares arbóreos no Aeroporto Campo de Marte, com o fito de impedir a retirada da mencionada vegetação, obrigando-se a Infraero a adotar alternativas para evitar a supressão das árvores e arbustos do local ou, subsidiariamente, seja determina-do o plantio compensatório de 71.906 mudas. 2. Legitimidade do Ministério Público para promover a Ação Civil Pública visando a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como no zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Cons-tituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, decorre expressamente do art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal e do art. 6º, inciso VII, alínea c, da Lei Complementar nº 75/1993, além da legislação específica que lhe assegura, de maneira cate-górica, legitimidade para manejá-la (Lei nº 7.347/1985, art. 5º, I), não havendo fazer distin-ção entre o órgão estadual ou federal, em se tratando de questão ambiental. O pedido é juri-dicamente possível, pois pretende o autor a anulação de ato administrativo emanado de Secretário Municipal, invocando a proteção ao patrimônio ambiental localizado no Aeropor-

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to do Campo de Marte, sob a administração da Infraero. O ato administrativo, quanto à sua legalidade, é passível de controle judicial, não existindo qualquer vedação no ordenamento à submissão de análise pelo Poder Judiciário, esta, aliás, amparada constitucionalmente, nos termos do art. 5º, inciso XXXV, da Carta Magna. 3. A proteção meio ambiente possui status constitucional, norma de observância cogente, à qual todos devem se submeter (CF, arts. 23, I, 170, VI e 225). Incumbe ao Estado zelar pela preservação da segurança da população, utilizando-se de todos os meios para garantir a incolumidade das pessoas em âmbito nacio-nal (CF, arts. 5º, 6º e 144). 4. No caso em julgamento, necessário se faz equilibrar os interes-ses em conflito, porquanto a abundante vegetação existente no entorno do Aeroporto Campo de Marte tem dificultado as operações aeroviárias, por obstruir visualmente a comunicação entre a Torre de Controle e a Pista de Pouso e Decolagem, comprometendo a segurança dos usuários dos serviços, bem assim da tripulação dos voos ali operantes, consoante consta da documentação dos autos, em especial das ocorrências noticiadas pelo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Sipa (Comaer), bem como dos regis-tros de colisão de aeronaves com pássaros que habitam o arbóreo local durante as fases de pouso e decolagem. 5. A insurgência veiculada pelo MPE refere-se, em síntese, à não adoção de alternativa ao corte dos exemplares arbóreos, bem assim ao número de mudas a serem plantadas para compensação ambiental. 6. O Parecer Técnico elaborado pela Divisão Téc-nica de Licenciamento Ambiental do Departamento de Controle de Qualidade Ambiental da Prefeitura local concluiu que ‘a vegetação na área de intervenção das obras não é considera-da patrimônio ambiental de acordo com o Decreto nº 30.443/1989, Carta 23 do livro Vege­tação Significativa do Município de São Paulo, conforme fl. 2189 deste PA. Conforme Reso-lução Conama nº 01/1994 ‘a vegetação é considerada nativa da Mata Atlântica em estágio secundário inicial de regeneração. É também considerada Vegetação de Preservação Perma-nente – VPP de acordo com o art. 4º da Lei nº 10.365/1987, pois forma maciço arbóreo su-perior a 10.000m2 (é citado em laudo de Levantamento Arbóreo de fl. 06 à fl. 41 do PA 2011-0.056.310-1, na fl. 09 a área de supressão sugerida de 58.900 m2) e área de Preserva-ção Permanente de acordo com a Resolução Conama nº 303/2002’ (fl. 218). 7. Nos termos da legislação que rege a matéria, a intervenção em vegetação localizada em Área de Preser-vação Permanente – APP somente pode ser autorizada pelo órgão ambiental competente (Lei nº 4.771/1965, Resolução Conama nº 369/2006, Lei nº 12.651/2012, Lei Municipal nº 10.365/1987 e Portaria nº 44-SVMA.g/2010). 8. Despacho que autorizou o corte dos exemplares arbóreos, cuja nulidade se pretender ver reconhecida na presente ação, foi pre-cedido de todas as etapas indispensáveis a zelar pela questão ambiental, pois: a) houve apresentação pela Infraero de Laudo de Levantamento Arbóreo, descrevendo a vegetação a ser suprimida; b) a questão foi devidamente analisada pelo órgão competente para decidir sobre a supressão, consoante Parecer Técnico da Divisão de Licenciamento Ambiental da Prefeitura Municipal do Departamento de Controle de Qualidade Ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, no qual se analisou, inclusive, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do Aeroporto do Campo de Marte; d) houve a anuência da Cetesb, a qual considerou ser a intervenção de utilidade pública, por se tratar de questão de segurança nacional, inclusive em local inserido parcialmente em zona militar; e) apresentação de Projeto de Compensação Ambiental pela Infraero, nos termos da legisla-ção correlata, acatado pela Municipalidade como adequado a compensar a supressão em comento. 9. Pareceres e laudos elaborados uníssonos e convergentes na indispensabilidade do corte dos arbóreos na forma requerida pela Infraero, diante do evidente risco proporcio-nado pela vegetação à segurança das operações aeroviárias colocando em risco a vida dos usuários e tripulação em geral, revelando a necessidade e viabilidade ambiental da supressão

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pretendida. 10. A adoção de alternativas locacionais ou tecnológicas, apesar de cogitadas pela Infraero e Municipalidade, afiguraram-se insuficientes a fazer frente à importância do corte da vegetação, porquanto a construção de nova torre de controle demandaria extenso estudo e tempo, com a elaboração de projeto, realização de licitações, execução, dentre outros, enquanto a mera poda dos arbóreos não solucionaria problemática que envolve a obstrução visual das operações aeroviárias, devido à rápida regeneração da vegetação. 11. Inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal para avaliar o impacto ambiental relativo ao Aeroporto do Campo de Marte, do qual consta Parecer concluindo que ‘o proces-so de solicitação e autorização de supressão de vegetação arbórea das áreas lindeiras à pista de pouso de decolagem, objeto desta ACP, mostrou-se tecnicamente adequado e embasado na legislação ambiental’, considerando, ainda, ‘extremamente importante e necessária a ado-ção de todas as medidas previstas no Plano de Gerenciamento do Perigo Aviário do Aeropor-to Campo de Marte, dentre os quais consta o controle da cobertura vegetal, seja por meio de poda ou corte, para o controle das populações de aves residentes ou usuárias da área do Aeroporto Campo de Marte’. 12. Relevância da manutenção da segurança aérea do Aeropor-to do Campo de Marte, por se tratar de um aeródromo de intenso tráfego, notadamente por operar com aviação geral, executiva e táxi aéreo, além de abrigar a maior frota de helicópte-ros do Brasil, sendo o quinto do país – após Congonhas, Guarulhos, Brasília e Galeão – em movimento operacional. Não obstante, além das atividades aeroportuárias e da Escola de Aviação, o Campo de Marte abriga o Serviço Aerostático da Polícia Civil e o Grupamento de Rádio Patrulha Aérea da Polícia Militar, bem como órgãos da Força Aérea Brasileira. 13. O corte dos exemplares arbóreos já executado, com autorização, inclusive, de manejo da fauna silvestre conferido pela Secretaria do Estado e do Meio Ambiente, tendo a Infraero iniciado à compensação ambiental em terreno do Parque Material Aeronáutico de São Paulo, na forma determinado pelo despacho do Secretário Municipal. 14. Rejeitado o pleito de plantio da quantia de 71.906 mudas para compensação ambiental, nos termos do laudo inicialmente apresentado pela Infraero, pois referido documento se tratava apenas de um levantamento que instruiu a solicitação de supressão, sendo ao final apresentado o Projeto de Compensa-ção Ambiental, este, sim, analisado e aprovado pelos órgãos competentes, pois de acordo com a legislação vigente, não havendo invocar a Portaria nº 44-SVMA.G/2010, pois dela não consta qualquer menção à compensação pretendida pelo apelante, consoante, aliás, bem anotado no parecer emitido pelo corpo técnico do Ministério Público Federal (analistas de Engenharia Florestal e de Biologia). 15. A responsabilidade pela fiscalização da execução do projeto de reflorestamento incumbe ao órgão ambiental municipal, cabendo a ele formular as exigências necessárias à Infraero acerca do plantio e acompanhamento do desenvolvi-mento das espécies arbóreas, razão pela qual igualmente não compete ao MPE ditar as dire-trizes relativas à forma de efetivação da compensação ambiental. 16. Autorização para cortes de exemplares arbóreos no Aeroporto Campo de Marte que obedeceu estritamente ao que dispõe a legislação que rege a matéria. Manutenção da sentença de improcedência. 17. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AC 0018677-72.2012.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 11.12.2015)

3276 – Ação civil pública – Departamento Nacional de Produção Mineral – autorização de lavra – licença – concessão

“Processual civil e ambiental. Ação civil pública. Autorização de lavra. Departamento Na-cional de Produção Mineral. Licença de operação. Concessão. Indeferimento. 1. A licença ambiental constitui-se em documento essencial para a realização de mineração (art. 10 da

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Lei nº 6.938/1991; arts. 19, 20 e 48, do Decreto nº 88.351/1983; e Resolução Conama nº 01/1986). 2. O prazo para a autora juntar a licença foi prorrogado inúmeras vezes, não tendo a interessada cumprido a determinação, sendo improcedente a alegação de que o prazo de 180 (cento e oitenta) dias era pouco para obtenção da licença ambiental. 3. No que diz respeito às argumentações pertinentes à suposta irregularidade no que diz respeito ao deslocamento de área, descabida sua análise, considerando que a negativa de lavra se deu apenas em razão da ausência de licença ambiental, não possuindo relação com suposto deslocamento.” (TRF 4ª R. – AI 5038547-50.2015.4.04.0000 – 3ª T. – Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler – J. 16.12.2015)

3277 – Ação civil pública – edificação – usina – energia hidroelétrica – Súmula nº 126/STJ – aplicabilidade

“Administrativo. Ambiental. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso es-pecial. Ação civil pública. Edificação. Usina. Energia hidroelétrica. Pretensão. Elaboração. Estudo de impacto. Metodologia específica. Falta. Previsão legal. Indeferimento. Prestação jurisdicional incompleta. Razões genéricas. Súmula nº 284/STF. Violação. Normas federais. Carência. Prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Motivação judicial inatacada. Súmula nº 283/STF. Motivação constitucional inatacada. Súmula nº 126/STJ. 1. A alegação de ausên-cia de prestação jurisdicional adequada e, por via de consequência, de violação ao art. 535 do CPC, exige do recorrente a indicação de qual o texto legal, as normas jurídicas e as teses recursais não foram objeto de análise nem de emissão de juízo de valor pelo Tribunal da origem, pena de a preliminar carecer de fundamentação pertinente. Inteligência da Súmula nº 284/STF. 2. Não cumpre o requisito do prequestionamento o recurso especial para salva-guardar a higidez de norma de direito federal não examinada pela origem, que tampouco, a título de prequestionamento implícito, confrontou as respectivas teses jurídicas. Óbice da Sú-mula nº 211/STJ. 3. É inadmissível o recurso especial quando a decisão recorrida assenta-se em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Inteligência da Sú-mula nº 283/STF. 4. É inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário. Inteligência da Súmula nº 126/STJ. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 662.284 – (2015/0031100-8) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 18.12.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESESúmula do Superior Tribunal de Justiça:

“126 – É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer delas suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.”

3278 – Área de preservação ambiental – Parque Ecológico e de Uso Múltiplo Gatumé – direito à moradia – ausência de indícios de regularização de ocupação – configu-ração

“Apelação cível. Direito constitucional e administrativo. Ocupação irregular. Área de pre-servação ambiental. Parque Ecológico e de Uso Múltiplo Gatumé. Exercício do poder de polícia. Presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos. Direito à moradia. Ponderação e prevalência do interesse de ordem coletiva. Falta de indícios de regularização da ocupação. Sentença mantida. 1. Apura-se dos autos que se trata de ocupação inserida

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no Parque Ecológico e de Uso Múltiplo Gatumé, não havendo prova inequívoca acerca da possibilidade de regularização dos imóveis em questão, pois a área ocupada, como dito, não é passível de regularização. 2. Tratando-se de área de proteção ambiental, deve-se garantir a livre atuação da Agefis, de modo a coibir possíveis danos advindos de ocupações dessa natureza, haja vista que são extremamente prejudiciais ao meio ambiente, o que autoriza, face ao impacto da ação desmedida dos recorrentes, a ação da Administração mediante o seu poder de polícia. 3. Não merece respaldo a tese de que os atos de demolição se esbarram nos preceitos constitucionais da dignidade da vida humana, da função social da propriedade e da proporcionalidade, pois o direito de moradia deve ser confrontado com outros princípios constitucionais, como os da defesa do meio ambiente e da função social da propriedade ur-bana ou rural, com o fito de se preservar o interesse coletivo. 4. Ou seja, a proteção oferecida pela Constituição Federal ao direito à propriedade (art. 5º, XXII) lhe exige, ao mesmo tempo, que a propriedade atenda a sua função social (art. 5º, XXIII) com o meio ambiente ecologi-camente equilibrado. Logo, deve-se estabelecer uma harmonia entre o interesse individual e o coletivo. 5. O exercício do poder de polícia pelo apelado reveste-se de legitimidade, não ficando evidenciada dissonância alguma frente às normas que regem a atuação da Adminis-tração, não se afigurando possível afastar o ato demolitório da Agefis, o qual se reveste de presunção de legitimidade, veracidade, imperatividade e autoexecutoriedade. 6. Recurso conhecido e improvido.” (TJDFT – AC 20150110289916 – (911578) – 3ª T.Cív. – Relª Desª Ana Cantarino – DJe 17.12.2015)

3279 – Área de preservação permanente – área de reserva legal – intervenção antrópica – reservatório de usina hidrelétrica – regularização da área – impossibilidade

“Ambiental. Ação civil pública. Recurso não conhecido por deserção. Intervenção antrópica em área de preservação permanente e área de reserva legal. Reservatório de usina hidrelétri-ca. Dano ambiental in re ipsa. Responsabilidade objetiva. Obrigação propter rem. Possibili-dade de cumulação de obrigações de reparar e indenizar. Área de propriedade do Incra. Nulidade de acordo celebrado por órgão ambiental estadual. Impossibilidade de regulariza-ção de área de preservação permanente sem a demolição de imóvel e retirada de entulho. Ausência de aquiescência da autarquia federal. 1. O réu João Pereira da Silva não recolheu o respectivo preparo recursal, o qual deveria ser demonstrado por ocasião da interposição do recurso (art. 511, caput, CPC), razão pela qual não deve ser conhecido seu recurso em face da deserção. 2. Com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilida-de geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as Áreas de Preservação Permanente – APPs entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/1981), definidas tanto pelo antigo (art. 1º, § 2º, II, Lei nº 4.771/1965) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3º, II, Lei nº 12.651/2012). 3. A fim de estabelecer parâmetros, definições e limites para as áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais, o art. 3º da Resolução Conama nº 302, de 20.03.2002, define as respectivas dimensões. 4. Em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológi-co, a Lei nº 4.771/1965, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 12.651/2012, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor. 5. A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/1981, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambien-tais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria

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do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de indenizar. 6. Basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de ativi-dade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se assim o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental. 7. A obrigação de reparar os danos ambien-tais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do art. 7º do novo Código Florestal. 8. Eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma APP, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis, tal como cursos d’águas, ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida, coberta ou não por vegetação nativa (art. 1º, § 2º, II, Lei nº 4.771/1965 e art. 3º, II, Lei nº 12.651/2012), razão pela qual é necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da proprie-dade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibra-do. 9. A perícia constatou que: ‘A construção é de rancho construído em alvenaria de tijolos com telhas de barro, área construída de 49,50m², mais uma calçada ao redor de uma cisterna encerrando uma área total impermeabilizada de “aproximadamente” 60,00m². A área do rancho é de frente para a represa, sendo que o Requerido está a ocupar uma área em forma-to irregular e cercada de “aproximadamente” 900,0m², inserida em Área de Preservação Permanente no entorno do reservatório da Usina Hidroelétrica de Promissão’. 10. Resta de-monstrado pelos documentos que instruíram a inicial que os réus foram possuidores do imó-vel em tela, sendo solidariamente responsáveis pela recomposição da vegetação e indeniza-ção pela degradação ambiental. 11. Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC), descabe qualquer alegação de que a construção na APP em tela estaria autorizada legalmente, com fulcro no art. 61-A do novo Código Florestal, haja vista que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal. 12. Tratan-do-se a questão de proteção ao meio ambiente, incidem os princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de poten-cial ou efetiva degradação ambiental. 13. Considerando que as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização do Poder Público, a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabi-lização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação em obrigação de não-fazer consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamen-to na área de reserva legal e preservação permanente. 14. As obrigações de fazer ou não-fa-zer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são per-feitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos arts. 225, § 3º, da Constituição Federal e 4º da Lei nº 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). 15. Imperiosa a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente no valor in-dicado na prova pericial. 16. O Estado poderá ser solidariamente responsável por danos ambientais, na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, sendo considerado poluidor indireto, mormente em razão do dever concorrente de todos os entes políticos de exercer o poder de polícia ambiental visando coibir tais males. 17. O Termo de

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Compromisso de Recuperação Ambiental celebrado pelo DEPRN está eivado de ilegalidade, razão pela qual deve ser anulado, pela impossibilidade de regeneração do espaço territorial especialmente protegido nos termos estabelecidos, vez que a cessação total de atividade antrópica, com a demolição de construção, remoção de entulhos e reflorestamento, era im-prescindível para tanto. 18. Necessidade de aquiescência do Incra, pois o imóvel era de propriedade da União, com destinação específica para projeto de reforma agrária, sendo ir-regular a situação dos posseiros por não deterem nenhum título de domínio, o que evidencia a ilegitimidade do órgão ambiental estadual para celebrar tal acordo. 19. Manutenção da condenação do Estado de São Paulo, através do DEPRN, na obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não celebrar qualquer acordo ou expedir qualquer li-cença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, notadamente quando a titularidade for do Incra, sem a prévia oitiva deste, bem como decla-rar a nulidade do Termo de Compromisso celebrado entre o DEPRN e o corréu, no ponto em que permitia a manutenção e o uso da edificação levada a efeito na área de reserva legal e preservação permanente descrita nos autos. 20. Tendo todos os réus dado causa à presente ação coletiva, sendo que o laudo pericial foi determinante para estabelecer a ilegalidade da manutenção do imóvel em área de preservação permanente, é de rigor manter a condenação de ambos ao pagamento de honorários periciais. 21. Embora o Ministério Público não possa se beneficiar dos honorários advocatícios quando for vencedor na ação coletiva, o caso em tela diferencia-se em razão do Incra, autarquia federal, ter sido incluído no polo ativo da ação juntamente com o Parquet, tendo atuado no feito, inclusive indicando assistente técni-co, apresentando quesitos e, até, interpondo recurso e apresentando contrarrazões, sendo de rigor condenar os réus ao pagamento de honorários advocatícios. 22. Apelação de José Pe-reira da Silva não conhecida, apelação do Estado de São Paulo improvida e recurso adesivo do Incra provido para condenar os réus ao pagamento de honorários advocatícios.” (TRF 3ª R. – AC 0008157-10.2004.4.03.6108/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 17.12.2015)

3280 – Crime ambiental – lançamento de resíduos em APP – pessoas físicas – ocorrência

“Processual penal. Denúncia. Crime ambiental. Responsabilização penal de pessoas físicas. Descrição fática. Insuficiência. Inépcia. Ocorrência. Ação penal. Trancamento. 1. É inepta a denúncia que não descreve um fato, sequer, que possa ligar os recorrentes (pessoas físicas) ao delito (lançamento de resíduos em APP – art. 54, § 2º, V da Lei nº 9.605/1998) impu-tado na incoativa. 2. Não se sabe, na espécie, nem se são os recorrentes sócios da pessoa jurídica que teria lançado resíduos poluentes na natureza. A denúncia não diz e não trata de qualquer ação ou omissão por eles cometidas. 3. Recurso provido para, reconhecendo inepta a denúncia, anular o processo desde o seu recebimento, sem prejuízo de que outra peça acusatória seja oferecida, com observância do art. 41 do Código de Processo Penal.” (STJ – Rec-HC 64.635 – (2015/0256905-2) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 14.12.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em epígrafe trata de habeas corpus, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.

Os recorrentes foram denunciados como incursos no art. 54, § 2º, inciso V, da Lei nº 9.605/1998, in verbis:

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“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição sig-nificativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

[...]

§ 2º Se o crime:

[...]

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou subs-tâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.”

Alega ainda a defesa “além de ter sido ínfima a quantidade de resíduo vazado, as medidas ado-tadas pela empresa no sentido de reparação do vazamento foram suficientes a tornar em pouco tempo o incidente quase imperceptível”.

Sustenta que “[...] com base na doutrina, que, ‘quando a conduta não for lesiva ao meio ambien-te, pode-se invocar o princípio da insignificância para afastar a incidência da lei criminal sobre a conduta praticada no caso de esta não preencher o aspecto material da tipicidade’”.

Defende o cabimento de habeas corpus para o sobrestamento da ação penal.

Requer a suspensão da ação, caso entenda não ser viável, que o retire do polo do presente feito.

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Ora, em que pese tratar-se de crime ambiental e que, em tese, a responsabilidade pelo ilícitos penais, além da pessoa jurídica, é também dos seus administradores, é preciso demonstrar um mínimo de liame entre as pessoas físicas e os atos tidos por delituosos.

Aplica-se o mesmo raciocínio dos crimes societários, quando se está apurando sonegação fiscal.

A jurisprudência tem abrandado a exigência de descrição pormenorizada em casos deste jaez, contudo, há que se demonstrar mínima atuação dos denunciados, sob pena de ficar inviabilizada a sua defesa. Na espécie, como não há qualquer ação ou omissão descrita, não há nem como contrapor-se à acusação.

Não existe, sequer, qualquer alusão à condição que ocupam os denunciados (pessoa física) na empresa causadora do pretenso dano ambiental. Não se sabe se são proprietários, gerentes ou apenas sócios. A denúncia nada diz a respeito disso.

Assim dispõe a doutrina:

‘Com efeito, todo fato criminoso deve ser examinado sob os aspectos seguintes:

a) Quem praticou o delito (quis)? b) Que meios ou instrumentos empregou? (quibus auxiliis)? c) Que malefício, ou perigo de dano, produziu o injusto (quid)? d) Que motivos o determinaram à prática (cur)? e) Por que maneira praticou o injusto (quomodo)? f) Em que lugar o praticou (ubi)? g) Em que tempo, ou instante, deu-se a prática do injusto (quando)? As respostas a essas sete questões, ensina Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, revelam o fato, em toda a sua circunstancia-lidade. Pode-se, então, reconstruir a ilicitude e mostrar o desencontro entre a conduta concreta e a ordenação jurídica. A ilicitude da conduta, que surge unitária sempre, consiste na qualidade do injusto’ (MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova por indícios no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 61 e 62. Tem-se a notícia de que tais problemas práticos teriam sido transmitidos por Quintiliano, de acordo com Vito Gianturco, La prova indiziaria, Milano: Giuffrè, 1958, p. 97).

Gustavo Badaró, depois de citar Hélio Tornaghi, leciona:

‘Não basta, portanto, repetir os termos da lei, como, por exemplo, associaram-se para a prática reiterada de crimes. Em tal caso, a denúncia permanece no campo abstrato do preceito penal incriminador, esquecendo-se que o fato processual penal é um fato concreto, um acontecimento histórico, e não um tipo penal ideal.’ (Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, t. I, 2008, p. 93)

E, repise-se que, no caso concreto, não houve nem repetição de termos legais, nem mesmo na terceira pessoa do plural, pois não há referência aos denunciados na peça de ingresso, conforme já expendido.

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[...]

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, reconhecendo inepta a denúncia, anular o pro-cesso desde o seu recebimento, sem prejuízo de que outra peça acusatória seja oferecida, com obediência ao art. 41 do Código de Processo Penal.

É como voto.”

Assim, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso.

3281 – Degradação ambiental – derramamento de óleo no mar – dano – configuração – reparação – necessidade

“Administrativo. Ambiental. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso espe-cial. Degradação ambiental. Derramamento de óleo no mar. Configuração do dano. Dever de reparação. Fixação do montante indenizatório. Relevância. Premissas fáticas. Caso con-creto. Consideração das provas periciais. Violação à norma de direito federal. Impossibilida-de de revisão do acervo probatório. Súmula nº 07/STJ. Dissídio jurisprudencial. Descumpri-mento dos requisitos legais. Súmula nº 284/STF. Impugnação genérica. Descumprimento do ônus da dialeticidade. 1. Desatende o ônus da dialeticidade a parte dos articulados recursais que impugnam, apenas com formulação genérica, a motivação da decisão monocrática que concluiu pela inobservância do dever de demonstração da divergência jurisprudencial e, nesse tocante, impôs a sorte da Súmula nº 284/STF. 2. A fixação do montante reparatório devido em razão de ato de degradação ambiental consistente no derramamento de óleo no mar derivou do exame do contexto fático da demanda e da análise das provas periciais pro-duzidas no curso do processo, motivo por que a alteração do resultado do julgamento, com o fim de majorar o quantum, exige o mesmo procedimento investigatório das provas, o que todavia encontra óbice na Súmula nº 07/STJ. 3. Agravo regimental conhecido parcialmente e, nessa extensão, não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 778.589 – (2015/0231050-5) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 14.12.2015)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de agravo regimental que o Ministério Público Federal interpôs contra decisão assim ementada:

“ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – DERRAMAMENTO – ÓLEO – MAR – CONFIGURAÇÃO – DANO – DEVER – REPARAÇÃO – CARACTERIZAÇÃO – ACOLHIMENTO – FIXAÇÃO – MONTANTE INDENIZATÓRIO – RELEVÂNCIA – PREMISSAS FÁTICAS – CASO CONCRETO – CONSIDERA-ÇÃO – PROVAS PERICIAIS – VIOLAÇÃO – NORMA FEDERAL – IMPOSSIBILIDADE – REVISÃO – ACERVO PROBATÓRIO – SÚMULA Nº 07/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – DESCUM-PRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS – SÚMULA Nº 284/STF – AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.”

Consta dos autos que houve degradação ambiental consistente no derramamento de óleo no mar.

Sustenta o agravante que “[...] a aferição do quantum reparatório decorrente de degradação ambiental não implica em revolvimento do acervo probatório e que cumpriu com os requisitos para a demonstração da divergência”.

Dessa forma, em seu voto entendeu o nobre Relator:

“[...]

Essa singeleza das razões do agravo não refutam, todavia, a conclusão da monocrática de que o Ministério Público Federal, em seu arrazoado do recurso especial, limitou-se a transcrever uma pluralidade de ementas e de trechos de acórdão sem, contudo, extrair de cada um deles os seus elementos fático-jurídicos e, ainda, sem cotejá-los com os do presente caso concreto.

Assim, descumprido o ônus da dialeticidade.

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Por outro lado, pesa considerar que o caso concreto trata de ato de degradação ambiental consistente no derramamento de óleo no mar, o Tribunal da origem tendo julgado a ação civil pública favoravelmente à pretensão ressarcitória do Ministério Público Federal, reconhecendo ter havido conduta do recorrido a qual fora causadora de dano ambiental, quantificando o montante reparatório, contudo, da seguinte forma (e-STJ fls. 1.284/1.287):

A sentença, ao fixar a indenização, levou em conta a baixa quantidade do produto químico derramado, apenas 50 litros de MF 380, e as medidas imediatamente tomadas pela tripulação da embarcação, que eficazmente conteve o vazamento e promoveu a limpeza da água atingida.

A partir desses dois parâmetros, somados à orientação jurisprudencial dessa Corte acerca da observação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no arbitramento da indeni-zação por dano ambiental (AC 0208791-49.1995.4.03.6104, 3ª T., Relª Desª Fed. Cecília Marcondes, Julgado em 18.12.2002, DJU 29.01.2003), aplicou-se o percentual de 20% sobre o valor proposto pela Cetesb, no montante de US$ 562.341,32, o que resultou na condenação em US$ 112.468,26.

Ou seja, a empresa [...] foi condenada a pagar US$ 2.249,36 por litro de óleo combustível marítimo derramado, convertidos em reais segundo a cotação oficial de fechamento do Banco Central do Brasil – Bacen na data do evento, 30.08.1998.

Não obstante toda a argumentação dos autores da ação, deve-se convir que os US$ 562.341,32 arbitrados pela Cetesb – ou US$ 11.246,82 por litro de óleo combustível marítimo derramado – refogem à sensatez, especialmente hipótese sub judice em que as medidas emergenciais foram de pronto tomadas pela tripulação do navio envolvido no acidente.

Com efeito, embora não se discuta que o laudo emitido pela Cetesb seja pautado em critérios científicos – no caso dos autos, considerou-se a vulnerabilidade da área atingida, a toxidade do produto e a sua persistência no meio – o órgão julgador não tem a menor obrigatoriedade de aderir à conclusão o mesmo.

A sentença, como já colocado, utilizou o cálculo do órgão estadual como um dos norteadores da decisão, optando pela aplicação de percentual do valor sugerido a título de indenização, baseado no referido acórdão da Desembargadora Federal Cecília Marcondes, que assim dispõe: [...] a fixação de indenizações desmesuradas ao pretexto de defesa do meio ambiente configura intole-rável deturpação da mens legis, não podendo, no caso em tela, o Estado valer-se do silêncio da lei para espoliar o poluidor a ponto de tornar inviável o seu empreendimento... (AC 0208791-49.1995.4.03.6104, J. 18.12.2002).

[...]

Afasto, portanto, o pleito de majoração da condenação formulado pelo Ministério Público Fede-ral, pelo Ministério Público Estadual e pela União Federal, pois inexiste elemento nos autos que justifique penalização maior que a fixada em primeiro grau de jurisdição.

Também deixo de acolher o pedido de redução da condenação formulado pela defesa, consi-derando que o quantum estabelecido na sentença atende ao posicionamento firmado por essa Sexta Turma, no sentido de que precisa ser suficiente para a reparação do dano provocado e também para a prevenção de episódios congêneres, num meio termo que não caia na exorbitân-cia e nem na modicidade.

Em outras palavras, a sentença adéqua-se ao entendimento de que o dever de indenizar do poluidor não pode ser banalizado, a ponto de se tornar mais uma previsão no cálculo dos custos da operação comercial, pois o mesmo precisa ser dissuadido a reincidir nesse tipo de evento e nada mais convincente, para tanto, do que a repercussão patrimonial.

[...]

Diante do exposto, por não verificar no presente recurso razões que imponham a alteração do julgado monocrático, conheço parcialmente do agravo regimental e, nessa extensão, nego-lhe provimento.

É o voto.”

Assim, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo regimental nessa extensão.

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Constitucional

3282 – Ação direta de inconstitucionalidade – idade para ingresso de militar na adminis-tração estadual – regulamentação – Poder Executivo – iniciativa privativa

“Ação direta de inconstitucionalidade. Pleito de medida cautelar. Lei Estadual nº 7.657/2014. Regulamentação da idade para ingresso de servidor público (Militar) na administração esta-dual. Acréscimo na lei após o texto ter sido submetido à deliberação parlamentar e à sanção pelo chefe do Executivo. Inobservância ao processo legislativo. Projeto de lei da autoria de deputado estadual. Matéria de iniciativa privativa do Poder Executivo. Fumus boni juris e periculum in mora configurados. Medida cautelar concedida para determinar a suspensão da referida lei. Decisão unânime.” (TJAL – ADIn 0804610-59.2014.8.02.0000 – Rel. Des. Alcides Gusmão da Silva – DJe 01.02.2016)

Destaque Editorial SÍnTESEEm seu voto, o Relator citou os seguintes precedentes:

“[...] Em situações semelhantes esta Corte assim decidiu:

Ação direta de inconstitucionalidade. Pleito de medida cautelar. Lei Estadual nº 7.614/2014. Solicitação da colaboração de corretores inscritos no Creci/AL. Matéria de iniciativa privativa do Poder Executivo. Texto que padece de vício decorrente da ausência de verbo núcleo do comando normativo. Norma vaga. Afronta ao princípio da legalidade. Violação à exigência constitucional do concurso público. Fumus boni juris e periculum in mora configurados. Me-dida cautelar concedida para determinar a suspensão da referida lei. Decisão unânime. (TJAL, ADI 08007207820158020000/AL, 0800720-78.2015.8.02.0000, Rel. Des. Fábio José Bittencourt Araújo, Data de Julgamento: 04.08.2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 05.08.2015)

Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de medida cautelar. Lei nº 7.444/2012. Quadro de oficiais do corpo de bombeiros. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Emenda parlamentar. Desvirtuação do projeto de lei. Afronta ao princípio da igualdade. Fumus boni iuris e periculum in mora configurados. Medida cautelar deferida. Suspensão dos efeitos dos dispositivos questio-nados. (TJAL, ADI 08015832120138020900/AL, 0801583-21.2013.8.02.0900, Rel.Des. Pedro Augusto Mendonça de Araújo, Data de Julgamento: 13.05.2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 13.08.2014) [...]”

3283 – Direito eleitoral – requisição de servidor – cargo extinto – estrita correlação de atividades – desnecessidade

“Processo administrativo. Renovação. Requisição. Servidor público estadual. Vigilante – Car-go extinto. Estrita correlação de atividades. Desnecessidade. Prazo máximo da requisição. Observância dos ditames legais. Deferimento. 1. A requisição de servidor para prestar ser-viços à Justiça Eleitoral deve atender ao disposto nas Resoluções TSE nºs 23.255/2010 e TRE/SE 268/2012. 2. No caso, o servidor ocupa o cargo de Vigilante no órgão de origem, car-go extinto pelo Governo do Estado de Sergipe, conforme Decreto nº 29.592/2013, de modo que, de acordo com precedente desta Corte, não há que se exigir estrita correlação com as atividades desempenhadas pelo Auxiliar de Cartório. 3. Estipulou-se o período de seis anos para a permanência do servidor requisitado junto à Justiça Eleitoral, considerando-se nesse lapso temporal, um ano de requisição inicial e até cinco anos de prorrogação aplicável aos atuais requisitados, sendo considerado o ano de 2013, excepcionalmente, como termo ini-cial da contagem, conforme novel regulamentação da Res. TRE/SE 268/2012. 4. Cumpridos

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os requisitos legais, impõe-se o deferimento da renovação da requisição do servidor, pelo pe-ríodo de 1 (um) ano.” (TRESE – PADM 198-13.2015.6.25.0000 – Rel. Des. Cezário Siqueira Neto – DJe 08.01.2016)

3284 – Direito fundamental – saúde – fornecimento de vacina – valor pago à clínica par-ticular – ressarcimento – não comprovação

“Recurso de apelação em ação ordinária. Administrativo e constitucional. Fornecimento de vacina pelo poder público. Ressarcimento do valor pago à clínica particular. 1. Autor, crian-ça, que necessita de vacinas específicas para a garantia de sua saúde. Demora no forneci-mento de vacina pelo Poder Público que levou à aquisição em clínica particular. Carteira de vacinação que demonstra terem sido as vacinas receitas ministradas pela Prefeitura Mu-nicipal. 2. Não comprovação da necessidade da segunda dose da vacina conjugada contra Meningococo C, tampouco da efetiva aplicação no menor. Inteligência do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Comprovante de pagamento juntado nos autos, que não tem relação com a ministração da segunda dose da vacina pleiteada. 3. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 9000008-91.2008.8.26.0663 – 5ª CDPúb. – Rel. Marcelo Berthe – DJe 18.01.2016)

3285 – Direito fundamental – saúde – integralidade da assistência – Poder Judiciário – apreciação – possibilidade

“Administrativo. Agravo de instrumento. Agravo legal. Saúde. Direito a medicamento. União. Legitimidade passiva. Integralidade da assistência. Direito à vida. Norma constitucional. Po-der Judiciário. Possibilidade de apreciação da matéria. Dignidade da pessoa humana. Art. 5º, inciso XXXV, CF. Medicamentos necessários à necessidade de cada indivíduo. Obrigação do Estado. Multa cominatória. Agravo legal improvido. O art. 557, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 9.756, de 17 de dezembro de 1998, trouxe inovações ao sistema recursal, com a finalidade de permitir maior celeridade à tramitação dos fei-tos, autorizando o relator, por meio de decisão monocrática, a negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com Súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribu-nal Superior. Ilegitimidade passiva: existência de expressa disposição constitucional sobre o dever de participação da União no financiamento do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198, parágrafo único, da Constituição Federal. Provimento judicial, no sentido de que sejam fornecidos medicamentos aos cidadãos não caracteriza indevida interferência nas atri-buições típicas do Executivo, pois, conforme se infere da questão trazida na exordial, patente a lesão ou ameaça do direito da parte agravada e, para esses casos, muito bem se amolda a previsão contida no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República em vigor, o qual reza: ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Cabe ao Poder Público, obrigatoriamente, zelar pela saúde de todos, disponibilizando, àqueles que precisarem de prestações atinentes à saúde pública, os meios necessários à sua obtenção. O tratamento gratuito deve atingir a todas as necessidades medicamentosas dos pacientes, significando que não só são devidos os remédios e tratamentos padronizados pelo Ministé-rio da Saúde, como todos aqueles que porventura sejam necessários às particularidades de cada um. Restou comprovada a necessidade do tratamento nos autos de origem, existindo laudo médico pericial que atesta a enfermidade e receituário prescrevendo o tratamento, nos exatos termos do pedido. Há nos autos fartos elementos indiciários no sentido da efetividade dos medicamentos pleiteados para o tratamento da Hepatite C, bem como no sentido da

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superioridade destes em relação aos remédios atualmente fornecidos pelo SUS (interfone peguilhado + ribavirina). Incidência de multa é plenamente cabível, nos termos do art. 461 do Código de Processo Civil, e, no caso específico de pedidos de fornecimento de medica-mentos, afigura-se ainda mais recomendável, tendo em vista a relevância dos bens jurídicos tutelados. Não vislumbro qualquer justificativa à reforma da decisão agravada. Agravo legal improvido.” (TRF 3ª R. – AgRg-AI 0015693-77.2015.4.03.0000/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Mônica Nobre – DJe 14.01.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESEConstituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

3286 – Ensino – vaga em universidade pública – critério socioeconômico – avaliação téc-nica – indeferimento – direito líquido e certo – ausência

“Direito administrativo. Ensino superior. Vaga em universidade pública. Lei nº 12.711/2012. Seleção por critério socioeconômico. Indeferimento na avaliação técnica. Direito líquido e certo não comprovado. Ilegalidade indemonstrada. Apelação desprovida. 1. O preenchimen-to de vaga por critério socioeconômico, previsto na Lei nº 12.711/2012 e regulamentado pelo Edital Prograd nº 1, de 06.01.2015, no âmbito da Universidade Federal de São Carlos, exige comprovação de que o candidato frequentou apenas o ensino público e, ainda, que a renda per capita, do grupo familiar, é igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. 2. Tal renda deve ser apurada pela soma dos rendimentos brutos de todos os membros do grupo familiar, considerando, no mínimo, os três meses anteriores à inscrição do candidato no concurso seletivo da instituição de ensino, tendo sido apurado, na espécie, que houve extrapolação da renda per capita exigida para efeito de ingresso em tal vaga, donde a inexistência de ilegalidade e de violação a direito líquido e certo. 3. A alteração da versão dos fatos, após o indeferimento do pedido, objetivando adequar a renda per capita aos limites da legisla-ção, é evidência manifesta de inexistência de violação a direito líquido e certo. 4. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0000678-56.2015.4.03.6115/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 01.02.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEA apelação em tela foi interposta contra sentença denegatória de mandado de segurança im-petrado para reserva de vaga e posterior matrícula definitiva da impetrante, em Curso de Ge-rontologia, em instituição de ensino superior, por meio de utilização do Sistema de Seleção Unificada – Sisu.

Em suas razões, a impetrante, ora apelante, sustenta que tanto a Lei nº 12.711/2012, quanto o edital do vestibular são claros ao definir que o candidato deve ter renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, condição que ela comprovou, logo o indeferimento da matrícula foi ilegal e injusto.

A 3ª Turma do TRF 3ª Região, ao analisar o recurso, afirmou que o edital e a Lei nº 12.711/2012 são claros na definição de critérios de aferição de condição de renda e um deles é o cômputo dos rendimentos deve-se levar em conta, no mínimo, os três meses anteriores à data de inscrição.

Ocorre que a apelante estava trabalhando nos três meses antecedentes à inscrição, fato este que faz com que o salário entre para o cômputo, ultrapassando, assim, o limite estabelecido.

Com base nisso, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença.

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Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] De fato, o edital foi claro na definição dos critérios de aferição da condição de renda de candidatos às vagas de que trata a Lei nº 12.711/2012, dentre os quais o cômputo dos rendi-mentos brutos de todos os membros do grupo familiar, levando-se em conta, no mínimo, os três meses anteriores à data de inscrição.

A inscrição no processo seletivo ocorreu em janeiro/2015, logo o período de cômputo dos ren-dimentos abrangeu os meses de outubro, novembro e dezembro de 2014, no qual a impetrante estava trabalhando, conforme provado por CTPS (fls. 75/6) e holerits (fls. 103/4), razão pela qual tais rendimentos estavam sujeitos a cômputo.

Por outro lado, quanto à formação do grupo familiar, a impetrante declarou, inicialmente, que, na época da matrícula em fevereiro/2015, já estava desempregada e residindo com os avós, mas, após o indeferimento a avaliação do estudo socioeconômico e em seu recurso administrativo (fl. 101), afirmou residir sozinha no período de 09.09.2014 a 03.02.2015, pagando aluguel de R$ 400,00, juntando, para tanto, declaração de Elisandra Rodrigues, emitida em 09.03.2015 (fl. 102).

Como se observa, as informações não são coesas e impedem a real aferição do requisito para a admissibilidade da impetrante na vaga disputada com base na Lei nº 12.711/2012 e Edital Prograd nº 1, de 06.01.2015.

Note-se, a propósito, que a declaração de Elisandra Rodrigues, por si só, não é apta a comprovar a locação de imóvel pela impetrante, sobretudo se verificado que tal informação colide com a própria declaração anterior da mesma impetrante de que, em período coincidente ou abrangido, morava com seus avós, versão somente alterada quando restou indeferida a matrícula na ava-liação socioeconômica.

Não existe, pois, direito líquido e certo demonstrado e tampouco a violação por ato ilegal da au-toridade impetrada, estando, ao contrário, claramente fundamentada a decisão de indeferimento da matrícula, subsidiada em provas e no direito aplicável.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.”

3287 – Políticas públicas – ações afirmativas – cotas – autonomia universitária – exceções subjetivas – criação – Poder Judiciário – impossibilidade

“Administrativo. Ações afirmativas. Política de cotas. Autonomia universitária. Critérios ob-jetivos legais, proporcionais e razoáveis para concorrer a vagas reservadas. Impossibilidade de o Judiciário criar exceções subjetivas. Princípio da segurança jurídica. Recurso improvido. Restou suficientemente esclarecido nos autos que o motivo do indeferimento da matrícula da agravante no curso para o qual logrou aprovação pelo sistema de seleção do Sisu (reserva de vagas) foi a não demonstração de que cursou todo o ensino médio exclusivamente em escola pública, nos termos da Lei nº 12.711, de 29.08.2012. E, nos termos da referida Lei, o sistema de reserva de vagas consiste, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, na reserva de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Nesses termos, a ação foi ajuizada sob o fundamento, em suma, de que embora a agravante não tenha cursado o ensino médio em escola pública, o fez no Sesi, entidade paraestatal sem fins lucrativos, na condição de bolsista integral, de tal forma que atenderia aos requisitos axiológicos para ingresso no ensino superior por meio do sistema de reserva de vagas. Em que pesem os argumentos levantados e a situação da agravante, que mesmo enfrentando situação econômica desfavorável obteve aprovação em concorrido processo seletivo, verifico que a hipótese, em análise sumária e conforme entendimento jurispruden-cial consolidado do C. Superior Tribunal de Justiça, é de indeferimento da tutela antecipada requerida. É que, ao menos por ora, deve prevalecer o entendimento, já remansoso, de que o sistema de reserva de vagas e demais ações afirmativas no seio da universidade fazem parte da autonomia específica prevista no art. 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de tal forma que a exigência de que os candidatos que pleiteiem o ingresso pelo

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sistema de cotas tenham cursado o ensino médio integralmente em instituições públicas é critério objetivo e que, portanto, não comporta exceções, sob pena de inviabilizar o próprio sistema de reserva de vagas. É de se presumir que a agravante, ainda que esteja em situação econômica desfavorecida, não foi tão prejudicada quanto os demais participantes do proces-so seletivo, na modalidade com reserva de vagas, pela baixa qualidade do ensino das escolas públicas. Deferir à agravante o direito de matrícula, in casu, feriria ao princípio da isonomia e colocaria em risco os alicerces da referida ação afirmativa, pois ela teve condições de ensino presumidamente melhores que os demais participantes do vestibular pelo sistema de reserva de vagas, não obstante preencha o requisito financeiro para ingresso. Noutro passo, também é de se presumir que o reconhecimento do direito à vaga à recorrente importa, em última análise, retirá-la de outro vestibulando que tenha cumprido de modo integral os requisitos da lei e do edital e tenha suportado, ao longo de sua vida estudantil, condições ainda mais vulneráveis. Recurso improvido.” (TRF 3ª R. – AI 0015571-64.2015.4.03.0000/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Mônica Nobre – DJe 14.01.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEO agravo de instrumento em epígrafe foi interposto contra decisão que indeferiu a antecipação da tutela pleiteada pela agravante, concluindo que as normas que regulam o sistema de reserva de vagas impõem a realização de ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública e não podem ser interpretadas de maneira extensiva para abranger outras instituições de ensino, sob pena de inviabilizar o fim buscado.

A agravante afirma que cursou todo o ensino fundamental em escola pública e cursou o ensino médio no Sesi, instituição paraestatal sem fins lucrativos, na condição de bolsista integral. Enfatiza que o Sisu tem como objetivo conferir aos alunos de baixa renda o acesso ao ensino superior, sendo devida a interpretação extensiva da norma pra abranger estudantes de compro-vada baixa renda.

Por fim, sustenta que o entendimento firmado pelo juízo a quo afronta o seu direito à educação, bem como o princípio da razoabilidade.

Na análise dos autos, o Relator enfatizou que o critério de reserva de vagas é objetivo e não comporta exceções, sob pena de inviabilizar o próprio sistema de reserva de vagas.

Assim, negou provimento ao agravo, mantendo a decisão na íntegra.

Em seu voto, o Relator citou os seguintes precedentes mencionados na decisão agravada:

“[...] ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO – ALUNO BOLSISTA – SISTEMA DE COTAS – INDEFERIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO – 1. Hipótese em que o Tribunal local decidiu que aquele que frequentou instituição privada de ensino, mesmo na condição de bolsista, não foi prejudicado pela baixa qualidade do ensino das escolas públicas de nível médio e fundamental, razão pelo qual indeferiu o benefício de cotas. 2. Orientação adotada pelo Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência do STJ, de que as normas que regulam o sistema de reserva de vagas e impõem como critério a realização do ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública não podem ser interpretadas extensivamente para abarcar instituições de ensino particulares, sob pena de inviabilizar o fim buscado por meio da ação afirmativa. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg-REsp 1443440/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 20.05.2014, DJe 20.06.2014 – grifei)

ADMINISTRATIVO – AÇÕES AFIRMATIVAS – POLÍTICA DE COTAS – AUTONOMIA UNIVERSI-TÁRIA – FIXAÇÃO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS LEGAIS, PROPORCIONAIS E RAZOÁVEIS PARA CONCORRER A VAGAS RESERVADAS – IMPOSSIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO CRIAR EXCEÇÕES SUBJETIVAS – OBSERVÂNCIA COMPULSÓRIA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA – 1. No caso em tela, conforme premissa de fato fixada pela origem, o estudante cursou quatro disciplinas no ensino médio, modalidade EJA – Educação de Jovens e Adultos, em instituição particular gratuitamente, com o auxílio de bolsa. 2. O Tribunal de origem concluiu não ser razoável enquadrar o recorrente como egresso da rede pública de ensino, uma vez que ‘se o candidato frequentou disciplinas do ensino médio em instituição particular, ainda que gra-tuitamente, não faz jus à matrícula dentro do sistema de cotas para egressos do ensino público’

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(fl. 660). 3. A matéria de fundo já foi objeto de análise por esta Corte Superior de Justiça, fixando entendimento de que a forma de implementação de ações afirmativas no seio de universidade, bem como as normas objetivas de acesso às vagas destinadas à política pública de reparação, fazem parte da autonomia específica prevista no art. 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e que a exigência de que os candidatos a vagas como discentes no regime de cotas ‘tenham realizado o ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública no Brasil’, constante no edital do processo seletivo vestibular, é critério objetivo que não comporta exceção, sob pena de inviabilizar o sistema de cotas proposto. Precedentes: REsp 1328192/RS, Relª Min. Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª REGIÃO), 2ª T., J. 13.11.2012, DJe 23.11.2012; REsp 1254042/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., J. 16.10.2012, DJe 22.10.2012; REsp 1247728/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 07.06.2011, DJe 14.06.2011; REsp 1132476/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 13.10.2009, DJe 21.10.2009. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg-REsp 1314005/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 21.05.2013, DJe 28.05.2013 – grifei)

ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – ENSINO SUPERIOR – COTAS PARA EGRESSOS DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA – IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DOS ALUNOS BENEFICIÁ-RIOS DE PROGRAMA EDUCACIONAL ASSISTENCIAL – 1. Cuida-se de ação civil pública em que se busca afastar restrição de acesso ao sistema de cotas de inclusão social da Universidade Federal do Paraná (UFPR), para ingresso nos cursos de graduação no vestibular do ano de 2008, aos candidatos provenientes de escola particular e beneficiados com bolsa de estudos integral, bem como aos discentes de escolas comunitárias, filantrópicas e confessionais, ainda que manti-das por convênio com o Poder Público. 2. Conforme premissa fática fixada pela Corte de origem, os alunos conveniados (beneficiários de programa educacional assistencial) desfrutaram das mesmas condições dos demais matriculados na escola particular (uso do mesmo espaço físico e comparecimento a aulas ministradas por professores contratados com remuneração correspon-dente ao vencimento do professor PA-1 ou PC-3 do Quadro Próprio do Magistério acrescido de 36% relativos aos encargos sociais e despesas administrativas, tudo ressarcido pelo Poder Públi-co). 3. Esta Corte já consignou que não se pode interpretar extensivamente norma que impõe como critério a realização do ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública para abarcar instituições de ensino de outra espécie, sob pena de inviabilizar o fim buscado por meio da ação afirmativa. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1206619/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 06.12.2011, DJe 13.12.2011 – grifei)

ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – AÇÕES AFIRMATIVAS – POLÍTICA DE COTAS – AU-TONOMIA DAS UNIVERSIDADES – ART. 53 DA LEI Nº 9.394/1996 – PROCESSO SELETIVO DE INGRESSO – IMPOSSIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO CRIAR EXCEÇÕES SUBJETIVAS – PRECEDENTE DA SEGUNDA TURMA – 1. A Segunda Turma, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.132.476/PR, de relatoria do Min. Humberto Martins, firmou enten­dimento que a forma de implementação de ações afirmativas no seio de universidade, bem como as normas objetivas de acesso às vagas destinadas à política pública de reparação, fazem parte da autonomia específica prevista no art. 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Edu­cação Nacional, e que a exigência de que os candidatos a vagas como discentes no regime de cotas ‘tenham realizado o ensino fundamental e médio exclusivamente em escola pública no Brasil’, constante no edital do processo seletivo vestibular, é critério objetivo que não comporta exceção, sob pena de inviabilizar o sistema de cotas proposto. 2. Recurso especial provido. (REsp 1328192/RS, Relª Min. Diva Malerbi (Desembargadora Convocada do TRF 3ª R.), 2ª T., J. 13.11.2012, DJe 23.11.2012 – grifei) [...]”

Penal/Processo Penal

3288 – Atividade criminosa – perdimento de bem – veículo – precedentes

“Administrativo. Processual civil. Processo criminal. Perdimento de bem. Veículo. Impetração contra negativa do juízo ao pedido de devolução. Trânsito em julgado do processo principal. Perda de objeto. Precedentes do STF e do STJ. Ausência de direito líquido e certo. 1. Manda-do de segurança impetrado por terceiro prejudicado contra decisão de magistrado que negou

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o pedido de devolução de veículo apreendido em conjunto com entorpecentes em processo criminal (fl. 40); alega a recorrente que o bem não seria do perpetrador e, sim, de sua genito-ra, bem como que não teria sido usado na atividade criminosa. 2. No caso em tela, ao con-sultar o sistema eletrônico do Tribunal de Justiça (Processo nº 0003999-04.2013.8.26.0196), é de se notar que houve apelação e que, após isso, o feito criminal transitou em julgado, de forma definitiva; assim, a pena de perdimento do bem tornou-se impossível de ser re-vertida por meio do mandado de segurança de terceiro que combatia a negativa do pedido (fl. 40) de devolução do bem apreendido (fls. 19-28), dirigido ao magistrado de piso. 3. A jurisprudência do STJ e do STF consigna que a substituição de uma decisão administrativa precária – como a negativa em devolver provisoriamente um bem apreendido – por outra, de cunho definitivo, induz à perda do objeto. Precedentes do STJ: AgRg-RMS 33.037/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 15.4.2011; e AgRg-RMS 28.794/MT, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 15.06.2009. Precedente do STF: AgR-MS 31.885/MT, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª T., Processo Eletrônico publicado no DJe-155 em 13.08.2014. Recurso or-dinário improvido.” (STJ – RMS 45.713 – SP – (2014/0129314-6) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 10.12.2015)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto com fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

“Mandado de Segurança – Pedido de restituição de veículo – Perdimento determinado em sen-tença condenatória – Ausência de liquidez e certeza do direito invocado – Segurança denegada.”

A recorrente mencionou na petição recursal, que o seu veículo de marca “Gol CL” teria sido apreendido juntamente com drogas.

Argumentou que o veículo não teria relação com a atividade criminosa e, assim, não seria apli-cável o art. 34 da Lei nº 6.368/1976, na redação dada pela Lei nº 9.804/1999.

Consta que o automóvel foi utilizado pelo filho da diarista, preso em flagrante por ter a posse, sem autorização legal, de 113,7 g de crack e 2,5 g de cocaína, supostamente para fins de tráfico. A defesa alegou que o veículo não teria relação com a atividade criminosa e, assim, não seria aplicável o artigo 34 da Lei nº 6.368/1976, na redação dada pela Lei nº 9.804/1999.

A propriedade do veículo não afasta a posse dele pelo alegado criminoso, junto com as drogas apreendidas.

Em seu voto, o relator destacou, ao consultar o sistema eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), notou-se que houve apelação no caso e que, após isso, a ação criminal transitou em julgado, de forma definitiva. Assim, a pena de perdimento do bem tornou-se impossível de ser revertida por meio de mandado de segurança.

A liminar foi indeferida:

“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – IMPETRAÇÃO CONTRA ATO JUDICIAL – TERCEI-RO PREJUDICADO – SÚMULA Nº 202/STJ – POSSIBILIDADE – PROCESSO CRIMINAL – PER-DIMENTO DE BEM – NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PERICULUM IN MORA – PLEITO SATISFATIVO – LIMINAR INDEFERIDA – REMESSA DOS AUTOS AO MPF.”

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.

Vala trazer trecho do voto do relator:

“A jurisprudência do STJ e do STF consigna que a substituição de uma decisão administrativa precária – como a decisão em questão – por outra, de cunho definitivo, induz à perda do objeto.

A propósito:

‘PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MAN-DADO DE SEGURANÇA – NOMEAÇÃO DE INTERVENTOR PARA RESPONDER POR TABE-LIONATO – INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – AFASTAMENTO PREVENTIVO DO TABELIÃO E POSTERIOR FALECIMENTO – INSURGÊNCIA

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DE OFICIAL MAIOR DO CARTÓRIO – EVENTUAL DIREITO DE RESPONDER PELO NOTARIADO – PEDIDO ADMINISTRATIVO DE PROVIDÊNCIAS SOBRE A MESMA QUESTÃO FORMULADO ANTERIORMENTE PERANTE O CONSELHO DA MAGISTRATURA – INDEFERIMENTO DO PE-DIDO AO FUNDAMENTO DE NÃO POSSUIR ATRIBUTOS PARA ASSUMIR O CARGO DE TABE-LIÃO SUBSTITUTO – PERDA DE OBJETO – WRIT PREJUDICADO – PRECEDENTES DO STJ – 1. Agravo interno no qual se discute a ocorrência de perda de objeto do writ. 2. Trata-se, na origem, de mandado de segurança com pedido de liminar contra ato do senhor Vice-Corregedor Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina consubstanciado na nomeação de interventora para responder pelo Cartório de Notas e Ofício de Protestos de Títulos da Comarca de Laguna, SC, em face da ocorrência de indícios de irregularidades no referido Tabelionato, que resultou na instauração de processo disciplinar com o afastamento preventivo do Tabelião, bem como a abertura de outro procedimento investigatório destinado a apurar possível envolvimento do impetrante, sem determinar o seu afastamento da função de Oficial Maior do Cartório, o que, de acordo com o seu entendimento, lhe ensejaria o direito de assumir a titularidade da serventia, nos termos da Lei nº 8.935/1994, que prevê nos casos de ausência do Tabelião o Oficial Maior responderá pelo Tabelionato. 3. A Corte local julgou prejudicado o mandado de segurança ao fundamento de perda do objeto, uma vez que o Conselho de Magistratura apreciou o Pedido de Providências nº 2007.900073-2, formulado pelo próprio impetrante sobre a questão discutida nos autos do mandado de segurança, entendendo Que o requerente não possui os atributos necessários à ocupação do cargo de Tabelião substituto. 4. O ato indicado como coator da lavra do Vice-Corregedor Geral de Justiça deixou de produzir seus efeitos sobre o impetrante, uma vez que a decisão proferida pelo Conselho de Magistratura é que passou a impedir a sua assunção ao cargo pretendido. Precedentes: EDcl-MS 10.222/DF, Relª Min. Laurita Vaz, 3ª S., DJe 14.10.2010; RMS 21.980/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 31.08.2009. 5. Perda de objeto do presente mandamus evidenciada, ainda mais diante do fato de que a eventual tutela à pretensão do impetrante é ineficaz do ponto de vista prático, uma vez que remanesceria a sua impossibilidade de assumir a função vindicada, em face da decisão do Conselho de Magistratura. Precedentes: RMS 20.748/MG, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJ 16.06.2006; EDcl-EDcl-REsp 780.496/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 18.10.2010. 6. Agravo regimental não provido.’ (AgRg-RMS 33.037/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 12.04.2011, DJe 15.04.2011)

‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA – MAGISTRADO – AFASTAMENTO – PRORROGAÇÃO – EXAURIMENTO DO PRAZO – PERDA DO OBJETO – mandado de segurança resta prejudicado, por perda de objeto, porquanto a impetração visa a suspensão de ato que determinara a prorrogação do afastamento do recorrente em processo administrativo disciplinar, por prazo que já se encontra exaurido. Agravo regimental despro-vido.’ (AgRg-RMS 28.794/MT, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., Julgado em 26.05.2009, DJe 15.06.2009)

‘AGRAVO REGIMENTAL – MANDADO DE SEGURANÇA – DECISÃO QUE JULGOU PREJUDICA-DO O WRIT PELA PERDA SUPERVENIENTE DE SEU OBJETO – PEDIDO DE AFASTAMENTO DE ALEGADA DEMORA NA APRECIAÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO PELO CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA – PRETENSÃO INTEGRALMENTE ESVAZIADA COM O EFETIVO JUL-GAMENTO DA PEÇA RECURSAL PELA REFERIDA AUTORIDADE IMPETRADA – PRETENSÃO DE EXAME DA REGULARIDADE DA NOVA DECISÃO PROLATADA INAUGURADA EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL – IMPOSSIBILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO – I – A decisão agravada é clara em demonstrar que a pretensão mandamental exclusiva e especifica-mente deduzida na inicial deste writ – consubstanciada na suposta demora na apreciação do recurso administrativo interposto contra decisão prolatada por Juíza Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça – restou integralmente esvaziada com o efetivo julgamento daquele recurso pelo Corregedor Nacional de Justiça, que lhe negou provimento. II – O que almeja o agravante, em verdade, é inaugurar nova discussão a respeito da legalidade dessa última decisão tomada, a si desfavorável, pretensão esta que extrapola os limites do que deduzido na inicial deste mandamus. III – Agravo regimental a que se nega provimento.’ (AgR-MS 31.885/MT, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª T., Julgado em 25.06.2014, Processo Eletrônico publicado no DJe-155 em 13.08.2014)”

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3289 – Contravenção penal – jogos de azar – configuração

“Processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Não cabimento. Jogo de azar. Contravenção penal. Condenação. Apelação encaminhada ao Tribunal a quo. Nu-lidade. Incompetência absoluta do juízo. Ocorrência. Menor potencial ofensivo. Rito su-maríssimo. Competência da turma recursal dos juizados especiais. Violação dos princípios constitucionais do juiz natural e do devido processo legal. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11.09.2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 01.08.2014 e RHC 117.268/SP, Relª Min. Rosa Weber, DJe de 13.05.2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, DJe de 02.09.2014; HC 297.931/MG, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28.08.2014; HC 293.528/SP, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 04.09.2014 e HC 253.802/MG, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 04.06.2014). II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegali-dade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício. III – O paciente foi condenado pela prática do da contravenção prevista no art. 50, do Decreto-Lei nº 3.688/1941. Interposta apelação, foi ela encaminhada ao eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. IV – Nos termos do art. 61, da Lei nº 9.099/1995, consideram--se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. V – Deveria, portanto, a apelação ter sido julgada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo, o que afrontou os princípios constitucionais do juiz natural e do devido processo legal (Precedentes). Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.” (STJ – HC 331.614 – (2015/0184829-2) – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJe 16.11.2015)

3290 – Crime ambiental – absolvição – uso de documento falso – falsidade ideológica – comprovação – condenação

“Penal. Processo penal. Crime ambiental. Uso de documento falso (art. 304 do CP). Fal-sidade ideológica (art. 299 do CP). Princípio da consunção. Absolvição. Impossibilidade. Reforma da sentença. Dosimetria. 1. Os crimes de falsidade não são absorvidos pelos crimes ambientais na medida em que são autônomos os desígnios e os tipos penais tutelam bens jurídicos absolutamente distintos. Precedentes. 2. A falsificação da ATPF não é pressuposto necessário ao cometimento dos crimes previstos nos arts. 46, parágrafo único, e 69 da Lei nº 9.605/1998. 3. Materialidade e autoria dos delitos do art. 304 c/c art. 299 do Código Penal devidamente comprovadas. 4. Apelação a que se dá provimento para desconstituir a senten-ça absolutória quanto à aplicação do princípio da consunção para o art. 304 c/c art. 299 do Código Penal e condenar os réus por este delito.” (TRF 1ª R. – ACr 2004.39.00.004972-6/PA – Rel. Des. Fed. Ney Bello – DJe 25.01.2016 – p. 1038)

Comentário Editorial SÍnTESEO vertente acórdão trata de recurso de apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Pará, que extinguiu a punibilidade do apelado.

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Trata da tipificação, no autos, do crime previsto nos arts. 68 e 69 da Lei nº 9.605/1998. O relator julgou improcedente a denúncia para absolver o apelado das práticas dos crimes previstos no art. 304 c/c art. 299 do CP, e no art. 1º, IV, da Lei nº 8.137/1990, nos termos do art. 386, III, do CPP.

Consta da denúncia que os réus tentaram comercializar produtos florestais sob aparência de legalidade, mediante a adulteração de conteúdo.

Incorreram em crime ambiental.

Ao julgar o feito, foi extinta a punibilidade em relação ao crime previsto no art. 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/1998, por ocorrência de prescrição, com base no art. 109, caput, V, c/c art. 107, IV, ambos do Código Penal.

No que diz respeito à imputação dos arts. 68 e 69 da lei ambiental, o Juízo declarou a extinção da punibilidade dos acusados pela prescrição, pois ambos cominam pena máxima em abstrato de 3 (três) anos e a prescrição se dá no prazo de 8 (oito) anos (art. 109, IV, do CP), já alcançado desde o último marco interruptivo relativo ao recebimento da denúncia e seu aditamento, nos dias 06.02.2004 e 11.03.2004.

O magistrado a quo aplicou o princípio da consunção dos delitos dos arts. 304 c/c 299 do Códi-go Penal em relação ao art. 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/1998, já prescrito, e entendeu que o crime de falso foi absorvido pelo crime ambiental, porque consiste em crime-meio para o fim pretendido. Quanto ao crime tributário do art. 1º, IV, da Lei nº 8.137/1990, considerou inexistir, nos autos, demonstração de sua ocorrência.

Em razões recursais, o Ministério Público Federal insurge-se somente contra a aplicação do princípio da consunção do crime de falso em relação ao crime ambiental.

Requereu, assim, o regular processamento do feito, sustentando que os tipos penais tutelam bens jurídicos diversos, o que impossibilita a absorção dos crimes, além de que, para o princípio da consunção, os crimes mais graves absorvem os menos graves, e nunca o contrário.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“Nesse sentido:

PENAL – PROCESSUAL PENAL – CRIME AMBIENTAL – USO DE DOCUMENTO FALSO – AU-TORIZAÇÃO PARA TRANSPORTE DE PRODUTO FLORESTAL (ATPF) – PRINCÍPIOS DA CON-SUNÇÃO E ESPECIALIDADE – NÃO APLICAÇÃO – 1. A Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da Primeira Região pacificou os entendimentos divergentes das duas Turmas Criminais da Corte ao assentar a impossibilidade de absorção do crime de falsidade ideológica pelo delito ambiental. (Precedente) 2. A conduta de utilizar Autorização de Transporte de Produto Flores-tal materialmente falsificada para habilitar a venda, comércio, guarda e transporte de produto florestal subsume-se ao art. 304 c/c art. 207, ambos do CP e art. 46 da Lei nº 9.605/1998, o qual está incluído na seção que trata especificamente dos crimes contra a flora. 3. Impos-sibilidade de se imputar ao agente, pela mesma prática, as sanções previstas no art. 69 da Lei Ambiental, o qual tutela genericamente a administração ambiental, ante a inexistência de obstáculo à fiscalização do Ibama. 4. Recurso em sentido estrito parcialmente provido. (RSE 0002725-77.2013.4.01.3900/PA, Relª Desª Fed. Monica Sifuentes, Rel. Conv. Juiz Federal Renato Martins Prates (Conv.), 3ª T., e-DJF1 p. 865 de 08.08.2014)

PENAL E PROCESSUAL PENAL – CRIMES AMBIENTAL E DE FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 46, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.605/1998 E ART. 299 DO CÓDIGO PE-NAL) [...] CRIME DE FALSO E CRIME AMBIENTAL – DELITOS AUTÔNOMOS – INAPLICÁVEL, NO CASO, O PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO [...] III – ‘A aplicação do princípio da consunção pressupõe a existência de um delito como fase de preparação ou execução de outro mais grave, impondo sua absorção. Desse modo, não se pode admitir que o crime de falsidade ideológica, cuja pena abstrata varia de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão (documento público), seja ab-sorvido pelo crime ambiental do art. 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/1998, cuja pena varia de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção. Ademais, no caso, os acusados, supostamente, além de comercializarem madeira sem licença válida para todo o tempo de viagem, inseriram declarações diversas das que deviam constar na Autorização de Transporte de Produto Florestal (ATPF), em prejuízo da atividade fiscalizatória do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, praticando, assim, crimes autônomos, pois um não constitui fase normal de preparação ou execução de outro, bem como tutelam bens jurídicos diversos, de um lado a fé pública e de outro a proteção ao meio ambiente.’ (STJ, REsp 896.312/

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PA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., unânime, DJU de 01.10.2007, p. 364). IV – ‘Não há que se falar, assim, na espécie, na absorção do crime do art. 299 do Código Penal – pelo princípio da consunção –, pelo delito do art. 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/1998, eis que o primeiro não constitui fase normal de preparação ou execução do segundo delito, tutelam eles bens jurídicos diversos – a fé pública e a proteção do meio ambiente –, além de não se poder admitir a absorção do delito mais grave (pena de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, em se tratando de falsidade de documento público) pelo crime ambiental, cuja pena varia de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção.’ (TRF 1ª R., ACr 2003.39.00.014340-5/PA, Relª Desª Fed. Assusete Magalhães, 3ª T., unânime, e-DJF1 de 30.04.2010, p. 65)

[...]

(ACr 0007631-68.2008.4.01.4100/RO, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, 3ª T., e-DJF1 p. 704 de 16.11.2012)

HABEAS CORPUS – ART. 304 DO CP – ATPF FALSA – SOLICITAÇÃO DE CRÉDITO DE MA-DEIRA JUNTO AO IBAMA – ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.605/1998 – CRIME AMBIENTAL COM PENA MAIS LEVE PRESCRITO – NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CON-SUNÇÃO – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DEMONSTRADOS – DILAÇÃO PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – I – Na hipótese, o paciente é acusado da suposta prática do delito tipificado no art. 304 do CP, em virtude da utilização de ATPFs falsas, para solicitar crédito de madeira perante o Ibama. A acusação deixou de ofertar de-núncia quanto ao crime ambiental tipificado no art. 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/1998, sob o fundamento de que estaria prescrito. Persiste a ação penal quanto ao falso, tendo em vista que, conforme já decidiu o STJ, não se pode admitir que o delito ambiental, cuja pena varia de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, absorva o de falsidade ideológica, que prevê pena mais grave, qual seja, 1 (um) a 5 (cinco) anos [...]

(HC 0050548-44.2012.4.01.0000/AP, Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro, 3ª T., e-DJF1 p. 1370 de 31.10.2012)”

Embora reconhecida a extinção da punibilidade em relação ao crime ambiental, não há que se falar em consunção entre o crime de falso e o crime ambiental.

3291 – Crime contra a administração militar – justiça comum – precedentes

“Habeas corpus. Constitucional. Penal militar. Delitos praticados fora de situação de ati-vidade e de local sujeito à administração militar. Competência da justiça comum. Ordem concedida. 1. O crime imputado foi praticado por militar contra militares, porém fora de situação de atividade e de local sujeito à administração militar, o que atrai a competência da Justiça comum. Precedentes. 2. Ordem concedida para confirmar a medida liminar deferida, declarar a incompetência da Justiça Militar para julgar os delitos imputados ao Paciente e determinar a remessa dos autos da Ação Penal Militar nº 0000026-19.2012.7.12.0012 à Justiça comum amazonense.” (STF – HC 131.076 – Amazonas – 2ª T. – Relª Min. Cármen Lúcia – J. 01.12.2015)

3292 – Drogas – natureza equiparada a hediondo – regime fechado – princípio – ofensa

“Recurso especial. Art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Natureza equiparada a crime he-diondo. Acórdão em confronto com a jurisprudência do STJ. Regime inicial fechado. Im-possibilidade de aplicação do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990. Natureza e quantidade de drogas apreendidas. Utilização na primeira e na terceira fase. Impossibilidade. Bis in idem. Ocorrência. Concessão de habeas corpus de ofício. Art. 654, § 2º, do CPP. Recurso especial parcialmente provido e ordem concedida de ofício. 1. Foi pacificado pela Terceira Seção deste Superior Tribunal, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.329.088/RS, con-forme a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil, que ‘a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas, uma vez que a sua incidência não decorre do reconhecimen-

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to de uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do crime’. 2. Reconhecida a inconstitucionalidade do óbice contido no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, o dispositivo não pode ser aplicado para ensejar a fixação do regime inicial fechado ao condenado por tráfico, pois, para estabelecer o regime inicial de cumprimento de pena, deve o julgador avaliar o caso concreto, de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo art. 33 e parágrafos do Código Penal, o que ocorreu na hipótese. 3. A Sex-ta Turma, seguindo a jurisprudência do STF, possui o entendimento de que as circunstâncias relativas à natureza e à quantidade de drogas apreendidas só podem ser usadas, na dosime-tria da pena, ou na primeira ou na terceira fase, sempre de forma não cumulativa, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem. 4. Deve ser concedida ordem de ofício, com fulcro no art. 654, § 2º, do CPP, quando verificado que, no curso do julgamento do recurso espe-cial, a Corte estadual valorou a natureza e a quantidade de drogas apreendidas na primeira e na terceira fase da dosimetria, incorrendo no inadmissível bis in idem. 5. Recurso especial parcialmente provido, para reconhecer o caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico. Ordem concedida de ofício, para que o Juízo de primeiro grau realize nova individualização da pena e utilize a natureza ou a quantidade de drogas apreendidas em somente uma das etapas da dosimetria.” (STJ – REsp 1.309.426 – (2012/0056790-3) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 17.12.2015)

3293 – Execução penal – saídas temporárias – dispositivos constitucionais – violação

“Processual penal. Execução. Saídas temporárias automáticas. Impossibilidade. Violação de dispositivos constitucionais. Análise. Via inadequada. 1. A Terceira Seção desta Corte, no jul-gamento de recursos especiais submetidos ao regime dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento de não ser possível a concessão automática de saídas temporárias no curso da execução penal, devendo o magistrado analisar cada benefício concedido. 2. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça, na via estreita do recurso especial, analisar a suposta violação a artigos e princípios constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF, ainda que para fins de prequestionamento. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.560.655 – (2015/0258571-3) – 5ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 17.12.2015)

3294 – Facilitação de descaminho – materialidade – autoria – ausência de provas – con-denação

“Penal. Processual penal. Apelação do réu. Crime do art. 318, caput, do CP. Facilitação de descaminho. Materialidade e autoria delitivas não comprovadas. Ausência de provas con-cretas da prática do crime. Condenação baseada numa versão de uma testemunha. Versão do apelante plausível. In dubio pro reo. Alegações finais e contrarrazões do parquet pedem absolvição do réu. Apelação do réu provida para absolver a teor do art. 386, VII, do CPP. I – Procedem as alegações do réu: ausência de provas suficientes para comprovar a materia-lidade e a autoria do crime; os fatos objetivos ocorreram, ou seja, William, beneficiado pela suspensão condicional do processo, ao desembarcar no Galeão, se evadiu da área de fiscali-zação, tendo sido reconduzido pelo funcionário Jerônimo; duas malas foram inspecionadas contendo mercadorias para comercialização e outras duas malas foram deixadas na esteira de bagagens e trazidas ao local da Alfândega. II – No entanto, para embasar a condenação do réu, auditor fiscal, a sentença entendeu ser verdadeira a versão da testemunha Marco Aurélio, chefe do réu que, partindo da premissa de que o apelante era corrupto, elaborou uma versão plausível, na qual Roberto seria cúmplice de William. Contudo, não vislumbro provas mais concretas desta versão. O apelante apresenta uma outra versão, também plau-

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sível, de que William teria fugido da fiscalização e foi reconduzido a seu pedido para que fosse efetivada a fiscalização; inclusive, inicialmente, Roberto encontrava-se no aparelho de raio-x e determinou que William levasse as bagagens para a bancada para efetuar a vistoria. III – Sendo assim, entendo que existem ilações e interpretações subjetivas dos fatos que podem estar equivocadas ou não; de qualquer forma, não vislumbro um lastro probatório mínimo para a condenação do réu pelo crime do art. 318, caput, do CP. IV – Apelação do réu provida para reformar a sentença no sentido de sua absolvição, a teor do art. 386, VII, do CPP, por ausência de provas suficientes para embasar uma condenação penal.” (TRF 2ª R. – ACr 2009.51.01.807679-9 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJe 07.12.2015)

Processo Civil e Civil

3295 – Ação declaratória de maternidade socioafetiva – insurgência recursal da autora – condições da ação – teoria da asserção

“Recurso especial. Direito civil e processual civil. Família. Ação declaratória de materni-dade socioafetiva. Instâncias ordinárias que extinguiram o feito, sem resolução do mérito, sob o fundamento de impossibilidade jurídica do pedido. Insurgência recursal da autora. Condições da ação. Teoria da asserção. Pedido que não encontra vedação no ordenamento pátrio. Possibilidade jurídica verificada em tese. Recurso especial provido. Ação declaratória de maternidade ajuizada com base com os laços de afetividade desenvolvidos ao longo da vida (desde os dois dias de idade até o óbito da genitora) com a mãe socioafetiva, visando ao reconhecimento do vínculo de afeto e da maternidade, com a consequente alteração do registro civil de nascimento da autora. 1. O Tribunal de origem julgou antecipadamente a lide, extinguindo o feito, sem resolução do mérito, por ausência de uma das condições da ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido. 1.1 No exame das condições da ação, considera-se juridicamente impossível o pedido, quando este for manifestamente inadmis-sível, em abstrato, pelo ordenamento jurídico. Para se falar em impossibilidade jurídica do pedido, como condição da ação, deve haver vedação legal expressa ao pleito da autora. 2. Não há óbice legal ao pedido de reconhecimento de maternidade com base na socioafeti-vidade. O ordenamento jurídico brasileiro tem reconhecido as relações socioafetivas quando se trata de estado de filiação. 2.1 A discussão relacionada à admissibilidade da maternidade socioafetiva, por diversas vezes, chegou à apreciação desta Corte, oportunidade em que restou demonstrado ser o pedido juridicamente possível e, portanto, passível de análise pelo Poder Judiciário, quando proposto o debate pelos litigantes. 3. In casu, procede a alegada ofensa ao disposto no inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil e ao art. 1.593 do Código Civil, visto que o Tribunal de origem considerou ausente uma das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido), quando, na verdade, o pedido constante da inicial é ple-namente possível, impondo-se a determinação de prosseguimento da demanda. 4. Recurso especial provido, para, reconhecendo a possibilidade jurídica do pedido, determinando-se o retorno dos autos à instância de origem, de modo a viabilizar a constituição da relação jurí-dica processual e instrução probatória, tal como requerido pela parte.” (STJ – REsp 1.291.357 – (2011/0264914-9) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 26.10.2015 – p. 1237)

3296 – Ação monitória – título executivo – possibilidade do credor

“Agravo regimental no recurso especial. Ação monitória lastreada em título executivo. 1. Possibilidade do credor, detentor de título executivo, a seu critério, valer-se da via execu-

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tiva ou da via monitória, desde que não acarrete prejuízo à defesa do devedor. Precedentes das turmas integrantes da Segunda Seção. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. 2. Recurso improvido. 1. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra resso-nância na jurisprudência pacífica das Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte de Justiça, que reputa possível ao credor, detentor de título executivo, valer-se, a seu critério, da via executiva ou da via monitória, desde que não propicie prejuízo à defesa do deve-dor. Convergente o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias com o posicionamento pacífico desta Corte de Justiça, aplica-se à espécie o Enunciado nº 83 da Súmula do STJ. 3. Agravo improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.508.197 – (2014/0340624-0) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1172)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de agravo regimental intentado contra a decisão monocrática proferida por este subscri-tor que negou seguimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA LASTREADA EM TÍTULO EXECUTIVO

1. Possibilidade do credor, detentor de título executivo, a seu critério, valer-se da via executiva ou da via monitória, desde que não acarrete prejuízo à defesa do devedor. Precedentes das turmas integrantes da Segunda Seção. Incidência do Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.

2. Recurso especial a que se nega seguimento.”

Nas razões do presente agravo regimental, a insurgente reiterou a tese de carência da ação por inadequação da via eleita, ao argumento de que o credor, munido de título executivo, não possui interesse para ajuizar ação monitória, devendo-se, por consectário, extingui-la, sem julgamento de mérito.

O STJ negou provimento ao presente agravo regimental.

O relator assim considerou:

“E, in casu, ante a adoção do procedimento monitório pelo credor, ensejando, naturalmente, maior amplitude das matérias de defesa, em tese, a serem aventadas pelo devedor, não ocorren-do qualquer prejuízo a sua defesa.”

Convergente o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias com o posicionamento pacífico desta Corte de Justiça, aplica-se à espécie o Enunciado nº 83 da Súmula do STJ.

Sobre a ação monitória, assim disciplina José Rogério Cruz e Tucci:

“Dedicando-se ao estudo da ação monitória à luz da comparação jurídica, esclarece Perrot que a finalidade de tal instrumento processual é a de superar a inércia do devedor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento sim-ples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia’.

No procedimento monitório não se propicia, de plano, a participação do devedor-réu na constru-ção da decisão liminar que defere o mandado de pagamento. É por esse motivo que se diz que o procedimento em apreço aflora sem contraditório.

Desse modo, a primordial razão de se impor ao demandante a exibição de prova escrita decorre da peculiar estrutura procedimental da ação monitória, dado o escopo de acelerar ao máximo o reconhecimento do direito do credor, visando à formação do título executivo.

A ausência de contraditório na fase inicial do procedimento monitório, e, portanto, a impossi-bilidade para o devedor apresentar imediata contestação ao material probatório produzido pelo demandante, consiste, por outro lado, em fator determinante da dilatação da prudência judicial.

Procurando estabelecer um nexo harmônico entre a finalidade do procedimento monitório e a exigência de prova escrita, observa Marinoni que o legislador parte da premissa de que, existindo documento capaz de revelar a probabilidade do direito alegado pelo autor, o devedor poderá se curvar ao mandado judicial para não experimentar o risco de sucumbir e ser obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios.

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Assim, o requisito da prova escrita ‘nada tem a ver com a instituição de um procedimento semelhante ao do mandado de segurança, em que se exige “direito líquido e certo”, ou prova documental suficiente para demonstrar a afirmação de um fato, exatamente para se construir um verdadeiro procedimento documental, no qual são proibidas as demais provas, ficando assim eliminado o tempo necessário para a sua produção. Quando se almeja dispensar as provas mais elaboradas, que dispendem mais tempo, requer-se prova que seja capaz de demonstrar o fato constitutivo do direito; contudo, quando se exige prova escrita como requisito da ação monitória, parte-se apenas da premissa de que o devedor poderá não apresentar embargos, permitindo ao credor um acesso mais rápido à execução forçada. A prova escrita, justamente porque pode ser associada a outros tipos de prova, não é a prova que deve fazer surgir “direito líquido e certo”, isto é, não é a prova que deve demonstrar, por si só, o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor. A prova escrita relaciona-se apenas a um juízo de probabilidade’.

Para o ajuizamento e consequente admissibilidade da ação monitória, uma vez que a cognição delineia-se exauriente no procedimento dos embargos ao mandado, é suficiente que a prova produzida pelo autor possibilite ao órgão judicante estabelecer um grau elevado de probabilidade da procedência da pretensão deduzida.

Calamandrei, em clássico estudo, explica que aquilo que é provável está além da aparência, uma vez que se encontram reunidos elementos tendentes a acreditar que a alegação do fato corres-ponde à realidade. No entanto – adverte –, esse juízo provisório de probabilidade tem sempre função instrumental e seletiva: considera apenas a prova que, pela verossimilhança do thema probandum, apresenta-se prima facie com uma certa garantia de credibilidade e, portanto, com uma significativa probabilidade de êxito positivo.

Pondera Dinamarco que ‘para tornar admissível o processo monitório o documento há de ser tal que dele se possa razoavelmente inferir a existência do crédito’, devendo necessariamente tratar-se de ‘documento que, sem trazer em si todo o grau de probabilidade que autorizaria a execução forçada (os títulos executivos extrajudiciais expressam esse grau elevadíssimo de pro-babilidade), nem a “certeza” necessária para a sentença de procedência de uma demanda em processo ordinário de conhecimento, alguma probabilidade forneça ao espírito do juiz. Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos’.” (Prova escrita na ação monitória. Disponível em: http://online.sintese.com)

3297 – Alienação fiduciária – busca e apreensão – necessidade de comprovação da mora

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Necessidade de comprovação da mora. Súmula nº 72 do STJ. Requisito não atendido no caso concreto. Notificação extrajudicial que não se destinou ao endereço do devedor. Premissa fática assentada pelo Tribunal a quo. Súmula nº 7 do STJ. Precedentes. Agravo regimental improvido. 1. Nos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto- Lei nº 911/1969, a mora se configura automaticamente quando vencido o prazo para o pa-gamento (mora ex re), mas o deferimento da busca e apreensão tem como pressuposto a comprovação desse fato por meio de notificação extrajudicial do devedor fiduciante. Súmula nº 72 do STJ. 2. Para a comprovação da mora é imprescindível que a notificação extraju-dicial seja encaminhada ao endereço do domicílio do devedor, ainda que seja dispensável a notificação pessoal. Precedentes. 3. Nas hipóteses em que o Tribunal a quo assenta a premissa fática de que a notificação não foi entregue no domicílio do devedor, é impossível modificar-se esse entendimento em recurso especial, para concluir pela comprovação da mora, em atenção ao Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 731.695 – (2015/0149294-1) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1142)

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3298 – Carta rogatória – intimação prévia via postal – aviso de recebimento

“Carta rogatória. Agravo regimental. Intimação prévia feita via postal com aviso de rece-bimento assinado pelo próprio interessado. Devolução dos autos à justiça rogante ante o cumprimento da diligência. I – Na fase de intimação prévia, é enviada ao interessado cópia integral da comissão rogatória. II – No caso, o aviso de recebimento foi assinado pela própria interessada, o que leva à conclusão de que ele tomou conhecimento de todos os termos da rogatória em questão. III – Assim, tendo o interessado tomado conhecimento do processo em trâmite no Juízo rogante, foi consumado o objeto da diligência, não havendo, portanto, necessidade de envio dos autos à Justiça Federal. IV – Precedente: AgRg-CR 9.599/EX, Rela-tor o Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, Julgado em 03.06.2015, DJe de 12.06.2015. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CR 9.861 – (2015/0062995-7) – C.Esp. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 18.12.2015 – p. 937)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de carta rogatória pela qual a Justiça italiana solicita que a interessada seja intimada para comparecimento à audiência designada para o dia 22.09.2015, em ação de usucapião em trâmite na Corte de Apelo de Gênova, segundo o texto rogatório.

Devidamente intimada com aviso de recebimento, o qual foi por ela assinado, a interessada permaneceu inerte.

A Defensoria Pública da União, nomeada para atuar como curadora especial da interessada, nos termos do art. 216-R do RI/STJ, não se opôs à concessão do exequatur.

O Ministério Público Federal opinou pela devolução imediata da rogatória, porquanto esta já teria cumprido seu desiderato.

Em decisão acostada, foi proferida decisão que, com fundamento nos arts. 216-O, caput, e 216-X do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, concedeu o exequatur e determi-nou a devolução dos autos à Justiça rogante, ante o cumprimento da diligência.

Inconformada, a Defensoria Pública da União, na qualidade de curadora especial da interessada, apresentou agravo regimental, sustentando, em síntese, a necessidade de envio dos autos à Justiça Federal para o cumprimento da diligência solicitada pelo Juízo rogante.

Para tanto, defendeu que a intimação prévia da interessada teve como finalidade tão somente a impugnação da regularidade da carta rogatória, ao tempo que a intimação por Oficial de Justiça é a efetivação do ato solicitado pela autoridade estrangeira. Ao final, requer a reconsideração da decisão agravada e a determinação do envio da carta rogatória à Justiça Federal a fim de que se proceda à formal citação da interessada para contestar a demanda.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

O art. 210 do Código de Processo Civil estabelece:

“Art. 210. A carta rogatória obedecerá, quanto à sua admissibilidade e modo de seu cum-primento, ao disposto na convenção internacional; à falta desta, será remetida à autoridade judiciária estrangeira, por via diplomática, depois de traduzida para a língua do país em que há de praticar-se o ato.”

Oportuno colacionar julgados:

“Carta rogatória. Agravo regimental. Alegada ausência de autenticidade dos documentos. Co-missão que tramitou pela autoridade central. Apontada violação à ordem pública e à soberania nacional. Citação. Ato de comunicação processual. A comissão tramitou pela autoridade central brasileira, o que confere aos documentos a necessária autenticidade. Ademais, está devidamen-te instruída e objetiva a citação da interessada, ato de comunicação processual no qual não se vislumbra violação da ordem pública nem da soberania nacional, uma vez que permite à interessada a apresentação de defesa perante a Justiça rogante. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg-CR 4.971, (2010/0082998-7), C.Esp., Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 23.02.2012, p. 441)

“Carta rogatória. Agravo regimental. Alegada prescrição da pretensão punitiva. Matéria que não se insere no exercício do juízo meramente delibatório. Em razão do juízo meramente delibató-

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������179

rio, na concessão do exequatur não cabe a esta Corte examinar questões referentes ao mérito da ação ajuizada no exterior. A prescrição da pretensão punitiva não está indicada como um dos motivos para a recusa do auxílio, conforme o disposto no art. 3º do Decreto nº 1.320, de 1994. Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal vigente entre o Brasil e Portugal. Dispõe o art. 1º, nº 4, do referido tratado, que o auxílio independe da extradição e pode ser concedido nos casos em que aquela seria recusada. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg-CR 4.707, (2010/0035345-8), C.Esp., Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 23.02.2012, p. 440)

“Carta rogatória. Agravo regimental. Aplicação dos arts. 214, § 1º, do Código de Processo Civil e 13, § 3º, da Resolução nº 9, de 2005, do STJ. Precedentes desta Corte. Questões referentes ao mérito da ação ajuizada no exterior. Remessa à análise da Justiça rogante. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é dispensável a remessa da carta rogatória à Justiça Federal, após a concessão do exequatur, quando a parte interessada é considerada citada em razão do com-parecimento aos autos para apresentar impugnação. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg--CR 5.709, (2011/0058448-0), C.Esp., Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 01.02.2012, p. 526) (Disponíveis em: online.sintese.com)

3299 – Contrato de participação financeira – ações da CRT – falta de impugnação espe-cífica

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Civil. Contrato de participação financei-ra. Ações da CRT. Falta de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada. Art. 544, § 4º, I, do CPC. Agravo improvido. 1. A parte agravante deve impugnar, especifi-camente, os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não conhecimento do agravo, consoante o disposto no art. 544, § 4º, inciso I, do CPC. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 708.601 – (2015/0100358-2) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 23.10.2015 – p. 1075)

3300 – Dano material – ação de indenização – falsificação de endosso – responsabilidade da instituição bancária – inexistência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos mate-riais. Falsificação de endosso. Responsabilidade da instituição bancária. Inexistência. Dever que se restringe à verificação da regularidade formal da cadeia de endossos ( Lei do Cheque, Lei nº 7.357/1985, art. 39). Agravo não provido. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o estabelecimento bancário não está obrigado a verificar a autenticidade das assinaturas dos endossantes, mas apenas a regularidade formal da cadeia de endossos. 2. Não estando a instituição financeira obrigada a fazer a conferência da assinatura, também não tem o dever de verificar a existência de procuração em nome do outorgado e muito menos quais poderes tinham sido conferidos pelo autor. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 310.201 – (2013/0065695-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 26.10.2015 – p. 1185)

3301 – Dano moral – ação de indenização – falecimento da filha e irmã dos autores – atropelamento em linha férrea – redução do valor – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos morais. Falecimento da filha e irmã dos autores, respectivamente, em decorrência de atropelamento em linha férrea. 1. Redução do valor da indenização. Impossibilidade. Quantum fixado com observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 2. Juros de mora. Termo inicial. Data do evento danoso. Súmula nº 54/STJ. Recurso desprovido. 1. Trata-se de ação de indenização por danos morais decorrentes do falecimento da filha e irmã dos autores,

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respectivamente, vítima de atropelamento por composição férrea, caso em que a indeniza-ção por danos morais fixada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um dos 5 (cinco) autores não pode ser considerada exagerada, ainda que observada a existência de culpa concorrente, bem como o longo período, de quase 20 (vinte) anos, entre a data do acidente e o ajuizamento da ação. 2. Na hipótese de responsabilidade extracontratual, os juros de mora são devidos desde a data do evento danoso (óbito), nos termos da Súmula nº 54 deste Tribunal. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 734.076 – (2015/0151239-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.10.2015 – p. 1144)

Trabalhista/Previdenciário

3302 – Acidente do trabalho – morte do empregado – culpa concorrente – reconheci-mento – efeitos

“Acidente de trabalho. Morte do empregado. Culpa concorrente. Comprovado nos autos que tanto o empregado quanto o empregador contribuíram para a ocorrência do acidente fatal, deve ser reconhecida a culpa concorrente e levada em consideração tal situação para a fixação das indenizações a título de danos morais e materiais. Recurso da reclamada parcial-mente provido. Dano material. Pensionamento. Pagamento em parcela única. Considerando que o pagamento da pensão mensal em parcela única beneficiará os autores, gerando ganho de capital, reputa-se justo e razoável a aplicação de um percentual redutor sobre o valor da condenação. Recurso da reclamada provido no particular.” (TRT 24ª R. – RO 0000250-28.2014.5.24.0041 – Rel. Des. Marcio V. Thibau de Almeida – DJe 28.10.2015 – p. 163)

3303 – Acordo coletivo de trabalho – cláusula de incentivo à continuidade – previsão de redução da multa do FGTS e supressão do aviso-prévio – invalidade

“1. Cláusula de incentivo à continuidade. Previsão de redução da multa do FGTS e supressão do aviso-prévio. Invalidade da norma. A norma coletiva que prevê a redução do valor da multa indenizatória incidente sobre o FGTS e a supressão do aviso-prévio, em caso de de-missão de trabalhadores que laboram em empresas prestadoras de serviços terceirizados, sob a alegação de incentivo à continuidade do contrato de trabalho, viola direitos trabalhistas. A transferência aos trabalhadores do risco empresarial das prestadoras de serviços e dos prejuí-zos causados quando o contrato de prestação de serviços não é renovado com a tomadora implica em afronta ao princípio insculpido no art. 7º, inciso XXVI da CF. Dessarte, neces-sário reconhecer a invalidade da cláusula. 2. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.” (TRT 10ª R. – RO 0000556-10.2014.5.10.0001 – Rel. Juiz Gilberto Augusto Leitão Martins – DJe 30.10.2015 – p. 167)

3304 – Aposentadoria especial – EPI – permanência na atividade após a implantação do benefício – possibilidade

“Previdenciário. Atividade especial. Uso de EPI. Concessão de aposentadoria especial. Per-manência na atividade especial após a implantação do benefício. Possibilidade. Tutela es-pecífica. 1. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 2. Possível afastar o enquadramento da ati-

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������181

vidade especial somente quando comprovada a efetiva utilização de equipamentos de pro-teção individual que elidam a insalubridade. A exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. 3. Demonstrado o tempo de serviço especial por 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade exercida pelo segurado e a carência, é devida à parte autora a aposentadoria especial, nos termos da Lei nº 8.213/1991. 4. Reconhecida a inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da LBPS pela Corte Especial deste Tribunal, resta assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar e/ou restabelecer o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).” (TRF 4ª R. – Ap-RN 0012781-27.2013.4.04.9999/RS – 6ª T. – Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira – DJe 16.10.2015 – p. 45)

3305 – Aposentadoria por invalidez – limitações leves – ausência de incapacidade labo-rativa – benefício indevido

“Agravo legal. Previdenciário. Auxílio-doença. Aposentadoria por invalidez. Limitações le-ves. Ausência de incapacidade laborativa. Preexistência da doença. Filiação tardia. Qua-lidade de segurado não demonstrada. Recurso não provido. A Lei nº 8.213/1991, em seu art. 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da carência, quando exi-gida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos arts. 59 a 63 da Lei nº 8.213/1991, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária. Nota-se que as restrições funcionais decorrentes das patologias diagnosticadas na perícia judicial impõem leve restrição às atividades que a parte autora já exerceu nos últimos anos e não a impedem de executar toda e qualquer atividade laborativa, havendo à sua disposição diversas espécies de trabalho a serem exercidas que não exijam o desempenho das funções para as quais está atualmente limitada. Assim, encontrando-se a parte autora apta para exercer suas funções habituais, com leve limitação, não há como considerá-la incapacitada para o trabalho. Entre-tanto, ainda que se entendesse que o grau da incapacidade parcial e permanente constatada nos autos tivesse o condão de ensejar a concessão do benefício, não resta demonstrada a qualidade de segurado. As informações constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS demonstram que a parte autora exerceu atividade remunerada abrangida pelo Regime Geral da Previdência Social nos períodos de 06.02.1986 a 24.08.1986 (faxineira) e 04.05.2004 a 06.08.2004 (auxiliar de costureira), bem como verteu recolhimentos como segurado facultativo entre 03/2009 a 02/2010 (Código 1473 Facultativo – Opção: Aposenta-doria apenas por idade – art. 80 da LC 123, de 14.12.2006 – Recolhimento Mensal – NIT/PIS/Pasep). De sua vez, o perito judicial não logrou delimitar as datas de início das doenças e da incapacidade, limitando-se a afirmar que, segundo relato da parte autora, as dores em coluna teriam começado há 3 (três) anos da data da realização da perícia (quando teria parado de trabalhar), o que remonta a 23.10.2009. Em audiência realizada aos 21.10.2013, os depoi-mentos testemunhais referem que as doenças e a incapacidade laboral teriam se iniciado, um ‘há 3 anos’, e o outro, ‘há 4 anos’. Assim, é crível concluir que as doenças e a incapacidade

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eclodiram, pelo menos, em meados de 2008/2009, em razão do seu caráter degenerativo e progressivo. Na hipótese, padece a parte autora de doenças/lesões de doenças degenerativas que surgem com o passar dos anos. Levando em conta que, após o recolhimento de apenas 11 (onze) contribuições, reingressou ao sistema em 2009, contando com quase 52 anos, na qualidade de contribuinte facultativo, efetuando somente 12 (doze) contribuições, forçoso concluir que a incapacidade já se manifestara e que a parte Autora filiara-se novamente com o fim de obter a aposentadoria por invalidez. Logo, ainda que se reconhecesse demonstrada a incapacidade laborativa apta a ensejar a concessão dos benefícios, por se tratar de doença preexistente e considerando que a parte autora não detinha a qualidade de segurada no momento do surgimento da incapacidade para o trabalho, torna-se despicienda a análise da carência. Agravo legal não provido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0006206-59.2015.4.03.9999/SP – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Domingues – DJe 29.10.2015 – p. 1652)

3306 – Coisa julgada – interposição de ação rescisória – via adequada

“Coisa julgada. Desconstituição. Meio próprio. Ação rescisória. A desconstituição da senten-ça transitada em julgado somente pode ser apreciada pela via da ação rescisória. Arts. 836 da CLT e 485 do CPC. Súmulas nºs 259 e 412 do c. TST.” (TRT 15ª R. – Ap 0324900-87.2009.5.15.0010 – (56801/2015) – Rel. Luiz Antonio Lazarim – DJe 29.10.2015 – p. 2178)

Comentário Editorial SÍnTESEO cerne da controvérsia girou em torno da desconstituição da coisa julgada por interposição de ação rescisória.

O legislador limitou-se a definir a coisa julgada no seguinte preceito legal do CPC:

“Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

Verifica-se que a coisa julgada é tipicamente relacionada ao processo de conhecimento, objetiva-do à definitividade e indiscutibilidade ao elemento declaratório da sentença de mérito.

O Mestre Gustavo Filipe Barbosa Garcia leciona:

“Como a eficácia preclusiva integra, de forma indissociável, o instituto mais amplo da coisa julgada, pode-se concluir ter aquela por fundamento normativo a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXVI.

No âmbito infraconstitucional, o art. 474 do Código de Processo Civil é que dá os seus deline-amentos.

Sabe-se que a sentença tem por requisitos essenciais o relatório, a fundamentação e o disposi-tivo (art. 458, I, II, e III, do CPC).

A coisa julgada material é a qualidade referente à imutabilidade dos efeitos da sentença, que, no entanto, somente abrange o seu dispositivo (art. 469 do CPC).

A fundamentação não faz coisa julgada; o ali constante não adquire imutabilidade, podendo existir decisão judicial, nesse aspecto, em sentido diverso.” (Coisa julgada: novos enfoques. São Paulo: Método, 2007. p. 19)

3307 – Comissão de conciliação prévia – acordo – pagamento parcelado das verbas res-cisórias – hipótese de admissibilidade

“Comissão intersindical de conciliação prévia. Acordo. Verbas rescisórias. Pagamento par-celado. Validade. Vício de consentimento não comprovado. Goza de validade termo de conciliação firmado nos moldes do art. 625-E da CLT, para pagamento parcelado das verbas rescisórias, quando não demonstrada e/ou comprovada a ocorrência de vício de consenti-mento do trabalhador.” (TRT 15ª R. – RO 0001685-64.2013.5.15.0092 – (52653/2015) – Rel. Luiz Antonio Lazarim – DJe 02.10.2015 – p. 1294)

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3308 – Participação nos lucros e resultados – desligamento do empregado antes do tér-mino do ano-base – pagamento proporcional

“Participação nos lucros e resultados. Desligamento do empregado antes do término do ano--base. Direito proporcional aos meses trabalhados. A participação nos lucros e resultados é devida de forma proporcional relativamente ao ano no qual houve a dispensa do empregado, sendo discriminatória a norma coletiva que estabelece restrição em sentido contrário, por-quanto o trabalhador, ainda que desligado anteriormente ao término do ano-base, também contribuiu com o seu trabalho para os lucros e os resultados alcançados. Adoção da Súmula nº 451 do TST. Recurso ordinário da reclamada desprovido.” (TRT 4ª R. – RO 0001195-28.2012.5.04.0013 – 7ª T. – Rel. Des. Wilson Carvalho Dias – DJe 15.10.2015)

3309 – Prescrição – acidente do trabalho – ciência inequívoca da lesão ocorrida após a entrada em vigor da EC 45/2004 – efeitos

“Prescrição. Acidente do trabalho. Ciência inequívoca da lesão ocorrida após a entrada em vigor da EC 45/2004. O prazo de prescrição aplicável nas ações de indenização por danos decorrentes de acidente do trabalho, segundo entendimento da jurisprudência pacificada do TST, depende da verificação da data em que ocorrido tal acidente, se antes ou depois da entrada em vigor da EC 45/2004 (31.12.2004), que alterou a competência para julgamento deste tipo de ação para a Justiça do Trabalho. Por segurança jurídica, resguarda-se a aplica-ção do prazo prescricional previsto na legislação civil para as hipóteses de acidentes ocor-ridos antes da alteração de competência. Já para os casos de acidentes ocorridos após esse marco, aplica-se a prescrição trabalhista prevista no art. 7º, inc. XXIX, da Constituição Fe-deral. No caso, o reclamante tomou ciência inequívoca da lesão ortopédica (Súmula nº 278 do STJ) após a entrada em vigor da EC 45/2004, sendo aplicáveis os prazos prescricionais trabalhistas previstos no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal.” (TRT 4ª R. – RO 0000429-02.2014.5.04.0531 – 7ª T. – Rel. Juiz Conv. Manuel Cid Jardon – DJe 15.10.2015)

Tributário

3310 – Contribuição previdenciária – incidência sobre férias gozadas, salário-maternida-de e adicionais de horas extras e transferência – direito à compensação – Súmula nº 211/STJ – configuração

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Tributário. Contribuição previden-ciária a cargo da empresa. Regime geral da previdência social. Incidência sobre as seguintes verbas. Férias gozadas, salário-maternidade e adicionais de horas extras e transferência. Di-reito à compensação com outros tributos administrados pela SRF. Ausência de prequestiona-mento. Súmula nº 211/STJ. 1. O pagamento de férias gozadas possui natureza remuneratória e salarial, nos termos do art. 148 da CLT, e integra o salário-de-contribuição (AgRg-EAREsp 138.628/AC, 1ª S., Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 18.08.2014; AgRg-EREsp 1.355.594/PB, 1ª S., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 17.09.2014). 2. A Primeira Seção/STJ, ao apreciar o REsp 1.230.957/RS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 18.03.2014), aplicando a sistemática prevista no art. 543-C do CPC, pacificou orientação no sentido de que incide contribuição previdenciária (RGPS) sobre o salário-maternidade. 3. A Primeira Seção/STJ, ao apreciar o REsp 1.358.281/SP (Rel. Min. Herman Benjamin, Sessão Ordinária

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de 23.04.2014), aplicando a sistemática prevista no art. 543-C do CPC, pacificou orientação no sentido de que incide contribuição previdenciária (RGPS) sobre as horas extras (Infor-mativo nº 540/STJ). 4. A orientação do Superior Tribunal de Justiça, em casos análogos, firmou-se no sentido de que o adicional de transferência possui natureza salarial, conforme firme jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, pois, da leitura do § 3º do art. 463 da CLT, extrai-se que a transferência do empregado é um direito do empregador, sendo que do exercício regular desse direito decorre para o empregado transferido, em contrapartida, o di-reito de receber o correspondente adicional de transferência (REsp 1.217.238/MG, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 03.02.2011; AgRg-REsp 1.432.886/RS, 2ª T., Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 11.04.2014). 5. ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo’ (Súmula nº 211/STJ). 6. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.566.395 – (2015/0287290-0) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 18.12.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO caso em tela trata de agravo regimental contra decisão monocrática assim ementada:

“PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDEN-CIÁRIA A CARGO DA EMPRESA – REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – INCIDÊNCIA SOBRE AS SEGUINTES VERBAS – FÉRIAS GOZADAS, SALÁRIO-MATERNIDADE E ADICIONAIS DE HORAS EXTRAS E TRANSFERÊNCIA – DIREITO À COMPENSAÇÃO COM OUTROS TRI-BUTOS ADMINISTRADOS PELA SRF – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.”

O agravante, por sua vez, pugna pelo reconhecimento do prequestionamento da matéria relativa ao direito à compensação do valor pago a título de contribuição previdenciária indevidamente exigida sobre as verbas de natureza indenizatória.

Afirmou que não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de salário--maternidade, férias gozadas e adicionais de horas extras e transferência.

Requer a reconsideração da decisão ou apreciação colegiada da controvérsia.

Assim, em seu voto, o nobre Relator entendeu:

“[...]

Quanto à alegação de que não incide contribuição previdenciária sobre o valor correspondente às férias gozadas, cumpre esclarecer que o acórdão proferido nos autos do REsp 1.322.945/DF (1ª S., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 08.03.2013) foi objeto de sucessivos embargos de declaração, sendo os segundos embargos apresentados pela Fazenda Nacional acolhidos para determinar a incidência de contribuição previdenciária sobre as férias gozadas, nos termos do voto apresentado pelo Ministro Mauro Campbell Marques (que foi designado Re-lator para acórdão, em Sessão Ordinária de 25.02.2015), do qual se destaca o seguinte excerto:

[...] 2. Embargos opostos pela Fazenda Nacional.

De início, cumpre registrar que pende de discussão no presente feito apenas a incidência de contribuição previdenciária sobre as férias gozadas. Como bem observado pelo Ministro Relator, é certo que a orientação desta Corte é pacífica no sentido de que ‘os Embargos Declaratórios não constituem instrumento adequado para a rediscussão da matéria de mérito, tampouco, ante a ausência de omissão, obscuridade ou contradição, para o prequestionamento com vista à inter-posição de Recurso Extraordinário’ (EDcl-EREsp 878.579/RS, Corte Especial, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 26.09.2014).

Contudo, no presente caso, entendo haver razões que justificam o acolhimento dos presentes embargos.

De início, destaco que o julgamento (colegiado) do recurso especial da empresa ocorreu em 27 de fevereiro de 2013. Entretanto, na Sessão Ordinária anterior (ocorrida em 4 de fevereiro), houve cancelamento do pregão, tendo o Ministro Presidente da Primeira Seção/STJ (na ocasião, o Ministro Castro Meira) se pronunciado nos seguintes termos:

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O Sr. Ministro Castro Meira (Presidente): Fica cancelado o pregão. O feito fica adiado até o final do julgamento do recurso repetitivo. Isso seria na sessão seguinte ao final do julgamento, porque não podemos prever, e o advogado não pode ficar em dúvida quando irá fazer a sustentação oral.

[...] O Sr. Ministro Castro Meira (Presidente): Srs. Ministros, fica adiado o julgamento deste processo, por indicação do Sr. Ministro Relator, até o final do julgamento do recurso repetitivo.

O ‘recurso repetitivo’ mencionado é o REsp 1.230.957/RS, cujo julgamento foi com a venia do Ministro Relator, em razão do que foi proclamado na Sessão Ordinária ocorrida em 4 de fevereiro de 2013, não era possível o julgamento do presente recurso especial no dia 27 seguinte, ocasião em que compareceu para fazer sustentação oral apenas o advogado da empresa. Ressalte-se que, nos termos em que foi proclamado o adiamento, não se mostrava adequado exigir o com-parecimento dos patronos das partes na Sessão de 27 de fevereiro de 2013, pois, como bem observado pela Fazenda Nacional nos embargos de declaração de fls. 739/756:

E no que isso importa? Importa, Ministros, que a União (Fazenda Nacional) tinha a legítima expectativa de ver esse presente feito julgado apenas depois de julgado o Recurso Especial nº 1.230.957/RS. E por que?

Primeiro porque o citado REsp 1.230.957/RS foi afetado à sistemática do art. 543-C, o que significa, por imposição da Resolução STJ nº 8/2008, que todos os feitos cuja discussão seja a mesma lá enfrentada devem ficar suspensos.

[...] Não bastasse isso, e mesmo que a despeito disso, a própria Primeira Seção do STJ registrou, em sessão pública realizada no dia 04.02.2013, após apregoar e iniciar a discussão do presente Recurso Especial, o adiamento deste feito até que se ultimasse o julgamento do mencionado recurso repetitivo. Esse pronunciamento, cioso da importância do art. 543-C do CPC e da Re-solução STJ nº 08/2008, foi feito na mesma sessão em que a Primeira Seção iniciou, mas não finalizou, o julgamento do citado repetitivo.

Diante do pronunciamento do órgão julgador em 04.02.2013, tinha a União (Fazenda Nacional) a legítima expectativa de ver este Recurso Especial julgado apenas após o repetitivo. No entanto, apesar de ainda não julgado o repetitivo, a Primeira Seção julgou o presente recurso especial.

Por tais razões, em princípio, a anulação do julgamento do recurso especial caracteriza-se como medida necessária ao restabelecimento da regularidade do presente feito. Contudo, como a questão não foi suscitada (no presente momento) em nenhum dos embargos, passo ao exame da questão de mérito.

Por outro lado, entendo que é necessária a reforma do acórdão embargado para que a contri-buição previdenciária incida sobre as férias gozadas, sobretudo para se preservar a segurança jurídica.

A despeito do acórdão proferido quando do julgamento do presente recurso especial, verifica-se que ambas as Turmas que integram a Primeira Seção/STJ mantiveram firme o entendimento acerca da incidência de contribuição previdenciária no caso.

Assim, não obstante o precedente, em recentes julgados – que ratificam o entendimento clássico desta Corte –, ambas as Turmas da Primeira Seção/STJ têm entendido que o pagamento de férias gozadas possui natureza remuneratória e salarial, nos termos do art. 148 da CLT, e integra o salário-de-contribuição. Nesse sentido: AgRg-EREsp 1.355.594/PB, 1ª S., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 17.09.2014; EAREsp 138.628/AC, 1ª S., Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 18.08.2014.

O próprio Ministro Relator pronunciou-se, recentemente, no sentido de que: Pacífico o entendimento no sentido da incidência da referida contribuição sobre férias gozadas (EDcl-REsp 1.238.789/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJe 11.06.2014, AgRg-REsp 1.437.562/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., concluído em 5 de março de 2014, DJe 11.06.2014 e AgRg-REsp 1.441.572/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 24.06.2014). (AgRg-EDcl-REsp 1.202.553/PR, 1ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 03.09.2014)

Neste último precedente, observo, em consulta ao sistema de informações processuais desta Corte, que houve a interposição de embargos de divergência (ainda não distribuídos), cujo aresto paradigma é o acórdão proferido no julgamento do presente recurso especial.

Nesse contexto, com a venia do Ministro Relator, não me parece razoável obstar a reforma do julgado, em razão da ‘natureza recursal dos Declaratórios’, em flagrante ofensa ao princípio da

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segurança jurídica. Impende destacar que esta Corte autoriza, excepcionalmente, o acolhimento de embargos de declaração para novo pronunciamento sobre o mérito da controvérsia.

A título meramente exemplificativo, registro a existência de precedentes no sentido de que ‘mesmo quando não estão presentes as hipóteses previstas no art. 535 do CPC, é possível, excepcionalmente, acolher os embargos de declaratórios com efeitos modificativos, a fim de se adequar o julgamento da matéria ao que restou definido pela Corte no âmbito dos recursos repetitivos’, tendo em vista que ‘o precedente jurisprudencial submetido ao rito do art. 543-C é dotado de carga valorativa qualificada’ (EDcl-EDcl-EDcl-EDcl-REsp 790.318/RS, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 25.05.02010; EDcl-EDcl-AgRg-Ag 1.106.395/RS, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 13.06.2012).

No caso, embora não haja recurso repetitivo determinando a incidência de contribuição previden-ciária sobre as férias gozadas, mostra-se necessário preservar a segurança jurídica, evitando-se a manutenção de um único precedente desta Seção, cujo entendimento está em descompasso com os inúmeros precedentes das Turmas que a compõem, bem como em flagrante divergência com o entendimento prevalente entre os Ministros que atualmente a integram.

[...]

Ressalte-se que tal entendimento – no sentido de que o pagamento de férias gozadas possui natureza remuneratória e salarial, nos termos do art. 148 da CLT, e integra o salário-de-con-tribuição – está em consonância com a orientação da Primeira Seção/STJ e das Turmas que a integram.

[...]

Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto.”

Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo regimental.

3311 – Contribuição previdenciária – lançamento – decadência – pagamento antecipado – inexistência

“Processual civil. Agravo legal. CPC, art. 557, § 1º. Aplicabilidade. Contribuições previden-ciárias. Lançamento. Decadência. Prazo. Termo inicial. Inexistência de pagamento antecipa-do. Art. 173, I, do CTN. Recolhimento a menor. Art. 150, § 4º, do CTN. Aplicação cumula-tiva dos prazos previstos nos arts. 150, § 4º, e 173, do CTN. Impossibilidade. Contribuições. Fato gerador do mês de dezembro. Termo inicial. 1º de janeiro do ano subsequente. 1. A utilização do agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC, deve enfrentar a fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve demonstrar que não é caso de recurso manifestamente inad-missível, improcedente, prejudicado ou em confronto com Súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. 2. O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 8, definindo a aplicabilidade do prazo quinquenal para o lançamento de contribuições previdenciárias, à vista da incons-titucionalidade do art. 45 da Lei nº 8.212/1991. Na hipótese de não haver pagamento pelo contribuinte, o termo inicial do prazo decadencial para o lançamento de ofício do tributo é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (CTN, art. 173, I), em conformidade com o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil (STJ, REsp 973733, Rel. Min. Luiz Fux, J. 12.08.2009). À luz da jurisprudência predominante dos Tribunais Superiores, conclui-se ser aplicável o prazo decadencial de cinco anos para o lançamento de ofício das contribui-ções sociais não recolhidas pelo contribuinte a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele que o lançamento deveria ter sido efetuado (CTN, art. 173, I). Entretanto, caso tenha ocorrido o pagamento antecipado de parte da contribuição, a contagem do prazo deca-dencial inicia-se do fato gerador, conforme previsto no art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional (STJ, REsp 1033444, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 03.08.2010; AgRg--REsp 672356, Rel. Min. Humberto Martins, J. 04.02.2010). Não prospera a tese de aplicação conjunta do art. 150, § 4º, com o art. 173, I, ambos do Código Tributário Nacional, para gerar

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o prazo decadencial de dez anos (STJ, AgRg-EDcl-AgRg-REsp 1117884, Rel. Min. Humberto Martins, J. 05.08.2010; REsp 1033444, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 03.08.2010). 3. Em relação aos fatos geradores ocorridos no mês de dezembro, o prazo decadencial conta--se a partir de do dia 1º de janeiro no ano subsequente, que é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (CTN, art. 173, I). Com a ocorrência do fato gerador (dezembro), nasce, ex lege, a obrigação tributária e, a partir desse momento, pode ser efetuado a constituição do crédito tributário dela decorrente por meio do lançamento (STJ, REsp 857.614, Rel. Min. Luiz Fux, J. 04.03.2008; REsp 200802267092, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 17.03.2009; TRF 3ª R., AI 200903000368557, Relª Desª Fed. Vesna Kolmar, J. 05.10.2010). 4. Verifica-se que houve a decadência em relação aos fatos geradores relativos à 08.88, 11.89, 02.90, 03.90 até 06.90 e 12.91, pois a constituição do crédito tributário ocorreu em 10.04.1997 (fl. 325), após o transcurso do prazo quinque-nal. 5. Agravo legal não provido.” (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 0002036-40.2001.4.03.6182/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. André Nekatschalow – DJe 27.01.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESE• Código Tributário Nacional:

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atri-bua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade admi-nistrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

[...]

§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

[...] Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.”

• Código de Processo Civil:

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribu-nal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurispru-dência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.”

3312 – Contribuição previdenciária – SAT/RAT e a terceiros – terço constitucional de férias – aviso-prévio indenizado – auxílio-doença ou acidente – não incidência

“Agravo legal. Tributário. Contribuição previdenciária, SAT/RAT e a terceiros. Terço consti-tucional de férias, aviso-prévio indenizado e auxílio-doença ou acidente (primeiros quinze dias de afastamento). Não incidência. 1. Não incide contribuição previdenciária sobre verbas de natureza indenizatória: terço constitucional de férias, aviso-prévio indenizado e auxílio--doença ou acidente (primeiros quinze dias de afastamento). 2. Com relação à incidência das contribuições destinadas a terceiras entidades (Sistema ‘S’, Incra e salário-educação) sobre as verbas declinadas, verifica-se da análise das legislações que regem os institutos – art. 240 da CF (Sistema ‘S’); art. 15 da Lei nº 9.424/1996 (salário-educação) e Lei nº 2.613/1955 (Incra) – que possuem base de cálculo coincidentes com a das contribuições previdenciárias (folha de salários). 3. Agravo legal improvido.” (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 0001160-20.2014.4.03.6121/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini – DJe 14.12.2015)

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3313 – Denúncia espontânea – art. 138 do CTN – inocorrência – taxa Selic – aplicabili-dade

“Tributário. Ação ordinária. Denúncia espontânea. Art. 138 do CTN. Inocorrência. Multa de mora. Taxa Selic. Aplicabilidade. Legalidade. 1. O art. 138 do CTN determina a exclusão das penalidades ante a confissão espontânea do tributo, acompanhada do respectivo pagamento, o qual deve ser integral. Não havendo pagamento, resta afastada a possibilidade de reconhe-cimento da denúncia espontânea. 2. Não há qualquer ilegalidade na aplicação da multa em comento, no percentual de 20%, porquanto de acordo com os dispositivos legais aplicáveis à hipótese (art. 61, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.430/1996). 3. O Supremo Tribunal Federal tem ad-mitido a redução de multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória. No caso, a multa fixada não tem caráter confiscatório, atendendo às suas finalidades educativas e de repressão da conduta infratora. 4. A taxa Selic tem incidência nos débitos tributários, por força da Lei nº 9.065/1995. É pací-fica a orientação do STJ no sentido de que o art. 161, § 1º, do CTN, autoriza a previsão por lei diversa dos juros moratórios, o que permite a adoção da taxa Selic, não existindo qualquer vício na sua incidência.” (TRF 4ª R. – AC 0016795-83.2015.4.04.9999/RS – 2ª T. – Rel. Juiz Fed. João Batista Lazzari – DJe 26.01.2016)

3314 – ICMS – exclusão da base de cálculo – PIS/Cofins – precedentes

“Direito processual civil. Tributário. Agravo inominado. Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Liminar. Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Desprovimento do recurso. 1. Encontra-se, atualmente, consolidada a jurisprudência da Suprema Corte, a quem cabe o exame definitivo da matéria constitucional, no sentido da inconstitucionali-dade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, conforme RE 240.785, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 16.12.2014. 2. Cabe acrescentar que a orientação no plano constitucional foi adotada, recentemente, no julgado do Superior Tribunal de Justiça, em que se afastou, inclusive, a incidência das respectivas Súmulas nºs 68 e 94. 3. Agravo inominado desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-AI 0026477-16.2015.4.03.0000/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 26.01.2016)

3315 – IPI – pessoa física – importação de veículo – uso próprio – princípio da não cumu-latividade – aplicabilidade

“Constitucional e tributário. IPI. Pessoa física. Importação de veículo para uso próprio. Princí-pio da não cumulatividade. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido da inexigibilidade de IPI na importação de veículo automotor, por pessoa física, para uso pró-prio, e da aplicabilidade do princípio da não cumulatividade (RE 550.170-AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., J. 07.06.2011, DJe 04.08.2011, entre outros). 2. Precedentes deste Tribunal. 3. Apelação a que se dá provimento para conceder a segurança.” (TRF 3ª R. – AC 0009064-45.2014.4.03.6104/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 26.01.2016)

3316 – IR – benefícios recebidos de entidade de previdência privada – vigência no perío-do de 01.01.1989 a 31.12.1995 – inocorrência

“Agravo de instrumento. Tributário. Mandado de segurança. Imposto de renda sobre benefí-cios recebidos de entidade de previdência privada. Regime da Lei nº 7.713/1988. Vigência no período de 01.01.1989 a 31.12.1995. Não ocorrência de bis in idem para os contri-buintes que se aposentaram antes da Lei nº 7.713/1988. Agravo de instrumento desprovido.

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1. Cuida-se, como visto, de agravo de instrumento, objetivando reformar a decisão (cópia às fls. 525-529), proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 2002.51.01.001935-8, em fase de cumprimento de sentença, por meio da qual o douto Juízo a quo determinou a con-versão em renda dos valores depositados pelos agravantes. 2. Entendeu o magistrado a quo que a decisão, transitada em julgado, determinou que a não incidência do imposto de renda sobre o benefício de complementação de aposentadoria dar-se-ia de forma proporcional às contribuições efetuadas para a formação do fundo de entidade de previdência privada, entre janeiro de 1989 e dezembro de 1995 (período de vigência do regime da Lei nº 7.713/1988), o que não se aplicaria aos agravantes, uma vez que se aposentaram antes de janeiro de 1989. 3. Os recorrentes alegam, em síntese, que a coisa julgada não criou restrições; E que a regra tributária que vedava a possibilidade de dedução ou abatimento vigente no período de 1989 a 1995 era aplicada a ativos e inativos. 4. O Superior Tribunal de Justiça tem precedentes no sentido de que aqueles que se aposentaram antes do regime da Lei nº 7.713/1988, mesmo continuando a verter contribuições, continuaram gozando da isenção correspondente aos seus benefícios durante todo o período de vigência do regime da Lei nº 7.713/1988, não ocorrendo, portanto, o alegado bis in idem. 5. Agravo de instrumento desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 2010.02.01.005204-6 – (187801) – 4ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Sandra Chalu Barbosa – DJe 28.01.2016)

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 190-204, mar-abr 2016

Seção Especial – Teorias e Estudos Científicos

A Resistência à Efetivação dos Direitos Fundamentais no Brasil

GREThA LEITE mAIAProfessora Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

Submissão: 07.05.2015Decisão Editorial: 07.12.2015Comunicação ao Autor: 07.12.2015

RESUMO: O presente artigo busca identificar as causas da resistência à efetivação de direitos fun‑damentais no Brasil. Objetiva realçar aspectos que têm sido secundarizados nos estudos jurídicos dos direitos fundamentais. Inicialmente se propõe a um resgate das interpretações do Brasil, numa tarefa voltada para a compreensão da formação da sociedade brasileira. Em seguida, examina a contribuição do dirigismo enquanto proposta de condução das questões entre o Estado e a ordem econômica e financeira. Tem como principais referências bibliográficas os estudos dos intérpretes do Brasil e de Bercovici e Massonetto. O estudo tem, assim, um viés sociológico e um viés político, que são suportes imprescindíveis para a compreensão jurídica dos direitos fundamentais.

PALAVRAS‑CHAVE: Direitos fundamentais; efetivação; obstáculos.

ABSTRACT: This article seeks to identify the causes of resistance to the effectiveness of fundamental rights in Brazil. It aims to highlight aspects that have been overlooked in legal studies of fundamental rights. Initially it proposes a research of sociological interpretations of Brazil, attempting to unders‑tand the Brazilian society formation. After, it examines the economic dirigisme as a contribution to equalize conflicts between the State and the economic and financial order. Its main references are the sociological interpretations of Brazil and also Bercovici and Massonetto law and economics studies. This article has a sociological and political approach, which are the essential supports to the legal understanding of the fundamental rights.

KEYWORDS: Fundamental rights; effectiveness; obstruction.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direitos fundamentais: o que significa a fundamentalidade de um direito?; 2 O desafio da efetivação dos direitos fundamentais no Brasil em múltiplas perspectivas: do olhar sociológico à justificação econômica; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

Questões de definição e efetividade dos direitos fundamentais ocupam a agenda de pesquisas jurídicas de maneira prevalente, no Brasil, nas últimas dé-cadas. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, inicialmente nos programas de pós-graduação, a teoria dos direitos fundamentais e a hermenêu-tica constitucional são conteúdos obrigatórios, e alguns estudos já se referem às

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falhas e omissões de algumas abordagens, denunciando o limite que, às vezes, têm as teorias diante de uma resistência (velha ou nova) à efetivação dos direitos fundamentais1. Segundo Streck (2011, p. 81), a Constituição Federal de 1988, rica em direitos fundamentais, não encontrou, no pensamento jurídico brasilei-ro, uma teoria constitucional adequada às demandas de um novo paradigma jurídico, por isso “essas carências jogaram os juristas brasileiros nos braços das teorias alienígenas. Consequentemente, as recepções dessas teorias foram reali-zadas, no mais das vezes, de modo acrítico [...]”.

O objetivo deste estudo é propor algumas questões para revisitar o tema dos direitos fundamentais e especificamente apontar algumas destas discussões ausentes. A compreensão do tema “resistência à efetivação de direitos funda-mentais” somente é possível na perspectiva ampliada das teorias políticas. É inviável pensar sobre direitos fundamentais sem uma compreensão de como se relacionam Estado e sociedade no Brasil. Inicialmente, foram buscados os estudos sociológicos sobre a formação do Brasil contemporâneo, resgatando a contribuição dos assim chamados “intérpretes do Brasil”. Em seguida, foi feita uma investigação na proposta do dirigismo, ou constituição dirigente, orien-tada para equacionar as relações entre Estado e sistema econômico (e sistema financeiro), por meio de um pacto constitucional. Com isso, foram realçados aspectos que, por vezes, são secundarizados nas discussões sobre efetivação de direitos fundamentais no Brasil.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS: O QUE SIGNIFICA A FUNDAMENTALIDADE DE UM DIREITO?

A compreensão do significado da adjetivação de fundamental a um di-reito requer que se examinem noções radicais, construídas na modernidade para definir as relações entre Estado e indivíduo/sociedade. A própria noção de indivíduo, assim como a consolidação do Estado, é resultado de um processo histórico complexo e multifacetado, sendo a “era do indivíduo”, de acordo com Goyard-Favre (1999, p. 78), “bem sintomática do pensamento moderno”. Para fins deste trabalho, por Estado designa-se a organização burocrática de uma es-trutura que avoca para si o poder de mando, superando outros núcleos de poder como a Igreja, a nobreza, a realeza e as cidades2. A impessoalidade garante a esse corpo burocrático a sua permanência, sua longa duração.

No estudo do Direito, o estudo do Estado sempre envolve a dicção de seus três elementos constitutivos: o povo, o território e o governo3. O aspecto

1 Cf. GRAU, Eros Roberto. Porque tenho medo dos juízes – A interpretação/aplicação do direito e dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2013.

2 Cf. CREVELD, Martin Van. Ascensão e declínio do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2004.3 Cf. STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan. Ciência política e teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2010.

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da territorialidade, identificado na marcação da fronteirização entre espaços físicos, terá menos relevância para este trabalho. Importa ressaltar a existência de um poder centralizado e com pretensões de legitimação (governo) e de um povo, ou elemento humano, componente da relação de hierarquização defini-dora de uma estrutura de poder. Na busca de definir o que significa a funda-mentalidade de um direito, não bastaria, portanto, defini-lo como um direito de natureza essencialmente política porque regulador das relações entre Estado e indivíduo. É preciso reafirmar que a consolidação do Estado demandou o reconhecimento de que a estabilidade das relações de poder era o objetivo das sociedades politicamente organizadas, construindo-se um discurso legitimador do poder do Estado. Há muitas teorias que exploram essa origem do Estado, destacando-se aquelas que se referem à necessidade do modo de produção ca-pitalista de estabilizar a ordem social e política para garantir o funcionamento de um determinado modo de produção e circulação de riquezas. Igualmente existem aquelas que se referem à necessidade da garantia à liberdade religiosa, especialmente na Europa após a reforma luterana do século XVI. O fato é que o mundo no qual vivemos não pode prescindir de considerar a existência do Estado como o fenômeno político de maior relevância e impacto quando das considerações sobre as formas humanas de convivência. Ressalte-se que, ao se adotar neste estudo a proposta de Creveld (2004) quanto a uma ascensão do Estado, também se reconhece que o Estado ainda não superou plenamente ou-tras formas de poder que lhe são concorrentes. As religiões exercidas de forma burocrática e hierarquizada e as grandes corporações e oligopólios financeiros são (ainda e talvez sempre) centros de poder capazes de rivalizar com o Estado democrático, laico e burocrático.

Considerando que este estudo é em parte uma busca de respostas para a questão da resistência à efetivação de direitos fundamentais, seria razoável não perder de vista a questão de quem resiste à efetivação de direitos fundamentais e quem pretende efetivá-los. Por isso é bom lembrar que mesmo o Estado mais bem intencionado do ponto de vista interno (relações governo-povo), do ponto de vista externo esse mesmo Estado poderá enfrentar interesses que atravessam a geopolítica mundial, nas relações entre Estados, entre Estados e corporações internacionais e entre Estados e organizações religiosas que possuem profun-da influência no comportamento de seus rebanhos. Do ponto de vista interno, ademais, é nas relações constituídas entre o Estado e o indivíduo (povo) que se radica a questão da efetivação dos direitos fundamentais. Quem resiste à efeti-vação de direitos fundamentais do ponto de vista interno? No embate político dos grupos sociais que formam a sociedade brasileira, quem tem conseguido fazer prevalecer seus interesses?

A razão de ressaltar a importância de entender o Estado como o maior fenômeno de exercício de poder é que, sem tal dimensionamento, resta im-

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possível entender a importância da afirmação de existência de direitos ditos fundamentais. Mas não lhe assegura ainda a compreensão completa. Há um entrelaçamento de outras formas para constituir o que somos enquanto socieda-de moderna (ou pós-moderna). Duas dessas formas são as noções de indivíduo e de direito tal como as conhecemos hoje, estando ou não o vocábulo direito acompanhado de adjetivações como subjetivo ou fundamental.

O indivíduo é a unidade apartada do todo. A vida comunitária que ca-racterizou a Europa medieval, cristã, feudal e agrária é estraçalhada em múl-tiplas unidades, que terão a capacidade de se identificar por si mesmo, numa “multidão de átomos individuais” (Goyard-Favre, 1999, p. 79). Os indivíduos relacionam-se entre si e esses vínculos passaram a ter um caráter novo: são vínculos jurídicos, isto é, garantidos por este novo e vitorioso centro de poder, o Estado. São formuladas categorias do Direito moderno, como os conceitos de fato jurídico, ato jurídico, relação jurídica e negócio jurídico, especialmente na doutrina civilista alemã do século XIX, objetivando descrever o direito como vínculo entre partes iguais. A noção de direito subjetivo e de sujeito de direito, desconhecidas até o final da idade média, são fórmulas na e para a moderni-dade jurídica: a ideia de indivíduo, no discurso jurídico, assume a noção de sujeito de direito. Simultaneamente, o indivíduo adquire também a capacidade de se relacionar com este ente igualmente recém-consolidado, o Estado. Estado e indivíduo podem relacionar-se sem mediadores. Do ponto de vista teórico, a definição de direitos fundamentais parte, primeiro, da noção de direito como uma situação particular da pessoa em relação ao ordenamento jurídico, que o faz titular de uma pretensão de exigir de outra uma determinada conduta, inde-pendente de sua adesão. E o que torna possível a adjetivação de fundamental a um direito?

Muitos teóricos debruçaram-se sobre a locução direito fundamental. Como ressaltam Miranda (1993) e Dimoulis e Martins (2012), são muitas as expressões correspondentes. Dos últimos autores, tome-se a seguinte (2012, p. 40): direitos fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (física ou jurídica) contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual. Analisando esse conceito, tem-se como peças centrais a ideia de direito público-subjetivo, ou seja, constituída na relação indivíduo-Estado, e a ideia de Constituição como a sede da sua anunciação, ou seja, a sua contenção em dispositivos constitu-cionais torna a Constituição o documento que sela esse pacto político-jurídico entre Estado e indivíduos (que se constituem enquanto povo). A partir daí, a própria conceituação de constituição pode ser a de documento que sedia os direitos fundamentais. A ideia de um caráter normativo supremo determina sua natureza prescritiva, que estabelece um dever de observação e efetivação. Por

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fim, também é peça central do conceito a nota distintiva de sua finalidade na ideia de limite do exercício do poder estatal em face da liberdade individual. Assim são, teoricamente, dois valores em tensão: a necessidade de reconhecer a existência de um poder estatal e, com isso, uma relação de hierarquização legítima (poder como dominação consentida) e o reconhecimento da liberdade individual.

Destacados os núcleos desse conceito, tem-se duas unidades (opostas): limite (para o exercício do poder pelo Estado) e liberdade (para os indivíduos). Até aqui, destacou-se a teoria dita liberal dos direitos fundamentais, de forma alguma menos ou mais importante do que a teoria social dos direitos fundamen-tais. Não há razão para compará-las em termos de importância e não há utili-dade alguma em hierarquizá-las, assim como a distinção direito de liberdade e direito de prestação talvez também não tenha sentido. Direitos são garantidos. O que importa é verificar as possibilidades do conceito para uma definição do que é um direito fundamental social: ou o conceito é insuficiente ou os direi-tos sociais não são direitos fundamentais. Em todo caso, é examinado o modo como historicamente se estabeleceram as relações Estado-indivíduo/sociedade que uma resposta pode ser formulada.

A condição de fundamentalidade dos direitos sociais, sua constitucio-nalização, sua inserção junto ao rol de compromissos do Estado brasileiro, faz parte das lutas políticas do século XX. Convém lembrar que foram nas lutas po-líticas que os direitos sociais se efetivaram ou não, embora enunciados constitu-cionalmente. A questão tem matizes de paradoxo: esses bens da vida são objeto de políticas de Estado ou políticas de governo no Brasil? Se forem considerados como políticas de Estado, não importaria qual o grupo político no governo, pois o compromisso é constitucional, e tal situação levaria a um esvaziamento do campo político. Seria o fim da história? Mas, se forem políticas de governo, a importância da escolha do grupo político que governará e que, portanto, será o gestor de verbas e políticas públicas torna-se primordial, reconfigurando a importância do campo político.

Resgatar a dimensão política da efetivação de direitos é a questão central da discussão sobre direitos fundamentais, individuais ou sociais. Em ambos os casos, é possível falar de uma resistência à efetivação dos direitos fundamen-tais no Brasil. Mas essa resistência somente pode ser entendida por meio de uma imersão na construção da relação indivíduo-Estado e sociedade-Estado no Brasil, uma vez que a fundamentalidade de um direito diz respeito à relação política fundadora do próprio Estado e à construção das categorias indivíduo e sociedade no Brasil.

Antes de iniciar esse estudo específico, convém ressaltar que o conceito de Direito, durante quase todo o século XX no Brasil, foi apresentado aos estu-

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dantes por meio de um discurso apologético, ligado a valores como Justiça, e, portanto acima de críticas e desconstruções. Essa forma de conceber o Direito impedia a compreensão de que havia resistência à efetivação de um direito. É apenas na arena da política que se pode compreender o âmago das questões ligadas a direitos e privilégios, à efetivação e à resistência, à universalização de direitos e à restrição ou exclusão de direitos. É preciso lembrar sempre que o Direito é um produto, resultado de um jogo de interesses que se dá no campo das lutas políticas e que faz prevalecer interesses de parte do grande conjunto de grupos sociais que compõem uma sociedade política. Desse mosaico de interesses prevalecerão, sob a forma de mandamentos jurídicos, aqueles que favorecerem os grupos que melhor se articularem no campo das lutas políticas.

As grandes revoluções modernas anunciavam a transformação de uma era de privilégios em uma era de direitos. O sucesso ou insucesso dos direitos fundamentais são, portanto, determinados pela construção das relações indiví-duo-Estado-sociedade, e também pela forma como essa mesma sociedade se estratifica, se estrutura, se organiza, se entende. E aqui se chega ao Brasil e seus muitos problemas.

2 O DESAFIO DA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL EM MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS: DO OLHAR SOCIOLÓGICO À JUSTIFICAÇÃO ECONÔMICA

Uma discussão acerca da velha e da nova resistência à efetivação dos di-reitos fundamentais no Brasil admite múltiplas perspectivas. Sob o olhar socio-lógico, o que dizem de nós os nossos intérpretes? Como o discurso econômico justifica a concessão de direitos a uns e a outros não? Essas são as duas questões para as quais se buscam respostas.

Os intérpretes do Brasil notabilizaram-se em certo período da história do Brasil, entre a proclamação da República e o desenvolvimento mais pleno da Universidade, a partir da década de 30 do século XX. Antes da proclamação da República, pode-se dizer que o Império foi o período no qual se inventou o Brasil, por meio da criação de referências nacionais. A partir dos anos 30, a universidade vai mudar o padrão de reflexão sobre o país, fazendo desaparecer uma historiografia romântica do nosso passado para trazer estudos mais rigoro-sos. Nessa passagem, estão os ensaístas, cujo pensamento se fez marcante nesse intervalo de tempo. Destacam-se quatro entre os mais referenciados: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Raymundo Faoro.

Inicialmente, ressalte-se que pensadores como Oliveira Vianna já cons-tatavam que, desde o Império, havia uma aceitação quanto à “realidade das coisas” na tensão entre liberais e conservadores. O Estado brasileiro, durante o Império, não desejava controlar os potentados locais, o que permitiria criar uma ordem burguesa: “O realismo dos conservadores vincula-se à sua aceitação da

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ordem social então existente, na qual a escravidão era o fato dominante”, en-quanto “os liberais, mesmo quando bastante avançados, eram incapazes de realmente questionar as bases da sociedade imperial”, restando ausente uma necessária crítica radical ao trabalho servil (Ricupero, 2008, p. 40). Ademais, mesmo entre os grupos de homens livres, o ideal liberal de direitos entre iguais não prevalecia, pois essas classes preferiam relacionar-se por meio do favor, numa ordem na qual se preferia à exceção à universalidade e o privilégio à igualdade. A facilidade com que as teorias raciais se instalaram no discurso da intelectualidade brasileira nas décadas seguintes à emancipação da mão de obra escrava demonstram que o preconceito racial esteve utilitariamente pos-to para evitar a ascensão social dos mestiços, conforme assinalam Schwarcz (1993) e Sevcenko (1985).

Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda certamente merecem estar na lista dos autores que nos fizeram entender o Brasil. Casa grande e senzala, de Freyre, é um dos livros que mais teve influência na formação da autoimagem do brasileiro. Freyre (2005) empreende uma tentativa de abandonar o conceito de raça (já fortemente inoculado no pensamento brasileiro) pelo conceito de cultura em sua análise sobre a família patriarcal brasileira. A técnica do uso de pares antagônicos (que em Freyre não chegam a se tocar) caiu no gosto do brasileiro, que prefere se ver como uma democracia social, uma “zona de con-fraternização entre vencedores e vencidos” (Ricupero, 2008, p. 84). Segundo Mota (2010, p. 183), Freyre foi um autor que “defendeu a possibilidade de con-ciliação entre etnias diversas e mesmo antagônicas, e também entre capital e trabalho”. Essa tese tem sido denunciada por esvaziar as contradições e manter os conflitos encobertos, deixando assim senhores e escravos permanecerem nos seus lugares. A comunicação entre esses mundos se fez por meio do compadrio, da proteção patriarcal, numa sociedade que se aproxima mais da estrutura de clientes da Roma antiga do que as sociedades de classes burguesas, de onde emanam os direitos subjetivos, incluindo os direitos fundamentais. Mas Freyre também contribui para denunciar a impossibilidade da elite brasileira de ser a protagonista das mudanças sociais, o que determina, em boa parte, o papel do Estado brasileiro como o agente propulsor responsável por essas intervenções.

Em Raízes do Brasil, um dos aspectos ressaltados por Holanda (1995) é a cultura da personalidade, um sentimento da própria dignidade de cada ho-mem. Entretanto, o historiador e crítico literário apressa-se em explicar que esse legado da cultura ibérica é antes uma ética de fidalgos em relação a vilões, na qual cada homem considerava-se superior ao outro e não como seu igual. Somando-se a ausência de uma ética ligada ao trabalho, são os valores de uma aristocracia que se instalam na nascente sociedade brasileira. A “mentalidade cordial” identificada por Holanda em seu ensaio é denunciada como “uma so-ciabilidade apenas aparente”, como ressalta Cândido (1995, p. 17), que, na ver-

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dade, “não se impõe ao indivíduo e não exerce efeito positivo na estruturação de uma ordem coletiva”.

Caio prado Jr. é um intelectual com uma atuação política igualmente destacada. Suas teses ressaltam o atraso histórico do Brasil, uma vez que restava ainda incompleta a passagem de colônia à nação. Segundo Prado Jr. (2007, p. 12), “os problemas brasileiros de hoje, os fundamentais, já estavam definidos e postos em equação há 150 anos atrás”. Para entender o Brasil de hoje, Prado Jr., em seu Formação do Brasil contemporâneo, destaca a colonização de explo-ração – em oposição à colonização de povoamento – para explicar a ausência de uma ética do trabalho na colonização e na sociedade brasileira. Prevalece um pessimismo que denuncia a ausência inclusive de uma sociedade ordenada, denunciando uma permanente instabilidade e corrupção entre dirigentes leigos e eclesiásticos, na qual o trabalho é considerado uma atividade pejorativa e desabonadora. Segundo Ricupero (2008), para Caio Prado Jr., a estrutura social, a organização política e as formas culturais, todas, se subordinariam à grande exploração.

Raymundo Faoro é um dos últimos intérpretes do Brasil. Os donos do Poder, de Faoro (2005), contribuiu com o conceito de estamento burocrático. Por meio desse conceito, identifica-se a ocupação das instituições burocráticas do Estado brasileiro e seu funcionamento sob a lógica do patriarcalismo, com o estabelecimento de monopólios e privilégios. Para Faoro (2005, p. 107), o estamento configura o governo de uma minoria: “Poucos dirigem, controlam e infundem seus padrões de conduta a muitos”. O estamento burocrático, como ressalta Recupero (2008, p. 163), é o proprietário da própria soberania: “O apa-recimento do estamento burocrático, no interior do patrimonialismo, seria o principal veículo para que se realizasse a cisão entre Estado e nação”. Essa categoria foi importante referência na identificação do Estado patrimonialista brasileiro e “seus mecanismos de cooptação, conciliação, debilidade político--ideológica dos partidos e, como resultado, a corrupção como modo de vida” (Mota, 2010, p. 143). É no estamento que se processa a mistura do público e do privado, tantas vezes denunciada pelos intérpretes do Brasil.

São, portanto, o legado dessas grandes narrativas de explicação do Brasil o argumento da subordinação colonial, da mistura de raças, do padrão lusita-no, do patrimonialismo. Uma oposição entre iberismo e americanismo, entre o cristianismo católico e o cristianismo dos protestantes. Do fato de termos sido o único reino das Américas e nosso gosto por reverências e distinções (privilé-gios?). O peso da duração secular da forma de mão de obra escrava da popula-ção africana, distinguíveis por padrões étnicos. A denúncia da ausência de um pensamento político brasileiro, decorrente da condição e não-autonomia do país. Até mesmo os valores do liberalismo político, no Brasil, seriam, portanto, ideias fora do lugar. Assim, fala-se de que quando se fala de direitos no Brasil?

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Em que momento histórico esse povo substituiu o discurso dos privilégios pelo discurso dos direitos (universais)? Qual é o evento simbólico dessa tomada de decisão? A lição do olhar sociológico, portanto, é a compreensão de uma socie-dade estratificada (não uma sociedade de classes), em que cada segmento está (e deve continuar) no seu lugar, com leis específicas para reger cada conjunto desses cidadãos. Leis penais para quem? Garantias processuais para quando quem estiver em juízo? Leis para proteger a propriedade para quem tem. E quem não tem? Como efetivar direitos trabalhistas em um país no qual a mão de obra escrava perdurou por três séculos, cristalizando uma mentalidade quanto aos lugares ocupados na relação de produção?

O Estado brasileiro, segundo Carvalho (2003), sempre foi visto pelas eli-tes, especialmente as decaídas, como um empregador generoso e como o apa-relho repressor suficiente para assegurar as suas conquistas. Assim, sob o ponto de vista sociológico, há uma resistência à efetivação dos direitos fundamentais porque a sua afirmação e implementação exigem certa vinculação Estado-indi-víduo e demandam uma universalização que a própria sociedade brasileira ain-da não entende como constitutiva e radical. É possível até mesmo questionar se este legado, isto é, a identificação dessas condições específicas na constituição da sociedade brasileira, não terminou por contribuir para a formação de uma autoimagem. O modo como aprendemos a nos conceber autoriza a manuten-ção de um padrão ou incentiva a ruptura com esse ciclo, que se movimenta por meio de elementos como o favor, o compadrio, o jeitinho, a corrupção, os atalhos, as ilegalidades? No tocante aos direitos fundamentais individuais, por-tanto, a ausência de uma ordem social fundada entre iguais perante um Estado limitado em suas funções sustenta as disfunções no que se refere à efetivação de direitos no Brasil.

Por outro lado, o discurso econômico é utilizado com mais frequência ao se investigar a efetivação dos direitos fundamentais sociais. Não que a efeti-vação dos direitos individuais não tenha um custo. Mas, de forma equivocada, tradicionalmente eles se identificam com garantias de não intervenção, ou de liberdade, e geralmente não são imputados como direitos cujos custos compro-metam sua efetivação. É no discurso sobre os direitos fundamentais “de pres-tação” que os aspectos econômicos são mais realçados. E, de fato, os direitos sociais exigem uma concepção de solidariedade social, pois imprimem custos coletivos. Universalizar o acesso a direitos como moradia, educação e saúde re-almente tem um custo. Somente por meio de um pacto social e político o Estado brasileiro poderia finalmente fazer cumprir uma meta de universalização. Para completar essa análise, será examinada a relação entre a Constituição, a ordem econômica e a ordem financeira, conforme as lições de Bercovici e Massonetto (2006).

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Bercovici e Massonetto (2006) identificam, dentro do que seria uma constituição total, a constituição política, a constituição econômica e a cons-tituição financeira. Os autores denunciam a indiferença entre o direito consti-tucional e o direito financeiro como resultado de uma ação deliberada, decor-rente da hegemonia das tendências neoliberais, resultando no que os autores chamam de constituição dirigente invertida. Tomando como base a afirmação da expansão financeira do capital no sistema mundial, afirmam também a reto-mada do arcabouço jurídico liberal do século XIX. Assim, “o direito financeiro, desarticulando-se do direito econômico, ganha centralidade na organização do capitalismo, impondo a rigidez dos instrumentos financeiros às boas intenções do constitucionalismo econômico do século XX” (Bercovici; Massonetto, 2006, p. 4). É no direito financeiro que se incorporam as tensões e as contradições da relação entre o poder do Estado e a sociedade na organização do sistema capi-talista. Para Bercovici e Massonetto, o constitucionalismo do século XX evoluiu a partir da estruturação de uma ordem econômico-financeira integrada, tendo no planejamento o principal instrumento da organização estatal do modo de produção capitalista. Ocorre que, a partir das últimas décadas do século XX, o modelo de financiamento público da economia do segundo pós-guerra, ain-da segundo os autores, passou a ser contestado, dando início à retomada do liberalismo e ao desmonte institucional do Sistema de Bretton Woods. Desde então, o paradigma constitucional que sustentara o Estado Social passou a ser “frontalmente atacado, trazendo à tona questões que já pareciam superadas – a cisão entre a economia e as finanças públicas, a abstenção do Estado no do-mínio econômico e a pretensa neutralidade financeira” (Bercovici; Massonetto, 2006, p. 5).

Como pensar a ordem econômica e financeira posta na CF/1988 em re-lação à ordem econômica e financeira mundial? Inicialmente seria necessária uma imersão na Constituição de 1946 e na de 1967, bem como na legislação financeira dos anos 70 e 80, para dar a real dimensão da repercussão da ordem econômica e financeira mundial no Brasil do século XX, o que não caberia neste estudo. O fato é que, após a promulgação da Constituição de 1988, a questão de ser ou não o Brasil um Estado social se pôs para toda uma geração de pensadores. As respostas variavam de um posicionamento mais tímido, identifi-cando o Brasil como um Estado social conservador, no qual as intervenções da ordem econômica e social seriam objeto de normas constitucionais meramente programáticas (dependentes do legislador ordinário), conservando a herança institucional básica do Estado liberal e capitalista, e, portanto, sem transforma-ções estruturais. Mas havia posicionamentos mais incisivos. Para Matias (2013), a ordem jurídica brasileira pós-88 é marcada por uma característica essencial, qual seja, a busca da transformação social pelo Direito. Para Sarlet (2001, p. 65), apesar da ausência de norma expressa na CF/1988 qualificando a nossa

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República como um Estado social e democrático de Direito, “não restam dúvi-das – e nisto parece existir um amplo consenso da doutrina – de que nem por isso o princípio fundamental do Estado social deixou de encontrar guarida em nossa Constituição”.

O fato é que os primeiros estudos pós-88 são muito contraditórios: fa-lava-se em modelo de bem-estar, no qual os princípios de participação e so-berania popular apontavam ou tendiam ao Estado social (Grau, 1991, p. 286). No meio termo, a afirmação de que a CF/1988 é uma Constituição do Estado, tipicamente liberal, mas é também, em grande parte, uma Constituição Social (Martins, 2012), ou seja, há dispositivos constitucionais insertos em seu texto que autorizam a sua identificação como uma Constituição da Sociedade, como aqueles referentes à ordem econômica (Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – arts. 170 a 192).

No que se refere à ordem financeira, para Bercovici e Massonetto (2006, p. 09), a Constituição Financeira inscrita no Texto Constitucional de 1988 é ela-borada no contexto de busca de maior controle e equilíbrio dos gastos públicos. Com o objetivo de ampliar a participação do Poder Legislativo na elaboração, aprovação e execução do orçamento e de aumentar a transparência dos gas-tos públicos, a Constituição de 1988 consagra a unificação orçamentária. No art. 165, são previstas três leis orçamentárias distintas: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (o Orça-mento Geral da União, que engloba o Orçamento Fiscal, o Orçamento Monetá-rio, o Orçamento das Empresas Estatais e o Orçamento da Previdência Social). É compatível um sistema tão rigoroso de controle dos gastos públicos em uma constituição social? Todo esse sistema concentra e esgota a atuação do Estado na tentativa de controle sobre os gastos públicos, desnaturando a constituição econômica. Por isso a tese dos autores de que a constituição financeira blin-dou a constituição econômica, que agoniza, uma vez que a implementação da ordem econômica e da ordem social da Constituição de 1988 ficaram res-tritas, assim, às sobras orçamentárias e financeiras do Estado. Para Bercovici e Massonetto (2006, p. 17), ordem econômica intervencionista e dirigente da Constituição de 1988 é “isolada de seus instrumentos financeiros, cuja efetivi-dade é medida em si mesma, sem qualquer relação com os objetivos da política econômica estatal ou da ordem econômica constitucional”.

Passadas quase três décadas de promulgação da CF/1988, ou seja, supe-rada sua fase celebrativa, é preciso questionar o que se configurou em termos de transformação social e econômica estrutural no Brasil. A estabilização mo-netária é apontada como a maior conquista do governo brasileiro para o século XXI, acompanhada de uma ordem jurídica mais típica do Estado liberal, como a legislação punitiva aos crimes contra a dignidade sexual e contra o tráfico de

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drogas. Para o bem da economia capitalista baseada no consumo, instalou-se uma rede de transferência de renda em programas assistenciais de governo. Não há uma política de Estado na CF/1988 que vincule os governos a uma atuação transformadora da relação capital-trabalho.

Na história constitucional brasileira do século XX, existiram cinco Cons-tituições. A primeira foi a Constituição de 1934, que surge em um cenário histórico de consolidação da classe operária em um país fortemente marcado pela economia agrária. Do ponto de vista formal, inspirava-se na Constituição de Weimar de 1919 e na Constituição Republicana espanhola de 1931, com reflexos do movimento integralista brasileiro. Como experiência histórica, a Constituição de 1934 foi, em três anos, substituída pela Constituição de 1937, de conteúdo ditatorial. A terceira Constituição do século XX foi a Constituição de 1946, cuja principal função foi resgatar formalmente a ordem democrática, pondo fim ao Estado Novo getulista, mantendo o Brasil como Estado liberal, preservando a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, de 1943, como a prin-cipal referência no campo da intervenção regulatória da relação capital-traba-lho. A Constituição de 1946 conciliava liberdade de iniciativa com valorização do trabalho humano. Foi substituída pela Constituição de 1967, também ditato-rial, que continha em seu texto a valorização do trabalho humano e o princípio da solidariedade entre os fatores de produção. “Justiça social” é uma expressão que está no texto das constituições brasileiras desde 1946, incluindo a de 1967.

Finalmente, a quinta Constituição é a atual, de 1988, a qual também cumpria o processo de superação do governo militar, reiniciando formalmente a democracia. O status de direitos fundamentais foi atribuído aos dispositivos regulamentadores da relação trabalhista, em boa parte já asseguradas pelas leis trabalhistas. O que se segue na história recente do Brasil é um conturbado pe-ríodo de instabilidade política e econômica, até que se inicia, com a estabi-lização monetária, na passagem do milênio, a construção de uma rede, uma superestrutura de amparo aos indivíduos, com foco no acesso ao consumo.

O atual Estado brasileiro, fundado pela CF/1988, antes parece um esta-do “securitário”, de capitalismo gerenciado pelo Estado. E não se trata de uma escolha de modelo econômico, ou modelo de desenvolvimento, pensado para o Brasil, mas um fenômeno de observação mundial enquanto política de cresci-mento econômico para países em desenvolvimento, conforme Rajan (2012). A ordem econômica na Constituição brasileira de 1988 adotou o modelo de ativi-dade econômica fundada na livre iniciativa, com exploração direta de atividade econômica pelo Estado apenas em casos excepcionais (art. 173 da CF/1988), estabeleceu que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à domi-nação de mercado, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º, da CF/1988) e definiu o Estado como agente normativo

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e regulador da atividade econômica (art. 174 da CF/1988), sendo a atividade de planejamento indicativa para o setor privado. O poder de polícia, no Estado brasileiro, continua a serviço dos valores de manutenção do statu quo.

Bercovici e Massonetto (2006, p. 19) concluem que

a constituição dirigente das políticas públicas e dos direitos sociais é entendida como prejudicial aos interesses do país, causadora última das crises econômicas, do déficit público e da “ingovernabilidade”; a constituição dirigente invertida, isto é, a constituição dirigente das políticas neoliberais de ajuste fiscal é vista como algo positivo para a credibilidade e a confiança do país junto ao sistema financeiro internacional. Esta, a constituição dirigente invertida, é a verdadeira constituição dirigente, que vincula toda a política do Estado brasileiro à tutela es-tatal da renda financeira do capital, à garantia da acumulação de riqueza privada.

Assim, uma razão para a resistência à efetivação de direitos fundamen-tais, especialmente os direitos sociais, é a desconstituição do padrão regulatório no campo econômico, de um lado, e, de outro, a mudança de proposta de um direito financeiro, antes voltado à organização do financiamento público da economia capitalista e à promoção de políticas de bem-estar social, a partir do paradigma keynesiano, e agora transformado em um complexo normativo voltado à organização da expansão financeira do processo sistêmico de acumu-lação de capital.

CONCLUSÕES

Diante do que foi sistematizado, é possível afirmar que há uma persis-tente e histórica resistência à efetivação de direitos fundamentais no Brasil, e mesmo uma sistemática violação. Podem ser apontadas como causas, por um lado, a permanência das condições de instalação e manutenção de uma socie-dade desigual, apegada a privilégios e distinções. Por outro lado, as imposições do sistema financeiro mundial às ordens nacionais econômicas supostamente soberanas, invertendo as prioridades de políticas públicas, especialmente aque-las ligadas à universalização do acesso a direitos fundamentais, como acesso à saúde, moradia, educação e mobilidade urbana, em proveito da concentração de capitais.

Por fim, é dentro do próprio Direito e de seu discurso que se invisibilizam essas questões. O modo como os conceitos, as formas e as “verdades” jurídicas são construídas ao longo da formação básica, ou seja, junto aos cursos de gra-duação em Direito, contribuem para afastar o profissional do Direito das formas sociais e políticas que o cercam, e que se refletem nas formas jurídicas. Além da confusão metodológica, já denunciada por estudos recentes, o discurso jurí-dico foi terreno fértil para ideias como “conceitos jurídicos vagos”, “conceitos

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fluidos”, denúncias da vagueza e da imprecisão da linguagem. A distinção entre princípios e regras foi perseguida durante duas décadas e foram sistematizadas distinções que pouco contribuíram para a efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que as causas dos entraves a sua efetivação são extrajurídicas. São obstáculos mais da ordem social, cultural e da ordem econômica e financeira, como se procurou demonstrar.

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Seção Especial – Doutrina Estrangeira

Algunas Consideraciones Acerca de la Justicia Juvenil en Argentina y Brasil: La Discusión Sobre la Reducción de la Imputabilidad Penal como Máximo del Irracionalismo

IGnáCIO nunES FERnAnDESMestre em Derecho Penal del Mercosur com orientação em Derechos Humanos y Sistemas Penales Internacionales pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Mestrando em Direito e Justiça Social pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas, Advogado.

Submissão: 16.06.2015Decisão Editorial: 28.01.2016Comunicação ao autor: 28.01.2016Origem do autor: Rio Grande do Sul

RESUMEN: El presente artículo busca establecer la evolución del reconocimiento del niño en el contexto social, bien como comparar entre los sistemas tutelarista al paternalista como modelos de protección, desde el reconocimiento como niño en el caso de delito o como adulto. Por fin buscamos establecer la actual tendencia en el ámbito de protección internacional. El reconocimiento de los Estados en materia de Tratados internacionales de protección al niño. Por fin el actual debate sobre la reducción de la imputabilidad penal en Brasil como el máximo de la irracionalidad seducida por un discurso político inmediatista y sensacionalista, no atenta a una justicia social de garantías e derechos de los niños.

PALABRA‑CLAVE: Derechos del niño; Derechos Humanos; Paternalismo jurídico; reducción de la imputabilidad penal.

ABSTRACT: This article seeks to establish the evolution of the recognition of the child in the social context, as well as comparisons between systems as models tutelarista the paternalistic protection from recognition as a child in the case of crime or as an adult. At last we establish the current trend in the field of international protection. Recognition of States in respect of international treaties to protect children. Finally the current debate on the reduction of criminal responsibility in Brazil as the top of irrationality seduced by a tabloid immediate and political discourse, attentive to the social and justice of guarantees and rights off children.

KEYWORD: Children’s Rights; Human Rights; Legal Paternalism; reduction of criminal responsibility.

SUMARIO: 1 Introducción; 2 Un resumen de cómo se originó y cómo se transformó la justicia juvenil a lo largo de todo el siglo XX en los EE.UU y en América Latina; 3 El análisis de un caso desde la perspectiva perfeccionista o tutelarista clásica, liberacionista y paternalista justificada; 3.1 La posición perfeccionista o tutelarista clásica; 3.2 La posición liberacionista; 3.3 La posición paternalista; 4 Los estándares de justicia juvenil derivados del derecho internacional de los derechos humanos; 5 El tema de la “moda” en Brasil: ¿de nuevo la reducción de imputabilidad penal? 6 Bibliografía.

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1 INTRODUCCIÓN

Esta investigación se originó de las clases con la profesora Mary Beloff en el programa de la Maestría en Derecho Penal del Mercosur de la UBA. A lo largo del curso donde abordamos diversos temas de protección penal para los niños, bien como debates de derecho comparado, desde Argentina, Chile, Brasil e los demás países de nuestro continente Latinoamericano, pues la cátedra tenía alumnos de diversos países.

En fin, frente de estos debates sumado a las recomendaciones de lecturas tuvimos el encargo de formular una investigación acerca de los temas que ahora convierto en títulos que conllevan al interrogante de cómo fue el origen de la preocupación por el niño, y posterior a eso las distintas corrientes de están desde el proteccionismo al paternalismo. En qué consisten estos sistemas, bien como el interrogante del porque empezamos a nos preocupar por un niño.

Tratamos desde el punto de vista del Derecho Internacional la preocupación de las organizaciones internacionales de protección del menor de edad, del niño y del adolescente. Las herramientas internacionales por medio de tratados internacionales que los países han de incorporar en sus legislaciones internas a fin de que tengamos un sistema universal de protección del niño. Buscamos con este breve recorrido ir desde la falta de atención al niño en el principio, para por fin establecer en qué situación estamos frente a mecanismos de protección internacional y el sistema de protección nacional de los niños.

Sin embargo, este trabajo hoy sufre una actualización por el debate que surge en Brasil acerca de la reducción de la imputabilidad penal. Propuesta está que amplia aprobación por parte de la sociedad que está encargada de una sensación de inseguridad y de impunidad por falta de capacidad operativa por parte de las agencias policiales, todavía la fórmula mágica del legislativo es volver a este tema de punir los jóvenes con el objetivo de prevenir e hacer la debida justicia.

2 UN RESUMEN DE CÓMO SE ORIGINÓ y CÓMO SE TRANSFORMÓ LA JUSTICIA JUVENIL A LO LARGO DE TODO EL SIGLO XX EN LOS EE.UU y EN AMÉRICA LATINA

El niño, el adolescente, como prefiera la expresión para la persona menor de edad para ciertos actos jurídicos en meados del siglo XX tanto en EE.UU como América Latina no tenía cualquier regulación jurídica, eran olvidados del Estado. En particular no sé porque motivo, quizás por carácter temporal que sobre el niño recae, es decir con el tiempo deja de ser niño e se convierte en adulto, adquiriendo todos sus derechos asegurados.

En la realidad, superado los cuestionamientos de porqué el niño no tenía un reconocimiento jurídico, este empezó e tornarse una preocupación por parte

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del Estado en los principios del siglo XX, pero no por políticas de inserción y reconocimiento de derechos a los niños, sí por problemas sociales que ellos estaban ocasionando en la sociedad, principalmente en EE.UU. Con el fomento de tal problema empezaran los estudios acerca de este problema social que surgía en nuestro cotidiano, todavía por otro lado tenía una presión por una parte de la sociedad para que el Estado frenara esta delincuencia por parte de los niños. Lo problemas no eran pocos, las presiones de ambos lados de la sociedad también, principalmente por parte de los tenían interés en mantener el niño con esta característica de olvidado social1.

Sin embargo, mientras algunos solamente querían poner niños en la cárcel como adultos e imponer sobre ellos la ley penal como se fuera adultos poco importando los motivos que llevaron estos adolescentes hasta un tribunal, otros buscaban entender porque el delito surgía tan precozmente en los niños. Nada más inteligente que estudiar e comprender los fenómenos sociales e buscar soluciones para prevención do que solamente punir en el polo final que es el derecho penal. Con el intuito de comprender estos fenómenos Eleanor y Sheldon Glueck en 1939 empezaran un estudio profundizado “sobre los efectos criminógenos de los brokenhomes, de las familias con trastornos”2. Tal investigación empírica que se hizo en las periferias de Boston comprobó lo que la teoría de la socialización deficiente ya decía, que la “conducta criminal es una conducta aprendida en el proceso de socialización”3. Es decir que el joven aprende y sigue conductas que ve en su cotidiano, sea este en ambiente familiar4, en la escuela, con los amigos, los vecinos, que sea. Tal descubrimiento tanto en el campo empírico como en lo teórico ayuda a superar de una vez por todas a las teorías de la biología criminal, los conceptos de delincuente de Lombroso5 que llevan a la tipificación de un sujeto delincuente no por los hechos que hace, sino por sus características físicas se supera.

Sin embargo la situación ahora se queda más compleja, el delito en general no se queda en una operación matemática como en los tiempos de

1 En principio del silgo XX, la revolución industrial se hacía a toda fuerza, caminando junto con las políticas liberales, es decir, por un lado personas que buscaban las soluciones para recudir las desigualdades sociales, por otro los dueños de industrias que tenían total interés en mantener este niños con este carácter de olvidado e así explotar la mano de obra barata que generaba estas crianzas. “La legislación sobre el trabajo infantil en Nueva York, por ejemplo, fue apoyada por varios grupos, entre ellos los industriales da la clase más alta, que no necesitaban el trabajo infantil barato para sus operaciones de fabricación”. (PLATT, Anthony. Los “Salvadores del niño o la invención de la delincuencia. México: Siglo XXI, 1982. p. 22).

2 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal. Barcelona: Editorial Bosch, 1984. p. 50.3 HASSEMER, op. cit., p. 494 Sobre la importancia del ámbito familiar sostiene Platt, “Los salvadores del niño elevaban la familia nuclear y

en especial a las mujeres, a la categoría de pilares de la familia, y defendían el derecho de la familia a fiscalizar la socialización de los jóvenes”. (PLATT, op. cit., p. 117).

5 PLATT, op. cit., p. 47; HASSEMER, op. cit., p. 43.

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la biología criminal sino el resultado de un complejo sistema social, en este sentido afirma Hassemer que:

La delincuencia no puede seguir viéndose ya solamente como el resultado de hechos y procesos en el interior del concreto individuo desviado, sino como el resultado de una interacción, de una relación de influencias reciprocas de los hombres entre sí.6

Con el análisis empírico de los jóvenes en las periferias de Boston llegamos a conclusiones interesantes que cambiaran la forma de analizar los hechos, la criminología no puede analizar solamente el hecho en sí, hay que considerar antes de cualquier cosa que el delito es el resultado final de una ecuación social, que siempre puede tener un desarrollo distinto, y que además de todo el delincuente es un producto final producido por la propia sociedad. El olvido por parte del Estado en lo principio (niño) genera a la producción de esta delincuencia.

Sin embargo en América Latina teníamos la cuestión del niño en nuestro contexto social, político y jurídico como algo extraño, ajeno a cualquier atención. Así como en los EE.UU la preocupación por el niño surge como un problema del ámbito privado7, el Estado toma sus providencias posterior a las luchas por derechos y condiciones mínimas a los niños que vivían en las calles.

El primero país de América Latina que formula una Ley de protección a menores es Argentina, la ley 10.903 (Ley de Patronato de Menores)8, pero observe que tal ordenamiento jurídico aunque innovador en nuestro continente estaba lejos de comprender las necesidades que emergían sobre los niños en nuestro contexto social, pese que tal ordenamiento jurídico consolidaba los niños bajo dos prerrogativas, o como autor de delito o como víctima de delito9. En otras palabras, crea un mecanismo propio para menores pero el tratamiento tiene como objetivo lo mismo que se hace para los adultos, imposición de penas de carácter penal10. Es menester el comentario de Platt en este sentido cuando afirma que:

Como el objetivo de la clase criminal era “minar la confianza de la comunidad y debilitar la fuerza de la cosa pública”, la delincuencia sólo podría reducirse

6 HASSEMER. op. cit., p. 52.7 “El movimiento pro salvación del niño se formó gracias a los esfuerzos de un grupo de reformadores feministas

que contribuyeron a la aprobación de leyes especiales para los menores y la creación de instituciones nuevas para reformarlos. (PLATT, op. cit., p. 96; BELOFF, Mary. La protección a la infancia como derecho público provincial. Buenos Aires: Editorial Ad-Hoc. 2008, p. 26 y 28).

8 BELOFF. La protección…, op. cit., p. 29. 9 BELOFF. op. cit., p.30.10 Idem.

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“deteniendo la producción” de delincuentes y reglamentando la crianza de los niños como propensiones criminales.11

No es necesario hacer fuerza para notar que la política era encarcelar a cualquiera por las dudas, la política de control social que se imponía frente a estos niños era notoria, el carácter “proteccionista”12 serbia muy bien para por detrás de esta bandera de los derechos de los niños imponer una restricción de derechos, “controlar los más peligrosos, los considerados inadaptados o futuros delincuentes, esta era la concepción positivista de la época como sostiene Beloff13.

Sin embargo como ya decimos tanto en EE.UU14 como en Argentina la política era del trato de niños como víctimas o autores de delitos, es decir en materia penal, por lo tanto en Argentina posterior a la incorporación de la Ley de patronato tenemos un largo tiempo hasta la incorporación de la CDN que entra en vigor en el país en los años 9015. Tal tratado, se nota que estamos antes de la reforma constitucional de 1994, entonces tal tratado tiene carácter de ley infra-constitucional, las provincias empiezan a buscar medidas para adecuar la CDN en su derecho interno16, tal práctica se mantuve hasta la reforma constitucional de 1994 que elevó la jerarquía de la CDN de Ley infra-constitucional para constitucional, como bien se sabe la reforma eleva todos los tratados internacionales sobre derechos humanos al nivel constitucional, tal tendencia sigue su vecino, Brasil aprueba medida semejante en 200417, se puede

11 PLATT, op. cit., p. 57.12 En este sentido añade “El modelo tutelar – que se impuso en toda Europa a principios del siglo XX – partía

de que los menores eran inimputables que, en consecuencia, debían ser tratados como objetos de protección, trabajando sobre su peligrosidad y no sobre el delitos cometido – que era una simple señal de las carencias del menor”. (BENEITEZ, María JoséBernuz. “Justicia de menores española y nuevas tendencias penales. La regulación del núcleo duro de la delincuencia juvenil”. In Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, RECPC 07-12 (2005), disponible en, www.criminet.ugr.es.

13 BELOFF. La protección…, op. cit., p. 34.14 Los salvadores de niños entre las diversas luchas por garantizar más derechos para los niños en los EE.UU,

luchaban principalmente para establecer un tribunal propio para niños, que posteriormente caso condenados fueran trasladados a casa de corrección donde seria exclusiva para niños e no juntos con adultos delincuentes condenados, que esas casas fueran separadas, una para niños e otras para niñas. La idea era mantener estos muchachos lo más lejos de las calles buscando la orientación y la educación con el fin de la prevención al delito, sin embargo habría quien se oponía a tales argumentando que estos logares tenían las mismas características del tribunal penal y que algunos centros de corrección eran lugares inhumanos, que violaba las “garantías constitucionales de procedimiento legal y pone a los adolescentes la marca infamante de ‘delincuentes’, con lo que realiza funciones semejantes a las de los tribunales penales”. (PLATT, op. cit., p. 173).

15 BELOFF. La protección…, op. cit., p. 58.16 BELOFF, Mary.“Quince años de vigencia de la Convención sobre los derechos del niño en la Argentina”. In La

familia en el nuevo derecho, tomo II, Coord., Marisa Herrera, Directora Aída Kemelmajer de Carlucci. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni editores, 2009.

17 Artículo 5º, § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais. (Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva, 2008).

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decir que es una tendencia a que los Estados que se consideren democráticos permitir grado máximo de sus leyes en protección de los derechos humanos.

Por fin en el caso argentino la situación de los menores tornase una situación de protección efectiva después de 1994, cuando se escucha que los niños tiene amparo por los derechos humanos, antes solo que menciona la doctrina era carácter de protección, pero además de todo no se sabe se la protección se hace para los niños o contra ellos como ya analizamos anteriormente, lo que cabe aclarar es que el reconocimiento efectivo de los derechos humanos para los niños se establece solamente con la reforma constitucional de 1994, antes no existía un reconocimiento de protección efectivo. Los avances se hacen necesarios por motivos políticos o de interés social, Argentina fue el país de América Latina que instauró la primera Ley de protección para los niños, no alcanzó por motivos ya expuestos el objetivo que debería atingir, pero aún así sigue el mérito de dictar la primera Ley. Todavía, pasado eso, parece que se tiene un cierto abandono de la cuestión por parte del Estado, dejando a cargo de algunas provincias dictar leyes sobre el tema posterior a la aprobación de la CDN que aún tenía carácter infraconstitucional. Solamente después de la reforma es que tenemos una garantía efectiva de protección para niños. ¿Porque tanto tiempo de abandono de esta clase social? Falta de interés quizás o creer que no sea un problema de relevancia frente a otros problemas que tiene el Estado, explicaciones para los motivos que llevaran este abandono se encuentra mil, pero la cuenta es una y paga por toda sociedad hasta hoy por errores cometidos en el pasado.

3 EL ANÁLISIS DE UN CASO DESDE LA PERSPECTIVA PERFECCIONISTA O TUTELARISTA CLÁSICA, LIBERACIONISTA y PATERNALISTA JUSTIFICADA

3.1 lA posIcIón perfeccIonIstA o tutelArIstA clásIcA

Buscamos establecer un mismo caso e hacer el comparativo entre los tres modelos distintos para comprender mejor las diferencias, acreditamos que el mismo caso concreto establecería bien acerca de las explicaciones a seguir. Así que en este primero caso tendremos el hecho, y posteriormente lo que hay es la explicación desde el punto de vista de las distintas teorías.

Un adolescente comete un delito de violación contra una colega en la escuela donde estudia. Tal niño viene de una familia de buenas condiciones, no tiene problema con drogas, o violencia doméstica, así sin motivos

Cabe mencionar que aunque Brasil tenga permitido esta elevación del status constitucional de las normas de Derechos Humanos en Brasil hasta hoy, solamente un tratado fue elevado al nivel constitucional, por medio del Decreto nº 6.949/2009 que incorpora la Convención sobre los Derechos de las Personas con deficiencia.

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sociológicamente comunes18 de si explicar un delito, este lo comete. Como bien sabemos la violación es un delito de naturaleza grave19, más allá de quien es el autor, adulto o menor de edad, el hecho en sí caracterizase por la violencia psíquica y física, un lapso temporal de tortura en que muchas veces las víctimas no se recuperan del trauma por sufrir este daño.

Sin embargo, este adolescente es juzgado y condenado a medidas socioeducativas, ha de cumplir una pena en régimen de seguridad, un local exclusivo para menores donde cumplirá una pena por el delito cometido. Podríamos decir que hasta acá todas las medidas que se aplican a este adolescente se encuentra en el modelo paternalista, pues el paternalismo impone restricciones y penas para el incumplimiento de las mismas.

El Estado actúa junto con la familia buscando el mejor para el menor20. Sin embargo además de lo que ya está para este chico que tiene que cumplir una pena desde un punto de vista perfeccionista, donde el Estado impone a los niños, en general valores morales. Para este caso el juez puede interpretar que más allá de la pena que va a cumplir, es necesario que este adolescente delincuente que ha cometido este delito por falta de convicciones religiosas, y que por este motivo ha de cumplir además de la pena, una obligación de ir a la misa todos los días, para orar por la víctima que él ha causado el daño. Que el

18 Pusimos la expresión sociológicamente comunes porque como bien se sabe en la mayoría de los casos el origen del delito está en la desigualdad social, la falta de oportunidad desde de niño a la educación, un excluido social, normalmente se explica el delito en situaciones comunes que estamos acostumbrados a escuchar, comunes en países grandes y con tasas de desigualdad social grande, índices de miseria. Todavía hay casos donde las personas cometen delitos por su naturaleza mala o por alguna disfunción psíquica, es decir, un enfermo mental, o porque son en esencia malos.

19 El delito de violaciónen Brasil, articulo 213 CP, con penas de 6 a 10 años, § 1º, “Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: pena de reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos”; Artículo 217-A, Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: pena, reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. En estos casos donde el autor es adulto, es decir que tiene edad superior a dieciocho años es considerado como crimen hediondo, Ley nº 8.072 25.07.1990, donde hay algunas peculiaridades como por ejemplo la reincidencia, artículo 2º, § 2 de la Ley nº 8.072/1990, “A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos nesse artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”. Considerando que la progresión de régimen en lo sistema penal brasileño en general está previsto en la ley de ejecuciones penales, Ley nº 7210 de 11.07.1984, que en su artículo 112 establece que, “A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo director do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”. Todavía en Brasil ningún menor de edad puede cumplir pena privativa de libertad por más de 3 años, artículo 121, § 3º de la Ley 8.069, de 13.07.1990.

Sin embargo en Argentina el delito de violación y estupro, no cambia tanto de Brasil con la agravante se el delito es cometido contra menor e máximas que llegan a veinte años de reclusión, artículo 119 caput y incisos, y, también hay previsión específica para casos de menores de dieciséis años, artículo 120 del mismo código que prevé pena de seis a diez años.

20 ¿Cómo continuar pretendiendo que la prevención no tiene nada que ver con el ejercicio de un poder represivo cuando está judicialmente ordenada para penetrar en el santuario familiar, cuando puede movilizar si es preciso para hacerlo la fuerza policial? Pero también, ¿cómo denunciar la inflación de procedimientos de control y de prevención sin legitimar al mismo tiempo otra arbitrariedad, a veces infinitamente más peligrosa, la familia, que al amparo de sus muros puede maltratar a sus hijos, comprometer gravemente su futuro? (DONZELOT, Jacques. La policía de las familias. Pre-textos, Valencia: 1990, p. 99-168).

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origen de esta delincuencia no está en la familia o en problemas sociológicos, sí el problema está en la falta de fe en la Iglesia Católica Apostólica Romana.

Por fin entonces a este niño se aplica una pena de 2 años en una casa socioeducativa para menores, donde tendrá actividades, visitas, educación e además de todo habrá de cumplir semanalmente 10 horas de oraciones a favor de todas las víctimas de violaciones del mundo.

Según esta línea de pensamiento el Estado tiene el deber de intervención para orientar los jóvenes, los niños a preceptos morales que el Estado considera adecuados21, es decir los niños son “moldados” de acuerdo con lo que su Estado desea y no le permiten autonomía para con el pasar de las fases de niño para adolescente ir teniendo sus propios conceptos, y sus principios morales para tener una personalidad autentica en la fase adulta. Para esa teoría el que vale y solo lo que se debe seguir son las premisas, los conceptos morales que las personas deben seguir, aquí para los niños. No se permite un desarrollo autónomo por parte del menor, como consecuencia tenemos en el futuro una sociedad estructurada según los valores impuestos por el Estado, y no valores o creencias y valores particulares de cada uno que compone el complejo ordenamiento social que estamos acostumbrados. Sin embargo por detrás de ese ideal de protección de los más débiles podríamos ver rasgos de un Estado autoritario, que impone más allá de leyes valores morales, invadiendo la intimidad familiar bajo la excusa de que no se está cumpliendo la Ley, es decir, que no estamos siguiendo lo que el Estado nos impone bajo la excusa de ser lo mejor para la sociedad. Podríamos desde una visión filosófica decir que una teoría perfeccionista sirve para rechazar tal grupo en determinada sociedad, en otras palabras, imponer como ya decimos valores religiosos, agregando que lo que no siguen la religión del Estado X, es considerado un delincuente, un enemigo del Estado22, teniendo en cuenta que tales delitos no atentan contra

21 CONTRÓ, Mónica González. “Paternalismo jurídico y derechos del niño”, In Isonomía: Revista de teoría y filosofía del derecho. nº 25 octubre, 2006, p. 107.

22 En este sentido, de la creación del enemigo por parte del Estado para imponer el control en nuestro contexto histórico tenemos la política criminal del fascismo tenía como base la severidad al combate de la delincuencia en nombre de la defensa del Estado, y lo institutos de la prevención, una forma más moderna y adecuada de combatir la delincuencia. (DAL RI JÚNIOR, Arno. O Estado e seus inimigos: a repressão política na história do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2006. p. 225). “A democracia é um regime fraco, incapaz de resolver a crise econômica. Os políticos são uma corja de demagogos e corruptos. O que o país precisa é de um grande líder patriótico, com autoridade incontestável, que acabe com a baderna promovida pelos grevistas, agitadores de esquerda, criminosos e vagabundos”. (SHMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica. 2 ed. São Paulo: Editora Nova Geração, p. 128). Sobre el status de vagabundo, sostiene Donzelot que: “el internamiento en un centro de un niño demasiado vagabundo es una medidad educativa que puede ser decidida sin que el menor haya cometido el mínimo delito”. (DONZELOT, op. cit., p. 112).

A escola de Kiel apresentava o direito como instrumento e ordenação da vida social, legitimado pelo espírito do povo. O sentimento de Fuhrer deveria preponderar sobre o próprio direito, já que o dirigente estatal catalisava toda a vontade do povo alemão. O magistrado segundo tal escola poderia, e deveria julgar segundo critérios metájuridicos, isto é, não se encontrava totalmente jungido às leis, o que autorizava o recurso ao “são sentimento do povo” para punir. (DAL RI JÚNIOR, op. cit., p. 246, 247). “O código moscovita assim fixara o princípio do direito penal desprendido das leis: “se uma ação qualquer, considerada socialmente perigosa, não acha especialmente prevista no presente código, os limites e fundamentos da responsabilidade se deduzem

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bienes jurídicos alguno, convirtiendo el sistema punitivo en un derecho penal del autor23 y no de hecho.

dos artigos deste código que prevejam delitos de índole mais análoga”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958, p. 15). “A motivação, ou até mesmo a escusa para a repressão política, é delineada na Exposição de motivos da Lei nº 2.008 de 1926, intitulada “Provvedimenti per la difesa dello Estato”, peça central na nova política elaborada por Alfredo Rocco. O programa de governo era simples: com uma reforma radical na legislação, pretendia-se criar uma nova ordem jurídica, apta a reforçar a autoridade do Estado e a defendê-lo contra tentativas de prepotência dos indivíduos, dos grupos, das classes, dos partidos [...] Mas a irredutível ignorância de alguns inimigos do fascismo ameaça tornar vão este propósito e jogar, ainda uma vez a Itália na desordem e no turbamento”. (DAL RI JÚNIOR, op. cit.). En Brasil, “A Lei de Segurança Nacional (LSN) promulgada em 1935 definia os crimes contra a ordem política e social. Sua principal finalidade era transferir para uma legislação especial os crimes contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias processuais”. (DAL RI JÚNIOR, op. cit., p. 268). Los ideales de la Ley de Seguridad Nacional si implantó en lo continente Latinoamericano desde la guerra de la Argelia, expuesta por autores franceses y por militares norteamericanos. Para los franceses de Argelia “o delito comum deve ser castigado severamente porque é necessário reforçar o máximo a frente interna,” para Durkheim “o delinquente comum é o inimigo interno, do mesmo modo que o soldado é o inimigo externo na guerra”, para Garofalo, “em qualquer caso deve-se retribuir o mal do delito, haja ou não necessidade de periculosidade, porque isto é necessário por si mesmo (argumento Kantiano ou absoluto)”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, V. 1, Parte Geral. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 313).

“El sospechoso, como tal, merecía siempre un castigo determinado; no se podía ser inocentemente objeto de una sospecha. La sospecha implicaba, a la vez, de parte del juez un elemento de demonstración, de parte del detenido el signo de cierta culpabilidad y de parte del castigo una forma limitada de pena. A un sospechoso que seguía siendo sospechoso no se le declaraba inocente por ello: era parcialmente castigado. Cuando se había llegado a cierto grado de presunción se podía, por lo tanto, poner en juego legítimamente una práctica que tenía doble papel: comenzar a castigar, en virtud de las indicaciones ya reunidas, y servirse de este comienzo de pena para arrancar el resto de verdad que todavía faltaba”. (FOUCAULT, Michel. Vigilar y castigar. Nacimiento de la prisión. 2. ed. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2009. p. 52).

“La actual configuración del sistema penal proviene de los albores de la revolución mercantil, de la formación de los estados nacionales, lo que da lugar a la desaparición de los viejos mecanismos de solución de conflictos entre partes enfrentadas, produciéndose la expropiación de los conflictos (derechos de la víctima), asumiendo el lugar de ‘única víctima’ el ‘soberano’ y convirtiendo a todo el sistema penal en un ejercicio de poder verticalizante y centralizador. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas: deslegitimación y dogmatica jurídico­penal. Buenos Aires: Editora Ediar, 2009. p. 156). En estos tiempos el objetivo era la seguridad del Soberano y, el mantenimiento de la orden por medio de penas crueles y muy severas siempre buscando la intimidación. (NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. Parte geral. 8. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1972. p. 22). La consecuencia del reconocimiento de la venganza por parte del poder público implica en una medida de agresión cuya fórmula es la ley del talión, ojo por ojo, diente por diente. La aplicación de tal interpretación imponía penas brutales contra personas con base en intereses normalmente particulares. (BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte geral, tomo I. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 3 ed. 1967, p. 58). La venganza pública surge en el contexto del Estado para mantener la seguridad nacional con identidad estrictamente política y religiosa. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, V. 1. Parte geral, 10. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 37).

Por supuesto que creer un niño como enemigo del Estado es un absurdo, es impensable una organización terrorista de niños que cometan delitos que pongan en peligro la organización del orden jurídico, lo que sí es posible y se encuadra en la discusión actual del carácter de exclusión es el carácter de eliminación del status de persona para ciertos sujetos de derecho, (SÁNCHEZ, Jesús María Silva. “Los indeseados como enemigos: la exclusión de seres humanos del status personae”, In Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. RECPC 09-01, 2007). En este sentido Silva Sánchez desarrolla la posibilidad del aborto como la exclusión de un indeseado, por así decir un excluido social. Lo que se plantea es que más allá del carácter, adulto, niño lo que sea, el Estado no está legitimado para imponer ciertas reglas o principios sobre la premisa de no considerar determinada clase como persona o niño, desde una concepción de los derechos humanos, todos son personas y tienen derechos comunes como acceso a cultura, educación, y todas las demás garantías que le asegura una constitución democrática de derecho.

23 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. p. 236. El autor sostiene aún que la punición se exterioriza normalmente por motivos religiosos o por razones

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3.2 lA posIcIón lIberAcIonIstA

El mismo caso del adolescente violador, pero ahora desde el punto de vista de la teoría liberacionista. Como ya expusimos en la explicación de la teoría perfeccionista, este adolescente de clase media que viene a cometer el delito de violación contra su colega.

En este caso, según la luz liberacionista este adolescente será juzgado como un adulto por el delito de violación. La premisa básica de los liberacionistas es de la no intervención, es decir, el niño tiene capacidad como sujeto de derecho, es un individuo autónomo titular de derechos y obligaciones por consiguiente este también es responsable penalmente por los hechos típicos que viene a cometer24. Así que, el menor sea la edad que tenga sobre a luz de las concepciones liberacionistas tendrá el tratamiento igual al de un adulto, incluyendo el cumplimiento de pena en cárcel para adultos.

Mientras los perfeccionistas acreditan en la intervención por parte del Estado, porque solo así es que los niños tienen la capacidad de conocer los principios buenos, principios morales que el Estado cree adecuado y por esos motivos torna obligatorio su imposición para tener una sociedad hecha a su modo y no desarrollar una sociedad libre. Sin embargo es sobre la premisa

del Estado, fundar la pena criminal no en lo hecho cometido, sino en lo que es el sujeto. La escuela positiva de Lombroso no hace más que llamar la atención a la persona del delincuente.

“El juez se convierte en enemigo del reo, de un hombre encadenado, entregado como presa a la desolación, a los tormentos, al provenir más terrible; no busca la verdad del hecho, sino que busca en el prisionero el delito. (BECCARIA, Cesare. De los delitos y de las penas. Buenos Aires: Ediciones Libertador, 2005. p. 118).

24 “Los jóvenes, los enfermos mentales, las mujeres, constituyen, de maneras diferentes, las principales ‘excepciones’ (que confirman la regla) para el sistema de justicia penal. Son excepciones con historias separadas, especialmente en lo que refiere a las instituciones y saberes a través de los cuales estos sujetos han sido construidos, y a cuyo cuidado han sido delegados (aunque en los tres casos un papel relevante ha sido jugado por las instituciones y los saberes psicológicos y psiquiátricos). No obstante, tienen en común precisamente esto: que hacen evidente el modo en que el derecho (y los derechos) surgen históricamente, son construidos por, y pertenecen predominantemente, al ciudadano adulto masculino, que está dotado de (a quien es atribuida la) capacidad plena para distinguir el bien del mal y para orientar sus comportamientos en consecuencia. Estas tres características están claramente interconectadas. Sólo al adulto varón le es atribuible el tipo de racionalidad que ha devenido en el paradigma de la racionalidad en general porque se ha construido sobre la experiencia y los intereses de (ciertos) varones adultos”. (PITCH, Tamar. Responsabilidades limitadas. Buenos Aires: Editorial Ad-Hoc, 2003. p. 55). Por supuesto que los liberacionistas justamente bajo estos conceptos luchaban contra esa imposición de que existan clases dominantes y otras débiles. Los niños solamente serían dependientes de los adultos al paso que no se permitiera el desarrollo propio, que así como se creyó que las otras clases citadas también tenían sus limitaciones así como los niños.

Es notorio que la creencia que negros, mujeres son iguales a cualquier otro ciudadano (blanco varón), pero aunque los niños estuvieran en esa clase de los menos desfavorecidos es una cosa distinta atribuirles como incapaces porque mientras las mujeres y negros son considerados incapaces en la fase adulta, los niños son considerados incapaces para determinadas decisiones pero de forma temporaria. Infelizmente no es posible mantenerse un niño para toda la vida, y por otros motivos tantos el niño precisa de la protección de los adultos.

Sin embargo, por más que no comparta en parte alguna con la tesis liberacionista, es muy interesante la forma de pensar, se permitir llevar más allá de la opinión dominante, acreditar en un desarrollo humano en las primeras fases de la vida es un raciocinio atrevido por parte de sus idealizadores, y por eso merece todo respeto y consideración por parte de sus creadores.

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del liberalismo que los liberacionistas son favorables a una no intervención del Estado en relación a los niños. Según los partidarios de tal corriente de pensamiento los niños aún no son autónomos porque no le permitieron hasta hoy desarrollar la capacidad de pensar, de desarrollo que así como se pensó en el pasado que existían otras clases inferiores al hombre blanco a los niños pasa lo mismo. Tal concepción lleva a creer que los niños como sujetos de derecho tienen capacidad plena de decidir acerca de todas las cuestiones concernientes a ellos.

3.3 lA posIcIón pAternAlIstA

Siguiendo la misma línea del joven violador tenemos a hora la interpretación para este caso desde el punto de vista paternalista, aquí de una forma más o menos semejante a la perfeccionista el niño responde como niño, es decir, de una forma distinta al adulto se este hubiera cometido el mismo tipo de delito. Es menester señalar en este caso que aquí este adolescente será juzgado, acompañado por un abogado, que puede ser pagado por su familia o por el Estado, caso condenado este infractor será condenado por el delito cometido, y solo por el deberá responder, no cabiendo cualquier tipo de medida que atente contra sus derechos de opinión o de religión como lo hace el modelo perfeccionista25.

Aquí tenemos el modelo seguido por la convención internacional de derecho de los niños26, así que entendiese que sea la más justa e el medio termo

25 Pusimos derecho de opinión o de religión como ejemplos, como bien se sabe con el análisis anterior le intervención del Estado en ese caso se detiene e todos los valores morales que el estado cree que son los mejores, estos pueden ser los más diversos.

26 La CIDN preconiza el carácter subsidiario del Estado en la protección de los intereses del niño poniendo como principal protector y este como titular de sus intereses básicos los padres, artículo 9 de la convención, por consiguiente la convención pone como situaciones muy particulares el caso de separar el niño de sus padres, artículo 20 de la convención: “Los niños temporal o permanentemente privados de su medio familiar, o cuyo superior interés exija que no permanezcan en ese medio, tendrán derecho a la protección y asistencia especiales del Estado”. Es decir solo en situaciones donde el bienestar el niño sea amenazado en el ambiente familiar es que los padres pueden perder la guardia de sus hijos. ¿Lo problema que gira en torno de esa problemática es cuales son los límites del Estado y de la familia con relación a estos deberes para con el niño?

Este paradigma es constante, una guerra de fuerzas. Hay muchos presupuestos que imponen un análisis cuidadoso sobre la intromisión del Estado en el ambiente familiar, decir que el niño tiene derecho a educación, ocio e otros tantos derechos es aceptable, pero no vale de nada si el propio Estado no ofrece condiciones para la familia obtener estos derechos, el resultado que tenemos son niños trabajando, pidiendo dinero o comida en las calles. Una cosa es lo modelo ideal, otra bien distinta es la realidad en que vive la mayoría de nuestra sociedad, niños de 5 o 6 años trabajando puede parecer un atraso a nuestros ojos, pero en el medio que viven eso se hace necesario y no es por este motivo que debe ser sacado del convivio familiar, porque en algunos casos pueden tener todo cariño, amor e bases de carácter y moral que va a formar el hombre muy pobre, pero digno de nuestro contexto social. Los derechos que la convención y otros ordenamientos jurídicos garantizan quizás no le alcance de la misma forma que a los favorecidos, pero la capacidad de encontrar tiempo para el ocio, para obtener educación no serán tan simple como para familias que tienen mejores condiciones, pero aun así no es culpa de su familia, no es falta de cuidado, no es falta de afecto, es un problema más grande de estructura básica del Estado que no alcanza a todos sus “hijos” del cuerpo social, para esa clase de personas el contrato social no llega.

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entre dos extremos que son las teorías liberacionistas y las proteccionistas27. El menor no tiene total autonomía de sus derechos y libertades porque se cree que aún no es capaz de auto-determinarse28 mientras que el sistema perfeccionista donde intenta imponer dogmas que cree más correcto o adecuado para su sociedad imponiendo a todos, incluso a los niños incurriendo en un claro abuso de derecho, infringiendo derechos constitucionales básicos asegurados por nuestras constituciones democráticas29.

En síntesis Contró sostiene la opinión de Alemany que busca establecer la diferencia clara entre paternalismo y perfeccionismo desde la óptica que el primero busca la protección de los bienes primarios mientras que lo segundo busca la protección de los bienes morales30. Todavía con base en las lecturas sobre el tema formulamos una reflexión acerca de la teoría afirmando que el paternalismo es constante con relación al objeto pero temporario frente al sujeto, el niño se torna adolescente y después se convierte en adulto y se termina el

No soy a favor de que el niño trabaje, pero hay situaciones dónde personas de bien son condenadas por ofrecer trabajo a un niño que necesita tanto de la ocupación como de la plata. Es notorio de un producto de la delincuencia es el convivio con otros seres, la delincuencia es un fenómeno social, el niño que no tiene mucho tiempo para convivir con personas cercanas donde vive tiene menos tendencia a cair en la criminalidad. Sabemos que no es o ideal, lo bueno era que todos los niños tengan la escuela como única ocupación, pero sabemos que no es así, que normalmente en las villas hay personas de bien como hay también delincuentes de varias clases, que ya es una conquista un niño que nasce en tal ambiente que tiene la influencia de ese tipo de gente no se va por este rumbo. Lo más inteligente es mantener este niño más lejos posible de ese ocio, ocupar todo su tiempo, de la escuela para un trabajo, para que al fin del día llegue en casa para dormir. No es lo ideal, podríamos decir hasta que no es justo, algunos tienen todo tiempo del mundo e otros no tienen tiempo para nada, pero que es la vida sino un eterno cuestionamiento sobre lo justo y lo injusto. ¿La propia vida no es justa o nosotros no tenemos capacidad de entender porque tenemos que pasar por esa abdicación de derechos?

Por fin a esa reflexión que me permití porque realmente es un tema que me incomoda, la posiciones hipócrita de ciertas personas que actúan en defensa de esos derechos de no tener la sensibilidad de analizar el caso concreto e ir más allá y no quedarse en la letra fría de la ley, entender porque estamos aquí, y porque este niño está ahí. “O importante é refletir à altura do nosso tempo; isto quer dizer, apropiando-nos da ‘circunstância’ em que estamos imersos, para reenquadrá-la, num plano superior, que nos liberte da sua prisão lógica”. (JULIAN MARÍAS, Ortega apud LYRA FILHO, Roberto. Criminolo giadialética. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972. p. 26).

27 CONTRÓ, op. cit., p. 101.28 Según el paternalismo existen ciertas protecciones que son inherentes a los niños bien como a los adultos

también, hay ciertos bienes por lo cual ningún sujeto a disponer, como ejemplo la vida, o su saludo. En ese sentido Contró señala que “la noción de paternalismo se vincula generalmente con la imposición de medidas por parte del Estado dirigidas a evitar que el individuo se dañe a sí mismo o a favorecer sus intereses”. (CONTRÓ, op. cit., p. 105).

29 Derecho de asociación, derecho de culto religioso, en general, a todos los derechos que son inherentes a los ciudadanos cuando estos no ofenden al derecho de otros ciudadanos, ninguna persona tiene el derecho, aunque que sea el padre o el Estado donde el menor vive imponer premisas que cree la más correcta como orientación religiosa o política. El día que eso venga a ocurrir estamos abandonando nuestro modelo de Estado democrático de derecho e volviendo a los modelos autoritarios donde el derecho de asociación era interpretado de mala forma pero para facilitar la excusa para prender estudiantes que se juntaban para discutir política y criticar la forma de gobierno. Estaremos volviendo a los tiempo de dictadura, donde el Estado imponía las reglas a fin de que las personas no se opongan, el Estado le ofrece de todo, desde la orientación política hasta la religión. ¿Qué libertad tienes? O ¿Qué garantía aún existe? O entonces se queremos nos vamos un poco más allá que resta a un pueblo que no tiene libertad de elegir por un modelo político a seguir, una creencia filosófica que tenga, o que sea una creencia religiosa que tenga por herencia que sea contraria a las premisas que interpreten básicas, necesarias y que respetan la moral de este Estado que no respeta nada.

30 CONTRÓ, op. cit., p. 107.

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paternalismo, por lo menos en los casos de protección al niño. Pero esta pierda de la protección por parte del Estado debe ser paulatina para permitir el ejercicio de ciertos derechos por parte del niño31.

4 LOS ESTÁNDARES DE JUSTICIA JUVENIL DERIVADOS DEL DERECHO INTERNACIONAL DE LOS DERECHOS HUMANOS

Habría un planteamiento a respecto de la complementariedad del Derecho Internacional Humanitario por parte de los Derechos Humanos donde la conclusión que llegan es que mientras el primero es un excepción que se aplica solamente en casos de conflictos armados, el segundo se aplica siempre, a todos los seres, en tiempos de paz o guerra32. Los derechos humanos actúan tanto frente a los seres humanos como los demás, medio ambiente, todo el equilibrio para mantener la base de nuestro sistema en condiciones admisibles para vivir se encuentra presente los derechos humanos.

Dentro de esa perspectiva de que los derechos humanos abarcan todos los derechos inherentes a las personas, aquí en especial a los niños tenemos en el ámbito de protección la CIDN (Convención internacional de derechos del niño) que entra en vigor en 199033, la Declaración Universal de los Derechos Humanos, 10 de diciembre de 194834 y la Convención Americana sobre Derechos Humanos, noviembre de 196935 contemplando así como instrumentos más relevantes en la defensa de los derechos de las personas en general, aquí en nuestro caso particular los niños. En la esfera de los derechos internacionales de los derechos humanos.

Siguiendo esa línea, los estándares de la justicia juvenil derivados del derecho internacional de los derechos humanos deben no solo respetar las normas internacionales de los tratados, bien como toda la jurisprudencia a

31 CONTRÓ, op. cit., p. 116.32 SWINARSKI, Christophe. Principales nociones e institutos del Derecho Internacional Humanitario como

sistema de protección de la persona humana. Instituto Interamericano de Derechos Humanos San José, Costa Rica- Comité Internacional de la Cruz Roja. 2. ed. 1991.

33 Además de fijar estándares mínimos en el ámbito de la justicia juvenil la Convención aclara algunas premisas como por ejemplo, “la familia, como grupo fundamental de la sociedad y medio natural para el crecimiento y el bienestar de todos sus miembros, y en particular de los niños, debe recibir la protección y asistencia necesarias para poder asumir plenamente sus responsabilidades dentro de la comunidad. (“Convención sobre los derechos del niño, Ley nº 23.849, de 2 de septiembre de 1990”, In Derechos de niñas, niños, adolescentes y mujeres, compendio legislativo internacional y nacional para la protección de sus derechos. Unicef. Buenos Aires, enero de 2010).

34 (“Declaración Universal de los Derechos Humanos de 10 de diciembre de 1948”, In Derechos de niñas, niños, adolescentes y mujeres, compendio legislativo internacional y nacional para la protección de sus derechos. op. cit.).

35 (“Convención Americana sobre Derechos Humanos, San José, Costa Rica, 7 al 22 de noviembre de 1969”. In Derechos de niñas, niños, adolescentes y mujeres, compendio legislativo internacional y nacional para la protección de sus derechos. Op. cit.).

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respeto de estas leyes36. Es decir todos los estándares de la justicia juvenil en el ámbito internacional debe ser apreciado por los Estados que, una vez ratificados los tratados de protección supra mencionados incorporaren en su legislación interna. En este sentido Baratta sostiene que:

El principio central de la estrategia dirigida a implementar una protección integral de los derechos de la infancia es el de restablecer la primacía de las políticas sociales básicas, respetando la proporción entre estas y las otras políticas públicas previstas en la Convención. Esto significa, en primer lugar, que las políticas sociales básicas, tienen una función primaria y general y que con respecto a estas, todas las otras políticas deben ser subsidiarias y residuales; en segundo lugar, que la concepción dinámica del principio de igualdad impone a los Estados-parte de la Convención y a la comunidad internacional respectivamente, el respeto de un estándar mínimo de las normas del Estado social y de una regulación del desarrollo económico que respete los criterios del desarrollo humano y no sea contrario a ellos.37

La idea que se tiene es que los Estados miembros se comprometen a cumplir por lo menos los mismos derechos, y de una forma equitativa, es decir, cuanto más Estados hacen parte de la Convención más uniforme se queda la protección de los niños en el ámbito internacional. Acreditamos que la idea es de uniformidad pero aún así como norma internacional hay puntos amplios que necesitan un análisis cuidadoso por parte de los legisladores de cada Estado miembro afines de buscar la máxima efectividad38 dentro de su derecho interno39.

36 En este sentido la crítica de Beloff interesante porque: “las decisiones más allá de la relevancia obvia que las caracteriza, no son muy sofisticadas ni han generado estándares significativos. En rigor, la Corte Interamericana tuvo diferentes oportunidades, todas recientes, de fijar estándares mejores para un continente que, como mencioné, durante quince ano ha realizado considerables esfuerzos teóricos y políticos en este tema; sin embargo, los estándares fijados por la Corte Interamericana de Derechos Humanos son muy débiles”. (BELOFF, Mary. “Reforma legal y derechos económicos y sociales de los niños: las paradojas de la ciudadanía”. In Revista jurídica de Buenos Aires. Departamento de publicaciones. Facultad de derecho, UBA, 2007. p. 83).

37 BARATTA, Alessandro. “Infancia y democracia”. In Infancia, ley y democracia en América Latina. Compiladores, Emilio García Méndez y Mary Beloff. Santa Fe de Bogotá: Editorial Temis S.A., 1998. p. 33.

38 Cabe aclarar la interesante reflexión que hace Beloff acerca de estos nuevos estándares den la justicia juvenil en Latinoamérica que son las normas de derecho internacional y derechos humanos e las leyes nacionales de protección al niño, lo gran problema es que la simple aprobación de leyes de nada sirve se no se busca la resolución de problemas estructurales del Estado para propiciar la mínima efectividad de estas leyes, fue lo que ya decimos en nota anterior, hay que ofrecer lo mínimo y buscar la solución para problemas como desigualdad social, índices de miseria exorbitantes, es decir, estas leyes no están ahí para resolver estos problemas, sino para garantizar los derechos básicos de los menores, esta base sólida, esta estructura social el Estado tiene el compromiso de ofrecer para que tengan una utilidad estas leyes, para que no se queden solamente como un objeto simbólico de protección que no tiene función alguna porque nada se cumple.(BELOFF, op. cit., p. 79).

39 “Como ha sido mencionado reiteradamente, adecuar el derecho interno del país a los compromisos internacionales requiere revisiones normativas de consideración, análisis que se hace aún más complejo cuando se trata principalmente de la adecuación a un tratado cuyas cláusulas son, en general, imprecisas y vagas. (BELOFF, Mary. “Tomarse en serio a la infancia, a sus derechos y al derecho sobre la “Ley de protección

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Precisamente por tratarse de un tratado que tiene las características antes señaladas es necesario entender que este fijo mínimos que en la mayoría de los casos es preciso construir aun como tales con la ayuda del resto de las normas que informan el Derecho Internacional de los derechos humanos de la infancia. De ahí la obligación de los juristas de esmerarse en sus desarrollos argumentales para construir un Derecho mejor para niños y niñas que realice concretamente sus derechos y no sólo los declare retóricamente con la consecuencia de producir en la realidad mayor descuido, violencia y aflicción.40

En Argentina y Brasil, una vez ratificados tienen el nivel de las normas constitucionales, los dos países tienen el entendimiento que los tratados internacionales que versan sobre materia de derecho de los derechos humanos tienen o por lo menos o deben tener el nivel de protección máximo por parte del Estado, esto es el carácter de norma constitucional.

En argentina empezó esta forma de pensar a respecto de los tratados internacionales de derechos humanos con la reforma constitucional en 1994, artículo 75, § 22º parte final, [...] los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobadas por el Congreso, requerirán del voto de las terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional. Sin embargo tardó pero aun así lo hizo Brasil41 en 2004 por medio de la Emenda Constitucional nº 45 que incorporó el párrafo 3º en el artículo 5º de la Constitución Brasileña, Artículo 5º, § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais.

En argentina empezó esta forma de pensar a respecto de los tratados internacionales de derechos humanos con la reforma constitucional en 1994, artículo 75, § 22º parte final, [...] los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobadas por el Congreso, requerirán del voto de las terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional. Sin embargo tardó pero aun así lo hizo Brasil42

integral de los derechos de las niñas, los niños y adolescentes”, nº 26.061. In Revista de Derecho de Familia. Editorial LexisNexis. nº 33. Buenos Aires, marzo/abril, 2006. p. 1-33).

40 BELOFF, op. cit, p. 140.41 Es importante mencionar aquí que Brasil hizo su reforma constitucional para tener la opción de receptar

tratados sobre Derechos Humanos con jerarquía constitucional, una medida ya tardía frente a vecinos como por ejemplo Argentina. Sin embargo con relación a adecuación de las leyes internas en conformidad con la CDN, Brasil con la aprobación del Estatuto del Niño y el Adolescente (ECA) ya mencionado (Ley nº 8.069, de 13.07.1990), aprobado en 1990 fue según Emilio García Mendez fue “la primera adecuación sustancial de una ley nacional a la CDN en América Latina”. (MENDEZ, Emilio García, “Entre el autoritarismo y la banalidad: infancia y derechos en América Latina”. In Justicia y derechos del niño.nº 6, Unicef, Santiago de Chile. Noviembre de 2004, disponible en: http://www.unicef.org/argentina/spanish/ar_insumos_PEJusticiayDerechos6.pdf).

42 Es importante mencionar aquí que Brasil hizo su reforma constitucional para tener la opción de receptar tratados sobre Derechos Humanos con jerarquía constitucional, una medida ya tardía frente a vecinos como

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en 2004 por medio de la Emenda Constitucional nº 45 que incorporó el párrafo 3º en el artículo 5º de la Constitución Brasileña, Artículo 5º, § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais.

Así que cualquier tratado, o convención internacional aprobado por cualquier de los dos países en materia de derechos humanos una vez ratificado por ambos Estados tendrán estatus de norma constitucional.

5 EL TEMA DE LA “MODA” EN BRASIL: ¿DE NUEVO LA REDUCCIÓN DE IMPUTABILIDAD PENAL?

Confieso que no tenía la pretensión de hacer una actualización sobre este trabajo, si lo hubiera pensado, por lo menos la idea central sería sobre algún tema apoyado más sobre las garantías de los niños, el proceso de humanización del individuo, los mecanismos de protección de los Estados desde sus fronteras e sus herramientas de derechos humanos y de plan internacional para una efectiva protección de nuestros jóvenes43. Infelizmente no es lo que sucede. Traigo este tema por la preocupación que tengo en que sea aprobado en Brasil la reducción de imputabilidad penal de 18 años para 16 años por medio de la PEC 171/1993. Más allá de que el tema desde el plan académico sea un debate más que superado, debemos traer la discusión para que por lo menos desde una tentativa de los juristas comprometidos con el Estado democrático de derecho hablen sus razones y que sus voces lleguen una manera incisiva, repetitiva, o sea, de tanto que hablamos puede ser que la sociedad y el sector político mayoritario tenga una toma de consciencia e no incorpore a su legislación penal una medida totalmente incoherente, desconectada de los caminos que deben seguir el derecho penal. Mi apropio de las palabras de mi profesor y orientador Salah H. Khaled Jr.44“NÃO PASSARÃO”!

Hoy por hoy, hablamos en reducir al máximo el encarcelamiento de los imputables, ampliar este rango consiste en caminar en el sentido contrario del progreso. No hay fundamento empírico, jurídico, moral, o sea, no hay razón

por ejemplo Argentina. Sin embargo con relación a adecuación de las leyes internas en conformidad con la CDN, Brasil con la aprobación del Estatuto del Niño y el Adolescente (ECA) ya mencionado (Ley nº 8069, de 13.07.1990), aprobado en 1990 fue según Emilio García Mendezfue ”la primera adecuación sustancial de una ley nacional a la CDN en América Latina”. (MENDEZ. Op. cit.).

43 “Os Sistemas de Responsabilidade Penal Juvenil (SRPJ), instaurados a partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CIDC), são de uma releitura tão inovadora e crítica quanto correta das “velhas” garantias constitucionais que supõem, dentre muitas outras coisas, a incorporação plena de todos os direitos fundamentais que asseguram nada menos que o devido processo para todos os menores de idade em conflito com a lei penal”. (MENDEZ, Emilio Garcia. “A responsabilidade penal juvenil na encruzilhada”. In Boletim do IBCCRIM, 271, junho/2015. Disponible en: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5435-A-responsabilidade-penal-juvenil-na-encruzilhada. Acceso: 12 jun. 2014).

44 KHALED Jr., Salah H. “Manifesto contra a redução da maioridade penal”. Disponible en: http://justificando.com/2015/03/24/manifesto-contra-a-reducao-da-maioridade-penal/. Acceso: 12 jun. 2015.

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en aprobar tal medida. La única explicación es una tendencia sensacionalista, reproducida por los medios45 que solamente objetivan incrementar un Estado de caos, transformar un Estado democrático de derecho en construcción en un Estado de excepción permanente.

Es interesante resaltar que la sensación de inseguridad aumenta de manera desproporcional, o sea, las personas tiene recelo de salir a la calle, en el tránsito hay el temor del robo. Los últimos casos en el Río de Janeiro, del robo de las bicicletas, particularmente la muerte del médico que fue muerto por dos chicos con un cuchillo aumentó la presión popular para que se reduzca la imputabilidad penal. Este tema de los niños con cuchillos también hizo una discusión menos intensa sobre la criminalización del porte de cuchillos, que en Brasil se conoce como “porte de arma branca”, o sea cada vez más conductas son criminalizadas bajo el pretexto de combate a la delincuencia.

Sin embargo, aún con relación al caso del médico muerto por los chicos, hay que resaltar la “eficacia” de la policía en dar la respuesta, o sea, en pocos días los dos “culpables”46 ya estaban detenidos. Curioso que algunas semanas después del ocurrido, la investigación terminada, un niño se dirige a la comisaria e confiesa ter matado el médico. Este caso es interesante para que se analice la respuesta policial ante un caso en que muere una persona de clase social favorecida, donde la prensa reporta el caso imponiendo la presión por “medidas” que traigan la seguridad perdida. Debemos aclarar que ante tal hecho, no importa quién hizo el robo, quien apuñaló el médico, lo que importa es una respuesta a la sociedad, ahora imagínense con la reducción de la imputabilidad penal cuantos jóvenes como los dos que fueron responsabilizados por la policía en su brillante investigación responderán un proceso criminal por cuenta de una respuesta inmediata a un problema complejo.

Las agencias no tratan el tema con la seriedad debida, con la protección débil que los jóvenes de Brasil tienen, sus derecho ya son quebrantados, reduciendo aún más, o sea inserir la imputabilidad penal para 16 años estaremos abriendo las puertas de la barbarie47. Adherir a medidas de cuño autoritario, hablar ante la sociedad prometiendo respuestas concretas a problemas reales, e presentarles la reducción de la imputabilidad penal es una total falta de

45 DIETER, Maurício Stegemann; SOUZA, Luciano Anderson. “Irracionalismo e redução da maioridade penal” In Boletim do IBCCRIM, 271, junho/2015. Disponible en:http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5441-Irracionalismo-e-reduo-da-maioridade-penal. Acceso: 12 jun. 2014.

46 En este sentido es interesante la reflexión acerca de la criminalización primaria y secundaria compartida por Zaffaroni donde la un número reducido de personas son sometidas por medio de una selección a sufrir esta criminalización como mantenimiento del poder de los Estados. Esta criminalización se suele llamar sistema penal. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SKOLAR, Alejandro. Derecho penal. parte general. 2. ed. Buenos Aires: Editora Ediar, 2002. p. 7).

47 La Expresión Holocausto planteada por Khaled Jr. no es imprecisa cuando aproxima el exterminio masivo de los judíos por la Alemania nazi con la propuesta de reducción de la imputabilidad penal. (KHALED Jr. Op. cit.).

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compromiso con el problema actual48 e una total irresponsabilidad con los problemas futuros, pues frente a esto, caso la medida sea aprobada la única realidad que tendremos es un aumento considerable de la margen de excluidos en nuestro contexto social. Esto llevará a un aumento de la criminalidad, pues estos jóvenes entrarán más temprano en la cárcel e consecuentemente de este lugar saldrán peores, de esta forma ahí sí habrá una criminalidad más intensa.

La verdad ante al tema es que nuestra sociedad no tiene la consciencia de que los problemas sociales son de todos y no solamente del Estado49, excluir personas50 como es la práctica común de nuestro sistema económico siempre llevará a un margen de criminalidad, tener en cuenta esto y buscar políticas de inserción es el paso hacia una reducción de la violencia51. Infelizmente esa política de inserción social se hace por parte de los criminosos que absorben estos jóvenes que el Estado no alcanza abarcar, frente a esto, los niños son usados como herramientas por parte de las organizaciones criminosas. Las facciones criminosas son el Estado para los niños, por ellos tienen dinero, condiciones de ser absorbidos dentro del mercado que consume, pero cuando el verdadero Estado lo alcanza es para imponer la violencia, siendo que el verdadero criminoso casi nunca es alcanzado. Sufrimos de un gran problema en el tocante a la criminalización, prendemos y condenamos como el enemigo siempre el más débil, al paso que los verdaderos criminales nadie les toca, por el simple hecho de que no son torpe para caer en la selectividad del sistema penal.

Los argumentos sociales son las más diversos, podríamos apenas aquí recurrir a la tendencia político-criminal del Ley y Orden a cual sabemos que nunca se objetivó a nadie que no sea la represión, no siendo eficaz en sus

48 “A proposta de redução da idade de imputabilidade penal é uma sandice, pois pressupõe equivocadamente que tenha a eficácia de reduzir os índices de criminalidade na adolescência. Na realidade, parte da ideia da vingança, da retribuição, do castigo. Não tem compromisso com a paz; o objetivo é o espelhar na pena o mal causado pela infração”. (PAULA, Paulo Afonso Garrido de. “Redução da inimputabilidade e racionalidade”. In Boletim do IBCCRIM. 271, junho/2015. Disponible en: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5437-Reduo-da-inimputabilidade-e-racionalidade. Acceso: 12 jun. 2015).

49 “O egoísmo de quem exige soluções mas entende que elas devam ser produzidas exclusivamente pelo governo, sem a participação da sociedade, satisfaz-se com esse discurso. Assim como se afeiçoa à ideia da pena de morte. Não quer enxergar a responsabilidade pessoal de cada ser consciente, nem assumir a parcela de culpa decorrente da nefasta omissão de quase todos, ante o evidente descalabro deste convívio sem rumos e sem perspectivas” .(NALINI, José Renato. “Um equívoco reducionista”. In Boletim do IBCCRIM. 271, Junho/2015. Disponible en: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5434-Um-equvoco-reducionista. Acceso: 12 jun. 2014).

50 GIANELLA, Berenice Maria. “Porque não aprovar a PEC 171/93”. In Boletim do IBCCRIM, 271, junho/2015.Disponible en:http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5438-Porque-no-aprovar-a-PEC-17193. Acceso: 12 jun. 2015.

51 Frasseto e Vay con maestría sostienen que “A almejada paz social não será alcançada pela maior criminalização ou punição dos seres humanos, senão com uma substancial alteração nas estruturas econômicas e sociais, a permitir a efetivação do bem coletivo, fim último a que deveria se prestar o Estado”. (FRASSETO, Flávio Américo; VAY, Giancarlo Silkunas. “Encruzilhadas entre o panpunitivismo e a redução da maioridade penal”. In Boletim do IBCCRIM, 271, junho/2015. Disponible en: http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5436-Encruzilhadas-entre-o-panpunitivismo-e-a-reduo-da-maioridade-penal. Acceso: 12 jun. 2015).

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objetivos propuestos, cual sea la reducción de la criminalidad, mientras que para la hostilización, criminalización de los más pobres esta tendencia fue fuertemente eficaz. La solución de problemas sociales se hace solamente de una forma: comprender el problema, buscar soluciones de plan general, me refiero a abarcar a todos. Medidas de esa naturaleza llevan tiempo, mucho dinero, dos cosas que el poder político no está dispuesto a abrir mano para el problema de los niños. Además que no tiene el apoyo popular, entonces la medida inmediatista se pone en práctica. La eliminación del problema por la criminalización.

Sin embargo, no se puede dejar de mencionar el gran negocio que es la reducción de la imputabilidad penal, o sea, sin considerar lo básico que es la dignidad humana, haya visto que esto es totalmente desconsiderado por nuestros operadores políticos, aquel que piensa en punir criminalmente un menos de edad no está preocupado con derechos humanos. Pero el problema que estamos tratando aquí es simple, pura física, ya tenemos un número más allá de lo aceptable en nuestras cárceles.¿Cómo hacer frente a un número creciente de presos normales, considerando un aumento que no se puede mensurar precisamente con la reducción de la menoridad penal? No hay espacio físico para todos, alguien podría decir que póngase la gente en estos depósitos de gente e listo. Sabemos que no es así que funciona, el negocio de los presidios privados está ahí, el modelo que más personas están presas tienen esa realidad. ¿Las cárceles privadas con poder político y económico harán algo en el sentido de políticas públicas con el intuito de reducir la violencia? La única vía que se tiene sí tal medida adentre en nuestro ordenamiento jurídico es la máxima expansión penal, es evidente, cuanto más crímenes, mayor las probabilidad de personas detenidas, un óptimo negocio.

Por fin, el tema no prospera por cuestión de simple inconstitucionalidad, no importa que el artículo de la constitución nuestra Corte Constitucional ya se posicionó sobre el tema52. Sin hablar de los dispositivos internacionales que obligan Brasil a mantener una política de protección a sus jóvenes y no promover su destrucción. Sin considerar que hay el principio de prohibición del retroceso de los derechos fundamentales53, entendiendo como la mayoría de los que tienen la razón como norte de que la reducción de la imputabilidad penal conlleva al retroceso, quizás sus defensores piensen en el progreso social la idea de poner en las cárceles jóvenes.

El tema genera mucha discusión, eso es sabido, los argumentos son los más diversos, pero para aquellos que realmente piensan, para los que miden

52 KHALED Jr. Op. cit.53 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. “O princípio da vedação de retrocesso na jurisprudência pátria – análise

de precedentes do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Regionais Federais e da Turma Nacional de Uniformização”. In Revista de doutrina TRF4. Disponible en: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao036/sergio_tejada.html. Acceso: 13 jun. 2015.

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los hechos más allá de pasiones de víctimas los argumentos en contra la reducción son innegables, levantando a bandera de la inconstitucionalidad y de la prohibición del retroceso de los derechos fundamentales, de los derechos humanos de modo general no hay mucho que decir sobre el tema. Pero el llamamiento frente al tema reside en una cuestión más importante, o sea, tomar un posicionamiento con relación al problema, no basta pensar a favor o en contra, es necesario posicionarse, hablar sobre el tema. Me refiero a toda la sociedad, los operadores del derecho son obligados a tener un posicionamiento, es su responsabilidad por la profesión que eligieran. Ahora la sociedad precisa tener su posición, militar sobre el tema, en esto consiste la construcción de una sociedad democrática, comprometida con sus problemas, preocupada con la construcción de un Estado democrático de derecho. Por fin hablo a los omisos, si tal propuesta adentra en nuestro ordenamiento, sepa que usted será responsable por el genocidio de las cárceles, usted será responsable por las muertes de estos jóvenes, responsable por la pierda de la condición social de niños que no tienen atención del Estado e culminan su exclusión total por medio de su criminalización. Los moralistas que tengan en cuenta esta responsabilidad e tomen consciencia ante el tema, tomen su posicionamiento acerca de un problema social de todos. No olviden, todos somos responsables por nuestros niños!

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 68, 2016, 205-226, mar-abr 2016

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Clipping Jurídico

Ação judicial para acessar cadastro em entidade de proteção ao crédito terá que cumprir requisitos

Ação judicial para acesso ao cadastro em entidade de proteção ao crédito terá que cumprir requisitos para que seja aceita no Judiciário, segundo decisão unânime da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão foi tomada no jul-gamento de recurso especial, considerado repetitivo por existirem vários casos se-melhantes, de uma cidadã que ajuizou ação contra a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre para acessar o extrato de sua pontuação e os critérios do Crediscore (método de análise de risco de concessão do crédito). • Falta de esclarecimento: A autora da ação alegou que não obteve os esclarecimentos, apesar de requerimento feito no departamento de atendimento ao consumidor e pelo o serviço do Fale conosco, no endereço eletrônico da entidade. A autora salientou ainda que, de-pendendo do teor da documentação, iria ajuizar uma ação indenizatória contra a Câmara de Dirigentes de Porto Alegre, mas tanto o juiz de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negaram a ação. Inconforma-da, a autora interpôs recurso especial no STJ argumentando que a entidade não disponibilizou o extrato do Crediscore, apesar de o produto conter informações pessoais que são fornecidas às empresas associadas. Mesmo antes do julgamento, o recurso foi considerado repetitivo, porque, como salientou o Relator do caso no STJ, Ministro Luis Felipe Salomão, já há diversas ações relacionadas ao Crediscore, “podendo ser considerada como mais uma demanda de massa”. No voto, o relator manteve a decisão das instâncias inferiores e propôs a criação de requisitos de admissibilidade para ações semelhantes, como a comprovação de que “a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída”. Outro requisito é a demonstração do requerimento para obtenção dos dados ou “a tenta-tiva de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação, com a fixação de prazo razoá vel para atendimento”, afirmou o ministro no voto, aprovado por unanimidade. REsp 1304736. Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

Mantida indenização à vítima do Regime Militar

Em decisão unânime, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ne-gou recurso da União e manteve o julgamento do Tribunal Federal da 3ª Região (TRF3) que determinou o pagamento de indenização à enfermeira aposentada que alega ter sido presa, torturada e banida do Brasil durante o Regime Militar. No pedido de indenização por danos morais, a aposentada narrou que exercia atividades de enfermagem nas décadas de 1960 e 1970 e, nas horas vagas, costu-mava atuar como produtora cultural. Ela disse que, em razão de defender causas como o fim da censura e da tortura, passou a integrar movimentos de resistência, usando, inclusive, nomes fictícios. • Fuzilamento simulado: Apesar de tentar es-conder sua identidade, a autora do processo foi presa em janeiro de 1969. Du-rante os 17 meses em que permaneceu na prisão, a enfermeira alegou ter sofrido uma série de ações de tortura, como um fuzilamento simulado e a aplicação do chamado “soro da verdade” – substância narcótica utilizada para tentativa de

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controle psíquico do torturado. Após o período de cárcere, a aposentada afirmou ter sido banida do território brasileiro em troca da libertação do embaixador da República Federativa da Alemanha, Von Holleben. Ela permaneceu na Cidade de Argel, na Argélia, durante mais de nove anos, tendo retornado apenas em 1979, com a lei que concedeu anistia aos presos políticos (Lei nº 6.683/1979). • Prisão e tortura: Na primeira instância, a enfermeira teve o pedido de indenização ne-gado. A sentença registrou que não havia provas suficientes para estabelecer a condenação da União pelos atos relatados pela requerente. Todavia, em segunda instância, o TRF3 entendeu que a autora comprovou ter sido efetivamente presa durante o período ditatorial. Com base em laudos médicos que atestavam dese-quilíbrio mental da autora em virtude das agressões sofridas, os desembargadores do TRF3 também se posicionaram favoravelmente ao reconhecimento da tortura. O Tribunal arbitrou indenização por danos morais no valor total de R$ 100 mil. • Violações: A União trouxe o caso ao STJ por meio de recurso especial, com a alegação de que houve prescrição do direito da autora de pedir a indenização por danos morais. No voto condutor, o Ministro Herman Benjamin apontou que são imprescritíveis as violações de direitos humanos, “principalmente quando ocor-reram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões”. REsp 1577411. Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

Carro arrematado como sucata em leilão judicial não pode voltar a trafegar

Um carro arrematado como sucata, assim definido no edital de um leilão judicial, não pode ser consertado para uso pessoal e voltar a trafegar pelas ruas, segundo decisão unânime da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os mi-nistros julgaram um recurso em mandado de segurança proposto por cidadão que arrematou um veículo, em 2011, em leilão realizado na Cidade de Indaiatuba, no Estado de São Paulo. • Condições de uso: Após arrematar o bem, o cidadão alegou que o automóvel tinha condições de uso e que não poderia ter sido considerado sucata e reivindicou seu “direito líquido e certo” ao licenciamento para voltar a circular com o veículo. Segundo ele, em nenhum momento foi informado de que seriam vendidas sucatas e, inclusive, foi chamado para pagar taxas de licenciamen-to e transferência para seu nome. Afirmou, ainda, que é plenamente possível repa-rar o veículo para que volte a trafegar, de acordo com os orçamentos realizados. Assim, pediu para que o Departamento de Trânsito (Detran) fizesse a transferência do veículo para o seu nome. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não acolheu o pedido por considerar que estava explícito no edital do leilão que o veículo arre-matado somente poderia ser vendido como sucata, não podendo ser reparado para uso pessoal. Inconformado, o cidadão recorreu, então, para o STJ, mas o Relator do caso, Ministro Humberto Martins, reiterou a decisão do TJSP, ressaltando que o edital do leilão “era claro ao prever a condição de sucata do veículo”. RMS 44493. Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

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União é condenada a pagar despesas médicas de militar acidentado durante treinamento

A 6ª Turma do TRF da 1ª Região confirmou sentença do Juízo Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária de Goiás que condenou a União ao pagamento dos gastos médi-cos de uma vítima de acidente durante a realização de exercícios físicos no Exérci-to Brasileiro. O Colegiado ainda aumentou a condenação da União em honorários advocatícios de R$ 7 mil para R$ 10 mil. A decisão foi unânime. O militar entrou com ação na Justiça Federal requerendo a condenação da União ao pagamento de indenização em virtude de acidente ocorrido durante sua participação em exer-cício de treinamento no serviço militar obrigatório, que acarretou lesão em seu joelho esquerdo, gerando incapacidade funcional parcial. Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente para condenar a União ao pagamento das despesas médicas, ao pagamento de pensão mensal vitalícia em 40% do soldo correspondente à graduação a que pertencia por ocasião do licenciamento, bem como ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 7 mil. Inconforma-da, a parte autora recorreu ao TRF1 pretendendo a reforma da sentença para obter: indenização por ato ilícito ou moral; custeio do tratamento por meio do pagamen-to de plano ou seguro-saúde; aumento do valor da pensão e majoração da verba honorária. A União, por sua vez, requereu a improcedência total do pedido. Ao analisar o caso, a Turma entendeu que apenas o valor dos honorários advocatícios deve ser reformado. “Correta a sentença na parte que condenou a União ao paga-mento de despesas médicas pendentes, mediante a comprovação pelo autor de sua real necessidade e da relação do tratamento com os danos decorrentes do sinistro, não havendo que se falar em deferimento do pagamento de plano de saúde ou comprovação das despesas tão somente após a realização da intervenção médica”, afirmou o Relator, Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, em seu voto. O magistrado também pontuou que a sentença que fixou a pensão mensal vitalícia em 40% dos soldo correspondente à graduação a que pertencia por ocasião do li-cenciamento deve ser mantida, “vez que esta porcentagem corresponde à perda da capacidade laborativa parcial do autor”. Sobre o pedido de indenização por danos morais, o desembargador entendeu improcedente o pedido, “uma vez que aludida verba não foi pedida na petição inicial, bem como não há na peça qualquer alega-ção da ocorrência de danos de ordem imaterial”. Por fim, com relação ao pedido de majoração da verba honorária, o magistrado esclareceu que a concessão de maior parte do pedido do autor atrai a regra prevista pelo art. 21 do Código de Processo Civil (CPC), segundo a qual, “se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários. Dessa forma, acompanho entendimento da jurisprudência do TRF1 e atribuo à União o paga-mento dos honorários advocatícios que fixo em R$ 10 mil”. Processo nº 0002361-44.2008.4.01.0000/GO. Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Garantido ao Fisco acesso a dados bancários dos contribuintes sem necessidade de autorização judicial

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na sessão desta quarta-fei-ra (24), o julgamento conjunto de cinco processos que questionavam dispositivos

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da Lei Complementar (LC) nº 105/2001, que permitem à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial. Por maioria de votos – 9 a 2 –, prevaleceu o entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de tercei-ros. A transferência de informações é feita dos bancos ao Fisco, que tem o dever de preservar o sigilo dos dados, portanto, não há ofensa à Constituição Federal. Na se-mana passada, foram proferidos seis votos pela constitucionalidade da lei, e um em sentido contrário, prolatado pelo Ministro Marco Aurélio. Na decisão, foi enfatiza-do que Estados e Municípios devem estabelecer em regulamento, assim como fez a União no Decreto nº 3.724/2001, a necessidade de haver processo administrativo instaurado para a obtenção das informações bancárias dos contribuintes, devendo--se adotar sistemas certificados de segurança e registro de acesso do agente público para evitar a manipulação indevida dos dados e desvio de finalidade, garantindo--se ao contribuinte a prévia notificação de abertura do processo e amplo acesso aos autos, inclusive com possibilidade de obter cópia das peças. Na sessão desta tarde, o Ministro Luiz Fux proferiu o sétimo voto pela constitucionalidade da nor-ma. O ministro somou-se às preocupações apresentadas pelo Ministro Luís Roberto Barroso quanto às providências a serem adotadas por Estados e Municípios para a salvaguarda dos direitos dos contribuintes. O Ministro Gilmar Mendes também acompanhou a maioria, mas proferiu voto apenas no Recurso Extraordinário (RE) nº 601314, de relatoria do Ministro Edson Fachin, e na Ação Direta de Inconsti-tucionalidade nº 2859, uma vez que estava impedido de participar do julgamento das ADIns 2390, 2386 e 2397, em decorrência de sua atuação como advogado--geral da União. O ministro afirmou que os instrumentos previstos na lei impug-nada conferem efetividade ao dever geral de pagar impostos, não sendo medidas isoladas no contexto da autuação fazendária, que tem poderes e prerrogativas es-pecíficas para fazer valer esse dever. Gilmar Mendes lembrou que a inspeção de bagagens em aeroportos não é contestada, embora seja um procedimento bastante invasivo, mas é medida necessária e indispensável para que as autoridades alfan-degárias possam fiscalizar e cobrar tributos. O decano do STF, Ministro Celso de Mello, acompanhou a divergência aberta na semana passada pelo Ministro Marco Aurélio, votando pela indispensabilidade de ordem judicial para que a Receita Federal tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes. Para ele, embora o direito fundamental à intimidade e à privacidade não tenha caráter absoluto, isso não significa que possa ser desrespeitado por qualquer órgão do Estado. Nesse con-texto, em sua opinião, o sigilo bancário não está sujeito a intervenções estatais e a intrusões do poder público destituídas de base jurídica idônea. “A administração tributária, embora podendo muito, não pode tudo”, asseverou. O decano afirmou que a quebra de sigilo deve se submeter ao postulado da reserva de jurisdição, só podendo ser decretada pelo Poder Judiciário, que é terceiro desinteressado, de-vendo sempre ser concedida em caráter de absoluta excepcionalidade. “Não faz sentido que uma das partes diretamente envolvida na relação litigiosa seja o órgão competente para solucionar essa litigiosidade”, afirmou. O presidente do STF, Mi-

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nistro Ricardo Lewandowski, último a votar na sessão desta quarta, modificou o entendimento que havia adotado, em 2010, no julgamento do RE 389808, quando a Corte entendeu que o acesso ao sigilo bancário dependia de prévia autorização judicial. “Tendo em conta os intensos, sólidos e profundos debates que ocorreram nas três sessões em que a matéria foi debatida, me convenci de que estava na sen-da errada, não apenas pelos argumentos veiculados por aqueles que adotaram a posição vencedora, mas sobretudo porque, de lá pra cá, o mundo evoluiu e ficou evidenciada a efetiva necessidade de repressão aos crimes como narcotráfico, lava-gem de dinheiro e terrorismo, delitos que exigem uma ação mais eficaz do Estado, que precisa ter instrumentos para acessar o sigilo para evitar ações ilícitas”, afir-mou. O Relator das ADIns, Ministro Dias Toffoli, adotou observações dos demais ministros para explicitar o entendimento da Corte sobre a aplicação da lei: “Os Es-tados e Municípios somente poderão obter as informações previstas no art. 6º da LC 105/2001, uma vez regulamentada a matéria, de forma análoga ao Decreto Federal nº 3.724/2001, tal regulamentação deve conter as seguintes garantias: pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobran-ça no procedimento administrativo instaurado; a prévia notificação do contribuinte quanto a instauração do processo e a todos os demais atos; sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico; existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam certificados e com registro de acesso; estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de desvios”. Fonte: Supremo Tribunal Federal.

Exclusão de ressarcimento de valores não descaracteriza o dano ao Erário

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que uma conduta considerada ilegal de acordo com a Lei de Improbidade Administra-tiva pode ser caracterizada como lesão ao Erário, mesmo que a decisão judicial exima o réu de restituir valores ao Erário. A discussão surgiu durante a análise de um agravo regimental interposto ao REsp 1288585. No caso, a Companhia de Lim-peza Urbana de Niterói contratou um escritório de advocacia sem licitação, jus-tificando a contratação pela especialização e conhecimento notório do escritório. Essa, alegou a estatal, seria uma das condições que caracterizam inexigibilidade de licitação. • Gasto em questão: O Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com ação civil pública contra a administração municipal e o escritório, alegando que a autarquia possuía corpo jurídico próprio. Sustentou também que o escritório não se enquadrava como de notória especialização, já que o registro do advogado respon-sável fora obtido 12 dias antes da assinatura do contrato. O MP pedia a condena-ção dos réus com base nos arts. 10 e 12 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). Entre outros itens, a ação pedia a devolução dos valores pagos no contrato (R$ 700 mil). O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou os réus a restituírem os valores pagos, suspendeu os direitos políticos de ambos e proibiu o advogado de contratar com o poder público por cinco anos. • Afastamento de va-lores: Ao recorrer para o STJ, os réus obtiveram em 2012 uma decisão favorável no sentido de terem afastada a necessidade de ressarcir os valores pagos. Segundo o

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Tribunal, havendo a comprovação dos serviços prestados, a restituição dos valores mostrava-se indevida. No agravo interposto pelo diretor do escritório de advocacia, o réu questiona a parte do recurso especial rejeitada pela Corte. O argumento da defesa é que não seria possível manter as demais condenações exclusivamente com base no art. 10 da Lei nº 8.429, que cita prejuízo ao Erário. Para a defesa, se não houve prejuízo ao Erário, o acórdão do Tribunal de Justiça deveria ser to-talmente reformado. Ao negar o agravo, o Relator do processo, o Desembargador Convocado Olindo Menezes, sustentou que, apesar do afastamento da necessidade de restituir valores, ainda é possível caracterizar a conduta do réu como um ato de improbidade administrativa que causou lesão ao Erário. O desembargador lembrou que, se houvesse um processo licitatório, o poder público poderia ter contratado os mesmos serviços por um valor menor. A Ministra Regina Helena Costa reforçou o posicionamento do relator. Ela explicou que o caso analisado é um exemplo inequívoco de dano ao Erário, pois, mesmo com a comprovação dos serviços, não é possível saber se eles foram prestados de forma satisfatória, uma vez que pode-riam ser obtidos de modo mais vantajoso se a autarquia realizasse a licitação. Por outro lado, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho argumentou que a decisão do Tribunal de afastar o ressarcimento de valores impede a condenação com base no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa. No entendimento do magistrado, não se trata de analisar o mérito da questão, mas apenas de respeitar a decisão anterior de afastar a devolução de valores pagos. Por maioria, a Primeira Turma negou pro-vimento ao agravo, mantendo a condenação por improbidade administrativa, pelo art. 10 da Lei de Improbidade, mesmo sem ocorrer a devolução dos valores. REsp 1288585. Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

Tratado de extradição pode ser aplicado a delitos ocorridos antes de sua cele-bração

O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve a prisão cautelar para fins de extradição do cidadão chinês Wanpu Jiang, investigado em seu país pela suposta participação em um golpe financeiro que lesou mais de duas centenas de pessoas. Na decisão, proferida na Prisão Preventiva para Extradição (PPE) nº 769, o ministro rejeitou argumento apresentado pela defesa, segundo o qual o tratado de extradição entre Brasil e China, promulgado no Decreto nº 8.431, de 9 abril de 2015, não poderia ser aplicado a crimes praticados antes de sua vigência. Segundo o entendimento adotado pelo decano do STF, a Corte admi-te a possibilidade de o tratado internacional aplicar-se a fatos criminosos ocorri-dos anteriormente à sua celebração. Isso porque tais convenções internacionais não tipificam crimes nem estabelecem penas. “As normas extradicionais, legais ou convencionais, não constituem lei penal, não incidindo, em consequência, a vedação constitucional de aplicação a fato anterior da legislação penal menos fa-vorável”, destacou o ministro ao citar precedente específico na matéria. O relator explicou, com apoio em magistério doutrinário, que a questão também é objeto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, formalmente incorporada

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ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 7.030/2009, que condiciona a aplicação retroativa dos tratados internacionais ao comum acordo entre os Estados celebrantes. No caso em questão, destacou que o Tratado de Extradição Brasil/China prevê expressamente essa possibilidade. Ainda segundo o ministro, mesmo que não fosse possível conferir eficácia retroativa a tratado de extradição, tal cir-cunstância não impediria a formulação do pedido, “pois este pode apoiar-se em outro fundamento jurídico, a promessa de reciprocidade, que constitui fonte formal do direito extradicional”. • Outras alegações: O ministro também rejeitou outros argumentos apresentados pela defesa, como o fato de inexistir condenação contra o extraditando em seu país de origem e o fato de ele ser casado com brasileira. No caso do casamento ou união estável, o STF já possui entendimento consolidado na Súmula nº 421, no sentido de que não se trata de obstáculo à extradição. No caso da ausência de condenação criminal, também é admitida a extradição com base em investigação policial ou em processo judicial em curso, desde que haja ordem de prisão expedida por autoridade estrangeira competente. “Não tem qualquer re-levo jurídico o fato de inexistir, no momento, ‘sentença condenatória’ contra o extraditando, pois, como se sabe, o ordenamento positivo brasileiro e o tratado bilateral de extradição Brasil/China expressamente reconhecem a possibilidade de formulação de pedido extradicional de caráter meramente instrutório”, afirma o relator. Outro ponto abordado pela defesa foi a alegação de que os atos praticados não cumprem o critério da dupla tipicidade – ou seja, não encontram paralelo na legislação penal brasileira. Para o ministro, os atos praticados encontram corres-pondência na legislação brasileira como crime contra o sistema financeiro (art. 16 da Lei nº 7.492/1986) e, até mesmo, estelionato (art. 171 do Código Penal). Fonte: Supremo Tribunal Federal.

Incabível habeas corpus contra decisão de ministro do STF

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou não ser cabível habeas corpus contra decisão monocrática de ministro da Corte. Se-gundo os ministros, para revisão de ato de relator, o instrumento adequado é o agravo interno. A decisão se deu no julgamento do Habeas Corpus (HC) nº 105959, impetrado contra ato do Ministro Cezar Peluso (aposentado, e então presidente do STF), que, na qualidade de relator do Inquérito nº 2424, o qual originou ações pe-nais relacionadas às operações Hurricane I e Hurricane II, prorrogou o prazo para a realização de escutas telefônicas anteriormente autorizadas. A defesa de P. R. C. M. S. e B. M. F. J., que respondem a ações penais decorrentes da operações, alegou que a decisão que autorizou a realização de escutas telefônicas por mais de 44 dias consecutivos teria sido “abusiva” e ausente de fundamentação. Os advogados plei-teavam a concessão da medida liminar para sustar o andamento de ações penais contra os investigados, declarar a nulidade das prorrogações e determinar o desen-tranhamento de todas as provas derivadas da ilicitude apontada e a anulação da denúncia. • Relator: O Ministro Marco Aurélio, Relator do HC 105959, na análise das questões preliminares, admitiu a impetração. Para o relator, o não cabimento

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de habeas corpus contra o pronunciamento individual de integrante do Supremo enfraquece a garantia constitucional, e o impedimento determinado na Súmula nº 606 do STF não alcança a situação jurídica do caso em análise, pois se trata de decisão monocrática e não colegiada. • Divergência: O Ministro Edson Fachin foi o primeiro a votar pelo não conhecimento do HC 105959. De acordo com Fachin, a Súmula nº 606 deu fundamento ao julgamento desta ação, ocasião na qual a Corte firmou a orientação do “não cabimento de habeas corpus contra ato de ministro re-lator ou contra decisão colegiada de Turma ou do Plenário do próprio Tribunal, in-dependentemente de tal decisão haver sido proferida em sede de habeas corpus ou em sede de recursos em geral”. Os Ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia acompanharam a divergência iniciada pelo Ministro Edson Fachin. Processo relacionado: HC 105959. Fonte: Supremo Tribu-nal Federal.

Pena pode ser cumprida após decisão de segunda instância, decide STF

Ao negar o Habeas Corpus (HC) nº 126292 na sessão desta quarta-feira (17), por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o Relator do caso, Ministro Teori Zavascki, a manutenção da sen-tença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assenta-ram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena. A decisão indica mudança no entendimento da Corte, que, desde 2009, no julgamento da HC 84078, condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva. Até 2009, o STF entendia que a presunção da inocência não impedia a execução de pena confirmada em segun-da instância. O habeas corpus foi impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que indeferiu o pedido de liminar em HC lá apresentado. A defesa buscava afastar mandado de prisão expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). O caso envolve um ajudante-geral condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão pelo crime de roubo qualificado. Depois da condenação em primeiro grau, a defesa recorreu ao TJSP, que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão. Para a defesa, a determinação da expedição de mandado de prisão sem o trânsito em julgado da decisão condenató-ria representaria afronta à jurisprudência do Supremo e ao princípio da presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal). • Relator: O Relator do caso, Ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. “Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibi-lidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria fixação da

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – CLIPPING JURÍDICO������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������235

responsabilidade criminal do acusado”, afirmou. Como exemplo, o ministro lem-brou que a Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória proferida por órgão colegiado. “A presunção da inocência não im-pede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”. No tocante ao direito internacional, o ministro citou manifestação da Ministra Ellen Gracie (aposentada) no julgamento do HC 85886, quando salientou que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando re-ferendo da Suprema Corte”. Sobre a possibilidade de se cometerem equívocos, o ministro lembrou que existem instrumentos possíveis, como medidas cautelares e mesmo o habeas corpus. Além disso, depois da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004, os recursos extraordinários só podem ser conhecidos e julgados pelo STF se, além de tratarem de matéria eminentemente constitucional, apresentarem repercussão geral, extrapolando os interesses das partes. O relator votou pelo indeferimento do pleito, acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. • Divergência: A Ministra Rosa Weber e os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, Presidente da Corte, ficaram vencidos. Eles votaram pela manutenção da jurisprudência do Tribunal que exige o trânsito em julgado para cumprimento de pena e concluíram pela concessão do habeas corpus. Proces-so relacionado: HC 126292. Fonte: Supremo Tribunal Federal.

Concursado da Petrobras não consegue reconhecimento de vínculo durante curso de formação

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho desproveu agravo de um técnico em manutenção da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) contra decisão que negou o reconhecimento de vínculo de emprego no período em que participou de curso de formação. O trabalhador alegou que, por ter estado embarcado em plataforma, teria exercido as mesmas funções de um empregado efetivo. A decisão, porém, levou em conta que o treinamento prático estava previsto no edital do concurso. O pedido foi negado desde a primeira instância. O juiz da 2ª Vara do Trabalho de Macaé (RJ) entendeu que o fato de estar embarcado, por si só, não caracterizaria ad-missão, diante da previsão de contratação por meio de bolsa de complementação educacional no edital do concurso. Em recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), o técnico sustentou que a prática de embarcar os concursados em treinamento seria ilegal e que haveria inúmeras denúncias no sindicato da catego-ria nesse sentido. O TRT, no entanto, manteve a sentença. A Relatora do agravo de instrumento pelo qual o técnico pretendia trazer a discussão ao TST, Ministra Dora Maria da Costa, observou que, de acordo com o TRT, o período de treinamento estava previsto no edital, e as atividades em terra e mar se enquadravam dentro das atribuições do cargo a que o autor concorreu. Assim, o fato de ter desempe-nhado atividades embarcado não implicou desvirtuamento das regras nem desem-

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236 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – CLIPPING JURÍDICO

penho de tarefas típicas de empregado. A ministra assinalou ainda que, segundo o Regional, o trabalhador não demonstrou a existência de subordinação jurídica à Petrobras, ressaltando que esta não se confunde com as exigências estabelecidas para as etapas do concurso (frequência, assiduidade, dedicação, aproveitamento no aprendizado prático). Diante desse quadro, concluiu que não houve ofensa direta e literal aos artigos apontados por ele no recurso. A decisão foi unânime. Processo: AI-RR 771-81.2013.5.01.0482. Fonte: Tribunal Superior do Trabalho.

Fechamento da Edição: 02�03�2016

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.256, de 04.02.2016 – publIcAdA no dou de 05.02.2016Altera a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para disciplinar o processo e o julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial, e dá outras providências

leI nº 13.254, de 13.01.2016 – publIcAdA no dou de 14.01.2016Dispõe sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País

Fechamento da Edição: 02�03�2016

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• Os Contratos Sustentáveis e o Princípio da Vedação ao Retrocesso Ambiental

Toshio Mukai Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Evicção no Novo Código Civil Hermano Flávio Montanini de Castro e Danilo Flávio Montanini de

Castro Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• Ação Regressiva em Ação Acidentária Miguel Horvath Júnior Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Direito FunDamental à Segurança Social

• A Posição do Município no Sistema Único de Saúde – Reflexões a Respeito da Solidarieda-de no Cumprimento das Políticas Públicas de Assistência Farmacêutica (Alvaro Luis de A. S.Ciarlini) ...............................................................24

• O Direito Fundamental à Segurança Social e Seu Panorama na Ordem Constitucional Brasi-leira (Osvaldo Ferreira de Carvalho) ......................9

Autor

alvaro luiS De a. S. ciarlini

• A Posição do Município no Sistema Único de Saúde – Reflexões a Respeito da Solidariedade no Cumprimento das Políticas Públicas de As-sistência Farmacêutica .........................................24

oSvalDo Ferreira De carvalho

• O Direito Fundamental à Segurança Social e Seu Panorama na Ordem Constitucional Brasileira......9

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Direito FunDamental à Segurança Social

• Processual civil e previdenciário – Recurso especial – Ação civil pública destinada à tu-tela de direitos de natureza previdenciária (no caso, revisão de benefícios) – Existência de re-levante interesse social – Legitimidade ativa ad causam do Ministério Público – Reconhecimen-to (STJ) .......................................................3256, 40

EMENTÁRIO

Assunto

Direito FunDamental à Segurança Social

• Assistência social – Loas – benefício de pres-tação continuada .......................................3257, 66

• Seguridade social – aposentadoria especial – de-finições fornecidas pelo Poder Judiciário .... 3258, 67

• Seguridade social – assistência social – levan-tamento de FGTS por cônjuge supérstite ....3259, 69

• Seguridade social – benefício de prestação con-tinuada – Loas – definições legais não modifica-das pelo Poder Judiciário ...........................3260, 69

• Seguridade social – igualdade de gênero –união homoafetiva .....................................3261, 70

• Seguridade social – regime tributário – impos-sibilidade de o Poder Judiciário interferir em

eventuais distorções na arrecadação tributária ..................................................................3262, 72

Índice GeralAssunto

improbiDaDe aDminiStrativa

•Dubitando Ad Veritatem Parvenimus: da Res-ponsabilidade do Legislador na Edição de Leis Inconstitucionais de Efeitos Concretos (Rafaelde Oliveira Costa) ................................................95

ServiDor público

• O Direito dos Servidores Públicos à Nego-ciação Coletiva (Renato de Almeida Oliveira Muçouçah) ..........................................................73

Autor

raFael De oliveira coSta

• Dubitando Ad Veritatem Parvenimus: da Res-ponsabilidade do Legislador por Improbidade Administrativa na Edição de Leis Inconstitucio-nais de Efeitos Concretos .....................................95

renato De almeiDa oliveira muçouçah

• O Direito dos Servidores Públicos à Negociação Coletiva ...............................................................73

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

ação reSciSória

• Processual civil – Ação rescisória – Prescri-ção – Termo ad quem antes da vigência da LC 118/2005 – Data da citação pessoal feita ao devedor – Ausência de morosidade da justiça – Inaplicável a Súmula nº 106/STJ – Ação propos-ta contra empresa com declaração de atraso na citação – Erro da exequente (TRF 1ª R.) ...3263, 109

bem De Família

• Agravo de instrumento – Impenhorabilidade de bem de família – Comprovação – Honorários (TRF 2ª R.) ...............................................3264, 120

certiDão De DíviDa ativa

• Tributário – Embargos à execução – Certidão de dívida ativa – Nulidade não configurada – Contribuição destinada ao Incra – Natureza – Intervenção na atividade econômica – Sebrae –EC 33/2011 – Recepção (TRF 4ª R.) .........3266, 129

DeSapropriação

• Administrativo – Desapropriação – Utilidade pú-blica – Apelação – Preliminar – Laudo de avalia-

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240 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

ção juntado pela União – Afastamento – Área de-sapropriada correta – Laudo complementar que calcula valor das benfeitorias com o coeficiente de depreciação – Determinação desta Corte em provimento de apelo anterior – Fixação do valor da benfeitoria de plantação de algaroba com base em valor utilizado na região em detrimen-to de portaria ministerial – Valor justo – Ape-lantes que concordam com o valor fixado pelo laudo pericial – Valor da indenização inferior ao ofertado – Possibilidade – Juros e correção conforme entendimento do STJ – Improvimento(TRF 5ª R.) ...............................................3267, 139

eStelionato

• Estelionato – Seguro-desemprego – Saque frau-dulento – Materialidade, autoria e dolo compro-vados – Redução da pena – Apelação parcial-mente provida (TRF 3ª R.) ........................3265, 124

EMENTÁRIO

Administrativo

autarquia

• Autarquia – Ibama – criação doméstica de ave silvestre – ausência de permissão – finalidade comercial – não comprovação .................3268, 145

• Autarquia – INSS – efeitos da revelia – inapli-cação .......................................................3269, 147

concurSo público

• Concurso público – candidato – cadastro reser-va – designação temporária – direito subjetivoà nomeação – ausência ...........................3270, 147

DeSapropriação

• Desapropriação – imóvel particular – constru-ção de rodovia – juros compensatórios – cabi-mento ......................................................3271, 148

militar

• Militar – pensão – rateio entre cônjuge e ex-côn-juge que recebe pensão alimentícia – ordemde preferência – inexistência ...................3272, 149

• Militar – promoção – ressarcimento de preteri-ção – requisitos – comprovação ...............3273, 152

reSponSabiliDaDe civil Do eStaDo

• Responsabilidade civil do Estado – ação policial – revista pessoal vexatória – prisão em flagran-te – posterior absolvição – dano moral – ine-xistência ..................................................3274, 152

Ambiental

ação civil pública

• Ação civil pública – corte de exemplares ar-bóreos – entorno de pista de pouso e decola-

gem – compensação ambiental – configuração ................................................................3275, 153

• Ação civil pública – Departamento Nacional de Produção Mineral – autorização de lavra – licença – concessão ..............................3276, 155

• Ação civil pública – edificação – usina – ener-gia hidroelétrica – Súmula nº 126/STJ – aplica-bilidade ...................................................3277, 156

Área De preServação ambiental

• Área de preservação ambiental – Parque Eco-lógico e de Uso Múltiplo Gatumé – direito à moradia – ausência de indícios de regulariza-ção de ocupação – configuração .............3278, 156

• Área de preservação permanente – área de re-serva legal – intervenção antrópica – reserva-tório de usina hidrelétrica – regularização daárea – impossibilidade .............................3279, 157

crime ambiental

• Crime ambiental – lançamento de resíduos emAPP – pessoas físicas – ocorrência ...........3280, 159

DegraDação ambiental

• Degradação ambiental – derramamento de óleo no mar – dano – configuração – reparação – necessidade .............................................3281, 161

Constitucional

ação Direta De inconStitucionaliDaDe

• Ação direta de inconstitucionalidade – idade para ingresso de militar na administração esta-dual – regulamentação – Poder Executivo – ini-ciativa privativa .......................................3282, 163

Direito eleitoral

• Direito eleitoral – requisição de servidor – car-go extinto – estrita correlação de atividades –desnecessidade ........................................3283, 163

Direito FunDamental

• Direito fundamental – saúde – fornecimento de vacina – valor pago à clínica particular – res-sarcimento – não comprovação ...............3284, 164

• Direito fundamental – saúde – integralidade da assistência – Poder Judiciário – apreciação – possibilidade ...........................................3285, 164

enSino

• Ensino – vaga em universidade pública – cri-tério socioeconômico – avaliação técnica – indeferimento – direito líquido e certo – au-sência ......................................................3286, 165

políticaS públicaS

• Políticas públicas – ações afirmativas – cotas – autonomia universitária – exceções subjeti-vas – criação – Poder Judiciário – impossibili-dade ........................................................3287, 166

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DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������241 Penal/Processo Penal

ativiDaDe criminoSa

• Atividade criminosa – perdimento de bem – veí-culo – precedentes ...................................3288, 168

contravenção penal

• Contravenção penal – jogos de azar – configu-ração .......................................................3289, 171

• Crime ambiental – absolvição – uso de do-cumento falso – falsidade ideológica – com-provação – condenação ...........................3290, 171

crime contra a aDminiStração militar

• Crime contra a administração militar – justiça comum – precedentes ..............................3291, 173

DrogaS

• Drogas – natureza equiparada a hediondo – re-gime fechado – princípio – ofensa ...........3292, 173

execução penal

• Execução penal – saídas temporárias – dispositi-vos constitucionais – violação .................3293, 174

Facilitação De DeScaminho

• Facilitação de descaminho – materialidade – au-toria – ausência de provas – condenação . 3294, 174

Processo Civil e Civil

ação Declaratória

• Ação declaratória de maternidade socioafetiva – insurgência recursal da autora – condiçõesda ação – teoria da asserção ....................3295, 175

ação monitória

• Ação monitória – título executivo – possibili-dade do credor ........................................3296, 175

alienação FiDuciÁria

• Alienação fiduciária – busca e apreensão – ne-cessidade de comprovação da mora ........3297, 177

carta rogatória

• Carta rogatória – intimação prévia via postal – aviso de recebimento ............................3298, 178

contrato De participação Financeira

• Contrato de participação financeira – ações da CRT – falta de impugnação específica .....3299, 179

Dano material

• Dano material – ação de indenização – falsifi-cação de endosso – responsabilidade da insti-tuição bancária – inexistência ..................3300, 179

Dano moral

• Dano moral – ação de indenização – faleci-mento da filha e irmã dos autores – atrope-

lamento em linha férrea – redução do valor –impossibilidade .......................................3301, 179

Trabalhista/Previdenciário

aciDente Do trabalho

• Acidente do trabalho – morte do emprega-do – culpa concorrente – reconhecimento –efeitos ......................................................3302, 180

acorDo coletivo De trabalho

• Acordo coletivo de trabalho – cláusula de incentivo à continuidade – previsão de re-dução da multa do FGTS e supressão do avi-so-prévio – invalidade .............................3303, 180

apoSentaDoria eSpecial

• Aposentadoria especial – EPI – permanên-cia na atividade após a implantação do be-nefício – possibilidade .............................3304, 180

apoSentaDoria por invaliDez

• Aposentadoria por invalidez – limitações leves – ausência de incapacidade laborativa – be-nefício indevido .......................................3305, 181

coiSa JulgaDa

• Coisa julgada – interposição de ação rescisó-ria – via adequada ...................................3306, 182

comiSSão De conciliação prévia

• Comissão de conciliação prévia – acordo – pa-gamento parcelado das verbas rescisórias –hipótese de admissibilidade .....................3307, 182

participação noS lucroS e reSultaDoS

• Participação nos lucros e resultados – desliga-mento do empregado antes do término do ano--base – pagamento proporcional ..............3308, 183

preScrição

• Prescrição – acidente do trabalho – ciência inequívoca da lesão ocorrida após a entradaem vigor da EC 45/2004 – efeitos ............3309, 183

Tributário

contribuição previDenciÁria

• Contribuição previdenciária – incidência so-bre férias gozadas, salário-maternidade e adi-cionais de horas extras e transferência – di-reito à compensação – Súmula nº 211/STJ – configuração .........................................3310, 183

• Contribuição previdenciária – lançamento – decadência – pagamento antecipado – inexis-tência ......................................................3311, 186

• Contribuição previdenciária – SAT/RAT e a ter-ceiros – terço constitucional de férias – aviso--prévio indenizado – auxílio-doença ou aci-dente – não incidência ............................3312, 187

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242 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 68 – Mar-Abr/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Denúncia eSpontânea

• Denúncia espontânea – art. 138 do CTN – inocorrência – taxa Selic – aplicabilidade ................................................................3313, 188

icmS

• ICMS – exclusão da base de cálculo – PIS/Cofins – precedentes ..........................................3314, 188

ipi

• IPI – pessoa física – importação de veículo – uso próprio – princípio da não cumulatividade– aplicabilidade .......................................3315, 188

ir

• IR – benefícios recebidos de entidade de pre-vidência privada – vigência no período de 01.01.1989 a 31.12.1995 – inocorrência ................................................................3316, 188

Seção Especial

TEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS

Assunto

DireitoS FunDamentaiS

• A Resistência à Efetivação dos Direitos Funda-mentais no Brasil ( Gretha Leite Maia) ...............190

gretha leite maia

• A Resistência à Efetivação dos Direitos Funda-mentais no Brasil ..............................................190

DOUTRINA ESTRANGEIRA

Assunto

imputabiliDaD penal

• Algunas Consideraciones Acerca de la Justicia Juvenil en Argentina y Brasil: La Discusión Sobre la Reducción de la Imputabilidad Penal como Máximo del Irracionalismo (Ignácio NunesFernandes) .........................................................205

Autor

ignÁcio nuneS FernanDeS

• Algunas Consideraciones Acerca de la Justi-cia Juvenil en Argentina y Brasil: La Discusión Sobre la Reducción de la Imputabilidad Penal como Máximo del Irracionalismo ......................205

CLIPPING JURÍDICO

• Ação judicial para acessar cadastro em enti-dade de proteção ao crédito terá que cumprir requisitos ...........................................................227

• Carro arrematado como sucata em leilão judi-cial não pode voltar a trafegar ...........................228

• Concursado da Petrobras não consegue reco-nhecimento de vínculo durante curso de for-mação ...............................................................235

• Exclusão de ressarcimento de valores não des-caracteriza o dano ao Erário ..............................231

• Garantido ao Fisco acesso a dados bancários dos contribuintes sem necessidade de autorização judicial ..............................................................229

• Incabível habeas corpus contra decisão de Mi-nistro do STF ......................................................233

• Mantida indenização à vítima do Regime Militar ................................................................227

• Pena pode ser cumprida após decisão de segun-da instância, decide STF ....................................234

• Tratado de extradição pode ser aplicado a deli-tos ocorridos antes de sua celebração ................232

• União é condenada a pagar despesas médicas de militar acidentado durante treinamento ......229

RESENHA LEGISLATIVA

leiS

• Lei nº 13.256, de 04.02.2016 – Publicada noDOU de 05.02.2016 .........................................237

• Lei nº 13.254, de 13.01.2016 – Publicada noDOU de 14.01.2016 .........................................237