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Jornal coletivo sÓ - segunda edição, primeira em papel e com o conceito de jornal - maio de 2008

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MAIO de 2008 - Grupo UM (jazz nacional) - Resenha do amplificador Giannini Tremendão - Especial de três páginas do Som Nosso de Cada Dia (rock progressivo nacional) - CTA-102 (psicodelia brasileira)

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só What, a procura da essênciaalmejamos a vanguarda, que um certo mestre nos mostrou, com a falta de notas e lisergias jurássicas, concretizadas em sopros, batidas e musicalidade voraz/sentimental Nosso objetivo é buscar o espírito dos sebos de discos, das casas dos músicos, dos clubes perdidos e de progressistas que pintam, escrevem e sonham.

Revolucionários que não esperam, dinossauros não estacionados: reciclados. Tentaremos reportar a você as histórias que construíram a nostalgia, que não negamos existir, mas que alicerçaram cabeças e formas de pensar o mundo. Buscamos a compreensão da “mocidade do nosso temporal”*, pertencemos a um não-tempo real. Acreditamos ainda construir e contribuir com “um novo amanhecer”*.

Queremos “botar pra fora nossa dor poluída pelo século do desespero”*. Esse é o motor que nos move à doação: para alguns, audições “eternas que não duram mais que um dia”*, pra outros, tocar, desenvolver canções abruptas, “ser bicho do mato”*.

Estamos abertos a intervenções diversas. Queremos possuir a chave que “tranca, lacra o peito”*, para abri-lo e socializar as vísceras. Assim gostaríamos de apresen-tar as novas amálgamas e torná-las palpáveis. Agregar os que estão conosco.

Somos só, agora definitivos, depois de abstrações e uma criação prolífica. Sonhamos muito, talvez ambiciosos. Ficamos satisfeitos com a edição púrpura, mas o desejo agora é trabalhar em cima do aparente simples, um tablóide em preto e branco. Um simples a ser superado por uma cultura obs-cura, de todos. Por isso uma publicação gratuita, distribuída aos quatro ventos com o objetivo de continuar a ser vanguarda.

Trabalharemos para desconstruir os padrões. Um não-jornalismo será pintado com formatos atonais e escrita dodecafônicas.

Os asteriscos(*), são referência ao Som Nosso de Cada Dia e ao mítico Snegs de Biufrais, aqui degustado, bebido num gole só - para viajarmos juntos ao estúdio Sonima e saber o que aconteceu ali em maio de 74.

Músicos esquecidos da Cantareira, colegiais transviados; independentes únicos, Grupo Um, vanguarda paulistana; o calor das válvulas de um outro “Tremendão”.

um não-tempo real. Acreditamos ainda construir e contribuir com “um novo

Queremos “botar pra fora nossa dor poluída pelo século do desespero”*. Esse é o motor que nos move à doação: para alguns, audições “eternas que não duram mais que um

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Músicos esquecidos da Cantareira, colegiais transviados; independentes únicos, ! Músicos esquecidos da Cantareira, colegiais transviados; independentes únicos, !Grupo Um, vanguarda paulistana; o calor das válvulas de um outro “Tremendão”. !Grupo Um, vanguarda paulistana; o calor das válvulas de um outro “Tremendão”.

equipe só andré mainardi (reportagem, textos, comercial), camila antonelli, chuck “dedo amarelo” (capa e arte), leonardo “onça”,lucas rodrigues de campos (reportagem, textos, edição, diagramação, arte, comercial),tatiane klein (edição, diagramação, arte) agradecimento: pedro baldanza, gráfica: pana, contato: [email protected]

notas e lisergias jurássicas, concretizadas em sopros, batidas e musicalidade voraz/sentimentalnotas e lisergias jurássicas, concretizadas em sopros, batidas e musicalidade voraz/sentimentalnotas e lisergias jurássicas, concretizadas em sopros, batidas

Nosso objetivo é buscar o espírito dos sebos de discos, das casas dos músicos, dos clubes perdidos e de progressistas que pintam, escrevem e sonham.

Revolucionários que não esperam, dinossauros não estacionados: reciclados. Tentaremos reportar a você as histórias que construíram a nostalgia, que não negamos existir, mas que alicerçaram cabeças e formas de pensar o mundo. Buscamos a compreensão da “mocidade do nosso temporal” um não-tempo real. Acreditamos ainda construir e contribuir com “um novo amanhecer”

Queremos “botar pra fora nossa dor poluída pelo século do desespero”motor que nos move à doação: para alguns, audições “eternas que não duram mais que um

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ó existir, mas que alicerçaram cabeças e formas de pensar o mundo. Buscamos a compreensão da “mocidade do nosso temporal”

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Queremos “botar pra fora nossa dor poluída pelo século do desespero”

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de discos, das casas dos músicos, dos clubes perdidos e de progressistas que pintam, escrevem e sonham.

Revolucionários que não esperam, dinossauros não estacionados: reciclados. Tentaremos reportar a você as histórias que construíram a nostalgia, que não negamos existir, mas que alicerçaram cabeças e formas de pensar o mundo. Buscamos a compreensão da “mocidade do nosso temporal” um não-tempo real. Acreditamos ainda construir e contribuir com “um novo amanhecer”

Queremos “botar pra fora nossa dor poluída pelo século do desespero”motor que nos move à doação: para alguns, audições “eternas que não duram mais que um dia”*, pra outros, tocar, desenvolver canções abruptas, “ser bicho do mato”

esta edição é dedicada à memória de Pedrinho, músico que com um par de baquetas espantava e encantava.

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Músicos “hermetistas” (aqueles que acompanharam Hermeto Pascoal) são, por excelência, munidos de liberdade. Tocar com aquele que quebrou as regras da música foi o berço do Grupo Um. Improvisação e passos advindos do jazz fazem a trajetória dos músicos que com-puseram o “Grupo” no fi m da década de 70, e deram seqüência à revolução sonora no cenário brasileiro a partir dos pilares “hermetistas”. Lelo Nazário, pianista do grupo, comenta: “Tocar com Hermeto é sempre uma experiência única. [É] um músico que já havia passado por toda a música que aconteceu aqui desde a déca-da de 60, sempre criativo e original em todas as fases”. Entrevistado pelo polêmico Zeca Jag-

ger em 1975, para o Jornal de Música e Som, o multi-instrumentista e refe-rência mundial na música, anunciava os meninos que traziam um frescor especial a suas apresentações e “que acabaram com aquele preconceito de

cada um tocar determinado gênero”, destacando “Toninho Horta, Novelli, Raul Mascarenhas, o Nivaldo Ornelas, o Lelo (17 anos) e Zé Eduardo (‘ótimo baterista e percussionista’)”. Dois anos depois de serem profetiza-

dos, Lelo Nazário, Zé Eduardo Nazário (bateria, percussão, tabla), mais Zeca Assumpção (baixo eletrônico, piano, percussão), recém-saídos da câmara mu-sical de Hermeto, apresentaram-se no Parque do Morumbi, em março de 1977. Estavam acompanhados de Carlinhos Gonçalves, na percussão, e que veio a compor a banda como membro fi xo, Ro-berto Sion no sax, apareceu mais vezes junto ao “Um”, Márcio Montarroyos no trompete, Luiz Roberto de Oliveira no sintetizador, Fátima e Sima nos vocais e Dom Bira também na percussão. Com um jazzrockbatuquezappistacan-

terburiano – acidulados –, não havia defi nição para a “vanguarda una” quan-do nos palcos ou dentro dos estúdios

de onde brotaram nos anos de 1979, 81, 82 as experimentações analógicas: Mar-cha Sobre a Cidade, Refl exões sobre a Crise do Desejo e A Flor de Plástico Incinerada. Apesar de algumas similaridades com o Rock in Oposittion e o Canterburry (diferentes vertentes do rock progres-sivo), a infl uência, contudo, era nen-huma. Lelo explica:“Nessa época eu só estudava música erudita, jazz e música brasileira/latina (Bossa Nova/Salsa), não conhecia nada de rock”. Quatro anos: a carreira do “Um” foi

curta. Tempo sufi ciente para que a in-ventividade de cada músico fl uísse em composições arrojadas, distribuídas nos três discos e em shows memoráveis. Vale destacar que a época da projeção jazz/vanguardista vivida naquele Brasil não condizia com a abertura política “lenta, gradual e segura”, apregoada pelos mili-cos. “Na época do regime militar, todas as pessoas que tinham um mínimo de consciência política se revoltavam com a

situação e procuravam atuar para que o Brasil se redemocratizasse. Muitos artis-tas se envolveram nesse processo, prin-cipalmente os da vanguarda, e alguns pagaram caro pelo seu posicionamento político”, recorda o músico.A “massifi cação” do estilo veio através

da TV aberta, mais precisamente através da Rede Cultura, que apresentava uma revolução musical, até então presa aos estigmas tropicalistas. Festivais de jazz com o apoio da emissora eram trans-mitidos, e bandas como a Academia de Danças, projeto de Egberto Gismonti, o próprio Grupo Um e a Divina Encren-ca tinham trânsito livre nos auditórios e estúdios da TV pública. “A TV Cultura sempre teve recursos limitados e gra-vava seus programas na medida dessa possibilidade. Uma de suas funções [era e ainda] é registrar os acontecimentos culturais que acontecem. Ao gravar os concertos da vanguarda paulistana ou qualquer outro evento cultural da época,

caminhos do Grupo Umcaminhos do Grupo Ume x p e r i m e n t o s

por lucas rodrigues de campos

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não fizeram nada além de sua obriga-ção”, destrincha Lelo, que considera os festivais “uma boa maneira de dar uma visão geral do jazz”. Mas, segundo ele, “existem os que são montados princi-palmente pelo lucro e para agradar uma parte da burguesia que quer parecer culta. E existem aqueles que sintetizam o que existe de importante a um custo razoável, e com ingressos mais aces-síveis, a um número maior de pessoas. Eu prefiro o segundo tipo”.O “Grupo” também foi palco para

músicos do quilate de Felix Wagner, alemão e especialista em piano, clarinete alto e vibrafone, e Rodolfo Stroeter, am-bos ex-membros da Divina, que substi-

tuiu Zeca Assumpção no contrabaixo. A partir de 80, a banda desponta no cenário internacional e executa diversos concertos na Europa. Todos prolíficos, os músicos continuaram a produzir música de qualidade. Um belo exemplo foi o Pau Brasil, que reuniu Stroeter e os Nazário. Para os que acharam que nunca teri-

am a oportunidade de sentir o choque musical do Grupo Um, já que seus dis-cos são preciosidades – Marcha Sobre a Cidade foi lançado e produzido com fi-nanciamento dos próprios integrantes, tornando-se um marco no cenário mu-

sical brasileiro como o primeiro disco instrumental independente – tem de agradecer ao selo Éditio Princeps, espe-cializado em relançamentos que giram em torno do jazz e do rock, focados em bandas que desenvolveram sua tra-jetória longe das grandes produtoras. “A Éditio Princeps é uma pequena

gravadora cuja intenção inicial era re-editar as primeiras edições de obras já esgotadas. Assim foi com o Grupo Um, a Divina Increnca, o Pé Ante Pé e vári-os outros”, emenda o pianista. O selo

trata com muito carinho seus relança-mentos exclusivos (sempre inéditos em CD), reproduzindo os encartes origi-nais, adicionados de fotos e declarações inéditas dos músicos. “Agora, em 2008, já estamos preparando o lançamento do Poema da Gota Serena, do Zé Eduardo Nazário e, em seguida, do terceiro disco do Grupo Um, que se chama A Flor de Plástico Incinerada”.

v i n t a g e

Pano de fundo que se estendeu da Jovem Guarda à Tropicália. Os Incríveis, Loupha, Roberto, Erasmo, Novos Baianos, Gil, Os Brazões e Caetano aproveitaram da tremenda potên-cia desse cast. Um detalhe: a montagem artesanal, do tipo “ponto a ponto”, na placa principal propicia o timbre.

Release Técnico|Cabeçote com dimensão de 242 x 250 x 715 mm, 20,3 KgValvulado (quatro válvulas 12AX7 Sovtek, mais duas 12AT7 Electro-Harmonix no pré-amplificador e quatro 6L6GC Sovtek na potência), potência de 85W RMS Dois canais independentes com duas entradas cada Unidade de reverb de mola e tremolo valvuladoImpedância de 4 e 8 Onms Acompanha pedal footswichCaixas acústicas: quatro alto-falantes de 12”Giannini Vintage 70 (4x12” GV70), painéis frontais angulados, traseira semi-aberta, potência máxima de 320W RMS e impedância de 8 Ohms, dimensões: são 300 x 713 x 902 mm, 29,6 kg

“Usei nos anos 80 um cabeçote ‘Tremendão’ com uma caixa de baixo por um tempo. Uma cacetada! Usei um Thundersound de baixo com o Joelho, mas ele tinha um som mais para o agudo, do tipo do ‘Tremendão’. O que se fazia muito nos anos 70 era usá-lo para contrabaixo, alguns usavam

Thundersounds para guitarra pelo grave, mais voltado para o jazz.”Rodolfo Aires Braga, “El Capitain”

Terreno Baldio, Joelho de Porco e U.S.-Mail.

giannini tremendÃo t3

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tricampeonato mundial no México pela seleção brasileira e construíram uma ar-quibancada dentro da própria casa; arrojo que depois veio em forma de música.No pequeno período em que esti-

veram juntos, Pedrão e a turma da Ba-hia lançaram, pela RGE, o que é hoje o souvenir mais raro dos Novos Baianos: um compacto duplo com as músicas “Psiu”, “29 Beijos”, “Globo da Morte” e “Mini Planeta Íris”, todas com partici-pação do futuro baixista do SNCD.“Quando [Pepeu, Morais, Baby e Pau-

linho] foram pro Rio eu estava um pouco cansado, de saco cheio daquela doidera, e tinha também alguns problemas famili-ares. Cheguei a ir ao Rio, mas desisti.Ti-

nha que cuidar da minha mãe e dos meus irmãos. Só que dois meses depois senho-ra descolou uma grana da indenização pela morte do meu pai e foi embora pro Sul. Quando aconteceu isso, me deu um branco. Perdi a boca dos Novos Baia-nos [risos]! Porra bixo, tô aqui na rua em Ribeirão Pires”, relembra Pedrão num misto de lamento e humor.“Eu dormi na casa de um primo po-

bre à beça, num chão batido. Aí veio o Edson Ribeiro [compositor que teve músicas como ‘Aquele beijo que eu te dei’, gravada por Roberto Carlos] e me trouxe pra São Paulo, onde conheci o Agamenon e o Walter Franco”. Graças à desistência de fazer parte dos Novos

um Fender Jazz Bass 61. Antes pos-suía um Apolo Giannini semi-acústico, comprado com a grana de muito sapato engraxado, uma máquina de escrever e uma preciosa coleção de gibis do Cava-leiro Negro, até então completa.Já com o Jazz Bass, compôs um con-

junto de baile em Ribeirão Pires, chama-do Enigma, pedra fundamental para o nascimento dos Novos Baianos. Era um trio: Pedrão, Jean e Odair [Cabeça de Poeta]. Com shows itinerantes para re-colher uma grana, foram parar, em um dia abençoado, num boliche em Ubatuba – “e aí apareceram três caras mais uma moça: Paulinho [Boca de Cantor], João, Morais [Moreira] e a Baby”, quando ai-

nda eram Novos só na idade.Pepeu Gomes estava na Bahia, no gru-

po Minus. “Depois que conheci a galera, o Morais arranjou de tocarmos juntos e me informou que Pepeu fi caria um ano por aqui e gostaria de tocar também. A gente fazia umas ‘domingueiras’, com muito Cream, Hendrix, Led”, recorda Pedrão, revelando um capítulo impor-tante na história do rock tupiniquim.O protótipo dos Novos Baianos passou

um ano e meio pra lá de lunático; juntos, numa casa no bairro do Imirim, Zona Norte de São Paulo, e guardados por “uma medusa esculpida no portal de entrada, maravilhosa, uma doidera”. Naquele ano, 1970, assistiram juntos a conquista do

Direto de uma noite de trabalho, regada a doses cavalares de cafeína, chegamos a uma USP erma, mergulhada em fog lon-drino, clima perfeito para uma viagem em Biufrais. O objetivo da visita à Cidade Universitária: encontrar Pedro Baldanza, parte da santíssima trindade que compôs o álbum Snegs.Hoje o baixista auto-intitulado “roadie

de luxo” trabalha na Orquestra Sinfôni-ca da USP. Desde 1994, quando se apre-sentou pela última vez com a formação clássica do Som Nosso de Cada Dia (SNCD), Baldanza ensaiou com Sérgio Dias e até serviu café em estúdio, bus-cando o anonimato. Com base em uma conversa de pouco

mais de uma hora com Pedrão, e consul-tando materiais da década de 70, recons-truímos a história desta grande banda. Dividida em momentos cronológicos, a matéria é uma homenagem a todos que fi zeram parte do mítico grupo. Essa edição é dedicada aos anos pré-Som Nosso até a composição do álbum Snegs. A seguinte completará a história da banda, destrichan-do o fi m da década de 70 e trazendo uma cobertura completa do retorno da banda no último dia 26 de abril.

Antigos Baianos 1970

Botafoguense vindo do Rio Grande do Sul, Pedrão chegou em São Paulo com

Baianos, fomos brindados com uma das maiores peças experimentais com-postas aqui no Brasil: “Aí fi z com ele (Walter) aquela história da Cabeça, sur-giu o Perfume, tudo com a galera que conheci num bar da Maria Antônia”.

A procura da essência 1971

Como nos versos de Caetano, Pedrão pousou em pleno centro paulista, “sem lenço e sem documento”. Abençoado, encontrou alguns doidos como ele. Agamenon, artista plástico e maluco profi ssional, assistiu Pedrão quando esse carregava apenas um violão. Ninguém melhor que o próprio Baldanza para es-miuçar esse capítulo da história: “cheg-uei à Maria Antônia só com um violão debaixo do braço, e pensei: ‘Onde vou dormir? Tenho que dar um jeito. Vou dormir por aqui, encosto numa praça’, aí entrei num bar e me disseram que tinha um pessoal tirando um som ali. Subi as escadas e encontrei o Agamenon to-cando junto com a Marcinha (futura vo-calista, fi gurinista do SNCD e esposa de Pedrão).” Agamenon convidou-o para passar uma noite em seu apartamento. Lá conheceu o guitarrista Benvindo,

que estava começando o “lance” do Perfume Azul do Sol, banda que ensa-iava na “casa de uma mulher chamada Ana Maria, cantora da banda, tocava

fotos: pedro baldanza e

grace lagoa

por lucas rodrigues de camposcontribuição: andré mai-nardi

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piano e tal (...) musa do Juca Chaves naquela música ‘Por quem sonha Ana Maria?/Nesta noite de luar/Já se escuta nostalgia’ [com direito a cantarolada]; Ela era uma peça, fi guraça”Logo Pedrão passou a participar do

Perfume e a banda se instalou no apar-tamento de Ana, localizado no Bom Retiro. O músico deu prosseguimento ao trabalho surgido durante os Novos Baianos, desenvolvendo as levadas ca-racterísticas dessa banda, “aqueles pan-rapapan”. Um bom disco lançado [Nas-cimento pelo selo Chantecler, Ana, voz e piano, Benvindo, voz e violão, Jean, voz e guitarra,Gil, bateria e vocal e Pe-drão no baixo] e nenhum show na car-reira; esse foi o currículo do Perfume, interrompido bruscamente por proble-mas pessoais de Ana Maria.Mesmo com empecilhos, a produção

musical não parava no Bom Retiro, lo-cal de criação frutífera. Cassiano, mais tarde famoso soulman, compôs seu maior sucesso “A lua e eu” - (...), Mais um ano se passou/E nem sequer ouvi falar seu nome” [mais uma palinha de Pedrão] - naquele reduto, quando tam-bém recebeu abrigo ao chegar do Rio.O compositor marcou a vida de Bal-

danza: “Um dia a gente saiu pra ir pra Praça da República, ponto de encontro dos malucos na época e deixamos o Cassiano dormindo. Nós avisamos a ele que tinha uma panela de feijão no forno. Quando chegamos em casa, batemos na porta e o Cassiano não tava. A porra da panela de pressão tinha explodido, tinha feijão pra todo lado. A única coisa que o Cassiano fez foi desligar o fogão e sumiu. Só fui ouvir falar de novo nele quando já tava no Rio”. Boas histórias, um compacto e um disco

na bagagem, Baldanza já estava sem espe-ranças, não conseguia dar rumo consistente à carreira. Logo após a tentativa com o Per-fume, ele decide sair do país e apos-tar sua sorte nos EUA, o que até então era impos-

sível, pois mesmo com os dois tra-balhos, não tinha dinheiro e nem os documentos necessários para pensar em sair da cidade.De súbito, um caminho se abriu. A

esposa de Ronaldo Duschenes (Roni), arquiteto e amigo pessoal de Pedrão, convida-o para participar de um sarau, cujo organizador era um tal de Marcus Pereira. Aqui valem dois parênteses: Duschenes, profi ssional na linha de Vi-llanova Artigas (arquiteto comunista) tornou-se histórico ao projetar uma casa no Jardim Europa, estruturada em uma abóbada de concreto. Lá vivia o fi lósofo Andréas Pavel, que, infl uencia-do por Stockhausen e maravilhado pela acústica proporcionada com o projeto de Ronaldo, sonhou em levar os sons de uma orquestra aos tímpanos do homem – daí foi concebida a idéia do walkman; Marcus Pereira, “mecenas” entusiasta da música brasileira, traba-lhava com publicidade, e oferecia sua casa aos músicos da época. Lá gravava as apresentações de forma independen-te e mais tarde, em 1973, transformou o hobby na Discos Marcus Pereira, gra-vadora notabilizada por inúmeros lan-çamentos ligados ao samba.

Pensar as coisas eternas que não duram mais que um dia fim de 1971 - abril de 74

Pedrão aceita o convite, faz o show e consegue um bom dinheiro; o bastante para solicitar os documentos necessários para a viagem e comprar as passagens aéreas para sair do Brasil. “No fi nal da noite, a mulher do Roni chegou pra mim e disse: ‘lá perto da minha casa tem um cara que você conhece, o Manito, ele tá montando um conjunto. Por que você não vai lá conversar? Quem sabe de re-pente pode aparecer um trabalho pra você...’, essa mulher foi iluminada”, eter-namente agradecido pelo conselho, no

dia seguinte, Pedrão segue ao encontro do ídolo Manito, no Jardim Bonfi glioli.“Quando você faz aquela curva do km

12 da Raposo Tavares, passa naquele pedaço que é a Previdência onde tem um sinal que desce pra Corifeu, seguiu em frente tem uma curva pra esquerda na Raposo, depois pra direita. Na pas-sagem dessa curva tem uma ruazinha no cantinho. É onde nasceu o Som Nosso, no lado direito, atrás da churrascaria”. Nesse endereço Pedrão chegou com seu violão. Pedrinho Batera estava estirado no sofá da sala tirando um cochilo, mas percebendo a presença de Pedrão, logo acordou. O primeiro contato dos charás foi uma conversa sobre o Bloco Cabala, banda de baile baseada em metais, que Manito projetava no fi nal de 1971. Com seu violão, Pedrão mostrou vir-

tudes além das de baixista: vocalista e compositor. Executou composições próprias – entre elas, todas as bases do que em breve viria a ser o SNCD. Durante o pocket show, “Manito che-gou à porta e fi cou parado, ouvindo a gente tocar. Pedrinho tava curtindo, brincando com as músicas, querendo saber da onde tinha vindo aquela onda (...) Quando o Manito entrou eu até ar-repiei. Bixo, o Manito pra mim era um cara de sucesso, o artista mais próxima de que eu tava chegando. Novos Baia-nos ainda era lixo, ninguém sabia que existia. O Manito era um cara que eu tinha a maior admiração.”Naquele instante o sentimento de Pe-

drão tornou-se recíproco. Impressionado com as composições e levadas, Manito começou a trabalhar de imediato em cima das canções. Caía por terra a idéia do baile, e o Bloco Cabala dava lugar ao Som Nos-so de Cada Dia, nome extraído da com-posição homônima.Tida por muitos como a primeira banda

genuinamente de rock progressivo do país, o título nunca agradou Baldanza e seus companheiros. “Não tinha esse nome, não

existia essa conotação em relação ao rock, isso é coisa de subcultura, enquadramento, sempre querem criar um ponto de referên-cia pra comentar, alguma coisa (...); A gente sofria uma pressão grande com as compa-rações que eram feitas. O pessoal falava que a gente parecia com o ELP, mas não tinha nada a ver, era outro som. A gente fazia som brasileiro. De repente tinha um som de Hammond, um Minimoog pare-cido. (...) O nosso som é brasileiro, cheio de progressão [gesticula os braços], aí vieram com essa história de progressivo”.Entre o primeiro encontro dos Pedros

e Manito, e a gravação do disco, existiu um hiato de dois anos. Em 1972, já com muitos ensaios e músicas formatadas, o SNCD começou “a batalhar lugar pra tocar, aí apareceu na época um cara que era amigo da rapaziada, o Magnólio com uns negócios no Ibirapuera. Na época ele promovia muitos festivais. Outro que deu uma força à banda foi o Dudu Tabacow”. Assim o SNCD começou a despontar (ver Ao Vivo).Os primeiros equipamentos “eram uns

amplifi cadores do Manito encomendados por ele junto à Snake, um órgão Hammond com uma Leslie, um Fender Rhodes, cois-as que ele tinha adquirido com a grana que recebeu nos Incríveis”, o salto de qualidade no quesito aparelhagem se deu de forma inesperada. “Conhecemos o João Paulo [João Paulo Ribeiro de Barros] um fazen-deiro milionário de Bauru, que pirou, fi cou apaixonado pelo nosso som. Ele conhecia o Peninha [Schimidt, produtor do Snegs], os dois pegaram uma grana e foram juntos pra Miami e compraram tudo: dois Moogs, Minimoog, duas Leslies, Honher Clavinet, dois Harpschord (..) esse equipamento continuou com a gente mesmo quando o Manito saiu.O João Paulo fi cava ligado a gente o tempo inteiro”, ao relembrar da história Baldanza revelou a vontade de re-encontrar um dos personagens fundamen-tais para o sucesso da banda.Já descobertos por Peninha, o produtor

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os levou até a Continental, que naquele período investia pesado no rock’n’roll. Vale destacar que bandas como O Peso, A Bolha e O Terço, além dos já estabelecidos Mutantes, tinham conquistado um público cativo. No fi nal de 73 o SNCD entra no estúdio Sonima e registra o que viria a ser o disco Snegs, engavetado por quase um ano. Na contracapa do disco, a informação é de que foi gravado em maio de 74.Para o início de abril de 1974, Alice

Cooper agendou algumas datas no Bra-sil. As grandes companhias fonográfi -cas enviaram seu casting de artistas à equipe de Alice, pois uma banda seria escolhida para abrir os seis shows da turnê a serem realizados em São Paulo e Rio de Janeiro; entre essas bandas se destacavam O Terço, Os Mutantes e SNCD; A segunda foi selecionada, mas devido às rigorosas exigências feitas, Marcos Lázaro – empresário e orga-nizador do evento – descartou Os Mu-tantes, abrindo espaço pro Som Nosso. Pedrão explica: “Nós fomos escolhidos pelos managers do Alice, não por causa do nosso som, mas sim porque éramos um trio, então ia fi car mais fácil pra pro-duzir, pela facilidade de trabalhar com poucas pessoas no palco”.Em São Paulo o SNCD tocou para

um público de aproximadamente cem mil pessoas - somando os públicos dos shows no palácio de exposições e con-venções do Anhembi. Nos shows da capital paulista, principalmente o da “exposições”, a banda foi claramente preterida em relação a qualidade sonora e tiveram que tocar sem volume e com aparelhos que não eram adequados para um espaço amplo como aquele.Depois dessa apresentação em que o

Som Nosso não recebeu o devido cuida-do dos engenheiros de som, muita coisa se passou. A banda e a equipe técnica do astro se enturmou rapidamente com Manito, Pedrão e Pedrinho, que fi caram a cargo de apresentar as maravilhas das

terras Sulamericanas. Como recompensa tiveram os PA’s mais potentes e o me-lhor som de suas vidas. “No Rio o tour manager já gostava da gente, estava feliz pra caramba, aí o som veio que veio”, levando os rockers que foram ao Mara-canãzinho à loucura: “Acabou o nossso show, começou o Alice Coooper, a gente tava dentro do camarim e o público gri-tava: Som Nosso, Som Nosso. Não que-riam ouvir o Alice, queriam a gente, até hoje me arrepia isso [conta Pedrão es-tendendo os braços]”. Com o sucesso adquirido após a turnê de Alice Cooper só faltava o lançamento de um disco ofi -cial para a consagração.

Sempre muito Snegs de Biufrais maio 1974-75 “Uma cagada”; assim Baldanza defi niu

a gravação de Snegs. Digamos que foi uma cagada saudável, rápida, sem maio-res problemas. A metáfora foi usada para contar que o disco foi gravado em apenas 2 dias, praticamente todo ao vivo. A jóia mal lapidada contou apenas com alguns overdubs: violões, os solos de Manito (vi-olino, sax, Minimoog), vozes e coros, es-tes executados com a ajuda de Marcinha.Para os mais exigentes o disco não agra-

dou tanto. “O LP não condiz com o trab-alho do conjunto (...) eu tenho pena de ex-ecutar o disco que eles gravaram, porque não está à altura do trabalho deles”; dispa-rou Jaques Gersgorin, lendário radialista, em um programa especial de bandas na-cionais, nos idos de 1975. Tecnicamente, Jaques não se equivocou.“A mesa estava quebrada, o disco é todo

chapadão, não tinha aquela coisa de jogar o som prum lado e pro outro”, traduzindo Pedrão: o botão de panorâmico (PAN/RL) do mixer do estúdio Sonima – um dos mais renomados da época – ,defeituoso, impos-sibilitou as jogadas de estéreo, obrigatórias para se obter uma mixagem ideal.

Peninha Schimidt conduziu as grava-ções, contando com o auxílio dos técnicos Francisco “El Zorro”, Carlos Dutweller e Índio. As músicas já vinham sendo exe-cutadas e chegaram ao estúdio já prontas, sem necessidade de alterações por parte da produção. Apesar da excelente equipe o Som Nosso “tocou do jeito que quis, ninguém mexeu em porra nenhuma”. Pe-drão deixou claro que as alterações no tra-balho não vieram da equipe de Peninha, e sim de fora. O caso lembrado ocorreu com a letra de “Som Nosso de Cada Dia”, a original deveria ser assim “Eu quero botar pra fora minha dor poluída pelo sé-culo do desespero pero sí no tienes/CO-JONES”, e não visiones, a palavra que a gente queria usar era culhão, a mensagem era: se você não tem culhão não apareça,e os caras barraram [referência à censura, instrumentos comumente utilizado pelos repressores do regime militar]”.Entretanto, o disco traz uma excelente

sonoridade: totalmente calcada nas bases de Hammond C3 conectados a um par de caixas Leslie e frases melódicas de Mini-moog, entrecortadas por uma cozinha que abusa de convenções e compassos ternários e compostos, como se nota na introdução de “O Som Nosso de Cada Dia”. Não há faixa que se destaque. A audição dessa obra de arte deve ser feita na íntegra. Todas as peças foram compostas e executadas com empenho e qualidade, marcas de músicos do calibre de Pedrinho, Manito e Pedrão. Letras belíssimas de autoria de Paulinho

Mastrote Machado, poeta que usava o pseudônimo de Capitão Fuguete, con-tribuem com a mítica dos ritmos. “Snegs de Biufrais é: eu tômuito louco, tô

muito doido, sempre muito à vontade, sempre muito abertão pras coisas”, revela Baldanza, que também comenta o trabalho de capa do disco. “Os cogumelos aparece-ram independente de qualquer coisa, foi loucura do Agamenon. Viajando ele re-solveu pintar os cogumelos. Na realidade a capa do disco é inacabada”.

Além dos sempre citados shows de abertura de Alice Cooper, outras apresentações merecem

ser lembradas:|Festival Kohoutec, Ibirapuera/São Paulo, 1973: Em homenagem ao cometa que se aproxi-ma e que, garantiam, ia fi nalmente inaugurar a era de aquarius. Em vez disso inaugurou a car-reira do Som Nosso de Cada Dia. (BAHIANA,

Ana, Almanaque anos 70)|Festival de Águas Claras, Iacanga/São Paulo, fevereiro de 1975: Épica apresentação em meio a uma pane elétrica. A pouca iluminação que restava no palco, logo foi substituída pelo sol

que emergia do oriente.|O Rock da Garoa, Maracanãzinho/RJ, 18 de outubro de 1975: Em sua segunda perna, depois de ter passado por SP,o festival ousou colocar bandas de origem paulistana na terra do samba. Não deu em outra, o Som Nosso quando anunciando foi recebido com uma vaia homérica; Bastou oito compassos para que elas

virassem aplausos.|O Maior Show de Todos os Tempos, Estádio do Canindé/São Paulo, 29 de maio 1976: Histórico encontro do Som Nosso com O Terço, Os Mu-tantes, Joelho de Porco, Sindicato e Humauaca. O tecladista Dino Vicente estreava de forma discreta no SNCD. A péssima qualidade do som prejudicou

o espetáculo.|Ginásio do Parque São Jorge SCC, São Pau-lo/SP, 21 de agosto de 1976: Som em alta fi -delidade. Novamente o Som Nosso se uniu aos Mutantes, Terço e Sindicato, dividindo um mes-mo palco (com uma subdivisão em três partes) e mesmos equipamentos. Ao fi nal todos lucra-

ram com o som.

ao vivo

não se assuste, a história não acaba aqui!leia mais sobre o SNDC na próxima edição:segunda fase, sábado/domingo, final dos anos 70 e cobertura completa do retorno

Com o disco gravado e com data de lançamento marcada, um detalhe fal-tava: a arte. Coube a Pedro Baldanza seqüestrar a capa do disco. “Eu cheguei e falei pro Agamenon ‘chega, pára tudo, essa porra era pra tá pronta semana pas-sada’. Ele fi cava no quarto dele pirando nos desenhos, e não deixava ninguém ver o que ele tava fazendo. A borboleta do encarte foi idéia nossa e a gente colo-cou em cima depois, no fotolito, que já era um efeito incrível na época”.

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f o r a d e f o c o

Os pioneiros da CantareiraMuito antes dos Mutantes abandonarem os lares paternos, atravessarem o Rio Tiête com toda sua “parafernália progressiva”, procurando a liberdade nos confi ns das “Terras do Barão Ramalho” (Cantareira) numa Zona Norte (ZN) ainda semi-rural e conservadora, germinavam – junto à explosão midiática da Jovem Guarda e do Iê Iê Iê - os primeiros grupos de rock’n’roll.

CTA – 102Os pioneiros da CantareirCTA – 102Os pioneiros da CantareiraCTA – 102a

Com parcos recursos – empunhando gianninis e del vecchios e enfrentando a chiadeira de seus tremendões e phelpas, The Jet Blacks, The Sparks e The Lov-ers – agitavam bailes e matinês e in-fl uenciavam dezenas a formarem seus grupos. Nos enfumaçados corredores do Colégio Estadual Octávio Mendes, o CEDOM, um dos principais pólos de agitação político-cultural da ZN na segunda metade dos crazy 60’s, surge o CTA-102: “O que nos unia era um interesse comum pela música e uma grande identifi cação de gostos. Tínha-mos muita afi nidade quanto a estilos, timbres de guitarras e, principalmente, por arranjos vocais mais elaborados. Daí a nos juntarmos num grupo foi um passo lógico”, lembra Antônio Ozório ex-The Vectors, guitarrista que fundou o CTA-102 com seu parceiro de curso, o baixista e fl autista Marco Antônio Faria. Ele e o “Pituca” foram os únicos membros que integraram o grupo do fi nal de 65 até o fi m em 75. Uma curiosidade a respeito do nome:

CTA-102 não foi uma homenagem ao Byrds, que havia composto uma canção com esse título; foi conseqüência das características atribuídas a um fenô-meno astrofísico designado por este nome, um corpo celeste distante do qual teriam sido captadas radiações que pareciam emissões radiofônicas. A primeira formação contou com

Benê Braga (guitarra ritmo e voz), Ruy Guerra (voz), Wagner Clini (bateria), Pituca (baixo e fl auta) e Ozório (guitar-ra solo). Ensaios aos domingos e reper-tório voltado para bailes norteavam o grupo no início.

Já nos 70, quando o Tropicalismo propôs uma solução defi nitiva para a questão Jovem Guarda versus MPB politizada, impulsionando a nossa músi-ca popular para um vanguardismo úni-co, o CTA- 102, com novos integrantes, já arriscava suas primeiras composições, uma excitante mistura musical. Choros, sambas e jazz temperados devidamente com as guitarras fuzzadas de Ozório. “Cartas Marcadas”, “Cartaz Menino”,

“Explosão”, “Andança”... Aos poucos e com a ajuda de Bento Ferraz e José San-tana - compositores da seara “cedoniana” - o grupo ia defi nindo seu repertório, experimentando descontraidamente no-vos códigos sonoros, como nos afi rma Pituca: “Me lembro do Ozório com o violão, no casarão da Rua Voluntários da Pátria, insistindo pra eu tirar um som com o bocal da fl auta enfi ada num cano de escapamento todo colorido e psico-délico, que servia de enfeite e era, talvez, o único móvel da sala”.Um fato marcou para sempre a tra-

jetória destes pioneiros do Rock da Cantareira. José Santana se relacio-nava com o maestro Rogério Duprat, e foi convidado por Tom Zé para par-ticipar dos arranjos vocais de seu con-ceituado disco “Estudando o Samba”, produzido por Heraldo do Monte (Ex-Quarteto Novo e morador da ZN) e gravado nos dois maiores estúdios de gravação do Brasil na época, o Vice-versa e o Sonima. Feras em canto coral, Santana não hesitou

em arregimen-

tar o CTA-102 para fazer os coros na gravação deste disco que saiu em 1976; A formação do grupo que fi gura na fi -cha técnica como “O Pessoal de San-tana” é: Ozório, Vilma, Celso, Wagner, Santana e Pituca.Hoje há muita história pra contar e um

registro musical colhido por Ângelo Fer-rara, ex-membro do grupo: “Os ensaios ocorriam no início dos anos 70, sempre aos domingos à tarde na casa do Ozório e algumas vezes na casa do Wagner. Eu levava o meu gravador K7 à tira colo, e as músicas eram gravadas no ambiente dos ensaios, sem tratamento acústico. As melhores músicas se perderam no tem-po, mas algumas foram recuperadas e as que tinham melhor qualidade sonora, foram salvas e codifi cadas para o sistema digital e editadas num CD.”Outros grupos que fi zeram parte desta

grande e frutífera comunidade musical do CEDOM e merecem ser lembrados são: The Vectors, Quarteto Num Tom Só e Oh Marc Up. Seu pioneirismo naqueles anos de chumbo unido à infl uência do furacão mutante que passou pela Cantareira nos anos 70, já ofereceu fôlego, ânimo e muita munição a três gerações de “malucos bele-za” abençoados pelos lírios da Serra.

por andré mainardi