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Este é o jornal do Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável (Protejo) de Osasco, do Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Cidades e Municípios Saudáveis (CEPEDOC). Av. Dr. Arnaldo 715 – São Paulo, SP. Reportagem, textos e edição: Angela Trabbold (MTb 22.455) e José Roberto Ferreira (MTb 17.039). Projeto gráfico: Antonio Carlos Prado (Acadêmica Agência de Comunicação). Desde janeiro de 2009, cerca de 300 jovens de 15 a 24 anos da periferia da cidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, se reúnem com educadores três vezes por semana em encontros cujo objetivo principal é resgatar o pensamento crítico, a autoestima e a autonomia. Linguagens de teatro, vídeo, literatura, música, artes plásticas, entre outras atividades, são usadas para trabalhar temas inerentes à cidadania. Por meio delas se discute o papel de cada um em questões como identidade, diversidade, tolerância e solidariedade, direito, cultura e história, movimentos sociais, saúde e violência. Trata-se do Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável (Protejo), uma iniciativa do Ministério da Justiça que, na cidade de Osasco, vem sendo executada por pesquisadores do CEPEDOC – Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Cidades e Municípios Saudáveis, em parceria com a Prefeitura Municipal. O objetivo do projeto é promover a formação e a inclusão social de jovens que estão, direta ou indiretamente, expostos à violência doméstica ou urbana. Além dos encontros com educadores, eles têm aulas de informática e, como estímulo, recebem uma bolsa-auxílio. O projeto será concluído em fevereiro de 2010, com pesquisas de caráter social, feitas pelos próprios jovens em seus bairros. Este jornal foi concebido para divulgar a produção desses jovens, mostrando o quanto eles podem ser capazes de recriar a realidade na qual estão inseridos, dentro da cultura da paz. Nesta primeira edição, você vai conhecer um pouco da história de quatro grupos de Quando a arte imita a vida jovens, moradores dos bairros de Munhoz Júnior, Padroeira, Santa Maria e Bonança. Eles são exemplos de superação de limites e de conquistas, a prova viva de que é possível quebrar paradigmas a despeito das adversidades. E que a arte, ao retratar a vida se apropriando de conhecimentos dos campos da educação, psicologia, psicanálise, ciências sociais e filosofia, é uma ferramenta poderosa para abrir novos horizontes. Prot ejo OSASCO, SP, DEZEMBRO DE 2009 | EDIçãO Nº 1 EXPEDIENTE M a is q u e u m p r o jeto de cidad a n ia, u m n o v o o lh a r pa ra a vid a.

Jornal Protejo

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Ediçoes produzidas para a Academica Comunicaçao. Jornal em tres ediçoes para a entidade CEPEDOC

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Page 1: Jornal Protejo

Este é o jornal do Projeto de Proteção dos Jovens

em Território Vulnerável (Protejo) de Osasco, do

Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em

Cidades e Municípios Saudáveis (CEPEDOC).

Av. Dr. Arnaldo 715 – São Paulo, SP.

Reportagem, textos e edição: Angela Trabbold

(MTb 22.455) e José Roberto Ferreira (MTb

17.039). Projeto gráfico: Antonio Carlos Prado

(Acadêmica Agência de Comunicação).

Desde janeiro de 2009, cerca de 300 jovens de 15 a 24 anos da periferia da cidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, se reúnem com educadores três vezes por semana em encontros cujo objetivo principal é resgatar o pensamento crítico, a autoestima e a autonomia. Linguagens de teatro, vídeo, literatura, música, artes plásticas, entre outras atividades, são usadas para trabalhar temas inerentes à cidadania. Por meio delas se discute o papel de cada um em questões como identidade, diversidade, tolerância e solidariedade, direito, cultura e história, movimentos sociais, saúde e violência.

Trata-se do Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável (Protejo), uma iniciativa do Ministério da Justiça que, na cidade de Osasco, vem sendo executada

por pesquisadores do CEPEDOC – Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação em Cidades e Municípios Saudáveis, em parceria com a Prefeitura Municipal. O objetivo do projeto é promover a formação e a inclusão social de jovens que estão, direta ou indiretamente, expostos à violência doméstica ou urbana. Além dos encontros com educadores, eles têm aulas de informática e, como estímulo, recebem uma bolsa-auxílio. O projeto será concluído em fevereiro de 2010, com pesquisas de caráter social, feitas pelos próprios jovens em seus bairros.

Este jornal foi concebido para divulgar a produção desses jovens, mostrando o quanto eles podem ser capazes de recriar a realidade na qual estão inseridos, dentro da cultura da paz. Nesta primeira edição, você vai conhecer um pouco da história de quatro grupos de

Quando a arte imita a vidajovens, moradores dos bairros de Munhoz Júnior, Padroeira, Santa Maria e Bonança. Eles são exemplos de superação de limites e de conquistas, a prova viva de que é possível quebrar paradigmas a despeito das adversidades. E que a arte, ao retratar a vida se apropriando de conhecimentos dos campos da educação, psicologia, psicanálise, ciências sociais e filosofia, é uma ferramenta poderosa para abrir novos horizontes.

Protejo O S A S C O , S P, D E z E M B R O D E 2 0 0 9 | E D i ç ã O N º 1

EXPEDiENTE

Mais que um projeto de cidadania, um novo olhar para a vida.

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De início, os participantes do Pro-tejo do bairro de Munhoz Júnior não compreendiam muito bem qual era a proposta do curso que eles estavam começando a frequentar. Só sabiam que seriam “pesquisadores sociais” e para tanto ganhariam R$ 100,00 por mês e teriam aulas de informática, além de encontros semanais com um educador. De janeiro a maio de 2009, eles fizeram atividades diversas. Em ju-nho, com a entrada de um novo educa-dor, o historiador e músico Klaus Wer-net, eles começaram a ter contato com aquilo que seria a atividade principal do projeto. “Desde cedo, o trabalho foi naturalmente direcionado para um pro-jeto audiovisual sobre o bairro”, conta Klaus. E assim foi.

Com uma câmera de vídeo na mão, o grupo saiu pelo bairro pesquisando junto aos moradores sua história. Cada set de filmagem era pano de fundo para discussão dos temas do Protejo: direito, violência, saúde etc. A primeira cena foi feita em uma enorme pedra, encravada atrás do único conjunto ha-bitacional do bairro.

– Aqui era uma fazenda? – Sim, do sr. Munhoz, que ao mor-

rer deixou-a como herança para seus três seus filhos, cujos nomes deram origem aos bairros Munhoz Júnior, Helena Maria e Elvira. Eram os idos de 1940, quando a fazenda se transformou em um loteamento e foram construídas as primeiras casas.

Da “pedra fundamental” partiram para as transformações urbanas. Nas andanças pelo bairro, os jovens entre-vistaram pessoas dos tempos em que a favela deu lugar ao conjunto habita-cional.

– Como era a vida aqui? – A rua era de barro, eram tempos

difíceis, mas se podia contar com os amigos, contou uma das pessoas en-

Protejo Osasco Munhoz Júnior

Câmera... Ação!trevistadas, lembrando que o avanço do asfalto e a construção do conjunto habitacional vieram acompanhados do crescimento da violência no bairro.

Do conjunto habitacional saíram para ver de perto os destroços da fave-la do Socó, na divisa de Osasco. Soter-rada com as chuvas atípicas de julho, parte de seus moradores foi obrigada a se mudar para um abrigo improvisado, justamente no local onde o grupo faz seu curso de informática.

– Pra onde o senhor vai? – Não sei. – Qual órgão do governo está cui-

dando de vocês? – Não sei. – Quanto tempo o senhor vai ficar

aqui? – Não sei. Tempos depois eles souberam que

parte dos desabrigados voltou para a área de risco na favela.

Durante os meses da filmagem, volta e meia a câmera era colocada de lado para dar lugar a outras atividades. Afinal, uma produção do gênero requer preparo de narrativa e olhar crítico para a edição. “Trabalhamos muito com lei-tura e compreensão de textos”, conta Klaus. O lado artista de cada um tam-bém foi estimulado com sessões de desenho. “Deveremos usá-los como flashs de passagem no documentário”, acrescenta.

Atualmente, o grupo está finalizan-do as filmagens que deverão retratar ainda a desocupação de outra favela. As imagens já captadas foram grava-das em CDs para que os jovens possam definir os pontos de corte. “A edição está ficando muito legal, com cara de videoclipe, e conta muito do processo de filmagem”, adianta Klaus, acres-centando que o próximo passo será a divulgação do vídeo. “Depois de fina-lizado, a meta é encontrar salas para a

sua exibição ou buscarmos apoio de editais para difundi-lo”.

Por trás da câmera, os jovens do Protejo de Munhoz Júnior criaram mais que uma produção sobre a história do bairro. “Eles puderam dar vazão aos seus sentimentos, contar o que já viam, mas não tinham espaço para fazê-lo”, conta Klaus. Ao fazer a “decupagem” de seus sentimentos frente à realidade, os jovens de Munhoz Júnior se perce-beram mais críticos e mais fortalecidos para produzir suas próprias histórias na vida real.

Os CINEASTAS do bairro de Munhoz JúniorAdaildo de S. Silva Alan Alexandre dos SantosAilane de Oliveira BritoBruna Feitosa RibeiroCamila da Silva OliveiraDalila Neri de LimaDavid Henrique FerreiraEdson Souza Elói da SilvaEvellyn Alves SilvaGleciene Pereira Montalvãoiracy Norbertino dos SantosJéssica Janaina Soares PereiraJéssica Santos SouzaJoice Lopes da SilvaKarla Daniella Costa VianaKátia Fernandes dos SantosLeandro BarssoteLucas Soares SilvaWillian Braga da CruzWillian Faria Freire da SilvaWillian Marques da Silva

Da pedra fundamental das filmagens para as transformações em Munhoz Júnior

Grupo está concluindo vídeo sobre a história do bairro.

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Protejo Osasco Santa MariaRafael dos Santos diz que está

empurrando para passar de ano. Alu-no do ensino médio, ele conta que não gosta das matérias ensinadas na escola. “Só gosto de educação físi-ca e artes”, ressalta. No entanto, no grupo do Protejo do bairro de San-ta Maria, ele estuda assuntos tão ou mais complexos do que os ensinados na escola. “Se a escola fosse como o Protejo eu não sairia de lá”, diz. “A

Escola da vida

Adriano Reis VieiraAline de Santana SousaBruna Matias GomesClaudinei Dos Anjos TomazCloves de Santana SouzaDenis Aparecido da SilvaEdson Rafael de Sousa Moura Fanny Carolina Rodrigues Felipe Malaquias Ferreira Alves

Johnny Santos da ConceiçãoJoice Domingues de OliveiraJulio Cesar MatosLuana Lima da SilvaLuana Shirley dos SantosNathalia Miranda AugustoRafael Santos SouzaRobson Almeida da SilvaScarlet Marques de Oliveira

Adriana explica tudo direito e dá ati-vidades muito legais”, completa.

Rafael se refere à educadora Adriana Campos da Silva, uma cien-tista social que lidera o grupo com a autoridade de uma diretora de escola e o carinho de uma mãe. “Já no pri-meiro dia de aula definimos o nosso contrato pedagógico; as regras do que poderia ser feito ou não no gru-po”, conta. Ao longo dos encontros, ela também foi impondo seu ritmo acelerado.

Para cada assunto trabalhado, trazia textos e mais textos. Na dis-cussão de temas como tolerância, por exemplo, apresentou casos como o do jogador do São Paulo, Richarly-son, taxado por um juiz de homosse-xual. Para discutir o assunto fez do grupo um tribunal, com promotores, advogados de defesa e juízes. “Eles tinham de dizer por que condenavam ou absolviam”, conta. No tema sobre saúde, fez com que eles discutissem todos os procedimentos do SUS, o que funcionava ou não, e ainda o papel dos conselhos municipais de saúde.

Quando eles ficavam cansados de tanto texto, Adriana mesclava o trabalho com outras atividades, como palestras e jogos. Que jogos, Adriana? “O de caça ao tesouro. Eles tinham que relacionar os textos, que eu colocava dentro de um cesto, com artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que eu espalhava pelo terreno”, diz ela. Apesar da aparen-te dureza do trabalho, o grupo, que se autodenomina “Liberdade de Ex-pressão”, adora fazer as atividades propostas. E pelo jeito já pegaram um pouco da energia dela.

Fizeram vídeos sobre a história de quatro bairros na região e postaram no youtube; criaram três movimentos sociais (um deles sobre vegetaria-

Pesquisa de campo sobre lixo e equipamentos de cultura e lazer no bairro.

nismo na merenda escolar) e agora estão empenhados na pesquisa de campo, cujos temas são o problema do lixo e dos equipamentos de lazer e cultura no bairro. Os participantes do grupo estão tão empenhados nes-sa atividade que alguns deles pensam em seguir a carreira de pesquisador.

O que vocês vão levar do Pro-tejo? A resposta é quase unânime: mais liberdade de expressão, auto-

“Liberdade de expressão”: muitas atividades, e em

ritmo acelerado.

nomia e tolerância. “Eu mudei mi-nha visão de mundo, era mais pre-conceituosa, aprendi a respeitar as diferenças”, diz Scarlet Marques de Oliveira. “Eu passei a me comuni-car com as pessoas; antes era cala-da porque tinha medo dos outros”, acrescenta Aline de Santana Souza. “Eu olhava o lixo nas ruas do bair-ro e não me incomodava, agora já penso que podemos mudar isso”,

Os pESquISAdOrES do bairro de Santa Maria

diz Johnny Santos da Conceição.Parou por aí? Não, eles pensam

em encaminhar para a Prefeitura um documento propondo que o local hoje ocupado pelo Protejo se torne um espaço para dança, desenho e bi-blioteca, após o término do projeto. E já estão bolando as atividades do dia da formatura: peça de teatro, ex-posição de fotos, painel de desenho, coreografia de dança, exposição de poesias, apresentação de funk...

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Diante de uma classe inteira, ela foi a única que se levantou e teve coragem de dizer ao professor que ele estava passando a matéria sem explicar direito seu conteúdo. E não se intimidou nem mesmo quando o professor mostrou não ter gostado da reprimenda. “Se fosse algum tempo atrás eu não teria coragem de me posicionar dessa for-ma”, conta Denise Maria de Souza Silva, uma adolescente de 16 anos que, assim como seus colegas do Protejo do bairro de Bonança, demonstra uma liberdade de expressão pouco comum aos jovens da periferia, mais acostumados a não questionar a realidade.

No grupo, salta aos olhos a alegria e a descontração dos jovens. Mas o que mais chama a atenção é o vocabulário e a facilidade de comunicação deles. Frases como “elaborar minhas ideias” e “organização de pensamento” são ditas com a mesma naturalidade com que falam suas gírias. Pudera! Algumas semanas atrás eles terminaram de ler o livro Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare – uma das obras que os inspirou a fazer várias encena-ções teatrais realizadas ao longo dos en-contros com a educadora Viviane Dias.

Jornalista, atriz e dramaturga, Vi-viane imprimiu nas atividades do gru-po sua marca profissional. De manhã, antes de começar as atividades, ela faz alongamento de corpo com a turma.

Protejo Osasco Bonança

Os ATOrES do protejo do bairro BonançaAlef de Souza SantosCarina Santos de JesusDenise Maria de Sousa SilvaElaine Silva do ValeJessica dos Santos ConceiçãoJessica Rodrigues de SouzaJosicleia Maria de Jesus RamosLeonardo de Moura SantosMaicon de Andrade SilvaMarizene Viana de AlmeidaNatã de Carvalho OliveiraNiedje Gardenia Silva SantosSidney Marley de Oliveira RodriguesTais Aparecida Duarte da SilvaTamara Florentino MateusLucas Santos de Sousa Paulina Nayane Bezerra Farias Thalita Santana de SouzaDaiane Alves de Carvalho SantosRosana Maria dos SantosJanaína da Silva Santos

A hora e a vez da autonomia

Volta e meia saem para correr. Cantam, leem muito, fazem encenações teatrais em cima das interpretações dos textos, e também sua leitura de vida escreven-do de cunho próprio. A cada redação, um novo avanço: de estrutura, de orga-nização de ideias, de gramática. A cada reflexão, mais aguçado o pensamento crítico fica e é maior a autonomia. Mas nem sempre foi assim.

No início, a apatia era maior que a curiosidade, e os participantes do gru-po achavam longo demais um conto de duas páginas que a educadora propu-nha como leitura. “Eu pensava que era uma professora falando de nada sobre nada”, lembra Jéssica dos Santos Con-ceição. Mudou algo em sua vida? “Abriu minha cabeça para o mundo”, diz ela. “Hoje, se saio para procurar emprego, consigo conversar com as pessoas, me posicionar”, acrescenta. “E eu estou mais tolerante com as pessoas”, endos-sa Niedje Gardênia. Qual o tema que mais gostou? “Direito; eu nem perce-bia que tinha direitos; que poderia, por exemplo, fazer uma consulta médica sem estar acompanhada”, conta Jéssi-ca Rodrigues de Souza.

Para Viviane, essas conquistas es-tão relacionadas à descoberta do po-tencial criativo deles próprios. “Acredito verdadeiramente que o ser humano só se apropria do conhecimento quando cria em cima dele”, diz. “Daí a impor-tância da encenação dos textos”, exem-plifica ela que, além dessas atividades, fez uma inovação: trocou de papel com os alunos, deixando que eles dessem aulas de confecção de pipa, funk e fute-bol. O único papel que ela não abre mão no grupo é o de “diretora” do elenco. “Faremos um espetáculo para finalizar o curso, provavelmente uma peça de teatro”, adianta Viviane.

Grupo está preparando uma peça teatral para formatura no Protejo.

Antes do início das atividades, participantes do grupo fazem alongamento.