3
Justino Mártir sobre a Eucaristia Justino foi um bom mestre cristão, e um mártir por causa de Cristo. Claro está que as suas palavras não são inspiradas no sentido que o são as Escrituras, mas em todo o caso é uma testemunha importante do século II. Evidentemente, se o citamos, convém citar tudo o que diz a respeito, e ler com cuidado. Justino Mártir De origem palestina, filho de pais pagãos, Justino foi um dos grandes defensores da fé cristã do segundo século. Fundou uma escola em Roma, onde morreu mártir em 165. Nos seus escritos encontram-se várias referências à Eucaristia, como era praticada e qual era o seu significado. O pão e o vinho, que são capazes de nutrir o corpo, nutrem tamm as almas ao ser consagrados pela acção de graças. É precisamente esta acção de graças o que constitui um sacrifício agradável a Deus (Diálogo com Trifão, 117). Cito da edição de Padres Apologetas Griegos de Daniel Ruiz Bueno (Madrid: BAC); os negritos foram acrescentados. Apologia I 65. (2) Terminadas as orações, damos mutuamente o ósculo da paz. (3) Depois, ao que preside aos irmãos, se lhe oferece pão e um vaso de água e vinho, e tomando-os ele tributa louvores e glória ao Pai do unive rso pelo nome de seu Filho e pelo Espírito Santo, e pronuncia uma longa acção de graças, por ter-nos concedido esses dons que d`Ele nos vêm. E quando o presidente terminou as orações e a acção de graças, todo o povo presente aclama dizendo: Amén. (4) "Amén", em hebraico, quer dizer "assim seja". (5) E quando o presidente deu graças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam "ministros" ou diáconos, dão a cada um dos assistentes parte do pão e do vinho e da água sobre que se disse a acção de graças e o levam aos ausentes. 66. (1) E este alimento se chama entre nós "Eucaristia", da qual a ninguém lhe é lícito participar, senão ao que crê verdadeiramente nos nossos ensinamentos e se lavou no banho que dá a remissão dos pecados e a regeneração, e vive conforme o que Cristo nos ensinou. (2) Porque não tomamos estas coisas como pão comum nem bebida ordinária, mas como Jes us Cristo, nosso Salvador, fei to car ne por virtude do Verbo de Deus, teve carne e sangue para a nossa salvação; assim foi-nos ensinado que por virtude da oração ao Verbo que de Deus procede, o alimento sobre que foi dita a acção de graças – alimento do qual, por transformação, se nutrem o nosso sangue e as nossas carnes - é a carne e o sangue d`Aquele mesmo Jesus encarnado. (3) E é assim que os Apóstolos nas Memórias, por eles escritas, que se chamam Eva ngelhos, nos transmitiram que assim foi a eles mandad o, qua ndo Jes us, tomando o pão e dando graças, disse: Fazei isto em minha memória, este é o meu corpo. E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: Este é o meu sangue  , e que só a eles deu parte.

Justino Mártir sobre a Eucaristia

Embed Size (px)

Citation preview

8/7/2019 Justino Mártir sobre a Eucaristia

http://slidepdf.com/reader/full/justino-martir-sobre-a-eucaristia 1/3

Justino Mártir sobre a Eucaristia

Justino foi um bom mestre cristão, e um mártir por causa de Cristo. Claro está queas suas palavras não são inspiradas no sentido que o são as Escrituras, mas emtodo o caso é uma testemunha importante do século II.

Evidentemente, se o citamos , convém citar tudo o que diz a respeito, e lercom cuidado.

Justino Mártir

De origem palestina, filho de pais pagãos, Justino foi um dos grandes defensores dafé cristã do segundo século. Fundou uma escola em Roma, onde morreu mártir em165.

Nos seus escritos encontram-se várias referências à Eucaristia, como era praticadae qual era o seu significado. O pão e o vinho, que são capazes de nutrir o corpo,nutrem também as almas ao ser consagrados pela acção de graças. Éprecisamente esta acção de graças o que constitui um sacrifício agradávela Deus (Diálogo com Trifão, 117).

Cito da edição de Padres Apologetas Griegos de Daniel Ruiz Bueno (Madrid: BAC);os negritos foram acrescentados.

Apologia I

65. (2) Terminadas as orações, damos mutuamente o ósculo da paz.(3) Depois, ao que preside aos irmãos, se lhe oferece pão e um vaso de água e

vinho, e tomando-os ele tributa louvores e glória ao Pai do universo pelo nome deseu Filho e pelo Espírito Santo, e pronuncia uma longa acção de graças, por ter-nosconcedido esses dons que d`Ele nos vêm. E quando o presidente terminou asorações e a acção de graças, todo o povo presente aclama dizendo: Amén.(4) "Amén", em hebraico, quer dizer "assim seja".(5) E quando o presidente deu graças e todo o povo aclamou, os que entre nós sechamam "ministros" ou diáconos, dão a cada um dos assistentes parte do pãoe do vinho e da água sobre que se disse a acção de graças e o levam aosausentes.

66. (1) E este alimento se chama entre nós "Eucaristia", da qual a ninguém lhe élícito participar, senão ao que crê verdadeiramente nos nossos ensinamentos e se

lavou no banho que dá a remissão dos pecados e a regeneração, e vive conforme oque Cristo nos ensinou.(2) Porque não tomamos estas coisas como pão comum nem bebidaordinária , mas como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por virtude doVerbo de Deus, teve carne e sangue para a nossa salvação; assim foi-nos ensinadoque por virtude da oração ao Verbo que de Deus procede, o alimento sobreque foi dita a acção de graças – alimento do qual, por transformação, senutrem o nosso sangue e as nossas carnes - é a carne e o sangue d`Aquelemesmo Jesus encarnado.(3) E é assim que os Apóstolos nas Memórias, por eles escritas, que se chamamEvangelhos, nos transmitiram que assim foi a eles mandado, quando Jesus,tomando o pão e dando graças, disse: Fazei isto em minha memória, este é o meu

corpo . E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: Este é o meu sangue ,e que só a eles deu parte.

8/7/2019 Justino Mártir sobre a Eucaristia

http://slidepdf.com/reader/full/justino-martir-sobre-a-eucaristia 2/3

A ideia aqui é que do mesmo modo em que, pelo metabolismo ("transformação"),ou seja, pelo processo fisiológico de digestão, absorção e incorporação desubstâncias, o pão e o vinho são uma fonte de nutrição física, ao ser santificadosestes elementos pela oração e acção de graças possuem um efeito análogo noâmbito espiritual. Justino diz que nutrem os nossos corpos, e portanto conservamas suas propriedades químicas; mas afirma que em virtude da sua consagração, opão e o vinho se tornam em mais que pão e vinho ordinários. Este ponto de vistada Eucaristia, chamado metabólico, parece ter sido o mais comum ao princípio. Otradutor e editor da Apologia na série Ante-Nicene Fathers cita o papa Gelásio I ,de finais do século V: "Pelos sacramentos somos feitos participantes da naturezadivina, e ainda assim a substância e natureza do pão e do vinho não cessamde estar neles ..." Não é surpreendente que esta afirmação de Gelásio não tenhasido incluída no Denzinger... Também não aparece o seu decreto (contra osmaniqueus) ratificando a recepção da Eucaristia sob as duas espécies [mencionadoem The Catholic Encyclopedia, s.v. Gelasius I, pope]. Em contrapartida, sim,aparecem outros documentos seus.

(Prossegue Justino)

Apologia I

67. (3) No dia que se chama do sol se celebra uma reunião de todos os que moramnas cidades ou nos campos, e aí se lêem, quando o tempo o permite, as Memóriasdos Apóstolos ou os escritos dos profetas.(4) Depois, quando o leitor termina, o presidente, de palavra, faz uma exortação eum convite a que imitemos estes belos exemplos.(5) Seguidamente, nos levantamos todos juntos e elevamos as nossas preces, eestas terminadas, como já dissemos, se oferece pão e vinho e água, e o presidente,segundo as suas forças, faz igualmente subir a Deus as suas preces e acções degraças e todo o povo exclama dizendo "amén". A seguir vem a distribuição eparticipação, que se faz a cada um, dos alimentos consagrados pela acção degraças e o seu envio por meio dos diáconos aos ausentes.

Diálogo com Trifão

No Diálogo , Justino mostra através de um longo debate a superioridade docristianismo sobre o judaísmo. Numa parte trata de como os sacrifícios e ofertas doAntigo Pacto prefiguravam as coisas do Novo Pacto.

41. (1) A oferta da flor de farinha, senhores – prossegui - que se mandava fazerpelos que se purificavam da lepra, era figura do pão da Eucaristia que nosso Senhor

Jesus Cristo mandou oferecer em memória da paixão que ele padeceu por todosos homens que purificam as suas almas de toda a maldade, a fim de que juntamente demos graças a Deus por ter criado o mundo e quanto nele há poramor do homem, por ter-nos livrado da maldade em que nascemos e ter destruídocom destruição completa os principados e potestades daquele que, segundo o seudesígnio, nasceu passível.(2) Daí que sobre os sacrifícios que vós então oferecíeis, diz Deus, por boca deMalaquias, um dos doze profetas: Não está a minha complacência em vós – diz oSenhor -, e os vossos sacrifícios não os quero receber das vossas mãos. Porquedesde o nascimento do sol até ao seu ocaso, o meu nome é glorificado entre asnações, e em todo o lugar se oferece ao meu nome incenso e sacrifício puro.Porque grande é o meu nome nas nações – diz o Senhor -, e vós o profanais[Malaquias 1:10-12].(3) Já então, antecipadamente, fala dos sacrifícios que nós, as nações, lheoferecemos em todo o lugar, ou seja, do pão da Eucaristia e também do cálice

8/7/2019 Justino Mártir sobre a Eucaristia

http://slidepdf.com/reader/full/justino-martir-sobre-a-eucaristia 3/3

da Eucaristia , ao mesmo tempo que diz que nós glorificamos seu nome e vós oprofanais.

Como se pode ver, Justino de modo algum nega, antes afirma, que o que éoferecido na Eucaristia não seja pão e vinho, ainda que creia que depois da oraçãoeucarística estes elementos não devem ter-se por pão e vinho ordinários (com oque concordo plenamente).

Diálogo com Trifão

117. (1) Assim, pois, Deus atesta de antemão que lhe são agradáveis todos ossacrifícios que se lhe oferecem pelo nome de Jesus Cristo, os sacrifíciosque este nos mandou oferecer, ou seja, os da Eucaristia do pão e do vinho,que celebram os cristãos em todo o lugar da terra . Em contrapartida, Deusrejeita os sacrifícios que vós lhe ofereceis por meio dos vossos sacerdotes, quandodiz: E não receberei das vossas mãos os vossos sacrifícios, porque desde onascimento do sol até ao seu ocaso, o meu nome é glorificado – diz - nas nações evós o profanais.

Aqui, como no texto anterior ( Diálogo com Trifão 41) repete que o que é oferecidoem nome de Cristo é o pão e o vinho. Não há a menor sugestão da ideia de repetiro sacrifício do Senhor na cruz.

Diálogo com Trifão

(2) Vós continuais ainda a dizer persistentemente que Deus diz não receber ossacrifícios que se lhe ofereciam em Jerusalém pelos israelitas que naquele tempo ahabitavam; e sim as orações que lhe faziam os homens daquele povo que seencontravam na dispersão, e estas orações são as que chama sacrifícios. Ora, queas orações e acções de graças feitas por homens dignos são os únicossacrifícios perfeitos e agradáveis a Deus , eu mesmo vo-lo concedo.(3) Justamente são só esses os que os cristãos aprenderam a oferecer aténa consagração do pão e do vinho, em que se recorda a Paixão que por seuamor sofreu o Filho de Deus...(5) Em contrapartida, não há raça alguma de homens, chamem-se bárbaros ougregos ou com outros nomes quaisquer, ora habitem em casas ou se chamemnómadas sem habitações ou morem em tendas de pastores, entre os quais não seofereçam pelo nome de Jesus crucificado orações e acções de graças ao Paie fazedor de todas as coisas.

O que Justino diz aqui é conforme à interpretação metabólica já mencionada .Precisamente as orações e as acções de graças (o que significa"eucaristia") são os sacrifícios válidos ; a eucaristia é, além disso, synaxis(reunião) e anamnesis (memória) da paixão de Cristo.

Da eucaristia como "actualização" do sacrifício de Cristo, nada; datransubstanciação, menos ainda!