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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DESSO KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, NO SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL, VIA TRANSFERÊNCIA DE RENDA: características do BPC no Rio Grande do Norte NATAL/RN 2013

KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA · 2019. 1. 31. · pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Nesse espectro, Ana Elizabete Mota (2010), assim como outros estudiosos, afirma que

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO

KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA

A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, NO SISTEMA DE

SEGURIDADE SOCIAL, VIA TRANSFERÊNCIA DE RENDA: características do

BPC no Rio Grande do Norte

NATAL/RN

2013

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KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA

A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, NO SISTEMA DE

SEGURIDADE SOCIAL, VIA TRANSFERÊNCIA DE RENDA: características do

BPC no Rio Grande do Norte

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Ms. Juliana Maria do Nascimento.

NATAL/RN 2013

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KAMYLLA QUEIROZ DE MOURA

A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, NO SISTEMA DE

SEGURIDADE SOCIAL, VIA TRANSFERÊNCIA DE RENDA: características do

BPC no Rio Grande do Norte

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

Aprovada em: _____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Profa. Ms. Juliana Maria do Nascimento (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________ Profa. Dra. Íris Maria de Oliveira (Examinadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Regina Ávila Moreira (Examinadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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Ao bebê fofura, Gustavo.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me dado tranquilidade e paz de espírito na finalização deste trabalho. Aos meus pais e a minha família que sempre confiaram na minha capacidade. Ao meu esposo pela preocupação com as minhas noites não dormidas. As minhas amigas de vida e as minhas amigas de curso. A minha orientadora, Juliana por todo cuidado às correções. Enfim, a todas (os) que de alguma forma, torceram por mim.

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Vilarejo

Há um vilarejo ali Onde areja um vento bom

Na varanda, quem descansa Vê o horizonte deitar no chão

Pra acalmar o coração Lá o mundo tem razão

Terra de heróis, lares de mãe Paraíso se mudou para lá

Por cima das casas, cal

Frutas em qualquer quintal Peitos fartos, filhos fortes

Sonho semeando o mundo real

Toda gente cabe lá Palestina, Shangri-lá

Vem andar e voa Vem andar e voa Vem andar e voa

Lá o tempo espera

Lá é primavera Portas e janelas ficam sempre abertas

Pra sorte entrar Em todas as mesas, pão

Flores enfeitando

Os caminhos, os vestidos, os destinos E essa canção

Tem um verdadeiro amor Para quando você for

Marisa Monte

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RESUMO

O presente trabalho tece considerações acerca do sistema de Seguridade Social no Brasil, em especial, as políticas de Previdência e Assistência Social, objetivando apreender a conformação da política previdenciária em tempo de ajuste e a centralidade da Assistência Social, via benefícios de transferência de renda, a partir dos anos 2000, levando em consideração o contexto político, econômico e social vivenciado no Brasil. Além disso, tratamos do papel assumido pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) na contemporaneidade, bem como, buscamos desvelar às características do BPC no Estado do Rio Grande do Norte (RN). Para isso, abordamos as especificidades da Proteção Social brasileira, emergidas no contexto do neoliberalismo, combinado ao processo de reestruturação produtiva, responsáveis por transfigurar a organização do trabalho aviltando a precarização/exploração da classe que vive do trabalho, na medida em que buscam ―driblar‖ a recessão da década de 1970. Nesse cenário, o estudo denuncia o rebaixamento dos direitos sociais, visto que os serviços sociais públicos, precarizados pela ausência do Estado, passam a ser ofertados na esfera do mercado, conforme vem acontecendo com a Previdência Social e a política de Saúde, desembocando na privatização dos serviços sociais. Conclui-se, que o modelo de Proteção Social brasileiro, conduzido segundo os imperativos da acumulação capitalista contemporânea, cujas formas de enfrentamento da pobreza e desigualdade têm se dado pela via de uma política social residual e limitada, através de programas seletivos e focalizados de transferência de renda, não se configuram, tal como propôs a Constituição Federal de 1988, como sistema articulado e abrangente de modo a oferecer a universalidade dos direitos sociais e uma efetiva redistribuição de riqueza. Mas reproduz o caráter perverso e mantenedor de uma ordem desigual e da ausência de direitos. Palavras-Chave: Seguridade Social; Previdência Social; Assistência Social.

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ABSTRACT

The present work weaves considerations concerning the system of Social Sureness in Brazil, especially, the politics of Precaution and Social Attendance, aiming at to apprehend the resignation of the politics precaution in time of adjustment and the central of the Social Attendance, through benefits of transfer of income, starting from the years 2000, taking into account the context political, economic and social lived in Brazil. Besides, we treated of the paper assumed by the Benefit of Continuous Installment (BPC) in the contemporary, as well as, we looked for to reveal to the characteristics of BPC in the State of Rio Grande do Norte (RN). Para that, we approached the specificities of the Brazilian Social Protection, emerged in the context of the neoliberalism, combined to the process of productive restructuring, responsible for transfiguring the organization of the work abasing the precarious/exploration of the class that lives of the work, in the measure in that you/they look for to "dribble" the recession of the decade of 1970. In that scenery, the study denounces the lowering of the social rights, because the public social services, precarious for the absence of the State, pass to be presented in the sphere of the market, as it is happening with Social welfare and the politics of Health, ending in the privatization of the social services. It is ended, that the model of Protection Social Brazilian, driven according to the imperatives of the contemporary capitalist accumulation, whose forms of to face of the poverty and inequality have if given by the road of a residual and limited social politics, through selective and focused programs of transfer of income, they are not configured, just as it proposed the Federal Constitution of 1988, as articulate and including system in way to offer the universality of the social rights and an effective wealth redistribution. But it reproduces the perverse character and to maintain of an unequal order and of the absence of rights. Key-words: Social sureness; Social welfare; Social attendance.

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LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 01: Evolução da taxa de desemprego total RMSP - 1985 a 2006 (%). GRÁFICO 02: Evolução da participação do rendimento do trabalho da renda nacional no Brasil em anos selecionados (em %). GRÁFICO 03: Evolução dos índices de variação do PIB e da taxa anual total de rotatividade, 1980 a 2002. GRÁFICO 04: Requerimentos do BPC para idoso e deficientes nos anos de 2010, 2011 e 2012 no Estado do RN. GRÁFICO 05: Indeferimentos do BPC para idoso e deficientes nos anos de 2010, 2011, 2012 no Estado do RN. GRÁFICO 06: Concessão do BPC para idoso e deficientes nos anos de 2010, 2011 e 2012 no Estado do RN. GRÁFICO 07: Representação de benefícios concedidos e indeferidos no RN.

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LISTA DE SIGLAS

APS – Agência da Previdência Social

BPC – Benefício de Prestação Continuada

CAPs – Caixa de Aposentadorias e Pensões

CF – Constituição Federal

DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador rural

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

NOB – Norma Operacional Básica

MPC – Modo de Produção Capitalista

PIB – Produto Interno Bruto

PNAS – Política Nacional da Assistência Social

RGPS – Regime Geral da Previdência Social

RMV – Renda Mensal Vitalícia

RPPS – Regimes Próprios de Previdência dos Servidores

RN – Rio Grande do Norte

SUAS – Sistema Único da Assistência Social

SUS – Sistema Único de Saúde

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LISTA DE TABELAS

TABELA 01: Total de BPC requeridos no Rio Grande do Norte TABELA 02: Total de BPC indeferidos no Rio Grande do Norte TABELA 03: Total de BPC concedidos no Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................12 2. POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL: PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES E DESAFIOS CONJUNTURAIS E ESTRUTURAIS.........................................................................16

2.1 A LUTA POR DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL E OS PROCESSOS HISTÓRICOS INTERNOS E EXTERNOS............................................................... 16 2.2 A RELAÇÃO NECESSÁRIA ENTRE MERCADO DE TRABALHO, PREVIDÊNCIA E INSERÇÃO SOCIAL: IMPLICAÇÕES DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO............................................. 26

3. ESPECIFICIDADES DA SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA E AS IMPLICAÇÕES DO NEOLIBERALISMO: DIREITOS CONQUISTADOS E LIMITADOS............................................................................................................. 39

3.1 PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL: DISSONÂNCIA E SUBVERSÃO DA ESTRATÉGIA DE POLÍTICAS COMPLEMENTARES............................................ 43 3.2 A CENTRALIDADE DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ENQUANTO MECANISMO DE PROTEÇÃO SOCIAL E O LUGAR DO BPC NA CONTEMPORANEIDADE....................................................................................... 52

4. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA E O BPC......................................................................................................................... 60

4.1 O PAPEL E LUGAR DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC) ENQUANTO ESTRATÉGIA DE PROTEÇÃO SOCIAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.............................................................................................. 61

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 68

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 70

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1- INTRODUÇÃO

O Trabalho de Conclusão de Curso apresenta considerações acerca da

relação Previdência e Assistência Social no Brasil e a centralidade da política

de Assistência Social no sistema de Seguridade Social, via transferência de

renda destacando as características do BPC no Rio Grande do Norte.

A aproximação com o tema se deu através da experiência de estágio de

natureza extracurricular, no primeiro semestre do ano de 2012, na Agência de

Previdência Social (APS, Natal/Sul1) em Natal/Rio Grande do Norte, no setor de

Serviço Social. Verificou-se que as demandas que chegavam ao setor eram de

diversas naturezas. Informações acerca dos benefícios oferecidos pela previdência,

como: aposentadorias, pensões, auxílio-doença, auxílio-reclusão; mas havia uma

demanda diária latente: pessoas idosas e deficientes em busca do direito ao

Benefício de Prestação Continuada assegurada na Carta Magna e regulamentada

pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

Nesse espectro, Ana Elizabete Mota (2010), assim como outros estudiosos,

afirma que a política assistencial, a partir da década de 2000, vem assumindo

centralidade dentre às demais políticas que compõe o sistema de Seguridade Social.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo, sem a pretensão e a competência

de esgotar o tema, desvelar os determinantes da conformação da política

previdenciária no Brasil em detrimento da centralidade da política assistencial via

benefícios de transferência de renda. Buscou-se os determinantes da relação

trabalho, previdência e assistência social na perspectiva de acesso aos direitos no

contexto da sociedade capitalista, analisando o padrão de proteção social no Brasil a

partir dos processos de flexibilização do trabalho e da centralidade da Assistência

Social no sistema de Seguridade Social, bem como nos propusemos a pesquisar as

características do Benefício de Prestação Continuada no Estado do Rio Grande do

Norte.

O direito ao Benefício de Prestação Continuada de natureza assistencial

destinada à população idosa e deficiente, correspondente a um salário mínimo

1 Localizada na Rua Padre João Damasceno, 1950, bairro Lagoa Nova, Natal – Rio Grande do Norte.

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mensal, foi assegurado na Constituição de 1988. No entanto, só no ano de 1996 o

benefício passou a ser concedido.

A promulgação da Constituição de 1988 é fruto da luta da classe trabalhadora

que clamava por direitos de ordem social, política e civil, desvelando-se para a

classe trabalhadora como uma vitoriosa conquista. Além disso, trouxe pela primeira

vez na história do Brasil, a legitimação do termo Seguridade Social entendida como

sistema complexo e abrangente na medida em que visava desenvolver a articulação

e complementaridade das políticas de Saúde, Assistência Social e Previdência,

trazendo consigo princípios redistributivos e universais de natureza progressista,

intencionando um amplo sistema de Proteção Social.

Contudo, na contramão da legitimação de direitos, ―andava a passos largos‖ a

expansão da ideologia e política neoliberal no mundo. No Brasil, a ―adoção‖ do

―receituário neoliberal‖, datada a partir da década de 1990, levou o Estado à

realização das (contra)reformas culminando no rebaixamento dos direitos incluindo

neste rol as políticas de Seguridade Social, estando a política previdenciária no topo

das ditas ―reformas‖; a saúde sucateada; e a assistência social ampliada via

benefícios de transferência de renda, incorporando características, cada vez mais,

focalista e seletiva.

A realidade contemporânea, na qual as políticas sociais estão inseridas, vem

sendo comandada pelo fenômeno da supercapitalização2 do capital que conforma a

Previdência num lócus privilegiado de ―reformas‖ inviabilizando e dificultando o

acesso aos benefícios, em concomitância, reforça a mercantilização da política;

enquanto que a Assistência Social assume papel principal, via transferência de

renda, como estratégia para o enfrentamento da das expressões da ―questão social‖:

pobreza, pauperismo, miséria, violência, desigualdade social, enfim, as ditas

―mazelas sociais‖.

Para a realização da análise do objeto, faz-se necessário situar a

problemática em sua totalidade histórica, apreendendo e explicitando os elementos

característicos da conjuntura política, econômica e social vivenciada pelo país,

terreno que se dá as relações sociais. Outro ponto merecedor de destaque é a

importância da aproximação com o objeto estudado para que consigamos apreender

o movimento da realidade na tentativa de ultrapassar o aparente. Para isso, o

2 Termo utilizado para designar a estratégia do Capital em retomar as altas taxas de lucro.

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método de análise adotado é o crítico-dialético já que julgamos ser a perspectiva que

nos possibilita desvendar as múltiplas determinações históricas (NETTO, 2009).

O processo de conhecimento empírico e aprofundamento teórico acerca da

realidade pesquisada deram-se através do estudo bibliográfico e documental. Assim,

estabelecemos como prioridade a análise quantitativa e qualitativa no processo

investigativo, o que nos possibilitou apontar as tendências predominantes da

Seguridade Social no contexto da égide da ideologia neoliberal.

A presente investigação é de suma importância para o Serviço Social visto

que o ―terreno‖ da Seguridade Social é fértil para a análise das contradições e

antagonismos provenientes da relação capital X trabalho que é objeto central de

estudo do Serviço Social, consequentemente, assume relevância também para a

sociedade, uma vez que dada a centralidade da política de Assistência Social,

combinado às ―reformas‖ no âmbito da previdência e sucateamento da Saúde, a

população perde gradativamente direitos nos outros âmbitos do sistema de proteção

social (MOTA, 2010).

Além desta introdução (primeira sessão), esse trabalho compreende mais três

sessões, além das considerações finais. Na segunda, apresenta-se um panorama

histórico da luta por direitos sociais a nível internacional e nacional, como também

analisamos a relação mercado de trabalho, previdência e inserção social sob o

contexto das implicações da reestruturação produtiva e flexibilização das relações de

trabalho, no intuito de elucidarmos os princípios estruturantes da política social no

Brasil e os desafios conjunturais e estruturais que as cercam.

Na terceira sessão, expõe-se as especificidades da Seguridade Social

brasileira sob as implicações do neoliberalismo, no contexto de dissonância e

subversão das políticas de Previdência e Assistência social, ademais, abordamos as

condicionalidades que levam a centralidade da política de Assistência Social

enquanto principal mecanismo de proteção social, bem como o lugar do BPC na

contemporaneidade.

No que diz respeito à quarta sessão, expomos através de gráficos e tabelas o

papel e o lugar do Benefício de Prestação Continuada (BPC) enquanto estratégia de

proteção social no RN.

Finalmente, conclui-se sintetizando o caráter da Seguridade Social brasileira,

a partir da década de 1990, momento em que o Brasil ―abriu as portas‖ para o capital

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financeiro e adotou como política econômica o neoliberalismo, impactando de forma

negativa e destrutiva os direitos sociais assegurados pela Constituição de 1988,

incluindo as políticas de seguridade social: saúde, previdência e assistência social,

as quais adquiriram configuração perversa que dificulta e rebaixa os direitos da

classe trabalhadora.

Ressaltamos que o trabalho a seguir não tem o intuito de dar maior

importância a política de Assistência Social ou a política da Previdência Social, ao

contrário, defende a importância de cada política que compõe o sistema de

Seguridade Social, defendendo seu processamento de forma integrada, articulada e

complementar, de forma que a proteção social qualificada atenda universalmente a

população.

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2- POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL: princípios estruturantes e desafios

conjunturais e estruturais

2.1 A luta por direitos sociais no Brasil e os processos históricos internos e

externos

Os séculos XVIII e XIX representaram mudanças significativas no âmbito das

relações de produção e, portanto, de trabalho. Momento de transição de um modo

de produção baseado na manufatura, no qual o trabalho era realizado a mão e de

forma artesanal nas próprias residências num espaço mais curto de tempo, para um

modo de produção que garantisse o máximo de produção, conseqüentemente o

máximo de lucros para os detentores dos meios de produção – a burguesia. Nesse

sentido, as máquinas foram inseridas nas unidades fabris de modo que cada

trabalhador desempenhasse uma etapa do processo de produção da mercadoria3,

baseado no modelo de produção fordista,4 diferentemente do que acontecia na

produção manufatureira, na qual o trabalhador era responsável por todas as etapas

do processo de produção.

3 Com o intuito de melhor entendermos o momento de transição do modelo de produção baseado na

manufatura, para o modelo de produção baseado na indústria, faz-se necessário a seguinte colocação: ―Parafraseando Marx, na manufatura, o ponto de partida para revolucionar o modo de produção é a força de trabalho. Na indústria moderna, o instrumental de trabalho. Esta mudança essencial dá-se com a introdução da máquina, em substituição às ferramentas. (...) Com a introdução da máquina-ferramenta, impõe-se a substituição da energia humana pela energia motriz, tornando-se indispensável uma revolução na produção de energia, surgindo em decorrência a máquina a vapor. (...) A máquina da qual nasce a revolução Industrial substitui o trabalhador que manipula apenas uma ferramenta, por um mecanismo que pode operar, concomitantemente, um determinado número de ferramentas semelhantes, acionadas por qualquer tipo de energia motriz, independente de sua forma. (...) Revoluciona-se por este meio a produção. O processo completo de produção, até então dividido e parcelado na manufatura, é agora executado por uma máquina-ferramenta. Na manufatura, cada operação sucessiva na produção tinha que ser executada manualmente pelos artesãos, trabalhando isoladamente ou em grupo, com suas ferramentas. Na produção mecanizada, pelo contrário, desaparece este princípio subjetivo da divisão do trabalho, pois todo complexo da produção é abarcado objetivamente, em todas as suas fases componentes. Enquanto, na manufatura, o isolamento dos processos parciais é um princípio determinado pela própria divisão do trabalho, na fábrica, pelo contrário, impõe-se a continuidade dos processos individuais, articulados de uma forma racional‖ (ARRUDA, 1994, p. 48-50). 4 Segundo Antunes (2011) os elementos constitutivos do modelo de produção fordita/taylorista: ―[...]

produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência das unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-mas-as, do trabalhador coletivo fabril [...]‖(p.25).

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A emergência do sistema fabril revolucionou completamente as estruturas de produção que permaneciam na sua retaguarda: a manufatura se transforma constantemente em fábrica, o artesanato em manufatura e, finalmente, os resquícios do artesanato e do trabalho doméstico transformam-se, rapidamente, em antros de miséria onde campeia livremente a exploração capitalista. (ARRUDA, 1994, p.67)

A alavancada industrial, intitulada por inúmeros autores como 1ª revolução

industrial, datada no ano de 1750 no século XVIII, se deu primeiramente na

Inglaterra espraiando-se para os Estados Unidos e principais países da Europa. No

entanto, ao mesmo tempo, que as máquinas se inseriam nos espaços fabris, os

trabalhadores sofriam com a precarização do trabalho, visto que ficavam sob a

imposição da exploração física e mental, desencadeada principalmente pela extensa

jornada de trabalho, baixa remuneração e péssimas condições de trabalho. Caso

não aceitassem as condições colocadas pelo empregador, estariam desempregados,

uma vez que para resguardar tal nível de exploração os capitalistas contavam com

uma massa sempre crescente de trabalhadores desempregados e miseráveis

dispostos a vender ―a qualquer preço‖ sua força de trabalho – era o chamado

exército industrial de reserva. Vale salientar, que a classe trabalhadora também era

composta por mulheres e crianças5 com idade mínima de 4 anos – principais vítimas

de mutilações6 em decorrência de acidentes de trabalho (ARRUDA, 1994).

As dificuldades da classe trabalhadora eram enormes, desde as mais simples, como por exemplo ser obrigada a fazer suas compras na loja do patrão, recebendo seus pagamentos em mercadorias miúdas, ou ser obrigada a morar em casas fornecidas pela fábrica, contra o pagamento de pesados aluguéis, até os problemas mais graves, tais como: a jornada de trabalho, inexistência de seguro para o trabalho, baixos salários e flutuação dos empregos. (ARRUDA, 1994, p. 70)

5 Em meio às condições de miséria e pauperismo, como também, aos rebaixamentos salariais vividos

nessa época, o chefe da família pobre representado pela figura masculina não tinha mais condições de arcar com a subsistência da família. Sendo assim, as mulheres deixavam seu trabalho doméstico ou seu ambiente familiar, juntamente com seus filhos, para se submeterem à extensa jornada de trabalho, condições de trabalho insalubres e baixa remuneração. 6 ―Os acidentes de trabalho mais comuns ocorriam com os menores que, durante as horas

intermináveis que ficavam sobre as máquinas, muitas vezes sustentados por uma perna-de-pau, pois que seu pequeno tamanho não lhes permitia atingir o cimo dos altos teares, as crianças adormeciam e tinham seus dedos estralhaçados pelas engrenagens dos teares‖ (ARRUDA, 1994, p.70).

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Sendo assim, a situação em que a classe trabalhadora se encontrava era

lamentável. Nessa época houve uma grande migração populacional do campo para

a cidade, visto que o campo foi tomado pelas grandes propriedades, fazendo com

que os pequenos agricultores fossem em busca de trabalho nas cidades. Por

conseguinte houve grande aumento populacional na área urbana da Inglaterra nos

lugares que tinha maior concentração de indústrias. Contudo, ―o ritmo inesperado e

impetuoso da expansão urbana não fora acompanhado por adequados serviços

urbanos,‖ (ARRUDA, 1994, p.67) e assim, a classe trabalhadora sofria nos espaços

fabris com a má alimentação, falta de higiene, insalubridade, extensa jornada de

trabalho, fora a pressão física, mental e psicológica fazendo com que as relações

entre trabalhador e patrão ficassem cada vez mais tensionadas.

Diante deste contexto, emerge no cenário às refrações da ―Questão Social7‖.

Pauperismo, miséria, forte desigualdade, desemprego, fome, doenças penúria,

desamparo e subalternidade se alastravam nas cidades industrializadas (NETTO,

2001) consequentemente os trabalhadores não vislumbravam outra alternativa que

não fosse a revolta. Deflagrou-se, então, no início do século XIX, em 1811, na

Inglaterra o movimento ludista que tinha como principal ação, a quebra de máquinas.

Os trabalhadores traçavam como métodos de ação direta a ―violência contra a

propriedade, seleção dos alvos preferidos, combustão espontânea e fluxo

determinado pelo costume, lideranças constituídas dentro do movimento e

composição social que incluía pequenos proprietários, cottagers e tecelãos‖

(ARRUDA, 1994, p. 84). A massa de trabalhadores acreditava que o motivo da

miséria e penúria que os cercavam era proveniente da existência das máquinas.

Mais tarde, ainda no século XIX, a partir de 1830, os trabalhadores não

conformados com a lentidão dos avanços, no que diz respeito à melhoria das

condições de trabalho, passaram a clamar principalmente por um novo tipo de

parlamento a ser eleito pelos trabalhadores e composto por seus próprios

representantes, visando conquistar benefícios sociais para a classe. Para a história,

7 Segundo Netto (2001), o termo ―Questão Social‖ tem emprego recente, por volta de 1830, sendo

utilizado para dar conta da miséria e pobreza que se alastrava na Europa Ocidental. Antes do ―boom‖ industrializante a pobreza resultava da escassez de produtos e alimentos. Ao passo que se produzia muito, mais a pobreza se generalizava. A classe trabalhadora passou a reivindicar melhoria nas condições de trabalho e na medida em que se põe em xeque a ordem burguesa, a ―questão social‖ foi reconhecida politicamente pelo Estado.

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19

esse feito foi denominado como movimento cartista8 o qual contribuiu para a criação

dos primeiros sindicatos, pelas sociedades de auxílios mútuos, e pela primeira vez

lutou pela legitimação da greve. (ARRUDA; 1994).

No prisma dessa conjuntura, ações de cunho filantrópico e caritativo por parte

da Igreja eram feitas e algumas ações pontuais, por parte do Estado também. A

partir do momento que a classe subalternizada se organiza politicamente passando à

reivindicar melhoria nas condições de trabalho como: redução da jornada de

trabalho, aumento do salário, descanso semanal, ambiente salubre nas

dependências das fábricas, entre outras benesses, o Estado intervém, via políticas

sociais. Entretanto destaquemos que ainda no século XIX, as políticas sociais

assumem apenas, o caráter de manter a ordem.

Como aponta Behring e Boschetti (2008), até o final do século XIX tivemos o

estabelecimento de algumas leis, entretanto de caráter punitivo e repressivo e não

protetor; com a exceção da Lei Speenhamland Act em 1795 que garantia assistência

social, minimamente, aos empregados ou desempregados que tinham uma renda

abaixo do normal, do que foi estipulado na época, em consequência, exigia a fixação

do trabalhador, visto que evitava a mobilidade geográfica de mão-de-obra.

No entanto, em 1834 com a criação da Nova Lei dos Pobres9 (Poor Law

Amendment Act), a Lei Speenhamland Act foi revogada, colocando em xeque mais

uma vez, a esperança dos trabalhadores que sonhavam com melhores condições de

vida. Não obstante, a força de trabalho reagia à exploração sofrida (calcada na

extração da mais-valia absoluta10, combinada a uma extensa jornada de trabalho)

8 Segundo ARRUDA (1994): ―o movimento cartista (...) na medida em que visava à reformas

parlamentares, contribuiu de forma significativa para a arregimentação da classe operária, em termos de reivindicações nacionais. O movimento desse período não pode ser simplesmente classificado como um movimento de classe operária, tanto em sua composição quanto em seu programa de ação e ideologia e, muito menos, em sua ação concreta. Tratava-se de uma frente comum a todos os setores sociais que representavam o trabalhador pobre e, especialmente, o trabalhador urbano.‖ (p. 87) 9 ―A nova lei dos pobres revogou os direitos assegurados (...) restabeleceu a assistência interna nos

albergues para os pobres ―inválidos‖, reinstituiu a obrigatoriedade dos trabalhos forçados para os pobres capazes de trabalhar, deixando a própria sorte uma população de pobres e miseráveis sujeitos à ―exploração sem lei‖ do capitalismo nascente. O sistema de salários baseado no livre mercado exigia a abolição do direito de viver‖ (BEHRING E BOSCHETTI, 2008, p. 51)

10

―(...) aquilo que importa ao capitalista é o tempo de trabalho excedente (...) aumentando-se a duração da jornada (...) conserva-se a mesma duração do tempo de trabalho necessário e se acresce o tempo de trabalho excedente. Esse modo de incrementar a produção do excedente a ser apropriado pelo capitalista designa-se como produção de mais-valia absoluta. (NETTO e BRAZ; 2010, p.108)

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contra a classe detentora dos meios de produção. Nesse sentido, Behring e

Boschetti (2008) apontam que:

A luta de classes irrompe contundente em todas as suas formas, expondo a ―questão social‖: a luta dos trabalhadores com greves e manifestações em torno da jornada de trabalho e também sobre o valor da força de trabalho – o salário, que deveria garantir os meios de subsistência necessários à manutenção do seu possuidor (...) e as estratégias burguesas para lidar com a pressão dos trabalhadores, que vão desde a requisição da repressão direta pelo Estado, até concessões formais pontuais na forma das legislações fabris11 (...)‖ (p. 54).

Por ora, é necessário situar que esse momento dá-se sob a vigência plena do

Estado fundamentado no liberalismo12 e que em consonância com seus princípios

dogmatizantes palpava-se na mínima intervenção estatal, atuando sob a direção do

capital, ou seja, o Estado reprimia ferozmente os trabalhadores e em contrapartida

regulamentava as relações de produção, através das legislações fabris (BEHRING e

BOSCHETTI: 2008).

Dessa forma, o surgimento das políticas sociais aconteceu de forma gradual,

na medida em que, a luta da classe trabalhadora ganhava forças no cenário político-

econômico reivindicando direitos sociais. Assim, o Estado Liberal no final do século

XIX passa a incorporar orientações social-democratas e ―a realizar ações sociais de

forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade‖

(BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p.64). Nesse momento, em resposta as

reivindicações do proletariado, o Estado passou a criar mecanismos de forma a

minimizar as tensões entre as classes antagônicas, e a investir nas políticas sociais,

sob a lógica do seguro compulsório, calcado no modelo bismarckiano13.

11

Segundo Behring e Boschetti (2008) as primeiras legislações que aparecem como protoformas das políticas sociais são as seguintes: Estatuto dos trabalhadores (1349); Estatuto dos artesãos (1563); Lei dos pobres (1531-1601); Lei do domicílio (1662); Speenhamland Act (1795); e a Nova Lei dos Pobres (1834) que revoga a Speenhamland Act. 12

Polanyi (2000) aponta os princípios estruturantes do liberalismo econômico: ―o trabalho deveria encontrar seu preço no mercado, a criação do dinheiro deveria sujeitar-se a um mecanismo automático, os bens deveriam ser livres para fluir de país a país, sem empecilhos ou privilégios. Em resumo, um mercado de trabalho, o padrão-ouro, e o livre-comércio.‖ (p.166). 13

―o modelo bismarckiano é identificado como sistema de seguros sociais, pois suas características assemelham-se à de seguros privados. Em relação aos direitos, os benefícios cobrem principalmente (e às vezes exclusivamente) os trabalhadores contribuintes e suas famílias; o acesso é condicionado

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Entretanto, apesar da expansão do modelo bismarckiano, como é apontado

por Marshall (1967), no período denominado Grande Depressão (1918-1939) ou

ainda período ―entre guerras‖, constata-se um inexpressivo desenvolvimento político

econômico e social. Período de crise do capital ocasionado pela superprodução no

ano de 1929. Segundo Behring e Boschetti (2007) tal período foi marcado por uma

superabundância de capitais e rebaixamento dos lucros ocasionando o desemprego,

bem como, a queda do consumo empacando o processo de reprodução do capital.

Visando a superação da crise, o Estado assume caráter intervencionista,

emergencial, episódico e pontual (NETTO, 2006) entrando na cena das relações do

capital como regulador, visto que a burguesia percebeu que o mercado não tinha a

capacidade de regular automaticamente a economia e manter as taxas de

acumulação do capital desejadas pelos detentores do capital (BRESSER, 1986). A

partir disso a burguesia ―vai à busca‖ de consenso para se legitimar politicamente, no

centro das relações econômicas e sociais na medida em que institucionalizavam os

direitos cívicos e sociais (NETTO, 2006) deixando clara a função de mediador

realizada pelo Estado, a fim de manter a reprodução do capital em consonância com

―a paz‖ da classe trabalhadora.

Não obstante, o cenário começa a passar por transformações no período pós

segunda guerra mundial, dando lugar aos gloriosos ―anos de ouros‖ vividos pelo

capitalismo período que vai de 1945 a 1975. Junto aos ―anos dourados‖ vieram

novidades no campo das políticas sociais. Na Inglaterra, por volta de 1942, ainda sob

a vigência da segunda guerra mundial, foi lançado o plano Bevevidge que trouxe

propostas para o modelo do Welfare State, traduzindo para o português, Estado de

Bem Estar Social. A base estruturante do modelo welfare state incorporava princípios

de caráter universalizantes e redistributivos. Além disso, o Estado assumia

responsabilidade na manutenção das condições de vida dos cidadãos, através de

um conjunto de ações em três direções: regulação da economia de mercado era

feita, a fim de manter elevado nível de emprego; a prestação pública de serviços

sociais universais, como educação, segurança social, assistência médica e

a uma contribuição direta anterior e o montante das prestações é proporcional à contribuição efetuada. Quanto ao financiamento, os recursos provêm fundamentalmente das contribuições diretas de empregados e empregadores, baseadas na folha de salários. Quanto à gestão, os seguros eram originalmente organizados em caixas estruturadas por tipos de risco social: caixas de aposentadorias, caixas de seguro-saúde, e assim por diante, e eram geridos pelos contribuintes, ou seja, por empregadores e empregados‖ (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p.66)

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habitação; e um conjunto de serviços sociais pessoais; universalidade dos serviços

sociais; e implantação de uma rede de segurança de serviços de assistência

(BOSCHETTI, 2003).

Destarte não só, o modelo beveridgiano tinha como objetivo principal o

combate a pobreza (em face ao cenário de miséria na Inglaterra circunstanciado pela

guerra) diferentemente do que foi apreendido acerca do molde bismarckiano, visto

que as políticas de compensação de renda estavam subordinadas, exclusivamente,

ao trabalho.

Nesse sentido, Boschetti (2003) aponta alguns resultados positivos adquiridos

pela classe trabalhadora, oriundos da nova configuração do Estado: a introdução e

ampliação de serviços sociais onde se inclui a seguridade social, o serviço nacional

de saúde, os serviços de educação, habitação, emprego e assistência aos velhos,

inválidos e crianças; a manutenção do pleno emprego e um programa de

nacionalização.

Todavia, não demorou muito e a ilusão da harmonia do Welfare State, entre

as classes antagônicas, ―cai por terra‖ na década de 1970. A superprodução e o

desemprego se repetem, assim como aconteceu na crise de 1929, somando-se a

isso novos elementos históricos políticos e econômicos, que serão aprofundados no

próximo subtítulo.

No entanto, levemos em consideração que as políticas de welfare state

apresentavam-se de forma distinta em cada sociedade14, já que as circunstâncias

históricas não se processam da mesma forma pelo mundo. Contudo, para entender a

configuração da seguridade social brasileira, faz- se necessário apreender os

processos históricos internacionais, visto que o reflexo da história vivida pela classe

trabalhadora nesse contexto de luta e reconhecimento dos direitos sociais chega ao

Brasil, mesmo que de forma tardia.

14

Segundo Behring e Boschetti (2008) o Brasil não viveu o welfare state. O Estado sob o governo de Vargas reprimiu as reivindicações da classe operária com a força da polícia, combinando-se a isso, uma ―iniciativa política: a regulamentação das relações de trabalho no país, buscando transformar a luta de classes em colaboração de classes, e o impulso à construção do Estado social, em sintonia com os processos internacionais, mas com nossas mediações internas particulares‖ (BEHRING E BOSCHETTI, 2007, p.106). Foi nesse contexto, entre 1930-1943 que podemos sinalizar para a introdução da política social no Brasil,

14 como também para o desenvolvimento da previdência social.

Assim, o Estado Social brasileiro assume ―caráter corporativo e fragmentado, distante da perspectiva da universalização de inspiração beveridgiana‖ (op cit, p.106).

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Assim, após termos feito o apanhado histórico do panorama internacional,

pontuemos elementos importantes dos processos históricos internos, principalmente

no que tange a formação do capitalismo15 entre nós. Como sabemos, o Brasil no

século XVI estava longe do rol dos países que vivenciaram a revolução industrial,

visto que o Brasil apresentava-se como colônia, levando na sua bagagem, árduos e

longos anos de escravidão, com práticas imbricadas no clientelismo e no

coronelismo. Só a partir do século XX a industrialização chegou aos centros urbanos

do Brasil, escancarando a Questão Social, bem como, a correlação de forças

existentes entre trabalhadores e burgueses. Fernandes (1986) faz a seguinte

colocação:

[...] aqui a modernidade efetiva se associa ao capitalismo financeiro, às grandes corporações privadas, estatais e semi-estatais, ao agravamento da questão social sob um desenvolvimento capitalista desigual, ultraconcentrador e explosivo. Ele rompe o quadro das acomodações pré-capitalistas, lança no fluxo da vida social urbana massas sucessivas de famintos desenraizados e, por fim, quebra todas as acomodações que uniam tenuamente os proletários, os pequeno-burgueses e os estratos mais inseguros das classes médias a uma ordem social iníqua e inviável. Ao mesmo tempo, ele desaba sobre o vasto mundo rural, desencadeando novas formas de concentração da propriedade fundiária, de expansão da economia agromercantil e de ―inquietação social do campo‖ que fazem saltar quase todos os diques que mantinham os oprimidos da terra presos a compromissos tácitos ou explícitos seculares. (1986, p. 39)

Sendo assim, a mesma cena urbana – pequenos cortiços, instalações da

fábrica insalubres, miséria, situação de rua) bem como o mesmo sentimento de

injustiça social expressa na Inglaterra no século XIX se repetiu no ―Brasil

industrializado‖. Segundo Fernandes (1986) ―a exigência de ser gente passa das

esferas das relações reais para a esfera da relações societárias – do ter peso no

contrato para o ter peso e voz na sociedade civil.‖(p.42)

Dessa forma a massa de trabalhadores brasileiros imbuídos pelas

experiências de organização política que acontecera na Inglaterra no século XIX,

passaram a se organizar em sindicatos, e traçaram estratégias de motins e greves,

na medida em que, clamavam por melhores condições de vida e trabalho. O

proletário, em dado momento, passou a indagar de quem era a culpa. Procurava

15

Para o aprofundamento acerca do desenvolvimento do capitalismo no Brasil ver: Ianni (1992); Prado Jr (1991) e Fernandes (1986).

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uma explicação para a ordem capitalista, e estudavam uma forma de ultrapassá-la.

(FERNANDES,1986)

Conforme as peculiaridades da formação social brasileira, o surgimento da

política social entre nós teve dois principais significados como coloca Behring e

Boschetti (2008). Um que serviu, mesmo que de forma focalizada e seletiva a classe

trabalhadora; e outro que serviu para legitimação da burguesia. Primeiramente, o

aprimoramento e cumprimento de direitos trabalhistas e instituição de direitos

previdenciários16 foi resultado das reivindicações oriundas da classe trabalhadora, ao

mesmo tempo em que resultou, via ditadura (1937-1945 e 1964-198417), a restrição

de direitos políticos e civis.

Se a política social tem relação com a luta de classes, e considerando que o trabalho no Brasil, apesar de importantes momentos de radicalização, esteve atravessado pelas marcas do escravismo, pela informalidade e pela fragmentação/cooptação, e que as classes dominantes nunca tiveram compromissos democráticos e redistributivos, tem-se um cenário complexo para as lutas em defesa dos direitos de cidadania, que envolvem a constituição da política social. (p.79)

Portanto, em meio à circunstância suscitada acima destaquemos que o

pontapé foi dado no que tange as políticas de proteção social, mesmo que de forma

rasa e frágil, compreendendo a particularidade do ―liberalismo à brasileira‖

16

Segundo Behring e Boschetti (2008) até o ano de 1887 não se registra na história brasileira nenhuma legislação social. A partir de 1888 houve a criação de caixas de socorro. Em 1891 tem a primeira legislação para à assistência a infância, no entanto não foi cumprida. Em 1911 tivemos a redução da jornada de trabalho para 12 horas diárias, porém não foi cumprida. Regulamentação dos acidentes de trabalho em 1919. Em 1923: aprovação da lei Eloy de Chaves que institui as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) inicialmente para as categorias dos ferroviários e marítimos, dentre outras. A partir da década de 1930, as políticas sociais aparecem na cena com mais firmeza. 17

―[...] no contexto de perda das liberdades democráticas, de censura, prisão e tortura para as vozes dissonantes, o bloco militar-tecnocrático-empresarial buscou adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização de políticas sociais. A unificação, uniformização e centralização da previdência social no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, retiram definitivamente os trabalhadores da gestão da previdência social, que passa a ser tratada como questão técnica e atuarial. Em 1967, os acidentes de trabalho passam também para a gestão do INPS, apesar de certa contrariedade das seguradoras privada. Ao lado disso, a previdência foi ampliada para os trabalhadores rurais, por meio do Funrural, política que adquiriu, neste caso, um caráter mais redistributivos, já que não se fundava na contribuição dos trabalhadores, mas numa pequena taxação dos produtores, apesar de seu irrisório valor de meio salário mínimo (1971). A cobertura previdenciária também alcançou as empregadas domésticas (1972), os jogadores de futebol e os autônomos (1973), e os ambulantes (1978). Em 1974, cria-se a Renda Mensal Vitalícia para os idosos pobres, no valor de meio salário mínimo para os que tivessem contribuído ao menos um ano para a previdência‖ (BEHRING E BOSCHETTI, 2008, p.136).

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(BERRING E BOSCHETTI) visto que não dava espaço para o significado real dos

direitos sociais, sendo incorporados pela pressão do proletariado com várias

dificuldades para a implementação e garantia dos direitos.

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2.2 A relação necessária entre mercado de trabalho, previdência e inserção

social: implicações da reestruturação produtiva e flexibilização das relações de

trabalho

O momento contemporâneo tem expressado no cenário mundial e,

particularmente no Brasil, o resultado e conseqüências de uma reestruturação

profunda na reprodução social, tanto no ponto de vista econômico produtivo quanto

político-ideológico, com sérias implicações sociais. Os imperativos do capitalismo

monopolista, a partir da entrada dos anos 1970, têm dimensionado a forma do

desenvolvimento global sob o ordenamento da tríade, muito bem articulada, de

flexibilização, desregulamentação e privatização. Esses elementos respondem, no

atual estágio do desenvolvimento capitalista, pelo arcabouço de alternativas

lançadas para superar a crise e retomar o crescimento econômico pela via da

retomada dos lucros, mas também respondem pela catástrofe social aprofundada no

último terço do século XX, as quais evidenciam a perversidade e contradição do

sistema capitalista e cujas alternativas têm reforçado os processos e formas de

exploração (NASCIMENTO, 2012). Nesse sentido, cabe retomarmos alguns

elementos já suscitados anteriormente.

A configuração do Estado pautada no welfare state, que se generalizou entre

1945 e 1975, visava superar os efeitos da crise de 1929 com o intuito de

restabelecer o crescente aumento das taxas de lucro, através do pleno emprego,

maior produção/maior consumo e incremento nas políticas sociais. No entanto a

articulação: acumulação do capital, democracia política e equidade social ―viveram

harmonicamente‖ por aproximadamente 30 anos, os chamados gloriosos ―anos de

ouros‖ ou ―dourados‖ do capitalismo. Contudo, não tardou e, na década de 1970, o

capitalismo desenvolvido via Estado de Bem Estar Social entra em crise, esbarrando

mais uma vez na superprodução e no desemprego estrutural em decorrência da

incorporação da revolução tecnológica, fazendo com que ressurgisse em escala

crescente o exército industrial de reserva. Todavia, a crise que se abate na entrada

dos anos de 1970, segundo Mészáros (2009), sinaliza que a crise contemporânea

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não é só uma crise clássica18 de superprodução, mas uma crise de ordem estrutural

e sistêmica. Segundo Braz (2012):

[...] a especificidade da crise atual, analisada com rigor por Mészáros, está assentada em duas características intrísecas e que também se expressam na dinâmica estrutural do MPC contemporâneo: ela acentua o caráter destrutivo da produção capitalista, de modo que o metabolismo social comandado pelas forças do capital faz predominar, de maneira incomparável, tendências altamente destruidoras da exploração da natureza que concorrem até mesmo para criar sérios obstáculos à própria reprodução da vida social; por outro lado, e correlatamente, esgotaram-se os mecanismos estruturais (posto que os paliativos sempre hão de existir) de autorregulação do sistema sociometabólico do capital, uma vez que o caráter permanente da crise sobressai em detrimento da sua forma cíclica de se expressar, prevalente até os anos 1970. Mészáros caracteriza muito bem a crise adjetivando-a, corretamente a meu ver, como uma rastejante (p.470).

Conforme aponta Teixeira (1996), diante da crise, o grande capital procura

novas estratégias para garantir o aumento das taxas de lucro, visto que o modo de

produção taylorista-fordista entra em crise. A partir de então, ―a reestruturação

produtiva torna-se a palavra de ordem dada à necessidade de o capital

controlar/diminuir as lutas de classes e diante acirrada concorrência intercapitalista,

em plena ―terceira revolução tecnológica‖, com a presença do novo bloco econômico

(os Tigres Asiáticos), e seu novo padrão produtivo, o ―toyotismo‖. Em substituição à

antiga combinação do modelo Keynesiano (Estado Intervencionista) com o padrão

taylorista/fordista exigiu-se a imediata adoção do toyotismo ou modelo flexível‖

(NASCIMENTO, 2012, p.43). Assim, o capital tenta superar a crise via reestruturação

produtiva que se inicia na década de 198019.

18

“[...] é movida pela natureza contraditória do desenvolvimento capitalista que, ao potencializar seu

processo de reprodução ampliada (sua própria acumulação de capital), reproduz os fatores que exponenciam suas contradições e acionam crises que, desde as últimas décadas do século XX, têm maior duração e se exprimem em períodos menos espaçados (e sem ondas longas expansivas), alternando períodos (espasmódicos) de crescimento, auge, crise, recessão/depressão, retomada...‖ (BRAZ, 2010, p. 470). 19

“Essa crise vem sendo enfrentada através de um processo de reestruturação produtiva, que se faz

acompanhar de novas tecnologias, que permitem uma produção flexível capaz de satisfazer as novas exigências do mercado e, assim, criar condições para que a oferta de bens e serviços possa acompanhar as mudanças de hábitos no consumo. Se antes, no chamado modelo de acumulação fordista, as empresas produziam sem se preocupar com a demanda de mercado, a partir de então as

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[...] a produção sob o toyotismo é voltada e conduzida diretamente pela demanda. A produção é variada, diversificada e pronta para suprir o consumo. É este que determina o que será produzido, e não o contrário, como se procede na produção em série e de massa do fordismo. Desse modo, a produção sustenta-se na existência do estoque mínimo. O melhor aproveitamento possível do tempo de produção (incluindo-se também o transporte, o controle de qualidade e o estoque), é garantido pelo just in time. O kaban, placas que são utilizadas para a reposição das peças, é fundamental, à medida que se inverte o processo: é do final, após a venda, que se inicia a reposição de estoques, e o kaban é a senha utilizada que alude à necessidade de reposição das peças/produtos. (ANTUNES, 2011, p.33)

Não obstante, o novo modelo de produção trouxe implicações profundas para

o mundo do trabalho, consequentemente para a classe trabalhadora. Segundo

Antunes (2011) ―a década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado,

profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na

estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão

intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-

trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua

materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo

inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser‖ (p.23).

De acordo com Gounet (1991): ―o toyotismo é uma resposta à crise do

fordismo dos anos 70. Em vez do trabalho desqualificado, o operário torna-se

polivalente. Ao invés da linha individualizada, ele se integra em uma equipe. Ao

invés de produzir veículos em massa para pessoas que não conhece, ele fabrica um

elemento para a ‗satisfação‘ da equipe que está na sequência da sua linha‖ (p. 43

apud ANTUNES, 2011, p.35).

Conforme aponta os estudos de Teixeira (1996) é diante deste contexto de

reestruturação produtiva que os ideários do neoliberalismo ―se armam‖ para difundir

a doutrina.

A chegada da grande crise do modelo econômico do pós guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e

mercadorias não são mais produzidas para em seguida serem lançadas no mercado. Desde então as empresas procuram planificar a venda de suas mercadorias, de tal modo que elas possam ser vendidas no momento em que são produzidas‖ (TEIXEIRA, 1996, p.12).

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profunda recessão, combinando pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes das crises, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais (ANDERSON, 1996, p.1).

Esse foi o discurso proclamado pelos neoliberais, que ganhou espaço diante

da crise, pós 1973. Assim atesta Draibe (1993) acerca das raízes do neoliberalismo:

―[...] não há um corpo teórico neoliberal específico, capaz de distingui-lo de outras

correntes do pensamento político. As ―teorizações‖ que manejam os assim ditos

neoliberais são geralmente emprestados do pensamento liberal ou de conservadores

e quase que se reduzem à afirmação genérica da liberdade e da primazia do

Mercado sobre o Estado, do individual sobre o coletivo. E, derivadamente, do Estado

mínimo, entendido como aquele que não intervém no livre jogo dos agentes

econômicos [...] a ideologia neoliberal projeta uma cultura política ―despolitizada‖ na

aparência, movida pela busca de soluções ágeis e eficientes [...]‖ (p. 88). Segundo

Harvey (2008):

O neoliberalismo é em primeiro lugar uma doutrina das práticas político-econômicas que propõe que o bem estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuas no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir [...] a integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedades e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados (p.12 apud NASCIMENTO, 2012, p.49).

Sendo assim, o ―projeto neoliberal‖ constitui a atual estratégia hegemônica da

reestruturação geral do capital, em detrimento da crise, do avanço tecnocientífico e

das lutas de classes que se desenvolvem no pós-1970, e que se desdobra em três

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vertentes: a ofensiva contra o trabalho no que tange as leis e direitos trabalhistas, as

lutas sindicais e de esquerda; a reestruturação produtiva, bem como, a

―(contra)reforma do Estado‖ (DURIGUETTO e MONTANÕ; 2011).

Neste espectro, os reflexos para a classe trabalhadora provenientes da

reestruturação produtiva juntamente com a ofensiva neoliberal foram nefastos. Com

a expulsão dos trabalhadores do setor formal para o informal – produto da

automação e da crise – há uma crescente massa de desempregados, engrossando

assim, o exército industrial de reserva. Os resultados disso são: diminuição da taxa

salarial; perda do poder político dos trabalhadores, ou seja, desorganização política;

atitude individualista e defensiva do trabalhador. Além disso, há o aumento

exponencial da subcontratação, da terceirização e do trabalho temporário, fazendo

com que o trabalhador ―mergulhe no mar‖ da precarização e no esvaziamento dos

direitos trabalhistas (op cit).

Outro rebatimento que chega a classe trabalhadora é o enfraquecimento das

organizações trabalhistas. Nessa circunstância, o Estado e o Capital calcados na

ideologia neoliberal, não levam em consideração as reivindicações originárias da

classe trabalhadora. Temos como exemplos a negação, por parte dos empresários

ou por parte do Estado, à negociação com os trabalhadores em greve, bem como a

repressão a qualquer tipo de manifestação que ―levante a bandeira‖ da luta

trabalhadora – assim há o dilatamento das ações da classe trabalhadora. Atrelado a

isso, o neoliberalismo investe, com a colaboração da mídia, na desinformação e na

descaracterização das lutas dos trabalhadores, recriando uma ―cultura‖ marcada pela

desqualificação das demandas dos trabalhadores, usando uma retórica que

criminaliza o movimento da classe operária. Os meios de comunicação de massa

apresenta-os à sociedade como ―baderneiros‖, ―marajás‖ e suas ações como

―invasões‖ e ―badernas‖ (op cit).

A ideologia neoliberal funciona como uma espécie de receituário ou fórmula

neoliberal, com vistas a viabilizar à mundialização do capital, impondo o receituário

aos demais países, estabelecendo como principais prerrogativas: ―1) um Estado forte

para romper os sindicatos e controlar a moeda; 2) um Estado parco para os gastos

sociais e regulamentações econômicas; 3) a busca da estabilidade monetária como

meta suprema; 4) uma forte disciplina orçamentária, diga-se, contenção dos gastos

sociais e restauração de uma taxa ‗natural‘ de desemprego; 5) uma reforma fiscal,

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diminuindo os impostos sobre os rendimentos mais altos e 6) o desmonte dos

direitos sociais, implicando a quebra da vinculação entre política social e esses

direitos, que compunha o pacto político do período anterior‖ (BEHRING, 2000, p.28

apud NASCIMENTO, 2012).

Diante deste prisma, com vistas à superação da crise de 1970, o Estado

brasileiro, sob a imposição dos países imperialistas, assume as orientações

neoliberais de forma retardatária somente na década de 1990. Entretanto, levemos

em consideração os determinantes que mediaram o processo de apreensão da

ideologia neoliberal no nosso país (TEIXEIRA, 1996).

Em 1989 o governo norte americano juntamente com os organismos

financeiros internacionais (FMI, Banco Mundial e BID) reuniram-se no evento

internacional denominado Consenso de Washington para pressionar os países do

Terceiro Mundo à liberalizar/flexibilizar os mercados, adotando assim o

neoliberalismo como projeto econômico-político hegemônico (op cit). As propostas

desta reunião eram as seguintes:

Suas propostas abrangiam dez áreas: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos; reforma tributária; liberalização financeira; regime cambial; liberalização comercial; investimento direto estrangeiro; privatização; desregulação e propriedade intelectual (TEIXEIRA, 1996, p.18).

Conforme aponta Teixeira (1996) tais propostas podem ser sintetizadas em

outros dois pontos: a redução do tamanho do Estado e abertura da economia, ou

seja, a política econômica deve estar voltada para a soberania do mercado

autoregulável nas suas relações econômicas, sejam elas, internas e externas.

Segundo Soares (1999) a ―adoção‖ do receituário neoliberal imputou no Brasil uma

dinâmica perversa sobre o social com ―a queda nos salários, redução do emprego,

informalidade nos negócios, evasão de impostos e diminuição da base de

arrecadação tributária. O chamado ajuste fiscal permanente trouxe um enorme custo

para o setor público, com corte de gastos essenciais e desequilíbrio patrimonial

permanente‖ (p. 172).

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[...] o projeto neoliberal restaurador viu-se resumido no tríplice mote da ―flexibilização‖ (da produção, das relações de trabalho), da ―desregulamentação‖ (das relações comerciais e dos circuitos financeiros) e da ―privatização‖ (do patrimônio estatal). Se esta última transferiu ao grande capital parcelas expressivas de riquezas públicas, especial mas não exclusivamente nos países periféricos, a ―desregulamentação‖ liquidou as proteções comercial-alfandegárias dos Estados mais débeis e ofereceu ao capital financeiro a mais radical liberdade de movimento, propiciando, entre outras consequências, os ataques especulativos contra economias nacionais. Quanto à ―flexibilização‖, embora dirigida principalmente para liquidar direitos laborais conquistados a duras penas pelos vendedores da força de trabalho, ela também afetou padrões de produção consolidados na vigência do taylorismo fordista. [...] ao mesmo tempo, os novos processos produtivos têm implicado uma extraordinária economia de trabalho vivo, elevando brutalmente a composição orgânica do capital; resultado direto na sociedade capitalista: o crescimento exponencial da força de trabalho excedentária em face dos interesses do capital — com os economistas burgueses (que se recusam a admitir que se trata do exército industrial de reserva próprio do tardo-capitalismo) descobrindo... o ―desemprego estrutural‖! (NETTO; 2012; p.416-418).

No entanto, lembremos que a década antecedente a década de 1990 no

Brasil foi intitulada por inúmeros autores como a ―década perdida‖ do ponto de vista

econômico. Porém, no que circunscreve às lutas trabalhistas a década de 1980 foi

uma década importante para a classe trabalhadora, na medida em que conseguiram

através da pressão popular inaugurar a Constituição de 1988 que tinha como

principais eixos a ―reafirmação das liberdades democráticas; impugnação da

desigualdade descomunal e afirmação dos direitos sociais; reafirmação de uma

vontade nacional e da soberania, com rejeição das ingerências do FMI; direitos

trabalhistas; e reforma agrária [...]‖ (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p.141), além de

trazer a configuração da Seguridade Social englobando as políticas de previdência,

assistência e saúde, como sistema de proteção social complexo, articulado e

complementar.

Contudo, Behring e Boschetti (2007) sinalizam à nível de Brasil, para uma

tendência à contra-reforma20 do Estado na década de 1990. A chamada ―reforma do

20

Behring e Boschetti (2007) utilizam o termo contra-reforma ao invés de reforma, para se referir as transformações do Estado pós crise de 1973. ―Tratou-se [...] de reformas orientadas para o mercado [...]‖ (p.148). Nesse sentido, as autoras apontam que o termo reforma utilizado pela mídia ou pelos neoliberais nesse período se apropriam de forma errônea, visto que a idéia reformista tem ―conteúdo

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Estado‖, datada dessa época, traz no seu bojo à necessidade do grande capital

liberalizar os mercados21 – desmontando as bases de regulação das relações

sociais, políticas e econômicas – via reestruturação produtiva, elevadas taxas de

lucro, hegemonia política e ideológica (neoliberal) do grande capital, esvaziando as

vastas conquistas sociais, políticas e econômicas, há tão pouco tempo conquistados,

pondo em xeque principalmente os direitos legitimados pela CF/1988.

Diante do contexto de reestruturação produtiva e ajuste neoliberal Antunes

(2009) aponta para um componente vital da denominada crise estrutural sistêmica –

a corrosão do trabalho. Ele designa o fenômeno erosão no mundo do trabalho para

explicar o rebaixamento sofrido, nestas últimas décadas, do trabalho formal

regulamentado, garantidor de direitos (herdeiro da era fordista/taylorista) fruto da luta

operária por direitos sociais. No Brasil, na década de 1990, o mundo do trabalho

passou por grande reviravolta já que houve à substituição maciça dos postos de

trabalho de natureza formal, pelas relações de empreendedorismo, coorperativismo,

voluntariado – ―formas que oscilam entre a superexploração e a própria auto-

exploração do trabalho, sempre caminhando a uma precarização estrutural da força

de trabalho22 [...]‖ (p.13).

As ―cooperativas‖ [...] são similares ao ―empreendedorismo‖ e do ―trabalho voluntário‖ (de fato obrigatório), que se configuram como formas ocultas e dissimuladas de trabalho, permitindo a proliferação, nesse cenário aberto do neoliberalismo e pela reestruturação produtiva, de distintas formas de precarização do trabalho, frequentemente sob o manto da ―flexibilização, seja salarial, de horário, funcional ou organizativa‖ (ANTUNES, 2011. p. 108).

redistributivo de viés social-democrata, sendo submetida ao uso pragmático, como se qualquer mudança significasse uma reforma, não importando seu sentido, suas consequências sociais e sua direção sócio-histórica‖ (p.149). 21

―O Real integrou uma família de planos de estabilização discutidos na famosa reunião de Washington e patrocinados pelas instituições internacionais. Estas últimas viabilizaram a renegociação de ―dívidas velhas‖, para tornar possíveis novos empréstimos, mas exigindo em contrapartida a desregulamentação profunda dos mercados locais, para uma livre circulação dos fluxos financeiros de curto prazo‖ (BOSCHETTI, 2008, p.7). 22

Trecho do prefácio do livro ―A crise do capital‖ de Mèszaros (2009), feito por Antunes.

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Os estudos de Soares (1999) apontam que a informalidade cresceu bastante

na década de 1990 – reflexo da nova organização de trabalho, como pelo ajuste

neoliberal. Vejamos:

O trabalho informal cresceu 62% na década. O último levantamento oficial a respeito nas seis principais Regiões Metropolitanas do país revela que o número de pessoas ocupadas sem carteira assinada cresceu 62% entre 1990 e 1999. Em São Paulo, esse crescimento foi de 81%! Esta tendência tende a agravar-se: entre as 217 mil pessoas que entraram no mercado de trabalho paulista no ano passado, 57% (ou 157.312) estão trabalhando sem carteira assinada. No Brasil praticamente todo o acréscimo de pessoas ocupadas no último ano ocorreu no mercado informal: das 433 mil pessoas que entraram no mercado de trabalho no período, 78% não assinaram carteira. Levando em consideração apenas as seis principais regiões metropolitanas, o levantamento do IBGE indica que existem 4,4 milhões de pessoas trabalhando sem carteira. Este número é ainda mais assustador quando são incluídos os 3,8 milhões de pessoas que, segundo a mesma pesquisa do IBGE, trabalham ―por conta própria‖. A grande maioria desses ―autônomos‖ também está na informalidade (SOARES, 1999, p.171).

Associado a informalidade também está o crescimento do desemprego.

Dados do IBGE no mês de janeiro de 1999 sinalizaram uma taxa de 7,6% de

desemprego, sendo a segunda maior taxa desde o ano de 1984; outro dado

preocupante é que em algumas regiões metropolitanas como Salvador/BA atingiram

o percentual de 11,3% (op cit, 1999). O gráfico abaixo aponta para os níveis de

desemprego no período que vai de 1985 a 2006.

GRÁFICO 1: Evolução da taxa de desemprego total RMSP - 1985 a 2006 (%)

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Os potencializadores da precarização das relações de trabalho (desemprego,

informalidade, voluntariado, cooperativismo e etc) possuem uma relação

inversamente proporcional, no que tange às contribuições previdenciárias, ou seja,

quanto mais se verifica crescimento dos níveis de informalidade e desemprego, por

exemplo, menos contribuições com a previdência terão. Segundo Soares (1999): ―a

já historicamente baixa proporção de trabalhadores ativos contribuintes – pouco mais

da metade – se reduz à menos da metade a partir de meados dos 90. A proporção

de pessoas ocupadas com carteira assinada (ou seja, contribuintes da Previdência

Social) diminuiu de 56,9% em 1990 para 44,5% em 1999, significando uma queda de

12,6%. Isto traz óbvias implicações para a já instável situação de financiamento da

Seguridade Social no Brasil, situação essa que vem sendo justificativa para a

Reforma da Previdência com corte linear nos benefícios sociais‖ (p. 175).

Ademais, vale destacar outros dois elementos sinalizados por Pochman e

Campos (2007) que interfere na relação mercado de trabalho e previdência – a

queda da parcela salarial, bem como a rotatividade no emprego.

GRÁFICO 02: Evolução da participação do rendimento do trabalho da renda nacional no Brasil em anos selecionados (em %)

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Nos últimos 25 anos, nota-se uma tendência a redução dos rendimentos do

trabalho, diminuindo gradativamente o aumento da taxa média salarial, tendo como

consequência o impedimento da participação da renda proveniente do trabalho na

renda nacional. Além disso, Pochman e Campos (2007) sinalizam a importância de

brecar a achatamento salarial visto que permitiria a ampliação da receita

previdenciária no Brasil.

GRÁFICO 03: Evolução dos índices de variação do PIB e da taxa anual total de rotatividade, 1980 a 2002

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Em tempo de desaceleração econômica há um maior índice de demissão do

que admissão de empregados, portanto a taxa de rotatividade tende a diminuir,

enquanto que nas fases de expansão da produção, com maior admissão do que

demissão de empregados, a taxa de rotatividade aumenta bruscamente. Nesse

sentido, em função da elevada taxa de rotatividade no mercado de trabalho, o

empregado apresenta dificuldade para pagar todas as contribuições mensais para a

previdência social, ou seja, além de comprometer os requisitos mínimos para o

acesso à inatividade torna mais vulnerável o financiamento da própria previdência

social (op cit).

De fato, segundo as informações mais recentes da Pnad, dos empregados com carteira em todo o Brasil, 5,9 milhões estão trabalhando há menos de 1 ano (20,8% do total de empregados). E, para 3,7 milhões destes, a cada período de 12 meses, só cinco meses são trabalhados (ou trabalhados com contribuição à previdência social). Já para outros 2,2 milhões, apenas nove meses são efetivamente laborados (ou laborados de forma contributiva) (op cit, p. 76).

Concluímos, então, que a relação e a análise crítica das categorias trabalho e

previdência é necessária e importante para entendermos as causas do aviltamento

da precarização das condições de trabalho no Brasil, a partir da década de 1990 sob

o contexto de ajuste estrutural do Estado (SOARES, 1999) e reestruturação

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produtiva, que além de obstaculizar o acesso da classe trabalhadora aos direitos

previdenciários, ofende o financiamento da política previdenciária. Destarte,

destaquemos que a discussão acerca dos problemas previdenciários, na maioria das

vezes, está contaminada por idéias deturpadas. ―Assim, algumas das propostas de

reforma do sistema previdenciário em discussão nos meios políticos, sociais e

econômicos terminam apresentando um foco estrito no próprio sistema, esquecendo,

quando não desconsiderando, que os problemas existentes radicam, na realidade,

fora dele – mais propriamente, no funcionamento do mercado de trabalho‖

(FAGNANI, 2007, p. 17), que de acordo com Netto (2012) está marcado pela

―precarização das condições de vida da massa dos vendedores de força de trabalho:

a ordem do capital é hoje, reconhecidamente, a ordem do desemprego e da

informalidade‖ (p.418).

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3. ESPECIFICIDADES DA SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA E AS

IMPLICAÇÕES DO NEOLIBERALISMO: direitos conquistados e limitados

Como já sinalizamos no capítulo anterior, a transição da década de 1970 para

a década de 1980 foi marcada por uma efervescência política e social, na qual a

classe trabalhadora clamava pela redemocratização do país e pela legitimação dos

direitos sociais, visto que a década passada foi assinalada pela restrição de direitos

civis, políticos e sociais. Sendo assim, no fim da década de 1980, tivemos como

resultado da luta popular – a promulgação da Constituição Federal inaugurada em

1988. Com ela veio, a instituição do Estado democrático de direito e um rico

arcabouço de estratégias que visava assegurar direitos, prestar serviços públicos

universais, garantir o desenvolvimento nacional, combater desigualdades regionais e

sociais, intencionando uma Nação mais justa e solidária. Somando-se a isso, a Carta

Magna também trouxe o projeto da Seguridade Social brasileira no qual deveria

funcionar como sistema complexo e articulado que englobam as políticas de

previdência, assistência social e saúde, sendo reconhecido pela primeira vez, na

história do Brasil, como direito social. Seus princípios estruturantes estão previstos

no art 194 da Constituinte (1988) e em linhas gerais são:

universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; eqüidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiado23 (BEHRING, 2003, p. 4).

23

―a universalidade da cobertura não significa que serão assegurados direitos iguais para todos. Na verdade, indica que a saúde é direito de todos, que a assistência é devida a quem necessitar e, nos casos do salário mínimo para idoso e deficiente, a necessidade deve estar associada à incapacidade para trabalhar; e a previdência é um direito derivado de uma contribuição anterior, ou seja, mantém a lógica do seguro, mas a desvincula de um emprego com carteira de trabalho. O princípio da uniformidade e da equivalência dos benefícios garante a unificação dos regimes urbanos e rurais no âmbito do regime geral da previdência; mediante contribuição, os trabalhadores rurais passam a ter direito aos mesmos benefícios dos trabalhadores urbanos. Este princípio, entretanto não se aplica para tornar equivalente os benefícios dos trabalhadores do setor público e do setor privado. Permanece uma forte diferenciação entre estas categorias, não resolvida pela Constituição. A seletividade e a distributividade na prestação de benefícios e serviços apontam a opção da seguridade social brasileira pela ―discriminação positiva‖ ou, se preferir um eufemismo, pelas ―ações afirmativas‖. Este princípio não abrange apenas os direitos assistenciais, ele abre também a possibilidade de tornar seletivos tanto os benefícios da previdência quanto os da saúde. A

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Fagnani (2008) faz questão de destacar que a Constituição de 1988 é o

legado dos movimentos sociais, ademais, ―conquistado na contramão do

pensamento neoliberal hegemônico em escala mundial e do movimento em direção

ao Estado mínimo a que foram submetidos os países subdesenvolvidos, incluindo os

da América Latina‖ (p. 24) e, portanto o Brasil.

Entretanto, verifica-se que tanto a Constituição de 1988, como o próprio

projeto da seguridade social que ora emergiu, foi solo fértil para antagonismos e

contradições visto que mescla princípios bismarckianos (regulados pelo seguro) e

princípios beveridgianos (calcado na universalidade e redistributividade). Dessa

forma, a Seguridade Social resume-se: a previdência aos trabalhadores que podem

contribuir, a saúde para todos e a assistência social a quem dela necessitar.

A Constituição Brasileira de 1988, como sabemos, foi o resultado de um longo e conflituoso debate político na Assembléia Constituinte que opôs, de um lado, os partidos de centro esquerda, e de outro, o chamado Centrão, formado por partidos de centro direita. A versão promulgada em 05 de outubro resulta de uma combinação de proposições conservadoras do Centrão e de reivindicações dos trabalhadores e dos partidos de esquerda: ―Não é uma Constituição de esquerda e nem uma Constituição socialista” afirmou o deputado federal Eduardo Jorge. Mas, é uma Constituição que, inegavelmente, avançou na garantia dos direitos sociais (BOSCHETTI, 2003, p. 70).

Contudo Mota (2010) analisa o ―terreno‖ da seguridade social, no contexto da

dinâmica reprodutiva do capital, como sendo um lócus de intervenção política da

classe burguesa quando lançam a cultura hegemônica que é possível compatibilizar

capitalismo, direitos sociais e democracia; ou como estratégia que promove a

integração social, sendo a Seguridade Social um ―campo de disputas, seja por parte

irredutibilidade do valor dos benefícios indica que nenhum benefício pode ser inferior ao salário mínimo, e estes deverão ser reajustados de forma a não serem corroídos pela inflação. A diversidade das bases de financiamento tem duas implicações. Primeiro, as contribuições dos empregadores não devem ser mais baseadas somente sobre a folha de salários. Elas devem incidir sobre o faturamento e o lucro, de forma a tornar o financiamento da seguridade social mais redistributivo e progressivo, o que compensaria a diminuição das contribuições patronais ocasionadas pela introdução da tecnologia e conseqüente redução da mão de obra. Em seguida, esta diversificação obriga o governo federal, os Estados e os municípios a destinarem recursos fiscais ao orçamento da seguridade social. Finalmente, o caráter democrático e descentralizado da administração, ―mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados‖ (artigo 194, inciso VII), assegura que aqueles que financiam e usufruem dos direitos (os cidadãos) devem participar das tomadas de decisão‖ (BOSCHETTI, 2003, p. 72-73).

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do trabalho, seja por parte do capital que continuamente tenta adéqua-la aos seus

interesse hegemônicos‖ (p. 182).

Por isso, no momento que a Seguridade Social brasileira se pôs em

movimento, as políticas de saúde, previdência e assistência encontraram vários

obstáculos que inviabilizaram sua consolidação de acordo com a CF 1988,

provenientes das (contra) reformas colocadas em curso nos anos de 1990

(BEHRING, 2003). Estudos de Boschetti (2007) apontam a situação vivenciada pela

seguridade no tempo da ofensiva neoliberal:

Diversas contrarreformas, como a da previdência de 1998, 2002 e 2003, sendo as primeiras no Governo Fernando Henrique Cardoso e outra no Governo Lula, restringiram direitos, reforçaram a lógica do seguro, reduziram valor de benefícios, abriram caminho para a privatização e para a expansão dos planos privados, para os fundos de pensão, ampliaram o tempo de trabalho e contribuição para obter a aposentadoria (BOSCHETTI e SALVADOR, 2003) [...]. No âmbito da política de saúde, os princípios do SUS, como descentralização e participação democrática, universalização e integralidade das ações, estão sendo diluídos pela manutenção cotidiana, apenas de uma cesta básica, que não assegura nem os atendimentos de urgência. É notória a falta de medicamento, ausência de condições de trabalho, de orçamento e de capacidade de absorção das demandas, o que se evidencia nas longas filas de espera por uma consulta ou internação. A política de assistência social, por sua vez, não conseguiu superar a histórica focalização em segmentos ditos hoje ―vulneráveis‖ ou nas chamadas ―situações de risco‖. Sua abrangência é restritiva e os benefícios, serviços e programas não atingem mais do que 25% da população que teria direito, com exceção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do bolsa-família, que vêm crescendo rapidamente nos últimos anos, revelando sua tendência de política de transferência de renda (BOSCHETTI, 2007, p.12-13).

Destarte, em tempos de crise, o grande capital procura terrenos para

recompor o crescimento das taxas de lucro e é este processo de supercapitalização

que transfere os serviços sociais públicos para a esfera mercantil. Observemos

então que a política de previdência e saúde estão submetidas ao processo de

supercapitalização na proporção que crescem os planos de saúde e seguros

previdenciários de natureza privada (SITCOVISKY, 2011). Em concomitância,

Behring (2007) sinaliza que a partir dos anos 2000, a Seguridade Social segue na

direção de assistencialização do sistema de proteção social via: ―1- Programas de

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combate à pobreza/redes de segurança e proteção social para as vítimas do ajuste

inevitável; 2- Transferências monetárias focalizadas em segmentos em situação de

risco (bolsas), com valores e critérios de acesso restritivos; 3- Apelos à família, ao

voluntariado e ao chamado terceiro setor (descentralização como desconcentração,

terceirização e desresponsabilização) e aposta em pequenas soluções ad

hoc/reinado do minimalismo: descentralização destrutiva‖ (p. 6), centralizando o

enfrentamento da questão social, apenas, à política Assistencial, desvirtuando o

conceito da seguridade social como sistema de políticas amplas, articuladas,

complementares e de princípios universais e redistributivos.

Portanto, Mota (2011) sinaliza que não há exagero algum em afirmar que a

classe dominante investe veemente para rebaixar as prerrogativas da Seguridade

Social quando ―explicita a sua ideologia de enfrentamento da questão social: a

mercantilização de serviços sociais vis-à-vis com a expansão de políticas sociais

compensatórias‖ (p. 185).

Nos itens que se seguem, problematizemos como se deu a conformação da

política previdenciária e da assistência social, em tempos de (contra) reformas, bem

como, abordaremos as tendências apontadas pela política de assistência social a

assumir centralidade no sistema de Seguridade Social.

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3.1 Previdência e Assistência Social: dissonância e subversão da estratégia de

políticas complementares

A década de 1990 no Brasil, no que diz respeito ao mundo do trabalho, foi

marcada pelo processo de flexibilização, precarização, informalidade e desemprego

na medida em que o Estado orientava-se pela tríade preconizada pelo Consenso de

Washington: reestruturação produtiva, ideologia neoliberal e ajuste estrutural do

Estado – impactando profundamente os princípios estruturantes que

circunscreveram os direitos previstos no sistema de Seguridade Social brasileira

trazidos na Constituição de 1988; legado conquistado pela luta da classe

trabalhadora. Behring (2007), assim como outros estudiosos, apontam que, na

contemporaneidade brasileira, o aviltamento das implicações do desemprego, do

pauperismo e das desigualdades sociais tendem a uma predominância das políticas

de assistência social em detrimento das políticas de saúde e previdência,

distanciando os princípios progressistas da seguridade social expresso na

Contituição de 1988. Por ora, o contexto no qual a Seguridade Social se insere é a

seguinte:

Do ponto de vista da lógica do capitalismo contemporâneo, a configuração de padrões universalistas e redistributivos de proteção social vê-se fortemente tensionada: pelas estratégias de superlucros, com a flexibilização das relações de trabalho, onde se incluem as tendências de contração dos encargos sociais e previdenciários, vistos como custos ou gastos dispendiosos; pela supercapitalização – com a privatização explícita ou induzida de setores de utilidade pública, onde incluem-se saúde, educação e previdência; e, especialmente, pelo desprezo burguês para com o pacto social dos anos de crescimento, agora no contexto da estagnação, configurando uma ambiente ideológico individualista, consumista e hedonista ao extremo. Tudo isso num contexto no qual as forças de resistência encontram-se fragmentadas, particularmente o movimento operário. Assim, a tendência geral é a redução de direitos, sob o argumento da crise fiscal, transformando-se as políticas sociais [...] em ações pontuais e compensatórias [...] (BEHRING, 2003, p.248).

Contudo, as políticas da seguridade social brasileira se processam, a partir da

década de 1990, numa conjuntura de assolamento das desigualdades sociais e

fortes relações informais de trabalho, deixando descobertos inúmeros brasileiros aos

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direitos da seguridade social, já que fica neste ―dilema24‖ entre o seguro e

assistência (BOSCHETTI, 2007), quando na realidade brasileira nunca se viveu o

pleno emprego, muito pelo contrário, em plena era da reestruturação produtiva o

mercado de trabalho configura-se basicamente em desemprego, informalidade,

flexibilização e emprego temporário, deixando desprotegidos inúmeros trabalhadores

ou ex-trabalhadores da política previdenciária, na medida em que a assistência

social configurada como política de natureza redistributiva, focaliza e seletiva cada

vez mais suas demandas, deixando a mercê grande população carente dos mínimos

sociais.

Nesse espectro, os direitos oriundos das políticas de seguridade social, foram

rebaixados pela combinação da focalização, seletividade, refilantropização,

assistencialização, terceirização; desembocando em (contra) reformas no âmbito da

previdência, focalização/seletividade da assistência e sucateamento da saúde

pública, conformando a seguridade social ao trinômio (preconizado pela ideologia

neoliberal) – descentralização, focalização e privatização – pondo em xeque os

princípios estruturantes presentes na Carta Magna (BEHRING, 2007), justificadas

pela crise fiscal do Estado, transformando a Seguridade Social em ações pontuais e

compensatórias. Dessa forma, Behring e Boschetti (2010, p. 158) apontam que

a caracterização de Soares é elucidadora, quando diz que ―o país foi pego a meio caminho na sua tentativa tardia de montagem de um Estado de Bem-Estar Social‖ (2000:35), num processo que foi atropelado pelo ajuste neoliberal, alimentado pelo drama crônico brasileiro tão bem apanhado por Fernandes (1987), no qual a heteronomia, e o conservantismo político se combinam para delinear um projeto antinacional, antidemocrático e antipopular por parte das classes dominantes, no qual a política social ocupa um lugar concretamente secundário, à revelia dos discursos ―neo-sociais‖ e dos solidarismos declarados (op cit).

O cerne da política de Assistência Social, antes de 1988, estava hipotecado à

benemerência, à servidão e ao clientelismo como aponta Netto (2011). Só na década

24

―No Brasil, os princípios do modelo bismarckiano predominam na previdência social, e os do modelo beveridgiano orientam o atual sistema público de saúde (com exceção do auxílio doença, tido como seguro saúde e regido pelas regras da previdência) e de assistência social, o que faz com que a seguridade social brasileira se situe entre o seguro e a assistência social‖ (BOSCHETTI, 2006 apud BOSCHETTI, 2007, p. 3).

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de 1980, com a Constituinte de 1988, que o eixo das concepções assistenciais,

desvencilharam-se da tradição meramente assistencialista, deslocando-se para a

esfera dos direitos (op cit). Nessa perspectiva, a política de Assistência Social,

ganhou não só um novo status, mas também uma ressignificação, que a fizerem distanciar-se sobremaneira das 7 práticas de ajuda

anteriores, designadas impropriamente de assistência. Tais práticas, caracterizadas mais como a doença da assistência – o assistencialismo – ou desassistência, sempre constituíram a contra-face da cidadania, porque não tinham compromissos éticos e cívicos, e, por isso, impediam que os ―assistidos‖ tivessem o direito de ter direitos à satisfação condigna de suas necessidades básicas (PEREIRA, 2002, p.64 apud SILVA, 2005, p.7).

Todavia, dentre as demais políticas que compõe a seguridade social, a

política de assistência social sofreu com algumas implicações: ―morosidade na sua

regulamentação como direito (a Lei Orgânica só foi sancionada em 1993 e efetivada

a partir de 1995); baixa cobertura, já que os benefícios atingem entre 15% e 20% da

população que deveria ter acesso aos direitos (BOSCHETTI, 2001); e, finalmente,

reforço do caráter filantrópico e clientelista na condução da política, em detrimento

de seu fortalecimento como direito social e política integrante da seguridade social

(BEHRING, 2000) (apud BOSCHETTI, 2003, p.78), reforçado pelo apelo do Estado

para que a sociedade civil oferte a política de assistência, combinado à isso, a

expansão dos benefícios via transferência de renda.

Até os dias atuais25, não pararam de surgir propostas, no sentido de garantir

uma renda mínima aos indivíduos independentemente da sua classe. Contudo,

Barbosa e Silva (2003) apontam que as políticas que preconizam a renda mínima, ao

longo do tempo, vêm sendo desenvolvida em algumas perspectivas.

25

O debate acerca de uma política de renda mínina que garantisse o meio de sobrevivência digna aos indivíduos, tarda de muito tempo. Segundo Barbosa e Silva (200?) tais idéias foram trazidos por Thomas More em 1516 no seu livro intitulado utopia. Só após 10 anos, em 1926, Juan Luis Vives organizou a primeira proposta de uma política de renda mínima na cidade de Bruges na Espanha. Após essa iniciativa, outras propostas foram sendo elaboradas e em 1848 o estudioso Joseph Chalier formulou uma proposta que visava à concessão da política de renda mínima ―a todas as pessoas, incondicionalmente, o direito a uma renda básica (...). Inspirado na tradição de Fourier, ele viu na igualdade de direito à propriedade da terra o fundamento de um direito incondicional a uma certa renda‖ (SUPLICY, 2002, p. 62 apud BARBOSA e SILVA, 2003, p. 223). Nesse espectro, estava posta, pela primeira vez, a idéia do benefício de transferência monetária como direito assistencial à todas às pessoas para prover seus mínimos sociais (op cit).

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Na perspectiva liberal/neoliberal a renda mínima é concebida como ações

compensatórias que combate o pauperismo e o desemprego, além de substituir

programas e serviços sociais, sintetizando, portanto, o sistema de proteção social; na

perspectiva progressista/redistributivas os benefícios de transferência de renda tem o

significado de redistribuição de riqueza, ademais, assume papel de

complementaridade dos serviços sociais públicos existentes; e na perspectiva de

inserção a renda mínina é reconhecida como mecanismo de inserção social e

profissional, no contexto em que a sociedade se depara com a pobreza exacerbada

e o desemprego massivo (op cit).

Em nível internacional, o debate sobre políticas de transferência de renda situa-se numa conjuntura de grandes transformações socioeconômicas e políticas, no contexto da reestruturação do mundo do trabalho. A maior expressão dessas transformações socioeconômicas e políticas, no contexto da reestruturação no mundo do trabalho. A maior expressão dessas transformações é o incremento do trabalho instável e precarizado e as elevadas taxas de desemprego. Nesse contexto, o Welfare State, produto da política keynesiana nos países desenvolvidos, centrados no crescimento econômico, no pleno emprego e na família nuclear tradicional, e os Sistemas de Proteção Social dos países em desenvolvimento passam a integrar as agendas de reformas. Nas perspectivas dessas reformas é que a política de transferência de renda, mediante programas de garantia de renda, e a indicação da necessidade de redução de tempo de trabalho necessário à produção são postas como alternativas para enfrentamento da pobreza crescente na contemporaneidade, decorrente da reestruturação produtiva e das práticas neoliberais, privatizantes e liberalizantes, largamente adotadas a partir dos anos 1970 e 1980 (BARBOSA E SILVA, 2003, p. 224).

No Brasil, a história cronológica no que diz respeito aos programas de

transferência de renda, pode ser dividido em quatro períodos. O primeiro teve início

em 1991 quando o senador do PT/SP, Eduardo Suplicy, apresentou o Projeto de Lei

de número 80/91 que garantia renda mínima a todos os cidadãos brasileiros maiores

de 25 anos. O senado aprovou, mas a Câmara Federal ainda não votou. O segundo

momento vai de 1991 a 1993, quando Camargo lança a proposta de transferência de

renda às famílias que tivessem crianças entre 5 a 16 anos de idade, matriculadas em

escola pública. Verifica-se neste momento a substituição do beneficiário visto que sai

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da perspectiva do indivíduo para a família, como também, a relação estabelecida

entre a política de renda mínima com a obrigatoriedade das crianças e adolescentes

estarem matriculados na escola pública. O terceiro momento foi inaugurado no ano

de 1995 quando, de fato, implementou-se algumas políticas de transferência de

renda no sistema de proteção social brasileira. Por último, temos o quarto momento

inaugurado em 1995, marcado pela expansão dos programas federais como o BPC e

o PETI (op, cit).

Dessa forma, nota-se que as políticas de transferência de renda no Brasil, em

meados da década de 1990, transitaram do plano subjetivo, para o plano objetivo, ou

seja, tornando-se realidade e incrementando o Sistema de Proteção Social

Brasileiro.

Concluímos então que a política de Assistência Social deve ser pensada da

seguinte maneira:

Só é possível pensar a assistência social no campo dos direitos, da universalização do acesso e da responsabilidade estatal, quando pensada em sinergia com as políticas que conformam a Seguridade Social. Logo, assistência social como política pública e enquanto direito de cidadania é parte da Seguridade Social. E enquanto componente da seguridade ela deve funcionar como uma rede de proteção impeditiva da pobreza extrema, além de procurar corrigir injustiças e prevenir situações de vulnerabilidade e riscos sociais, contribuindo para a melhoria das condições de vida e de cidadania da população pobre mediante três procedimentos: provimento público de benefícios e serviços básicos como direito de todos; inclusão no circuito de bens, serviços e direitos de segmentos sociais situados à margem desses frutos do progresso; e manutenção da inclusão supracitada e estímulo ao acesso a patamares mais elevados de vida e de cidadania, mediante o desenvolvimento de ações integradas no âmbito das políticas públicas (LOAS, 1993) (MAURIEL, 2010, p.177).

No que tange à política previdenciária, esta possui caráter que corresponde à

lógica do seguro social, tendo direito, apenas, o trabalhador contribuinte. Ou seja, ―o

acesso pela via do trabalho pôde garantir uma proteção mais universalizada nos

países que garantiram uma situação de quase pleno emprego entre as décadas de

1940 e 1970, ou seja, o padrão de seguridade social, fundado na lógica do seguro,

só universaliza direitos se universalizar, igualmente, o direito ao trabalho, já que os

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benefícios são condicionados ao acesso a um trabalho estável que permita contribuir

para a seguridade social‖ (BOSCHETTI, 2007, p.4) o que de longe nunca aconteceu

no Brasil, estando à margem desta política milhares de brasileiros.

Além disso, a política previdenciária em detrimento das políticas de

seguridade social, sem dúvidas, foi a que mais sofreu alterações, visto que muito do

seu texto original foi alterado pelas emendas constitucionais, parecendo assim, uma

cocha de retalhos. Elucidando: o governo de FHC teve como principal foco ―reformar‖

o Regimento Geral da Previdência Social (RGPS) do setor privado, enquanto que o

governo Lula focou o RGPS dos setores públicos (MOTA, 2011). Em linhas gerais as

reformas foram às seguintes: ―substituição do tempo de serviço por tempo de

contribuição, o aumento da idade mínima, o estabelecimento do teto máximo dos

benefícios, a supressão do cálculo da aposentadoria com base nos últimos 36

salários, o fim das aposentadorias especiais, a instituição do regime contributivo para

os servidores públicos, além do regime de previdência privada complementar

facultativo para os servidores e a criação do fator previdenciário, como norma de

transição‖ (op cit, p.138).

Diariamente nos nossos telejornais podemos observar que a imprensa (em

nome da classe burguesa) sempre se refere à previdência como política deficitária,

provocando na sociedade uma hegemonia de consenso, ora deturpado, fazendo

com que as pessoas acreditem que é inviável a execução da seguridade social de

caráter público e universal, recebendo o apoio da própria sociedade. Ademais,

tendenciam, cada vez mais, os serviços sociais (saúde, educação, previdência,

habitação e etc.) a serem ofertados pelo mercado, deixando clara a posição do

Estado em prol da classe rica, visto que há uma preocupação em manter a elevação

das taxas de lucros em detrimento dos direitos da classe trabalhadora –

desvencilhando a seguridade social da esfera de direitos para colocar na esfera do

mercado, como comumente vem acontecendo com a saúde, previdência e educação

(op cit, 2011).

Mota (2011) aponta as estratégias utilizadas por FHC e LULA para pôr em

prática a ofensiva neoliberal no âmbito da previdência:

1. A utilização de uma linguagem técnica, fundamentada em argumentos financeiros e atuariais que invertem os termos do debate, dotando-o de um significado que somente os ―especialistas‖

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dominam e retirando da discussão, temáticas politizadoras em favor da tecnificação do debate [...]. 2. O prognóstico de inviabilidade financeira e da impossibilidade de manutenção da previdência social pública, nomeada jornalisticamente de ―crise da Previdência Social‖ como principal argumento mobilizador da adesão dos trabalhadores às reformas da Previdência Social no Brasil. Desta discussão são suprimidas informações sobre a fragmentação das fontes de financiamento da seguridade social, o uso indevido dos recursos da Previdência no saneamento das contas públicas, a sonegação das contribuições à Previdência no saneamento das contas públicas, a sonegação das contribuições a previdência e a ditadura do superávit primário. 3. O tratamento dispensado à questão previdenciária do funcionalismo público, qualificando-os de privilegiados e sanguessugas das contribuições dos trabalhadores da iniciativa privada, omitindo a responsabilidade do Estado para com os seus funcionários e imputando ao valor das aposentadorias e pensões dos servidores a causa do desequilíbrio das contas públicas. Desta abordagem foram suprimidas informações jurídicas e históricas que particularizam a condição do servidor público e qualificam o seu estatuto de funcionário do Estado, remunerados com recursos da união, seja durante sua atividade, seja na sua inatividade (p. 146-147).

Sendo assim, Boschetti (2003) aponta para assertiva, que circunscreve as

políticas, previdência e assistência social em tempos neoliberais:

Temos defendido que a seguridade social brasileira, tal como a Constituição a instituiu, ficou entre o seguro e a assistência, já que a lógica do seguro que sustenta a previdência brasileira desde sua origem não só não foi suprimida, como foi até mesmo reforçada em alguns aspectos. Os benefícios previdenciários tiveram sua lógica atuarial revigorada, sobretudo com a reforma previdenciária implementada em 1998, por meio da emenda constitucional nº 20, e os benefícios com natureza assistencial mais demarcada, como auxílio natalidade e funeral, foram transferidos para a assistência social. Como afirma Teixeira (1990), mesmo com a inclusão destes princípios, as políticas de saúde, previdência e assistência não conseguiram metamorfosear-se em seguridade social. [...]. A assistência, embora reconhecida legalmente como direito, mantém prestações assistenciais apenas para pessoas comprovadamente pobres (renda familiar per capita abaixo de ¼ do salário mínimo) e incapazes ao trabalho (idosos acima de 67 anos e pessoa portadora de deficiência ―incapacitada para a vida independente e para o trabalho‖) e implementa programas e serviços cada vez mais focalizados em populações tidas como de ―risco social‖ pelo jargão técnico (BOSCHETTI, 2003, p 74).

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Diante do contexto de desemprego, informalidade, precarização, flexibilização

e terceirização no mundo do trabalho no qual o Brasil vivencia, o conjunto das

políticas de seguridade social ao invés de funcionarem como sistema articulado e

complementar muitas vezes atua em dissonância como é o caso da Previdência e

Assistência Social. Por exemplo: os trabalhadores não-inseridos no mercado de

trabalho, consequentemente, não têm acesso ao seguro, ou à previdência social,

caindo numa situação de ausência dos direitos derivados do trabalho. Portanto,

muitos deles, por não terem contribuído para a seguridade social, chegam aos 65

anos e ficam desassistidos do beneficio da aposentadoria. Assim, ―a exigência da

lógica do seguro e a impossibilidade de sua manutenção para todos os

trabalhadores, sobretudo para os desempregados, empurram esse trabalhador para

demandar a outra lógica, a lógica social, do direito não contributivo. Assim, aqueles

que não contribuem, que não estão inseridos em uma relação de trabalho estável e

que não têm direito ao benefício contributivo, tornam-se potenciais demandantes da

lógica social, do benefício não contributivo‖ (BOSCHETTI, 2007, p.5), enfim, passam

a ser demandas da Assistência Social. Não obstante, vale salientar que a assistência

social que ora se processa, é cheia de condicionalidades (como a per capita familiar,

idade e deficiência) que restringe o direito, apenas, ao pobre dos mais pobres

(MAURIEL 2010), como também se expande, basicamente, via programas de

transferência de renda, tendendo a uma substituição do trabalho assalariado pela

assistência social, bem como tendencia à assistencialização da seguridade social

como aponta Mota (2008).

[...] a assistência ganha paradoxalmente um estatuto maior nesse novo contexto – é atribuída à capacidade de administrar de forma tecnicamente competente os elementos que geram a pobreza e a miséria, expressões mais agudas da questão social, inerente ao capitalismo, e em geral dramática na periferia do capital (BEHRING, 2007, p.164).

Diante do prisma de subversão da política da previdência em relação à

assistência sinalizamos para uma deturpação do sentido real intencionado pela CF

1988, visto que materializam o binômio desarticulação/não-complementação ao

invés da articulação/complementação entres as políticas constituintes da Seguridade

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Social, imputando outro sentido a Seguridade Social: dissonância e subversão das

políticas protetivas.

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3.2. A centralidade da política de Assistência Social enquanto mecanismo de

proteção social e o lugar do BPC na contemporaneidade

Mota (2010) no seu artigo intitulado ―A centralidade da assistência social na

Seguridade Social brasileira nos anos 2000‖ sinaliza para os condicionantes que

levam a política não-contributiva, casos da assistência social, a assumir centralidade

no sistema de Seguridade Social.

[...] as políticas que integram a seguridade social brasileira longe de formarem um amplo e articulado mecanismo de proteção, adquiriram a perversa posição de conformarem uma unidade contraditória: enquanto avançam a mercantilização e privatização das políticas de saúde e previdência, restringindo o acesso e os benefícios que lhes são próprios, a assistência social se amplia, na condição de política não-contributiva, transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil (MOTA, 2010, p.133-134).

A esse respeito Sitcovisky (2010) objetivando desvelar as ―Particularidades da

expansão da Assistência Social no Brasil‖ aponta para uma expansão da Assistência

Social – com a criação do Sistema Único de Assistência Social, o SUAS – pela via

de duas estratégias: programas de transferência de renda, bem como, pela ―nova‖

relação existente entre o Estado e a sociedade civil. No entanto, para nossa análise

nos deteremos, apenas, a primeira.

Sendo assim, tem-se uma expansão da assistência via fortalecimento de

benefícios de transferência de renda como por exemplo, o Benefício de Prestação

Continuada (BPC) e o Bolsa Família em detrimento da manutenção de ações

protetivas bem como sócio-educativas, indicando um aumento dos recursos,

financiados pelo governo federal, para os benefícios de transferência de renda,

enquanto que há um irrelevante crescimento aos recursos repassados para ações

que deveriam ser executadas coletivamente pela proteção básica ou especial da

política de Assistência Social26 (BOSCHETTI E SALVADOR, 2006 apud MOTA,

26

Em linhas gerais, de acordo com o Sistema Único de Assistência Social – o SUAS, a proteção social básica tem por referência o serviço de acompanhamento de grupos territoriais até 5.000 famílias sob situação de vulnerabilidade em núcleos com até 20.000 habitantes, sendo operacionalizada pelos Centros de Referência a Assistência Social- CRAS na atenção à família, seus

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2011). Conformado a isso, temos a política da previdência e da saúde encharcadas

de condicionalidades, justificadas pelo aumento exacerbado da pobreza e pela

inviabilização do equilíbrio financeiro, que restringem o acesso, circunscrevendo um

terreno fértil para a necessidade de sistemas de caráter privado e complementar

(como os planos de saúde e previdência privada), consequentemente, contamos

com a não ampliação dos serviços sociais realizados pelo Estado incompatibilizando

as reais demandas da população (op cit, 2011).

O aumento dos investimentos em uma política social para os pobres esconde a abertura de novos e lucrativos mercados de investimentos para o capital privado, em detrimento do serviço público. Assim é que, atualmente, a ―inclusão dos excluídos‖ serve de discurso de legitimação para o avanço do capital sobre os ativos públicos e para o andamento das reformas neoliberais (MARANHÃO, 2006 apud MOTA, 2011).

Como já mencionado anteriormente, o movimento de busca realizada pelo

capital por novos horizontes na intenção de retomar as taxas de lucro sempre tende

ao processo de mercantilização dos serviços sociais, estando à previdência social

num lócus, hoje, adorado pelo capital financeiro (op cit, 2010). As reformas da

Previdência Social das décadas de 1990 e 2000, Emenda Constitucional números 20

e 40 que modificaram o RGPS e o RPPS27 respectivamente, só vêm reforçar isso

(MOTA, 2010).

Nessa direção, a realidade que ora se apresenta põe o mercado num patamar

mais elevado, enquanto que as políticas de seguridade social ficam subsumidas à

ele, visto que as políticas sociais, emergidas no contexto capitalista, serão sempre:

―objeto de investidas do capital no sentido de ―adequá- las‖ aos seus interesses; as investidas do mercado financeiro em transformar os serviços sociais em campos de investimento e negócios lucrativos é

membros e indivíduos. Já a proteção social especial corresponde a ocorrência de situações de risco ou violação de direitos. Inclui a atenção a crianças e adolescentes em situação de trabalho; adolescentes em medida socioeducativa; crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual; crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, migrantes, usuários de substancias psicoativas e outros indivíduos em situação de abandono entre outros. É operacionalizada através da oferta rede de serviços de atendimento domiciliar, albergues, abrigos, moradias provisórias para adultos e idosos; para crianças e adolescentes com repúblicas, casas de acolhida, abrigos e ETC. 27

Regime Geral da Previdência Social – RGPS; e o Regime Próprio da Previdência Social dos Servidores Públicos – RPPS.

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uma prova cabal. Por isso mesmo, aquilo que se afigura como déficit para a população transforma-se em demandas de mercado, objeto do processo de supercapitalização, como é o caso dos serviços médico-hospitalares, das escassas vagas para a educação superior pública, dos baixos rendimentos da aposentadoria e etc‖ (op cit, 2011, p. 143).

Outro ponto de suma importância para situar as condicionalidades que levam

a centralização da política de assistência social são as prerrogativas que hoje

estruturam o mundo do trabalho: globalização, reestruturação produtiva (requisita:

trabalhador polivalente, emprego temporário, flexibilização no contrato de trabalho e

etc.), desemprego, informalidade, terceirização, empreendedorismo (ANTUNES,

2011; SITCOVSKY, 2010), estando este fenômeno relacionado com a chamada crise

de sociedade salarial (SITCOVSKY, 2010). Segundo Mota (2011, p.140):

Neste ambiente, uma parcela de ex-trabalhadores assalariados, agora considerados ―pequenos empreendedores‖ ou trabalhadores por conta própria se transformaram em consumidores dos serviços disponíveis no mercado, como é o caso dos seguros de saúde e planos de previdência privada para os que conseguem pagar. Os demais desempregados e desorganizados politicamente engrossam as fileiras do ―mundo da pobreza‖ (grifos da autora).

Diante desse espectro Sitcovisky (2011, p.153-154) aponta que:

o trabalho assalariado, para uma parcela significativa da população, deixa de ser, gradativamente, o ideário de integração à ordem, e a assistência social, particularmente pelos programas de transferência monetária; como política compensatória, parece cumprir este papel econômico e político, na medida em que possibilita, ainda que precariamente, o acesso aos bens de consumo. A parcela da população que não tiver suas necessidades atendidas nas vitrines do mercado, mediante os seus salários, tornar-se-á público alvo da Assistência Social. Isso denota a relação existente entre a assistência social, o trabalho e a intervenção do Estado na reprodução material e social da força de trabalho (grifos do autor).

A importância dada pelo Estado à expansão da Assistência Social via

transferência de renda é justificada pelo peso econômico dado as famílias pobres,

visto que inclui-os no circuito de compra e venda, viabilizando acesso a bens e

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serviços, fomentando assim o mercado28. Tal afirmação pode ser comprovada pelas

famílias que são beneficiadas pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) (op cit,

2010), mas antes disso conheçamos os benefícios: o que é este benefício? Quem

tem direito? Por qual instituição é operacionalizado? E quais são suas

condicionalidades?

O BPC é uma transferência mensal de renda destinada a pessoas com deficiência severa, de qualquer idade, e idosos maiores de 65 anos, em ambos os casos com renda familiar per capita inferior a um quarto de salário mínimo (R$ 87,50 em outubro de 2006)29. O direito a um salário mínimo mensal para essas pessoas foi estabelecido na Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em 1993. O início da implementação do BPC, em 1996, deu-se no contexto de administração conjunta da previdência e da assistência social no governo federal. Embora a coordenação do programa hoje seja feita pelo órgão gestor da assistência social (o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome — MDS), o benefício é solicitado em agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a seleção dos beneficiários é feita em boa parte por médicos peritos da Previdência, que avaliam os deficientes que requerem o benefício quanto ao grau de incapacidade para a vida independente e o trabalho. Por essas razões, a operacionalização é feita pelo INSS e por sua agência de processamento de dados, a Dataprev. (MEDEIROS, BRITTO E SOARES, 2007, p.6).

De acordo com Barbosa e Silva (2003) o artigo 21 correspondente a LOAS,

assegura que a pessoa deficiente que esteja incapaz de ter uma vida independente

ou ao trabalho e, combinado à isso, tivesse uma per capita famíliar menor que ¼ do

salário mínimo teria direito ao benefício. Porém, no ano de 1999 foi sancionado o

Decreto de número 3298 que restringiu ainda mais o acesso ao benefício à

população com deficiência, visto que foi apreendido como conceito da pessoa

deficiente ―aquela pessoa que apresenta, em caráter permanente, perdas ou

anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que

gera a incapacidade para o desempenho de atividades, dentro do padrão

28

―No caso dos municípios, os relatos dos gestores e os dados de monitoramento dos programas da política de assistência social revelaram que estes recursos representaram um importante elemento de estímulo às economias locais. Um exemplo deste fenômeno é o dia de pagamento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI. Neste período, se instituem verdadeiras feiras locais, incrementando a circulação de dinheiros e mercadorias nos municípios‖ (SITCOVISKY, 2010, p. 155). 29

Nos dias de hoje (2013) o salário mínimo é de 670,95 reais consequentemente a per capita por pessoa numa família de quatro membros, então é de aproximadamente 167,00 reais.

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considerado normal para o ser humano‖ (p. 226). No ato do requerimento do

benefício o idoso precisa apresentar documento que comprove a idade requerida; a

comprovação que ateste a composição familiar; como também, a comprovação de

ausência de renda superior a per capita maior que ¼ do salário mínimo. Para o

deficiente, além de comprovar a renda baixa, precisa também submeter-se a perícia

médica. Segundo a LOAS, é vetado a acumulação de outros benefícios no âmbito da

Seguridade Social com o BPC, salvo referente à saúde. Caso isso aconteça o

beneficiário estará automaticamente cortado do benefício (op cit, 2003).

Conquanto, o que ora se apresenta é a exacerbação da seletividade do

acesso ao benefício, visto que as condicionalidades em torno da idade, per capita

familiar, o Decreto 3298 sancionado em 1999 que restringe o acesso de deficientes e

o veto da acumulação de benefícios, só reforça mais o caráter de renda exclusiva e

não complementar, estando o beneficiário e sua família fadada ao benefício (op cit,

2003). No que tange a per capita familiar inferior a um ¼ do salário mínimo Mauriel

(2010) conclui:

A opção de calcular com precisão crescente ―os mais pobres entre os pobres‖, sedimenta segmentos de ―excluídos‖ da própria proteção social. Isso gera uma distorção de sentidos na relação entre os cidadãos e o Estado do ponto de vista dos direitos, criando uma nova estratificação social na base. Isso tem implicações políticas importantes, pois desloca o foco das lutas pelo acesso às riquezas socialmente produzidas, dissociando proteção e direitos sociais (p. 178).

Não obstante, os estudos de Sitcovisky (2011) sinalizam que o BPC é o maior

programa da política de Assistência Social, no que diz respeito aos benefícios de

transferência de renda, visto que 81% dos recursos destinados a política de

assistência social são ocupados por ele, chegando à ordem de mais de 13,4 bilhões

de reais no ano de 2008.

A comprovação deste fato se dá através de um cálculo simples: hoje, as famílias atendidas por este programa devem possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo, o que se traduz em menos de R$ 103,75, considerando o salário mínimo, o que, na pior das hipóteses, duplica a renda per capita de uma família composta de quatro membros atendida pelo programa, ampliando, assim, suas possibilidades de consumo. Recorde-se, também, a possibilidade

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destas famílias obterem créditos e empréstimos descontados em folha, mediante as empresas de crédito que se multiplicaram nos últimos anos do país (op cit, 154).

Verifica-se, ainda, uma tendência ao aumento dos investimentos direcionado s

à política de Assistência Social. Conforme apontam Boschetti e Salvador (2006) o

recursos destinados ao Fundo Nacional da Assistência Social (FNAS) vem

crescendo a cada ano. Prova disso é o aumento de 54,29% em 2004, em relação ao

ano antecedente (2003), e mais o aumento de 34,36% em 2005. Não obstante, os

recursos alocam-se, principalmente, nas ações de transferência de renda, exemplo

disso, é que o BPC juntamente com a Renda Mensal Vitalícia30 (RMV), ocuparam

91,67% do FNAS no ano de 2004 e 89,14% no ano de 2005 (apud, SITCOVISKY,

2010).

Tais tendências são comprovadas quando analisamos os dados do BPC,

quanto benefício de transferência de renda. Em 2005 obtivemos 2,2 bilhões de

usuários beneficiados, reafirmando ―a tese de que a assistência social tem se

apresentado como estratégia de integração responsável em possibilitar a reprodução

econômica e social de uma parcela significativa e crescente da população brasileira‖

(op cit, 2010, p.158).

O crescimento pelo víeis da expansão (via os benefícios de transferência de

renda) e a centralidade da política de Assistência Social, tem reforçado a

mercantilização das políticas de saúde e previdenciária, conforme já mencionado.

Mota (2010) aponta para outra assertiva que combina perfeitamente com o processo

de mercantilização das demais políticas: a criação de uma nova cultura sobre o

social, por parte da classe burguesa – imprimindo à sociedade e às ações

30

A Renda Mensal Vitalícia é um benefício previdenciário que foi regulamentado pela Lei de Nº 6.179 em 1974 destinado para maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimento, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2º, não sejam mantidos por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pela Previdência Social, urbana ou rural, conforme o caso, desde que: tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12(doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou tenham exercido atividade remunerada atualmente Incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social, no o mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não, ou ainda: tenham ingressado no regime do INPS, após complementar 60 (sessenta) anos de idade sem direito aos benefícios regulamentares. Entretanto, tal benefício foi extinto e substituído pelo BPC.

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compensatórias a função de combater a pobreza, ocorrendo assim um deslocamento

do sentido real da Questão Social.

Sendo assim Mota (2010) diz que ―se antes a centralidade da seguridade

girava em torno da previdência, ela agora gira em torno da assistência, que assume

a condição de uma política estruturadora e não como mediadora de acesso a outras

políticas e a outros direitos, como é o caso do trabalho‖ (p.138), ou seja, a política de

Assistência Social tem sido afirmada como direito social, no entanto, esta vem sendo

operada, basicamente, via programas de transferência de renda, subtraindo outros

direitos da classe trabalhadora. E nesse sentido, deixemos clara a relação defendida

entre trabalho e assistência social: ―reconhecer o direito à assistência social no

âmbito da seguridade social não significa defender ou desejar que essa política seja

a referência para assegurar o bem-estar ou satisfazer às necessidades sociais no

capitalismo, pois adotar essa posição seria ter como horizonte uma sociedade de

assistidos. Não é esse o projeto de sociedade e de direitos que orienta nossa

análise. Reconhecer o papel do trabalho e do emprego estável na estruturação da

vida e na construção das identidades profissionais e sociais também não significa

defender qualquer tipo de trabalho. Nesse sentido, a mera contraposição de trabalho

e assistência pode ser simplificadora dos complexos processos sociais. Defender a

seguridade social em sentido amplo, onde a lógica social se sobreponha à lógica

securitária, requer reconhecer o espaço da assistência social em seu âmbito, sem

superestimá-la e tampouco sem discriminá-la como um direito incompatível com o

trabalho (BOSCHETTI, 2007, p. 6).

Portanto, Mauriel (2011) afirma que o funcionamento da Assistência Social

quanto direito social deve levar em consideração, principalmente, a inclusão de

grupos sociais vítimas de injustiça que ficam impedidos de participar dos circuitos

que envolvem a produção, os bens, os serviços, bem como os direitos presentes na

sociedade brasileira, ou seja, a política não deveria estar voltada para os ―pobres dos

pobres‖. Vista dessa forma, a assistência social estaria articulada as demais políticas

socioeconômicas, e não contribuiria para desmantelá-las ou substituí-las. Ao

contrário, ela estaria funcionando para fortificar as condições das outras políticas

sociais e econômicas, de forma integrada e articulada.

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4- A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: os programas de transferência de renda e o BPC

Os programas de transferência de renda assumem papel prevalente no

Sistema de Proteção Social brasileiro, consequentemente na política de Assistência

Social, quando consideramos as transformações de ordem política econômica e

social, datadas a partir da década de 1990 provenientes do processo de

reestruturação produtiva, bem como da ideologia neoliberal. Nesse prisma, as

políticas de inserção e a garantia de renda mínima ganham realce, quando lançadas

como estratégias de combate ao desemprego crescente e aos elevados índices de

pobreza.

Dessa forma, os programas de transferência de renda são entendidos aqui

como ―uma transferência monetária direta destinada a famílias e a indivíduos, sendo

essa transferência, no contexto da experiência brasileira, articulada a ações de

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prestação de serviços, principalmente no campo da educação, saúde e trabalho, na

perspectiva de que a renda monetária transferida, juntamente com as ações

desenvolvidas, possibilite a autonomização das famílias beneficiárias‖ (SILVA, 2003,

p. 9).

O governo Lula trouxe importantes conquistas no âmbito da política de

Assistência Social: a aprovação da Política Nacional de Assistência Social no ano de

2004 e no ano seguinte, em 2005, a aprovação da Norma Operativa Básica do

Sistema Único de Assistência Social, significando uma organização de ordem

administrativa em relação à política. Somando-se à isso, o governo adotou como

―carro-chefe‖ as políticas de transferência monetária como mecanismo de combate a

pobreza destacando-se o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação

Continuada.

Conforme, já suscitado anteriormente, o BPC foi implementado no ano de

1996, o que revela a mínima importância dada ao benefício quando este foi

assegurado desde 1988 com a Constituinte. Contudo só no governo Lula que ele foi

expandido visto que houve maior destinação de recurso e assim pôde chegar a um

contingente populacional maior, porém ainda são muitos os descobertos do BPC.

4.1 O papel e lugar do Benefício de Prestação Continuada (BPC) enquanto estratégia de proteção social no Rio Grande do Norte Para a caracterização do Benefício de Prestação Continuada no Estado do

Rio Grande do Norte fizemos um recorte dos anos de 2010, 2011 e 2012, no que

tange os benefícios requeridos, indeferidos e concedidos conforme apontam as

tabelas de número 01, 02 e 03.

TABELA 01: Total de BPC requeridos no Rio Grande do Norte

GERÊNCIAS31

ANO

DO REQUERIMENTO

BPC PARA A

PESSOA

BPC PARA A

PESSOA IDOSA

TOTAL

31

No RN contamos com a gerência de Natal composta pelas Agências da Previdência Social (APS) localizadas nos bairros da cidade e municípios próximos: APS Natal-CENTRO; APS Natal-SUL; APS Natal-NAZARÉ; APS Natal-NORTE; APS Natal-RIBEIRA; APS Parnamirim; APS João Câmara; APS Santo Antônio; APS Santa Cruz; APS Currais Novos; APS Touros; APS Ceará-Mirim; bem como temos a gerência do Município de Mossoró composta pelas APS Mossoró; APS Açu; APS Alexandria;

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DEFICIENTE

Natal Total 14.016 5.340 19.356

2010 4.884 1.802 6.686

2011 4.465 2.074 6.177

2012 5.537 1.826 6.493

Mossoró Total 8.769 2.180 10.949

2010 3.933 734 3.667

2011 3.789 1.093 3.520

2012 3.249 715 3.762

Total Total 25.857 8.244 34.101

2010 8.817 2.536 10.353

2011 8.254 3.167 9.697

2012 8.786 2.541 10.255

Fonte: Instituto Nacional do Seguro Social do RN

A tabela de número 01 nos revela que nos anos de 2010, 2011 e 2012

obtivemos uma discrepância enorme em relação à quantidade de requerentes do

BPC destinado à pessoa deficiente para o BPC destinado a pessoa idosa, visto que

houve no total 34.101 requerimentos, porém desses aproximadamente 75% foram

requeridos pela população deficiente, enquanto que aproximadamente 25% foram

requeridos pela população idosa. Isso significa a escassez de políticas sociais,

incluindo a política de trabalho, no que diz respeito à população deficiente, visto que

grande contingente requererem o benefício assistencial, na medida em que não se

enquadram na política previdenciária.

GRÁFICO 04: Requerimentos do BPC para idoso e deficientes nos anos de 2010, 2011 e 2012 no Estado do RN

APS Areia Branca; APS Caicó; APS Macau; APS Mossoró; APS Pau dos Ferros; APS Angicos, APS Jardim do Seridó; APS Apodí; APS Patú; APS Parelhas; APS Baraúna e APS Jucurutú.

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Fonte: Instituto Nacional do Seguro Social do RN

O gráfico número 04 nos revela, portanto, que dentre as categorias: idoso e

deficiente, este último no âmbito do Sistema de Proteção Social encontram-se em

área de menos abrangência das políticas sociais, estando no patamar de mais

desprotegidos socialmente, no Estado do RN.

A tabela a seguir, expõe-se o total de indeferimentos do BPC no período que

compreende 2010 a 2012 no Estado do RN.

TABELA 02: Total de BPC indeferidos no Rio Grande do Norte

GERÊNCIAS

ANO

DO REQUERIMENTO

BPC PARA A

PESSOA

DEFICIENTE

BPC PARA A

PESSOA IDOSA

TOTAL

Natal Total 9.208 1.760 10.968

2010 3.171 547 3.718

2011 2.913 550 3.463

2012 3.124 663 3.787

Mossoró Total 6.095 544 6.639

2010 2.097 154 2.251

2011 1.919 181 2.100

2012 2.079 209 2.288

Total Total 15.303 2.304 17.607

2010 5.268 701 5.969

2011 4.832 731 5.563

2012 5.203 872 6.075

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Fonte: Instituto Nacional do Seguro Social do RN

A tabela número 02 nos revela que do total de BPC requeridos, 30.335 nos

anos de 2010, 2011 e 2012 (conforme apresenta a tabela 01), foram indeferidos o

total de 17.607 benefícios, sendo 15.303 BPCs negados para a população deficiente

enquanto que tivemos a negação de 2.304 BPCs para à população idosa,

verificando-se mais uma vez uma discrepância aviltante entre os indeferimentos dos

BPCs para idoso e deficientes negados, o que revela o rebaixamento do direito ao

BPC aos deficientes, conforme aponta o gráfico de número 5.

GRÁFICO 5: Indeferimentos do BPC para idoso e deficientes nos anos de 2010, 2011, 2012 no Estado do RN

Fonte: Instituto Nacional do Seguro Social do RN

É importante mencionarmos as condicionalidades imputadas à população

deficiente e da população idosa de maneira que implicam insatisforiamente no

acesso ao BPC. No caso do BPC/idoso as condicionalidades são: per capita familiar

menos que ¼ do salário mínimo e idade a partir de 65 anos; para o BPC deficiente

além da comprovação da per capita familiar menor que ¼ do salário mínimo, o

requerente precisa passar pela perícia médica e estar enquadrado na Classificação

Internacional de Doença que comprove à incapacidade ao trabalho.

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Nesse sentido, além da falta de políticas sociais que assegurem direitos

constitucionais à população deficiente, as condicionalidades seletivam, focalizam e

restringem o acesso ao BPC nas duas modalidades: idoso e deficiente. Contudo, se

analisarmos as condicionalidades impostas perceberemos que a população

deficiente passa por mais ―peneiras‖, já que precisam ser aprovados pela perícia

médica do INSS. Além disso, o decreto de número 3298, sancionado no ano de

1999, dá novo conceito à pessoa deficiente: pessoa que apresente em caráter

imutável perdas ou anormalidades de funções psicológicas, fisiológicas ou

anatômicas, que gere a incapacidade para o trabalho e desempenho de atividades

dentro do padrão considerado normal para o ser humano – o que também inviabiliza

o direito ao BPC a maior população deficiente na medida em que exige que a

deficiência seja de caráter permanente e imutável.

A tabela número 03, apresenta os dados referentes à concessão do BPC nos

anos de 2010, 2011 e 2012 no Estado do Rio Grande do Norte.

TABELA 03: Total de BPC concedidos no Rio Grande do Norte

GERÊNCIAS

ANO

DO REQUERIMENTO

BPC PARA A

PESSOA

DEFICIENTE

BPC PARA A

PESSOA IDOSA

TOTAL

Natal Total 6.652 4.139 10.791

2010 2.301 1.421 3.722

2011 2.205 1.331 3.536

2012 2.146 1.387 3.533

Mossoró Total 3.902 1.801 5.703

2010 1.152 639 1.791

2011 1.268 604 1.872

2012 1.482 558 2.040

Total Total 10.554 5.940 16.494

2010 3.453 2.060 5.513

2011 3.473 1.935 5.408

2012 3.628 1.945 5.573

Fonte: Instituto Nacional do Seguro Social do RN

No total, obtivemos 16.494 BPCs concedidos, dos quais 10.554 foi concedida

à pessoa deficiente, enquanto que 5.940 foram concedidos à pessoa idosa. Desta

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vez, temos a inversão dos dados: 63,9% são concedidos o BPC à pessoa deficiente,

enquanto que 36,1% foram destinados à pessoa idosa.

GRÁFICO 6: Concessão do BPC para idoso e deficientes nos anos de 2010, 2011 e 2012 no Estado do RN

Fonte: Instituto Nacional do Seguro Social do RN

Nesse sentido, os Gráficos de número 4, 5 e 6 nos diz que a população de

requerentes do BPC para deficiente no período de 2010 à 2013 corresponde 3 vezes

à mais que o número de requerentes do BPC destinado à pessoa idosa. No que diz

respeito aos indeferimentos, o BPC deficiente em relação ao BPC idoso, tem sofrido

06 vezes à mais com a negação do benefício à população. Por fim, no que tange as

concessões o gráfico 06 apresenta-nos que cerca de 63,9% das concessões do BPC

foram destinados a população deficiente, enquanto que 36,1% é destinado à pessoa

idosa. Entretanto, lembremos que a população dos que requerem o BPC/deficiente é

bem maior que os requerentes do BPC/idoso, portanto, fazendo com que o gráfico 6

apresente uma inversão, mostrando que há mais concessões do BPC/deficiente que

o BPC/idoso.

Por ora, observemos o gráfico 07 abaixo:

GRÁFICO 07: Representação de benefícios concedidos e indeferidos no RN

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Fonte: Instituto Nacional do Seguro Social do RN

O gráfico de número 07 esquematiza o total de BPCs requeridos, indeferidos,

e concedidos no período correspondente de 2010, 2011 e 2013 no Estado do RN,

sinalizando que há uma discrepância enorme, entre o BPC/idoso e o BPC/deficiente

na que tange o montante da população de requerentes, estando à população

deficiente em maior número. Isso nos revela que o Estado do Rio Grande do Norte

apresenta um déficit gigantesco quanto à políticas sociais destinadas à este público,

incluindo neste rol a política de trabalho.

Outro ponto de suma importância desvelado aqui, é que se analisarmos os

indeferimentos das duas modalidades de forma isolada já podemos verificar enorme

população que tiveram o requerimento ao benefício negado. Se analisarmos os

indeferimentos somando as duas modalidades (BPC/idoso e BPC/deficiente) temos

um total de 17607 pessoas que tiveram o benefício negado, ou seja, tivemos

aproximadamente 45% de negação do total de requerimentos (34101 requerimentos

no período de 2010 a 2012 no Estado do RN). Ainda em relação aos indeferimentos,

levemos em conta que a negação do BPC não atinge só o requerente, mais também,

a sua família, duplicando, triplicando, quadruplicando... o total de pessoas que

tiveram o benefício negado.

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Em relação ao número de concessões tivemos o total de 16494 ultrapassando

um pouco mais a marca dos 50% do total dos requerimentos. Destas concessões,

10554 foram destinadas à população deficiente, enquanto que 5490 foram

concedidas à população idosa. No entanto, lembremos, que a concessão de maior

número dado ao BPC/deficiente deve ser justificada quanto ao número de

requerentes que chega a ser cinco vezes maior que a população requerente do

BPC/idoso.

Dessa forma, o Benefício de Prestação Continuada no Brasil e, portanto, no

Estado do Rio Grande do Norte assume papel importante quando dá acesso ao

beneficiário e sua família a incluírem-se no circuito de compra e venda do mercado,

dinamizando e fomentando a economia local, já que permite a compra de alimentos,

medicamentos, bem como pagamentos de conta de água e luz (SILVA E BARBOSA,

2003). No entanto, o BPC ainda se processa de forma focalizada e seletiva quando

estabelecem como prerrogativas: a per capita familiar menor que ¼ do salário

mínimo, a idade, a deficiência. Além disso, o Beneficiário e sua família não podem

receber outro benefício de transferência monetária. Ou seja, a renda do BPC assume

papel exclusivo e não complementar.

Nesse espectro, o BPC no Brasil e no Estado do Rio Grande do Norte assume

um fator discriminatório: seja porque exige uma renda atestadora de miséria, seja

porque atende (idosos e deficientes) em condições físicas praticamente

degenerativas, ou seja, é preciso atingir um patamar de não-cidadão para ter acesso

a ele, e o pior, é preciso manter-se na invisibilidade social para permanecer inserido

no rol dos beneficiários. Há um retorno da ideologia do quanto pior, melhor

(BARBOSA E SILVA, 2003, p. 240).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A título de considerações finais, este trabalho pretendeu-se tecer

considerações acerca da conformação do sistema de Seguridade Social no Brasil

enquanto mecanismo de proteção social composta pelas políticas de Saúde,

Previdência e Assistência Social, reconhecidas como produto histórico das lutas

provenientes da classe trabalhadora, na medida em que o Estado brasileiro

reconhece os riscos sociais do trabalho (MOTA, 2010). Além disso, relacionamos a

política de Previdência e Assistência Social no Brasil e a centralidade da política de

Assistência Social no sistema de Seguridade Social, via transferência de renda

destacando as características do BPC no Rio Grande do Norte.

A Constituição brasileira de 1988 concebe a Seguridade Social com um

conjunto integrado de ações do Estado e da sociedade, voltadas para assegurar os

direitos relativos à saúde, a previdência e a assistência social.

É importante assinalarmos que a política de Assistência Social quando

incluída no Sistema de Seguridade Social, representou uma valiosa vitória visto que

aparece pela primeira vez na história do Brasil como direito social, desvencilhando-

se das prerrogativas da ajuda e benemerência.

Contudo, apesar de reconhecer as conquistas da Constituição no campo da

Seguridade Social, é impossível deixar de sinalizar seus limites estruturais quando

circunscrevidos na ordem capitalista.

A década de 1990 demarca no Brasil, o ajuste fiscal procedido no governo

FHC e levado a rigor no governo Lula trazendo implicações político-ideológicas que

desembocam em custos sociais para as políticas sociais (SOARES,1999) assumindo

tendências de retorno a filantropia, da solidariedade e da focalização sob a égide do

ideário neoliberal, acirrando a tensão entre o econômico e o social. Os países

periféricos, incluindo o Brasil, marcado por condições socioeconômicas de frágil

assalariamento, baixos salários e desigualdades sociais agudas, provenientes do

mercado de trabalho caracterizado por possuir em sua maioria, relações informais de

trabalho e desemprego estrutural crescente trás transformações no âmbito das

políticas sociais.

Nesse espectro com as exigências de um ―reforma do Estado‖ por parte do

capitalismo contemporâneo, as políticas sociais passaram a ser o principal objeto de

uma ofensiva de natureza perversa e conservadora, materializada em propostas e

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iniciativas de reformas restritivas de direitos, serviços e benefícios, sendo

refuncionalizadas apenas sob o interesse do capital (NASCIMENTO, 2012).

É esse o lócus ocupado pela política da Previdência Social, a partir de

meados da década de 1990, quando o capital ancorado pelo fenômeno da

supercapitalização, rebaixa os direitos previdenciários de ordem pública, para serem

oferecidos na esfera do mercado. Em concomitância, os desempregados/ex-

assalariados passam a ser demandas da política não-contributiva, a Assistência

Social.

Entretanto, a política de Assistência Social, a partir dos anos 2000 se

expande, principalmente, via Programas de Transferência de Renda, estando o BPC

no patamar de maior programa assistencial no Brasil, na medida em que na há

garantia de emprego formal para a população. Tais rebatimentos fazem com que a

seguridade social, deixe a mercê grande população de não-contribuintes no que

tange os benefícios previdenciários, não obstante, excluem do acesso aos direitos

assistenciais aqueles que podem trabalhar, visto que as condicionalidades no que

tange os Programas de Transferência de Renda restringem, seletivam e focalizam o

acesso ao BPC.

Desta forma, percebemos que a Seguridade Social se processa na realidade

sob o contexto do neoliberalismo limita suas prerrogativas assegurada na

Constituição de 1988, estando em curso, através dos Programas de Transferência

de Renda, um processo de assistencialização da Seguridade Social.

Portanto, este trabalho buscou defender a importância de cada política que

compõe o sistema de Seguridade Social, defendendo seu processamento de forma

integrada, articulada e complementar, de forma que a proteção social qualificada

atenda universalmente a população.

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