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SILVIA MARIA DA COSTA BRZEZINSKI
KANDINSKI E A ARTE: INVESTIGA<;A.O
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Monografia apresentada ao Centro de P6s-Gradual):ao Pesquisa e Extensao, do Curso deMagisterio Superior da Universidade Tuiuti doParana.Orientador: Prof a Olga Maria Silva Mattos.
VCURITIBA
2002
RESUMO
Este trabalho procura argumentar sabre a intensa relac;c3o existente
entre a arte e a educac;ao, a partir das ideias inovadoras desenvolvidas por
Wassily Kandisnki, no inicio do seculo XX, causando profunda repercussao
sobre 0 ensina da arte ate os nassos dias.
Atraves da analise formal e cientlfica do processo da cria9ao artistica,
Kandinski investiga e objetiva as condic;oes e possibilidades da arte moderna.
Participante ativa de seu tempo, ande 0 sistema de ensina da arte era ate
entaD baseado na exatidao da visao, na coincidencia entre valor e realidade,
procura, construir uma gramatica dos meios da arte, baseada na percepyao do
conjunto de fen6menos que guarda poucas relac;oes com a realidade das
eaisas, mas com a experimentaC;;30 dos sentidos.
Ao estabelecer uma linguagem das formas e das cores, numa liga9ao
estreita entre a teoria e a pratica, as reflex5es por ele aferecidas constituem
uma verdadeira "teoria da cor" Em seus estudos deixa de lado todas as
quest5es de espessura, de materia pictorica e da uma outra dimensao asuperficie, ao introduzir as no<;5es de proximo e distante, atraves das cores.
Para ele 0 efeito sensorial da cor e de curta dura9ao e de pouca importancia. 0
que conta e a ressonancia espiritual, a ayao direta da cor sabre a alma.
Para Kandinski a arte deve corresponder a uma necessidade interior,
representar 0 seu tempo e gerar a futuro. Seu Jegado como artista, te6rica e
mestre se torna de grande impartancia na arte maderna, passibilitando a
compreensao atual da forma e conteudo.
Na arte, 0 espirito e a fonte, a materia e a expressao. a valor da obra
completa vai depender da diversidade e riqueza das farmas que geram a
conteudo expressivo e da for<;a dessa expressao.
III
1.INTRODUCAO
Este trabalho tern como objetivo apresentar uma refiexao sobre a arte,
especificamente a arte de Wassily Kandinski, e sua relayao com a forma,ao de
urn estilo pr6prio, que redefiniu os padr6es da arte e tambem da cultura, como
uma das formas da educ8yao.
Pede-se perguntar: qual e a relac;ao disto com educ8C;80? Acreditamos
que e total. Estamos mais acostumados com a termo educa,ao ligado apenas
a escolaridade, enos esquecemos de seu sentido total, real e verdadeiro. Para
o verbete "educa<;8o" encontramos, entre Dutras definic;oes, a seguinte:
Ac;aO de desenvolver as faculdades psiquicas,inlelectuais e morais ( ... )/ Resultado desta aryao Iconhecimento e pratica de Mbitos sociais ( ... )(KOOGAN/HOUAISS, 1998. p.557).
Com rela,ao a arte a situa,ao e a mesma. Acabamos par acreditar (de
modo geral, as leigos) que a arte e alga relacionado ao lazer, ao bela, aestetica. Mas, na verdade, e urn modo bastante simplista de defini-la. Tudo 0
que e criado pelo homem tern urn sentido mais amplo, esta ligado a natureza
do nosso ser com todas as suas expectativas e anseios, duvidas, certezas e
esperan,as, e cumpre urn papel, seja na sociedade como urn todo, seja
individual e particularmente.
Ja para ° verbete "arte" entre outras coisas, significa
Maneira de fazer uma coisas segundo as regras ( .. )/Modo pelo qual se obtem ~xito; habilidade. ( .. )/Expressao de um ideal de beleza nas obrashumanas.(KOOGANIHOUAISS, 1998. p. 135)
Desta forma fica claro que nao existe esta distancia que podemos crer,
dada a nossa forma9ao (forma9ao esta, resultado de uma escolha politica)
mas, ao contriuio, ha uma complementa9ao total entre estas duas areas,
exatamente porque ambas servem para formar e desenvolver de forma ideal 0
ser humano. A arte deve cornunicar algo, provoca emo90es e mogoes, pode
transformar e rnodificar. A arte, como a vida, cumpre educar, pois ela e urna
forma de cognic;ao.
Kandinski nao foi apenas um artista, mas tambern urn educador, a que
vem reforgar esta rela9ao, muitas vezes esquecida entre arte e educagao.
Cada vez que nos debru9amos sobre urn tema, que buscarnos urna
reflexao sobre uma obra ou urn artista, principalmente dentro da academia,
estamos executando um trabalho que visa a educagao. Se buscarnos
desvendar os misterios, as cores, as luzes, as escolhas, enfim, de urn autor e
acompanhar seu percurso e sua vida, devemos ter ern mente que este intuito
de compreende-Io melhor desdobra-se na conseqOemcia, quase que
obrigatoria, de transmiti-Io aos outros.
Partindo deste pensamento, veremos, entao, a obra e as ideias de
Kandinski, acompanhando 0 desenvolvirnento de sua criagao e de suas
reflexoes sobre a arte. A primeira parte deste trabalho busca, atraves de uma
biografia do artista, aprender sobre ele e sobre seu tempo. Eo importante
conhecer 0 momento em que Kandinski viveu e desenvolveu suas ideias, pois
os acontecimentos influenciaram as escolhas do artista.
Em seguida, procuramos entender 0 que foi 0 movimento expressionista
e suas derivayoes em rnuitas outras correntes.
Na sequencia, vamos observar, rna is particularmente, 0 seu trabalho
teorico, suas ideia, sabre as cores e as sons, e sabre as formas.
2. CONHECENDO 0 ARTISTA.
o mundo em que Kandinski viveu passou par algumas revoluy6es,
mudan98s profundas e acontecimentos que seguramente marcaram a vida do
artista e de toda a sua gerar;ao. Lembramos da Primeira Guerra Mundial, da
Revoluvao Bolchevique ern sua patria e, ja em sua velhice, a Segunda Guerra
Mundia!. No campo das ideias ocorreu a afirmac;ao da psicanalise, as artes
reformulavam as fundamentos da musica. do bale. do teatra e da literatura. Na
virada do seculo XIX para 0 XX as correntes filos6ficas que investigavam 0
"aeulto" estavam em voga, mas tambem a naturalismo e a realismo mostravam,
na literatura, 0 lado mais cruel e sombrio da vida humana.
o pensamento de Nietzsche estava na moda: uma critica
profundamente caustica e radical aos valores tradicionais da cultura ocidental
(que ele considerava decadente), ao conservadorismo e a visao de mundo
burguesa e ao cristianismo, enfim, a toda a forma de pensamento que ele
considerava contrtuia a criatividade e a espontaneidade da natureza humana.
Wassily Kandinski foi pintor e te6rico da arte, nascido em Moscou em
1866, e urn dos mais importantes nomes da arte abstrata. Alem da influencia
de sua terra natal, a Russia, certamente algo de uma avo materna alema, e
uma bisave, tambern paterna, uma princesa chinesa, contribuiram para formar
seu espirito. Estudou direito e economia, mas apes ver uma exposigao dos
impressionistas franceses em Moscou, Kandinski resolveu abandonar a
carreira de professor universitario de direito e partiu para Munique, em 1896,
para estudar pintura. Em 1901 foi urn dos fundadores de urn grupo de
4
vanguarda chamado Falange que, na Alemanha, foi 0 porta-voz do Art
Nouveau. Em 1902 fez parte do Sezession' berlinense. Entre os anos de 1903
e 1908 fez varias viagens pela Europa e Africa, e suas pinturas, na virada do
seculo, tinham caracteristicas da Art Nouveau e tambem da arte popular russa,
aproximando~se, nas cores, do estilo fauvista. Os anos em que ficou em
Murnau, (local de veraneio), fcram muito fecundos para seu desenvolvimento
como artista, pois ele naD 56 pintava como tambern escrevia poesia. A
influ€mcia da musica era cada vez mais evidente em suas obras, farmadas par
paisagens cromaticas em cenas esfumayadas.
Sua pintura era neste estagio predominantemente artnouveau com subcorrentes simbolistas mas japossuindo qualidades alusivas e emotivas. (OENVIR,1977, p.41).
Em 1908 Kandinski voltou para Munique e cameyou a eliminar de suas
obras 0 elemento figurativo. Pouco a pouco os elementos representativos
cedem lugar a farmas e cores que que rem expressar urn mundo todo proprio.
Em urn de seus estudas teoricos, Sobre 0 espiritua/ na arie , Kandinski usou
uma palavra que fai traduzida como "espiritual", para descrever os elementos
irreais de suas pinturas. Alguns estudiosos sugerem que uma traduyao mais
adequada seria urn adjetivo que sugerisse 0 "psicologico", pais aquelas
formas tumultuadas movem-se atraves da tela comodervixes danyarinos, sugerindo impulses maisprofundos do que aqueles impulses emocionais que
1 Significa "secessao" em atemao, e foi 0 nome adotado por varios grupos de pintores naAlemanha e na Austria, que abandonaram as academias oficiais, as quais consideravamlimitadas pela tradit;ao. Esses grupos organizavam suas proprias exposi¢es de caratervanguardista, abrindo espaco para pintores jovens e desconhecidos. 0 primeiro desses gruposformou-5e em Munique em 1892.CHILVERS, Ian. OiciontJrio Oxford de arte. Sao Paulo: Martins Fontes, 1996. p.490
fortaleciam a corrente principal do expressionismo.(OENVIR, 1977, pA2),
A partir de entao, sua carreira demonstra, instalou-se 0 desejo e a busea
de efetuar uma sintese entre razaa e sentimenta, ciencia e arte, logica e
intui~ao.
Em 1911 Kandinski foi um dos fundadores do grupo chamado Der Blaue
Reiler (0 Cavaleiro Azul, nome de um quadro seu), editando com Franz Marc
um almanaque com a nome do grupo. Nesta fase, 0 artista se propos a integrar
musica e pintura, com base nas teorias musicais de Goethe. Em 1914 valtou
para a Russia onde foi hamenageada com varios titulos academicos, e
desempenhou atividades que divulgavam e desenvolviam as artes. Assumiu
impartantes encargos junto ao Comissariado Para a Progresso Intelectual, na
Escola de Arte, lecionou na Universidade de Moscou, e trabalhou para a
funda~aode varios museus.
Mas seu descantentamento cam as novas ideias que subordinavam a
arte ao desenho industrial levou-o a partir, em 1921, para a Alemanha,
Come~aua ensinar na Bauhaus2, onde ficou ate 0 fechamento, determinada
por Hitler, em 1933, Neste periodo 0 artista naturalizou-se alemao,
Partiu em 1933 para a Fran9a e estabeleceu-se em Neuilly-sur-Seine e
em 1939 tornou-se cidadao frances, Faleceu em 1944,
Tanto por sua obra pict6rica, quanta por seus escritos, Kandinski foi um
dos artistas mais influentes de sua gera9ao, Estava a frente daqueles que
2 Escola de arquitetura e de artes aplicadas que se tornou 0 centro do design moderno, naAlemanha dos anos 20. A idea inicial da Escola era ver 0 artista como "artista-artesao·,trabalhando com a ideia de complementaridade entre as artes. Foi fechada em 1933 perosnazistas, e seus integrantes espalharam-se por varios paises, difundindo assim as ideias daBauhaus. CHILVERS, Ian. Diciomflrio Oxford de Arte. Sao Paulo: Martins Fontes, 1996. p.p. 47-48,
investigavam os atributos expressivos dos materials artisticos sem referencias
naturais. Seu avanyo em direyao a abstrayao estava de acordo com suas
visoes filos6ficas acerca da natureza da arte. que foram influenciadas pela
teosofia e pelo misticismo. Suas principais obras escritas sobre suas teorias da
composiyao pict6rica abstrata sao Do espiritua/ na Arte (1912), Reminiscencias
(1913) e Ponto e linha sabre a plano (1926), publicado como uma apostila da
Bauhaus.
3. ABSTRACIONISMO OU OS MUITOS "ISMOS"
o Expressionismo, como tantos Qutros "ismos", e urn termo que
apresenta mais de uma defini9ao, e claro, relaciona-s8 a mais de urn
movimento. Em sentido amp 1o, S8 refere aos trabalhos artisticos nos quais edado maior valor ao sentimento do que a razao, ende 0 artista usa sua
sensibilidade naD para representar fielmente a realidade, mas para expressar
suas emo90es. Ele ultrapassa as Iimites esteticos previsiveis e pode, para
despertar no publico as emo.y6es que deseja, escolher urn assunto que evoque
estas emo90es, freqOentemente fortes, como angustia, mede, terror I morte,
entre Qutras. Implica, tambem, em uma enfase na cor. Neste sentido geral, 0
termo pode ser aplicado a qualquer arte, de qualquer periodo ou lugar onde as
reayoes subjetivas tenham maior importancia do que a observac;c3o do mundo
exterior.
Em um sentido especifico, Expressionismo diz respeito aos trabalhos de
um grande numero de pintores europe us, que no final do seculo XIX e inicio do
seculo XX, traduziram os principios gerais do Expressionismo em uma doutrina
especifica, que revolucionou a arte. Neste caso
...envolveu0 usc extatico da cor e a distor~o emotivada forma, reduzindo a dependencia da realidadeobjetiva. conforme registrado em termos daperspectiva renascentista, a um minimadispensando-ainteiramente.(OENVIR,1977,p. 4).
Oeste movimento derivaram-se algumas correntes que aprofundavam as
investidas sobre uma arte que se afastasse cada vez mais da realidade
objetiva. Grupos se formaram na Europa por volta de 1905, e especialmente
os grupos que surgiram na Alemanha, aboliram cada vez mais os limites do
lirismo que ainda regia as obras dos artistas franceses. E a partir de um destes
grupos que se desenvolvera a chamada arte abstrata.
Entende-se por arte abstrata toda a manilesta~ao das artes plasticas,
seja na pintura ou na escultura, na qual se desistiu da representavao natural ou
ilustrativa da realidade, para dar vazao a composi~6es independentes dela. A
arte abstrata suprime toda a relavao entre a realidade e a obra, no caso da
pintura, entre as linhas e os pianos, as cores e a significavao que esses
elementos podem sugerir ao espirito. 0 significado de um quadro depende
essencialmente da cor e da forma e 0 pintor rompe os ultimos lavos que ligam
sua obra a realidade visivel, sendo que esta passa a ser abstrata. Deve-se
notar que nao se pode lalar de uma arte abstrata pr6pria e unificada, pois
houve, dentro dela, varias correntes, algumas que compartilhavam da mesma
filosofia outras nao, mas todas se mantinham dentro do limite nao figurativo.
o Abstracionismo comporta varias fases, desde a mais sensivel ate a
intelectualidade maxima.
No abstracionismo informal ou sensivel, predominam os sentimentos e
emovoes. As cores e as formas sao criadas livremente. Nesta corrente surgiu 0
grupo Der Blaue Reiter (0 Cavaleiro Azul) cujos lundadares sao Kandinski,
Franz Marc e Paul Klee. Seus ideais foram assim descritos
Para dar expressao aos impulsos inleriores em cadafOfTTlaque provoque uma reaCflo intima no espectador,nos hoje procuramos, atras do veu de apar~nciasextemas, as coisas ocultas que nos parecem maisimportantes que as descobertas dos impressionistas.Procuramos e elaboramos este nosso lade oculto naopor capricho nem pelo prazer de ser diferente, masporque este e 0 lado que nos vemos. (OENVIR, 1977,p.40).
Os membros do Der Blaue Reiter foram mais rigorosos e minuciosos nas
suas atitudes do que os seus contemporaneos. Investigaram as teorias das
cores, se preocuparam com a percepc;:ao, se libertararn do mundo visiveL
Foram, tambem, muito influenciados par tendemcias filos6ficas de sua epoca,
sendo que a abordagem deste grupo na arte foi interdisciplinar, de uma forma
que nao se via desde a Renascimento.
E urna arte que coloca na cor e na forma a sua expressividade maior,
onde os artistas desenvolveram pesquisas cromaticas, conseguindo variac;:oes
espaciais e formais na pintura, atraves das tonalidades e matizes obtidos. 0
objetivo era urn expressionismo abstrato, sensivel e emotivo. Com a forma, a
cor e a linha 0 artista e livre para expressar seus sentimentos interiores, sem
relaciona-Ios a lembran,a do mundo exterior. Estes elementos da composi,ao
devem ter uma harmonia e urna unidade, como uma obra musical.
Par outro lado, a Supremaiismo e urn estilo de pintura com formas
geometricas planas, sem preocupa,ao de representa,ao. Os elementos
principais sao 0 retangulo, circulo, triilngulo e a cruz. Maiakovski, poeta russo
e integrante do movimento futurista na Russia, defendia a supremacia da
sensibilidade sobre 0 pr6prio objeto. Oeste modo 0 suprematismo e mais
racional que as obras abstratas de Kandinski e Klee, e reduz as formas a
beleza e pureza geometricas. Suas caracteristicas sao rigidas e se baseiam
em relac;:oes formais e perceptivas entre a forma e a cor, pesquisando os
efeitos perceptivos do quadrado negro sabre 0 campo branco.
10
Dutra vertente da arte abstrata e a Construtivisma au Abstracionismo
Geometrica, onde as cores e as formas sao organizadas de maneira que a
composi9aOresulte apenas a expressaa de uma concep9ao geometrica.
II
4. AS CORES E A MUSICA.
A musica para Kandinski era quase uma obsessao, ele era tornado de
assalto pelas cores que se impunham. para que ele as colocasse na tela. A
ideia que mais a fascinava era a total abstrayao a qual se podia chegar atraves
da construyao musical. A sua concepC;;8ode urn mundo de sons e cores
harmoniosos, levou-a a estabelecer uma conexao entre a timbre de alguns
instrumentos musicais, as cores e as sensac;;oes.
Em 1911 conheceu Arnold Schonberg. pintar e musicista. cujas
composigoes atonais influenciaram profundamente Kandinski. Este percebia a
realidade como uma imensa partitura musical, na qual cada som, cad a
instrumento. possuia uma cor e uma forma, formando uma totalidade
harmoniosa.
Em seu trabalho Da espiritua/idade na arle. datado de 1911. sabre as
sons e as cores, a ideia e que a cor pode ser urn elemento da linguagem da
alma. e portanto. e necessaria determinar um ponto de partida segura. do qual
se pode empreender uma analise ordenada. Este ponto de partida e a
qualidade da cor (quente-frio, claro-escuro), logo, pode se estabelecer 0
espayo-temporalidade do elemento colorido. 0 contraste entre 0 quente e 0 frio
- tendencia ao amarelo ou ao azul - proporciona a dimensao espacial,
determinada pela tendencia do amarelo a se aproximar do espectador e pela
tendencia do azul a se afastar. 0 contraste do claro-escuro, tendencia ao
branco ou ao preto, nos da a dimensao temporal do percurso pois 0 branco
12
contem todos as possiveis, e a silencio antes do nascimento, e 0 preto os
encerra, e 0 silemcio ap6s a morte.
Este ponto de partida e garantido e verificavel pela experiemcia da alma,
e possibilita a desenvolvimento da teoria em sua dinamica; ou seja, a coerencia
interna deste mundo das cores que estabelece a relagao das mesmas entre si,
nos somos convidados a verficil-Ias experimentalmente.
Sua teoria das cores e bastante rigorosa e estabelece relagoes entre 0
instrumento, a cor, 0 timbre e 0 significado:
Amarelo: corresponde a trompa, timbre agudo, decidido,
claro e agressivo. Significado - brilhante, resplandecente,
simbolo de vivacidade e alegria de viver.
Azul: fiauta, de timbre 8gil, brilhante mas suave.
Significado - frio e tranqOilo.
Verde: violino, de timbre penetrante, vibrante, versatil e
expressivo. Significado repouso, equilibrio,
tranqOilidade.
Violeta: fagote, de timbre macio, suave, ritmico,
penetrante e pungente. Significado - solidao, abandono,
misterio e magia.
Laranja: sinos tubulares, de timbre solene, hieratico.
Significado - misticismo e festa.
Para ele, a observac;ao das cores provoca no espectador uma serie de
emo90es, de rea90es, como frio, calor, bem estar, calma, tensao, entre outras.
Sensa90es fisicas, superficiais, que, como tal, duram pouco. Mas apenas os
objetos comuns provocam, no homem mediano, um efeito superficial. As coisas
que encontramos pela primeira vez nos fazem uma profunda impressao.
Apenas com 0 desenvolvimento do homern, abre-se 0 [eque de possibilidades,
de qualidades que os objetos e os seres tem em si. Em um estagio mais
evoluido estes objetos e estes seres ganharn urn valor interior e um som
interior.
Dutro resultado da observay80 das cores e 0 seu efeito psiquico, a forya
psiquica da ccr que faz a emo9ao da alma. Kandinski procura investigar se
este efeito se da de forma imediata ou nao. Para ele a visao esta intirnarnente
ligada a todos os sentidos, assim sendo, algumas cores tern urn aspecto
aspero, pungente, enquanto outras parecem ser suaves, aveludadas, e
sentimos vontade de acaricia-Ias. Sem duvida, as cores provocam reayoes as
mais diversas, e podem influenciar 0 corpo e a alma do observador. A
harmonia das cores esta fundamentada em um unico princlpio: a eficacia do
seu contato com a alma, fundamento que 0 artista definiu como "principio da
necessidade interior".
14
5. A TEORIA DAS FORMAS.
Quando sua pintura passa a migrar para 0 abandon a do objeto, da
figura, a artista come~a a desenvolver a sua teoria das formas, como (mica
possibilidade capaz de autorizar esse desaparecimento do objeto.
o objeto desaparecendo, cede lugar a uma grande possibilidade de
formas, pois as possibilidades te6ricas de uma forma naD ligada ao objeto sao
quase infinitas (SERS, apud KANDINSKI, 1997, p. XV.).
Era urn momento de angustia, pOis ao contrario do que ocorria com a
teoria das cores, as formas mio proporclonavam uma relaC;8o de identificaC;8o-
emOC;80 tao imediata. Para haver uma teoria das formas, havia necessidade de
S8 determinar urn ponto de partida claro e objetivo, capaz de servir de base
para a avaliac;ao interior.
Para Kandinski ainda mais uma questao S8 colocava: a arte teria uma
fun~ao profetica. 0 artista estaria no vertice do triangulo espiritual e tinha a
tarefa de preceder 0 movimento de progresso da humanidade. 0 problema
seria conceber uma arte profetica nao-figurativa. Varios temas em suas obras
iraQ remeter as figuras biblicas, como par exemplo 0 tema dos cavaleiros,
referenda aos Cavaleiros do Apocalipse de Sao Joao (SERS, apud
KANDINSKI, 1997, p.xVII). Sua saida para 0 impasse entre sobrevivencia de
uma arte profetica e abandono da representayElo, esta na teo ria das formas.
Havia uma necessidade de desenvolver para a pintura, uma teoria como
as que ja haviam side elaboradas para outras artes
Particulannente a pintura, que, de fato, deu nas ultimasdecadas urn saIto milagroso, mas que 56 recentemente
15
foi liberada de sua finalidade ~prattca~e das sujel~Oesde suas aplica~6es, acaba de atingir um nivel querequer um exame de seus meios pictancos tendo emvista a finalidade pictarica. Nesse sentido, naopodemosalcanyar 0 grau seguinte sem tal exame - 0que e verdade tanto para 0 artista quanto para 0·publico·.(KANDINSKI,1997, p.11).
Nesta passagem fica clara a preocupa98o com 0 "devir", acentuando 0
carater profetico da arte, a missao real do artista. 0 seu pensamento e
fortemente influenciado pela religiosidade ortodoxa, da qual ele era herdeiro,
como fica explicito mais adiante
A arte e, em muitos pontes, semelhante a religiao...sua evolu~ao nao e feita de novas descobertas queanulam as antigas verdades...[mas de] iluminayoes[que] projetam uma luz ofuscante em... novasverdades que, no fundo, nada mais sao que aevoluCao org;~micada sabedoria anterior... 0 NovoTestamento sena concebivel sem 0 Antigo? Nossaepoca, no limiar da 'Ierceira' Revela~o, senaconcebivel sem a segunda?(SERS,apud KANDINSKI,1997, p.XXVIII).
Para ele havia uma ciemciada arte que deveria se desenvolver, e uma
filosofia da arte que a completaria. A tarefa da ciemciada arte seria, a partir do
conhecimento da historia da arte, identificar e analisar os elementos,
determinar as leis da constru98o e elaborar um futuro tratado da composi980.
o ponto de partida de Kandinski para a teoria das formas e 0 ponto, e
ele que vai constituir a base de seu universo das formas. Ele e considerado 0
elemento initial da aventura pict6rica humana, e ao mesmo tempo
imaterialidade total e initio da aventura grafica, e a uniao do silemcio com a
palavra, portanto, ele encontra sua forma material em primeiro lugar na escrita.
Todas as formas vao nascer do ponto, que e a forma primaria, e um
ponto no plano e uma imagem primaria de toda a expressao pictorica. 0
16
nascimento das formas se da a partir do momento em que 0 ponto sai para
alem dos seus limites, podendo adquirir uma diregao determinada, e assim
surge a linha. Estes sao os dois elementos basicos necessarios a toda a
composic;;:aopict6rica, sao fontes destinadas a se combinar de infinitas
maneiras.
A partir disto, Kandinski desenvolve seu pensamento analisando os
efeitos que acontecem com a implantagao de cada elemento sobre 0 plano e
seus varios desdobramentos. Assim, do ponto deriva a linha, e esta,
dependendo de sua diregao no plano, e de tres tipos: horizontal, vertical e
diagonal. 0 circulo e obtido pela interven,ao da linha diagonal, que estabelece
uma relagao entre a horizontal e a vertical.
Em seguida, as formas principais aparecem, originadas da conjungao de
linhas, formando angulos, que por sua vez, acabam constituindo 0 quadrado e
o trii3.ngulo.Parece que se trata de urn sistema construtivo, onde a 16gicado
aparecimento das formas estaria ligada a capacidade do observador de
estabelecer formas simples. Com pouquissimos elementos, qualquer pessoa
pode desenvolver em urn papel toda a teoria das formas, pode construir todas
as formas basicas.
Preocupado com a harmonia, ha urn postulado que determina que haja
correspondencia entre a ordem das cores e a ordem das formas. Os elementos
sao 0 material da arte e sao de natureza diferente para cada arte mas, no
interior dos elementos sao distinguidos os elementos-fontes, sem os quais
nenhuma obra de arte pode nascer. Nas artes graficas, como ja foi dito, estes
elementos-fontes sao 0 ponto e a linha. Oa relagao entre os elementos, em sua
teoria, vern a analise das duas grandes etapas da arte: a construy2lo e a
17
composi9ao. A constru9ao 13a combina9ao racional dos elementos e pertence
ao dominio da logica. Construir e estabelecer no espa90 um conjunto coerente,
compreensivel e rep rod uti vel ou repetivel.
A composi9ao, por sua vez, constitui 0 objetivo final do trabalho pictorico,
13 a subardinayao dos elementos conforme a finalidade, 0 coroamento deste
trabalho, por isso a ciencia da arte devera analisar a composi9ao na historia da
arte para conseguir elaborar 0 tratado de composi9aO que esta no cerne das
preocupa90es de Kandinski.
Outr~ desdobramento de sua teoria e 0 principio da correspondencia dos
elementos, que 13, ao mesmo tempo, urn principio de verifica9ao da propria
teoria das farmas. Concluindo estas ideias esta 0 principio da transposi980,
que faz com que todo 0 fenomeno do mundo exterior ou interior possa
encontrar sua expressao linear.
o artista acaba por utifizar 0 circulo como uma das formas mais
perfeitas, pois ele contem em si infinitas possibilidades, do quadrado ao
triangulo. Ele e sempre 0 mesmo, porem variavel, mutavel, transformando-se
em tudo 0 que 0 artista for capaz de captar.
18
CONCLusAo
Acompanhando, como procuramos fazer, 0 pensamento de Kandinski,
atraves de suas obras e sempre tendo presente sua vida, as influ€mcias que
saffeu e 0 seu tempo, pode-s8 observar que para ele 0 artista deveria
investigar, pais 0 processo criativD derivava tambem das reflexoes do mesmo.
Desenvolvendo as suas teorias, Kandinski naD apenas situava sua arte no
tempo-espaco, para ele e para as Qutros, como tambem formava urn arcabouco
te6rico que seria util para todos os artistas, principalmente para aqueles que
buscavam uma formacao artistic8. Seu trabalho visava urn rigor te6rico e uma
seriedade cientifica, que deveria poder ser comprovada .
...para que haja cons!itui~o de uma ciencia, enecessaria passar ao experimental e organizar deacordo com as regras da experimenta;ao (SERS,p.XXVI).
Infelizmente ele nao conseguiu fundar 0 Instituto de pesquisas para este
tim, mas continuou testando e comprovando suas teorias atraves de suas
cria96es e de seus cursos na Bauhaus. Assim, ele nao s6 desenvolvia seus
trabalhos e transmitia seus conhecimentos, como tambem submetia a
avaliac;ao de seus alunos os resultados de suas experiencias.
o desenvolvimento de uma teoria da arte, sobretudo da pintura, que
tivesse um carater cientitica e demonstravel, signiticaria apenas dar
continuidade a um trabalho que ja havia sido feito no passado par outros
mestres, e que em urn dado momenta foi posta de lado. E a isto, a tarefa de
ensinar estava intimamente relacionada, como ele mesma apontava
)9
Podemos dar por certo que a pintura nao estevesempre tao abandonada nesse plano quanto estt:lhoje,que certos conhecimentos te6ricos existiam, e isso naoapenas no que diz respeito as questoes puramentetecnicas, mas porque urn certo tratado de composit;8opodia ser ensinado - e foi ensinado - aoprincipiante '" (KANDINSKI, 1997, p.11).
A ciencia da arte que ele propunha devena ser internacional, para dar
conta de todas as diferenc;as existentes na substancia interna das nac;6es,
exatamente nos domini os da arte.
Na origem de suas preocupac;6es estava a tradic;ao mistica bizantino-
eslava acompanhando todo 0 seu processo de reflex8o, ° que nao impediu que
suas teorias fossem totalmente modernas e inovadoras.
Aqueles que acusaram os artistas abstratos de terem esvaziado a arte
de seu conteudo, Kandinsky respondeu:
o contato do ~ngulo agudo de urn triangulo com urncirculo nao tern urn efeito menor do que 0 do dedo deDeus com 0 dedo de Adao em Michelangelo (...) E, seos dedos nao sao anatomia ou fisiologia, e sim maisque isso, a saber, meios pict6ricos, 0 tritmgulo e 0circulo nao sao geometria, e sim mais que isso: meiospict6ricos. Acontece tamMm que, as vezes, 0 sil~nciofale mais alto que ° barulho, que 0 mulismo adquirauma nltida eloqOencia(KANDINSK1,1997, p. XXXIV).
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Cap a do almanaque "Der Blaue Reiter" - Vassili Kandinski
~oCavaleiro Azul" - Vassili Kandinski
~Urican - Vassili Kandinski
" Vassili Kandinski. uarela abstrata -"Primelra aq
"ComPOSj~ao 0n VI/I"
- VasSi!i I<.and" tnski
UFinaliza9ao" - Vassili Kandinski
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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