Krishnamurti e a Educação

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    Scott Forbes explora a importncia que Jiddu Krishnamurti conferia educao, como uma aco religiosa.

    (Extrado de uma apresentao feita na primeira Conferncia sobreEducao Holstica tida em Toronto, Canada, 1997)

    Traduo de A. Duarte

    Aquilo que Jiddu Krishnamurti referiu e escreveu, ao longo da maior parte da sua vida,suscitou simultaneamente interesse e controvrsia, devido a que as suas observaes sobre

    religio, nacionalismo, tradio, organizaes e relaes, fossem, no geral, contra asconvenes vigentes. E, se hoje elas so menos surpreendentes isso ficar certamente a dever-se quer ao efeito que a lucidez da sua percepo teve sobre a conscincia comum, quer manifesta indicao do quanto ele estaria adiantado em relao ao seu tempo.Todavia a sua percepo sobre a educao continua ainda radical e frequentemente malentendida porque levada na conta de impraticvel, mas isso justificado pelo facto deKrishnamurti representar a educao como uma aco religiosa- numa era em que a maiorparte ainda a v como uma forma de preparo para o sucesso pessoal no mundo secular.

    Fomos advertidos por sbios de todas as eras de que, ainda que a verdade nos fosse

    colocada ao alcance da percepo, ns seramos incapazes de a vislumbrar por nocorresponder s nossas expectativas; porquanto aquilo que estamos preparados para

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    defrontar no o "real". E a representao simblica disso est na escolha de Barrabs- aescolha do que nos mais familiar ou se acha de acordo connosco ao invs do verdadeiro e dosagrado.Isso to verdadeiro nas questes da educao como nas religiosas. A educao moderna evidentemente falha na resoluo dos problemas do mundo e apropriadamente criticada por

    no ir ao encontro das aspiraes da sociedade, do mesmo modo que visivelmente incapazde preparar as pessoas para as questes fundamentais do viver. Mas para podermos resolvertais problemas parece que necessitamos de uma clareza de percepo que alie a maisprofunda aprendizagem possvel aprendizagem comum do dia a dia, em toda a extenso daeducao; que alie a aprendizagem subtil mundana ou, para o colocar de outro modo, quecoloque a aprendizagem do sagrado a par do que laico.Todavia penso que a intuio de Krishnamurti, apesar de radical, constitui esse acordo,porquanto faz face aos desafios do viver a um nvel bastante profundo, numa altura em queessa percepo to desesperadamente necessria.

    De todos os variados assuntos que Krishnamurti nos estendeu durante os seus mais desetenta anos a escrever e a falar em pblico, penso que seja a sua percepo sobre a educaoque a maior parte das pessoas concordar ter sido o que maior efeito tenha exercido sobreeste mundo.

    O interesse que Krishnamurti mantinha pela educao, que vem de muitos anos a estaparte, manteve-se sempre apaixonante. Naquele que foi talvez o seu primeiro livro "A

    Educao como Servio" (1912) podemos observar a sua paixo pelo educar e a introduo deuns quantos temas que permaneceriam ao longo do seu trabalho. Podemos comprovar nesselivrinho a eloquncia de um adolescente que escreve com base numa genuna experinciapessoal, como referido na introduo:

    ...Muitas das sugestes feitas neste livro procedem derecordaes da minha vida escolar vetusta. Eu prprio

    experimentei tanto o mtodo correcto de ensinocomo o incorrecto e por isso pretendo auxiliar os demais

    a encontrar o modo correcto de o fazer.

    (Veja-se o posfcio no final do texto)

    Desse modo, e pelo resto da sua vida ele preocupou-se em ajudar os outros no sentido de irao encontro e de implementar um melhor modo de educar...

    Seria bastante mais fcil referir o que, segundo a sua ptica, o aspecto religioso norepresenta, do que dizer aquilo que seja. Mas em termos bastante definidos, isso no fazparte de nenhuma religio. Krishnamurti sentia que aquilo que realmente sagrado ouverdadeiramente religioso no pode ser condicional, nem pode estar ligado cultura ouassociado ao tempo. Consequentemente ele sentia que o aspecto religioso no pode sercontido nem sujeito a nenhum dogma, nenhuma crena nem autoridade. A abordagem que

    Krishnamurti faz de uma religiosidade livre de toda a religio deve constituir um temainteressante para todo aquele que se preocupe com o desafio dos valores morais e com a

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    educao religiosa no mundo pluralista de hoje, porm no coisa que possamos tratar aqui.E se o sagrado no tem nenhuma relao com o ritual nem com templos, autoridades ousmbolos, ento de que dispor o homem para poder estabelecer contacto com essa condio?Krishnamurti sentia que essa "ponte" entre o mundo laico e o sagrado deveria constituiruma forma particular de conscincia, uma conscincia capaz de perceber as coisas tal como

    elas so, uma conscincia livre das distores do condicionamento e das limitaes dopensamento (conquanto necessitemos fazer uso do pensamento). Tratar-se- de umaconscincia que deva transcender os imperativos do "eu" e conhea, desse modo, umacompaixo e um amor destitudo de egosmo; uma conscincia que conhea o silncio, queseja capaz de perceber a beleza e de viver na alegria.

    Krishnamurti sentia que o sagrado prevalece como a fundao de todas as coisas e residena origem de tudo; como tal constitui uma condio irredutvel e no pode ser dividido emnenhum outro elemento fundamental. Sentia que todas as coisas fazem parte de umaunidade ou de um todo integrado e sagrado.

    A palavra ntegro (ou integrado) aqui empregue como adjectivo e no como verbo- no setrata de algo que possa ser integrado ou reunido mas antes que todas as coisas representampartes constituintes ou componentes de algo que constitui esse todo, de tal modo que faz comque se torne condiosine qua non com relao parte.A analogia mais apropriada para o representar talvez seja a do holograma; se este fordespedaado cada fragmento conter todo o holograma inteiro. Consequentemente nopoder haver desenvolvimento da parte que no afecte o todo, e a existir benefcio para aparte ele se exercer em detrimento do todo.Como esse todo integrado (ou aquilo que religioso ou sagrado) sempre est envolvido, nofaz sentido pensar num contnuo desenvolvimento de aspectos especficos, nem no posteriordesenvolvimento do todo ( ou seja, no desenvolvimento intelectual primeiro e no sentido do

    sagrado posteriori). Os aspectos especficos so parte constituinte do todo e devem sertratadas conjuntamente...

    A educao era encarada como um movimento na direco do desenvolvimento completodo ser humano total. Do escopo total da sua obra pode concluir-se que, para Krishnamurti aeducao consistia na educao da pessoa toda, na educao da pessoa como um todo ( e nocomo uma congregao de vrias partes), na educao da pessoa inserida no todo (como parteintrnseca da sociedade, da humanidade, danatureza, etc.) pelo que no faz qualquer sentidoreferirmos a pessoa fora de qualquer destes contextos.

    Do que foi exposto restar provavelmente dizer (se bem que nunca ser demaisrepeti-lo)que a educao no consiste no preparo para apenas uma parte da vida- como a dotrabalho- mas no preparo para a vida toda e para os aspectos mais profundos do viver...

    Krishnamurti declarava repetidamente que as intenes da educao se concentram,segundo descobrira, em termos bastante inequvocos e religiosos.

    As crianas... devem ser educadas correctamente...Educadas de modo a tornar-se seres humanos religiosos...

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    ( 1979)

    Certamente devem existir centros para a aprendizagemde uma forma de viver que no se baseie no prazer

    nem em actividades egocntricas mas sim na compreensoda aco correcta, da profundidade e da beleza dorelacionamento, e do sagrado de uma vida religiosa...

    ( em carta datada de 1980)

    Estes locais existem para servir ao esclarecimentodo homem.

    ( carta datada de 15 Out.1979)

    Parte dessa qualidade religiosa consiste na obteno de uma conscincia que faa face realidade e que perceba aquilo que "j ". A diferena entre a compreenso do que se , e oesforo para se tornar algum que no somos, reflecte-se na diferena entre o esforar-separa mudar aquilo que "" e o querer descobri-lo.

    Krishnamurti no negava o crescimento nem a mudana e na verdade congratulava-secom isso. Porm, nem um crescimento significativo nem uma mudana material real poderoocorrer sem os demasiado frequentes e desafortunados efeitos colaterais, se nos certificarmosunicamente de que os jovens adquiram conhecimento e qualificaes; tampouco poderemosconsegui-lo ensinando-os meramente a ajustar-se aos rigores e exigncias da sociedade, com opropsito de alcanarem sucesso na vida.

    Realando este ltimo aspecto, e com a ajuda que estendem a seus filhos para garantir aobteno de segurana material, os pais podem conseguir uma certa tranquilidade e asescolas podero congratular-se com os resultados dos exames, porm, na perspectiva deKrishnamurti isso s vem somar-se ao sofrimento e violncia do mundo. Pois eledepreciava o facto de a maior parte da educao se destinar...

    obteno de um emprego ou utilizao de conhecimentospara satisfao prpria, auto- engrandecimento ou obteno

    de sucesso. O mero cultivo das capacidades tcnicasdestitudo da compreenso do que a verdadeira liberdadeconduz destruio e guerra; e isso justamente o que

    est a acontecer no mundo...( 1953)

    Simplesmente encher a cabea da criana com um monte deinformao e faz-lo passar exames, a forma

    menos inteligente de educar...( 1948)

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    Krishnamurti declarou repetidas vezes que o propsito da educao deve ser o de produzirliberdade, amor, o florescimento da bondade, e a completa transformao da sociedade. Eisso contrasta especificamente com aquilo que sentia serem as intenes da maior parte dasescolas, que enfatizam o preparo dos jovens para o sucesso material na sociedade actual (ou

    numa outra qualquer ligeiramente modificada).Conquanto esteja em voga as escolas enunciarem objectivos elevados, ser deverasinstrutivo examinarmos quanta ateno no cindida dedicamos, durante todo o dia, a taisobjectivos- e na quantidade de tempo despendida no preparo para ganhar a prpriasubsistncia.Seria igualmente instrutivo que examinssemos aquilo que sentimos serem os imperativosque moldam a experincia da educao- coisas como a utilizao de espao, quem e o quedetermina as actividades pedaggicas, a utilizao do tempo e aquilo que acedido- porquem e para qu.

    Como foi j mencionado, a liberdade um tema recorrente nas declaraes deKrishnamurti com respeito ao propsito da educao, mas esta, na sua perspectiva, muitomais uma condio interior que poltica. claro que existe todo um nexo de causalidade entre liberdade psicolgica e a compulsoexterna- porquanto difcil ajudar o estudante a encontrar a liberdade num ambientedominado pela compulso- todavia a liberdade poltica no interessava a Krishnamurti. Aocontrrio, ele interessava-se por uma profunda liberdade da psique e da mente, e pelalibertao interior que sentia constituir tanto o meio como o propsito da educao.

    A liberdade algo que se encontra no comeoe no uma coisa a ser obtida como um objectivo...

    ( 1953)

    No existe liberdade como objectivo para a compulso;o resultado da compulso dever ser sempre compulso...

    ( 1953)

    Se dominardes uma criana e a compelirdes aenquadrar-se num modelo social ou individual,por mais idealista que seja, poder ela no final tornar-se livre?Se quisermos produzir uma verdadeira revoluo na educao

    teremos de estabelecer liberdade no prprio comeo,o que significa que tanto pais como professores devem

    interessar-se pela liberdade e no com a equao de "como"auxiliar a criana a tornar-se isto ou aquilo...

    ( 1953)

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    Para Krishnamurti o propsito da educao deve ser o da transformao interior e daliberdade do ser humano; a partir do que a sociedade ser transformada. A educaodestina-se a ajudar as pessoas a tornar-se verdadeiramente religiosas.

    Ser religioso ser sensvel realidade. Todo o vossoser- corpo, mente e corao- torna-se sensvel belezae fealdade, ao burro atado quele poste ou pobreza

    e imundcie desta ou daquela cidade; sensvel ao riso e s lgrimase a tudo o que a vs se refere. E dessa sensibilidade brotar

    amor e bondade por toda a existncia...( 1964)

    Ele prprio era extremamente cuidadoso com os detalhes e crtico com o que era mal feito.

    Era igualmente bastante compreensivo quando via que as coisas no podiam sair melhordevido a impedimentos de natureza real e jamais forava os administradores das suas escolasa produzir alguma coisa que se situasse fora dos seus intentos. Contudo, se as coisasresultavam mal por razes de falta de cuidado, desleixo, negligncia ou falta de sensibilidade,a ele sentia que isso ia contra o elemento essencial da educao e contra a religiosidade quecada membro da equipa deveria desenvolver. E esperar desenvolver a sensibilidade numacriana com uma equipe insensvel equivaleria a dar provas de hipocrisia.

    Do mesmo modo como outros educadores antes dele, Krishnamurti sentia que algumas dascoisas importantes no podem ser ensinadas pelo uso da proibio e precisam ser vividas napresena do principiante para que possam ser aprendidas. E, do mesmo modo que Keats- porquem nutria enorme admirao- Krishnamurti sentia que a beleza existe numa relao coma verdade.

    Para Krishnamurti a natureza tinha tanto de belo quanto demonstrava em termos deordem. Os centros de educao que ele fundou situam-se invariavelmente em parques ou empleno campo, mas isso no se deve a que pensasse unicamente que a relao com a naturezativesse significativas implicaes numa forma de vida s ou no relacionamento com osagrado. No condenava as escolas das cidades por serem destitudas de qualquer esperanaou no possurem tais formas de luxo, pois a natureza est sempre totalmente disponvel pelo

    que tem de mais insignificativo; numa folha de relva, numa planta caseira ou no peixinhodourado do aqurio.

    Se ficardes a ss com a natureza, com essa laranjana rvore ou a folha de relva que rebenta por entre

    o cimento, ou entre as colinas encobertas pelas nuvensento a cura (da mente) ocorrer de forma gradual.

    Isso no sentimentalismo nem imaginao romnticamas a verdade de uma relao com tudo o que vive e

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    se move nesta terra...( 1987)

    Se estabelecerdes uma relao com a natureza estareis

    em relao com a humanidade...Mas se no sentirdesrelao com as coisas vivas desta terra, podereis perderqualquer relao que tenhais com os seres humanos...

    Um outro aspecto tangvel dos centros educacionais que Krishnamurti criou- querepresenta outra indicao do carcter religioso da educao- era a sua insistncia para queas escolas albergassem lugares especiais adequados para o silncio. Ele falavafrequentemente aos estudantes sobre a importncia de possuir uma mente serena e silenciosa,

    de forma que pudessem observar os prprios pensamentos.

    Vejam bem, a meditao significa a posse de umamente serena e silenciosa; significa conseguir que o

    corpo permanea verdadeiramente imvel e silenciar a mentepara que ela se torne religiosa...

    ( 1981)

    A mente do homem religioso tem de ser silenciosas, racional e lgica- e ns precisamos disso...

    ( 1962)

    Geralmente ele insistia para que esses lugares no se situassem na periferia das escolasmas no seu centro.

    semelhana de um santurio, esses espaos destinavam-se a ser um centro, um espao quedinamizaria o resto da escola. E de modo contrrio maior parte das concepes do que umaescola deva ser, Krishnamurti sentia que a aco devia ocorrer na periferia enquanto que oconhecimento intuitivo nascido do silncio deveria ocorrer nesse centro...

    A preocupao central da educao, que tem que ver com a libertao interior, compreendeambos, os estudantes e os professores como aprendizes, e como tal em par de igualdade, oque est ao abrigo de toda a autoridade funcional.

    Por isso afirmo que a autoridade tem o seu lugarenquanto conhecimento, porm no existe

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    autoridade espiritual nenhuma sob quaisquer circunstncias...Quer dizer, a autoridade destroi a liberdade,

    porm a autoridade do mdico, do professor dematemtica e da forma como pratica o ensino,

    isso no a destroi...

    ( 1975)

    Ao ajudar desse modo o estudante na direcoda liberdade, o educador estar tambm a alterar

    os seus prprios valores.Tambm ele est a comear a ver-se livre do "eu" e do "meu",

    tambm ele est a florescer para o amor e a bondade.

    Esse processo de educao mtua cria umrelacionamento completamente diferente entre o

    professor e o estudante...( 1953)

    Krishnamurti sentia que a qualidade primordial de um educador devia residir naespiritualidade.

    Por se devotar unicamente liberdade e integridadedo indivduo, o tipo apropriado de educador h de ser

    profunda e verdadeiramente religioso, e noadepto de qualquer seita ou religio organizada.

    Livre de crenas e rituais...(1953)

    Por possuir uma ndole religiosa o educador deve interessar-se primordialmente com osaspectos da existncia, de forma que assim a 'correco' do fazer, seguir-se- de formanatural. Krishnamurti descreve com frequncia esse tipo de relacionamento entre "ser" e"fazer" mas talvez em nenhum outro lugar de forma mais sucinta do que numa das suasconferncias dadas em Bombay.

    No que "fazer seja ser"- "Ser fazer!"(1956)

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    Para Krishnamurti o "fazer" deriva do "ser" muito mais do que o contrrio, comogeralmente se convencionou. Tenhamos em conta a actual conveno de uma questo dognero: "Quem voc?"- a pergunta sobre quem somos que geralmente respondida nosseguintes termos: "Sou juiz, engenheiro, etc."( ou seja, uma declarao sobre afuno oucargo que desempenhamos.)

    Basta referir que este reverso ou confuso conduz geralmente a uma aco (fazer) altamentedesenvolvida, a qual facilmente alcanvel- em detrimento do "ser", mas Krishnamurtisentia que esse desequilbrio geralmente provoca uma consequente disfuno.

    Quando discutia o processo de seleco dos estudantes e dos membros candidatos para ocentro educacional ingls Krishnamurti acentuava constantemente a importncia do aspectodo "ser" desses futuros candidatos- como p. ex. a sua mais elevada sensibilidade, a suabondade e inteligncia ( na definio que dava palavra, que nada tinha que ver com amoralidade nem o quociente de inteligncia convencionais) e a profundidade do seuquestionamento em relao tanto a si prprio como ao mundo.Conquanto fosse do seu agrado que tanto estudantes como membros activos possussem um

    intelecto saudvel, jamais realou a destreza acadmica nem as habilitaes culturais oucapacidades especficas, como sendo mais importantes que a boa vontade e a capacidade delevar aquilo a que chamava "uma vida religiosa".

    Nas memorveis discusses que manteve nesse mbito a determinada altura elequestionou a equipa acerca de todas as qualidades que esperavam dos futuros estudantes (jque era toda a equipa do centro educacional que escolhia, em conjunto, os novosestudantes emembros) e depois descreveu o garoto que ele prprio fora; o quanto tinha sido indeciso,tmido, sonhador e mau aluno a todas as disciplinas, todavia possuidor de sensibilidade,deslumbrado, confiante e afeioado. E perguntou se, de acordo com esse critrio que tinhamenunciado ele teria sido aceite como aluno.Seguiu-se um comovente silncio. Como seria possvel que a descrio dos estudantes queprocurvamos para uma escola de Krishnamurti parecessem no poder incluir o jovem queele fora? Enquanto membros directivos ns pensvamos demasiado em termos convencionaise tradicionalmente estvamos mais interessados em "fazer" do que em "ser"; maisinteressados no mensurvel que no incomensurvel, escolhendo aquilo que mais seassemelhava a ns de forma que assim, estvamos de novo a escolher Barrabs...

    A perspectiva que Krishnamurti tinha de que o ser humano possui tanto um crebro como

    uma mente deixavam-no em p de desigualdade com as mais modernas teorias e perspectivassobre a aprendizagem. Em tom de justia a este tpico simplificaremos do seguinte modo: ocrebro o centro fsico do sistema nervoso e o rgo central da cognio. E de facto responsvel pela coordenao dos sentidos, da memria, da razo, do conhecimentointelectual, etc. A mente, como imaterial que , est relacionada com o discernimento (ou a

    percepo no visual), com a compaixo e a inteligncia profunda (que Krishnamurtisustentava ser o propsito autntico da vida) e, consequentemente, com a educao.

    Obviamente necessitamos possuir um crebro que funcione em boas condies (do mesmomodo que necessitamos de um corao e um fgado funcionais) porm, a fonte genuna detoda a aco correcta, bondade e vida religiosa reside na mente. E numa relao desigualentre ambas, um crebro excelente no poder beneficiar a mente.

    Todavia, uma mente sensvel pode aperfeioar o crebro. O crebro possui uma funoimportante a desempenhar na mente, a qual consiste em livrar-se do seu condicionamento

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    bem como das actividades que inibem o funcionamento saudvel da mente (i.e. dio, medo,orgulho, etc.); proporcionar tal coisa ao crebro uma das principais funes da educao-ao invs de acumular conhecimento.

    A questo primordial reside na qualidade da menteNo nos seus conhecimentos mas

    na profundidade da abordagem dessa mente noconfronto com o conhecimento.

    A mente infinita e estende-se prpria natureza do universoQue possui a sua ordem e comporta

    uma energia imensa...

    A mente permanentemente livreO crebro tal qual se encontra actualmente,

    tornou-se escravo do conhecimentoe por isso limitado, finito e acha-se fragmentado.

    Quando o crebro se libertar do seu condicionamento,ento ser infinito e somente ento

    deixar de haver diviso entre mente e crebro.Ento a educao representar uma libertao doscondicionamentos e dos seus vastos conhecimentos

    acumulados enquanto tradio.

    Mas isso no pretende negar as disciplinas acadmicas,que tm o seu lugar devidamente estabelecido na vida...

    ( carta de 1 Out 1982)

    Contrariamente perspectiva que moldou a maior parte da educao convencional,Krishnamurti sentia que cada pessoa necessita explorar-se e revelar-se a si mesma ao invsde ser moldada pelos outros. Esta perspectiva no nova e mais uma vez possui elos com as

    teorias de educao de Rousseau, Pestalozzi, Frobel e Montessori.

    A funo da educao consiste, pois, em ajudar-vosdesde a infncia, a no imitar ningum, mas a sermos

    ns mesmos constantemente...

    Assim, a liberdade reside... na compreenso daquiloque sois a todo o momento. Vocs (normalmente) no so

    educados nesse sentido, entendam; a vossa educaoencoraja-vos a vos tornardes uma ou outra coisa...

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    (1953)

    Krishnamurti sentia que no s os aspectos mais profundos da pessoa precisavam serdescobertos como tambm a vocao nica de cada pessoa; aquilo que se gosta de fazer tem

    de ser descoberto e perseguido- pelo que, fazer outra coisa qualquer constitui uma privaoda pior espcie, especialmente se essa perda se ficar a dever busca do sucesso ou qualqueroutra aspirao cultural.

    A descoberta da vocao natural do estudante e da compreenso de si- do que ele realmentegosta de fazer- no pode ter cabimento nos planos dos pais nem da sociedade; todaviaconstitui uma pea importante na compreenso de si prprio, e, consequentemente, daeducao.

    A educao moderna est a tornar-nos entidadesirreflectidas, e faz muito pouco com relao a

    auxiliar-nos a descobrir a nossa vocao individual...(1964)

    Descobrir aquilo que realmente gostais de fazer uma das coisas mais difceis.

    Mas isso faz parte justamente da educao...(1974)

    A educao correcta consiste em auxiliar-vos a descobrirpor vs prprios aquilo que gostais realmente de fazer,

    de todo o corao. No importa o que seja;cozinheiro ou jardineiro, mas dever ser alguma coisa em

    que depositareis a vossa mente e o vosso corao.(1974)

    Tenho conscincia de nada ter dito sobre o modo como Krishnamurti sentia que qualquer

    coisa referente ao anteriormente enunciado poderia ser posto em prtica... Talvez isso fosseimpossvel de apresentar de um modo facilmente digervel, devido sua extenso. Eu tive ocuidado e a vontade de revelar como, para ele, a educao era antes de mais e acima de tudo,uma actividade religiosa.Em 1929 ele declarou ser a inteno central da sua vida...

    Levar a cabo certa tarefa no mundo e faz-lo cominamovvel empenho. Interessa-me somente uma

    questo essencial; libertar o homem...

    (1929)

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    Para o efeito fundou escolas movido unicamente por esse anelo. Podemos constatar isso naspalavras do adolescente de dezassete anos que foi, ao expressar-se nestes termos:

    Se a unidade da vida e a singularidade de objectivospudesse ser ensinada com clareza nas escolas, quanto

    mais brilhantes no poderiam ser as nossas esperanaspara o futuro!

    Quarenta e um anos mais tarde escreveria:

    Se tomarmos conscincia de que s poder haver paze harmonia entre os homens atravs da educao correcta

    ento daremos toda a nossa vidae todo o nosso interesse por isso, de modo natural...

    (1953)

    Posfcio

    Krishnamurti experimentou, ao tempo de aluno na escola primria, os mtodosde educao autoritrios. Jamais conseguiu passar nos exames de aprovaopara ingressar na universidade. Por intermdio de diversas citaes de outraspessoas, e recordaes pessoais, podemos perceber o quanto era tmido edesatento:

    "Era quase diariamente espancado de um modo brutal, na escola, por uma questode estupidez e incapacidade de aprender"..."Era to tacanho na escola que o professor o enviava constantemente para fora dasala, e acabava por se esquecer dele. Quase todos os dias apanhava com a rguapor incapacidade de aprender as lies. Passou metade do seu tempo a chorar varanda, e se o professor se esquecesse dele, podia l passar toda a noite, se oseu irmo, que era mais brilhante do que ele, no o conduzisse de volta pelamo"...

    "Era habitual, o rapaz ficar durante as lies de boca aberta diante da janela

    escancarada, sem encarar coisa nenhuma em particular. Repetidamente lhe diziampara fechar a boca, o que fazia, para logo a seguir voltar a ficar com ela aberta"...

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    Mas Krishnamurti possua uma naturalidade e uma nsia afectiva semqualquer trao de afectao e era dotado de uma natureza modesta e retrada,sempre deferente para com os mais velhos e corts para com todos. Era dotado deuma serena ausncia de egosmo, parecendo no se preocupar minimamente

    consigo prprio. Vejam-se estes exemplos da realizao que se seguiu:

    "A determinada altura estava um homem a consertar a estrada; ele era eu, a

    picareta que utilizava e a arvore junto dele; eu era isso tudo. Eu podia sentir ovento por entre as arvores e a pequena formiga na relva; podia sentir os pssaros,a poeira, e todo o rudo fazia parte de mim. Um carro acabava de passar a algumadistncia e eu era o condutor, o motor, os pneus, e medida que ele se afastava,era eu que me afastava de mim prprio. Eu encontrava-me em tudo, ou melhor,tudo fazia parte de mim. Sentia uma suprema felicidade, e nada poderia voltar aser o mesmo. Eu tinha bebido das guas puras e cristalinas da fonte de toda a vida

    e aplacara a minha sede. Jamais voltaria a sentir sede de novo; jamais poderiavoltar a cair nas trevas, pois tinha tocado aquela imensa compaixo que cura todaa infelicidade e sofrimento. No por mim, mas pelo mundo"...

    "A dada altura fui at varanda e sentei-me durante alguns momentos,exausto mas ligeiramente acalmado. Indicaram-me que me devia sentar sob arvore da pimenta que h junto casa, o que acabei por fazer, numa postura depernas cruzadas, caracterstica de meditao, aps o que, algum tempo decorrido,senti o meu ser desprender-se e pude observar o corpo sentado por entre asdelicadas folhas da arvore, com o rosto voltado para nascente. Podia contemplar omeu corpo, como se me encontrasse a pairar junto dele, e consegui perceber um ponto radiante exactamente por cima da minha cabea. Eu podia sentir uma profunda tranquilidade tanto no ar ao meu redor, como dentro de mim; atranquilidade do fundo de um lago profundo e impenetrvel. E tal como esse lago,eu podia sentir que o meu corpo fsico, a minha mente e emoes, podiam sempresofrer perturbao superfcie; porm, nada- nada mesmo- poderia perturbar atranquilidade da minha alma. Eu sentia-me supremamente feliz por tercontemplado tal coisa"...

    Aps o culminar de experincias que o levaram a romper com o estabelecidoe a espalhar a sua viso do significado da liberdade, Krishnamurti pde professarcom absoluta certeza:

    "Agora sei como jamais anteriormente, da existncia de um autentico sentido debeleza na vida, da existncia de uma verdadeira felicidade, que no nos pode servedada por nenhum acontecimento fsico; da existncia de uma enorme fora queno pode ser enfraquecida por nenhuma ocorrncia passageira, e de um enormesentimento de amor que permanente, imperecvel e indomvel"...

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    Mais tarde haveria de revelar uma grande preocupao com a questo daeducao, que levava na linha de conta de ser a pedra fulcral na transformao docrebro condicionado. Questionando sempre as razes da nossa cultura procuroufazer emergir uma nova compreenso da vida global, absoluta. Nas suas palavras,o despertar de uma percepo autentica assemelha-se a um florescimento total:

    "Se escutarem de verdade, a observarem e compreenderem, ento ocorrer umdesabrochar. E se isso ocorrer, ento as outras questes sero muito simples decomunicar a uma criana."

    Subsiste nos dias de hoje um crescente questionamento sobre o postuladobsico da estrutura da educao, nos sistemas vigentes espalhados pelo mundofora. E est a ocorrer uma crescente tomada de conscincia do quanto ospresentes modelos falharam, a par com a noo da existncia de uma total falta de

    relao entre o homem e a complexa sociedade contempornea. A crise ecolgica,a crescente pobreza, a crescente segregao, a raiva e a violncia esto a forar-nos a enfrentar a realidade dessa situao em que nos encontramos. Numa pocaassim, necessitamos de uma abordagem aos postulados da educaocompletamente nova, e Krishnamurti enderea o desafio no somente estruturada educao como tambm natureza e qualidade da nossa mente e vida. Paraele a ecloso de uma mente nova s ser possvel quando a conscincia reunirtanto o espirito religioso como a atitude cientfica num s movimento. Conquantoenfatize o cultivo do intelecto, necessrio posse de clareza mental e de aguadacapacidade analtica, ele reala de longe muito mais a importncia de umaconscincia crtica, tanto para com o interior de ns como para com o exterior, erecusa-se a aceitar a autoridade a todos os nveis, realando a necessidade de umequilbrio harmonioso entre o intelecto e a sensibilidade.

    Uma das principais tarefas da educao para K. reside em ajudar a descobriras reas em que o conhecimento e as habilitaes tcnicas so necessrias, eonde elas podem ser irrelevantes seno mesmo prejudiciais, porque somentequando a mente for capaz de apreender o significado da existncia de reas emque o conhecimento completamente irrelevante, que tomaremos conscinciade uma dimenso completamente nova e poderemos desenvolver o potencial damente humana.

    "Interessa-nos o desenvolvimento total do ser humano, ajud-lo acompreender as plenas capacidades mais elevadas e no de um tipo qualquerfictcio que o educador tenha em mente, sob a forma de conceito ou ideal."

    "O pleno desenvolvimento do indivduo que criar uma sociedadeigualitria. Atravs de uma educao correcta no haver necessidade de lutar poruma igualdade por meio das reformas sociais, porque ento a inveja, e acomparao de capacidades, deixaro de existir."

    Fim

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  • 8/8/2019 Krishnamurti e a Educao

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