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Leonardo da Vinci, em Tratado sobre a pintura (Codex Urbinas Latinus 1270), dá o seguinte conselho aos pintores: Não desprezem a minha opinião quando eu vos lembro que não deveria ser difícil parar, vez por outra, e olhar as manchas nas paredes, ou as cinzas de uma lareira, ou as nuvens, ou a lama, ou coisas parecidas em que, se considerá-las bem, poderão encontrar idéias realmente maravilhosas. A mente de um pintor é estimulada por novas descobertas: a composição de batalhas entre animais e entre homens, várias composições de paisagens e coisas monstruosas como diabos e criaturas semelhantes, que devem trazer-vos honra, pois a mente é estimulada a novas invenções por meio das coisas obscuras. 1 É marcante o fato de que Da Vinci tenha dado tanto peso às idéias e à mente do pintor. A imagem recebida por seu tratado sobre a pintura difere muito de uma imagem mais romântica do artista, que ainda prevalece no século 20. Para Da Vinci, a pintura não é uma prática expressiva, intuitiva ou emocional, mas intelectual. O pintor pensa, descobre e inventa. O filósofo e historiador da arte francês Hubert Damisch levou a concepção de arte segundo Da Vinci a sério. Todos os seus escritos são norteados pela convicção de que pinturas, de um modo ou de outro, concretizam um projeto filosófico. Ele nunca trata pinturas como meras ilustrações ou manifestações passivas de uma cultura ou período histórico. Não; o pintor pensa e o faz por meio de suas pinturas. Uma pintura para Damisch, então, é, na realidade, uma reflexão – não no sentido passivo da palavra, como um espelhamento, mas no sentido de uma definição ativa, como um ato ou pensamento, como um lance, um lance em um tabuleiro de xadrez. Damisch, professor de história e teoria da arte na École des hautes études en sciences sociales em Paris, tem publicado obras sobre uma variedade de artistas, temas e problemáticas sem se limitar a uma região ou período histórico determinados. Publicou artigos sobre, entre outros assuntos: Giotto, Goya, Mondrian, Klee, Pollock, Dubuffet, Cézanne e a cor, Duchamp e o xadrez, Viollet-Le-Duc, Gustave Eiffel, Walter Gropius, os historiadores da arte Meyer Schapiro e Erwin Panofsky e o antropólogo estruturalista Claude Lévi-Strauss. Além de três volumes de ensaios reunidos, publicou quatro estudos volumosos que receberam o estatuto canônico na história da arte em um período muito curto: Thórie du /nuage/: pour un histoire de la peinture (1972), L’ origine de la perspective (1987), Le Jugement de Paris (1992) e Le traité du trait (1995). Seus textos foram traduzidos em vários idiomas. Na França, as obras de Damisch são consideradas as mais importantes contribuições para a história da arte nos últimos 20 anos. Entretanto, muitos historiadores da arte ficam surpresos com sua convicção de que obras de COLABORAÇÃO • ERNST VAN ALPHEN 93 Lances de Hubert Damisch: pensando a arte na história Ernst van Alphen Apresentação crítica dos estudos do filósofo e historiador da arte francês Hubert Damisch, discutindo como sua leitura transistórica foi capaz de organizar novas estratégias de reflexão teórica. Hubert Damisch, teoria da arte, história da arte, estruturalismo.

Lances de Hubert Damisch: pensando a arte na história Ernst van

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Page 1: Lances de Hubert Damisch: pensando a arte na história Ernst van

Leonardo da Vinci, em Tratado sobre a pintura(Codex Urbinas Latinus 1270), dá o seguinteconselho aos pintores:

NNããoo ddeesspprreezzeemm aa mmiinnhhaa ooppiinniiããoo qquuaannddoo eeuuvvooss lleemmbbrroo qquuee nnããoo ddeevveerriiaa sseerr ddiiffíícciill ppaarraarr,,vveezz ppoorr oouuttrraa,, ee oollhhaarr aass mmaanncchhaass nnaassppaarreeddeess,, oouu aass cciinnzzaass ddee uummaa llaarreeiirraa,, oouu aassnnuuvveennss,, oouu aa llaammaa,, oouu ccooiissaass ppaarreecciiddaass eemmqquuee,, ssee ccoonnssiiddeerráá--llaass bbeemm,, ppooddeerrããooeennccoonnttrraarr iiddééiiaass rreeaallmmeennttee mmaarraavviillhhoossaass.. AAmmeennttee ddee uumm ppiinnttoorr éé eessttiimmuullaaddaa ppoorr nnoovvaassddeessccoobbeerrttaass:: aa ccoommppoossiiççããoo ddee bbaattaallhhaasseennttrree aanniimmaaiiss ee eennttrree hhoommeennss,, vváárriiaassccoommppoossiiççõõeess ddee ppaaiissaaggeennss ee ccooiissaassmmoonnssttrruuoossaass ccoommoo ddiiaabbooss ee ccrriiaattuurraasssseemmeellhhaanntteess,, qquuee ddeevveemm ttrraazzeerr--vvooss hhoonnrraa,,ppooiiss aa mmeennttee éé eessttiimmuullaaddaa aa nnoovvaassiinnvveennççõõeess ppoorr mmeeiioo ddaass ccooiissaass oobbssccuurraass..1

É marcante o fato de que Da Vinci tenha dadotanto peso às idéias e à mente do pintor. Aimagem recebida por seu tratado sobre apintura difere muito de uma imagem maisromântica do artista, que ainda prevalece noséculo 20. Para Da Vinci, a pintura não é umaprática expressiva, intuitiva ou emocional, masintelectual.. O pintor pensa, descobre e inventa.O filósofo e historiador da arte francês HubertDamisch levou a concepção de arte segundo DaVinci a sério. Todos os seus escritos sãonorteados pela convicção de que pinturas, deum modo ou de outro, concretizam um projetofilosófico. Ele nunca trata pinturas como merasilustrações ou manifestações passivas de uma

cultura ou período histórico. Não; o pintorpensa e o faz por meio de suas pinturas. Umapintura para Damisch, então, é, na realidade,uma reflexão – não no sentido passivo dapalavra, como um espelhamento, mas nosentido de uma definição ativa, como um ato oupensamento, como um lance, um lance em umtabuleiro de xadrez.

Damisch, professor de história e teoria da artena École des hautes études en sciences socialesem Paris, tem publicado obras sobre umavariedade de artistas, temas e problemáticas semse limitar a uma região ou período históricodeterminados. Publicou artigos sobre, entreoutros assuntos: Giotto, Goya, Mondrian, Klee,Pollock, Dubuffet, Cézanne e a cor, Duchamp eo xadrez, Viollet-Le-Duc, Gustave Eiffel, WalterGropius, os historiadores da arte MeyerSchapiro e Erwin Panofsky e o antropólogoestruturalista Claude Lévi-Strauss. Além de trêsvolumes de ensaios reunidos, publicou quatroestudos volumosos que receberam o estatutocanônico na história da arte em um períodomuito curto: Thórie du /nuage/: pour un histoirede la peinture (1972), L’ origine de la perspective(1987), Le Jugement de Paris (1992) e Le traitédu trait (1995). Seus textos foram traduzidos emvários idiomas. Na França, as obras de Damischsão consideradas as mais importantescontribuições para a história da arte nos últimos20 anos.

Entretanto, muitos historiadores da arte ficamsurpresos com sua convicção de que obras de

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Lances de Hubert Damisch:pensando a arte na história

E r n s t v a n A l p h e n

Apresentação crítica dos estudos do filósofo e historiador da arte francês Hubert

Damisch, discutindo como sua leitura transistórica foi capaz de organizar novas

estratégias de reflexão teórica.

Hubert Damisch, teor ia da ar te , h i s tó r ia da ar te , es t rutura l i smo.

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arte só aparecem plenamente quandoconsideradas um modo de pensar, pois, aocontrário do interesse arte-histórico na intençãodo artista, o foco de Damisch não se refere àintenção individual do artista, mas reside naquiloque Alpers e Baxandall chamariam de“inteligência pictórica”,2 referindo-se ao impulsointelectual da imagem propriamente dita.Contudo, é um axioma da disciplina devotadaao estudo da arte o fato de o significado da artesó poder ser formulado historicamente. Sendoassim, uma obra de arte é sempre umaexpressão de um período histórico ou dapessoa que a produziu. A importância atribuídaao enfoque histórico no significado da obra dearte é tão grande, que se reflete até mesmo nonome da disciplina. Enquanto as que estudamoutros produtos culturais, como teatro, cinemae literatura, são chamadas de estudos de teatro,de cinema e literários, a disciplina que estuda aarte denomina-se história da arte. Portanto, aquestão inevitável que surge ao ler os textos deDamisch é a seguinte: o trabalho de Damischseria a-histórico? Em outras palavras, seria ele,afinal de contas, a-histórico ou será que, comsua aproximação desviante e suas questões, selocaliza fora da disciplina “História da Arte”?

É óbvio que Damisch mostra-se cada vez maisimpaciente com a maneira pela qual osestudiosos clamam pela história como a primeirae última palavra na tradição da história da arte.Em Théorie du /nuage/ (Teoria da /nuvem/), elecaracteriza o papel da análise histórica no estudoda arte como uma forma de terror ou tiraniaque torna impossível o levantamento dequestões voltadas para assuntos transistóricos oumais abstratos.

OO pprroobblleemmaa ppaarraa aa tteeoorriiaa éé ccoommoo nnããoo sseerreennddeerr àà ttiirraanniiaa ddoo hhuummaanniissmmoo qquuee ssóó iirráárreeccoonnhheecceerr ooss pprroodduuttooss oouu ééppooccaass ddaa aarrtteeeemm ssuuaa ssiinngguullaarriiddaaddee,, eemm ssuuaaiinnddiivviidduuaalliiddaaddee;; ee ccoonnssiiddeerraarr iilleeggííttiimmoo,, oouummeessmmoo iinnaaddmmiissssíívveell,, qquuaallqquueerr iinnvveessttiiggaaççããoossoobbrree aass iinnvvaarriiaanntteess,, aass ccoonnssttaanntteesshhiissttóórriiccaass ee//oouu ttrraannssiissttóórriiccaass ddee qquuee oo ffaattoopplláássttiiccoo ssee ddeeiixxaa ddeeffiinniirr eemm ssuuaaggeenneerraalliiddaaddee,, ssuuaa eessttrruuttuurraa ffuunnddaammeennttaall.3

O próprio Damisch descreve sua obra como"estruturalista". No entanto, não devemosentender essa rotulação de maneira restritiva. Oenfoque estruturalista, tal como floresceu nosanos 60 em disciplinas como antropologia,lingüística e estudos literários, era comfreqüência explicitamente a-histórico. As

questões sistemáticas eram centrais; questõessobre o significado ou a função do texto ou dacultura eram tratadas como problemasimanentes ao texto, sobre o qual a história nãoexercia influência alguma.

Entretanto, é impossível reconhecer essademarcação histórica tão radical nos lances deDamisch. A história – o contexto histórico deuma obra de arte – sempre teve uma funçãoimportante em suas análises "estruturalistas" daarte. Os textos de Damisch impressionam, entreoutras coisas, por seu extraordinárioconhecimento da história. Ele conhece até omenor detalhe do contexto histórico em que oartista trabalhou, ele conhece até mesmo aspublicações de história da arte mais obscurassobre um artista ou período. Contudo, o lugarda história em sua análise ésurpreendentemente diferente daquele queestamos acostumados a encontrar nas disciplinashistóricas tradicionais. Ele jamais permite que oslances de seu pensamento sejam ditados porconvenções acadêmicas e nunca permitirá quea "história" decida quais questões sãosignificativas ou legítimas. No entanto,Damisch reconhece que, por maissistemáticas, teóricas ou transistóricas sejam asquestões que ele coloca, devem ser semprepostas dentro dos parâmetros de contextoshistóricos específicos. Essa é uma das razõespor que não seria correto posicionar sua obrafora da história da arte.

A relação de Damisch com a história torna-semais clara por meio da questão colocada nasprimeiras páginas de L'origine de la perspective (Aorigem da perspectiva): “Se há história, então é ahistória do quê?”4 Essa pergunta parece simples,mas possui implicações de longo alcance edesencantadoras. Mediante sua demanda porespecificação – é uma história do quê? – Damisch,de fato, rejeita o significado absoluto do termo“história”. Na cultura ocidental, masespecialmente na história da arte, é práticacomum falar sobre história sem um objeto.Tenho invocado aqui a mesma estratégiadiscursiva ao fazer perguntas tais como: “qual é opapel da história no trabalho de Damisch?”Fazendo isso, “história” torna-se uma realidade.Mas para Damisch, a história só existe a partir domomento em que se torna a história de algo. Aoempregar o termo história de maneira figurativa,ou seja, absoluta, “história” recebe umasuperpotência só comparável àquela de “Deus”.Ao usar “história” de um modo absoluto, torna-sepossível imaginar a história como uma força ativa

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que produz obras de arte. A partir dessaperspectiva é legítimo assumir que osignificado da arte só possa sercompreendido historicamente.

No entanto, Damisch atribui à história um lugarmais moderado – mas ainda importante – aonegar-lhe consistentemente um significadoabsoluto ou abstrato. Enquanto o filósofoDamisch prefere fazer questionamentos geraisou abstratos, o historiador Damisch permiteapenas o uso concreto do termo “história”. Parao estudo da arte, seu conceito de história leva-oà seguinte pergunta inesperada: a arte é umahistória do quê?

Essa pergunta obriga a nos darmos conta de queo significado pleno de obras de arte não podeser apreciado em termos de história. O “tema”5

da arte engendra questões gerais, transistóricas efilosóficas. “Históricos” são os parâmetros dentrodos quais um determinado artista trabalha, alinguagem que lhe foi passada e a articulaçãoespecífica de sua resposta a uma problemáticamais genérica. A problemática mais genérica, noentanto, não pode ser reduzida a termospuramente históricos.

São duas as conseqüências das suposições deDamisch de que o significado da arte só podeser colocado pela obra de arte como uma formade pensamento. Em primeiríssimo lugar,enquanto observador, o espectador deve pensar“com” a obra de arte, o que significa que eledeve iniciar um diálogo pela articulação dequestões de uma natureza filosófica geral. Só apartir do momento em que o observador fazquestionamentos dessa ordem é que a obra dearte revelará suas idéias. Segundo, a qualidadehistórica da obra de arte só pode serrealmente compreendida quando é permitidoao trabalho ser uma articulação histórica de umproblema genérico mais fundamental. Damischformula assim:

AA ppiinnttuurraa éé uumm oobbjjeettoo ddiissttiinnttoo ddeeeessttuuddoo hhiissttóórriiccoo ee ddeevvee sseerrccoonnssiiddeerraaddaa ccoommoo ttaall:: oo qquuee ssiiggnniiffiiccaa,,ppaarraaddooxxaallmmeennttee,, qquuee ddeevveemmooss aaddoottaarruumm ppoonnttoo ddee vviissttaa ddeelliibbeerraaddaammeenntteeeessttrruuttuurraalliissttaa,, oo qquuee ddáá mmaaiioorr rreelleevvoo ààddiimmeennssããoo hhiissttóórriiccaa ddooss ffeennôômmeennooss..6

Essa citação caracteriza adequadamente oslances feitos por Damisch em todos os seustextos. O enfoque histórico não é colocado emoposição a uma abordagem mais teórica, ou,segundo suas próprias palavras, estruturalista. Ele

redefine o papel da história na história da arte,demonstrando uma vez e outra mais quesomente uma perspectiva teórica nos permitever obras de arte como a história de algo.

Mas com quais questões gerais Damischconfronta as obras de arte? Embora sua obraseja diversa, em última instância tudo apontapara uma única questão central: por queolhamos a arte? Ou, em termos mais sensuais, oque nos atrai para a arte? Não é possível, éclaro, obter uma resposta singular para essaquestão. Obras de arte podem fascinar echamar a atenção do espectador por diversosmotivos baseados em uma variedade dequalidades pictóricas. Em cada um de seusprincipais textos, Damisch enfoca um elementopictórico diferente para demonstrar como talelemento, na história da arte ocidental (às vezes,oriental), foi desenvolvido para cativar –literalmente – o olhar do espectador. Essainteração particular entre questões filosóficas erespostas de cunho histórico só pode sermostrada na prática – e seus lances, naelaboração concreta de Damisch sobre cadauma. Dentro desse cenário descreverei esseslances em Teoria da /nuvem/, A origem daPerspectiva e O julgamento de Páris. Diferente deseus colegas historiadores da arte, nesses trêstextos principais Damisch desenvolve umaepistemologia do incognoscível, uma teoriavisual da subjetividade e, finalmente, faz o queo próprio Freud não ousou – criar umapsicanálise da estética. Embora o faça comgrande nuança e complexidade, espero aquipoder delinear brevemente o essencial, senãouma versão simplificada dos argumentos portrás de seus lances.

Em Teoria da /nuvem/ Damisch desenvolve umahistória da pintura renascentista e barroca baseadaem um significante que, repetidas vezes ao longoda história, ocupa um lugar modesto,imperceptível e ao mesmo tempo crucial nessamesma história: a /nuvem/. Ele concebe umperíodo estilístico tal como o Renascimento comoum sistema pictórico ou linguagem com suaspróprias regras semânticas e gramaticais.. Aspinturas renascentistas, então, reprimem asuperfície pictórica no sentido matérico para abriruma ilusão de profundidade. Ao contrário, na artebizantina e medieval a materialidade do planopictórico desempenha um papel fundamental. Adefinição de um céu não ilusionista produzidopela fisicalidade da folha de ouro aplicada sobreum suporte de madeira na pintura bizantina éuma boa ilustração desse princípio.

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Damisch coloca o significante nuvem entrebarras para indicar que está lidando com nuvensenquanto signos (em vez de elementos realistas)que adquirem diferentes significados emdiferentes contextos pictóricos. A /nuvem/ocupa, repetidamente, um lugar desconfortáveldentro de tais sistemas pictóricos. Ela nunca temuma função ou significado imanente, mas sórecebe um nas relações de oposição esubstituição que a /nuvem/ mantém com outroselementos do mesmo sistema pictórico. A/nuvem/ sempre abre outra dimensão alémdaquela inicialmente prescrita dentro do sistemaa que pertence. Logo, a /nuvem/ semprefunciona como uma espécie de dobradiça; comouma dobradiça “em relação ao céu e à terra,entre aqui e lá, entre um mundo que obedeceàs próprias leis e um espaço divino que nãopode ser conhecido por nenhuma ciência”.7 A/nuvem/ possui, então, um valor que é mais doque simplesmente pitoresco e decorativo.

Em primeiro lugar, a /nuvem/ desempenha essepapel especial simbolicamente (iconográfica,tematicamente). Uma coluna ou uma espiral denuvens pode referir-se à presença de Javé queguia seu povo pelos desertos do Egito rumo àterra de Israel. Mas na tela Visão do abençoadoAlonso Rodríguez, de Zurbarán, as nuvens querodeiam o Cristo, Maria e os anjos na partesuperior da obra indicam que essa imagem deveser lida como uma representação da visão deAlonso Rodríguez, o qual é pintado na parteinferior da obra. De maneira simbólica, a/nuvem/ nessa pintura dá acesso a uma novadimensão além daquela evocada pictoricamenteà primeira vista. Em A ressurreição do Cristo, deMantegna, as nuvens indicam o eventomilagroso da ressurreição, enquanto as nuvensdo afresco de Giotto na Basílica de Assismostram que São Francisco está representadoem êxtase divino.

No famoso livro Iconologia, de Cesare Ripa, aalegoria da beleza apresenta nuvens de maneiracompletamente diferente. Nesse caso elas nãosão divinas ou milagrosas, mas se dirigem aoproblema daquilo que é precisamenterepresentável. O livro de Ripa fornece figurasalegóricas para uma grande variedade de idéias efenômenos. De certo modo, as possibilidadesde representação alegórica são infinitas, poisuma alegoria não tem de ser necessariamentemotivada por seu referente. Um códigoalegórico é arbitrário e artificial. No entanto,quando Ripa tenta transmitir uma noção debeleza na forma de uma alegoria, as

possibilidades dessa alegoria falham. Vemos umamulher nua, mas com sua cabeçadesaparecendo nas nuvens. Nada é mais difícilde compreender para a inteligência humana doque a Beleza. Ela é divina, e isso explica por queé impossível representá-la na linguagem dosseres mortais. Então, em Ripa, a /nuvem/exerce uma função teórica que indica os limitesda representação e do representável.

A função-“chave” das nuvens na pintura de tetode Mantegna no palácio do Duque de Mântuaou na pintura A visão de São João de Patmos, deCorreggio, no domo da Igreja de San GiovanniEvangelista em Parma não recai sobre o domíniosimbólico ou teórico, mas deve ser vista comopictórica. Ambas as pinturas de teto mostramvisões do firmamento: um espaço infinito queestá repleto de nuvens. A ilusão de infinidade foiaqui estabelecida pelo recurso perspectivo dalsotto in sù, ou seja, sem a representação dohorizonte. Olhamos diretamente para cima noar. Como será possível que as nuvens quebloqueiam a visão do céu aberto sejam capazesde evocar a ilusão da infinidade?

Um espaço infinito como tal não é nada esignifica o vazio. Paradoxalmente, o espaço

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pintado só pode ser indicado com seupreenchimento com corpos. A função pictóricados corpos consistiria em seu poder de evocardiferencialmente o vazio e a infinidade. Masnuvens não são corpos físicos. São corpos semcontornos definidos, sem superfície e semsubstância concreta. A partir dessa perspectiva,as nuvens ocupam uma posição entre umarealidade terrena concreta e o vazio, a infinidadee a abstração do céu. Nos casos de Correggio eMantegna essa posição intermediária não é maisarticulada simbolicamente, mas de formapuramente visual. As qualidades visuais emateriais das nuvens permitem que a /nuvem/desempenhe essa função pictórica. Damischressalta o fato de que a mesma Igreja Cristã queencomenda a Correggio uma pintura de céusinfinitos nas igrejas, pouco tempo depois baneGalileu pela descoberta de uma novacosmologia que justamente abriria os céus aodeslocar a Terra de seu centro. Embora a Igrejaconsiderasse pagã a matemática que criou essenovo cosmo, o mesmo já apresentava umainfluência visual na religião cristã sob forma deimagens pictóricas específicas.

A análise de pinturas segundo Damisch, em queo campo pictórico se ordena a partir dosprincípios da perspectiva linear, com base na/nuvem/, é altamente original. Seu ponto departida está na famosa demonstração sobre aperspectiva realizada por Brunelleschi no iníciodo século 15. Depois de pintar uma imagem dobatistério em Florença em um pequeno painelde madeira, Brunelleschi fez um pequenoorifício de observação no painel. Em seguida,desenvolveu um mecanismo para olhar aimagem. O espectador teria que posicionar overso do painel diretamente na frente do rostoe olhar pelo buraco. Ele teria de segurar umespelho à distância de seu braço. A imagem dobatistério refletida no espelho ia, assim, deencontro aos princípios da teoria da perspectivalinear, pois dessa maneira o ponto de fuga e oponto do olhar são geometricamente sinônimos.Esta demonstração ainda mostra bem como arepresentação em perspectiva diz respeito a doisplanos construídos: o plano do espectador,parado e monocular, e aquele de umaconfiguração de objetos e corpos.8

É significativo que Brunelleschi não tenha pintadoo céu sobre o batistério; ele o executou emfolha de prata. Essa prata refletia as nuvens reaissobre a cabeça do espectador no momento emque ele olhava através do aparato. Isso indicava

que a perspectiva era entendida como umaestrutura ou arquitetura que só poderiaapreender espaços e corpos delimitados comcontornos nítidos. O céu e as nuvens, por outrolado, não poderiam ser analisados pela ordemda perspectiva justamente por sua falta decontornos e de superfície definidos. Mas quandoBrunelleschi espelha as nuvens, esse artifíciorepresenta mais do que um simples subterfúgiopara o problema causado pela perspectiva linear.Nas palavras de Damisch:

[[oo aarrttiiffíícciioo]] ppoossssuuii oo vvaalloorr ddee uumm eemmbblleemmaaeeppiisstteemmoollóóggiiccoo ((......)) aa ppoonnttoo ddee rreevveellaarr aasslliimmiittaaççõõeess ddoo ccóóddiiggoo ppeerrssppeeccttiivvoo ppaarraa ooqquuaall aa ddeemmoonnssttrraaççããoo ffoorrnneeccee uummaa tteeoorriiaaccoommpplleettaa.. AA ppeerrssppeeccttiivvaa aappaarreeccee ccoommoouummaa eessttrruuttuurraa ddee eexxcclluussõõeess ccuujjaa ccooeerrêênncciiaaéé ffuunnddaaddaa ssoobbrree uummaa sséérriiee ddee nneeggaaççõõeessqquuee ddeevveemm,, ttooddaavviiaa,, ccoonnssttrruuiirr uumm lluuggaarr ((......))ppaarraa ttuuddoo aaqquuiilloo qquuee eexxcclluuii ddee ssuuaa oorrddeemm..9

Quando Brunelleschi decide incluir nuvens emsua demonstração, parece querer dizer que aordem arquitetônica da perspectiva não era ummeio capaz de fornecer possibilidades ilimitadasàs aspirações científicas do pintor. Ao contrário,a perspectiva era vista como uma técnicafundamentalmente condicionada pelo informe,o não formado, que não pode ser conhecidoou representado. Nas palavras de RosalindKrauss: “Se o /arquitetônico/ simboliza aextensão do “conhecimento” do artista, a/nuvem/ opera como uma falta no centrodesse conhecimento”.10

Declarei anteriormente que o trabalho deDamisch sempre foi norteado pela pergunta:“que qualidades e elementos pictóricos nosatraem e nos seduzem no olhar para a arte?”Em Teoria da /nuvem/ a resposta está na/nuvem/. Por meio da /nuvem/ temos acessoaos domínios que não são visualmenterepresentáveis: o divino, o não conhecível, onão formado. A atração das obras de arte agorase compõe de uma espécie de epistemologiavisual: elas têm o poder de tornar presente tudoaquilo que escapa a nosso poder cognitivo.

A demonstração de Brunelleschi dos princípiosda perspectiva também desempenha um papelimportante no livro seguinte de Damisch. Essepapel, no entanto, é diferente do que o título Aorigem da perspectiva parece sugeririnicialmente. Damisch não está de fatointeressado em traçar a origem histórica daperspectiva mesmo que, ao longo de muitas

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páginas, ele se concentre sobre o momentohistórico que a história da arte normalmenteconsidera o nascimento da perspectiva, ou seja,a demonstração de Brunelleschi. Em seuargumento, as assim chamadas três perspectivasde "Urbino" ocupam uma posição central comoos exemplos primeiros e perfeitos daapresentação do espaço em perspectiva. O maisconhecido deles é A cidade ideal, o único querealmente se encontra em Urbino. Mas a“origem” no título de Damisch deve serentendida em um sentido espacial. Damisch estáinteressado no estatuto preciso do ponto deorigem, o sujeito, a partir do qual a perspectivase ordena. A demonstração de Brunelleschifunciona agora dentro de uma problemáticabastante diferente da Teoria da /nuvem/: os lancesque Damisch faz em relação a Brunelleschipossuem uma natureza distinta e são ativadosdentro de outro “jogo” filosófico. De um pontode vista estritamente histórico, um uso tão pluralde um determinado momento históricodificilmente pode ser legitimado.

Um estudo sobre a perspectiva não pode evitaruma reflexão sobre o ensaio “A perspectivacomo forma simbólica”, de Panofsky (1924).11

Damisch, do mesmo modo, também conduzuma crítica intensa sobre ele. O texto dá umbom ponto de partida para uma discussão sobreo status atribuído à perspectiva por Damisch. Aoentender a perspectiva como um exemplo doconceito da “forma simbólica” segundo ErnstCassirer, Panofsky sugere que para ele aperspectiva faz parte de “uma estruturacaracterística e independente, que não realizaseu valor a partir de uma existênciatranscendental e externa que se encontra nelaespelhada de alguma forma. O que dásignificado a uma forma simbólica é que elaconstrói um mundo de significados contido emsi mesmo, particular e independente, conformea uma lei formativa própria”.12 Damisch provaconvincentemente que Panofsky, no entanto,não faz justiça ao conceito de forma simbólicade Cassirer. Até seus extensos comentáriospsicofisiológicos o contradizem. Ao renaturalizara perspectiva, Panofsky indica, implicitamente,que para ele a imagem na retina é a últimapedra de toque da construção da perspectiva.Para ele a perspectiva é, ao contrário, umaforma realista ou naturalista e só é simbólica namedida em que se torna a forma simbólica porexcelência da Renascença italiana. Mas o usohistoricizante do termo de Cassirer esvaziou seuargumento de toda agudez teórica e crítica. Já

Damisch interpreta Cassirer mais à la lettre. Elelida com a perspectiva como um paradigmagovernado em sua operação regulada pordeterminações e limitações de uma ordemestrutural que, como tal, são completamenteindependentes de uma cultura humanista e deuma contingência histórica.13

Antes de expor sua própria visão, Damisch temque eliminar alguns mal-entendidos sobre aperspectiva. Segundo ele, por exemplo, aimportância da perspectiva na história cultural éextremamente sobreestimada. A perspectiva émuitas vezes considerada uma das maiorescontribuições do Renascimento – não só um deseus produtos mais importantes, mas tambémuma determinação fundamental do modo depensar e olhar o “homem do Renascimento”.No entanto, Damisch aponta para a quantidaderelativamente pequena de pinturas renascentistasfeitas de acordo com os princípios daperspectiva. Sua influência sobre o homem doRenascimento não pode ter sido tão abrangenteassim. Somente agora, no século 20, estamosrodeados de construções perspectivas, resultadodas tecnologias da imagem como a fotografia, ofilme e o vídeo que organizam nosso domíniovisual pelo uso automático da perspectiva linear.Mas o evolucionismo histórico que ainda édominante na história da cultura e da arte excluia possibilidade de prestar atenção acontingências históricas. A ubiqüidade daperspectiva nos dias de hoje só pode sercompreendida, paradoxalmente, sob os vestígiosarcaicos da Renascença.

A importância da invenção da perspectiva ésobreestimada não apenas na história da cultura,mas também na história da arte. Para Vasari, aperspectiva era apenas uma “técnica simples” epossuía um valor prático, pois permitia ao pintorproduzir efeitos espaciais surpreendentes. Emrealidade, na Renascença a perspectiva tinhaconseqüências mais importantes para amatemática e a geometria do que para a arte. ARenascença é comumente caracterizada pelafluidez das fronteiras entre diferentes áreas doconhecimento, da ciência e da arte. Assim, apintura poderia ser utilizada para demonstraruma invenção científica. Mas a perspectiva nãofoi projetada como uma técnica para imitar ourepresentar a visão humana, pois sendo assim aperspectiva adquiriria, também, uma importânciateórica para a arte da Renascença. A perspectivasó foi efetivamente inventada enquanto meio deapresentar o campo visual.

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Entretanto, se Damisch relativiza a importânciageralmente dada à perspectiva, não procede aidéia de que a perspectiva seja para ele umfenômeno negligenciável. Pelo contrário. Eleatribui à perspectiva uma importância ainda maisfundamental do que ela jamais teria tido atéentão. Ela não está mais confinada na históriacultural ou da arte. Damisch enxerga a estruturada perspectiva como equivalente à estrutura deuma expressão na linguagem. Isso deixa implícitoque deve existir um sujeito que diz o enunciadoe um interlocutor a quem o enunciado se dirige.

A maneira como Damisch compreende aestrutura de uma enunciação é determinadapela teoria lingüística de Emile Benveniste e pelateoria psicanalítica de Jacques Lacan. Para ambosos teóricos a expressão na linguagem não possuiapenas um significado referencial ou descritivo:ela é acima de tudo importante enquanto umaestrutura que compõe a subjetividade. Essacapacidade da linguagem é inevitável no casodos pronomes pessoais e demonstrativos,expressões que não possuem um referente fixoe são chamadas deíticas pois só recebem umsignificado no momento em que são utilizadas.Os pronomes pessoais “eu” e “tu”, porexemplo, referem-se a uma pessoa diferente acada vez que são utilizados por uma pessoadiferente. Mas ao utilizar a expressão “eu”, ofalante estabelece sua subjetividade, pois esse seapresenta como um “ponto” a quem outrapessoa pode dirigir-se como “tu”. Uma segundapessoa é crucial, porque só essa segunda pessoapode reconhecer a subjetividade da primeirapessoa. Se esse momento de “interpelação” nãoacontece, o /eu/ ainda não possui qualquersignificado ou subjetividade.

Por causa da capacidade da linguagem emproduzir subjetividade Benveniste assume que aessência da linguagem é composta de deixis emvez de referência. Para Lacan, uma idéia similartambém é verdadeira. Ele não enfoca a situaçãodialógica entre um “eu” e um “tu”, mas umasubjetividade que surge ao ser interpelada pelaordem simbólica. Essa ordem simbólica consisteno mundo da linguagem e da representação,assim como das leis e regras da cultura. ParaLacan, uma subjetividade integrada e unificadasó aparece quando há contato com a ordemsimbólica, porque é ela quem fornece asestruturas e diferenças que podem dar“forma” ao sujeito.

No caso da perspectiva, a relação entre ordemsimbólica e subjetividade toma forma espacial e

visualmente. O sujeito vê sua origem refletida nosistema de representação. Enquanto na históriada arte o espectador das construçõesperspectivas geralmente é consideradodominador do campo visual que se abre diantedele, na concepção de Damisch essa relação depoder é invertida. O espectador depende dasconstruções perspectivas para obter a ilusão desua subjetividade unificada. Essa dependênciatambém explica a atração das construçõesperspectivas para os espectadores. Diante deuma pintura em perspectiva, o espectador é“unificado”. Um significado mais profundo daperspectiva seria, então, existencial ou filosóficoem vez de meramente (arte)-histórico.

Damisch não apenas expõe sua visão daperspectiva; ele também a demonstra por suamaneira de escrever. A terceira parte do livro éescrita na primeira pessoa; essa primeirapessoa dirige-se explicitamente a uma segunda,um “tu”. Ao fazê-lo, Damisch invoca a tradiçãodos diálogos socráticos. A segunda pessoa emseu texto não é o leitor do texto, no sentidoem que você é o leitor de meu texto; asegunda pessoa é o assunto ou “tema” de seulivro. Do mesmo modo pelo qual o espectadoré dirigido para a frente de uma pintura emperspectiva, Damisch não só fala sobre aperspectiva, mas inicia um diálogo com ela. Eleinicia essa conversa com os tratados históricossobre a perspectiva.

Ao utilizar essa impressionante estruturaretórica, Damisch indica, de modo teatral, queuma pintura em perspectiva não pode sercomparada a um texto escrito na terceira pessoaque proporciona informações desinteressadassobre um objeto. A estrutura das trêsperspectivas de Urbino, por exemplo, não temnada em comum com um atlas ou um guiaturístico. A ilusão de maestria e de propriedadedo campo visual fornecida por uma pintura emperspectiva é um efeito da posição doespectador: o espectador aparentemente nãotem nenhuma posição na constelação daperspectiva. A imagem se apresenta como umtexto em terceira pessoa no qual não há lugarpara um “eu” ou um “tu”. Mas é exatamenteesse “eu” implícito que define a estrutura daperspectiva. O ponto de vista é criado pelaslinhas da perspectiva na frente da pintura. Édevido à invisibilidade e à natureza implícita daestrutura eu-tu que o “eu”, ou seja, oespectador, pode espelhar-se na ilusão deobjetividade e coerência dada por umaperspectiva-como-aparente-texto-em-

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terceira-pessoa.14

As obras de Damisch inter-relacionam-se devárias maneiras. As demonstrações deBrunelleschi ligam Teoria da /nuvem/ a A origemda perspectiva. A alegoria da beleza de Ripaliga o primeiro livro de Damisch, Teoria da/nuvem/, a O julgamento de Páris. De acordocom Ripa é tão difícil olhar ou pintar a belezaporque a luz que a envolve nos cega. Eleformulou a impossibilidade de ver a beleza naimagem de uma mulher nua com a cabeçacoberta por nuvens. Em seu tratado sobrenuvens, Damisch também se interessouespecialmente pelo uso das nuvens comotransmissoras da idéia de que a beleza nãopode ser conhecida ou representável. Em Ojulgamento de Páris, as alegorias de Ripaaparecem dentro de um complexo dereflexões de natureza distinta. Dessa vez osmovimentos de Damisch dizem respeito àessência da beleza e àquilo que permaneceescondido ou reprimido quando a vemos.

Em O julgamento de Páris, Damisch ponderadetalhadamente sobre a qualidade que paramuitos é sinônimo da arte: a beleza. Mas o queé a beleza e que papel ela desempenha no quediz respeito à arte? Essa questão parece aomesmo tempo fundamental e tambémimpossível de responder. Julgamosconstantemente a beleza de algo – se umobjeto a tem ou não, ou em que grau –, algoconhecido na filosofia como julgamento estético.Mas quando queremos saber em que consisteprecisamente a beleza, é difícil obter respostasubstancial. Essa é a verdadeira problemática àqual Damisch dedica um livro inteiro.

Seu enfoque na discussão do problema éaltamente imprevisível. Damisch confronta asidéias de beleza de dois pensadores: admite-seque o primeiro tem pouco ou quase nada adizer sobre a beleza; o segundo colocou ojulgamento estético como tema central deuma de suas obras mais importantes. Essesdois pensadores são Sigmund Freud eImmanuel Kant. Embora Freud tenha afirmadoque a psicanálise é impotente em dizer algosobre a idéia de beleza, suas concisasobservações permitem a Damisch ler Kant demaneira “diferente”.

O texto em que Freud se expressou maisdiretamente sobre a beleza é O mal-estar dacivilização. Duas observações suas quedescrevem a beleza como algo paradoxal

exerceram papel crucial nos lances daargumentação de Damisch. Segundo Freud, “abeleza não tem nenhum uso óbvio, e nem háuma clara necessidade cultural para ela. Noentanto, a civilização não poderia ficar semela”.15 Algumas páginas adiante ele faz a seguinteobservação: “‘beleza’ e ‘charme’ sãooriginalmente atributos do objeto sexual. Valeressaltar que as próprias genitálias, cuja visão ésempre excitante, são raramente julgadas belas –a qualidade de beleza, então, parece atrelar-se aalguns caracteres sexuais secundários”.16 AquiFreud entra em conflito com a possível relaçãoentre a receptividade à beleza, isto é, a emoçãoestética, e a excitação sexual. Essas duasemoções parecem estar intimamente ligadas,assim como ser mutuamente exclusivas.

A história da arte ocidental parece confirmar asobservações de Freud. A representação deórgãos genitais na pintura ou escultura quasesempre foi considerada indecorosa. Para queuma pintura fosse julgada “bela”, arepresentação dos órgãos genitais teria que serevitada. De qualquer modo é difícil resistir àtentação, como Damisch aponta, de pesquisarobras de arte precisamente por causa da visãodas genitálias.

Em seu Três ensaios sobre a teoria dasexualidade, Freud faz outra observação sobre arelação entre a arte e a genitália que põe emperspectiva a relação entre uma noção (maior)de beleza e a excitação sexual:

OO vveellaammeennttoo pprrooggrreessssiivvoo ddoo ccoorrppoo qquueemmaarrggeeiiaa aa cciivviilliizzaaççããoo mmaannttéémm aaccuurriioossiiddaaddee sseexxuuaall ddeessppeerrttaa.. EEssssaaccuurriioossiiddaaddee bbuussccaa ccoommpplleettaarr oo oobbjjeettoosseexxuuaall aaoo rreevveellaarr ssuuaass ppaarrtteess eessccoonnddiiddaass..EEllaa ppooddee,, nnoo eennttaannttoo,, sseerr ssuubblliimmaaddaa nnaaddiirreeççããoo ddaa aarrttee,, ccoommoo ssee oo sseeuu iinntteerreesssseeppuuddeessssee sseerr ddeessllooccaaddoo ddooss óórrggããooss ggeenniittaaiissàà ffoorrmmaa ddoo ccoorrppoo ccoommoo uumm ttooddoo..17

Com base nessa citação Damisch levanta apossibilidade de que a beleza (definindo a arte)seja de alguma forma derivada do objeto dedesejo sexual. Essa afirmação é contraposta porum texto tido como o mais significativo nacultura ocidental sobre o julgamento da beleza,A crítica do juízo, de Kant, de 1790. A noçãokantiana de “gosto”, definido como o poder dejulgar se algo é belo ou não, pressupõe umobservador imparcial, um absoluto desinteresseda parte da pessoa que faz o julgamento

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estético. É exatamente essa condição do“gosto” que proíbe a representação de órgãossexuais. Dada a excitação sexual causada pelavisão das genitálias, o desinteresse doespectador é posto em risco, e seu juízo,anulado. Isso explica o fato de só podermosfalar sobre a beleza depois da possibilidade dea excitação sexual ser deslocada ou reprimida.Essa é a razão pela qual as genitálias nãopodem estar presentes na “arte bela”.

A noção de beleza não pode ser aplicada àsgenitálias porque, segundo Damisch, a beleza éentendida em termos da forma, ao passo que asgenitálias pertencem ao mundo do informe. Issonão significa que uma bela forma seja substitutopara órgãos genitais informes. O conceitopsicanalítico da sublimação requer oreconhecimento do fato de que a soberania donão formado continua a desempenhar seu papelcomo um tipo de subcorrente do domínio daforma, ou seja, da beleza.

Contudo, Damisch consegue apontar comprecisão aquelas passagens específicas em queKant faz essas implicações inconscientemente.Em Observações sobre o sentimento do belo e dosublime, escrito 26 anos antes de Crítica do juízo,a diferença sexual tem papel marcante. Kantafirma que as qualidades do sexo femininopodem ser associadas às qualidades do belo,enquanto as do sexo masculino podem serentendidas em termos do sublime. As questõesque vêm à mente agora são: se para Kant ojulgamento sobre a beleza de uma mulher éuma questão de “gosto”, corresponde a umjulgamento estético desinteressado?

Mas o próprio Kant propõe uma questão similarem Crítica. Ele pergunta: “O que pensamosquando se diz “esta é uma bela mulher”? Essaquestão cria um problema para sua filosofia dejulgamentos estéticos, pois sua noção dejulgamento estético só pode ser aplicada à arte,e não à natureza. Sua justificativa é a seguinte:no caso de uma bela mulher, “podemos entãojulgar a natureza não mais como ela aparece naarte, mas na medida em que ela é arte (mesmoque uma arte super-humana)”.18 Enquanto Kantfez de tudo para reservar os julgamentosestéticos à arte, naquele momento em particularo desejo sexual, que tinha que ser reprimidopara alcançar esse objetivo, retorna. A soluçãode Kant para promover a mulher ao status dearte divina, de modo a salvar sua filosofia sobrejulgamento estético é, em última instância,insatisfatória. É por isso que, inspirado pelas

colocações sucintas de Freud e, mais adiante,pelo conto de Balzac “Le chef d'oeuvre inconnu”(A obra-prima desconhecida), Damisch concluique de uma forma ou de outra “há, de algumamaneira, uma mulher ali atrás”. Em outraspalavras, para Damisch cada julgamentoestético possui uma conotação ou umasubcorrente de desejo sexual.

No resto do livro Damisch mostra que o mitoda origem sobre o julgamento estético, a lendagrega sobre o julgamento de Páris e suarepresentação na história da arte ocidental, nãotem como evitar transmitir precisamente isto [aconotação de desejo sexual presente nojulgamento estético] para o espectador e oleitor. Páris, o desafortunado príncipe/pastor, foiescolhido para indicar qual das deusas era a maisbonita: Hera (Juno), Atena (Minerva) ou Afrodite(Vênus). Páris escolhe Afrodite, ao dar-lhe opomo dourado. Em troca, recebe a mortalHelena como recompensa, o quedesencadeia a guerra de Tróia e a destruiçãode toda uma civilização.

Seria aceitável, então, fazer a leitura de um mitogrego e a sua representação na arte ocidentalexclusivamente a partir da perspectiva de Crítica,de Kant, e de Civilização, de Freud? Não seriaanacrônico? Damisch responderia que,baseando-se na obra de Aby Warburg, o mitogrego, sua representação na arte, assim comoos textos de Kant e Freud, todos fazem parte domesmo complexo mítico. Esse é um de seuslances estruturalistas mais cruciais. Isso não querdizer que todos podem ser reduzidos aomesmo significado, mas que só podem sercompreendidos em estreita conexão entre si.Esse é um bom exemplo do ponto de partidametodológico de Damisch: se quisermos saber adimensão histórica de um produto cultural,temos que decidir antes a que história elepertence. Para Damisch o mito grego, Freud,Kant e também as pinturas do julgamento dePáris por Rubens, Cranach ou Watteau, e atémesmo o Déjeuner sur l'Herbe, de Manet, e asvariações de Cézanne ou Picasso só podemser entendidos de uma maneira significativaconsiderando-os como manifestaçõesespecíficas da tensão entre o julgamentoestético e o desejo sexual.

Quando vemos Kant, Freud e o mito gregodentro da mesma estrutura, o mito grego nosconfronta com o seguinte problema – comoseria possível, isto é, com base em qual

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repressão, Damisch pergunta, a civilizaçãoocidental designou para si uma origem mítica,que à primeira vista parece ser a história de umjulgamento estético falho. Ele é falho porquefalsifica a premissa sobre a qual a cultura pareceestar baseada, a saber, a repressão do desejosexual. Enquanto Hera representa Soberania epromete a Páris o Poder como recompensa, eAtena representa Força e o apresenta a Vitória,Páris escolhe Afrodite, a deusa do Amor e daFertilidade que o recompensa com uma Mulher.Parece que Páris não escolheu Afrodite como adeusa mais bela, mas foi encantado por ela. Noentanto, se afirmamos que Páris se apaixona porAfrodite, isto implica que o mito sobre oprimeiro julgamento estético seja também ummito sobre o primeiro pecado, e como tal, adificuldade de distinguir Páris de Adão. Não éinsignificante o fato de a maçã exercer papelfundamental em ambos os mitos.

Com base em mitos indo-europeus maisantigos, Damisch argumenta que o julgamentode Páris não deve ser lido como um mito sobrediferenças entre graus de beleza ou um juízoerrôneo. O mito, em vez disso, dirige-se àquestão da essência na beleza. Ao escolherAfrodite como a beleza suprema, o mito é umaafirmação sobre a natureza da beleza e suarelação com o desejo e o julgamento sobreambos. A beleza não pode ser entendida emtermos da soberania e sabedoria de Hera ou daforça de Atena. A beleza, por outro lado, deveser entendida na tensão entre a forma e o nãoformado ativados pelo amor e pelo desejosexual. O mito afirma, de fato, que umjulgamento estético desinteressado à la Kant éuma impossibilidade. Do ponto de vista de umatal leitura do mito grego, é compreensível que ojulgamento de Páris funcione como um mito daorigem na civilização ocidental.

Damisch alicerça-se sobre uma grandediversidade de pinturas, desenhos e gravuraspara apresentar esse argumento. Cadarepresentação ocupa uma posição diferente nahistória das reflexões sobre o julgamentoestético. Uma pintura em particular, no entanto,é claramente a preferida, pois representa maisaberta e precisamente o deslocamento e arepressão da sexualidade como uma fase queantecede o julgamento estético: trata-se doesboço a óleo do julgamento de Páris feito porAntoine Watteau que está na coleção doLouvre. Vemos Páris representado no momentoem que ele oferece o pomo dourado a Afrodite.

A deusa está nua, comode costume. Hera eAtena, ao contrário,estão inteiramentecobertas. A primeirapode ser reconhecidapela presença do pavão,seu atributoconvencional. Atenasegura seu escudo, quefunciona como umespelho para Afrodite.Mas o maissurpreendente é aposição de Afrodite. Sede costume a vemossempre frontalmente,agora nós a vemos decostas. Seu rosto e seiosnão podem ser vistospor Paris, porque ela oscobre com um véu. Massua genitália está expostapara ele. Não podemosver a genitália deAfrodite, mas, em vezdisso, a cabeça daMedusa no escudo deAtena nos confronta –sua cabeça deve ser vistacomo um deslocamentoda visão da genitália daVênus. O deslocamentodo julgamento de Páris nessa pintura éliteralmente “um deslocamento dos órgãossexuais (que não participaram nodesenvolvimento das formas humanas emdireção à beleza) a uma característica sexualsecundária; um deslocamento dos órgãosgenitais para o rosto; um deslocamento do nãoformado para o formado, mas também da formaao parergon, ‘o suplemento’ que torna possívelconceituar a forma em sua própria diferença”.19

Mediante rigorosa análise do conceito de belezana filosofia e na psicanálise, e uma consideraçãodo motivo da beleza na arte e mitologiaocidental, Damisch obtém êxito novamente aoformular mais um aspecto da arte que a tornaatraente. Como em Teoria da /nuvem/ e A origemda perspectiva, ele lida novamente com oproblema fundamental da filosofia da cultura. EmTeoria da /nuvem/ ele mostrou que pinturas de“nuvens” têm a capacidade paradoxal depermitir, pictoricamente, uma visão sobredomínios que não são visualmente

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representáveis. Ele então desenvolve umaepistemologia do incognoscível. Em A origem daperspectiva ele analisa a capacidade das pinturasperspectivas de confirmar a ilusão precária deautonomia do espectador que constitui a baseda subjetividade. Em O julgamento de Páris,Damisch demonstra como a beleza da arte,apesar da opinião de Kant sobre o tema, atrai oespectador somaticamente para dentro doprocesso de observá-la e, dessa vez, ofereceuma estética psicanalítica. As três construçõesteóricas que ele assim apresenta, movendo-seatravés da arte, delineiam as regras de interaçãodas quais a cultura é feita. Elas regulam três dosdomínios mais fundamentais da cultura:cognoscibilidade, subjetividade e desejo.20

Ernst van Alphen é professor de Estudos Literários naUniversidade de Leiden (Holanda). Até 2005 foi professorRainha Beatrix de Estudos Holandeses, assim como professorde Retórica na Universidade de Berkeley, Califórnia. Esse textofoi publicado originalmente no catálogo da exposição Moves:Schaken em kaarten met het museum / Playing Chess andCards with the Museum, no Museum Boijmans VanBeuningen, em Rotterdam, em 1997, com curadoria deHubert Damisch.

Tradução: Isabel Löfgren

Revisão técnica: Guilherme Bueno e GlóriaFerreira

NNoottaass

1 Leonardo da Vinci. Tratado sobre a pintura, traduzido eanotado por A. Philip McMahon, Princeton UniversityPress, Princeton NJ 1956: 51.

2 Svetlana Alpers and Michael Baxandall, Tiepolo and the

Pictorial Intelligence, Yale University Press, NewHaven, 1994.

3 Tradução da citação de Théorie du /nuage/: 143, naresenha de Christopher Wood em Art Bulletin, vol. 77n.4, 1995: 680.

4 Damisch, Hubert, John Goodman (trad.). The Origin of

Perspective. Cambridge: MIT Press, 1995: XIX. Reediçãofrancesa: L’Origine de la Perspective. Paris: Flammarion,1993: 14. (n. t.)

5 O autor do ensaio fará uso ao longo de todo o texto deum jogo com a palavra “subject”, que pode sertraduzida tanto como “sujeito” quanto “tema”. Aquioptamos por “tema”, conforme o cotejo com a versãoem holandês (“onderwerp”) presente no mesmocatálogo. Em outras ocasiões, conforme o contexto,adotamos “sujeito”. (n. t.)

6 Damisch, 1995, op. cit.: 444.

7 Damisch, Hubert. Théorie du /nuage/. Pour une histoire de la

peinture. Paris: Éditions du Seuil, 1972: 147.

8 Essa frase possui duas variações em seu final, conforme asversões publicadas no catálogo. Em inglês: “Thisdemonstration also shows well that perspectivalrepresentation concern two constructed planes: theplane of the viewer, stationary, mono-ocular, and that ofthe display” (p. 107). Em holandês: “Deze demonstratielaat goed zien dat perspectivische representatie tweegeconstrueerde vlakken betreft: dat van de kijker,stilstaand en monoculair, en dat van een configuartie vanobjecten of lichamen” (p.46). (n. t.)

9 Damisch, 1995, op. cit.: 171.

10 Rosalind Krauss. "Agnes Martin: The /Cloud/" in: M.Catherine de Zegher (ed.). Inside the Visible: An Elliptical

Traverse of the 20th century Art, in, of, and from the

Feminine, Cambridge: Mit Press, 1996: 335.

11 Erwin Panofsky. “Die Perspective als ‘symbolische Form’”. InVortrage des Bibliothek Warburg, 1924-25, Leipzig-Berlin,1927: 258-330; reimpresso em Erwin Panofsky, Aufsätze

zu Grundfragen des Kunstwissenschaft, Berlin, 1964: 94-117. Tradução inglesa de Chistopher Wood, Perspective

as Symbolic Form, New York, 1991.

12 Ernst Cassirer. Philosophie der symbolischen Formen, vol. I,Die Sprache, Berlin, 1923; vol. 2, Der Mythos, 1925; vol.3, Phänomenologie des Erkenntnis, 1929; tradução inglesade Ralph Mannheim, The Philosophy of Symbolic Forms,New Haven, 1955-57: 383.

13 Damisch, 1995, op. cit.: 19-20.

14 Ver uma análise da relação entre o modo retórico de escritade Damisch e sua visão sobre a perspectiva: Mieke Bal.“First Person, Second Person, Second Person, SamePerson,” em seu livro Double Exposures:The Subject of

Cultural Analysis, New York: Routledge, 1996: 165-194.Ver também: Dana Polan. “History in PerspectivemPerspective in History. A Commentary on L’origine de la

perspective by Hubert Damisch” in: Camera Obscura 24,September 1990: 89-97.

15 The Standard Edition of the Complete Psichological Worksof Sigmund Freud. London: The Hogarth Press, 1953-73, vol. 21: 82. (edição brasileira: Freud, Sigmund. Omal-estar da civilização. In: Edição Standard Brasileira das

Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio deJaneiro: Imago, 2006, volume XXI).

16 Ibid. Vol. 21: 83.

17 Ibid. Vol. 7: 148. (edição brasileira: Três Ensaios sobre aSexualidade. In: Freud, op. cit., v.7).

18 Immanuel Kant. Critique of Judgment, translated by WernerS. Pluhar, Indianapolis: Hacket Publishing Company,1987: 179-180 (edição brasileira: Kant, Immanuel. Crítica

da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1995).

19 Damisch, H. The Judgment of Paris. Chicago: The Universityof Chicago Press, 1996: 309.

20 Escrevi essa introdução às obras de Damisch durante minhaestada na Society for the Humanities na CornellUniversity. Agradeço profundamente à Cornell Universityo convite. Gostaria de também agradecer oscomentários de Nanette Salomon nesse ensaio.

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