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7/13/2019 Lendas Do Bom Rabi - MalbaTahan http://slidepdf.com/reader/full/lendas-do-bom-rabi-malbatahan 1/296

Lendas Do Bom Rabi - MalbaTahan

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Lendas de sabedoria judaica.

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  • Obrasdoautor

    AventurasdoreiBaribAcaixadofuturo

    CudeAlOHomemqueCalculavaLendasdocuedaterra

    LendasdodesertoLendasdoosis

    LendasdobomrabiOlivrodeAladim

    Maktub!Matemticadivertidaecuriosa

    OsmelhorescontosMeuaneldesetepedras

    Milhistriassemfim(2volumes)MinhavidaqueridaNovaslendasorientais

    Salim,omgico

  • MalbaTahan

    Lendasdobomrabi

    IlustraesdeLuMartins

    2011

  • T136L

    13-07798

    CIP-BRASIL.CATALOGAONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

    Tahan,Malba,1895-1974Lendasdobomrabi[recursoeletrnico]/MalbaTahan.-1.ed.-RiodeJaneiro:Record,2013.recursodigital

    Formato:ePubRequisitosdosistema:AdobeDigitalEditionsMododeacesso:WorldWideWebISBN978-85-01-10186-0(recursoeletrnico)

    1.Contobrasileiro.2.Lendasjudaicas.3.Livroseletrnicos.I.Ttulo.

    CDD:869.93CDU:821.134.3(81)-3

    CopyrightHerdeirosdeMalbaTahan

    ProjetosdemiolodaversoimpressaecapaelaboradosapartirdeprojetooriginaldeAnaSofiaMariz

    TextorevisadosegundoonovoAcordoOrtogrficodaLnguaPortuguesa

    DireitosexclusivosdestaedioreservadospelaEDITORARECORDLTDA.RuaArgentina17120921-380RiodeJaneiro,RJTel.:2585-2000

    ProduzidonoBrasil

    ISBN978-85-01-10186-0

    SejaumleitorpreferencialRecord.Cadastre-seerecebainformaessobrenossoslanamentosenossaspromoes.

    Atendimentoevendadiretaaoleitor:[email protected](21)2585-2002.

  • Vocencontraesteedemaise-booksnaLivrarialivrodigital.com

  • Sumrio

    AvisoaosleitoresOuve,IsraelDezanosdekestAlendadaembriaguezResignaoAraposaeavinhaElogioaosilncioEsposamodeloAcordadeareiaOricoeopobreParaodotedeumanoivaOsttulosdocandidatoNadatensapedirAmortedoinocenteEsposaobedienteOleoirritadoJogandoxadrezAletrabethApacinciadomestreRespeitofilialOmendigonacercaDuasrajadasdeventoEneno-iudaAcabrafatigadaAterraquepurificaApratadorabiOexagerodaprece

  • OcavalovelozOjudeueavacaHospitalidadeparaoscavalosXiboletOnossoinimigoAsombradocavaloTerramilagrosaOhspededohomemUmdiaantesAmorfilialAluzdoguetoDoprazodeDeusOcavalobravioTrscoisasOherdeirolegtimoDeuseosdolosAvidadeumacriancinhaAcontadeEvaHaninealeideDeusOcantardogaloEvitaomaldizenteOrabimilagrosoAsprovaesdojustoAalmaeocorpoUmpratodelentilhasOadvogadodacriadaOpoetamaislidoOsorrisodeAquibaLadroqueroubaladroAmesposaeocegoOpdamesaOfumoDosdezparaos12OsdoisanjosTrezefilhosOrabieocarpinteiroOdobrodaesmolaOdemnioeaintrigaObomsamaritanoHumildade

  • Nahum,oGinzoDeusladroOserrosdosjustosAlnguaOdiamantedomendigoRespeitopelotrajoDeusinfinitoAlascadelenhaTudoparaobemEparaosmeuspobres?AmercadoriapreciosaMeiafatiadepoAbbaJudah,opiedosoOjuramentodotratanteAsjoiasdoreiOanelvaliosoAletraAOclicedouradoApedrapreciosaPrincpiofundamentalOsdezmandamentosHonrasealegriasParboladotesouroAsfolhasdoquicaionOpecadodooutroOavarentoeoespelhoAbolsaperdidaOsegredoAmorTerraSantaAescolhadanoivaDeusnomeiodaschamasOpregadoreasquinquilhariasOfilhoprdigoSetevezesmaisOladrodescobertoOsacrifciodeHillelOcocheiroAToreostesourosPrezaioestrangeiroOhassidesquecido

  • HumildadedoreiAsculpasdavidaSalomoAsentenadeSalomoCnticodosCnticosOcomortoObraseirodorioCedron

    GLOSSRIO

  • Avisoaosleitores

    Afimdenosobrecarregaraspginasdestaantologiacomnotaselucidativas,inclumosna parte final deste livro um pequeno glossrio onde o leitor encontrar os termos,conceitos,ideiasesmbolosqueexigemexplicaoespecial.

    Nesse glossrio figuram, portanto, os termos hebraicos ou rabes, as palavrasoriginriasdo diche,as tradies israelitas,osnomesprprios, asalegorias talmdicasetc.

    No final de cada trecho oferecemos ao leitor breves indicaes sobre as fontestalmdicas,literriasoufolclricasaqueestvinculadooaludidotrecho.

    As notas com um ou dois asteriscos correspondem a esclarecimentos rpidos esucintossobredvidasquedevemserelucidadasimediatamentenodecorrerdaleitura.

  • Ouve,Israel

    Ouve,Israel,oSenhornossoDeusonicoSenhor.AmarsaoSenhorteuDeusdetodooteucorao,edetodaatuaalma,edetodas

    atuasforas.Estaspalavras,queeuhojeteintimo,estarogravadasemteucorao.Etuasreferirsateusfilhos,easmeditarsassentadoemtuacasa,eandandopelo

    caminho,aodeitar-teparadormireaolevantar-te.Easatarscomosinalnatuamo;eelasestaroesemoverodiantedosteusolhos.Easescreversnosumbraisdetuacasaenastuasportas.

    ***

  • Aqui oferecemos aos leitores a primeira parte da prece famosa do ritual israelita. Essa prece intitulada Schema (ouve). Schema a primeira palavra do versculo 4, captulo VI, doDeuteronmio.

    TodasaspalavrasefrasesquefiguramnaSchemasointegralmenteextradasdaBblia(cf.DeuteronmioVI,4,5,6,7,8e9).Constituiessapreceaparte centraldoofciodatardeetambmdoofciodamanh.ASchemaproclamaoprincpiodaUnidadedeDeus,eimpeaofielodeverdeacolheroEternoemseucorao,eimplantaraverdadedeDeusnocoraodeseusfilhos.

  • Dezanosdekest

    Interessante seria, meu bom amigo, iniciar este conto, maneira dos escritoresclssicosisraelitas,citandocincoouseispensamentos,admirveis,colhidosnaspginasfamosasdoTalmude.Comomerecordar,porm,dostrechosmaisbelosdaSabedoriadeIsrael,quandotofraca,incertaeclaudicanteaminhamemria?Vem-meapenas lembrana, nestemomento, um velho provrbiomuito citado pelos judeus russos:Quandoohomemfeliz,umdiavaleumano.

    Averdadecontidanesseaforismoindiscutvel.Eahistriaqueaseguirvounarrarpoderservirparailustraraminhaassero.

    ViviaemViena,hmaisdemeiosculo,umjovemchamadoDaviKirsch,filhodeummalamed, homem prudente e sensato. Davi Kirsch adornava o seu esprito comuma qualidade bastante aprecivel; no ousava tomar resoluo alguma de certa

  • relevncia sem se sentir esclarecido e orientado pelos conselhos dos mais velhos.Quandopensouemcasar-se,ouviudeseujudiciosopaiaseguinterecomendao:

    Cabe-medizer-te,meufilho,quedeversevitarqualquercasamentoquandonoconsrcioresultaraproximao,porparentesco,comumroiter-id.*

    Eacrescentou,emtomgrave,comaprudnciaquealongaexperinciadavidasiensinaraoshomens:

    Se algum dia, porm, por triste fatalidade, cares nas garras de um roiter-idprocurasemdemoraoauxliodeoutroroiter-id.

    QuisojovemDavi,comgrandeempenho,conhecer,maisporcuriosidadequeporoutro motivo, a razo de ser daquele estranho conselho, mas o velho malamed serecusouterminantementeadar,sobreocaso,qualquerexplicao,alegandoquetinha,paraassimproceder,motivosquedeconscincianopoderiarevelar.

    Algumassemanasdepois,ojovemDaviKirschfoiprocuradoporumschatchhen,isto,porumagenciadordecasamentos.

    Trocadas as saudaes habituais Scholem Aleichem! Aleichem Scholem , oschatchhenassimfalou,assumindocomosempreumardemximareservaediscrio:

    Como seiquepretendemos resolverdomelhormodopossveloproblemadoteu futuro, com a escolha de uma companheira digna, quero informar-te de queobtiveparaoteucasoumasoluoadmirvel.Anoivaquetenhoemvistaformosa,defamliahonestssimae,almdomais,muitocultaeprendada.

    Eodote? indagouDavi grandemente interessado,procurando tocar comamximafinuranaqueleassuntotodelicado.

    Quanto ao dote aclarou logo o schatchhen, com um sorriso que traduzia oorgulhodebomprofissionalestcombinadoqueserdemilcoroaseters,ainda,dezanosdekest!

    Dezanosdekest!repetiuDavi,numasinceridadedeveementesurpresa.Masistoespantoso,inacreditvel!

    Souforadoainterromperapresentenarrativaparadaraoleitornojudeu,isto,aomeubomamigogi**umesclarecimentoquemepareceindispensvel.

    Okestcostumetradicionalentreosjudeus.Opaidanoiva,almdodote(quedeuso tambmentreoscristos)concedeaogenro, a ttulodeauxliopara iniciar avida, a permisso de viver durante algum tempo em sua casa, sem fazer a menordespesa,quercomaalimentao,quermesmocomovesturio.Esseperodo,duranteoqualopaidajovemtomaaseucargoasubsistnciacompletadosrecm-casados,

  • denominadokest, e em geral varia de um a trs anos. Para um jovem egosta, semnimo para a vida, pouco inclinado ao trabalho, a oferta de um kest prolongadoconstituiumaiscairresistvel.EraesseprecisamenteocasodeDaviKirsch,indolentecomoumfalsomendigo,amigodaboavidaedoferiadopermanente.

    Dezanosdekest?Um judeu sensato no poderia hesitar. A cerimnia do noivado, com a clssica

    apresentaodasfamlias,foimarcadaparaalgunsdiasdepois.Quando Davi Kirsch foi levado presena da sua noiva, ficou maravilhado; o

    schatchhennoohavia iludidopintandocomascoresvivasdoexageroosencantosdanoivaprometida.Ameninaeraumajudiarealmentegraciosa,esbelta,cheiadevida,eos dez anos de kest emprestavam-lhe ao olhar, ao sorriso e aos lbios todos os msinconcebveisdabeleza.Rbla, a filhado reideGorner,nopareceramais sedutoraaosolhosdograndeSalomo!Deladiriacertamenteopoeta:De longepareceumaestrela;deperto,umaflor.

    Dolorosa foi, porm, a surpresa do noivo judeu ao defrontar, pela primeira vez,como futuro sogro.Pela cor fulva dos cabelos, pelas sardas que repintavamo caroavermelhado,eraovelhoumtipoperfeitoeinconfundvelderoiter-id!

    Naquele momento, invadido por negrejante inquietao, recordou-se Davi doconselho que a prudncia paterna lhe ditara: Evitar qualquer aproximao, pelocasamento,comumroiter-id!Masquefazernaqueladependura?Asuapalavraestavadada;ademais,acimadequalquercompromisso,esmagandodvidase receios,osdezanos de kest constituam um argumento irrespondvel diante do qual desapareciamtodososmotivosquemilitavamcontraoconsrcioqueselheafiguravatopromissor.

    Pouco tempodepois realizou-se o enlace nupcial e o jovempassou a viver, comsuaadoradaesposa,oseubeloperododekest,emcasadoricoroiter-id.

    Esse judeu vermelho, pensou Davi, desconfiadssimo do caso, alguma peadesagradvel prepara contra mim. Custa-me acreditar que ele mantenha essaliberalssimapromessadosdezanosdekest.Naturalmenteaqui,emsuacasa,tereiumtratamentotovilehumilhante,quenemmesmoumcoseriacapazdeaturar,eaofimdedoisoutrsmeses,certo,sereiforado,pelasituao,aprocuraroutropousoetrabalho.Algumaperfdiaomeusogrojplanejoucontramim!

    Comgrandeespanto,entretanto,ojovemDaviverificouqueopaidaesposaeradeum feitio que desmentia por completo seus temores e desconfianas. O roiter-idmostrava-se delicado e afetuoso, e dispensava ao novo genro um tratamento

  • principesco.Faziamultiplicarospratossaborososnasrefeies,proporcionavapasseiosagradabilssimos,dava-lheroupasfinaseenchia-odepresentesvaliosos.

    Meupai no tinha razo,meditava o jovem, refletindo sobre a vida regalada einvejvelquedesfrutava emcasado sogro.Queoutromaridopoder sermais felizdo que eu? Rivekel,*** a minha esposa, encantadora; por longo prazo, sem omenor trabalho, preocupao ou contrariedade, terei, nesta bela casa, mesa semprelauta,agasalho,carinhoeconsiderao!

    Ao cabo de alguns dias, o velho roiter-id chamou o indolente marido da filha einterpelou-omuitosrio:

    Dize-me,Davi!s,naverdade,feliznatuanovasituaodehomemcasadoechefedefamlia?

    Muitofeliz,meusogroconfirmouojovem,numretraimentodeespanto.Sinto-me,aqui,incomparavelmentefeliz!

    Seassimtornougravementeojudeuvermelho,medindo-odealtoabaixo,seassimoteukestestterminado!

    Terminadoomeukest?protestou atnito omarido parasita.Mas se euestoucasadohpoucomaisdeumasemana!Comopodeserisso?

    Comopodeser?repetiuosogronumtommuitosrio,tomandoumaatitudeque irradiava antipatia.Nadamais simples. Vou provar claramente. Ests casadocomminha filha h dez dias. Bem sabes que no livro dos Provrbios encontramosexaradaesta sentena:Quandoumhomem feliz,umdiavaleumano.Logo,deacordo com esse tradicional provrbio, ests casado h dez anos! Amanh, portanto,levars de minha casa tua esposa e irs para a tua residncia. Creio que devers,tambm,procurarumemprego,ummeioqualquerdevida,poisdemimjrecebesteonecessrioauxlio,odoteeokestprometidos.

    E o nosso heri, diante da imposio do sogro, sentiu-se preso de grande furor.Quis apresentar argumentos quemilitavam em seu favor,mas o astucioso roiter-id semanteveintransigente,enohouvecomolev-loareconsiderararesoluoquehaviatomado,insistindoemafirmarquenadamaisfaziasenoatenderverdadecontidanoprovrbio:Quandoohomemfeliz,umdiavaleumano.

    NoseconformavaDaviKirschcomaideiadeserobrigadoatrabalharparaviver;e a situao a que fora, de repente, atirado envenenou-lhe o esprito com todas astoxinas do rancor. Tinha sido, a seu ver, indigno o proceder do pai de Rivekel.Prometera-lhe,sobpalavra,dezanosdekestedepois,porevidentem-f,baseando-se

  • numidiotabrocardojudeu,reduziraoprazoadezdias!Quetratante!Eraumgrandevelhacoo roiter-id!Quandoo interesse estava em jogo, sabia transformarum simplesprovrbioemleisocial!

    Meu pai tinha razo,murmurouDavi, recalcando os seus rancorosos impulsos.Toda razo tinha, meu pai! Pratiquei uma imprudncia muito sria, fazendo-mesurdoaosconselhosdaquelequemelhordoqueeudeveconheceravidaeosfilhosdeIsrael!

    E, resolvido a no incidir mais uma vez no erro, o jovem, recordando-se dasegundapartedoconselhopaterno, foinessemesmodiaprocurarumconhecidoseu,chamado Elias Bloch, tambm judeu vermelho, e pediu-lhe que indicasse ummeioqueopermitissesairdasituaocrticaemqueseencontrava.

    O inteligente Elias Bloch atendeu com amabilidade o jovem Davi, e depois deouvir ominucioso relato da burla do kest, expediu uma risadinha seca emaldosa, erespondeucomumrelmpagodeinspiraonoolhar:

    Novejodificuldadealgumaemresolveroteucaso.Irsamanhcasadeteusogro,eseseguiresasminhasinstruessairsvencedornesselitgio.

    No dia seguinteDaviKirsch, tendo nasmos um exemplar daTorque olivrodaleientreoshebreus,foiterricavivendadoseuastuciososogro.

    Depois de saudar o velho roiter-id com certa reserva e cerimnia, como se asrelaes entre ambos estivessem profundamente abaladas, assim falou com teatralentonao:

    Pormotivosmuitogravessouforadoaviragorasuapresena.Voudivorciar-me!

    Divrcio! Essa palavra para a famlia judaica representa uma calamidade scomparvelsmaiorescalamidades.

    Ests louco, rapaz!protestouovelhoempalidecendo ligeiramente.BemsabesqueodivrciospodeserobtidosegundoaleideMoiss.Quemotivopoderser aduzido para justificativa dessa ndoa infamante com que pretendes golpear aminhafamlia?

    Tenho a lei ameu favor acudiu com altivez omoo.Comoo senhormesmodeclaroueprovou,viviemsuacompanhiaosdezanosdekest.Osdoutoreserabis no ignoram que o Livro da Lei de Moiss a Tor diz com a maiorclareza:Quandoamulhernoconcebeaofimdedezanos,omaridopoderequerer

  • odivrcio.Ora,euestoucasadohdezanosenotenhofilhos;cabe-me,portanto,segundoaLei,odireitoderepudiarminhaesposa!

    Que brincadeira essa,meu filho! retorquiu o roiter-id, emergindo da suaestupefaoe abraando amavelmenteogenro.Afastemosdens as ideias tristes,poisjnofoipequenoosustocomqueabalastemeucoraodepai.Fizestemalemtomarasrioomeugracejosobreotalprovrbio,dosdiasfelizes,e,seassim,ficaoditopelonodito.Seeuprometidezanosdekestcertoquepodersvivertodoessetempoemminhacasa.

    Econcluiu,comumgestoconvencidoesuperior,passandolentamenteamopeloscabelosavermelhados:

    Jamaisdeixei,menino,comoumbomjudeu,decumprirapalavradada.

    Contotradicionalisraelita.Sobreafiguracuriosadoschalchhen(oagenciadordenoivados),indicamosaosnossosleitoresaspginasencantadorasdeScholemAleichemContesdeTewjleLaitier.Convmlernoglossrioqueacompanhaestelivroasindicaessobreodivrcionalegislaojudaica.

  • Notas

    *Aspalavrasoriginriasdohebraico,dorabeoudodichefiguramnoglossrioqueinclumosnapartefinaldestelivro.Roiter-id,porexemplo,querdizer:judeuvermelho.Vejaoglossrio.** Recorra o leitor ao glossrio que foi interpolado no final deste livro. Poder, nesse glossrio,obterexplicaessobretodosostermos,smboloseexpressesjudaicasqueaparecemnestelivro.Veja,porexemplo,noglossrio:gi.***DiminutivocarinhosodeRaquel.

  • Alendadaembriaguez

    Preparava-seNo para plantar a primeira vinha e eis que surge diante dele a figuranegraehediondadoDemnio.

    Quepretendesplantara?perguntouoDemnio. Uma vinha! informou No, encarando com olhar sereno o seu insolente

    interrogante.E como soos frutos que esperas colher,meu velho? inquiriu friamente o

    Demo.Ora explicou o Patriarca de bom humor, so frutos deliciosos, sempre

    doces.Oshomenspodero sabore-losmaduros e frescosou secos e aucarados.Docaldo desse fruto poder ser fabricada uma bebida o vinho de incomparvelsabor.Essabebidalevaralegriaeinspiraoaoscoraesdosmortais!

    Queroassociar-mecontigonoplantiodessavinha!propsoDemniocomcertoacintenavoz.

    Muito bem concordou No. Trabalhemos juntos. Ficars, desde j,encarregadoderegaraterra.

  • E o Demnio, no desejo de agir pela maldade, regou a terra com o sangue dequatroanimaistiradosdaArca:ocordeiro,oleo,oporcoeomacaco.

    EmconsequnciadessecaprichoextravagantedoMaligno,aquelequeseentregaaovciodegradantedaembriaguez recorda, forosamente,umdosquatro animais.Beminfelizes os que se deixam dominar pelo lcool! Tornam-se alguns sonolentos einermes como um cordeiro; mostram-se outros exaltados e brutais como o leo;muitos,sobaaoperturbadoradabebidaqueosenvenena,ficamestpidoscomoumporco. E h, finalmente, aqueles que, depois dos primeiros goles, fazem trejeitos,dizemtolicesesaracoteiamcomomacacos.

    EssalendaencontradaemR.Tanhuma,13.Cf.A.Cohen,LeTalmud,trad.deJacquesMarti;Payot,Paris,1933.Cf.LonBerman,ContesduTalmud,Ed.Rierda,1937,p.138.Cf.A.WeilContesetlgendesdIsrael,1928,p.13.Encontramos noGnesis este versculo: E comeouNo a ser lavrador e plantouuma vinha.As lendasrelativasvinhaforamcoligidasporMeiraPena,Botnicapitoresca,p.415.

  • Resignao

    Tristezasdoinfernomecingiram,laosdemortemesurpreenderam.NaangstiainvoqueiaoSenhoreclameiaomeuDeus;desdeoseutemploouviua

    minhavoz,aosseusouvidoschegouomeuclamorperantesuasfaces.Davi

    Era por umdia de sbado, ao anoitecer.Havia j algumas horas que oDr.Meir seentretinha na escola pblica explicando a Santa Lei a seus numerosos discpulos.Deleitavam-no aqueles estudos e a religiosa ateno com que suas palavras eramouvidas.

    Sua casa, entretanto, durante aquelas fugidias horas, hospedara o luto e adesesperao.Doisdeseusfilhoshaviammorridoquasederepentee,desuafamlia,sa desolada me permanecia para chorar aos ps dos dois cadveres. Infeliz mulher!

  • Petrificadapelador,contemplava imvelaquelesdoiscorposamadosbuscandoneles,emvo,algunsindciosdevida;evinha-lhementeopobremaridoquedentroempoucoiriadefrontarotremendoespetculo.Orespeitovontadedivinaeacaridadede esposa deram msera uma grande fora de alma.Asmaternasmos estenderamumlenolsobreaqueleleitodemorteondeosfilhosamadosrepousavam.Cumpridoopiedosomister,atristemepassou-seaoquartovizinhoesperadomarido.

    Anoitedesceralentamente.Jestrelas,semconta,luziluziampelasalturassemfim.Volveuacasaodoutore,apenastranspostaasoleira,indagoudasuaesposaumtantoperturbado:

    Eosfilhos?Teroidoescolarespondeuamulhercomvoztrmulaesumida,fitandoo

    cu,evitandooolhardomarido.Parece-mequenoosvientreosalunos.Amulher,semlheresponder,apresentava-lheovinhoeocrioparaoAvdalcom

    queimplorarasbnosdocuparaanovasemana.Cumpriuodoutororeligiosoatoecomcrescentensiabradou:Maseosfilhos,mulher!Saramtalvezparaalgumaincumbnciafamiliar.Isto dizendo punha diante domarido, h longo tempo em jejum, umas fatias de

    po.Provou o doutor um pedacinho e, tendo dado graas a Deus, a quem devemos

    todososbensterrenos,exclamou: Como tardam hoje os nossos filhos! Sempre, certo que no sabes nada,

    esposaminha?Porquemeparecestotriste?Eu,meuesposo,precisomuitodeumconselhoteu.Que?Ontemumamigonossomeprocurouedeixousobminhaguardaalgumasjoias.

    Vem ele agora reclam-las. Ai de mim! No contava que viesse to cedo. Devorestitu-las?

    minhaesposa!Essadvidapecaminosa!Masjmeafizeratantoquelasjoias!Notepertenciam.Maseulhesqueriatantobem.Talveztutambm...

  • mulher!exclamouatnitoomaridoquecomeavaapensar,comtemor,nalguma coisa, estranha e terrvel.Que dvidas! Que pensamentos! Sonegar umdepsito,coisasagrada!

    issomesmobalbuciavachorosaamulher.Muitoprecisodeteuauxlioparafazeressadolorosarestituio.Vemverasjoiasdepositadas.

    E as suasmos geladas tomaram dasmos do atnitomarido e conduziram-no cmaranupcialeergueramasfranjasdolenolfnebre.

    Aquiestoasjoias.Reclamou-asDeus!Diantedaquelaviso,opobrepaiprorrompeuemgrandssimopranto,eexclamou

    golpeadopelador:filhosmeus,filhosdeminhaalma,douradaminhavida,luzdosmeusolhos,

    meusfilhos!Esposomeu.Nodissestehpoucoqueforosorestituirodepsitoquandoo

    reclamaoseudonolegtimo?Comosolhosmarejadosdelgrimasosbiofitouaesposacheiodeadmiraoede

    inefvelternura.meuDeus suspirou.Posso eu balbuciar alguma queixa contra aTua

    vontade?Deste-me,paraescudoeconsolodeminhavida,umaesposareligiosaesanta!Eosdois infelizesseprostraramaumstempo,eporentrelgrimasrepetiramas

    santaspalavrasdeJ:Deusdeu,Deustirou.Benditosejaoseusantonome!

    Estebelssimoconto figura emYalkut, p. 145.Cf.LonBerman,op. cit., p. 70.Vamos encontrar essamesmanarrativaemMardehistriasdeAurlioBuarquedeHollandaePauloRnai,numaexcelentetraduodoeruditorabino Dr. H. Lemle. Procure no glossrio as palavras: Meir e Avdal. Ao relatar o caso, um talmudistaacrescenta:Haviaepidemianacidadee,aosairdecasa,pelamanh,notouorabiqueseusfilhosestavamtristeseabatidos. Bem diversa a forma adotada no livroOTalmude, deMoiss Beilinson e Dante Lattes, trad. deVicenteRagognetti,p.55.

  • Araposaeavinha

    Recompensou-meoSenhorsegundoaminhajustia,retribuiu-mesegundoapurezademinhasmos.

    PorqueguardeioscaminhosdoSenhor;nempecandomeafasteidomeuDeus.Davi

  • Uma raposa se pusera a namorar avidamente uma vinha to bem cercada que nohavia brecha por onde entrasse. Deu voltas e mais voltas, at que topou com umresqucio da cerca entre osmoires. Lana-se por ele, impetuosamente,mas era toestreitoquemalpdeinsinuaracabea.Esfora-sedaqui,tentadali,mastudoemvo.Veio-lhe, ento, ideia um plano singular: Se eu pudesse, monologava ela,emagrecerbastantepassariaporestabrecha.Resolvidaavenceraprova,submeteu-seaumestranhoteordevida:ficoutrsdiassemprovaralimento,eps-setofinaemagrinha que mais parecia um palito. Toda ancha com o sucesso, esgueira-se pelodelgado vo e entra radiante na vinha. Ali pde pagar-se de tudo quanto sofrera epassoualgunsdiasnamaisregaladaabundncia.

    Chegadoo tempode sair, receosa dos donosdovinhedoquenopodiam tardar,corre brechaporondeentrara e tentameter-sepor ela.Aconteceu,porm,que ainfortunada,naquelespoucosdiasderegabofe,engordaratantoquenomaiscabiaali.

    Mais tristedoqueummocho,desistedo intentoeresolverepetiraprovaoporque passara, pondo-se de novo em rigoroso jejum at que, novamentemagra comoum esqueleto, lhe foi possvel safar-se pelo agulheiro. Estava, porm, to fraca edebilitadaquepareciaumcadver.

    Livredaquelecativeiro,olhoumelancolicamenteparaavinhaedisse-lhe:Adeus,nomeapanharsmais.ssedutoraedeliciosa.Tens,emabundncia,frutossaborosos,masqueimporta?Detisaio,comoentrei.

    Assimohomememrelaoaosprazeresefmerosdavidaterrena.EnsinavaosbioRabiMeir:Ohomemquandonascetemosbraosestendidospara

    afrente,comosedissesse:meuomundo.Todomundomeu!Quandomorre,ostrazaolongodocorpo,comoaprevenirosqueseaferramaosbensmateriais:Nadalevodestemundo.Deixodavidaoqueavidamedeu!

    Esta interessantssimafbuladaraposanarradaemMidrasch,p.98,2.SobottuloLaVie podemos admir-lanumaversoumpoucodiferenteemContesduTalmud,deLonBerman,p.90.atribudaaoRabiGniva,dosculoIII,conformeKohelethRabba,parteI.

  • Elogioaosilncio

    Osilncioprefervelloquacidade;morredomaldosilncio,masevitaoperigodaloquacidade.Sabercalarvirtudecemvezesmaisraradoquesaberfalar.

    RabiAzai,o sbio,viajavapelo Iremcompanhiadevriosdiscpulos.Emcertomomento, um mercador persa, que vinha na caravana, tomado de clera, por ummotivoftil,entrouavociferarcontraosisraelitas.Umdosdiscpulosdisseaomestre:

    Vamosrabi,respondecomenergiaaessehomem.Insulta-oporns.Elefalaemvalaatetuconhecesmuitobemessedialeto!

    RetorquiuodoutoAzai:Sim,meufilho,aprendiafalaroderi,ogalanieovalaat,masaprenditambma

    ficarcaladoemvalaat,emderieemgalani.oquevoufazer.Guardarsilncionessestrs dialetos persas. E acrescentou imperturbvel, anediando as longas barbas

  • brancas que lhe caam sobre o peito: Seria insensatez trocar injrias com umexaltado,quedeblateracomoumloucoequenemsabeoqueestdizendo.

    Pelo silncio, podes ter umdesgosto,mas a loquacidade semear a estradade tuavidademil eumarrependimentos.Umapalavra irrefletida, amide,maisperigosadoqueumpassoemfalso.

    Guarda a tua lngua, como guarda o avarento a sua riqueza.A natureza, que nosdeu um s rgo para falar, nos forneceu dois para ouvir. A inferncia bvia.Forosoconcluirquehavemosdeouvirduasvezesefalarumas.

    Conta-sequeumrabeingressounumacomitivaemquetodoserambarulhentosediscutidoreseguardoulongosilncio.Umdoscompanheiroslhesegredou:

    Consideram-tecomoumdosmaisnobresdatuatribo.Seiagoraomotivo.ssilenciosoediscreto.

    Replicouoislamita: Meu irmo, o nosso quinho de ouvidos nos pertence; as palavras afoitas e

    levianasqueproferimospertencemaosoutros.Apalavraqueficoupendente,pelosilncio, em nossos lbios, vassalo pronto a nos servir; a que proferimos leviana einoportunamentealgozatentoemnosescravizar.

    OsbioejudiciosoSimeo,filhodoRabiGamaliel,doutrinava:Passeiavidaentresbiosenadaacheimelhordoqueosilncio.Oessencialno

    estudar, fazer. E quem fala demais abre, em sua vida, portas e janelas para opecado.(Aboth,1,17).

    AindanoTalmudepodemos sublinhar esta sentena:Quando falares, falapouco,poisquantomenorforonmerodepalavrastantomenoserrars.

    E no Livro de Israel destaca-se, tambm, este aviso ditado pela Prudncia:Quandofalaresdenoiteabaixaavoz;e,quandofalaresdedia,olhaprimeirorodadeti.

    Seapalavravaleumasela,osilnciovalerduas.As moedas mais ambicionadas so, precisamente, as que encerram, em pequeno

    volume e diminuto peso, grande valor. Assim, a fora e a beleza de um discursoconsiste no exprimirmos, em poucas palavras, verdade profunda e conceitosmagistrados.

    O Tzartkover (morto em 1903) deixou de pregar na sinagoga durante longoperodo. Interrogado sobre essa atitude respondeu: H setenta maneiras de rezar aTor:umadelasosilncio!

  • Aquireunimosas sentenaseconceitosmais interessantes sobreo silncioditadospelos rabisepelosdoutoresisraelitas. Alguns desses ensinamentos so do Talmude. Assim o provrbio Se a palavra vale uma sela, osilnciovaleduasapareceemMagilla,19.SelaonomedeantigamoedadaPalestina.

  • Esposamodelo

    ...eaondequerquetuforesireieu;ondequerquepousaresnoite,alipousareieu;oteupovoomeupovo,eoteuDeusomeuDeus.

    OLivrodeRute1,16

    Havia emSidon, em poca esquecida nas brumas do passado, umamulher chamadaRaquel. Era boa, paciente e simples. Casou-se muito jovem e viveu dez anos emperfeitaharmoniacomomarido.Dezanosestevecasadasemterolaralegradocomapresenadeumfilho.

    Ora,oLivrodeMoiss,emrelaoaoscasamentosestreis,nodeixamargemparaamenordvida:Quandoamulhernoconcebeaofimdedezanos,podeomarido

  • requererodivrcio.Eodivrcio,portanto,impostoemfacedaLei.O grande ideal deRaquel era ter vrios filhos, ou aomenos um filho.Mas esse

    filhotodesejadonoveio.Decorridos os dez anos emais dez dias, omarido, bastante constrangido, disse

    meigaRaquel:Hdezanos,querida,estamoscasadosenorecebemos,atagoraemnossolar,

    a bno de um filho. Triste, bem triste ser paramimmorrer sem deixar sobre aterraumherdeirodemeunome!Quefazer,querida?

    Raquel no respondeu. Seus olhos encheram-se de lgrimas. Amava o marido esabiaqueeraamada,muitoamadaporele.Comoespritodilaceradodeaflio,disse-lhecomsuavozaveludadaebranda:

    Ocasosimples.VamosprocuraroRabiSimeo.Eledecretarhojemesmoonossodivrcio.

    Encaminhou-seocasalparaaresidnciadofamosoRabiSimeobenYohai,queopovoapelidaraomuitosbio.

    A alegao do marido era irretorquvel diante da Lei. A boa Raquel sabia e jestavaconformadacomasuatristesorte.

    RabiSimeo,serenoemelanclico,depoisdeouviroscnjuges,condicionou:Avossaunio(lembro-mebem!)foicelebradacomumbanquete;exijoqueda

    mesmaformasejacelebradaavossaseparao.E,voltando-separaomarido,acrescentounumtomrepousadoefirme: Imponho, entretanto, uma condio. Terminado o banquete, ter Raquel a

    liberdadedeescolher,emtuacasa,e levarparaacasadeseupaiaquiloqueformaispreciosoparaela.Concordas?

    Sim,concordoaquiesceuomarido.Realizou-se o imponente banquete da separao. Muitos eram os convidados;

    deliciosososvinhoseapetitosososmanjares.Jbemtardeomaridodisseesposa:Vamos,querida.Escolhe logoa joiaquemaisambicionase levaparaacasade

    teupai.Noteesqueasdoqueprometesteaorabi.Aindacedodesculpava-seRaquel,afogadanumatristezapassiva.Deixa-

    me gozar, durantemais alguns instantes, da tua companhia e da companhia de teusamigos.

    Decorridoalgumtempo,omaridojestonteadodesonoinsistia:

  • Jescolheste,querida?Levaaquiloquemaisteagradar:joias,mveis,alfaiasnoimporta.Leva(jdisse)aquiloquemaisteagradar.

    Aindanoescolhi,meuamor.Eemseusolhos,sempretomeigoseserenos,sepercebiaummistodeansiedadee

    dedor.Ao romper da manh, e ao findar da festa, o marido, vencido pela fadiga,

    adormeceupesadamente.QuefezadiligenteRaquel?Chamouosservosedisse-lhescomfugitivoruborno

    rosto:Levemmeumarido,assimcomoest,semdespert-lo,paraacasademeupai.Quandoomaridoacordou,inteiramentealheioaoquehaviaocorrido,perguntou

    esposa:Ondeestoueu?AdedicadaRaquelesclareceucomomesmosorrisoresignadoetriste:Estsemcasademeupai.Eporquevimparaaqui?estranhouele,esmagadopelaviolnciadasurpresa.Feita uma pausa indicativa de embarao, esclareceu a bondosa Raquel com a

    requintadameiguicequeresplandeciaemseusolhosformosamenteazuis:Aceitaste a condio do rabi e determinaste que eu escolhesse o que demais

    preciosoparamimhaviaemtuacasaetrouxessecomigoparaolardemeupai.Ora,paramim,nadahnomundodemaispreciosodoqueomeumarido.Foi,pois,ati,unicamenteati,queeuescolhi!

    Sentiuojovemtocadonomaisntimodaalmapeladedicaoepeladouradesuaesposa. Nesse mesmo dia o casal voltou presena do rabi. E o marido declarouenternecido,masnumafirmezainabalvel:

    estaaminhaesposa, rabi!estaacompanheira idealdeminhavida!Nodeixei,umsmomentodequer-la,deam-lamuito!Comfilhos,ou semfilhosnoimportasamortenospoderseparar!

    Estedelicadssimoconto,joiaromnticadaliteraturajudaica,apareceemYalkut,p.4.Cf.R.Cansino-AssensLasbellezasdelTalmud, p. 143. interessante confrontar a versoqueoferecemos comShirha-ShurinRabath, I, 4apudLewisBrowne,AsabedoriadeIsrael,trad.deMarinaGuaspari,Ed.Pongetti,1947,p.245.Sobreaquestododivrcio (findos os dez anos do casamento estril), convm ler na Torah-Jabanoth, 6, 6. Veja-se a curiosa edelicadssimaversodadaaessamesmapginapelofamosoescritorLafcadioHearnemseulivroFeuillesparsesdelitteraturestranges,trad.deMarcLog,1932,p.365.Oconto,paraalgunstalmudistas,atribudoaumcertoRabiIdi.

  • Acordadeareia

    Lembro-memuito bem. Foi ao cair da tarde.O cu estava brusco e o ar pesado eimvel. O sbio e judicioso Rabi Haggai chegou, sentou-se no terceiro banco, esquerda,passoulentamenteolenopelatestae,voltando-separaosjovensdiscpulosqueoaguardavamansiosos,narrouoseguinte:

    Conta-sequeexistiu,outrora,umpasricoeprspero,chamadoKid-Elin.(Leiaassim:Qui-de-linEnoesqueaessenometosonoroesimples.)Ascaravanasquepercorriam as estradas de Kid-Elin encontravam largas faixas de terras frteis ecultivadas.

    AmocidadedeKid-Elin,inspiradapeloDemnio,tornou-se,entretanto,agressiva,pretensiosaem.CorrompidaeenvilecidapeloMal,encheu-sederancoredespeitocontraosvelhos.

    Avelhiceentravaoprogresso!proclamavamosmaisexaltados.Estebelopasentregueaosmoossermilvezesmaisforte,milvezesmaisfelizeglorioso!

    Oespritosurdoderevoltafoiseapoderandodosjovens.Quelstima(diziam)essegovernodecrpitodeancios!Quelstima!

  • No se sabe como, mas a inominvel desgraa ocorreu. Precipitaram-se osacontecimentos.Portodososrecantossurgiamfanticoseconspiradores.

    Eliminemososvelhos!Acabemoscomessasenilidadeintil! triste relatar. Que ndoa para o mundo, que ignomnia para a Histria! A

    mocidadedeKid-Elin,presade terrvel ehedionda alucinao, exterminou todososvelhos.

    Todos,no.Houveumquesesalvoudahecatombe.ViviaemKid-ElinumrapazchamadoZarmanquetinhaporseupai(homembastanteidoso)umagrande,nobreesincera afeio. E, no dia da execrvel revolta, escondeu o velho no fundo de umsubterrneo livrando-o, assim, de cair em poder dos revoltosos homicidas. ParaZarman,avidadeseupaieraumsegredoqueelenoousavarevelaraningum.

    Voltemos, porm, nossa narrativa. Exterminados os velhos, o pas de Kid-Elinpassouasergovernadounicamentepelosmoosalegreseinexperientes.Paraocargode presidente da Repblica elegeram um jovem de 22 anos; o ministro maisamadurecido pela idade no completara 18 anos; vrios generais no passavam deadolescentes; o Supremo Tribunal foi entregue a um mancebo de 20 anosincompletos; da direo do banco nacional encarregou-se um novato que,precisamentenodiadaposse,festejavasua15primavera!

    OsjuvenisgovernantesdeKid-Elinproclamaramcomalvorooavitria: Eis o nico pas do mundo que no tem velhos! Aqui a mocidade que

    governa,resolveedesresolve!Certasnotciascorrempela terracomarapidezdorelmpagopeloar.Nofimde

    poucassemanasrecebiaomundoainformaodomovimentodeKid-Elin.Kid-Elinopasdosjovens!VamostodosparaKid-Elin.E as estradas se encheram de turistas e curiosos que iam em busca da nova

    Repblica.ParaempanaraesfuziantealegriadosjovenssenhoresdeKid-Elin,verificou-seum

    fatoprofundamenteinquietanteedesagradvel.DeBeluan(reinovizinho)foienviadaaparatosa embaixada constituda de tcnicos, jurisconsultos e economistas. Essaembaixada, ao chegar, procurouo jovempresidente daRepblica e o fez ciente desua espinhosa e delicadamisso.Tratava-se, apenas, do seguinte: o reino deBeluan,por seus legtimos representantes, exigiadosmoos adevoluo imediatade todas asterrasqueseestendiamparaalmdorioHelvo.

  • E o chefe da embaixada se exprimiu em termos bem claros, sem poesia e semretrica:

    O governo beluanita, firmado em seus direitos, exige a entrega imediata doterritrio em litgio.Temos um tratado, nesse sentido, comKid-Elin.Aqui esto osdocumentos.

    O presidente, os ministros e magistrados de Kid-Elin examinaram os ttulos e asescrituras. Tudo parecia claro, lquido, insofismvel. A repblica de Kid-Elin eraobrigada a entregar ao seu poderoso vizinho (em virtude de um acordo feito vinteanosantes)lguaselguasdeumaterradadivosaerica!

    Quefazer?Seriaarunaparaopas!Seriaadesgraaparaosjuvenis!Foi ento que o jovem Zarman (que era o ministro do Exterior) teve uma

    inspirao.Lembrou-sedeseuvelhopai.Vou consult-lo sobre esse caso pensou.Meu pai, com a experincia que

    temdavida,saberdescobrirumasoluoparaessaquestodasterrasdorioHelvo.EodedicadoZarman tomoudapalavraedisse aopresidente, aosministrose aos

    embaixadores:Voumeditarsobreainopinadaegravereclamaodenossosvizinhos.Estudarei

    osdocumentosapresentadoseamanhdareiomeuparecersobreessagravedemanda.CorreuZarman ao subterrneo secreto em que vivia seu pai e o fez sabedor de

    tudooqueocorria. singularponderou o velho.Nunca se viu,meu filho, sob o cu que

    cobre o mundo, tamanho atrevimento e tamanha desfaatez! Como ousam essesincrveisbeluanistas exigir a entregadas terrasbanhadaspeloHelvo?ocmulodocinismoedasem-vergonhice!Julgam,certamente,queshmoosnestepas!

    Quedevemosfazer,meupai?Adocumentaoporelesexibidaparececlaraeirrespondvel!

    Retorquiuoancioimperturbvelnummetaldevozemquelatejavamalcontidaira:

    Parece,masno.Repontam,nessecaso,aparncias, forjadaspelam-f,paraocultaraverdade.

    Eajuntou,depoisdealgunssegundosderecalcadosilncio,comoseumainspiraooiluminasse:

    Amanh, meu filho, recebers com acintosa serenidade os arrogantesembaixadores de Beluan e a eles dirs, com absoluta firmeza, o seguinte: A nossa

  • repblica de jovens est resolvida a devolver o territrio por vs reclamado. Exige,porm,queoreinodeBeluancumpra,nantegra,comseuscompromissosedevolvaintataacordadeareia.

    Cordadeareia?estranhouomoo,rododecuriosidade.Quequerdizerissomeupai?Emqueconsisteessacordadeareia?

    Maistarde,meufilhoafianouovelho,encolhendoosombros,maistardeentrars tambm de posse desse grave e precioso segredo. Por ora cedo. Segue omeuconselho,etudoestarresolvidoparaobemdenossospatrcios!

    Cega era a confiana que o diligenteZarman depositava no pai.No dia seguinterecebeu a embaixada reclamante, e na presena do presidente, dos ministros, dosmagistrados, dos generais e dos altos funcionrios (eram todosmuito jovens), repetiufielmenteaspalavrasqueouviradoancio:

    A repblica de Kid-Elin est resolvida a devolver o territrio por vsreivindicado. Exige, porm, que o reino de Beluan cumpra na ntegra com seuscompromissosedevolvaintataacordadeareia!

    Aoouviremtalsentena,osembaixadoresbeluanistasmostraram-sealarmadssimos.Aquelaexigncia final,expressapeladevoluodacordadeareia,caiucomoumabomba no meio deles. O chefe da embaixada ficou plido e trmulo. E depois detrocaralgumaspalavras,emvozbaixa,comseusconselheiroseajudantes,assimfalouderompantecomnervosadeciso:

    Desistimos de nosso pedido. Podeis conservar, para sempre, o territrio doHelvo,comtodososseuscamposesearas.

    Nesse ponto, fez o estrangeiro uma pausa, concentrou-se um momento, e logoajuntou com voz estorcegada, cortante de ironia e rancor, sacudindo o busto comdureza:

    Cabe-me, entretanto, desmentir as notcias propaladas pelos vossos agentes eemissrios. Posso jurar que a repblica dos jovens no existe. Tudo mentira! Hvelhos,ainda,nestepas!

    Mas,afinal,oquesignificaisso:cordadeareia?Eis o segredo que o tempo e s o tempo se encarregar de revelar aos

    jovens.Avelhiceumtesouro.Tesourodesabedoria,clarividnciaediscrio.Semo amparo seguro da velhice, a parcela jovem da humanidade estaria perdida eextraviada pelos descaminhos da vida. a velhice que sabe onde encontrar essa

  • maravilhosacordadeareiaque ligaopassadoaopresenteeenlaaopresentecomofuturo.

    EobondosoepacienteRabiHaggai repetiaquarentavezes falandoaosdiscpulosatentos:

    Lembrai-vos,meujovensamigos,lembrai-vossempredacordadeareia.

    Trata-se de adaptao de belssima lenda do folclore romeno registrada por Petru Ispirescu. ApresentamossegundoanarrativaquenosfoifeitapelojornalistaeescritorisraelitaNlsonVainer.

  • Oricoeopobre

    Doisjudeus,umpobreeumrico,aguardavamahoradeconsultarumfamosozaddik.Oricofoiadmitidoprimeiroesuaaudinciaduroubemmaisdeumahora.Eopobre,recebidoafinaldepoisdaquelalongaespera,teveapenasalgunsminutosdeateno.

    Rebe, isso no justo! bradou ele, numa tentativa de protesto, com umaflamanoolhar.

    Idiota!repreendeuozaddik, todoufanocomum leve requebrodacabea.Quandoentraste,percebi,primeiravista,oquantospobre,resignadoesofredor;mas tive de escutar o outro uma hora inteira para descobrir que ele muito maispobreebemmaisinfelizdoquetu.

    EsteepisdioanedticopodeserlidoemLewisBrowne,op.cit.,p.497.Vrioszaddikins,observaBrowns,serevelaramhomensdealtovalor:srios,bondosose,nasuaingenuidadeassombrosa,dotadosdeumasabedoriaprofunda.AanedotaOricoeopobrepeemjustorelevoapresenadeespritodeumengenhosozaddik.

  • Paraodotedeumanoiva

    QuandooRabiSimchahBunameramoo,umde seusamigos retiroucertaquantiadodepsitoinstitudocomofimderepararosestragossofridospeloslivrosdasinagogaeadeuaumhomemmuitopobrequeangariavasubsdiosparacasareampararnoivassem dote.O fato se divulgou e os depositrios intimaram o doador a comparecer aumaaudincia.OacusadoconfiousuadefesaaoRabiBunam.

    Arvoraram-seemjuzesdoacusadovriosfiguresdacidade,quenogozavamdeboa fama. A integridade moral desses figures era posta em dvida por muitosmotivos.OjovemBunam,aodefrontar-secomosjulgadores,sendoconvidadoafalarnarrouaseguintefbula:

    Houve, certa vez, terrvel epidemia entre os animais da floresta.Muitas vidasforamceifadas.Oleo,otigre,oloboearaposasereuniramemconferncia;araposa,fazendo-se passar por inspirada do cu, formulou a opinio de que a peste era

  • consequnciadehediondopecadocometidoporumdoshabitantesdamata.Alvitrou,pois, que se reunissem todos e cada qual confessasse as suas faltas e iniquidades. Osanimais ferozes relataram friamente todas as maldades, perversidades e torpezaspraticadas,eassuasmentirosasdesculpasforamaceitassemprotestos.Apareceu,afinal,um tmido carneiro. Convidado a depor perante o tribunal, revelou aos juzes queroera umas palhas secas do colcho de seu dono. Ahn!, rosnou o leo. s umgrande pecador, carneiro miservel! Abusaste da confiana do teu amo. Aquele dequem recebeste o po e o teto foi por ti arruinado! E com esse teu negro pecadofizesterecairsobrensocastigodocu.Eoinfelizcarneirofoicondenadomorte.

    Vs, reb Leo, continuouRabi Bunam, no mesmo tom, dirigindo-se a um dosjuzessoisculpadodeimpiedade;rebBaer,quevejoali,acusadodetraio;rebWolf, que ostensivamente se prepara para ditar sentenas, deixou, por egosmo eavareza, um filho morrer na misria. Graves crimes pesam sobre vs e ousais, noentanto, constituir-vos em tribunal contra um homem de bem, que pediu dinheiroemprestadoparaumaobrameritria?

    Todosospresentessesentiramenvergonhadosedeixaramotribunal,logoaseguir,sempronunciarsentenacontraoacusado.

    OepisdiointituladoParaodotedeumanoivaencontra-seemLewisBrowne,op.cit.,p.500.IncluiuBrowneessapequenaeexpressiva ilustraoentreasmximasdoParsicharer,designaodadaaoRabiSimchahBunam,zaddikdeprestigiosafama,falecidoem1827.

  • Osttulosdocandidato

    Certo rapaz, sem grandes predicados, apresentou-se aoRiziner (morto em 1850) emanifestouodesejodeserordenadorabi.ORizinerinterrogousobreasuamaneiradeproceder,sobresuaspredilees,eocandidato,compuerilvolubilidade,alegouaseufavorosseguintesttulos:

    Visto-me sempredebranco; sbebogua;pregocravosnomeucaladoparamemortificar. E faomais ainda: deito-me despido na neve emando o zelador dasinagogamedar,todososdias,quarentachicotadasnascostas.

    Nissoumcavalobrancoentrounoptio,bebeuguaeseestirounochocobertodeneve.

    Repara aconselhou o Riziner, batendo no ombro do jovem. Repara!Aqueleanimalquealiestbranco,bebesgua,temcravosnasferraduras,deita-se

  • naneve e apanhamais de quarenta chicotadas por dia.Entretanto, no passa de umsimplescavalo.

    EstanarrativaapareceemLewisBrowne,op.cit.,p.502.Paramuitoseducadores,aadvertnciarudeeindelicadadoRizinernopodeservirdemodelo.Reveste-sedecertagrosseria,e longedeeducar,aviltaodiscpuloeoaniquilamortalmente.deverdomestrerespeitaroalunoapesardetodososerrosepuerilidadesditadospelaignornciaoupelainexperinciadavida.

  • Nadatensapedir

    Ojustoflorescercomoapalmeira;comoocedrodoLbanocrescer.

    Davi

    Vindo em sentido contrrio ao nosso, aproximou-se um ancio que se arrastavapenosamente,apoiadoemumgrosseirobasto.Menospelosandrajosquelhecobriamocorpodoquepelafisionomiatriste,abatida,podiaoobservadorvulgarperceberqueo pobre velho trazia sobre os ombros o peso de uma vida cheia de sofrimentos edesenganos.

    Sensvelangstiaalheia,levei,quasemaquinalmente,amoalgibeira,onde,pelagraa de Deus, sempre encontrei uma moeda com que socorrer o infortnio que

  • esmolanasviaspblicas.OjovemDaviCohn,quevinhaameulado,aodartentonomeugestometocoudelevenobraoedisse-meemvozbaixa:

    No, meu caro gim! No penses em dar teu generoso bolo a esse mal-aventuradoancio!

    Asurpresaquemecausouaquelaestranhaadvertncianopassoudespercebidaaomeu companheiro. Que motivo teria ele, afinal, para evitar que eu socorresse otrpego e senil mendigo? Estaramos acaso diante de um desses charlates que sedisfaramcomsrdidosandrajosparaexploraracaridadepblica?

    E,nomomentoemqueeupretendia interrog-lo sobreocaso,DaviCohn tirourespeitosamente o chapu e dirigiu-se, em diche, ao esfarrapadodesconhecido, umasaudao solene como se tivesse diante de si o gro-rabino ou um dos doutores dasinagoga.

    Pelasbarbasdetodososprofetas!Aquelepobre-diaboqueacreditavaserummseropedinteera,porcerto,umdosjudeusmaisilustresdacidade...

    E,entretantoqueovelhoseafastavanoseuandarpesadoeclaudicante,punha-meeu a meditar naquele mistrio que lhe circundava a fantstica existncia. Vivia napenriaenopodiavaler-sedacaridadealheia!

    Adivinho e justifico a tua curiosidade disse-me, por fim, o meucompanheiro.Querescomcerteza,saberquemessepobrevelhoqueeuacabodesaudar com tanto acatamento. Vou contar-te o que ouvi h trs anos, de um sbiotalmudista:

    ***

    Doismeninos, Samuel eNathan, quando ainda frequentavamos bancos escolares,ligadospeloslaosdamaisternaamizade,fizeramumpactosolene:aquelequealgumdiaseachasseemsituaoprsperaseriaobrigadoaauxiliarooutro.

    Unidos,assim,poressemtuojuramento,atiraram-senalutaincertapelavida.Amontoaram-seosdias;sucederam-seosmeses;correramosanos.Nathan,beneficiadoporumaherana,estabeleceu-senocomrcioe,bafejadopor

    bons ventos, enriqueceu. Samuel, entretanto, no foi feliz. Tentou vrios meios devida,massemresultado.Oscontratemposdamsortepareciamnoquererseafastardasoleiradasuacasa.

  • Ocorreu a Samuel a aliana feita sob a gide do teto colegial, vindo-lhe alembrana pedir o auxlio do antigo condiscpulo, que era ento umdosmais fortescomerciantesdacidade.

    ComdecepcionanteespantoouviudeNathanamaisformaleimpiedosarecusa.Nomelembrodeterfeitopactoalgumcontigo,eteriasidoleviandade,seno

    estultcia,assumirtoestpidocompromisso,queomaisrudimentarbomsensorepeleeanula.Certoestoudequeessa invencionicenopassadeumplanomalalinhavadocom que pretendias extorquir de mim algum dinheiro. Nesse ponto, porm, estscompletamenteiludido,enolevasnemmeiocopeque.

    Oprocedimento desleal e egosta deNathan abalou profundamente o esprito deSamuel.Jamaispoderiaeleimaginarqueseuamigosehouvessedaquelemodoindignoe revoltante, negando com tamanho cinismo um ajuste feito sob a invocao doEternoetransformandotoingnuomovimentodeseucoraonumpropsitoquesditamcaracteresdenegridospelabaixezaepeladesonra.

    ***

    Odestinoencerra,porm,assbiasliesqueDeusprocuratransmitiraoshomens.Comoandardosmesesmodificou-seporcompletoasituaoeconmicadosdois

    amigos.Auxiliadoporumscio inteligenteededicado,Samuelconseguiu realizargrandes

    negcioseganharmuitodinheiro.Nathan,emconsequnciadeumnaufrgio,ficoudeum momento para o outro atirado mais completa misria e crivado de dvidas.Lembrou-se,nessaconjuntura,dopactofirmadoentreeleeSamueleresolveuapelarparaoamigo.

    ObomSamuelorecebeucomsimpatiaedisselogo:Nopoderiajamaisesquecer,amigoNathan,opactoquefizemos,sobtofeliz

    inspirao.Asseguro-te que empregarei osmaiores esforos e nomedirei sacrifciosparaauxiliar-te.

    EogenerosoSamuelconvidouNathanavircomafamliahospedar-seemsuacasaduranteaqueleperododecrise.

    Certodia,comacesointeresse,NathanprocurouSamuel:Apresentaram-me esplndida oportunidade e quero valer-me dela. Preciso de

    oitentarublosparaumatransaourgente.Podesemprestar-meessaquantia?

  • ComomaiorprazeraquiesceuSamuel,comafvelserenidade.ENathanprontamenteobtevedoprestimosoamigoodinheirodequeprecisava.

    ***

    Dezanosdepois,oquadrodavidadeambossofrianovaeradicaltransformao.Impelido por uma aragem de sorte, tornara-se Nathan um dos mais ricos

    banqueiros da Polnia, e Samuel, tendo fracassado em vrias empresas, se achavanovamenteabraoscomamaisnegramisria.

    EopobreSamuelpensou:DessavezNathannodeixardeauxiliar-me,pois jteveocasiodevaler-sedo

    pactoqueexisteentrens.Depois de vrias tentativas malogradas, conseguiu, afinal, chegar presena do

    prsperobanqueiro.Ao ouvir falar no pacto, Nathan, amordaando pela segunda vez a conscincia,

    atiroucaradoamigoestrepitosaehumilhantegargalhada:Jnonovaessalria,meuvelho.Voltasaesseplanoidiotadeobterdinheiro.

    Pacto! Pacto! Forte asneira!Como poderia eu comprometer omeu futuro comumpactodessanatureza?Julgas-me,ento,algumimbecildispostoaemprestardinheiroanegociantesfalidosearruinados?

    Samuel, ao perceber que Nathan se fazia de esquecido, cortou-lhe o aranzeldizendo-lhe,numdesabafo:

    Jque a tuamemria fraca emais fraca a tuadignidadepara conservaresoscompromissoseasdvidasdehonra,v se te lembras,aomenos,dequemedevesaquantia de oitenta rublos que de minhas mos recebestes, a ttulo de emprstimo,quandovivias,aminhacusta,comtuafamlia,emminhacasa.

    Estsdelirando,SamuelatalhouNathancomumsorrisoamarelonos lbios,sacudindoosombros, enfadado.Quempoder crerqueumbanqueiromilionriohaja recebido dinheiro emprestado de um pobre-diabo como tu! de assombrar apieguiceda ideia!Peo-tequenomeapareasmais,poisnodisponhode tempoaperdercomconversafiada.

    ***

  • To abalado ficou Samuel com a infame conduta de Nathan que adoeceugravemente e, ao cabo de poucos dias, aMorte vinha busc-lo como se o quisesselivrardosgrandesdesgostoseamargurasquelheacabrunhavamaexistncia.

    A alma de Samuel reza a lenda, levada para oCu, foi ter presena doprofetaElias.

    Samuelproferiuoprofeta;fostesemprenavidaumhomemjustoebom.Cabe-te,pois,pelavontadedoEterno,umarecompensanoCu.Podes formular, sequiseres, o pedido de algum bem a ser realizado nomundo, entre os teus amigos eparentes.Fala,Samuel,eoEternoouviratuavoz.

    Surpreendidoporaquelaspalavras,respondeuSamuelnumainflexoaltaeresoluta: Senhor, eu nada fiz para merecer to grande recompensa da misericrdia do

    Santo.Julgo,entretanto,quemeocorreodeverdeaproveitaraoportunidadequemeofereceisparasalvarumamigoquedeixeinaTerra.EsseamigosechamaNathan.Foimau e ingrato para comigo e estar, com certeza, condenado ao eterno castigo nosabismosdoInferno.Desejo,pois,voltaraomundo,sobaformadeummendigo,parareaverdeNathanumaquantiaquemedevida.Queroreceberadvidacopequeporcopeque.CertoestoudequeNathan,selheofereceremensejo,sedesobrigardeumcompromissosagrado,penitenciando-separaassimpoderalcanaraeternasalvao!

    RetorquiuoprofetaEliascomprecipitadavivacidade:Separacobrarumadvidadehonra,intilatuavoltaaomundo.Fareicom

    que teu filho mais velho, que vive modestamente, fique reduzido misria e vesmolar,todososdias,portadacasadeNathan.

    Senhor!discordouSamuel.Estouapercebidodevalorparasofrertodasasangstias,masnotenhocoragemsuficienteparaveraflitoumfilhoamado!Deixa-me,senhor,voltaraomundoparasalvaroamigo!

    ESamuel,atendidoemseudesejo,tornouparagemdosmortaisnocorpodeummendigo.

    ***

    Umdia seachavaNathanabsorvidoemseusmltiplosnegciosbancriosquandoouviuintensabulhanocorredorqueconduziaescadaprincipal.

    Chamouumdosempregadoseointerrogousobreoquesepassava.

  • um pobre que veio pedir uma esmola explicou o interpelado. Quisemosdar-lhedoiscopequesmaseleosnoaceitou.DizquenoseretiradaportadobancoenquantonoreceberumaesmoladasmosdoprpriochefeNathan.

    Peloquevejoconsiderouobanqueiro,temoshoje,comonovidade,ummendigoimpertinente,ousadoecaprichoso.Cadadoidocomsuamania!SeSamueljnotivessemorridohtantotempo,eujurariaqueeraelequevinhaimportunar-meoutravezcomotalpacto.

    E,depoisdemeditaruminstante,ordenouaumdeseusauxiliares:Mandavirimediatamenteotalmendigoataqui.Momentosdepoisomsero

    pedintefoilevadopresenadomilionrio. Que desejas de mim, meu velho? perguntou Nathan emprestando voz

    metlicaumtommaldosodeironiaesarcasmo.Queroapenas,senhor,receberdevossasmosaesmoladeumcopequeevirei

    aqui,sepermitirdes,todososdias!Estadeselhetirarochapu!Nofaltavamaisnada!Julgas,ento,miservel,

    que eu disponho de tempo suficiente para atender a tipos da tua espcie? Pensas,porventura,queeuvouinterrompermeusnegcioselucubraesparadaresmolasaossujosqueaquivmmendigar?

    Eajuntouirado,aflautandoavoz:Queriasreceberumaesmolademinhasmos?Poisbem.Vaisreceb-la,node

    minhasmos,masdemeusps!E,puxandoovelhopelagoladoesfarrapadogibo,arrastou-oatoaltodaescadae

    atirou-obrutalmentepelosdegrausabaixo,imprimindo-lheviolentopontap.O mendigo, gravemente ferido em consequncia da queda, poucos dias depois

    falecia.

    ***

    AlgumtempohaviadecorridoquandochegouaoconhecimentodeNathanqueseachavanacidadeofamosoRabiBaalSchem,querealizavasurpreendentesmilagreseliaodestinodoshomens.

    Nathan,interessadoemconhecerosbiorabi,foiprocur-lo.No momento em que o banqueiro chegou, proferia o santo a prece que se

    denominashimeshi.Essaprece,comonotrio,nopodeserinterrompida,razopor

  • que o poderosoNathan foi obrigado a esperar que Baal Schem chegasse ao fim docaptulo.

    Que desejas de mim,meu filho? inquiriu bondoso o rabi.Que tens apedir?

    Nathan,orgulhosoedescrente,emendoucomarrogncia: Senhor, eu nada tenho a pedir. Sou rico, poderoso e sinto-me bem na vida.

    Todos os meus desejos esto satisfeitos. Aqui vim unicamente para conhecer-vos etrazeralgunsrublosparaosvossospobres.

    Se assim , meu filho condescendeu o rabi, em tom displicente, sem lhelargarosolhos,escutacompacinciaoquevoutedizer.

    Baal Schem, inspirado por Deus, contou ao milionrio a histria do pacto comtodos os pormenores, at a morte de Samuel, sob o disfarce de um mendigo, nohospital.

    proporoquesedesenrolavaanarrativa,umterrorindefinvelseapoderavadeNathan. Tremia-lhe o corpo como se o tivesse invadido repentinamente as maisperniciosas sezes, enquanto o rosto despavorido se tornava lvido como o de umcadver.Passavaerepassavaamopelacabeleiragrisalhaempastadadesuor.Percebeuqueorabi,senhordetodosossegredos,desfiavaasbaixezas,pecadoseingratidesdesuavida.

    E o rabi, ao concluir a narrativa, percebendo o efeito de suas palavras, voltou aperguntar-lhecomironiapatentenaexpresso:

    Ento,meufilho?Continuasnailusodequenadatensapedir?

    ***

    Ao deixar a presena do milagroso Baal Schem, Nathan estava completamentemudado. Vendeu tudo o que possua, distribuiu todos os seus bens pelos pobres epartiupelomundoasocorrerosinfelizeseapraticarobem.Tornou-seumbom,umjusto.OsacrifciodeSamuelnoforaintil.Nathanencontraranoarrependimentoocaminhodaeternasalvao.

    ***

  • Posso concluir, meu caro gim? Posso concluir? Esse velho andrajoso, cujoaspecto infundia lstima e que h pouco cruzou o nosso caminho, era exatamenteNathan, aquele que fora outrora o mais temido dos banqueiros judeus. Bem diziaHilel,osanto:Pormaisrico,pormaispoderoso,pormaisforteemaisfelizquesejaohomem,tersemprecemmilcoisasapediraDeus.

    ScholemAleicheim!

    Eis uma dasmuitas lendas israelitas inspiradas na vida exemplar emisteriosa domilagroso Baal Schem. (Vejaglossrio.)Apresentamo-lasegundoanarrativaquenosfoifeitapelajovemprofessoraI.V.,figuradeprestgionomagistrio e reconhecida autoridade em assuntos relacionados com as tradies judaicas. Parece-nos oportunochamaraatenodoleitorgimparaarespostadadaporSamuelaoprofetaElias:Senhor!Estouapercebidodevalorparasofrertodasasangstias,masnotenhocoragemsuficienteparaveraflitoumfilhoamado.

  • Amortedoinocente

    Ordenouumtiranoaexecuodecertosbio,contraoqualumcaluniadorlevantarafalsaacusao.Conduzidoao lugardo suplcio,ocondenadoviuaesposa, lavadaemprantos,elheperguntou:

    Porquechoras,querida?Como no hei de chorar lamuriou ela, vendo-te condenado morte,

    emboranotenhaspraticadomalalgum?Preferirias tranquilizouomaridoquemeexecutassempor terpraticado

    umcrimenefandoouumaaoindigna?

    OepisdioapontadoporLewisBromne,op.cit.,p.297,efiguranocaptuloAsabedoriadeIbnGabirol.Ficariarealmentefalhaelacunosaaantologiajudaicaquenooferecessefbulas,pensamentoseversosdofamosoIbnGabirol,filsofo,poeta,moralistaegramticoquefloresceunoperodomedieval.SobreafigurampardeIbnGabirolserinteressanteler:SimonDubnov,Histriajudaica,traduodeRuteeHenriqueIusim,1948,p.315.

  • Esposaobediente

    Regressava,certamanh,dasinagoga,oBerditschever,esefaziaacompanhardedoisou trs discpulos comosquais palestrava alegre edescuidado.Aocruzarumapraasaiuaoseuencontroumamulherquedespejou, inopinadamente,nacabeadosbio,umbaldedeguasuja.

    Reconheceu o Berditschever, na sua gratuita agressora, a esposa de um de seusinimigosmaisrancorosos.

    Os discpulos revoltados com aquela agresso sugeriram a ideia de castigar aatrevida,efalaramaorabi.Este,porm,discordoueaconselhoudebomnimo:

    No castigueis essamulher.Com certeza ela assim procedeu contramim porordemdomarido;logo,recomenda-secomoesposaobediente.Devemosadmir-la.

    EisumadasmuitasanedotasatribudasaozaddikBerditschever(mortoem1809).Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.497.OsensinamentosdeBerditscheverso,porvezes,graciosos,masnelesrepontasempregrandeeprofundoalcancemoral.

  • Oleoirritado

    Conta-nos a lendaqueoReiLeo, depois deumanoite agitada pormaus sonhos eabaladaporangustiosospesadelos,acordou,certamanh,muitoirritado.

    Osanimaisda floresta, tomadosdepnico, sereuniramnaclareiraque ficavaparaalmdorio.

    Que fazer?ORei Leo est demau humor, enfurecido! Como levar a calma eserenidadeaoconturbadoespritodopoderosoeinvencvelsoberano?

    Tenho uma ideia e comeou o prudente Camelo, dirigindo-se aos outrosanimais. O Rei Leo gosta de ouvir contar lendas. Encanta-se com as histriasmaravilhosasdegnioseaventuras.indispensvelqueumdensvagoramesmoaopalcio contar uma histria ao Rei Leo. Estou certo de que ele, sob a ao danarrativa,ficaralegreeatranquilidadelhehdevoltaraocorao.

    Quem, entretanto, ter a audcia de aproximar-se do Rei Leo? acudiutristonhooElefante.Qual de vocs conhece algumahistria digna de ser ouvidaporSuaMajestade?

  • Nadamais fcil retorquiu a alvoroadaRaposa com trejeitos deorgulhosa.Coragemnomefalta,nemhdefaltarnunca!EseacuradoReidependeapenasdo relato de uma histria, faclimo para mim aplicar-lhe o remdio. Conheoquatrocentas histrias, lendas e fbulas interessantssimas que aprendi no decurso delongas viagens empreendidas pelo mundo. Uma dessas histrias h de, por fora,agradar ao nosso impvido soberano e dissipar a agitao que maus sonhos lhetrouxeram.

    Muito bem!Muito bem! conclamaram alegres os outros animais. Estresolvidoocaso!VamosaopalciodoReiLeo!

    Puseram-se todos a caminho, pavoneando-se, frente de numerosa comitiva, aespertaRaposa,quesabiaquatrocentashistrias!

    Emmeiodajornada,porm,aRaposaparourepentinamenteeassustada,atremer,exclamou,dirigindo-seaoscompanheiros:

    Meusqueridosamigos,grandeinfortnioacabadeferir-me!Quefoi?Queaconteceu?indagaramoscircunstantesaflitos.Das quatrocentas histrias que eu to bem sabia, esqueceu-me agora o fio de

    duzentas!Noteaflijasporissoconsolaramosoutrosanimais.Duzentashistriasso

    suficientes. Uma delas h de, por fora, agradar aoRei e dissipar de seu esprito aagitaoquemaussonhoslhetrouxeram.

    E o cortejo novamente se ps em marcha pela larga e verdejante estrada queconduziaaopalciodosoberanodafloresta.

    Momentosdepois,quandojseouviamnitidamenteosurrosatordoadoresdoLeo,a Raposa parou novamente, e, ainda mais assustada, voltou-se para os que aacompanhavam,dizendo-lhescomvoztranstornada,enrouquecida:

    Amigos!Novaeterrveldesgraamevemsurpreender!Quefoiqueteaconteceu,amigaRaposa?acudirampressurososeemcoroos

    companheiros.Dasduzentashistriasqueeusabianapontadalnguabalbuciouchorosa,

    cemnomelembrammais!Novainissograndemal,boaamiga!redarguiramosanimais,jduvidososda

    seguranadatoapregoadamemria.Cemhistriasdodesobra!Ametadedessenmero contentaria, por certo, ao prprio sulto! Em cem famosas histrias uma

  • haver, pelomenos, cheiadeperipcias atraentes.Essahde agradar aoReiLeo edissipardeseuespritoaagitaoquemaussonhoslhetrouxeram.

    E, isso dizendo, puseram-se novamente a caminho, levando por diante aRaposa,quepareciatristeeabatidacomoseuapoquentadoresquecimento.

    Quando o cortejo que engrossara consideravelmente com a adeso demuitosoutrosanimaischegavadiantedopalciodoReiLeo,aRaposateveumdesmaioeroloudesamparadapelocho.

    Reanimada,porm,pelosdesvelosdoscompanheiros,reabriuosolhos,ecomvozsucumbidaconfessoutremente,amastigaraspalavras:

    Quedesgraa,amigosmeus!Noseicomoocultar-lhesquejnomelembramascemltimashistriasdequeaindahpoucomerecordavatobem!

    A infanda revelao da Raposa causou verdadeira desolao entre os animaispresentes.Quefariameles?Comoremediarasituao?Jsabiamtodospelosurrosmais fortes e mais frequentes do Rei Leo que Sua Majestade, exaltado eimpaciente, j se achavana salado tronoesperadoanunciadoemissrioquevinhatrazer-lhecalmaaoespritoagitado.Quemseriacapaz,naquelagraveemergncia,desubstituiraRaposa,atacadadetoforteacessodeamnsia?

    O Chacal, prudente e sensato, sabedor do que acontecera Raposa, reuniu oschefesdobandoedisse-lhesemtomcordato:

    Meus camaradas! Sou, como bem sabeis, um animal rude e inculto! Tenhovivido sempre em soturnas grutas isolado do mundo, afastado dos sbios e dospoderosos. Aprendi, porm, com um velho mestre que tive nos primeiros anos deminhavida,umahistriamuitooriginal,quejamaismeesquecer.Estoucertodeque,ao ouvir essa nica histria, o nosso gloriosoRei Leo ver restitudas a calma e atranquilidadeaoseuespritoconturbado.

    Vai,Chacal!exclamaramosanimais.Quemsabesenoconseguirs,comtuabelanarrativa,nossalvardafriavingativadoReiLeo?

    O Chacal, em trs ou quatro saltos, galgou resoluto as longas escadarias do ricopalcioqueabrigavaoexaltadosoberano.

    A grande praa estava repleta. A populao inteira da floresta aguardavaansiosamenteodesfechodaarriscadatentativa.

    Esperavam todos, a cada instante, ouvir os uivos de dor que o pobre ChacalexpediriaquandoestivessesendoestraalhadopelasgarrasimpiedosasdoLeo.

  • Decorridos, porm, alguns momentos de angustiosa expectativa, viram todos,perplexos, se abrir as portas do rgio palcio e surgir na larga varanda oRei Leo,calmoe satisfeito, em solenepostura, a saudar risonho, comamveismeneiosde sualustrosajuba,ossditosreunidosaseusps.

    E paramaior pasmo, ao lado do temidoLeo, perfilava-se o abnegadoChacal, opeito escuro coberto de ricasmedalhas e distintivos nobilirquicos, a cintura envoltapelafaixadouradadeministroeconselheirodoreino.

    Os animais no se mexiam, de to assombrados. Ningum sabia explicar aqueleespantosomistrio.Que teria contado oChacal de to extraordinrio aoRei Leo?Quehistriamaravilhosateriasidoaquealteraratoradicalmenteogniodomonarcaefizeracomqueseunarradorsetornassedignodetoaltahonraria?

    Acuriosidade,mesmoentreosanimaisdafloresta,umfatordamaiorimportnciaemtodososacontecimentosdavida.

    OCamelo,queforaatentoumdosmaisntimosdoChacal,nopodendorefrearansiaqueoespicaava,aproximou-se,discreto,donovovizirdoreieperguntou-lherespeitosamente:

    Ilustre ministro, dizei-me, peo-vos por favor, que histria contaste ao nossogloriososoberano?

    Amigo Camelo respondeu com simplicidade o Chacal, o conto quenarrei ao Leo nada tem, realmente, de extraordinrio. Aproximei-me do trono enarrei-lhe, semnadaocultar, a peaquenospregara a vaidosa epusilnimeRaposa!SuaMajestadeachou-lhemuitagraaedisse-me:sempreassim,meucaroChacal! sempreassim!Longedeumreiviolentoe irritado todos se inspirameapresentamideiasgeniais!Overdadeirotalentoeaverdadeiracoragemsserevelam,porm,naocasioexataeprecisa,aodefrontaremcomoriscoeameaa.

    Adaptao,emformadeconto,de famosa lenda israelitaatribudaaoRabiLevi,dosculoIII.Cf.BereschithRabba,cap.78.Veja:MalbaTahan,Lendasdodeserto.BereschithRabbaumgrandecomentriofolclricodoGnesis.omaisantigoeomaiordosRabbothedevedatardosculoIV.

  • Jogandoxadrez

    SimchahBunam,zaddikdeParsischa (mortoem1827) tentou induzirumpecador aemendar-se. Convidou-o para uma partida de xadrez e, durante o jogo, fez ummovimentoerrado.Ohomemiaaproveitar-sedoenganomasozaddiklhepediuqueodesculpasse.Notardou,porm,aenganar-sedenovo,edessavezoadversrio senegouarelevarafalta.

    Disse-lheentoorabi,comamaisafetuosasimplicidade,premindo-lheobrao: Ficas impaciente com o teu parceiro que comete dois erros numa partida de

    xadrez,eesperasqueoSenhorteperdoeosinmeroserrosepecadosdetuavida?Cheioderemorso,opecadorprometeucorrigir-se.

  • O Rabi Simchah Bunam , pela forma original com que reveste seus ensinamentos, uma das figuras maisexpressivasdohassidismo.Socuriosososartifciosdequelanamoessezaddikparaconvencerseusdiscpulos.EsseepisdiodojogodexadrezapresentadoemLewisBrowne,op.cit.,p.499.

  • Aletrabeth

    EncontramosnoTalmudeestainteressanteobservao:AhistriadaCriaocomeapelaletrabethenopelaletraalef,queaprimeiradoalfabeto.

    Impe-seumapergunta:porquefoidadatodecisivapreferncialetrabeth?Eisasingularexplicaooferecidapelossbiostalmudistas:Porquebethinicialda

    palavrabarakha(bno)aopassoquealefainicialdearira (maldio).Docontrriooshomensdiriam,ecomtodarazo:Comopodeomundosubsistirsefoicriadocomumaletrademaupressgio?

    So palavras do Senhor, Deus de Israel: A mim clamaste na angstia, e eu telibertei; da nuvem que trovejava fiz ouvir a minha voz; provei-te nas guas deMeribah.Ouve-me,povomeu,queroadvertir-te.Oxalmeescutes,Israel!

    Cf.AspectsdugniedIsrael,Paris,1950,nocap.LeTalmud,sentencesetrcitsexemplaires,p.64.SobrealetrabetheaCriao,indicamostambm:Khagiga,apudA.Cohen,op.cit.,pg.83.AspalavrasfinaisdotrechosoosSalmos80-8,deDavi.

  • Apacinciadomestre

    Vindeouvir,todosvsquetemeisaDeus,eeuvosnarrareiquantodebomoSenhorfezminhaalma.

    Davi

    Omestreprescreve oTalmude temobrigao de repetir tantas vezes a lioquantassejamnecessriasparaqueodiscpulopossacompreend-lobem.

    ORabiBerida tinha um discpulo dotado de limitadssima inteligncia. Para essejovem, era o bom rabi obrigado a repetir quatrocentas vezes* a lio, pois s assimconseguiaqueelecompreendessealgumacoisa.

  • Estava, certa vez, o paciente rabi s voltas com o tal discpulo, esforando-se naexplicao de certo trecho da Escritura, quando recebeu urgente chamado de umamigo.Asuapresenaeraexigidanumareunioemquedeviamserdebatidosassuntosquelhediziamrespeito.

    Antesdesair,segundoseucostume,explicouquatrocentasvezesalioaojovem;maseste,nofimdetudo,interrogado,confessouquenadahaviacompreendido.

    Meufilhodisse-lheomestre,encarando-ocontristado,serpossvelque,dessavez,asminhasmultiplicadasrepetiesnotenhamlogradoxito?

    Senhor!explicouodiscpulocomvoz trmula.Quandopercebiqueosamigosexigiamatuapresenaemoutrolugar,preocupei-mecomocasoenelefixeimeus pensamentos. A cada palavra tua, parecia-me que, por minha causa, estavassacrificandoosteusinteresses.E,marteladoporessapreocupao,nadapudeperceberdeteusensinamentos.

    Pois bem!decidiuo sbio, abeirando-semais do jovem.Aculpano tua;minha.Recomearemosdenovo.

    E, antes de sair para a reunio, reiniciou a mesma lio e repetiu-a outrasquatrocentasvezes.

    Esteepisdio,dealtasignificaodidtica,figuranoTalmude.Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.197.Observa-seuma decidida simpatia dos talmudistas pelo nmero quatrocentos. O nmero quarenta e seu mltiplo quatrocentossoosmaiscitadosnaliteraturatalmdica.

  • Nota

    *Trata-se,naturalmente,deumnmerodeterminadoparaindicarumindeterminado.

  • Respeitofilial

    EisoquenoscontaoTalmudeentreosseusadmirveisensinamentos:Ao ouvir os passos de sua me que chegava, o sbio e judicioso Rab Joseph

    ergueu-se lentamente diante de seus discpulos e declarou com nfase: Levanto-meporqueacabadeentraroShekinak.

    Shekinak, em hebraico, o Esprito Santo, o Amor. Prestava, desse modo, odoutoisraelitapartedotributodereconhecimentoquedeviasuame.Advidadegratido de um filho para com aMe conta sempre em aberto; jamais poder serresgatada.

    InspiradonumapassagemdeMichna-Kiddouchin,31,b.Cf.A.Cohen,op.cit.,p.236.OTalmudealonga-se,porvriaspginas,emseuscomentriosealegoriassobreabelezaesublimidadedoamorfilial.

  • Omendigonacerca

    Achava-se certo ricao janela quando viu, do outro lado da rua, um mendigo aesfregar as costas num cercado. Informado de que o pobre homemno tinha, haviameses,comquepagarumbanho,deu-lhealgumdinheiroeumamudaderoupa.

    Anotciadaqueleacontecimentoseespalhoupelacidade,enotardouqueoutrosdoispobresqueviviamnosarredoresfossemtermesmacerca,eparaatrairaatenododadivosojudeusepuseramaesfregarenergicamentenumadasestacas.Mas,emvezdelhesdaresmola,oricao,aoavist-los,correu-osabengaladas.

    Foradaqui,embusteiros!bradavaelenumtomprecipitadoecavernoso.Amimquenoiludem!Foradaqui,mandries!

    Masporqueacreditastenooutro?protestou,atarantado,umdosmendigos,fitandooricocomafaceemparvecida.

    Porque ele estava sozinho, e, naturalmente, sentindo aflio nas costas, sencontrouummeio:esfregar-senacerca.Masvocssodois,esenofossemcnicos

  • eimpostores,cadaumcoariaascostasdooutro.E,exaltado,comfulminantegestodeclera:Foradaqui!

    Nofolcloreisraelita,ocaptuloquecompreendeoanedotriopopular interessantssimo.Porsuaantiguidade,pelaextensodeseuengenho,porsua influnciareligiosa,opovojudeupostoemsituaoderealdestaqueentreoscultoresdofolclore.RaimundoGeiger,noprefciodeseulivroCuentosjudos(trad.deI.G.Gorkin),pe em relevo a feio humorstica dos diches. A omisso, nesta antologia, da parte folclrica anedotriarepresentaria,certamente,umafalhaimperdovel.claroquesnosparecemvlidasasanedotasconstrutivas,isto, as que encerram um ensinamento, uma advertncia ou o agudo sentido do humorismo que caracteriza osjudeus.O anedotrio israelita temummrito que devemos encarecer.Os casos anedticos confirmamo vastoesprito liberalde Israel,o respeitodos judeuspela liberdadedeopinioe a forma resignadacomoessepovorecebe os reveses da vida, sem se deixar subjugar, mantendo-se, atravs dos sculos, gil, so e cheio deesperanas.Cf.LzaroLiacho,Anecdotariojudo,2edio,BuenosAires,1945.LewisBrowne,op.cit.,pg.542.

  • Duasrajadasdevento

    Aoregressarvitoriosodesuasguerrasdeconquistapelomundo,oimperadorAdrianoconvocouoscortesosedeclarounumtomdeexcepcionalgravidade:

    Dado o poder de que disponho, e em virtude da fora incalculvel querepresento,exijo,deagoraemdiante,quemeconsideremcomoumdeus!Elevou-meodestinoaoplanosublimedadivindade!

    Malouvirataldeclarao,adiantou-seumdosnobresedissejubilosoaorei:Umavezque soisumdeus, implorodesde jovossopreciosoauxlio.Podeis,

    senhor,ajudar-menestahoradegraveinquietaoemquemeencontro?Queaconteceucontigo?perguntouoimperadorcomvaidosaentonao.

    Emquepodereiauxiliar-te?Preocupa-measituaoemqueseencontraumdemeusbonsnavios.Acha-se

    essagaleraparadaa trsmilhasdacosta.Reina,hvriosdias,absolutacalmaria,eonavio,comgraveprejuzoparamim,nopdealcanaroporto!

  • IssosimplesdeclaroulogoAdrianocomostensivaindiferena.Mandareiumafrota,tripuladaporbonsremadores,queofarnavegar.

    Paraque togrande incmodoacudiupressurosooulico,comumsorrisoimpertinente,comduasoutrsrajadasdeventoagaleraestarsalva!

    Masaondeireieubuscarovento?esquivou-seoimperador.Retorquiu,muitosrio,ocorteso,comacertadocritrio:Seno sabeis comoobterduas lufadasdevento,muito fracoovossopoder.

    Comopretendeiarrogar-vosdosatributosdeDeus,quecriouoventoefazbramirosvendavais,senoconseguisperturbarcomduasrajadasacalmariadomar?

    To justa e sbia advertncia fez calar opoderosomonarca e deixou-o confuso econstrangidodiantedesuacorte.

    Tanhuma,ParaschaBereschith,7:10.Esseepisdiocitadoemquasetodasasantologiastalmdicas.Adotamosaformaquenospareceumaisinteressanteparaoleitor.Cf.OTalmudedeMoissBeilinsoneDanteLattes,traduodeVicenteRagognetti,comdedicatriadeRafaelMayer,p.53.

  • Eneno-iuda

    Vsnoslivrastes,Senhor,dosquenosafligiameconfundistesosquenosodiavam.EmDeusnosgloriaremostodoodia,elouvaremoseternamenteovossonome.

    Davi

    Era em Ioldivka, pequena aldeia deUcrnia, quando o famoso pas eslavo ainda seachavasoboguanteimplacveldotsarismo.

    Naquela noite, o velho e sombrio palcio do puritz se enchera de alegresconvidados.SuaAlteza,oprncipeAleixoBuroff,governadordeIoldivka,ofereciaaosfidalgos e burgueses mais ricos da aldeia o grande banquete com que anualmentefestejavaoaniversriodeseupoderosoamigoeprotetor,otsardetodasasRssias.

  • Avodca corria em abundncia.Os orgulhosos senhores, exaltados pelas contnuaslibaes alcolicas, cantavam, com voz rouca, as velhas melodias dos camponesesrussos,enquantoasraparigaseservosdanavamokamareinskaiaeokazatchockaosomdasbalalaicas,vibradaspelasmosgeisdeartistasexmios.

    Emdadomomento,quandoasuntuosafestapareciaatingiroaugedoentusiasmo,opopeseaproximoudoprncipeAleixoedisse-lhecomafetadanegligncia:

    Poderia, Vossa Alteza, conceder-me agora a permisso, j pormim solicitadavrias vezes, para expulsar os judeus de nossa aldeia? Os israelitas, a meu ver,constituem uma populao que, se no prejudicial, pelo menos completamenteintil.

    O puritz, com o esprito perturbado pelos efeitos dos vinhos, no hesitou ematenderaocriminosodesejodopope,enomesmoinstanteoautorizouaexpulsarosisraelitas de Ioldivka. Era necessrio um pretexto. Ao pope caberia a fcil tarefa dejustificaratorpemedidadeperseguioaoshebreus.

    No dia seguinte, a populao israelita de Ioldivka foi surpreendida pelo seguinteaviso,mandadoafixarnapraapblica:

    JudeusdeIoldivka

    Vrias e graves denncias contra os judeus chegaram ultimamente aos ouvidos de SuaAlteza,oprncipeAleixoBuroff.Encarregou-meSuaAltezadaingratatarefadeapuraroquehdeverdadeacercadetaisdenncias.

    Segundoseafirma,etenhodissoprovasbemseguras,os filhosdeIsrael,queaquihabitam,nosdescuramocultivodasterras,entregando-seexclusivamenteamisteresdequeauferemdetodomundolucrosexorbitantes,comotambmlanamaoabandonoosestudoseprticadanobrereligiomosaica,afundando-senoatesmoealardeandoheresias.

    SabeDeusqueeumesintoanimadodomaispuroafetopelosmeusirmosemIsrael,masseessesfatosforemconfirmados,ver-me-eiforado,comgrandemgoa,aexpuls-losdeIoldivka.

    Paraelucidaraquesto,exijoqueescolheisdentrevs,judeus,omaishbileinstrudoparaser por mim publicamente interrogado sobre o Talmude. Se ele responder satisfatoriamente atodas as perguntas que eu lhe fizer, ficareis empaz.Se, porm, o vosso emissrio demonstrarignornciaemassuntostalmdicos,sereisfulminadospelodesprezodetodososhomensdebem,poisumpovoquenemaomenosconheaasualeifundamentalnotemodireitodeviverentregentehonestaetrabalhadora.

  • PopeLADISLAU

    Essa inesperada intimao do pope causou verdadeiro pnico entre os judeus deIoldivka.

    Era voz corrente e por todos reconhecida, que o pope possua invejvel culturafilosfica,tinhaprofundosconhecimentosteolgicosesenotabilizara,almdisso,pelosgrandesestudosquefizerasobreoTalmude.

    O rabino Uziel, homem inteligente e culto, que pontificava no het-adnessed deIoldivka, no se sentia com coragem para discutir com o pope, sabendo que umarespostaemfalsoacarretariaexpulsoinexorveldetodososseusirmos.

    Eseorabinoseapresentava,quemteriacoragemdeenfrentarosbioortodoxo?Os israelitas, em facede tal calamidade, em sinal dedesesperao, fizeramokria,

    cobriramacabeadecinza,aopassoqueorabinodecretavao tunnesseconvocavaoschoichecht, o malamed, o hazan, o bakoira e todos os vultos de mais prestgio dacomunidadeisraelitaparadiscutireresolverasituao.

    Como no houvesse, porm, quem se julgasse capaz de assumir a graveresponsabilidadedediscutircomopope,dirigiram-setodososhet-adnessed,acenderamas velas e abrindo o aronkodsh comearam a rezar, implorando o auxlio divino elamentando-sediantedaTor.

    Quandojpoucofaltavaparaexpiraroprazo, subiuorabiparaobellemene falouaosinfelizesjudeus:

    Aindano terminaram, filhosde Israel, osnossos sofrimentos!OSantoquerexperimentarmaisumavezanossaresignaoefezcairsobrensmaisessaprova.Idepara as vossas casas e preparai-vos para o novo exlio, pois a nossa situao insustentvel. Sinto-me perturbado e incapaz de discutir o Talmude com o popeLadislau. E dentre vs, quem teria coragem para enfrentar o sbio e rancorosoinimigo?

    Nograndesilncio,queserainterrompidopelosdbeissoluosdasmulheres,fez-seouvirumavozenrouquecidaecava:

    Euirei.Houvena sinagogaumgrande e incontidomovimentode agitao e surpresa, de

    esperana e indignao.Quem seofereceraparadiscutir comopope, emnomedosjudeus,eraElik,ohomemqueandavadesdemanhatanoite,acarregarguadorio

  • para as casas. Elik no passava de um tipo grosseiro, pouco inteligente, ignorante equaseanalfabeto.

    Osqueseachavampertodoaguadeirojulgavam,aprincpio,quesetratavamenosdemistificaoquedeumapilhria,etiverammpetosdeoprparaforadorecintosagradonomesmoinstante.

    O rabino, batendo com energia na mesa do bellemen, fez serenar o tumulto einterpelouElik:

    Sabesbemoqueestsdizendo,,aguadeiro?Sei,sim.Ireileheideconfundiropope!MasquesabestudoTalmude?Deixa-meempaz!Seicalgumacoisaqueopopenopoderresponder!Achouorabiqueseriaprudentenopedirsobreocasomaioresesclarecimentosao

    aguadeiro, e crendo que o pobre Elik era um enviado divino para a salvao dosjudeusdeIoldivka,assimfalou:

    , meus irmos de Israel! J vejo no Oriente luzir a esperana da salvao!TenhamosfqueoSantononosdesamparar!

    E,chamandoomalamed,murmurousombriamente:Vaianunciaraopopeque jescolhemosonosso representanteequeelepode

    preparar-separanosreceber!Scholemaleichem!

    ***

    Napraaprincipaldaaldeia,sobreumgrandeestradoerguidoespecialmenteparaooriginal prlio, o pope, acompanhado do puritz e das mais altas autoridades deIoldivka,aguardavacomamaiorsolenidadeachegadadosisraelitas.

    Estesno se fizeramesperar.horamarcada se aproximaramdapraa coaguladadecuriosos.frentemarchavamorabinoeoaguadeiro.

    Eisaquionossoilustrecorreligionrio,queveiodiscutircomVossaEminncia!anunciouorabino,apresentandoElikaopope.

    Tomadodevivaindignao,opopeLadislaunoseconteveegritoucolrico:Cesmiserveis!Sporesseinsultocomquepretendeisenlamearomeunome

    e o meu prestgio mereceis imediata expulso da aldeia! Como ousais trazer, paradiscutircomigo,umhomemqueaomesmotempoidiota,estpidoeignorante?

  • E logo, atabalhoadamente,voltando-separaoprncipeAleixo,osolhos a coriscardeclera:

    Veja,VossaAlteza,aquepontochegaaaudciaeoatrevimentoincrveldessesaventureiros!Queremque eu desa daminha posio para discutir oTalmude comumhomemquemalsabeler.

    Oprncipesemexeuimpaciente:No poders, meu amigo, recusar o representante judeu por tratar-se de um

    homem rude e inculto. Mais fcil ser a tua tarefa. Esmaga esse ignorante e eudecretarei,aseguir,aexpulsodetodososjudeus!

    Queassimsejatornouopope.Umavezquemeobrigamadiscutircomesteimbecil,exijoumacondio:aquelequedeixarderesponderprimeiraperguntaserdegoladoimediatamente!

    Opuritz,fitandoorabinoUziel,perguntou-lhe:Aceitasacondio?Elik,semhesitar,cominalteradosemblante,decidiupelorabi:Aceitamos,,Prncipe!Ordenouopuritzqueumgordovai,verdadeirocarrascorusso,sepostasse,deespada

    desembainhada,portrsdoaguadeiro. Peo a Vossa Alteza que mande colocar outro guarda, na mesma atitude de

    espadaempunho,juntoaopopeLadislau.Co, atrevido! protestou enfurecido o pope. Julgas, ento, que eu vou

    deixar sem resposta algumas das tuas perguntas?No passas de umpobre imbecil! Eparaprovarqueeunadareceiodeti,cedo-teodireitodefazeraprimeirapergunta.

    Fez-se um grande silncio.Os judeus acompanharam com indescritvel ansiedadetodasasperipciasdaqueledesigualcertamedequedependiaasortedetodos.

    Elik,oaguadeiro,perguntoualtivamenteaopope: Pope! Tu que afirmas saber tudo, conhecer tudo e responder tudo, dize-me:

    Quequerdizereneno-iuda?Essaperguntafoiseguidadeumaestrepitosagargalhadaporpartedopope:Envergonha-te,histrioignbil!Issonoperguntaquesefaa,,cretino!No

    sei!Seumachuvadeourocassenomeiodamultido (semembargode seremtodos

    judeus),noteriacausadomaiortumulto.Osisraelitasexultavamdejbilo.OprncipeAleixointerpelouopopecomseveridade:

  • Com que ento, pope, no sabes responder pergunta de um simplesaguadeirojudeu?Enoteenvergonhasdeconfessar,empblico,atuaignorncia?

    O pope, lvido, trmulo, procurava defender-se naquela situao de vexame edeslustre:

    Mas...no...Alteza.Aperguntafeitapeloaguadeirotola!Repito:nosei!Cortandoosilncioquesealargavaopuritzgritouparaogordovai,apontandoparao

    popecomumdedoalongadoelvido:Nosehumilha,impunemente,umprnciperusso!Essepopeumimpostor,

    umcretino!Degola-o!Nofoinecessriorepetiraordem.Comumgolpecerteiro,ogigantescogordovai

    fez a cabeadopope rolarpelo estradoe cairna areiadapraa.Ocorpodo infelizbaqueou,emseguida,paratombarsurdamente,espadanandosangueportodososlados.

    Osjudeusficaramestarrecidosdiantedaquelacenabrutaleinesperada.EoprncipeAleixo,dirigindo-seaosisraelitas,disse-lhes:

    Declaro, sobminha palavra denobre, que dehoje emdiante, enquantoDeusmederalentoefora,osjudeuspoderovivertranquilamentenestaaldeia!

    ***

    Havia, porm, uma circunstncia que s os judeus conheciam e que, portanto, opuritz,eosgimignoravam.

    Eneno-iudea,umaexpressohebraicaesignificanosei.Odesfechodocaso, comamortedopopee a sentenadopuritz, trouxegrande

    alegria aos israelitas, que logo se dirigiram ao het-adnessed a fim de render graas aoCriador.

    Em certomomento, no podendo sofrear a curiosidade queo abrasava, o rabi sedirigiuaoaguadeiroeperguntou-lhecomvozvelada,cingindo-onumefusivoabrao:

    Dize-me,meu filho,comoteveio lembrana fazeraopopeaquela luminosapergunta?

    Comamaiornaturalidade,nasuarudezadeiletrado,respondeuoaguadeiro: Tive h tempos, nestas mos, um exemplar do Talmude, traduzido por um

    sbiorabi.Paratodasaspalavrasdavaosbioumasignificao.Noteiqueapenasparaeneno-iudaeledeclaravacomamaiorfranquezanosei.Ora,seumgranderabinonosabiaoquequeriadizereneno-iuda,eracertoqueopopetambmnosaberia!

  • S ento os judeus cultos compreenderam que a absoluta ignorncia de Elik lhesgarantiraosbenseatranquilidade,poisnemeleprprioqueformularaaperguntasabiaqueeneno-iudasignificavanosei!

    Umsbioorgulhoso,quandotransviadodocaminhodobem,podeservencidopelomaisrudeignorante.

    BaruchAdonai!BenditosejaDeus!

    Conto popular israelita aqui apresentado segundoumanarrativa que nos foi feita porEliasDavidovich.Nesteconto a comunidade israelita de pequena aldeia russa consegue evitar uma deportao inqua. Em seu LivroJudeologia escreveMoissKahan:Sobreviveramos judeus, a toda sortedeperseguieseextermnio.Durantemuitasgeraesnohaviaisraelitaqueestivessesegurodeseusbensedesuavida.SempreaameaadadesgraadadesventuraesemprerecomeandocomoPrometeuacorrentado.Cf.MoissKahanJudeologia,SoPaulo,1943,p.82.

  • Acabrafatigada

    Jos Krantz, o grande maguid (evangelista) de Dubno, morto em 1804, granjeararenomecomsuasparbolas.Chegandocertavezaocairdatarde,cidadedeJeric,apeou-seportadeabastadomercador.

    Recebeu-ooricaocomsimpatiaedisse-lhesemmaisprembulos:Apazsejaconvosco,sbiomaguid!Sentai-vosecontai-meumalindaparbola

    ouumalendadeIsrael.Comomaiorprazeraquiesceuopregador.Encostou-setranquilonasoleiradaporta,meditoudurantealguns instantes,passou

    lentamenteamopelatesta,enarrouoseguinte:Ummercador galileu levou certa vez para casa uma cabra que comprara na

    feira,eamulhercomeouaordenh-la.Noobteve,naturalmente,nemumagotadeleite.Ora!,protestouamulher,foste iludidononegcio,meumarido.Estacabrano presta.No d leite! Enganas-te, querida, retorquiu o galileu, muito boacabra,deboa raaedmuito leite.Masvemde longe,estcansada, famintaecom

  • sede.Satisfaz-lheasnecessidades,d-lheumanoitededescansoe,amanh,terleitefarta.

    AdaptadodeumtrechocitadoporLewisBrowneemseulivroSabedoriadeIsrael,p.509.

  • Aterraquepurifica

    Sminhaajuda:Nomedeixes,nemmedesprezes,DeusmeuSalvador.Davi

    Dois doutores passeavam, certa vez, pelos confins da Palestina quando viramaproximar-sedelesumfretro.Compreenderamquesetratavadealgumisraelitaque,tendomorridolongedaptria,eralevadoparaenterrar-senaTerraSanta.

    Umdosdoutorescomentouirnico:Quetolos!Dequeserveisso?Essesimbecisincidemprecisamentenacensurado

    Profeta: Enquanto a vida vos anima, a Terra de Israel para vs um oprbrio; e

  • depois, quando de vossos olhos a luz se apaga, vindesmacular o nosso cho comosdespojosdevossoscadveres!

    No me parece razovel a tua crtica discordou, em tom sereno, ocompanheiro. Afirmo-te que um simples torro da terra sagrada caindo sobre ofretro redime, por completo, o morto do pecado de ter vivido em pas estranho.Proclamaoprofetaqueestaterrapurificaseupovo.

    Econcluiuinspiradonumavozquentedepersuaso:PossuirasepulturaemTerraSantaequivaleapossu-lasoboaltar.

    Figura este trecho emTalmudede Jerusalm, cap. 2.O israelita quevive longedaPalestinadevepossuir umpoucodaTerraSanta.Emcasodemorte,essaterracolocadapelosamigospiedososnoesquifedaquelequeavida forou a viver empas estranho.Obom judeu leva, assim, consigo,umpunhadoda terra sagradaparaotmulo.

  • Apratadorabi

    Certa vez o Besht jornadeava com o seu filhinho Hirsch paraMedziboz, a fim devisitaro rabidacidade,entoenfermo.Orabierahomemde recursos, eexibiaemsua casa um armrio atulhado de linda e rica prataria que o jovemHirsch admirouimensamente.

    Emdadomomento,quando se achava a ss como jovem,oBesht,quebrandoosilncio,assimfalou:

    Julgas, naturalmente,meu filho, que essas pratas no esto em lugar devido eque ficariam melhor em casa de teu pai. Acertas num ponto e erras em outro. Apratarianoseachabemaqui;masemnossacasanodeveriatambmficar.Ocertoeo legtimo seria que fossem todas essas peas distribudas comoesmolas, ou aplicadasem obras de educao, pois ridculo que permaneam aqui a rebrilhar, como

  • ornamentos fteis, quando o dono desta casa, pelo cargo que exerce, deve darexemplodemodstiaedesprendimento.

    EsteepisdiocitadoentreasmximasdeBaalSchemTov.Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.475.Parece-nosjustaaobservaodorabi.Nosecompreende,realmente,quepossaumverdadeirosacerdote,cnsciodesuasfunes,colecionarmoedasrarasoupeasdeouroeprata.

  • Oexagerodaprece

    Antonino,quesucedeuaAdrianonogovernodeRoma,erasbrio,clementeejusto.Durante seu reinado, foramospovosbeneficiadospor largoperododepaz. Sempredisposto a proteger os desgraados e a amparar os fracos, foi esse bom monarca,verdadeiramente, o pai de seu povo. Ouvia com respeito os sbios e atendia aosjudiciososconselhosdosmaisvelhos.

    FrequentavaacortedeAntoninoumdoutorabichamadoJudahha-Nasi.Umdiao imperadorpediuqueo rabioesclarecesse sobreumpontodadoutrina

    quelhepareciaobscuro:Deveumhomem,dentrodosprincpiosdesuaf,rezaratodoinstanteeerguer

    suasprecesacadamomento?Esse exageroque levao crente aumaprecedesarrazoadano permitido

    esclareceuorabi,etalproibiotemporfimimpedirqueohomemsehabitueainvocar,emvo,onomedoAltssimo.

    No compreendeu o romano o sentido dessa explicao e retorquiu com certabrusquido:

  • A razo que alegas, rabi, no tem, a meu ver, cabimento. Seria umcontrassensoaceit-la.

    Ovelhoha-Nasi,noinsistiusobreocaso,masnodiaseguinteseapresentoumuitocedo na sala do trono e ao entrar cumprimentou respeitoso o imperador, erguendobemaltoasaudao:

    SalveTitoAurlioFlvioAntonino, senhordeRoma,dominadordomundo!Ave,CsarAugusto!

    Sentiu-seAntoninolisonjeadocomaquelahonrosacortesia.Masorabi,meiahoradepois, ergueu-se solene e proferiu pela segunda vez, em voz clara e vibrante,curvandoobustoemligeirorecuo:

    SalveTitoAurlioFlvioAntonino, senhordeRoma,dominadordomundo!Ave,CsarAugusto!

    E passou a repetir, de meia em meia hora, essa mesma cortesia. Na quarta ouquintavez,irritou-seoimperadoreadvertiuindignado:

    Como te atreves, rabi, a zombar assimda realeza?Que pretendes comessasaudaoinsistenteedespropositada?

    OsbioejudiciosoJudahha-Nasi,acentuandotragicamenteaspalavraselanandoumgrandegestoemredor,assimfalou:

    Meditai, Csar, sobre o que acaba de suceder. Sois, na verdade, um reimortal,enoentantonopodeis suportarquevos sademdemeiaemmeiahora.E,antesdefindarodia,fizestescalaroimportuno.MaiscensurvelseraimpertinnciadaquelequesedispuserasaudaratodooinstanteoReidosReis!

    VamosencontraresseepisdioemTanhumaBuber,MiketzCf.LewisBrowne,op.cit.,p.217.Sobreoexagerodaprecesemprerecaiuacensuradostalmudistas.MidraschTehillin,29:1.ConvmlerocaptuloLaFoiet lapriredolivrodeA.CohenLeTalmud,p.125.

  • Ocavaloveloz

    Encontrava-se, certa vez, o Besht em palestra com alguns discpulos. Um dessesaventouumadvida sobreamaioroumenordificuldadequeoshomens inteligentesencontramemretomar,depoisdeumerro,ocaminhodareabilitao.

    OBeshtsedirigiuaumdospresentese,comamaiornaturalidade,perguntou-lhesorrindoemeneandoacabea:

    Porqueocavaloligeirovaledezvezesmaisdoqueocavalovagaroso?Embora surpreendido com a inesperada arguio, o interpelado apressou-se em

    responder:Porquedezvezesmaisveloz. Sim confirmou o Besht sem se desconcertar , entretanto, se ele se

    extraviar,perde-sedezvezesmaisdepressa.

  • Tem, ento, um grave defeito! recalcitrou logo um dos ouvintes com arvitorioso.

    RetorquiuoBeshtcomaimperturbvelserenidadedossbios:Mas tambmno te esqueas de que o cavalo veloz, encontrando o caminho

    certo,recuperardezvezesmaisdepressaotempoperdido.Econcluiu,semfugiraotomdemansidoebondade: Quando o homem inteligente se arrepende, torna ao primitivo estado de

    integridademuitomais depressa do que o nscio. O inteligente se reabilita de seuserrosmaisdepressadoqueaquelequeacanhadodeespritoecurtodeimaginao.

    OepisdiocitadoporLouisNewman,Thehasidicanthology.Talesandteachingsofthehasidism,NovaYork,1934,p.106.Aindasobreohassidismopoderamosindicar:G.G.Scholem,LesGrandscourantdelamystiquejuivre,Payot,Paris,p.343;SimonDubnov,HistriaJudaica,versoportuguesadeRuteeHenriqueIusim(LivrariaS.Cohen),p.438.

  • Ojudeueavaca

    Nacasadojustohumgrandetesouro,napalavradompiosexisteperturbao.Salomo

    Todososdias,damanhatocairdanoite,JacSimonnofaziaoutracoisasenomaldizer a sorte ingrata. Blasfemava contra o destino que o forava a viver naquelainsuportvel e torturante penria. A casa em quemorava era pequena, incmoda edesconfortante; no dispunha seno de dois quartos para os pequenos e de uma salaminscula,comduasjanelas,ondemalpodiareceber,nosdiasdefesta,meiadziadeamigosevizinhos.

  • A paciente Sorel no concordava com as queixas e revoltas domarido. A vidapara elesnoerapor certo invejvel.L issonoera!Podia,porm, serpior,muitopior...

    Piordoqueisso,mulher,nunca!clamavaJac,arrepelando-se,irritado.Nopossvel!Reparanaaperturaenodesconfortoemquevivemos!Nocabemosnestacasaenovejocomonemquandoserpossvelarranjaroutramelhor.

    Umdia,afinal,acidadefoivisitadaporumsbiofamosoqueopovoapelidaraBaalSchem.

    Informada da presena do taumaturgo, Sorel sugeriu, cheia de confiana, aoesposo:

    Por que no vais ouvir