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Lev Grossman Os Mágicos

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Lev Grossman

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Lev Grossman

Os Mágicos

TraduçãoIrene Daun e LorenaNuno Daun e Lorena

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Planeta ManuscritoRua do Loreto, n.º 16 – 1.º Direito

1200 ‑242 Lisboa • Portugal

Reservados todos os direitosde acordo com a legislação em vigor

© 2009, Lev Grossman© 2009, Planeta Manuscrito

Título original: The Magicians

Revisão: Eulália Pyrrait

Paginação: Guidesign

1.ª edição: Outubro de 2010

Depósito legal n.º 318 236/10

Impressão e acabamento: Guide – Artes Gráficas

ISBN: 978‑989‑657‑131‑3

www.planeta.pt

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Para Lily

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Brech

a do

Ran

corRuínas Vermelhas

Barreira do Norte

Deserto do Relógio

Descanso d

o Pedinte

Costa Ventosa

The Fingerlings

Sutton

Grande Espinheiro

Terra de Corian

Águas Lamacentas

Cidade de Bronze

Dentes do Galo

Lágrimas de Fusco

Barion

LORIA

Gran

deRio

Salgado

Mar Amarelo

N

S

EO

MAR OCIDENTAL

Floresta Sombria

F I L L O R Y

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Baía Agitada

Barreira do Norte

Retiro

Terra de Corian

Terras Baixas de Morgan

Deserto Vagabundo

Montanhas de Cobre

Pomar do Sul

Castle Whitespire

Águas Lamacentas

Cidade de Bronze

Barion

Túmulo de BorralhoPântano do Norte

Cascata de Chatwin

Porto Seguro

Rio MortoAbsinto

Dentes de G

alinha

Rio Milkwater

Montanhas

sem Nome

Barranco

s Pratead

os

Port

os Gé

meos

Chankly BoreF I L L O R Y

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Partirei o meu bordão,Enterrá ‑lo ‑ei nas profundezas da terra,E mais profundamente aindaEnterrarei o meu livro.

William Shakespeare, A Tempestade

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L I V R O I

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• Brooklyn •

Quentin fez um truque de magia, mas ninguém viu.Seguiam ao longo do passeio frio e irregular: James, Julia e ele, os

dois primeiros de mão dada. As coisas estavam naquele ponto. Como o passeio não era largo o suficiente, Quentin seguia atrás dos dois como

uma criança amuada; preferia estar sozinho com Julia ou apenas sozinho, mas não se podia ter tudo, pronto. Pelo menos era o que os factos diziam.

– Okay! – disse James por cima do ombro. – Q. , vamos falar de estraté‑gia. – James parecia ter consciência de quando Quentin começava a sentir pena de si próprio. A entrevista deste era dali a sete minutos e a do primeiro era logo a seguir. – Um aperto de mão firme, montes de contacto visual e quando ele começar a sentir ‑se confortável, dás ‑lhe com uma cadeira, eu descubro ‑lhe a palavra ‑passe e mando um e ‑mail para Princeton.

– Limita ‑te a ser tu próprio, Q. – disse Julia.Os cabelos escuros da jovem, encaracolados, estavam puxados para

trás. O facto de ela ser sempre simpática com ele ainda tornava as coisas piores.

– Foi o que eu disse.Quentin fez outra vez o truque de magia, insignificante, uma habili‑

dade com uma moeda no interior da algibeira que ninguém podia ver e repetiu ‑o, mas ao contrário.

– Tenho uma ideia para a palavra ‑passe dele: Palavra ‑passe.Era incrível, pensou Quentin; tinha apenas dezassete anos, mas era como se

conhecesse James e Julia desde sempre. O sistema escolar de Brooklyn separava os mais dotados, juntava ‑os, separava depois os ridiculamente brilhantes dos apenas dotados e juntava ‑os outra vez. Andavam, desde a escola primária, aos

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encontrões uns aos outros nos mesmos concursos de palavras, exames regio‑nais de latim e aulas especiais de matemática ultra ‑avançada. Os cromos dos cromos. Então no último ano, Quentin conhecia James e Julia melhor do que qualquer outra pessoa no mundo, incluindo os próprios pais, e com eles acontecia o mesmo. Toda a gente sabia o que toda a gente ia dizer antes, sequer, de abrir a boca. Já toda a gente dormira com toda a gente. Julia, pálida, sardenta, sonhadora, que tocava oboé e que até sabia mais física do que eles, nunca, porém, iria para a cama com Quentin.

Quentin era magro e alto e habitualmente andava de ombros encolhi‑dos numa tentativa vã de se defender de um golpe vindo do céu que, logi‑camente, atingiria primeiro os mais altos. Naquele dia tinha os cabelos, pelos ombros, gelados e desgrenhados; devia ter ficado no ginásio para os secar, mas por qualquer razão não o fizera, talvez por querer sabotar ‑se a si próprio. O céu cinzento e baixo ameaçava neve, como se o mundo estivesse a ser miserável só para ele: corvos empoleirados nos fios eléctricos, caca de cão pisada, lixo varrido pelo vento, folhas de carvalho molhadas profa‑nadas das maneiras mais diversas por inúmeros veículos e transeuntes.

– Estou cheio, caramba – disse James. – Comi de mais. Por que como sempre de mais?

– Por que és um porco guloso? – perguntou ‑lhe Julia, muito animada. – Por que estás cansado de ver os próprios pés? Por que estás a ver se con‑segues que o estômago te toque no pénis?

James levou as mãos à nuca, passou os dedos pelos cabelos castanhos encaracolados, abrindo o sobretudo de caxemira cor de camelo ao frio de Novembro, e aspirou vigorosamente. O frio não lhe metia medo. Quentin estava sempre com frio, como se estivesse encurralado num Inverno pri‑vado, individual.

James cantou uns versos com uma música que fazia lembrar Good King Wenceslas e Bingo:

Era uma vez um rapazForte e corajosoQue usava uma espada, que andava a cavaloE que se chamava Dave…

– Cala ‑te, caramba! – gritou Julia.James escrevera aquela canção cinco anos antes por ocasião de um con‑

curso de talentos do liceu e ainda gostava de a cantar, mas já todos a conhe‑

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ciam de cor. Julia empurrou ‑o, sempre a cantar, contra um caixote do lixo e quando não obteve resultado, tirou ‑lhe o gorro e começou a bater ‑lhe com ele na cabeça.

– O meu cabelo! O meu belo cabelo para a entrevista!O rei James, pensou Quentin. Le roi s’amuse.– Lamento estragar a festa – disse ele –, mas temos dois minutos.– Toca a andar, então, ou chegamos atrasados – disse Julia.Devia estar contente, pensou Quentin. Estou vivo, sou novo, saudável, tenho

amigos, dois pais razoavelmente intactos – o pai era editor de livros de medicina e a mãe uma pintora falhada que se virara para a ilustração comercial – e notas que os outros alunos nem sequer sabiam que era possível obter.

No entanto, enquanto percorria a Fifth Avenue, em Brooklyn, de sobre‑tudo e fato cinzento, a caminho da entrevista, Quentin sabia que não era feliz. Porquê? Juntara meticulosamente todos os ingredientes, levara a cabo os rituais necessários, dissera as palavras certas, acendera as velas, fizera os devidos sacrifícios, mas a felicidade, qual espírito desobediente, recusava‑‑se a aparecer. Já não sabia o que havia de fazer.

Os três jovens passaram por mercearias, lavandarias, boutiques da moda, lojas de telemóveis com anúncios luminosos cor de limão, por um bar onde os idosos já bebiam às três e quarenta e cinco da tarde e por um Centro de Veteranos das Guerras do Ultramar cor de tijolo com mobília de plástico no passeio, confirmando a crença de Quentin de que a sua vida, a vida que devia estar a viver, se extraviara devido a um erro clerical qualquer da buro‑cracia cósmica. Não podia ser, devia ter sido desviada algures para outra pes‑soa qualquer e tinham ‑lhe dado aquela merda, aquela coisa faux.

Talvez começasse em Princeton. Quentin fez outra vez a habilidade com a moeda na algibeira.

– Estás a brincar outra vez com a pila, Quentin? – perguntou James.– Não – respondeu o jovem, corando.– Não precisas de te envergonhar – replicou James, dando ‑lhe uma pal‑

mada no ombro. – Descontrai ‑te.Através do tecido leve do fato o vento mordeu ‑o, mas Quentin recusou‑

‑se a abotoar o sobretudo, deixou que o vento passasse por ele porque, fosse como fosse, não estava ali, estava em Fillory.

Fillory and Further é uma colecção de cinco livros de Christopher Plover, publicada em Inglaterra nos anos de 1930, que descreve as aventuras dos

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cinco irmãos Chatwin numa terra mágica que descobrem quando vão de férias para o campo com um casal de tios excêntricos. De facto não estão em férias – o seu pai está metido em problemas até ao pescoço, em Pass‑chendaele, e a sua mãe foi hospitalizada devido a uma doença misteriosa que, provavelmente, é de natureza psicológica, razão pela qual foram envia‑dos à pressa para o campo por razões de segurança.

Mas a infelicidade acontece nos bastidores. No palco os cinco irmãos, findo o ano escolar, saem das respectivas escolas, vão para a Cornualha e mergulham no mundo secreto de Fillory, onde têm aventuras e exploram terras mágicas e defendem criaturas gentis contra as forças que as amea‑çam. O seu inimigo mais perigoso e mais estranho é uma figura velada conhecida apenas pelo nome de Vigilante cujos encantamentos holoro‑giais ameaçam parar o próprio tempo, encurralando Fillory nas cinco horas de uma tarde de Setembro triste e chuvosa.

Como muitos outros, Quentin leu os livros de Fillory na instrução pri‑mária, mas ao contrário de muita gente, incluindo James e Julia, nunca se fartou deles. Onde ele ia, quando não conseguia lidar com o mundo a sério, o que acontecia muitas vezes, eles iam. (Os livros de Fillory eram ao mesmo tempo uma consolação por Julia não o amar e também, com certeza, a prin‑cipal razão por que ela não o amava.) E era verdade, cheiravam bastante a jardim ‑de ‑infância inglês e ele sentia ‑se em segredo envergonhado quando chegava às partes do Cavalo Cómodo, uma enorme e carinhosa criatura equina que trota por Fillory durante a noite com cascos de veludo e cuja garupa é tão larga que se pode dormir nela.

Mas havia uma verdade mais sedutora e perigosa a respeito de Fillory, da qual Quentin nunca se fartava. Era quase como se os livros de Plover, em especial o primeiro, The World in the Walls, se lessem a si próprios. Quando o irmão mais velho, o melancólico Martin, abre a porta do relógio de caixa alta do avô que está num escuro corredor da casa da sua tia e entra em Fillory (Quentin imaginava ‑o sempre a afastar o pêndulo, como se fosse a campainha de uma garganta monstruosa), era como se estivesse a abrir a capa de um livro, um livro que fazia sempre o que os livros prome‑tiam fazer e nunca faziam: fazer ‑nos sair mesmo do sítio onde estávamos e levar ‑nos para outro sítio qualquer.

O mundo que Martin descobre nas paredes da casa da tia é um mundo de magia crepuscular, uma paisagem tão escura quanto clara e tão rígida quanto a página de um livro, com campos cheios de espinhos e colinas ondulantes atravessadas por mitos antigos. Em Fillory há todos os dias, ao

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meio ‑dia, um eclipse e as estações do ano podem durar um século. As árvo‑res nuas chegam ao céu e o mar, verde, banha praias brancas cobertas de conchas partidas. Em Fillory as coisas tinham uma importância diferente das daquele mundo. Em Fillory, quando as coisas aconteciam, as emoções eram as apropriadas. A felicidade era uma possibilidade real, actual, reali‑zável, vinha quando era chamada. Ou nunca se ia embora.

Pararam no passeio, em frente da casa. O bairro ali era mais elegante, com passeios largos e árvores frondosas. A casa, de tijolo, era a única estrutura residencial independente no meio de uma série de vivendas geminadas de pedra vermelha. Localmente, o bairro era famoso por ter desempenhado um papel importante na sangrenta batalha de Brooklyn e parecia reprovar delicadamente os carros e os candeeiros, recordando o seu gracioso pas‑sado holandês.

Se aquilo fosse um livro da série Fillory, pensou Quentin, a casa teria uma porta secreta para outro mundo. O velhote que vivia nela seria amável, excên‑trico e crítico, e quando ele estivesse de costas entraria num armário misterioso, num elevador encantado ou noutra coisa qualquer, através do qual olharia des‑confiado para outro mundo.

Mas não se tratava de um livro da série Fillory.– Okay – disse Julia. – Arrasem ‑nos.A jovem usava um casaco de sarja azul, de colarinho redondo, que a

fazia parecer uma estudante francesa.– Encontramo ‑nos na biblioteca?– Ciao.Tocaram nos punhos uns dos outros. Ela baixou o olhar, embaraçada.

A jovem sabia como ele se sentia, ele sabia que ela sabia e não havia mais nada a dizer. Quentin esperou, fingindo ‑se fascinado por um carro estacio‑nado enquanto ela se despedia de James com um beijo, colocando ‑lhe uma mão no peito e erguendo um pé como uma antiga estrela de cinema, e depois os dois rapazes percorreram lentamente o caminho de cimento até à porta da frente.

James passou uma mão pelos ombros de Quentin.– Sei o que estás a pensar – disse ele rudemente. Quentin era mais alto, mas

James era mais largo, mais sólido, e desequilibrou ‑o. – Achas que ninguém te compreende, mas não é bem assim. Eu compreendo ‑te. Posso ser o único, mas compreendo ‑te – acrescentou ele, apertando ‑o quase paternalmente.

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Quentin não disse nada. Podia invejar ‑se James, mas não se podia odiá‑‑lo, porque apesar de ser bem ‑parecido e inteligente, no fundo era boa pes‑soa. Mais do que qualquer outra pessoa que conhecia, James lembrava ‑lhe Martin Chatwin. Mas se James era um Chatwin, quem era ele? O verda‑deiro problema era que James era sempre o herói. E ele o que era? Ou o actor secundário ou o vilão.

Quentin tocou à campainha. Nas profundezas da casa adormecida ouviu ‑se um som digital antiquado. O jovem ensaiou de cabeça, mais uma vez, os seus objectivos extracurriculares, pessoais, etc., muito bem prepa‑rado para a entrevista, salvo fisicamente, talvez, no que dizia respeito aos cabelos molhados, mas sem vontade alguma de entrar. Não era surpresa nenhuma, estava habituado àquele sentimento de anticlímax que se tem quando se consegue qualquer coisa que já não se quer; estava sempre pre‑sente, era uma das poucas coisas que nunca lhe falhavam.

A entrada estava guardada por uma porta mosquiteira suburbana depri‑mente e vulgar. Umas zínias cor de laranja e púrpura floriam, contra toda a lógica hortícola, nuns canteiros de terra preta de cada lado da porta. Que esquisito, pensou Quentin de passagem, as flores estarem vivas em Novembro. O jovem recolheu as mãos nuas para dentro das mangas do sobretudo e meteu estas debaixo dos braços. Apesar de estar frio suficiente para nevar, de repente começou a chover.

E cinco minutos mais tarde continuava a chover. Quentin bateu de novo à porta, depois empurrou ‑a um pouco, ela rangeu e o jovem sentiu uma lufada de ar quente vinda de dentro, acompanhada pelo cheiro a fruta de todas as casas estranhas.

– Está alguém? – gritou Quentin, trocando um olhar com James e empurrando totalmente a porta.

– É melhor darmos ‑lhe mais um minuto.– Quem é que faz uma coisa destas nos tempos livres? – perguntou

Quentin. – Aposto que o tipo é pedófilo.O átrio era escuro e silencioso, abafado por tapetes orientais. Ainda no

lado de fora, James voltou a tocar à campainha. Ninguém respondeu.– Acho que não está ninguém – disse Quentin. O facto de James con‑

tinuar à porta fê ‑lo querer, de súbito, entrar ainda mais. Que pena não ter uns sapatos mais práticos, pensou ele, para o caso de o entrevistador ser mesmo o guardião do país mágico de Fillory.

Uma escada. À esquerda uma sala de jantar austera, com ar abando‑nado, à direita uma salinha confortável com cadeiras de braços de couro e,

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a um canto, um armário trabalhado da altura de um homem. Interessante. Uma velha carta náutica numa das paredes, com uma rosa ‑dos ‑ventos em relevo. Quentin passou a mão pela parede à procura de um interruptor. A um dos cantos uma cadeira de bambu, mas o jovem não se sentou.

As persianas estavam corridas. Era como se fosse noite, como se o Sol se tivesse posto ou tivesse havido um eclipse no momento em que ele pas‑sara a soleira da porta. Quentin entrou na sala em câmara lenta. Precisava de dar uma olhadela antes de chamar outra vez o dono da casa. As trevas envolviam ‑no como uma nuvem eléctrica, provocando ‑lhe um formi‑gueiro na espinha.

O armário era enorme, tão grande que se podia entrar nele. Quentin tocou no pequeno puxador de cobre, amolgado. Não estava fechado. Os seus dedos tremeram. Le roi s’amuse. Não podia fazer nada; era como se o mundo girasse à sua volta, como se toda a sua vida tivesse esperado por aquele momento.

Tratava ‑se de um armário de bebidas, grande, um autêntico bar. Para ter a certeza, Quentin meteu a mão por entre as garrafas, que tilintaram ligeiramente, e sentiu a madeira seca e áspera da parte de trás. Sólida. Não tinha nada de mágico. O  jovem fechou a porta do armário, respirando fundo, sentindo as faces a arder na escuridão, e foi então, quando olhava em volta para ter a certeza de que não estava ninguém a olhar, que viu o corpo no chão.

Quinze minutos mais tarde a casa fervilhava de actividade. Quentin sentava ‑se a um canto, na cadeira de bambu, qual cangalheiro no funeral de um desconhecido, com a cabeça encostada firme à parede fria como se ela fosse o seu último contacto com a realidade. James estava a seu lado, sem saber onde pôr as mãos e sem olhar para ele.

O corpo do ancião, de costas no chão, tinha um estômago enorme e uns cabelos grisalhos à Einstein. Três paramédicos, dois homens e uma mulher, rodeavam ‑no de cócoras, tentando uma ressuscitação obrigatória e infrutífera, sem a pressa de uma emergência médica, murmurando, arran‑cando adesivos, metendo agulhas contaminadas numa caixa especial. A mulher era desconcertantemente bonita, de uma beleza quase deslocada naquele cenário lúgubre. Com um movimento treinado, um dos homens retirou o tubo da laringe do cadáver. O ancião tinha a boca aberta e Quen‑tin viu ‑lhe a língua cinzenta. O corpo cheirava um pouco a qualquer coisa que o jovem não queria admitir que fosse merda.

– Isto é mau – disse James pela segunda ou terceira vez.

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– Sim, muito mau – replicou Quentin com a voz empastada, sentindo os lábios e os dentes dormentes. Se não se mexesse, ninguém o ligaria ain‑ da mais àquilo. O jovem tentou respirar lentamente, olhando em frente, recusando interessar ‑se pelo que estava a acontecer, consciente de que, se se virasse para James, por exemplo, veria o seu próprio pânico reflectido no rosto do amigo, perguntando a si próprio quando poderia sair dali, sem con‑seguir libertar ‑se da vergonha de ter sido ele a entrar na casa sem ser convi‑dado, como se tal tivesse sido a causa da morte do homem. – Não lhe devia ter chamado pedófilo – acrescentou ele em voz alta. – Foi de mau gosto.

– De muito mau gosto – concordou James. Os dois rapazes falavam devagar, como se estivessem a aprender a língua.

Um dos paramédicos, a mulher, levantou ‑se. Quentin viu ‑a espreguiçar‑‑se com as mãos nos rins, inclinando a cabeça para um e outro lado e depois dirigir ‑se a eles, tirando as luvas de borracha.

– Bem – anunciou ela alegre –, está morto! – Pelo sotaque era inglesa.Quentin tossiu para tentar tirar o nó da garganta. A mulher atirou com

as luvas e acertou em cheio no caixote do lixo, no outro lado da sala.– Morreu de quê?– Hemorragia cerebral. Maneira fácil e rápida de morrer. O tipo devia

chegar ‑lhe bem – disse ela, fazendo o gesto de beber.As suas faces estavam coradas devido à posição em que estivera, sobre

o corpo; não devia ter mais de vinte e cinco anos e usava uma blusa azul‑‑escura de mangas curtas apertada até acima, bem engomada, com um botão diferente dos outros: uma hospedeira dos voos para o inferno. Oxalá não fosse tão atraente. De certa maneira, era mais fácil lidar com mulheres feias, suportava ‑se ‑lhes melhor a inacessibilidade. Aquela, porém, não era feia, era pálida, magra, despropositadamente bonita, com uma boca larga, muito sexy.

– Lamento. – Quentin não sabia que dizer.– Porquê? – perguntou ela. – Foste tu que o mataste?– Só vim aqui para uma entrevista. Ele entrevistava candidatos a Prin‑

ceton.– E então?Quentin hesitou, perguntando a si próprio se estaria equivocado

quanto ao tópico da conversa, e levantou ‑se, coisa que devia ter feito à aproximação da mulher, reparando que era bastante mais alto do que ela. Apesar das circunstâncias, pensou ele, para paramédica, a mulher era uma emproada; nem sequer era médica. O jovem teve vontade de lhe olhar para

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o peito à procura de uma etiqueta com um nome, mas não quis ser apa‑nhado a olhar ‑lhe para os seios.

– Pessoalmente não tinha nada a ver com ele – disse Quentin, com cuidado –, mas dou abstractamente um certo valor à vida humana. Por isso, apesar de não o conhecer, penso que posso dizer que lhe lamento a morte.

– E se ele fosse um monstro? Talvez até fosse pedófilo.Era evidente que o ouvira.– Talvez. Mas talvez fosse bom homem. Talvez fosse um santo.– Talvez.– Deve passar muito tempo com gente morta. – Pelo canto do olho,

o jovem reparou que James observava a troca de palavras, perplexo.– Bem, a ideia é mantê ‑los vivos. Pelo menos é o que nos dizem.– Deve ser difícil.– Os mortos dão muito menos trabalho.– São mais sossegados.– Exactamente.O olhar dela não condizia com as suas palavras. A  mulher estava a

avaliá ‑lo.– Vamo ‑nos embora? – interrompeu James.– Qual é a pressa? – perguntou ela, não desviando o olhar de Quentin,

parecendo mais interessada nele do que em James, ao contrário de toda a gente. – Se não me engano, o tipo deixou ‑vos qualquer coisa – acrescentou ela, pegando em dois envelopes que estavam em cima de uma mesa de mármore.

– Não me parece – replicou Quentin, franzindo o sobrolho.– É melhor irmo ‑nos embora – disse James.– Ainda agora disseste isso – retorquiu a paramédica. James abriu a

porta. O ar frio foi um choque agradável, real, precisamente o que Quentin queria: realidade em vez daquilo, fosse o que fosse. – É melhor levarem isto, olhem que pode ser importante.

Os seus olhos não abandonavam o rosto de Quentin. O jovem sentiu o mundo imobilizar ‑se à sua volta, frio e húmido; ainda por cima estava a dez passos de um cadáver.

– Temos de ir – disse James. – Obrigado. Tenho a certeza de que fez tudo o que podia.

A bela paramédica, com os cabelos escuros divididos em duas tranças grossas, um brilhante anel de esmalte amarelo num dedo, um elaborado relógio antigo no pulso, um nariz fininho e arrebitado, qual anjo da morte

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pálido e magro, estendia ‑lhes dois envelopes com os seus nomes escritos em maiúsculas a caneta de feltro, talvez notas de avaliação ou documentos confidenciais. Por qualquer razão, provavelmente porque James não o faria, Quentin pegou no que tinha o seu nome.

– Adeus! – cantarolou a paramédica, girando nos calcanhares e fechando a porta. Os dois rapazes ficaram sozinhos no alpendre.

– Bem – disse James, inalando e exalando com ruído. Quentin anuiu, como se estivesse a concordar com qualquer coisa que o amigo dissera, e começou a caminhar devagar na direcção do passeio, ainda aturdido, sem lhe apetecer dizer fosse o que fosse. – Se fosse eu, não tinha ficado com isso.

– Eu sei – disse Quentin.– Ainda podes devolvê ‑lo, sabes? Quero dizer, e se eles descobrem?– Descobrem como?– Não sei.– Quem sabe o que vem aqui dentro? Pode vir a ser útil.– Sim, pode ser. Ainda bem que o tipo morreu, então! – disse James,

irritado.Caminharam até ao fim do quarteirão sem uma palavra, irritados um

com o outro sem o quererem admitir. O passeio estava molhado e o céu, devido à chuva, branco. Quentin, consciente de que não devia ter ficado com o envelope, estava aborrecido consigo próprio e com James por ele não ter aceite o seu.

– Encontramo ‑nos depois – disse James. – Vou ter com Jules à biblioteca.– Está bem. – Os dois rapazes despediram ‑se com um aperto de mão

que pareceu estranhamente final. Quentin afastou ‑se devagar pela First Street fora, sentindo ‑se como que num sonho. No fim de contas, estivera numa casa onde morrera um homem. O jovem apercebeu ‑se, sentindo ‑se ainda mais envergonhado, de que estava aliviado por a entrevista não ter tido lugar naquele dia.

O dia estava a escurecer. O Sol começava a pôr ‑se por detrás da concha cinzenta de nuvens que cobria Brooklyn. Pela primeira vez no espaço de uma hora, Quentin pensou em todas as coisas que deixara por fazer naquele dia: os exercícios de física, o trabalho de história, os e ‑mails, a louça, a roupa. O peso de tudo sobrecarregava ‑o, fazendo ‑o sentir ‑se muitíssimo pesado. Teria de explicar aos seus pais o que acontecera, e eles, de um modo que não percebia, mas que nunca poria em questão, fá ‑lo ‑iam sentir que a culpa era sua. Voltaria tudo ao normal. Quentin pensou em Julia e James na biblioteca. Ela devia estar enfiada no tal trabalho para o senhor

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Karras sobre a Civilização Ocidental, um projecto de seis semanas que ela terminaria no espaço de dois dias e duas noites sem dormir. Desejando ardentemente que ela fosse sua e não de James, Quentin não conseguia imaginar um meio de a conquistar. Na mais plausível das suas fantasias, James morria de repente sem dor, deixando Julia a chorar ‑lhe nos braços.

Enquanto caminhava, o jovem abriu o envelope e viu logo que não eram as suas notas. Tratava ‑se de um bloco de apontamentos de aspecto estra‑nho, com os cantos amassados, gastos e arredondados e a capa manchada.

Na primeira página, escrito a tinta, lia ‑se:

Os MágicosSexto Livro de Fillory and Further

Com o tempo a tinta desbotara. Quentin não conhecia nenhum livro de Christopher Plover com aquele nome. E qualquer cromo sabia que a série Fillory só tinha cinco livros.

Ao virar a página, um pedaço de papel branco, dobrado ao meio, caiu, voou e ficou agarrado a uma grade de ferro forjado por um segundo, antes de o vento o levar de novo.

Naquele quarteirão havia um jardim público, um espaço triangular de terra demasiado estreito e de formato demasiado esquisito para ser com‑prado por especuladores. Legalmente ambíguo, fora ocupado anos antes por uma associação de vizinhos empreendedores que lhe tirara a areia ácida, substituindo ‑a por terra rica e fértil do norte do estado. Durante algum tempo a associação cultivara nele abóboras, tomates, bolbos de Pri‑mavera e construíra até um pequeno jardim japonês, mas depois aban‑donara ‑o e as ervas daninhas tinham tomado conta dele, abafando as suas competidoras mais frágeis e mais exóticas. Foi naquele matagal que o papel desapareceu.

Naquela época do ano, as plantas estavam todas mortas ou a morrer, mesmo as ervas daninhas, e Quentin meteu ‑se nelas até aos quadris, enchendo as calças de talos secos e pisando vidros partidos com os sapatos, imaginando que o papel tinha o número de telefone da bela paramédica. O jardim era estreito, mas bastante profundo, com três ou quatro árvores de tamanho razoável, e quanto mais ele andava, mais alto era o mato.

Quentin vislumbrou o papel lá no alto, empoleirado numa grade de ripas coberta de vinha ‑virgem seca. Se calhar voava outra vez antes de lá chegar. O telemóvel tocou: o seu pai. Quentin ignorou ‑o. Pelo canto do

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Lev Grossman

olho, o jovem pensou ver qualquer coisa grande e clara a passar rapida‑mente por detrás dos fetos, mas quando virou a cabeça já não a viu e con‑tinuou por entre os cadáveres de gladíolos, petúnias, girassóis que lhe davam pelo ombro e roseiras – um padrão delicado e intrincado de caules e flores gelados na morte, como que pintados numa tela.

Já devia estar na Seventh Avenue, pensou Quentin, mergulhando cada vez mais no matagal, pensando em plantas tóxicas. Era o que lhe faltava apanhar com uma hera venenosa. Era esquisito, mas aqui e ali, entre as plantas mortas, viam ‑se uns caules verdes que iam buscar alimento só Deus sabia onde. O jovem cheirou qualquer coisa doce no ar.

Quentin parou. Subitamente ficara tudo muito calado; nem buzinas nem aparelhagens estereofónicas, nem sirenes. Estava um frio terrível, tinha os dedos gelados. Voltar para trás ou continuar? Quentin decidiu continuar, meteu de lado por uma vedação, de olhos fechados por causa dos gravetos, tropeçou numa pedra e sentiu ‑se de súbito enjoado e a suar em abundância.

Quando abriu os olhos, o jovem viu ‑se na orla de um enorme relvado aparado na perfeição; rodeado de árvores. O cheiro a erva cortada era esmagador e o Sol, quente, batia ‑lhe no rosto.

A luz do astro, porém, vinha de um ângulo errado. E onde raio estavam as nuvens? O azul do céu cegava. A cabeça girava ‑lhe, provocando ‑lhe náu‑seas. Quentin reteve a respiração por alguns segundos, expirou o ar gelado do Inverno, inspirou aquele ar quente de Verão, cheio de pólen, e fungou.

No outro extremo do grande relvado via ‑se uma grande casa de pedra cor de mel e cinzenta, adornada com chaminés, águas ‑furtadas, torres, telhados, subtelhados e uma imponente torre de relógio ao centro que Quentin achou esquisita para uma residência particular. O relógio era de estilo veneziano: um único ponteiro rodando em volta de um mostrador com vinte e quatro horas em numeração romana. Numa das alas erguia ‑se o que parecia ser a cúpula verde oxidada de um observatório e entre a casa e o relvado havia uma série de convidativos terraços, bosques, sebes e fontes.

Quentin tinha a certeza de que, se ficasse muito quieto durante alguns segundos, voltaria tudo ao normal, perguntou a si próprio se não estaria a passar por um problema neurológico qualquer e olhou com cuidado por cima do ombro. Atrás de si não havia jardim nenhum, apelas uns carvalhos enormes, guarda avançada do que parecia ser uma floresta a sério. Uma gota de suor escorreu ‑lhe do sovaco. Estava calor.

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Os Mágicos

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Quentin deixou cair o saco na relva e tirou o sobretudo. No silêncio ouviu um pássaro a chilrear. A uns quinze metros de distância, um adoles‑cente alto e magricela fumava um cigarro encostado a uma árvore, observando ‑o.

O rapaz, mais ou menos da sua idade, usava uma camisa de colarinho engomado, às riscas cor ‑de ‑rosa muito fininhas e muito claras, e não olhava para ele, limitava ‑se a fumar e a exalar o fumo para o ar de Verão. O calor não o incomodava.

– Olá – gritou Quentin.O rapaz olhou para ele e fez ‑lhe um sinal com o queixo, mas não lhe

respondeu.Quentin aproximou ‑se dele o mais desprendido possível, sem querer

dar a ideia de que não sabia onde estava. Apesar de ter tirado o sobretudo, o jovem continuava a suar bastante, sentindo ‑se como um explorador inglês engravatado a tentar impressionar um nativo tropical céptico, mas tinha de lhe fazer a pergunta que lhe queimava a língua.

– Estamos em…? Estamos em Fillory? – perguntou ele, tossindo para clarear a voz e semicerrando os olhos por causa do sol.

O outro olhou para ele muito sério, deu outra longa passa no cigarro, abanou lentamente a cabeça, soprou o fumo e respondeu:

– Não, estamos a norte de Nova Iorque.