46
LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Título XI - Arts. 312 a 359, do Código Penal Titulo XI Dos Crimes Contra a Administração Pública (312a359-A) Capítulo I Dos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral (312a327) Peculato - Art. 312 Peculato Culposo - Art. 312, § 2º Peculato Mediante Erro de Outrem - Art. 313 Inserção de Dados Falsos em Sistema de Informações - Art. 313-A Modificação ou Alteração Não Autorizada de Sistema de Informações - Art. 313-B Extravio, Sonegação ou Inutilização de Livro ou Documento - Art. 314 Emprego Irregular de Verbas ou Rendas Públicas - Art. 315 Concussão - Art. 316 Excesso de Exação - Art. 316, §§ 1º e 2º Corrupção Passiva - Art. 317 Facilitação de Contrabando ou Descaminho - Art. 318 Prevaricação - Art. 319 Condescendência Criminosa - Art. 320 Advocacia Administrativa - Art. 321 Violência Arbitrária - Art. 322 Abandono de Função - Art. 323 Exercício Funcional Ilegalmente Antecipado ou Prolongado - Art. 324 Violação de Sigilo Funcional - Art. 325 Violação do Sigilo de Proposta de Concorrência - Art. 326 Funcionário Público - Art. 327 Capítulo II Dos Crimes Praticados por Particular Contra a Administração em Geral (328a337-A) Usurpação de Função Pública - Art. 328 Resistência - Art. 329 156

Lfg Crimes Contra a Administração Pública

Embed Size (px)

DESCRIPTION

adn

Citation preview

Page 1: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICATítulo XI - Arts. 312 a 359, do Código Penal

Titulo XIDos Crimes Contra a Administração Pública (312a359-A)

Capítulo IDos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em

Geral (312a327)

Peculato - Art. 312Peculato Culposo - Art. 312, § 2ºPeculato Mediante Erro de Outrem - Art. 313Inserção de Dados Falsos em Sistema de Informações - Art. 313-AModificação ou Alteração Não Autorizada de Sistema de Informações -

Art. 313-BExtravio, Sonegação ou Inutilização de Livro ou Documento - Art. 314Emprego Irregular de Verbas ou Rendas Públicas - Art. 315Concussão - Art. 316Excesso de Exação - Art. 316, §§ 1º e 2ºCorrupção Passiva - Art. 317Facilitação de Contrabando ou Descaminho - Art. 318Prevaricação - Art. 319Condescendência Criminosa - Art. 320Advocacia Administrativa - Art. 321Violência Arbitrária - Art. 322Abandono de Função - Art. 323Exercício Funcional Ilegalmente Antecipado ou Prolongado - Art. 324Violação de Sigilo Funcional - Art. 325Violação do Sigilo de Proposta de Concorrência - Art. 326Funcionário Público - Art. 327

Capítulo IIDos Crimes Praticados por Particular Contra a Administração em Geral (328a337-A)

Usurpação de Função Pública - Art. 328Resistência - Art. 329Desobediência - Art. 330Desacato - Art. 331Tráfico de Influência - Art. 332Corrupção Ativa - Art. 333Contrabando ou Descaminho - Art. 334Impedimento, Perturbação ou Fraude de Concorrência - Art. 335Inutilização de Edital ou de Sinal - Art. 336Subtração ou Inutilização de Livro ou Documento - Art. 337Sonegação de Contribuição Previdenciária - Art. 337-A

Capítulo II-A (Acrescentado pela L-010.467-2002)

156

Page 2: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Dos Crimes Praticados por Particulares Contra a Administração Pública Estrangeira (337-B a 337-D)

Corrupção Ativa em Transação Comercial Internacional - Art. 337-BTráfico de Influência em Transação Comercial Internacional - Art. 337-CFuncionário Público Estrangeiro - Art. 337-D

Capítulo IIIDos Crimes Contra a Administração da Justiça (338a359)

Reingresso de Estrangeiro Expulso - Art. 338Denunciação Caluniosa - Art. 339Comunicação Falsa de Crime ou de Contravenção - Art. 340Auto-Acusação Falsa - Art. 341Falso Testemunho ou Falsa Perícia - Art. 342, Art. 343Coação no Curso do Processo - Art. 344Exercício Arbitrário das Próprias Razões - Art. 345, Art. 346Fraude Processual - Art. 347Favorecimento Pessoal - Art. 348Favorecimento Real - Art. 349; Art. 349-AExercício Arbitrário ou Abuso de Poder - Art. 350Fuga de Pessoa Presa ou Submetida a Medida de Segurança - Art. 351Evasão Mediante Violência Contra a Pessoa - Art. 352Arrebatamento de Preso - Art. 353Motim de Presos - Art. 354Patrocínio Infiel - Art. 355Patrocínio Simultâneo ou Tergiversação - Art. 355, Parágrafo únicoSonegação de Papel ou Objeto de Valor Probatório - Art. 356Exploração de Prestígio - Art. 357Violência ou Fraude em Arrematação Judicial - Art. 358Desobediência a Decisão Judicial sobre Perda ou Suspensão de Direito - Art. 359

Capítulo IVCrimes Contra as Finanças Públicas (359-Aa359-H)

Contratação de Operação de Crédito - Art. 359-AInscrição de Despesas Não Empenhadas em Restos a Pagar - Art. 359-BAssunção de Obrigação no Último Ano do Mandato ou Legislatura - Art. 359-COrdenação de Despesa Não Autorizada - Art. 359-DPrestação de Garantia Graciosa - Art. 359-ENão Cancelamento de Restos a Pagar - Art.. 359-FAumento de Despesa Total com Pessoal no Último Ano do Mandato ou Legislatura - Art. 359-GOferta Pública ou Colocação de Títulos no Mercado - Art. 359-H

Eu copiei o esquema acima do índice do DJI para se ter ideia de como os crimes contra a Administração Pública são sistematizado no Código Penal. O Rogério, na verdade, começa a aula a partir daqui.

157

Page 3: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Hoje nós vamos começar o Título XI, do CP, “Dos Crimes Contra a Administração Pública”, assim dividido:

Capítulo I – Dos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral (arts. 312 a 327) – São os chamados crimes funcionais.

Capítulo II – Dos Crimes Praticados por Particular Contra a Administração em Geral (328 a 337-A) - É aqui que você vai encontrar o desacato, a desobediência.

Capítulo II-A (Acrescentado pela L-010.467-2002) - Dos Crimes Praticados por Particulares Contra a Administração Pública Estrangeira (337-B a 337-D) – Pensem comigo: o que o Brasil tem a ver com a Administração Pública estrangeira? Algum ordenamento jurídico alienígena se preocupa com a Administração Pública brasileira? Vocês conseguem imaginar isso? Chaves criou um crime só para a corrupção no Brasil. Absurdo. Por isso, a doutrina fala que não é esse o bem jurídico tutelado no Capítulo II-A. Na verdade, ele tutela a Regularidade das Transações Comerciais Internacionais. É aqui que vocês vão encontrar o delito de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro.

Capítulo III - Dos Crimes Contra a Administração da Justiça (338 a 359) – Falso testemunho, falsa perícia, denunciação caluniosa, etc.

Capítulo IV - C rimes Contra as Finanças Públicas (359-A a 359-H) – Esses crimes, nada mais são, do que a tipificação de condutas antes configuradoras de mera infração à Lei de Responsabilidade Fiscal. Os crimes contra as finanças públicas, na verdade, tipificam o que antes configurava infração à LRF. O que antes configurava somente infração à LRF, o legislador entendeu que isso não era suficiente e resolveu tipificar os comportamentos.

Sabem por que fiz esse esquema? Concurso público: maior número de conhecimento no menor espaço de tempo possível. O Capítulo IV caiu duas vezes em concurso, desde que foi criado. E as duas vezes que caiu foi para concurso de Tribunais de Conta. Ou analista ou até MP do TC. Duas vezes só. Praticamente não é cobrado porque é um tipo extremamente difícil. Eu tive que escrever no meu livro sobre esse tipo. A Marinela ama esse capítulo, porque tem tudo a ver com administrativo. Eu acho uma bosta. Então, se você não tiver tempo, não se preocupe. Dificilmente cai. Quando cai, você dificilmente acerta. Brincadeiras à parte, como eu não tenho tempo, não vou dar bola para um capítulo pouco importante como esse.

O que cai muito em concurso? Demais o Capítulo I. É o que mais cai. Depois, o Capítulo II e, por último, o Capítulo III. O Capítulo II-A, vocês também não se preocupem porque cai pouquíssimo. Caiu no concurso do MPF em 2002, mera repetição de artigo de lei e o candidato podia usar código, inclusive. Então, vamos estudar apenas os Capítulos I, II e III.

TÍTULO XI – DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

158

Page 4: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Vocês perceberam que o Título XI é o título de encerramento do Código Penal? Vocês já ouviram falar em Constituição plástica? Essa expressão é de Raul Machado Horta. O que ele quis dizer da nossa Constituição quando a etiquetou como sendo plástica? Ele quis dizer que os artigos da nossa Constituição não estão colocados aleatoriamente, mas seguindo uma ordem de importância, começando pelos mais importantes até os menos importantes. Por isso que na Constituição de 1967 os direitos e garantias fundamentais estavam no final da Constituição. O que fez a Constituição de 1988? Migrou os direitos e garantias fundamentais para o art. 5º, demonstrando a importância desse capítulo. Se eu fosse usar o mesmo raciocínio de Raul Machado Horta para o nosso Código Penal, dizendo que ele é plástico, significaria que nós colocamos os artigos conforme a ordem de importância. E qual seria a importância da Administração Pública? Zero. E é exatamente isso que se percebe na prática. Por quê? Porque nós estamos diante de crimes gravíssimos com penas insignificantes. O Brasil tem a coragem de anunciar para o mundo que admite crimes contra a Administração Pública de menor potencial ofensivo. São crimes gravíssimos com uma repressão insignificante. Só para vocês terem uma ideia, não existe um crime contra a Administração Pública considerado hediondo. E por isso eu fiz essa introdução, porque já existe projeto de lei, que não será aprovado nunca, tipificando como hediondo algumas formas de peculato, concussão e corrupção. O Congresso está discutindo com o MP quais crimes contra a Administração devem ser tidos por hediondos. É um belo projeto, mas acreditem em mim: nunca vai ser aprovado. Corrupção como crime hediondo, se existisse, estaria superlotando as cadeias.

Apesar da pouca importância que se dá aos crimes contra a Administração Pública, em dois dispositivos o legislador foi firme com relação aos crimes funcionais:

1. Art. 7º, I, “c”, do CP:ExtraterritorialidadeArt. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora

cometidos no estrangeiro:  I - os crimes: c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

Para esses crimes se previu uma extraterritorialidade incondicionada. Isso caiu na prova do MPF. Para essas espécies de delito, nosso legislador previu uma extraterritorialidade incondicionada. Caiu no MPF: um funcionário brasileiro solicitando vantagem indevida na embaixada brasileira e perguntou se nossa lei vai alcançar esse fato. O candidato respondeu: “lógico que vai alcançar. O crime aconteceu na nossa embaixada no Egito e embaixada brasileira no Egito é território nacional.” Tunga! Errou! Você já sabe que a embaixada não é extensão do território que representa. O fundamento era outro. Era exatamente o art. 7º, I, “c”. Apesar de cometido no estrangeiro e a embaixada brasileira no Egito é território estrangeiro, vai incidir a lei brasileira porque é caso de extraterritorialidade incondicionada. Muitos erraram fundamentando que o crime ocorreu em território nacional.

O segundo dispositivo que se lembrou de punir mais rigorosamente os crimes contra a Administração em geral (foi logo depois da Operação Anaconda, 2003)

2. § 4º, do art. 33, do CP:

§ 4º O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da

159

Page 5: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. (Acrescentado pela L-010.763-2003)

-O § 4º traz uma condição para que o agente, autor de crime contra a Administração Pública, consiga progredir.

-Qual foi o erro do legislador? O legislador condicionou a concessão do benefício à reparação do dano. Sempre que ele condiciona benefício à reparação do dano, ele lembra que há pessoas que não têm condições de reparar. Ele não lembrou de dizer “salvo impossibilidade de fazê-lo-. Então, fica parecendo que aquele que não tem condições de reparar jamais vai progredir de regime, criando um regime integral. - Então, já tem gente falando que o § 4º é inconstitucional. E o que a gente faz com ele? Analogia in bonam partem. É só fazer isso e chegar à seguinte conclusão: tem condições de reparar? Repara para progredir. Não tem condições de reparar? Não precisa reparar. Essa condição não se aplica ao seu caso.

É só fazer uma analogia in bonam partem com os delitos que ressalvam a “impossibilidade de fazê-lo”.

Crimes funcionais. Eu vou fazer duas afirmações e vocês vão dizer qual a verdadeira e qual a falsa:

CRIME FUNCIONAL x ATO IMPROBO –1) Todo crime funcional corresponde a um ato ímprobo? – Verdadeiro ou falso!? Isso foi dissertação do TRF da 5ª Região. É possível ter crime funcional e não ter ato de improbidade? - Invariavelmente, se você tem um crime funcional ou ele configurou enriquecimento ilícito, ou ele trouxe um dano ao erário. E ainda que ele não configure enriquecimento ilícito ou gere dano ao erário, o crime funcional fere os princípios da Administração Pública, em especial, legalidade e moralidade. Então, não tem como escapar: crime funcional necessariamente corresponde a ato de improbidade administrativa. -Segundo RogerioS. No MP/SP os promotores criminais são orientados, quando se deparam com crimes contra a Administração Pública, a remeter cópia de tudo ao promotor da cidadania para entrar com ação de improbidade.

2)Todo ato ímprobo corresponde a crime funcional? – Verdadeiro ou falso?! Agora eu inverti. Eu já vou demonstrar que essa questão não é verdadeira. O art. 10, da Lei de Improbidade, traz atos ímprobos dolosos e atos ímprobos culposos. Quando o ato ímprobo é culposo, nós só vamos ter um crime culposo, que é o peculato. Só o peculato admite modalidade culposa. Os demais crimes não têm modalidade culposa. - Então, só um ato ímprobo culposo é que vai ter correspondência no CP, que é o peculato culposo. No mais, todos os demais atos ímprobos culposos não encontram crime correspondente. Se é verdade que todo crime funcional gera ato de improbidade, o contrário não se aplica.

Nós vamos falar dos crimes funcionais.

CAPÍTULO I – DOS CRIMES FUNCIONAIS

1. SUJEITOS DO CRIME

160

Page 6: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Já deu para perceber que nos crimes funcionais o sujeito ativo é o funcionário público. O CP ainda utiliza essa expressão, mas pós 1988 passou a ser servidor. O sujeito passivo é a Administração em geral. Falou em crime funcional, coloca na sua cabeça: em regra o sujeito ativo é o funcionário público. Há duas exceções (veremos que há dois crimes funcionais que você não precisa ser funcionário público para praticar). Por isso eu gosto de falar que, em regra, o sujeito ativo sempre será o funcionário público.

E a vítima? A vítima primária sempre será a Administração em geral, podendo com ela concorrer o particular. Mas o particular será vítima secundária.

E quem é funcionário público para fins penais? O que é funcionário público? O que o direito administrativo responde qual o conceito de servidor público? Há administrativistas que dão à expressão um conceito amplo, outros dão um conceito restrito. E tem outros administrativistas que não sabem se vai ser amplo ou restrito. O direito penal não pode ficar ao sabor dessa discussão porque é norteado pelo princípio da taxatividade. Então, o direito penal tem um conceito de funcionários públicos para fins penais. Daí nasceu o art. 327:

Funcionário PúblicoArt. 327 - Considera-se funcionário público, para

os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

O art. 327 traz um caso de interpretação autêntica ou literal ou legislativa. O direito penal precisou interpretar o conceito de funcionário público para obedecer o princípio da taxatividade ou mandado de certeza. Então, vamos interpretar o art. 327.

1.1. Funcionário Público Típico ou Propriamente Dito (caput)

Ele começa a enunciar no caput o chamado funcionário público típico ou propriamente dito. Para o direito penal, quem é funcionário público ou propriamente dito? É quem exerce cargo, quem exerce emprego e quem exerce função pública, ainda que transitoriamente ou sem remuneração.

Quem exerce cargo? O famoso estatutário. Quem exerce emprego? O celetista da Administração.

161

Page 7: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Quem exerce uma função pública? Você pode exercer uma função pública sem ter cargo, sem ter emprego público. A função pública é o exercício de um dever para com a Administração pública. Exemplo de função pública transitória e sem remuneração: jurado e mesário. Isso não cai mais em concurso de tanto que já perguntaram.

FUNÇÃO PÚBLICA VS. ENCARGO PÚBLICO – Ex: o antigo síndico de falência, atual administrador judicial. O administrador judicial da falência solicita vantagem de um credor. Ele praticou crime contra a Administração Pública? Questão boa! Vocês não podem confundir função pública com encargo público, múnus público. Aqui, é prestação de favor. O administrador judicial não é funcionário público para fins penais porque não tem função pública. Ele tem encargo público. Cuidado. O administrador judicial, antigo síndico da falência, não pratica crime funcional porque já há um rol de crimes que podem ser praticados por ele na própria Lei de Falência. -Também exercem encargo público o inventariante dativo. Se ele se apropria de bens do monte da herança, pratica apropriação indébita, não peculato-apropriação.- Também exerce encargo público o tutor dativo. Também exerce encargo público o curador dativo. Reparem que esses quatro casos despencam em concurso e o candidato que não percebe a diferença de função pública para encargo público vai achar que são funcionários públicos para fins penais.

ADVOGADO DATIVO – E o advogado dativo? Ele é funcionário público para fins penais ou exerce mero encargo público? O advogado dativo se apropriou do dinheiro do seu cliente assistido. É apropriação indébita ou peculato-apropriação? Prevalece, inclusive, no STJ que o advogado dativo é funcionário público para fins penais. Primeiro porque está fazendo as vezes da Defensoria Pública, depois age diante de um convênio com o Estado e terceiro, ele recebe do Estado para fazer isso.

ESTAGIÁRIO é funcionário público? Estagiário do MP, da Defensoria, etc. Caiu isso em concurso recentemente. Sim. Estagiário é funcionário público para fins penais.

1.2. Funcionário Público Atípico ou Por Equiparação (art. 327, § 1º)

O art. 327, § 1º, traz o funcionário público atípico ou por equiparação.

§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Alterado pela L-009.983-2000)

Até o advento da Lei 9.983/00 o § 1º acrescentou a expressão: “, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.” - Por que em 2000 mudou? Se você respondeu privatização, errou, porque na privatização você

162

Page 8: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

transfere tudo para o particular: o serviço e o patrimônio. O Estado abre mão do serviço e do patrimônio. Na verdade se preocupou com a política de desestatização e é diferente de privatização. Você transfere o serviço, mas o patrimônio continua do Estado. -Na desestatização você transfere a exploração do serviço, a concessão do serviço- O patrimônio continua a lhe pertencer. Tanto é que quando acaba o contrato de concessão, a Administração volta a explorar o serviço com todas as benfeitorias realizadas pela concessionária. O que está em cinza é uma preocupação com a famosa política da desestatização. As famosas concessões das rodovias, etc.

Quem é funcionário publico atípico é quem exerce cargo, emprego, função em:

Entidade paraestatal Empresa prestadora de serviço contratada Empresa prestadora de serviço conveniada

Não será qualquer empresa prestadora contratada ou conveniada pela Administração e sim aquelas que executar atividade típica da Administração pública. Somente aquelas para as atividades típicas da Administração. Os funcionários das empresas que foram contratadas para finalidades atípicas da Administração não são considerados funcionários públicos para fins penais. O governo contratou um buffet. Isso não é atividade típica. Os funcionários do buffet não são funcionários públicos para fins penais.

Na cidade que eu trabalhei a Santa Casa ia fechar. Chamei o prefeito: por que a prefeitura não faz um convênio com a Santa Casa? Isso significa injetar dinheiro público na Santa Casa e nomear um gestor. No dia que saiu o convênio, eu mandei uma informação para a Santa Casa dizendo: “a partir de agora, vocês, funcionários da Santa Casa, são funcionários públicos para fins penais. Você que levava para casa um remedinho e achava que estava praticando um mero furto, agora você pratica peculato-furto. Você, atendente que não fazia porra nenhuma, não era crime, agora é prevaricação.” Isso porque a partir do convênio os funcionários da Santa Casa passaram a ser funcionários públicos para fins penais.

Causa de aumento de pena

O § 2º, do art. 327 traz majorante de pena, causa de aumento de pena:

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Aumenta-se a pena de 1/3 quando o agente, sujeito ativo de crime funcional, exercer:

Cargo em comissão Função de direção Assessoramento

163

Page 9: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Em:

o Órgão da Administração Diretao Sociedade de Economia Mistao Empresa Públicao Fundação instituída pelo Poder Público

E esse aumento 1/3 ajuda porque pode salvar o crime da prescrição, já que as penas são tão pequenas (quase tudo prescreve).

O legislador esqueceu de alguma coisa. O quê? Da autarquia. O legislador se esqueceu da autarquia, você não pode lembrar porque isso é analogia in malam partem. Tem que pedir para o Congresso retificar. Não dá para fazer isso na prática. Eu sei que a fundação instituída pelo Poder Público é uma espécie de autarquia, mas não de todas.

PRESIDENTE/GOVERNADOR/PREFEITO exercem função de direção de órgão da Administração Direta? Ou escaparem desse aumento? Eu posso dizer que essas pessoas exercem função de direção de órgão da administração direta? -O STF, por 6 votos a 5 decidiu que Presidente, Governadores e Prefeitos sempre respondem com aumento porque exercem função de direção em órgão da Administração direta. Sabe por que nasceu essa tese? Para evitar a prescrição do escândalo do BANPARÁ, do ex-governador Jader Barbalho. Já estava prescrito. Se não configurasse o aumento de 1/3 o Supremo não ia poder receber a denúncia porque já estava prescrito e não era da pena em perspectiva. Era a prescrição da pretensão punitiva em abstrato. O fato aconteceu em 1994 e em 2005 o Supremo não havia recebido ainda a denúncia. Considerando aumento de 1/3 o Supremo evitou a prescrição.

FUNCIONÁRIO DA ECT é funcionário publico para fins penais? Tenho certeza que vai cair isso. - Os funcionários da ECT são servidores públicos. Você não pode confundi-los com os funcionários das franquias do correio. A doutrina majoritária entende que os funcionários das franquias não são servidores públicos para fins penais. Isso caiu para delegado no RS. Ele falava de um carteiro que abriu uma correspondência e subtraiu o que estava no seu interior. Se ele fosse funcionário direto da ECT, ele praticou peculato-furto. Se ele era funcionário da franquia ele praticou furto. Cuidado! Tanto é que os crimes que envolvem a ECT são da competência da justiça federal. Já os crimes que envolvem as franquias, competência da justiça estadual. Houve um roubo ao correio! Qual correio? À ECT ou a alguns de seus órgãos espalhados pelo Brasil? Competência da justiça federal. Houve roubo ao correio, franquia, a competência é da justiça estadual.

Os crimes funcionais se dividem em:

Os crimes funcionais próprios não se confundem com os crimes funcionais impróprios.

Crime funcional próprio – Faltando a qualidade de servidor do agente, o fato passa a ser um indiferente penal. É hipótese de atipicidade absoluta. Se você retirar a roupagem de servidor, não pratica crime funcional. Exemplo: prevaricação.

164

Page 10: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Crime funcional impróprio – Faltando a qualidade de servidor do agente, o fato deixa de configurar crime funcional, ajustando-se ao crime comum. É hipótese de atipicidade relativa. Exemplo: peculato-apropriação, que passa a ser apropriação indébita; o peculato-furto, que passa a ser furto; a concussão, que passa a ser extorsão, etc. É o que mais tem.

Uma hora e dez minutos de aula, só fazendo introdução. Mas a tendência dos concursos públicos é a dissertação explorar direito penal parte especial. E esse crime contra Administração Pública é o crime da moda.

2. PECULATO – Art. 312

O crime de peculato admite 6 modalidades:

Peculato-apropriação – Art. 312, caput, 1ª parte Peculato-desvio – Art. 312, caput, 2ª parte Peculato-furto – Art. 312, § 1º Peculato culposo – Art. 312, § 2º Peculato-estelionato – Art. 313 Peculato eletrônico – Art. 313, A e B.

O examinador, na prova, vai perguntar: o peculato é próprio ou impróprio? Aí o candidato que conhece os tipos de peculato vai dizer que peculato próprio e peculato impróprio não existe.

Peculato próprio ou propriamente dito – É o gênero do qual são espécies o peculato-apropriação e o peculato-desvio. Esse é o peculato próprio ou propriamente dito. O peculato do caput é o próprio. Se o probleminha retrata um peculato-apropriação ou peculato-desvio é o peculato próprio ou propriamente dito.

Peculato impróprio – É sinônimo de peculato-furto.

Cuidado com isso! Veja se o examinador trouxe no problema o peculato do caput, que tem como sinônimo o peculato próprio ou se ele trouxe o peculato do § 1º, que tem como sinônimo peculato impróprio.

Agora, vamos analisar cada uma dessas figuras. Vamos, na aula de hoje, destruir o peculato.

2.1. PECULATO PRÓPRIO (peculato-apropriação e peculato-desvio) – Art. 312, caput

PeculatoArt. 312 - Apropriar-se o funcionário público de

dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

165

Page 11: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Sujeito Ativo

O sujeito ativo do peculato-apropriação e do peculato-furto é o funcionário público no sentido amplo do art. 327, do CP. Ao invés de responder funcionário público, responda funcionário público em sentido amplo (do art. 327)

COAUTORIA E PARTICIPAÇÃO - Admite coautoria e participação? Sim - Mas tomem cuidado. Olha o problema que vai cair na sua prova: A é funcionário público para fins penais. B é o particular. - B induz A a se apropriar de bens públicos. A induzido por B se apropriou de bens públicos. Que crime pratica A? Pratica peculato. E B? Depende. Se B tinha conhecimento da qualidade funcional de A, também responde por peculato na condição de partícipe. Agora, se B não tinha conhecimento, aí B praticou apropriação indébita. Cuidado na prova! Veja se B tinha conhecimento da qualidade funcional de A. Se tinha, é partícipe. Caso contrário, pratica apropriação indébita. Você tem que explorar isso na prova.

Prefeito como sujeito ativo - Sempre que se falar em prefeito, antes de ir para o Código Penal, você tem que ir para o DL 201/67. O Código Penal, nesse caso, é norma geral e o DL 201/67, como norma especial. Então, sempre que se falar em prefeito, você primeiro analisa se o crime está no DL 201/67. Somente se não estiver na norma especial é que você pode se socorrer da norma geral. Cuidado! Se você se deparou com a palavra “prefeito”, a primeira coisa que você vai fazer é analisar se o comportamento dele se ajusta ao decreto-lei. Somente na hipótese de não se ajustar ao DL 201/67 é que você vai para o Código Penal.

DIRETOR DE SINDICATO que desvia dinheiro do sindicato pratica peculato? Para responder a essa pergunta, você tem que decidir se o diretor do sindicato é funcionário público ou não. O fato de ser diretor de sindicato torna alguém funcionário público? Você sabe que é perfeitamente possível o funcionário público ser diretor de sindicato. Mas aí ele já era funcionário público. Eu quero saber se o fato de alguém ser diretor de sindicato o torna funcionário público. Diretor do Sindicato dos Animadores Circenses. O palhaço é diretor do sindicato. Ele desviou dinheiro do sindicato. Praticou peculato? Diretor de sindicato exerce cargo, emprego ou função pública? Não. Ele é funcionário equiparado? O sindicato é entidade paraestatal? Não. O sindicato é contratado pela Administração? Não. É entidade conveniada? Não. Se ele não é funcionário público nem típico e nem atípico, pratica peculato? Pratica! Mas como?? É o art. 552, desse documento importantíssimo, que é a CLT, diz o seguinte |:

Art. 552 - Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal. 

OBS: esse artigo nao equiparou a pessoa. Equiparou o fato. A equiparação não foi subjetiva, mas objetiva. O art. 552, da CLT está anunciando o seguinte: eu sei que o diretor do sindicato não é funcionário público, mas o fato que ele praticou é equiparado “a” e deve ser julgado “como. Mas a Constituição de 1988 veda-se qualquer ingerência estatal nas entidades sindicais.” Então, questiona-se: o art. 552 foi recepcionado pela CF/88? A maioria da doutrina e da jurisprudência entende que esse artigo não foi recepcionado pela Constituição Federal. Entende que ele retrata uma ingerência estatal nas entidades sindicais, vedada pela CF/88. Então, para a maioria, o art. 552 não foi recepcionado. Olha o detalhe: STJ

166

Page 12: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

discorda. As últimas decisões do STJ são no sentido de que o art. 552 foi recepcionado pela Constituição Federal.

(Intervalo – 01:27:30))Sujeito Passivo

O sujeito passivo é a Administração em geral. É o Estado-Administração.

Observação: podendo com ela concorrer o particular lesado pela ação do agente.

a) Peculato-Apropriação

Vamos analisar o comportamento criminoso do art. 312, caput, que terá que ser dividido em duas partes:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

1ª Parte – Peculato-apropriação 2ª Parte – Peculato-desvio

Isso, só no Brasil mesmo, porque é absurdo você dividir peculato apropriação de peculato desvio. É a mesma coisa! Se você se apropria está desviando. Se você está desviando é porque se apropriou. Só o Brasil consegue enxergar dois crimes distintos. Sofre, inclusive, a crítica da doutrina.

Elementos do peculato-apropriação:

Apropriar-se o funcionário público – O que significa “apropriar-se”? Inverter a posse, agindo arbitrariamente, como se dono fosse. E esse funcionário público se apropria de

Dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel – Eu falei em bem móvel. Você já sabe que para o direito penal móvel não é o móvel do direito civil. Para o direito penal, móvel é o que pode ser transportado de um local para o outro sem perder a identidade. Cuidado que não corresponde ao conceito do direito civil.

Público ou particular – Reparem que também há o crime quando o funcionário se apropria de coisa particular em poder da Administração. E quando se apropriar de coisa particular, o proprietário figura como vítima secundária. Cuidado! Tem gente que acha que peculato é só se apropriar de coisa pública. Pode ser bem móvel público ou particular.

De que tem a posse – A posse é pressuposto do crime. Isso abrange a mera detenção? Apropriar-se o funcionário de bem de que tem a mera detenção também configura peculato-apropriação? Isso já foi pergunta de prova. O legislador quando usou a palavra “posse” o fez no sentido técnico, diferenciando da mera detenção ou não? Ou utilizou no seu sentido vultar, abrangendo, inclusive, a mera detenção? Anotem:

167

Page 13: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A expressão “posse” abrange a “mera detenção” (TRF 1ª Região)?

1ª Corrente: Não abrange a mera detenção. Quando o legislador quer abranger a detenção, ele o faz expressamente –entao não configura peculato.

(exemplo: art. 168, do CP: “Apropriação Indébita - Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:”). O art. 168, é claro, ao diferenciar posse de detenção. Se o art. 312 não falou em detenção é porque não quer abranger detenção. Conclusão: exercer mera detenção em domínio

configura peculato-furto.

2ª Corrente: A expressão “posse” abrange a mera detenção, tendo o legislador redigido o artigo sem preocupação técnica. A posse aí abrange a posse ordinária e a posse precária (mera detenção). Para essa corrente, inverter a mera detenção em domínio também configura peculato-apropriação.

Conclusão: exercer mera detenção em domínio configura peculato-apropriação.

A do STJ é a primeira corrente. Era essa que o examinador queria. Eu não falei do STJ porque o STF ainda não tem posição sedimentada sobre o assunto.

Em razão do cargo – Isso significa o quê? É imprescindível o nexo funcional. Isso significa que a posse da coisa tem que estar entre as atribuições do agente no cargo, emprego ou função. Não se confunde com a expressão “por ocasião do cargo” (e é nisso que o examinador vai querer te pegar). Não basta uma posse por ocasião do cargo, que é um mero nexo temporal. Tem que ser uma posse em razão do cargo, em razão do vínculo funcional. Cuidado! Se não você não vai perceber que ele mudou o nexo funcional para mero nexo temporal.

Para si ou para outrem – E ele assim age para si ou para outrem.

Se perguntarem sobre peculato-apropriação, você tem todos os seus elementos. Não tem como errar.

b) Peculato-Desvio

Qual é a diferença do peculato-desvio para o peculato-apropriação? A única diferença é que na apropriação ele se apropria e no desvio ele desvia. O resto é tudo igual. Eu só vou mudar o primeiro elemento. O peculato-desvio só difere no primeiro elemento. Se o peculato-apropriação é apropriar-se, o peculato-desvio é desviar o funcionário público dinheiro, valor ou qualquer bem móvel, público ou particular, de que tenha a posse em razão do cargo para si ou para outrem. Ao invés de apropriar-se, ele desvia, isso é, ele dá uma destinação diversa da que prevista em lei. Ele dá à coisa uma destinação diversa da prevista em lei, infringindo a lei. Só isso. Não tem sentido diferenciar esses dois tipos de peculato.

Elemento subjetivo

O crime peculato próprio é punido a título de dolo. Basta o dolo? Não. É um dolo + finalidade especial, qual seja, “para si ou para outrem”. É imprescindível o animus de apoderamento definitivo.

168

Page 14: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

E aí vem a pergunta de concurso: e se ele age com animus de uso, é crime? Eu vou dar um caso hipotético. Se você conhece algo parecido, é triste coincidência. Quando o caso é real, eu falo. Vamos imaginar um famoso legista da UNICAMP. Ele levou para o seu consultório particular (consultório de legista. Já pensou? “hoje vou consultar o meu legista”) um aparelho de última geração da universidade para aplicar nas suas pesquisas. Levou, usou duas semanas e devolveu. Pergunto: praticou crime? Ele só usou o aparelho e devolveu para a universidade. Ele praticou peculato? Olha que interessante: você tem que diferenciar a coisa consumível da coisa não consumível. A doutrina penal falando em fungível e não fungível e confunde tudo.

Se a coisa for consumível (se consome com o uso), você jamais vai restituí-la ao status quo ante. Aí você tem crime + ato de improbidade.

Se a coisa for não consumível, é ato de improbidade administrativa.

Eu acabo de provar que todo crime gera ato de improbidade, mas nem todo ato de improbidade corresponde a crime. Exemplo: peculato de uso.

Observação: mão-de-obra não é coisa, é serviço!! Não existe peculato de mão-de-obra. Cezar Roberto Bittencourt alerta isso.

Caso verídico – Eu era promotor em Santa Rosa de Viterbo e por conta de uma ausência de promotor na comarca vizinha eu estava acumulando as funções. Um dia veio de lá o oficial de justiça e me contou que viu máquinas da prefeitura cavando uma piscina na chácara da prefeita. Eu fui lá ver aquilo. Quando cheguei, até vi o carro do oficial. Ele estava em cima da árvore observando e me chamou para subir. E eu: “você sobe, você tira foto e você desce para me mostrar.” Ele fez exatamente isso. Tirou as fotos, desceu. Na hora que eu vi as fotos, as máquinas estavam lá. Eu mandei chamar o comandante da PM para entrar na chácara. Entrei, fui recebido pela prefeita e dei voz de prisão por peculato. O comandante da PM até prendeu. O prefeito tem competência especial. Até liguei para vir um procurador de justiça acompanhar o flagrante. No caminho da delegacia, o oficial vira pra mim e fala assim: “Ô doutor, o Sr. prendeu em flagrante por peculato, mas ela não estava somente usando? Máquina da prefeitura é bem consumível ou não consumível? E, doutor, se é não consumível, não tem crime! O Sr. prendeu em flagrante por quê?” Cheguei na delegacia e o delegado já estava pronto pra lavrar o flagrante. Eu expliquei e ele disse pra gente arrumar um crime ambiental. Só que no DL 201/67, art. 1º, II, o peculato pode ser, inclusive, de uso:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

Vejam que no caso de prefeito, o uso é sempre crime, não importa se o bem é consumível ou não consumível. E mais: para prefeito é crime até mesmo o uso de mão-de-obra! Até mesmo uso de serviços públicos. Foi pergunta do TRF da 3ª Região: explique o peculato de uso, inclusive no caso de prefeitos. Para o prefeito o uso é sempre crime, não importando se a coisa é consumível ou não

169

Page 15: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

consumível. É crime, inclusive, o uso de mão-de-obra. Não se esqueçam disso, para não sentirem o frio que eu senti.

Consumação e Tentativa

Quando o crime se consuma? Vamos dividir a consumação para o peculato-apropriação e para o peculato-desvio.

Peculato-apropriação – Tem gente que diz que se consuma quando o agente inverte o animus de possuidor para proprietário. E como você vai saber isso? Vai entrar na cabeça dele? Então, o melhor é responder que no peculato-apropriação o crime se consuma no momento em que o agente passa a exteriorizar poderes de proprietário: aliena, aluga, destrói, etc. Vocês estão lembrados no direito real, quais são os poderes de domínio.

Peculato-desvio – Se consuma no momento em que ele dá à coisa destinação diversa da prevista em lei.

Ambas as modalidades admitem tentativa.Princípio da Insignificância

É possível princípio da insignificância no peculato?

1ª Corrente – “Tratando-se de crime contra a moralidade administrativa, é inaplicável o princípio da insignificância. Mais do que com o patrimônio, eu estou preocupado com a moralidade administrativa, logo, inaplicável o princípio da insignificância. Essa primeira corrente é do STJ.

2ª Corrente – “Sendo o princípio da insignificância um vetor de aplicação geral no direito penal, é cabível nos crimes contra a Administração Pública (regra).” Isso tem que ser interpretado como regra porque a própria segunda corrente admite que há casos em que o princípio da insignificância é inaplicável. Essa segunda corrente é a do STF.

Diferença entre o peculato desvio e o delito de emprego irregular de verba (art. 315)

Emprego Irregular de Verbas ou Rendas Públicas

Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

O que dá às verbas públicas dolosamente aplicação diversa da estabelecida em lei, detenção de 1 a 3 meses. É mais grave você arranhar sua vizinha (3 meses a 1 ano). E qual é a diferença do peculato-desvio para esse crime? Vamos diferenciar o art. 312 do art. 315.

No art. 312, você tem um desvio. No art. 315 você também tem um desvio. Até aqui, não há diferença. A diferença nasce quando você percebe que no art. 312 o desvio visa satisfazer interesses particulares, seja do agente, seja de outrem. Já no art. 315, o desvio continua atendendo o interesse público. Ele desvia

170

Page 16: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

dolosamente a verba da educação para a saúde. Antes ele desviasse só pensando nisso. No art. 312 ele desvia para o seu banco ou para o banco de alguém. Claro que ele pode alegar estado de necessidade. Vamos imaginar as calamidades que tomaram o Sul do País com as chuvas. Se ele desviasse verba da educação e da saúde para atender as famílias desabrigadas, é possível alegar estado de necessidade. Se o desvio acontecer para salvar a população de um perigo atual, ele pode alegar estado de necessidade.

2.2. PECULATO IMPRÓPRIO ou PECULATO-FURTO – Art. 312, § 1º

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Sujeito Ativo – Funcionário público no sentido amplo do art. 327, do CP.

Sujeito Passivo – Administração Pública, podendo com ela concorrer o particular lesado pelo crime.

No peculato-apropriação ou desvio vocês viram que o agente tem posse e, por ter posse legítima, apropria-se ou desvia. Já no peculato-furto, ele não tem posse e por não ter posse, ele tem que subtrair ou facilitar a subtração por alguém. No peculato próprio ele tem a posse. O que ele faz com ela? Ele inverte, se apropriando ou desviando. No peculato-furto, exatamente por não ter posse é que ele tem que subtrair a coisa ou facilitar a sua obtenção. ´

Por isso que no caput, o peculato é chamado de próprio e aqui ele é chamado de impróprio, porque ele não tem posse. Ele tem que subtrair a coisa.

Não vai ficar pensando que qualquer subtração do funcionário público para com a Administração é peculato-furto. O § 1º diz que só haverá peculato-furto se o agente “valer-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário público.” Se ele não tem facilidade alguma, é furto comum. Quando estudamos furto, eu fiz o seguinte esquema: se você tem uma subtração facilitada pelo cargo, é o peculato-furto. Mas se a subtração é não facilitada pelo cargo, isso é furto comum. Não se esqueça disso! Não fique pensando que toda subtração de funcionário público para com a Administração gera peculato-furto. Não! A subtração, para gerar peculato-furto, tem que ser facilitada pelo cargo. É isso que você vai ter que descobrir na hora da prova.

Tipo Subjetivo – O crime é punido a título de dolo, exigindo apoderamento definitivo.

Consumação – É só você lembrar do que falamos no furto. Tudo o que falamos no furto se aplica ao peculato-furto.

2.3. PECULATO CULPOSO – Art. 312, § 2º

171

Page 17: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Peculato Culposo § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para

o crime de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

É o ÚNICO crime culposo da espécie dos delitos funcionais.

É o ÚNICO crime de menor potencial ofensivo entre os delitos funcionais.

Sujeito Ativo – O funcionário público, no sentido amplo do art. 327, do CP.

Sujeito Passivo – Administração em geral, lembrando que com ela pode concorrer o particular lesado.

Tipo Objetivo – O que estou punindo no art. 312, § 2º? “Concorrer culposamente para o crime de outrem.” Isso é o que se pune. O funcionário público, com a sua negligência, concorreu para o crime de outrem. Foi a negligência dele que permitiu o crime de outrem.

Olha o que vai cair: qual crime de outrem? Qualquer crime de outrem? Ou apenas algumas modalidades de crime?

1ª Corrente – O § 2º merece uma interpretação topográfica. Então, esse crime de outrem só pode ser o do §1º, só pode ser o do caput. Então, só existe crime quando ele concorre culposamente para um peculato-furto ou peculato próprio. É a que prevalece. Prevalece essa corrente, que é a restritiva.

2ª Corrente – Ela diz que não, que apesar de o § 2º estar no art. 312, a expressão “crime” não restringe espécies de infração penal. Logo, abrange qualquer crime, inclusive o furto. Rui Stocco adota essa corrente e ele tem razão, pois a lei não diferencia.

Consumação – É claro que o crime é punido a título de culpa e consuma-se o crime com a consumação do crime de outrem. Consuma-se o peculato culposo com a consumação do crime de outrem.

Por que esse funcionário público não responde como coautor ou partícipe nesse crime de outrem? Porque não existe homogeneidade de elementos subjetivos. Não existe participação culposa em crime doloso. Para tanto, tem que haver homogeneidade de elementos subjetivos. Cada um responde pelo seu crime. O crime de outrem tem uma punição independente e o funcionário negligente, a punição pelo peculato culposo.

Tentativa – Admite tentativa? Claro que não! É crime culposo e, cuidado, crime culposo não admite tentativa!

O § 3º se aplica, única e exclusivamente, ao peculato culposo:

§ 3º - No caso do parágrafo anterior (de peculato culposo), a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

172

Page 18: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

São benefícios exclusivos do peculato culposo, não podendo ser estendidos ao peculato doloso. O § 3º, em apertada síntese, diz o seguinte:

Se a reparação ocorrer antes da sentença irrecorrível, extingue a punibilidade.

Se a reparação ocorrer depois da sentença irrecorrível, diminui a pena de metade.

Vejam que entre o benefício da extinção da punibilidade e a simples diminuição de pena há um divisor de águas: sentença irrecorrível. Na sua prova, o examinador vai colocar sentença recorrível. Ou ele vai colocar denúncia ou recebimento de denúncia. Mas ele tem até a sentença irrecorrível para reparar o dano. Não pode estender para o peculato doloso! É benefício exclusivo do peculato culposo!

Observação: A diminuição da pena depois da sentença irrecorrível é aplicada pelo juiz da execução.

2.4. PECULATO-ESTELIONATO – Art. 313, § 2º

Peculato Mediante Erro de OutremArt. 313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer

utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Sujeito Ativo – O funcionário público, no sentido amplo do art. 327, do CP.

Sujeito Passivo – Administração em geral, podendo com ela concorrer o particular lesado.

Tipo Objetivo – O tipo objetivo diz “apropriar-se de coisa recebida por erro de outrem.”

Vocês não podem confundir o art. 312 com o art. 312, § 1º e o art. 313. O art. 312 fala em “apropriar-se” o art. 312, § 1º fala em “subtrair” e o art. 313 volta a falar em “apropriar-se”. Se a gente parasse aqui, ficaria difícil diferenciar o art. 312 do art. 313. No art. 312, o sujeito ativo tem uma posse, por isso ele se apropria. No art. 312, § 1º, ele não tem posse. Por isso, ele subtrai. No art. 313 ele tem posse, por isso se apropria. A diferença: no art. 312, a posse que ele tem é legítima em razão do cargo. Já no art. 313, a posse que ele tem é ilegítima.

Se o examinador utilizou a palavra “subtrair”, ele facilitou a sua vida. Trata do art. 312, § 1º. Se ele utilizou a expressão “apropriou-se”, aí você poderá estar diante do 312 ou do 313. Qual a diferença? É que no 312 a posse que ele tinha era legítima. No art. 313, é ilegítima. Alguém entregou aquilo para ele enganado.

Detalhe importante: para configurar o art. 313, o erro tem que ser espontâneo. Se o erro foi provocado pelo servidor, se o terceiro errou provocado pelo funcionário público, aí você tem estelionato.

173

Page 19: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O crime é punido a título de dolo, isto é, quando percebe o erro, o funcionário público não o desfaz, apropriando-se da coisa. O dolo é querer apropriar-se daquilo que você sabe que está na sua posse fruto de erro.

Consumação – O crime se consuma no momento em que o agente, percebendo o erro, não o desfaz, agindo como se dono fosse. O crime não se consuma quando ele recebe a coisa, mas quando ele percebe o erro e não o desfaz, agindo como se dono fosse.

2.5. PECULATO ELETRÔNICO – Arts. 313-A e 313-B

Inserção de Dados Falsos em Sistema de Informações

Art. 313-A - Inserir ou facilitará o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Acrescentado pela L-009.983-2000)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

 Modificação ou Alteração não Autorizada de

Sistema de Informações Art. 313-B - Modificar ou alterar, o funcionário,

Sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: (Acrescentado pela L-009.983-2000)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

Esses dois crimes novos têm a redação muito semelhante. Vamos fazer um quadro comparativo entre esses dois delitos e você nunca mais vai esquecer a diferença entre esses dois delitos.

a) Art. 313-A

Para que você possa entender com segurança esse crime, vou, antes de mais nada, revelar um exemplo porque toda a explicação vai ser feita em cima do exemplo. Vamos imaginar um funcionário do departamento de trânsito, único autorizado a entrar no sistema de informações e incluir as pontuações decorrentes de multa. Ele é o único funcionário autorizado a entrar no departamento informatizado do Detran e incluir pontuações decorrentes de multa ou então alterar e incluir pontuações de multas canceladas. Esse funcionário entra no sistema de informações e exclui pontuações de amigos e inclui a pontuação para inimigos. Entenderam o crime?

174

Page 20: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Sujeito Ativo – Somente o funcionário público autorizado a manejar o sistema de informática da Administração Pública. Então, já não é mais um funcionário em sentido amplo do art. 327.

Sujeito Passivo – Administração em geral, podendo com ela concorrer o particular prejudicado pelo comportamento do agente.

Conduta punida – O que pune o art. 313-A? Inserir ou facilitar a inserção de dados falsos ou excluir ou alterar dados corretos dos sistemas de informação.

Objeto material - O comportamento criminoso recai sobre dados do sistema. Eis o objeto material. A conduta do agente recai sobre os dados do sistema. O funcionário quando entra no sistema ele insere ou exclui um dado constante desse sistema. Ele insere pontuação do inimigo ou exclui a pontuação do amigo.

Para os que têm dificuldade em informática: é preciso separar o sistema e os dados constantes do sistema. No comportamento do art. 313-A, o sujeito ativo preserva o sistema, o software. A conduta dele não recai no sistema, mas sobre os dados constantes do sistema. Ele preserva o sistema e age sobre os dados que o sistema armazena.

Elemento Subjetivo – O crime é punido a título de culpa? Não! Ele só é punido a título de dolo. Mas não basta o dolo. É o dolo com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano. É o dolo acrescido de finalidade especial, elemento subjetivo. Então, o crime é punido a título de dolo, mais finalidade especial, que é exatamente o locupletamento ou o dano, prejuízo a alguém. Significa o quê? Que o promotor, na denúncia, tem que descrever o dolo especial que animou o agente. Se ofereceu denúncia com base no art. 313-A e não explicou no que consistiu a finalidade especial que animou o agente, a denúncia é inepta. Sem essa finalidade especial, o fato é atípico.

Consumação e Tentativa – Quando o crime se consuma? Estamos diante de um crime material, formal ou de mera conduta? Rui Stocco diz que o crime é de mera conduta, que é aquele cujo tipo penal só descreve conduta, não descreve resultado naturalístico. “com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano” é ou não é resultado naturalístico? É. Então, não pode ser de mera conduta. Mas é um resultado naturalístico dispensável. Como chama o crime que tem resultado naturalístico mas ele é dispensável? É o crime formal. O crime é formal, significando que se consuma com a prática dos núcleos, dispensando o resultado naturalístico. Aliás, ocorrendo o resultado naturalístico, o que acontece? Mero exaurimento. Estamos diante de um crime formal e admite tentativa.

b) Art. 313-B

O que pune o art. 313-B?Art. 313-B - Modificar ou alterar, o funcionário,

Sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

175

Page 21: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

Há várias diferenças:

Sujeito ativo – Já não é mais o funcionário público autorizado, mas sim, o funcionário público no sentido amplo, do art. 327, do CP. Se o Art. 313-A pune o funcionário público autorizado, o art. 313-B pune o funcionário público.

Sujeito passivo – É o mesmo: Administração em geral, podendo com ela concorrer o particular prejudicado pelo comportamento do agente, como vítima secundária.

Conduta punida – Modificar ou alterar o próprio sistema ou programa.

Objeto Material - Mudou o objeto material. Lá eu estava preocupado com os dados constantes do sistema. Aqui, estou preocupado com o sistema que armazena os dados, o próprio software. No art. 313-A, o comportamento recai sobre os dados que o sistema armazena. Já o art. 313-B altera o próprio sistema. O art. 313-A se assemelha muito à falsidade ideológica, porque o documento virtual não é alterado. O que é alterado é a ideia constante do sistema. Já o art. 313-B se equipara à falsidade material porque não é a ideia que é alterada, mas o documento que é falsificado. Então, o art. 313-A está para uma falsidade ideológica, assim como o art. 313-B está para uma falsidade material.

Elemento Subjetivo - O art. 313-A punia o agente a título de dolo, mas não bastava o dolo. Era imprescindível a finalidade especial. E o art. 313-B exige alguma finalidade especial (tem alguma expressão como “a fim de”)? Não. O art. 313-B pune a título de dolo, pouco importando a finalidade especial do agente, não importando a finalidade que o levou a praticar tal comportamento típico.

Consumação e Tentativa – Estamos diante de um crime formal, material ou de mera conduta? Se você ler o caput, vai achar que é de mera conduta. Só que tem um parágrafo único aumentando a pena se do comportamento resultar dano para a Administração Pública. Então, tem resultado naturalístico descrito, sim, só que está no § único. Mas é um resultado dispensável. Se ocorrer, gera aumento de pena. Como se chama esse crime? Formal. Estamos diante novamente de um crime formal que admite a tentativa.

ART. 313-A ART. 313-BSujeito ativo: Funcionário público autorizado

Sujeito ativo: Funcionário público em geral

Sujeito Passivo – Administração em geral

Sujeito Passivo – Administração em geral

Conduta punida: Inserir ou facilitar a inserção de dados falsos ou corretos

Conduta punida: Modificar ou alterar o sistema ou programa

Objeto material: dados constantes do sistema (comparável à falsidade

Objeto material: o próprio sistema (software) (comparável à falsidade

176

Page 22: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ideológica) material)Elemento Subjetivo: Dolo + Finalidade Especial

Elemento Subjetivo: Dolo

Crime formal, admite tentativa Crime formal, admite tentativaPena: 2 a 12 anos Pena: 3 meses a 2 anos – (IMPO)

Qual dos dois comportamentos é mais grave? Por que eu puno o art. 313-A com uma pena de 2 a 12 anos e o art. 313-B, com uma pena de 3 meses a 2 anos? O que o legislador acaba falando para o criminoso? “Não altere um dado. Fraude o sistema!” Faltou ao legislador razoabilidade, conhecimento técnico. Imagine alguém que altera o sistema e você nunca mais consegue acessar os dados. Pronto! Ele vai responder por uma infração de menor potencial ofensivo, agora, se ele excluir um dado está ferrado.

Que crime pratica um funcionário não autorizado que altera dados do sistema? Eu, Rogério, promotor de justiça, sou funcionário público para fins penais. Entro no sistema informatizado do DETRAN e excluo uma pontuação da minha carteira. Eu não estou autorizado a entrar no programa. Eu entro no sistema e excluo a pontuação da minha carteira. Que crime eu pratiquei? Não foi o do art. 313-A porque não sou funcionário autorizado. Pratiquei o art. 313-B? Não, porque minha conduta não recaiu no sistema. Que crime pratiquei? A dica eu já dei: o art. 313-A exige funcionário público autorizado. Isso significa que funcionário público não autorizado é igual a particular. O art. 313-A exige funcionário autorizado e o não autorizado está na mesma vala do particular. Documento virtual não deixa de ser documento. Que crime pratica o particular que altera a ideia de documento público ou particular? Falsidade ideológica. Ora, o funcionário não autorizado que altera a ideia de um documento virtual também responde por falsidade ideológica. Que crime pratica o particular que altera a ideia de um documento verdadeiro? Falsidade ideológica.

Terminamos o delito de peculato, na sua última modalidade, peculato eletrônico, vamos para o art. 316, concussão.

3. CONCUSSÃO – Arts. 313-A e 313-B

Como se chama o sujeito ativo da concussão? Do homicídio, homicida; do estelionato, estelionatário; do furto, furtador; da extorsão, extorsionário e da concussão, concussionário. Às vezes na prova pode cair. Vamos ler juntos o art. 316. E vamos estudar só o caput. O art. 316 pune:

ConcussãoArt. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou

indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Tem doutrina que diz que a concussão nada mais é do que uma extorsão qualificada pela qualidade de servidor do agente. - Tem doutrina que critica essa analogia, porque um é crime contra o patrimônio e o outro não, mas ajuda! Pode-se dizer que o art. 316 pune uma extorsão qualificada pela qualidade funcional do agente.

177

Page 23: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Sujeito Ativo – Na última aula, eu afirmei o seguinte: nos crimes funcionais, em regra, o sujeito ativo é funcionário público. Eu falei “em regra” e disse que havia uma exceção. E aqui está uma exceção de um crime que pode ser praticado só por particular e não precisa estar acompanhado de servidor. Olha o que diz o art. 316: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida” Então, particular que está na iminência de assumir função pública pode praticar concussão se agir em razão dela. Então, o sujeito ativo é o funcionário público no exercício da função, fora da função (de férias, de licença, suspenso); mas admite ser praticado por particular na iminência de assumir função pública. Quando eu digo na iminência (não é ter passado na primeira fase), é que faltam somente procedimentos meramente burocráticos (exame médico, a posse, a diplomação). Para você assumir fica faltando somente passar pelo exame médico, apenas a posse que até está com a data marcada, falta a diplomação, porque eleito você já foi. Eu costumo brincar com os alunos (isso é para guardar e não para colocar na prova!) dizendo que isso, nada mais é do que “carteirada com diário oficial”. É aquele que recorta o diário oficial com o seu nome e plastifica e já começa bem a vida pública.

Cuidado com o princípio da especialidade! Se o sujeito ativo for fiscal de renda, a exigência da vantagem indevida não configura o art. 316. É o art. 3.º, II, da Lei 8.137/90:

Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I):

        II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

É a concussão e a Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária. Sabe qual é a pegadinha aqui? O caput fala em “crime funcional contra a ordem tributária”. Sabe o que significa? Que a concussão do Código Penal é crime contra a Administração Pública. A concussão, nessa lei, é crime contra a ordem tributária!! Essa é a pegadinha em concurso. Ele vai colocar: “qual dos crimes abaixo não é contra a Administração Pública”. É a concussão da Lei 8.137. Deixou de ser um crime funcional contra a Administração Pública para ser um crime funcional contra a ordem tributária. Isso repercute até com procedimento.

Militar pratica concussão- E qual é o crime? É o do Código Penal? Não. É o do art. 305, do CPM. Alguém vai fazer DPU? Vai cair CPM na DPU e vai cair o art. 305, que pune a concussão do militar.

Concussão        Art. 305. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

178

Page 24: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A pena é a mesma. “Então, Rogério, qual a diferença?” Muda a competência. Aqui, a competência é da justiça militar. É um crime militar impróprio. Competência da justiça militar.

Sujeito passivo – Aqui há um sujeito passivo primário e um sujeito passivo secundário. O primário é a Administração em geral e o secundário é o particular constrangido pelo funcionário público. Quando eu digo “particular”, a doutrina entende que é perfeitamente possível concussão de funcionário público contra funcionário público. Imagine o funcionário público investigado numa sindicância e quem investiga exige vantagem para não prejudicá-lo. Quando eu falo “particular” abrange, inclusive, funcionário público. E é possível concussão entre funcionários públicos.

Conduta punida – O que pune o art. 316? “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:” O art. 316 pune, antes de mais nada, o exigir. Exigir pressupõe ato coercitivo, intimidativo.

Há doutrina, por exemplo, Fernando Capez, que não admite grave ameaça em violência. Violência, eu também concordo que não pode ser meio de execução. Mas a grave ameaça está sempre implícita no ato coercitivo e intimidativo.

VANTAGEM PESSOAL OU ALHEIA -Reparem que o concussionário pode exigir, buscando vantagem para si ou vantagem para outrem. E o que caiu na última prova de procurador federal? “O para outrem pode ser inclusive para a própria administração”. - Há julgado na jurisprudência em que um delegado exigiu de empresários vantagem indevida para reformar a delegacia. Ele exigiu vantagem indevida para a própria Administração.

E ele exige para si ou para outrem direta ou indiretamente – A exigência direta é a exigência pessoal. A indireta é por interposta pessoa que é coautora.

Então, o crime é “exigir para si ou para outrem, direta ou indiretamente”, não está no art. 316, mas eu vou colocar: exigir explícita ou implicitamente vantagem indevida– Explícita é a exigência clara. Quando falo implicitamente é a exigência velada, camuflada.

Eu quero saber de vocês o seguinte: qual é a natureza dessa vantagem? Necessariamente econômica ou pode ter outra natureza? Prevalece que é qualquer natureza: patrimonial, econômica, sexual, moral, etc.

E se essa vantagem for devida? Que crime configura “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem devida”? Isso vai depender da vantagem. Se a vantagem for: Seguro ou contribuição social – É excesso de exação. Art. 316, § 1º

Qualquer outra vantagem devida – É abuso de autoridade

Excesso de Exação § 1º - Se o funcionário exige tributo ou

contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

179

Page 25: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Toda vez que a vantagem devida for tributo ou contribuição social, pode ser excesso de exação, desde que ao gente se valha de meio vexatório ou gravoso. Mas s for outra vantagem devida, que não tributo ou contribuição social, mas ainda devida, abuso de autoridade.

Não está expresso no tipo do art. 316, mas a doutrina entende imprescindível o abuso da autoridade pública. Em latim (e foi isso que caiu) é o metus publicae potestatis. É o abuso da autoridade pública. É o agente que abusa da autoridade pública. Se vale do temor que a sua autoridade acarreta nos outros.

Agora, preste atenção: para configurar o crime de concussão é imprescindível que o sujeito ativo tenha poder, competência ou atribuição para concretizar o mal que ele prometeu, em caso de não atendimento da exigência. Por exemplo: o delegado exige vantagem para não oferecer uma denúncia. É concussão? Não, porque delegado não tem atribuição para oferecer denúncia. Promotor exige vantagem para não condenar uma pessoa, não existe concussão porque o promotor não sentencia. O juiz exige vantagem para não oferecer uma denúncia. Juiz não pode oferecer denúncia. Então, não é concussão. Nesses casos, que crime eu tenho? - Nesse caso, comete extorsão (art. 158, CP). Se falta ao sujeito ativo competência ou atribuição, eu tenho o crime de extorsão.

MÉDICO DO SUS -Médico que, atuando pelo SUS, cobra adicionais na consulta para alguma intervenção cirúrgica – Que crime ele pratica? Há três crimes, a depender do caso concreto.

Se o médico exige essa vantagem. Ele praticou concussão e não se fala nisso. Médico pelo SUS, que cobra adicionais, se exige essa vantagem, concussão. Ou você me dá, tanto ou não vou realizar o procedimento, ainda que pelo SUS.

Se ele solicita a vantagem, ai é corrupção. Se ele chega para o paciente e pede, “olha o SUS paga mal, será que você não pode complementar, até para eu te atender melhor, mais animado, vou mexer no seu coração, cabe como é..”

Se ele não exigiu, não solicitou, mas simulou ser devida a vantagem, ele falou: “o SUS não cobra isso, não cobra isso, esse procedimento o SUS não cobra”. O que é isso? Estelionato. Ele não exigiu nada, ele não pediu nada, mas simulou que o SUS não cobria aquele procedimento. Cirúrgico.

O crime é punido a titulo de dolo, acrescido de finalidade especial. Qual finalidade especial? “Para si ou para outrem.”

Consumação e Tentativa – É crime formal, material ou de mera conduta? Crime de mera conduta não pode ser porque ele descreve a vantagem como sendo resultado naturalístico. A questão agora é saber se essa vantagem deve ser alcançada, logo o crime seria material. Mas o crime aqui é formal, consuma-se com a mera exigência, dispensando-se a obtenção da vantagem. Dispensa, inclusive, o sentimento de temor no particular. O particular não precisa se sentir atemorizado com a conduta do agente. Basta a exigência, sendo irrelevante se o particular

180

Page 26: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

acreditou ou não na concretização de algum mal. Dispensa o particular se sentir ou não atemorizado pelo que lhe foi oferecido pelo servidor. O recebimento da vantagem é mero exaurimento. Não vai dar flagrante no exaurimento!!! Admite a tentativa. Quem me dá exemplo de tentativa de concussão? Carta concussionária interceptada. Aqui admite fracionamento do iter criminis.

Terminamos concussão. Vamos agora para corrupção ativa.

4. CORRUPÇAO ATIVA

Vamos estudar a corrupção passiva junto com a corrupção passiva. E vocês sabem, nós estamos diante de uma exceção pluralista à teoria monista. O corrupto era para ser punido nos termos do art. 317, do CP e nunca o é. E o corruptor é punido pelo art. 333, do CP (exceção pluralista à teoria monista). Corrupto, art. 317, corruptor, art. 333.

Corrupção PassivaArt. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para

outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Alterado pela L-010.763-2003)

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Corrupção AtivaArt. 333 - Oferecer ou prometer vantagem

indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

O art. 316 (concussão) pune “exigir” com 2 a 8 anos. Agora vem o art. 317 e pune o “solicitar” com uma pena de 2 a 12 anos. Na concussão, em que ele “exige”, a pena é de 2 a 8. E na corrupção, em que ele só “pede”, inclusive com um ‘por favor’, a pena é de 2 a 12. O que o legislador está dizendo? Falta o que aqui? Proporcionalidade. Já tem gente dizendo que essa pena é inconstitucional por ferir o principio da proporcionalidade. A conduta mais grave (exigir) é punida menos severamente e a menos grave (solicitar), punida mais severamente. Fere o principio da proporcionalidade.

181

Page 27: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Sujeito ativo do art. 317 – É exatamente o mesmo do art. 316. O art. 317 tem como sujeito ativo o funcionário público no exercício da função ou fora da função; e também o particular na iminência de assumi-la. É o segundo crime que pode ser praticado por particular sem estar concorrendo com o funcionário publico.

Observação – Fiscal de rendas: o crime é o da Lei 8.137/90. Não é crime contra a Administração Pública, mas contra a ordem tributária. No caso de militar, é o art. 308, do CPM. E olha o que diz o art. 308, do CPM:

Corrupção passiva         Art. 308. Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

O art. 308, do CPM não trouxe o núcleo solicitar, significando que policial militar nunca solicita. Eu sei que é errado, mas em algum momento, policial militar solicita vantagem indevida. E como fica? - Se ele solicita, aí é o crime do art. 317, do CP, justiça comum. Se, na prática, confundirem isso, gera incompetência absoluta, nulidade absoluta. Se a Justiça Militar receber uma denúncia porque o policial militar “solicitou”, esse crime está sendo processado na justiça errada, absolutamente incompetente.

SUJEITO PASSIVO – Quem é a vitima da corrupção passiva? Temos que dividir em sujeito passivo primário e secundário. O sujeito passivo primário é a Administração em geral e o secundário é o particular, desde que não autor de corrupção ativa. Obvio.

Conduta Punida – O que pune o art. 317? O art. 317 pune solicitar, receber ou aceitar promessa sempre atrelado a vantagem igualmente indevida. Já o art. 333 pune oferecer e pune também prometer essa vantagem também indevida.

Pergunta do MP/DF: A corrupção passiva depende da corrupção ativa e vice-versa? São crimes bilaterais ou unilaterais? Um depende do outro? Vejam, o particular pode prometer e isso configura a corrupção ativa. Se o funcionário recusar, não tem passiva. O funcionário solicita, o particular é vitima. Dar não é crime. Você dar o que ele solicita não é crime, você é vitima. Solicitou, pode dar porque não é crime. E por que dar não é crime? Prometer é crime, oferecer é crime, mas dar, no caso da corrupção ativa não é crime. Por quê? Olha que interessante: no caso de prometer e aceitar a promessa, a corrupção partiu do corrupto ou do corruptor? Ele, primeiro, promete, portanto, parte do corruptor. No caso de oferecer e receber, a corrupção parte de quem? Quem age primeiro? Quem recebe ou quem oferece? Quem oferece. E no caso de solicitar, a conduta parte de quem? Do corrupto. Então, o legislador só pune o particular quando a corrupção parte dele. O legislador só pune o particular quando a corrupção parte dele. Se parte do funcionário publico, o particular é vitima.

Repetindo: o art. 317 pune solicitar, receber ou aceitar promessa. O art. 333 pune prometer, oferecer, mas não tem o núcleo “dar”. Por que “dar” não é crime no art. 333? Porque o art. 333 só quer punir o particular quando a corrupção parte

182

Page 28: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

dele. No caso do verbo dar, ela partiu do funcionário publico. Então, não quero punir o particular.

Intervalo (01:23:00)Eu terminei a primeira parte perguntando se o crime de corrupção passiva

pressupõe o crime de corrupção ativa e vice-versa. Não, não pressupõe. Eu falei que o art. 317 pune o “solicitar”, o “receber” e o “aceitar” promessa; e o art. 333, pune o “oferecer” e o “prometer”. Logo, o crime não é bilateral. Um crime não é pressuposto de outro. Vejam que o solicitar é o art. 317, sendo que “dar” não é crime. Você pode prometer ou oferecer e o funcionário recusar. Então, não temos a bilateralidade. E aí eu perguntei por que “dar” não é crime. Porque se no art. 317, o legislador pune o funcionário, pouco importando se a corrupção partiu ou não dele; no art. 333, ele só quer punir o particular, mas a corrupção parte dele. Se a corrupção partiu do funcionário ele é vítima. Agora, “dar” não é crime. Ele solicitou? Ou você dá ou não dá. Se você pechinchar (pedir para parcelar, diminuir um pouquinho), você está oferecendo. Aí tem o crime.

Para vocês não esquecerem isso, vou contar um caso.

(PROFESSOR) era promotor em Santa Rosa de Viterbo e na hora do almoço, eu estava na fila do banco e ouvi um casal comentar uma coisa. Passou uma vereadora que também era oficial de justiça da cidade. E o casal: “olha a fulana, você não sabe o que ela fez. O meu primo tem um posto e ela foi lá realizar uma constrição nos tanques porque o posto estava com uma execução. Ela pediu para o meu primo tantos mil reais para penhorar os tanques só quando ele estivesse vazio. Aí você penhora ar. Não penhora gasolina e nem álcool.” Consegui o telefone do primo dela. e liguei para o primo pedindo para ele ir lá. Quando chegou na promotoria, ele confirmou tudo o que eu tinha ouvido no banco. Disse que fez um DOC. Aí eu falei que ele teria que repetir tudo. “Ah, doutor, não faz isso, porque eu dei, ora.” “Mas foi o senhor que prometeu?” “Não”. “Foi o senhor que ofereceu?” Não. “Foi ela que solicitou?” “Foi”. “Então, o senhor é vítima”. Quando eu falei que ele era vítima: “Eu?? Vítima?? Eu sou vítima?? Que mulher ordinária!!” Eu processei somente a oficial de justiça, na época vereadora. Acabou cassada. Eu não processei o homem porque ele era vítima.

ESPÉCIES DE CORRUPÇÃO ATIVA

Nós temos quatro espécies de corrupção ativa no Brasil. São quatro tipos principais de corrupção ativa.

CORRUPÇÃO ATIVA DO ART. 333 – É a corrupção ativa em face de funcionário público.

CORRUPÇÃO ATIVA DO ART. 337-B – É corrupção ativa em face do funcionário público estrangeiro.

CORRUPÇÃO ATIVA DO ART. 343 – É a corrupção ativa de testemunha

CORRUPÇÃO ATIVA DO CÓDIGO ELEITORAL – É a corrupção ativa eleitoral

O que vocês têm que perceber? Presta atenção que é para você nunca errar em concurso:

Art. 333 – Quais são os dois núcleos do art. 333? Oferecer e prometer.

183

Page 29: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Art. 337-B – Pune prometer, oferecer e dar. No art. 337-B, dar é crime! Ele pune muita coisa.

Art. 343 – Pune prometer, oferecer e dar. Código Eleitoral – Também pune o núcleo prometer, oferecer e dar.

Ou seja, “dar” só não é crime no art. 333, na corrupção ativa comum. Nas corrupções ativas especiais, dar é crime. Se você quer dar, tem que dar para funcionário brasileiro. Se você der para funcionário estrangeiro, para testemunha ou der com espírito eleitoral, é crime.

Projeto de lei já no Congresso: acrescentando o núcleo “dar” ao art. 333. Não tem sentido apenas não ser crime no art. 333. É uma puta diferença e sem qualquer razão aparente. Então, o projeto de lei está na marca do pênalti para ser votado e que vai tipificar o núcleo “dar” no art. 333. Quando esse projeto se tornar lei, você já sabe que é irretroativa, já que, até então, “dar” não era crime. É isso que vai cair em concurso.

CORRUPÇÃO PASSIVA BILATERAL - Tem um caso que a corrupção passiva é bilateral, pressupõe a ativa. Caiu no MPF, 1ª fase. No núcleo receber. Se ele recebeu é porque, necessariamente, o particular ofereceu. Então, no núcleo “receber”, necessariamente o crime é bilateral.

Não importa se função pública. Todos acabam enfocando a mercancia da função pública.houve o núcleo solicitar, receber ou aceitar promessa. Não importa. Todos acabam denotando mercancia da

Corrupção passiva própria e corrupção passiva imprópria

Em concurso vai cair o seguinte: o que é corrupção passiva própria e o que é corrupção passiva imprópria?

Corrupção passiva própria ou propriamente dita – “Tem por finalidade a realização de ato injusto (contrário à lei)

Corrupção passiva imprópria ou impropriamente dita – “Tem por finalidade a realização de ato legítimo.”

Eu solicito mil reais para facilitar a fuga de preso. É corrupção passiva própria ou imprópria? Própria ou propriamente dita. Estou buscando a realização de ato contrário à lei. Tem uma outra classificação interessante, que pode ser agregada a essa, que é a da corrupção passiva antecedente e a corrupção passiva subsequente.

Corrupção passiva antecedente e corrupção passiva subsequente

O art. 317 distingue a corrupção passiva antecedente de corrupção passiva subsequente.

Corrupção passiva antecedente – Você primeiro solicita para, depois, praticar o ato.

Corrupção passiva subsequente – Você primeiro pratica o ato para, num segundo momento, solicitar a vantagem.

184

Page 30: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Eu peço mil reais para soltar um preso (corrupção passiva antecedente). Eu solto o preso e cobro mil reais por isso (corrupção passiva subsequente)

Corrupção ativa antecedente – Eu primeiro ofereço para ver realizado o ato.

Corrupção ativa subsequente – Primeiro realiza-se o ato para, num segundo momento, oferecer recompensa para o ato já realizado.

O art. 317 pune: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.” Pune-se as duas espécies de corrupção passiva, antecedente e subsequente, ou só uma delas? Pune-se as duas. A corrupção passiva antecedente é crime e a subsequente também é crime.

Agora vamos para a corrupção ativa (art. 333). A corrupção ativa pune: “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. E aqui?

Na ativa, a corrupção ativa antecedente é crime. Mas a corrupção ativa subsequente é atípica. É fato atípico. Vocês já tinham parado para pensar nisso? Caiu em concurso. Cuidado que o concurso mistura todos esses tipos.

EELEMENTO SUBJETIVO O crime do art. 317 é punido a título de dolo, com finalidade especial: “para si ou para outrem”, sendo que esse “outrem” pode ser a própria Administração Pública.

Consumação e Tentativa – Quando esse crime se consuma? Ele é material, formal ou de mera conduta? Resposta: em regra, formal. Mas é material no núcleo “receber”. Solicitou ou aceitou promessa está consumado. Mas na modalidade receber, ele é material. A doutrina admite tentativa na carta interceptada.

O § 1º, do art. 317, fala da corrupção passiva qualificada, que não tem nada de qualificada. É causa de aumento de pena. Então, o certo é corrupção passiva majorada. Mas a doutrina chama de qualificada.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

O § 1º aumenta a pena na corrupção passiva própria e imprópria ou só de uma delas? A causa de aumento só incide na corrupção passiva própria, ou seja, quando o agente pratica infringindo a lei.. Não incide na imprópria. Só a corrupção passiva própria sofre o aumento. A imprópria, não. O que significa isso? No que consiste essa causa de aumento? Nós temos que dividir, num primeiro momento, para depois analisarmos um segundo momento da corrupção.

o 1º Momento : Ele solicita – Consumação.

o 2º Momento : Ele realiza o ato comercializado, prometido – Aumento de 1/3.

185

Page 31: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A partir do momento que ele solicita, você já tem o art. 317, do Código Penal, com uma pena de 2 a 12 anos. Já está consumado. Solicitou? Você já tem o art. 317, com uma pena de 2 a 12 anos. Mas se, além de solicitar, ele realiza o ato que ele comercializou, que ele prometeu; solicitou uma vantagem para praticar um ato e concretiza e pratica esse ato, aí nós estamos diante de um aumento de 1/3 da pena. Solicitei 10 mil reais para arquivar indevidamente um inquérito. Já consumei o art. 317. Arquivo indevidamente o inquérito? A pena será aumentada de 1/3.

Cuidado quando este “realiza o ato comercializado” configura outro crime. Quando a realização do ato configura outro crime, esqueçam o aumento de 1/3. Ele vai responder pela corrupção passiva, mais este outro crime em concurso material. Você só vai aumentar de 1/3 quando a realização deste ato não corresponder a um fato típico. Isso para evitar bis in idem. Exemplo: eu solicitei mil reais para excluir pontuações suas da carteira de motorista. Aí eu efetivamente faço isso. Eu sou um funcionário autorizado. Eu não vou responder pela corrupção passiva majorada. Vou responder pelo art. 317 mais o art. 313-A, em concurso material. Se a realização desse ato configurar crime autônomo, esqueça a majorante porque ele vai responder pelo crime autônomo.

CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA –

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

- É o que se chama de corrupção passiva privilegiada. Para resumir, este parágrafo 2º configura o quê? Os famigerados favores administrativos. Tem gente que nem sabe que existe esse parágrafo 2º

SUJEITO ATIVO – Você, que conheceu o parágrafo 2º hoje, quem é o sujeito ativo? É o funcionário quebra-galho (é o “deixa comigo!”). Quebrar-galho é crime! Corrupção passiva privilegiada.

-Quem pede para quebrar galho, pratica crime? É o que você faz no trânsito, ao se dirigir para o guarda: “quebra o galho aí.” Pedir para quebrar galho é crime? Não é! Quando você pede para quebrar galho, você não está prometendo e nem oferecendo nada. Não tem corrupção ativa privilegiada. Guardem isso: funcionário quebra-galho é crime. Você que pediu para ele quebrar um galho, o fato é atípico porque você nada oferece, nada promete. Só pede para quebrar um galho.

# PREVARICAÇÃO - qual é a diferença da prevaricação e da corrupção passiva privilegiada? Não confundam o art. 317, § 2º, com o art. 319. Olha o que ele pune:

PrevaricaçãoArt. 319 - Retardar ou deixar de praticar,

indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Qual a diferença?

186

Page 32: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Na corrupção passiva privilegiada – O agente cede diante de pedido ou influência de outrem. Há interferência externa. O agente, aqui, não busca satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Na prevaricação – Não há pedido ou influência de outrem. Não há interferência externa. O funcionário se desgarra dos deveres administrativos espontaneamente. Aqui, ele busca satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

A corrupção passiva privilegiada é crime material. Só se consuma com a realização do ato. Exige a realização do ato ou omissão do ato.

5. PREVARICAÇÃO IMPRÓPRIA – Art. 319-A

É um crime funcional bastante recente.

Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Olha que pena gravíssima para uma conduta extremamente leve! Absurdo! Total inversão de valores. Mas vamos lá. Isso é interessante. O que eu estou punindo, em apertada síntese? A entrada de aparelhos de comunicação em presídios. Vamos fazer um quadro:

Antes da Lei 11.466/07:

O agente público que não vedava a entrada deste aparelho: fato atípico. O preso surpreendido com o aparelho: fato atípico. Particular que introduzia o aparelho no sistema: fato atípico.

Depois da Lei 11.466/07:

O agente público com dever de vedar se omite: crime do art. 319-A, do CP

O preso surpreendido com o aparelho: falta grave (art. 50, VII, da LEP) Particular que introduzia o aparelho no sistema prisional: fato atípico –

Com a Lei 11.466/07, o comportamento dele permaneceu atípico.

Vejam que a Lei 11.466 cometeu dois erros: não punir com crime o preso, que é o destinatário do aparelho. Ele deveria responder como criminoso, deveria responder por algo semelhante à receptação. E o outro erro crasso: esqueceram da pessoa que introduziu o aparelho e o fato permaneceu atípico.

Uma pessoa foi surpreendida do lado da penitenciária de Guarulhos com uma pipa. Ele amarrava os celulares na pipa e passava para os presos através do muro. Ele foi preso pela PM e foi levado para o delegado: “olha aqui, doutor, jogando aparelho celular dentro do presídio.” O delegado autuou em flagrante com

187

Page 33: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

base em qual crime? Era fato atípico. Eu quero que vocês entendam isso para entender a Lei 12.012/09.

Depois da Lei 12.012/09 - Tipificou o que ainda era atípico. É exatamente o art. 349-A, do CP.

Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Acrescentado pela L-012.012-2009) Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Resumindo e concluindo, o que temos hoje?

o Crime para o diretor ou agente que deixa de vedar.o Crime para quem introduz o aparelho.o Falta grave para o preso.

Houve um caso lá em Presidente Bernardes, onde estava o pessoal do PCC preso. O sujeito jogava os celulares através de um helicóptero a controle remoto. Ainda não havia a tipificação para esse crime, mas o delegado foi esperto, autuou o cara por formação de quadrilha ou bando. Brilhante! E já foi condenado, inclusive em segundo grau.

Vamos voltar para o art. 319-A.

Bem jurídico tutelado – Qual é o bem jurídico tutelado pelo art. 319-A? É a Administração em geral, bem como a segurança interna e externa dos presídios.

Sujeito ativo – Diretor de penitenciária e/ou agente público. Qual é o erro do legislador? Achar que diretor de penitenciária não é agente público. Como se o diretor não fosse agente público. Então, o melhor teria sido colocar só “agente público”. E olha a pergunta: qualquer agente público?? O artigo fala em “dever de vedar ao preso o acesso a aparelho”. Somente, portanto, o funcionário público com esse dever responde pelo art. 319-A. E se ele não tem esse dever de impedir/vedar a entrada do celular, que crime pratica? O do art. 349-A. Funcionário que não tem dever de vedar a entrada de celular, mas introduz o aparelho no sistema prisional, pratica o crime do art. 349-A, que acabamos de ler. E é punido com a mesma pena.

O preso pratica esse crime? Não. O preso é o destinatário do comportamento criminoso. Ele pratica falta grave. É uma omissão do legislador que a doutrina está implorando para que seja corrigida. O preso não pratica crime, mas falta grave.

Sujeito passivo – Vítima primária é o Estado. A vítima secundária é a coletividade.

Conduta punida – O que pune o art. 319-A? Pune uma conduta omissiva. “Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever (...)”. O “deixar de cumprir” demonstra claramente que se trata de um crime omissivo. O agente deixa de vedar a entrada do aparelho que ele percebe que está sendo introduzido no sistema prisional. O crime é omissivo.

188

Page 34: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

E se o funcionário que tem o dever de vedar, não simplesmente se omite, mas leva o aparelho para o preso ou, mais que isso, vê o preso com o aparelho e não tira da mão do preso. O aparelho já estava lá, ele viu e não fez nada. Ou então, ele mesmo entrega o aparelho para o preso.

“E se o agente público, ao invés de permitir o acesso ao aparelho, pessoalmente entregá-lo, ou então, deixar de retirar da sua posse? A expressão ‘acesso ao aparelho’ deve ser interpretada de forma extensiva, abrangendo o comportamento de não retirar ou entregar o aparelho ao preso” Nucci defende essa corrente.

Objeto material – Qual é o objeto material do crime? “Aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”. É aparelho de comunicação: celular, rádio, etc. Notebook com Skype, etc.

Abrange o chip? Abrange o carregador? A pessoa que não veda a entrada da bateria, do carregador, configura o crime? O diretor vê que estão entrando chips (números novos para os celulares), baterias e nada faz. Configura esse crime? A doutrina entende que não porque houve uma omissão do legislador em querer empregar a analogia in malam partem. Errou o legislador. Deveria ter colocado aparelho de comunicação ou seus acessórios. Essa omissão não pode ser integrada, sob pena de analogia in malam partem. Atenção!! O STJ, no final do ano passado, decidiu que abrange chip e carregador!! Diz o STJ: se abrange o principal, abrange o acessório que sirva ao funcionamento do principal. Essa decisão ainda não está nem no site do STJ. Ou se está não está completa. É recentíssima. Notícia já temos. A decisão, na íntegra, não.

Elemento subjetivo – O crime é punido a título de dolo. É o dolo ou algum dolo acrescido de finalidade especial? Olha a pegadinha! O art. 319 traz a prevaricação própria que pune dolo + fim especial (satisfazer interesse ou sentimento pessoal). Já o art. 319-A pune a prevaricação imprópria (dolo sem finalidade especial). Então, cuidado! O “com o fim de satisfazer” é finalidade especial só do caput. Não abrange a letra “a” do dispositivo. Cuidado!

Consumação e Tentativa – Trata-se de crime omissivo puro. Se consuma com a simples omissão, sendo dispensável o efetivo acesso do preso ao aparelho. Crime omissivo próprio não admite tentativa. Ele é unissubsistente. Não admite tentativa.

Terminamos os crimes funcionais. São crimes difíceis, cheios de detalhe e eu quis explorar os principais.

6. FALSO TESTEMUNHO ou FALSA PERÍCIA – Art. 342

Só na introdução do art. 342, eu demoro 15 minutos, explicando porque existe esse crime. Mas não vai dar tempo. Vamos fazer perguntas e respostas sobre o que há de mais importante sobre o tema.

Falso Testemunho ou Falsa PeríciaArt. 342 - Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar

a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou

189

Page 35: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1º- As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 2º - O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. (Alterado pela L-010.268-2001)

§ 3º - O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença, o agente se retrata ou declara a verdade.

É falso testemunho ou falsa perícia. Importante lembrar que os dois crimes estão na redação do art. 342. O § 1º despenca em prova do Banco Central, Tribunal de Contas, essas provas mais técnicas. Puro artigo de lei. Vamos às perguntas:

1. Nós estamos diante de um crime de mão própria, também chamado crime de conduta infungível. Só pode ser praticado por testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete. Por vítima, não. “Ah, mas a vítima mentiu”. Pode responder, eventualmente, por denunciação caluniosa. Mas esse crime não abrange a vítima.

2. Qual testemunha pratica falso testemunho? A que presta compromisso ou também a que não presta, chamada testemunha informante? Pergunta de concurso. Qual testemunha pratica falso testemunho, a compromissada ou abrange a descompromissada? Anotem: “informante pratica falso testemunho?”

1ª Corrente: “Pratica, pois o art. 342 não tem o compromisso com elementar integrante do tipo. Não bastasse, o CPP consagra o princípio do livre convencimento do juiz, podendo o magistrado sentenciar com fundamento num testemunho informante.” Magalhães Noronha. E decisões do STF antigas nesse sentido. Não vejo o Pleno atual seguindo esse caminho, mas é que não teve

oportunidade.

2ª Corrente: “Não pratica, pois se a lei não a submete ao compromisso de dizer a verdade, não pode cometer o crime de falso testemunho.” A segunda corrente diz: então, para quê exigir o compromisso se as duas, no final das contas, vão ter que dizer a verdade, sob pena de crime? A segunda corrente é mais coerente. Mirabete e farta jurisprudência.

3. Eu falei que é um crime de mão própria ou de conduta infungível. Crime de mão própria admite coautoria? Aliás, é o que o diferencia de um crime próprio. Crime de mão própria não admite coautoria. Se é assim, existe coautoria no falso testemunho? Um advogado que induz uma testemunha a mentir é coautor da testemunha ou partícipe do falso testemunho? Partícipe, claro. O Supremo valou: nananinanina. Isso já caiu em concurso 4 vezes e prevaleceu a posição do

190

Page 36: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Supremo. O Supremo decidiu que o advogado é coautor de falso testemunho. “Ué, então, o STF não acha que o crime é de mão própria?” Não! Ele acha que é de mão própria. Mas o STF, nessa questão, trabalhou com a questão da teoria do domínio do fato. O Supremo decidiu que o advogado que induz testemunha a mentir não é partícipe, é coautor do falso testemunho com base na teoria do domínio do fato.

4. São três comportamentos punidos: “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade.” Você pode praticar esse crime de três formas. Sabe o que cai em concurso? O calar a verdade tem um nome. Já caiu em concurso: “fale sobre o crime de” e dá o sinônimo do falso testemunho na modalidade calar a verdade. Como chama? Crime de reticência.

5. Não importa o comportamento, ele se desgarra da verdade. “E o que é verdade?” Essa questão caiu em concurso. Você tem que saber isso porque o examinador já perguntou: “é possível falso testemunho sobre fato verdadeiro?” Você pode praticar falso testemunho falando a verdade? Para responder isso, você tem que saber o que é verdade. O que é verdade? “Verdade é perfeita correspondência entre a realidade e a sua expressão.” O que acontece quando eu tenho a expressão não coincidindo com a realidade? Aqui posso ter duas coisas: o erro ou a mentira. O erro é defeito de percepção. A mentira é intenção de enganar. O que configura o crime? O defeito ou a intenção de enganar? Só a intenção de enganar. O defeito de percepção é fato atípico. Isso significa que o falso testemunho não se extrai da comparação do que a testemunha falou e o que aconteceu, mas do que ele falou e sabia. Entre a realidade e a expressão, há o conhecimento. O fato de a testemunha haver expressado algo que não expressa a realidade, mas se coincide com o seu conhecimento, não é crime porque ela falou o que sabia, aquilo que percebeu, ainda que percebeu algo que não corresponda à realidade. Mas se falou exatamente o que aconteceu, mas se ela não conhecia ou orientaram a testemunha a falar isso, aí é crime. Apesar de ela haver falado exatamente o que aconteceu, não correspondia ao seu conhecimento. Por isso, você conclui que é possível falso testemunho falando a verdade, desde que essa verdade tenha ocorrido e alguém pediu para você falar. Você não extrai o falso testemunho da comparação entre a expressão e a realidade. Você extrai da comparação da expressão com o conhecimento. Isso significa que adotamos a teoria subjetiva. Não a teoria objetiva.

6. O falso testemunho pode ser praticado em processo judicial, não importa se em jurisdição voluntária ou contenciosa. Pode ser praticado em processo administrativo. Pode ser praticado em inquérito policial e também em juízo arbitral. É possível falso testemunho em juízo arbitral. Cai direto isso em concurso: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade (...) em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”. Existe falso testemunho em inquérito civil? A posição do MP é que sim! É uma espécie de procedimento administrativo. Mas o Congresso tem um projeto de lei que está para acrescentar o inquérito civil no art. 342 e, com isso, enfraquece o entendimento do MP. Os réus estão dizendo: se tivesse inquérito civil ai, por que o Congresso está editando uma lei incluindo o inquérito civil? O MP responde: “para tornar explícito.” Se você for prestar MP, está abrangido o inquérito civil em procedimento administrativo. O problema é que essa tese foi enfraquecida por esse projeto de lei que está no Congresso e que quer tipificar o falso testemunho em inquérito civil. Se é assim, significa que, por hora, não é crime. Esse projeto de lei nasceu de uma sugestão de um grupo de estudos de um promotor de SP.

191

Page 37: Lfg Crimes Contra a Administração Pública

LFG – PENAL ESPECIAL – Aula 13 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo II – 16/12/2009

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Cuidado porque o próprio MP de SP sentiu necessidade desse projeto, mas sentiu necessidade para tornar explícito, para não precisar trabalhar com algo implícito.

Eu acho importantíssimo vocês estudarem em casa o que eu não consegui ministrar aqui: art. 135, art. 137 (omissão de socorro e rixa), art. 288 (quadrilha ou bando), art. 297 a 299 e 304 (falsidade ideológica, uso de documento falso). E não vamos conseguir ver aqui, mas é importante vocês estudarem o art. 329 até o art. 331 e o art. 339 ao art. 341 (denunciação caluniosa até auto-acuação falsa). Para quem quer tribunal de contas, estudem o art. 359-A até o art. 359-H. Se vocês analisarem com calma, vocês vão ter que estudar exatamente o número de crimes que eu deixei de dar em razão da Lei 12.015/09.

FIM

192